estudo de caso sobre as relações sociais e interação - Unifal-MG

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ESTUDO DE CASO SOBRE AS RELAÇÕES SOCIAIS E INTERAÇÃO
COM O ESPAÇO FÍSICO: A PRAÇA GETÚLIO VARGAS EM
ALFENAS/MG1
Lilian Mara de Castro Azevedo
[email protected]
Discente do Curso de Geografia Bacharelado da Unifal-MG
Prof. Dr. Evânio dos Santos Branquinho
[email protected]
Orientador e Docente do Curso de Geografia Bacharelado da Unifal-MG
Introdução e metodologia
Este artigo é uma revisão da literatura especializada sobre o tema espaços
públicos e cidades, aplicada à problemática de qual tipo de relação que a população
mantém com a Praça Getúlio Vargas na cidade de Alfenas/MG, após o seu
desenvolvimento. A hipótese que orientou esta pesquisa é a de que mesmo com as
modificações, advindas da industrialização, experimentados nos últimos anos, na
cidade de Alfenas a população manteve com alguns espaços públicos a relação de
interação e integração tanto social como com o próprio lugar, este é o caso da Praça
Getúlio Vargas. Buscou-se estudar e compreender os principais efeitos da alteração
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Pesquisa realizada como estágio curricular do curso de Geografia Bacharelado da Universidade Federal
de Alfenas Unifal-MG
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das cidades provocados pelo desenvolvimento industrial e seu reflexo na relação com
a população.
Após levantamento teórico partiu-se para o trabalho de campo no qual foram
desenvolvidas pesquisas qualitativas utilizando-se a técnica de entrevistas abertas. A
escolha desta técnica é justificada pelo caráter exploratório da pesquisa desenvolvida
e da necessidade de deixar os entrevistados à vontade para discorrer sobre o tema
proposto. As perguntas foram surgindo e sendo respondidas através de uma conversa
informal, buscando sempre que os entrevistados explicitassem as suas experiências
pessoais com o lugar em estudo, ou seja, a Praça Getúlio Vargas.
O lugar
Um dos conceitos mais importantes da geografia, o lugar, não é algo fácil de
definir. Por se tratar de um conceito polissêmico, ou seja, que detém muitos sentidos,
ele tem sido explorado por uma gama grande de estudiosos da cidade, cada um
enfocando as relações específicas de sua área de estudo na definição do conceito. A
dimensão física do espaço, resultado das manifestações e modificações históricas
exercidas pelo homem é complementada pela dimensão social e simbólica, esta última
sendo a associação de sentidos e ideias ao espaço. A este lugar também podemos
chamar de espaço vivido, conforme GOMES (2005), o espaço construído e
representado pelos atores sociais que interagem neste espaço e que deve ser vivido
também pelo geógrafo durante sua pesquisa, para melhor interpretação deste
ambiente.
Para CARLOS (2007) o lugar é indissociável ao vivido, e guarda em si seu
significado e as dimensões do movimento da vida, porém é uma reflexão mais
específica de lugar, feita pela autora, que remete ao objeto deste estudo. Ela afirma
que o lugar deve ser analisado pela tríade habitante-identidade-lugar e afirma que a
cidade é fruto dessa relação e mantém um vínculo com o habitante, que se apropria
dela e transforma o cotidiano em espacialidade. O homem habita a cidade e percebe
seus movimentos, os integrando e reproduzindo.
O desenvolvimento das cidades modificou a forma de percepção através da
aceleração da velocidade de deslocamento e de trocas econômicas e sociais. A
cidade “inicial” foi desenvolvida como lugar do pedestre e da circulação de carroças e
animais, o tempo e a configuração espacial eram outros. Todo o avanço tecnológico
advindo da configuração industrial das cidades alterou a relação entre o habitante e o
lugar, interferindo também na questão da identidade. LEFEBVRE (2008) identifica
como sendo dialética a relação entre a realidade capitalista e os processos urbanos,
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pois são ao mesmo tempo conflitantes e inseparáveis. A cidade se desenvolveu
através da industrialização direta e indireta, declinando sua relação espaço-indivíduo
em consequência deste desenvolvimento.
Para se defender do turbilhão proveniente destas transformações o homem
tende a se modificar e se relacionar de forma diferente com o lugar. SIMMEL (1987),
aborda os estímulos da cidade moderna afirmando que ela é palco de uma
diferenciação e especialização do trabalho tão acelerado, ditado pela lógica capitalista
industrial pós primeira Revolução Industrial, que o homem torna-se um ser de
sensações únicas e de relações cada vez mais complexas e individuais. Descrevendo
a diferença entre o habitante que vivia naquela cidade com movimentos lentos, de
quase ruralidade, da realidade mais agitada e concorrida da modernidade, ele destaca
que o indivíduo sofre tantos estímulos e num ritmo tão frenético que passou a ser
insensível a eles. Como uma anestesia da psique para evitar um colapso nervoso
diante de tamanha quantidade de relações agora experimentadas. A esta
incapacidade de reagir a novas sensações com a energia apropriada, ele chama de
“atitude blasé” e afirma sua importância na cidade regida pelo sistema econômico
destacando que se cada indivíduo revidasse a todos os novos movimentos retardariam
o processo de desenvolvimento econômico das cidades. O homem sente a cidade de
forma diferente da anterior e se apropria deste espaço de formas espaciais que
tendem a uma homogeneidade, cada vez mais monótonos e desinteressantes, dotado
de praticamente nenhuma personalidade.
O espaço público
O espaço público é, conforme SERPA (2011), local institucionalizado pelos
detentores do poder, seja econômico ou político, para evidenciar a homogeneização
desta nova cidade e evitar qualquer formação que possa apresentar resistência por
parte dos que o utilizam. O autor afirma, também, que este espaço público não deixa
de ser vivido, somente deixa de ser concebido pelos homens que o vivem e trazem
consigo uma noção de identificação diferente da anterior. Para Serpa os locais de
convívio público, mesmo tratados esteticamente de forma a promover a ideia de
homogênio, acabaram por se tornar um grande palco da hierarquia social, pois nestes
espaços a forma de percepção e apropriação depende do nível sociocultural dos
frequentadores e a permanência nesses espaços depende da identificação ou não
com este lugar.
O Centro
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Para entender os processos atuantes no espaço da Praça Getúlio Vargas é
necessário que seja feita uma análise em escala maior, ou seja, do lugar onde ela está
inserida na cidade. A praça é o centro da cidade, não o centro geométrico, mas o
centro como conjunto de ações sociais, políticas, comerciais e financeiras, além de
local de cruzamento de fluxos desta natureza na cidade.
Villaça (2001) afirma que nenhuma área é ou não centro, mas torna-se centro
como fruto de um processo social. O movimento que torna um lugar “centro”, para o
autor, está relacionado à sua capacidade de otimizar deslocamentos, poupando
desgaste físico e mental da população, facilitando os encontros e as interações
sociais. Juntamente com a aglomeração derivada deste movimento centrípeto surgem
as disputas pelo controle deste lugar, que passa a representar valor simbólico pela sua
importância social.
No caso de Alfenas, percebe-se que, com o desenvolvimento da cidade, outras
áreas centrais foram se formando, atraindo outras centralidades, como, por exemplo, a
vida noturna. Conforme relatos dos entrevistados, nas décadas de 1970 e 1980, a
Praça Getúlio Vargas era palco desta atividade, que se desenrolava nos bares,
restaurantes, clubes e cinemas da região. De acordo com Alfenas (2006), após a
expansão da Fundação de Ensino Superior de Alfenas, que passou a se chamar
Universidade de Alfenas, UNIFENAS, no ano de 1989, o número de estudantes
aumentou de maneira significativa nos bairros próximos à nova universidade, criando
novos fluxos e interações sociais, ou seja, uma nova centralidade nessa nova área
central. A concentração de estudantes atraiu comércio, serviços, mas, principalmente,
atraiu a vida noturna da cidade para seu entorno. A Avenida Presidente Artur
Bernardes, nas proximidades do bairro Vila Teixeira é a materialização desta
centralidade hoje, contando com a maioria dos mais movimentados bares e
restaurantes da cidade. Nota-se, porém, que esta foi a atividade que a Praça perdeu
de forma mais significativa nas últimas décadas, pois as funções comercial (comércio
e serviços), financeira (bancos e financiadores) e o lazer (crianças e adolescentes),
permaneceram, mesmo com sua ampliação para outras áreas da cidade. A função
residencial, já havia perdido seu protagonismo na década de 1960 com a
modernização da cidade e expansão do comercio, onde as antigas residências deram
espaço a essa nova função.
A aproximação entre os conceitos de centralidade e lugar, conforme Serpa
(2014) remete à idéia de “centralidades vividas”, ou seja, o lugar central é, além de
funcional, vivido. O autor diz ainda que o processo de consolidação das centralidades
é “dinâmico e histórico”, que dependem de um longo processo de apropriação e
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identificação social. Porém o lugar não é um coletivo de usos e tempos homogêneos.
Cada pessoa apropria-se do lugar de forma particular e de acordo com determinado
interesse. Estas diferenciações fazem do espaço da Praça central um espaço de
materialização dessas diversas ações sociais, denso em informações, de grande valor
econômico e valor simbólico.
Essa efervescência social, dada, no caso da Praça Getúlio Vargas, pela
diversificação das atividades ali dispostas, sobrepõe eventos diferentes, não de forma
sucessiva, mas concomitante, definida por Santos (1996) como o “viver comum de
cada instante”. Este viver comum é a coexistência dos interesses e desejos individuais
que se materializam na ação social deste espaço. O mesmo lugar utilizado por
pessoas com objetivos diferentes, ao mesmo tempo, criando um lugar único. O que
remete a esse viver comum é o fato de ter sido comum nas entrevistas o relato de
usos “perdidos” por alguns e atuais para outros. A utilização do espaço da Praça como
ponto de encontro para a prática do footing2 é narrada por alguns como algo que não
se faz mais naquele espaço, porém, os entrevistados mais jovens ainda utilizam a
utilizam para encontros e paqueras. Não foi o uso que mudou, foram as pessoas que a
utilizam que mudaram suas relações com o lugar. Assim percebe-se que a formação
do espaço social é a associação entre interesses individuais, temporalidades e espaço
físico, uma confluência que enriquece o cotidiano e promove vida ao espaço público.
Nas entrevistas, carregadas de saudosismo, peculiaridades do local e da
relação entre os usuários foram descritas. Descreveram a praça como um lugar de
intensa vida social no passado e a veem hoje como mais um exemplo de centro
degredado, fadado ao tráfico de drogas e ao vandalismo. Todavia, admitem que algo
se manteve, como a preservação deste espaço como palco de encontros, de
manifestação política (comícios, desfiles cívicos e manifestações), religiosas
(quermesses e procissões), culturais e esportivas.
Referência Bibliográfica
_______. Walter Benjamin, Sociologia. 2.ed. Trad., introd. e org. Flávio Kothe. São
Paulo: Ática, 1991.
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Footing: forma de paquera, comum em pequenas cidades, onde as moças passeavam
ao redor da praça caminhando em um sentido, enquanto os rapazes caminhavam em
sentido oposto, favorecendo o “encontro”.
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CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: Labur Edições,
2007, 85p.
GOMES, Paulo Cesar da Costa. O horizonte humanista. p.304-337. In: GOMES, Paulo
Cesar da Costa. Geografia e Modernidade. 5.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2005.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5.ed. São Paulo: Centauro Editora, 2008.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ALFENAS. Plano Diretor de Alfenas (MG). Leitura
Técnica. Alfenas, 2006.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. 4.ed. São Paulo: EdUSP, 1996.
SERPA, Angelo. O espaço público na cidade contemporânea. São Paulo: Contexto,
2007)
SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio Guilherme (Org.). O
fenômeno urbano. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987 (1902).
VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. 2.ed. São Paulo: Studio Nobel, 2001.
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