263 ESTUDO DE CASO SOBRE AS RELAÇÕES SOCIAIS E INTERAÇÃO COM O ESPAÇO FÍSICO: A PRAÇA GETÚLIO VARGAS EM ALFENAS/MG1 Lilian Mara de Castro Azevedo [email protected] Discente do Curso de Geografia Bacharelado da Unifal-MG Prof. Dr. Evânio dos Santos Branquinho [email protected] Orientador e Docente do Curso de Geografia Bacharelado da Unifal-MG Introdução e metodologia Este artigo é uma revisão da literatura especializada sobre o tema espaços públicos e cidades, aplicada à problemática de qual tipo de relação que a população mantém com a Praça Getúlio Vargas na cidade de Alfenas/MG, após o seu desenvolvimento. A hipótese que orientou esta pesquisa é a de que mesmo com as modificações, advindas da industrialização, experimentados nos últimos anos, na cidade de Alfenas a população manteve com alguns espaços públicos a relação de interação e integração tanto social como com o próprio lugar, este é o caso da Praça Getúlio Vargas. Buscou-se estudar e compreender os principais efeitos da alteração 1 Pesquisa realizada como estágio curricular do curso de Geografia Bacharelado da Universidade Federal de Alfenas Unifal-MG Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo das cidades provocados pelo desenvolvimento industrial e seu reflexo na relação com a população. Após levantamento teórico partiu-se para o trabalho de campo no qual foram desenvolvidas pesquisas qualitativas utilizando-se a técnica de entrevistas abertas. A escolha desta técnica é justificada pelo caráter exploratório da pesquisa desenvolvida e da necessidade de deixar os entrevistados à vontade para discorrer sobre o tema proposto. As perguntas foram surgindo e sendo respondidas através de uma conversa informal, buscando sempre que os entrevistados explicitassem as suas experiências pessoais com o lugar em estudo, ou seja, a Praça Getúlio Vargas. O lugar Um dos conceitos mais importantes da geografia, o lugar, não é algo fácil de definir. Por se tratar de um conceito polissêmico, ou seja, que detém muitos sentidos, ele tem sido explorado por uma gama grande de estudiosos da cidade, cada um enfocando as relações específicas de sua área de estudo na definição do conceito. A dimensão física do espaço, resultado das manifestações e modificações históricas exercidas pelo homem é complementada pela dimensão social e simbólica, esta última sendo a associação de sentidos e ideias ao espaço. A este lugar também podemos chamar de espaço vivido, conforme GOMES (2005), o espaço construído e representado pelos atores sociais que interagem neste espaço e que deve ser vivido também pelo geógrafo durante sua pesquisa, para melhor interpretação deste ambiente. Para CARLOS (2007) o lugar é indissociável ao vivido, e guarda em si seu significado e as dimensões do movimento da vida, porém é uma reflexão mais específica de lugar, feita pela autora, que remete ao objeto deste estudo. Ela afirma que o lugar deve ser analisado pela tríade habitante-identidade-lugar e afirma que a cidade é fruto dessa relação e mantém um vínculo com o habitante, que se apropria dela e transforma o cotidiano em espacialidade. O homem habita a cidade e percebe seus movimentos, os integrando e reproduzindo. O desenvolvimento das cidades modificou a forma de percepção através da aceleração da velocidade de deslocamento e de trocas econômicas e sociais. A cidade “inicial” foi desenvolvida como lugar do pedestre e da circulação de carroças e animais, o tempo e a configuração espacial eram outros. Todo o avanço tecnológico advindo da configuração industrial das cidades alterou a relação entre o habitante e o lugar, interferindo também na questão da identidade. LEFEBVRE (2008) identifica como sendo dialética a relação entre a realidade capitalista e os processos urbanos, Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo 264 pois são ao mesmo tempo conflitantes e inseparáveis. A cidade se desenvolveu através da industrialização direta e indireta, declinando sua relação espaço-indivíduo em consequência deste desenvolvimento. Para se defender do turbilhão proveniente destas transformações o homem tende a se modificar e se relacionar de forma diferente com o lugar. SIMMEL (1987), aborda os estímulos da cidade moderna afirmando que ela é palco de uma diferenciação e especialização do trabalho tão acelerado, ditado pela lógica capitalista industrial pós primeira Revolução Industrial, que o homem torna-se um ser de sensações únicas e de relações cada vez mais complexas e individuais. Descrevendo a diferença entre o habitante que vivia naquela cidade com movimentos lentos, de quase ruralidade, da realidade mais agitada e concorrida da modernidade, ele destaca que o indivíduo sofre tantos estímulos e num ritmo tão frenético que passou a ser insensível a eles. Como uma anestesia da psique para evitar um colapso nervoso diante de tamanha quantidade de relações agora experimentadas. A esta incapacidade de reagir a novas sensações com a energia apropriada, ele chama de “atitude blasé” e afirma sua importância na cidade regida pelo sistema econômico destacando que se cada indivíduo revidasse a todos os novos movimentos retardariam o processo de desenvolvimento econômico das cidades. O homem sente a cidade de forma diferente da anterior e se apropria deste espaço de formas espaciais que tendem a uma homogeneidade, cada vez mais monótonos e desinteressantes, dotado de praticamente nenhuma personalidade. O espaço público O espaço público é, conforme SERPA (2011), local institucionalizado pelos detentores do poder, seja econômico ou político, para evidenciar a homogeneização desta nova cidade e evitar qualquer formação que possa apresentar resistência por parte dos que o utilizam. O autor afirma, também, que este espaço público não deixa de ser vivido, somente deixa de ser concebido pelos homens que o vivem e trazem consigo uma noção de identificação diferente da anterior. Para Serpa os locais de convívio público, mesmo tratados esteticamente de forma a promover a ideia de homogênio, acabaram por se tornar um grande palco da hierarquia social, pois nestes espaços a forma de percepção e apropriação depende do nível sociocultural dos frequentadores e a permanência nesses espaços depende da identificação ou não com este lugar. O Centro Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo 265 Para entender os processos atuantes no espaço da Praça Getúlio Vargas é necessário que seja feita uma análise em escala maior, ou seja, do lugar onde ela está inserida na cidade. A praça é o centro da cidade, não o centro geométrico, mas o centro como conjunto de ações sociais, políticas, comerciais e financeiras, além de local de cruzamento de fluxos desta natureza na cidade. Villaça (2001) afirma que nenhuma área é ou não centro, mas torna-se centro como fruto de um processo social. O movimento que torna um lugar “centro”, para o autor, está relacionado à sua capacidade de otimizar deslocamentos, poupando desgaste físico e mental da população, facilitando os encontros e as interações sociais. Juntamente com a aglomeração derivada deste movimento centrípeto surgem as disputas pelo controle deste lugar, que passa a representar valor simbólico pela sua importância social. No caso de Alfenas, percebe-se que, com o desenvolvimento da cidade, outras áreas centrais foram se formando, atraindo outras centralidades, como, por exemplo, a vida noturna. Conforme relatos dos entrevistados, nas décadas de 1970 e 1980, a Praça Getúlio Vargas era palco desta atividade, que se desenrolava nos bares, restaurantes, clubes e cinemas da região. De acordo com Alfenas (2006), após a expansão da Fundação de Ensino Superior de Alfenas, que passou a se chamar Universidade de Alfenas, UNIFENAS, no ano de 1989, o número de estudantes aumentou de maneira significativa nos bairros próximos à nova universidade, criando novos fluxos e interações sociais, ou seja, uma nova centralidade nessa nova área central. A concentração de estudantes atraiu comércio, serviços, mas, principalmente, atraiu a vida noturna da cidade para seu entorno. A Avenida Presidente Artur Bernardes, nas proximidades do bairro Vila Teixeira é a materialização desta centralidade hoje, contando com a maioria dos mais movimentados bares e restaurantes da cidade. Nota-se, porém, que esta foi a atividade que a Praça perdeu de forma mais significativa nas últimas décadas, pois as funções comercial (comércio e serviços), financeira (bancos e financiadores) e o lazer (crianças e adolescentes), permaneceram, mesmo com sua ampliação para outras áreas da cidade. A função residencial, já havia perdido seu protagonismo na década de 1960 com a modernização da cidade e expansão do comercio, onde as antigas residências deram espaço a essa nova função. A aproximação entre os conceitos de centralidade e lugar, conforme Serpa (2014) remete à idéia de “centralidades vividas”, ou seja, o lugar central é, além de funcional, vivido. O autor diz ainda que o processo de consolidação das centralidades é “dinâmico e histórico”, que dependem de um longo processo de apropriação e Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo 266 identificação social. Porém o lugar não é um coletivo de usos e tempos homogêneos. Cada pessoa apropria-se do lugar de forma particular e de acordo com determinado interesse. Estas diferenciações fazem do espaço da Praça central um espaço de materialização dessas diversas ações sociais, denso em informações, de grande valor econômico e valor simbólico. Essa efervescência social, dada, no caso da Praça Getúlio Vargas, pela diversificação das atividades ali dispostas, sobrepõe eventos diferentes, não de forma sucessiva, mas concomitante, definida por Santos (1996) como o “viver comum de cada instante”. Este viver comum é a coexistência dos interesses e desejos individuais que se materializam na ação social deste espaço. O mesmo lugar utilizado por pessoas com objetivos diferentes, ao mesmo tempo, criando um lugar único. O que remete a esse viver comum é o fato de ter sido comum nas entrevistas o relato de usos “perdidos” por alguns e atuais para outros. A utilização do espaço da Praça como ponto de encontro para a prática do footing2 é narrada por alguns como algo que não se faz mais naquele espaço, porém, os entrevistados mais jovens ainda utilizam a utilizam para encontros e paqueras. Não foi o uso que mudou, foram as pessoas que a utilizam que mudaram suas relações com o lugar. Assim percebe-se que a formação do espaço social é a associação entre interesses individuais, temporalidades e espaço físico, uma confluência que enriquece o cotidiano e promove vida ao espaço público. Nas entrevistas, carregadas de saudosismo, peculiaridades do local e da relação entre os usuários foram descritas. Descreveram a praça como um lugar de intensa vida social no passado e a veem hoje como mais um exemplo de centro degredado, fadado ao tráfico de drogas e ao vandalismo. Todavia, admitem que algo se manteve, como a preservação deste espaço como palco de encontros, de manifestação política (comícios, desfiles cívicos e manifestações), religiosas (quermesses e procissões), culturais e esportivas. Referência Bibliográfica _______. Walter Benjamin, Sociologia. 2.ed. Trad., introd. e org. Flávio Kothe. São Paulo: Ática, 1991. 2 Footing: forma de paquera, comum em pequenas cidades, onde as moças passeavam ao redor da praça caminhando em um sentido, enquanto os rapazes caminhavam em sentido oposto, favorecendo o “encontro”. Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo 267 CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: Labur Edições, 2007, 85p. GOMES, Paulo Cesar da Costa. O horizonte humanista. p.304-337. In: GOMES, Paulo Cesar da Costa. Geografia e Modernidade. 5.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5.ed. São Paulo: Centauro Editora, 2008. PREFEITURA MUNICIPAL DE ALFENAS. Plano Diretor de Alfenas (MG). Leitura Técnica. Alfenas, 2006. SANTOS, Milton. A natureza do espaço. 4.ed. São Paulo: EdUSP, 1996. SERPA, Angelo. O espaço público na cidade contemporânea. São Paulo: Contexto, 2007) SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio Guilherme (Org.). O fenômeno urbano. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987 (1902). VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. 2.ed. São Paulo: Studio Nobel, 2001. Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG 30 de maio a 02 de junho de 2016 Alfenas – MG www.unifal-mg.edu.br4jornadageo 268