ISSN 1517-1256

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Universidade Federal do Rio Grande - FURG
Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental
Revista do PPGEA/FURG-RS
ISSN 1517-1256
Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental
Uma nova dimensão da gestão ambiental: da produção agrícola local
para a alimentação escolar
Cristiane Romanello1
Marcus Hübner2
Resumo: A vinculação dos programas governamentais de alimentação escolar à produção local
de alimentos no âmbito das escolas brasileiras se oferece como um novo espaço para o
estabelecimento de uma sinergia entre a educação alimentar e a educação para a gestão
ambiental. Neste trabalho, fundamentado na análise documental dos programas governamentais
brasileiros, voltados para a promoção da alimentação saudável e para a agricultura orgânica
familiar, procura-se delinear ações que promovam conjuntamente o desenvolvimento de bons
hábitos nutricionais e a consciência da relevância da gestão ambiental no campo da produção
agrícola local. A aplicação do conceito de segurança alimentar, relativa à garantia da oferta e da
qualidade nutricional dos alimentos, e a aplicação do conceito de segurança dos alimentos,
relativa à garantia da qualidade sanitária dos alimentos, aos sistemas locais de produção e de
processamento dos alimentos para o consumo da população escolar, possibilitam tanto o
desenvolvimento da consciência da importância da gestão ambiental como a consciência da
importância da gestão nutricional na população escolar. Programas interdisciplinares dessa
natureza, que contemplem alimentação e meio ambiente, devem promover o desenvolvimento
de uma população jovem saudável e consciente das suas responsabilidades frente ao meio
ambiente, tal como impactado pela produção agroalimentar, assim como servirão de base para a
superação de desafios nutricionais coletivos contemporâneos, tal como a fome, a desnutrição, a
má nutrição e a obesidade coletivas.
Palavras-chave: Alimentos Saudáveis; Gestão nutricional; Hábitos Alimentares; Obesidade
coletiva.
A new dimension of environmental management: from local agricultural
production to school food programs
1
2
MBA em Gestão Ambiental. UNIASSELVI/IERGS. E-mail: [email protected]
Professor. UNIASSELVI/IERGS. E-mail: [email protected]
202
Rev. Eletrônica Mestr. Educ. Ambient. ISSN 1517-1256, V. 30, n. 1, p. 202 – 216, jan./ jun. 2013.
Abstract: The linkage of governmental programs for school food and local food production in
the context of Brazilian schools is offered as a new space for the establishment of a synergy
between nutritional education and environmental management. In this paper, based on
documentary analysis of Brazilian government programs, aimed at promoting healthy eating
and organic family farming, we try to outline actions that jointly promote the development of
good nutritional habits and awareness of the importance of environmental management in the
field of local agricultural production. The application of the concept of food security, on
guaranteed supply and nutritional quality of food, and the application of the concept of food
safety, quality assurance relating to health food, to local systems of production and processing
of food for consumption of the school population, enable both the development of awareness of
the importance of environmental management as awareness of the importance of nutritional
management in the school population. Interdisciplinary programs of this nature, that include
food and environment, shall promote the development of a healthy and young population aware
of its responsibilities towards the environment as impacted by agricultural food production, as
well as serve as a basis for overcoming nutritional, collective, contemporary challenges, such as
hunger, malnutrition, undernourishment, and collective obesity.
Keywords: Healthy Foods; Nutritional Management; Eating Habits; Collective obesity
Introdução
A questão alimentar no Brasil ganhou dimensão institucional na década de 1940,
quando as condições do trabalhador brasileiro entraram na pauta das políticas públicas.
O desenvolvimento econômico e social de uma nação está diretamente ligado à
alimentação, sobretudo aos hábitos alimentares, uma vez que estes influenciam o
desenvolvimento físico e mental dos indivíduos. Maus hábitos alimentares podem
acarretar problemas físicos e psicológicos graves, principalmente quando o ser humano
está em desenvolvimento e as deficiências individuais daí decorrentes tem profundo
impacto no coletivo de uma nação. O manuseio dos alimentos e seus cultivos, que
antecedem ao seu consumo, também devem fazer parte dessa pauta, pois deficiências
nessas etapas são dificilmente compensadas posteriormente.
No que concerne à alimentação infantil, ademais das famílias, também as escolas
e creches são responsáveis tanto pelo desenvolvimento de hábitos alimentares
saudáveis, como também pelo gerenciamento da oferta de alimentos à criança desde os
primórdios de suas vidas.
Com vistas a assegurar uma melhor qualidade de vida à população jovem, no
que concerne à ingestão de alimentos, os programas governamentais no Brasil têm
promovido a qualidade nutricional por meio de leis, programas e projetos que tem por
finalidade a implantação da prática da alimentação saudável nas instituições
educacionais.
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No incentivo da alimentação saudável para as crianças de famílias com renda
mensal baixa, na virada do milênio o governo federal brasileiro criou o programa
conhecido como Bolsa Família e, nesse âmbito, investiu em projetos para diretamente
auxiliar na alimentação das crianças, com destaque ao projeto Fome Zero, lançado em
outubro do ano de 2001, quando inseriu uma âncora de segurança alimentar na rotina
das famílias brasileiras de baixa renda. No ano de 2003 a ação Fome Zero deixou de ser
um projeto e passou a ser um programa consolidado, tendo como mote “O Brasil que
come, ajudando o Brasil que tem fome”, criando-se desta forma um programa
governamental de combate à pobreza de grande visibilidade. Assim, com a garantia de
acesso à alimentação, busca-se, com uma ação governamental, melhorar a qualidade de
vida e o desenvolvimento saudável de todas as crianças brasileiras.
A alimentação está seriamente vinculada às questões do futuro de um país. Na
década de 2010 o Brasil passou a contar com um Plano Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (PLANSAN), a ser executado no período de 2012 a 2015. O
plano receberia o aporte de 19 ministérios do governo federal, responsáveis por ações
voltadas respectivamente às questões da produção de alimentos, abastecimento
alimentar e agricultura familiar, entre outros temas, todas voltada à busca de uma
alimentação mais saudável e adequada à população brasileira. O plano é frequentemente
considerado uma alavanca para a melhoria de vida de muitos brasileiros.
Sendo as escolas e as demais instituições de ensino os pilares da construção do
futuro de uma nação, é essencial que em suas pautas de trabalho constem ações que
visem o desenvolvimento de bons hábitos alimentares em seus alunos. Tanto o
rendimento escolar dos estudantes no presente como a sua existência no futuro
dependem de uma alimentação saudável na sua juventude. Ferramentas pedagógicas
alimentares, tais como a manutenção de hortas e cozinhas de bom nível técnico nas
instituições de ensino, são meios eficientes de educação para o desenvolvimento de
hábitos de alimentação saudável persistentes por toda uma vida. O consumo de
alimentos produzidos localmente tem em regra um grande poder motivacional no
desenvolvimento de bons hábitos alimentares.
Associados à produção e ao preparo dos alimentos de origem local, devem
constar as medidas higiênicas que devem ser aplicadas ao manuseio desses produtos.
Nos esforços pedagógicos de difusão de bons hábitos alimentares, deve-se agregar às
ideias de segurança alimentar relativas à oferta e à qualidade nutricional dos produtos
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consumidos, as ideias da segurança dos alimentos relativas à sua condição de estarem
livres de contaminação por agentes nocivos à saúde.
A questão alimentar envolve diversas áreas do conhecimento. A educação
alimentar deve abranger, portanto, a realização de trabalhos de forma multi e
interdisciplinar.
Quando se aborda a questão da alimentação dos indivíduos e das populações, ao
lado das questões da forme e da subnutrição, temos as questões relativas à obesidade,
decorrente do consumo excessivo e inadequado dos alimentos. A obesidade coletiva é
um fenômeno de natureza pandêmica, de ocorrência tanto em países desenvolvidos
como em países em desenvolvimento. À obesidade coletiva estão associadas várias
patologias de grande impacto individual e social.
Nos últimos anos o Brasil e vários outros países de todas as partes do mundo
começaram a se preocupar também com a questão da obesidade que abrange todas as
faixas etárias, inclusive a população escolar, buscando medidas de combate ao
sobrepeso e à prevenção de patologias físicas e psicológicas a ele associadas. Em 2011,
por exemplo, no Brasil foi criado o “Plano Intersetorial de Prevenção e Controle da
Obesidade: promovendo modos de vida e alimentação adequada e saudável para a
população brasileira”. Esse plano se fundamenta na difusão de bons hábitos alimentares
em toda a população.
Obviamente, as questões relacionadas à alimentação são complexas, pois
determinam todo o desenvolvimento do organismo, do seu crescimento à sua
manutenção, bem como estão associadas a aspectos diretamente ligados à saúde e ao
bem estar do individuo.
Quando se fala em qualidade da alimentação ou alimentação saudável devemos
considerar desde o momento da preparação do solo para o plantio até a chegada do
alimento à mesa. A produção, a distribuição e o manuseio dos alimentos com vista ao
seu preparo para o consumo se dão através de uma série complexa de interações com o
meio ambiente, gerando impactos frequentemente negativos. Assim, quando se articula
certa produção agrícola, com vista aos programas alimentares, governamentais ou não,
deve-se necessariamente considerar também um plano de gestão alimentar abrangente
que contemple as ações relativas à segurança alimentar, nos seus aspectos quantitativos
e qualitativos nutricionais, e à segurança dos alimentos, nos seus aspectos sanitários.
Este trabalho busca destacar alguns elementos pertinentes à questão ambiental da
alimentação escolar, oriunda dos seus sistemas locais de produção. Neste trabalho se
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optou pela metodologia de pesquisa documental, capturando-se as leis, os programas e
os projetos dos governos brasileiros que visam o estabelecimento e a difusão de boas
práticas e hábitos de alimentação saudável na população brasileira.
A Alimentação nas Políticas Públicas Brasileiras
O mundo enfrenta hoje um problema muito grave em relação à questão
alimentar. A carência de nutrientes compromete o bem estar e a saúde do individuo. A
escassez de alimento leva ao comprometimento de energia para desenvolvimento de
atividades vitais e principalmente, das necessidades cerebrais, trazendo consequências
no desenvolvimento físico, psicológico e mental do ser humano, podendo ocasionar até
mesmo a morte. O organismo em caso de inanição extrema, por exemplo, busca fontes
alternativas de energia, como o consumo da própria estrutura muscular, reserva
energética última do organismo.
Para o desenvolvimento de uma criança saudável é importante começar desde a
infância o incentivo a bons hábitos alimentares. À medida que a criança vai crescendo
ela se torna apta a definir os alimentos que apetecem seu paladar. Nesta fase é
fundamental que os pais e as escolas ofereçam alimentos de qualidade e que possuam
valores energéticos que não ultrapassem os limites diários de uma dieta equilibrada.
Os gestores públicos do Brasil, quando no cumprimento da sua responsabilidade
pública, vêm se preocupando há muito com as questões alimentares de sua população,
notadamente a falta de alimentos e as patologias ocasionadas aos maus hábitos
alimentares. A instituição do salário mínimo brasileiro, em 1940, pelo Presidente
Getúlio Vargas, gerou também um grande progresso no Brasil em relação à questão
alimentar. A garantia de recursos fixos mensais à população, proporcionada pelo salário
mínimo, qualificou fundamentalmente a qualidade de vida no país.
Na década de 1980, problemas econômicos e inflacionários diminuíram o poder
aquisitivo da população. De acordo com o Senado Brasileiro:
Após 1983, as diferentes políticas salariais, associadas aos
planos econômicos que tinham por objetivo diminuir a
inflação, causaram significativas perdas no poder de compra
do salário mínimo. (BRASIL, 2012 a).
A diminuição do poder de compra gerou graves consequências à população
brasileira, como a falta de recursos de famílias de baixa renda, sobretudo aquelas em
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que apenas um integrante trabalhava para suprir as necessidades básicas da prole. Neste
sentido, o governo brasileiro posteriormente e recentemente começou a elaborar
recursos para minimizar as necessidades, criando um projeto chamado Fome Zero, onde
os beneficiados seriam famílias com dificuldade de acesso aos alimentos.
Destaca a Presidência da Republica Federativa do Brasil:
“Fome Zero é uma estratégia impulsionada pelo governo
federal para assegurar o direito humano à alimentação
adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos.
Tal estratégia se insere na promoção da segurança alimentar e
nutricional buscando a inclusão social e a conquista da
cidadania da população mais vulnerável à fome”. (BRASIL,
20012 b).
Para podermos falar sobre alimentação saudável não podemos deixar de lado
alguma ações para a segurança alimentar visando, entre outras, a quantidade de alimento
suficiente para o abastecimento, à garantia da sua qualidade (principalmente sanitária,
nutricional e sensorial) e levando-se em consideração a cor, textura e aromas dos
alimentos fornecidos. Desta forma, as características do projeto Fome Zero, foram
adotadas no ano de 2003 como uma das prioridades do Governo, estabelecendo assim o
inicio da caminhada para uma segurança alimentar no Brasil. O aumento do poder de
compra, então incorporado na rotina das famílias com o salário mínimo e seus projetos
vinculados, se constituiu num estimulo em todo pais à produção e à compra de mais
alimentos e um fator de busca de um melhor manejo dos produtos agroalimentares.
Atualmente temos o sistema varejista como um mecanismo eficiente para levar
os produtos alimentícios a seus consumidores, por suas unidades de compra fácil e
direta. As estratégias de mercado utilizadas na produção variam conforme o
comportamento do consumidor e suas exigências vinculadas ao seu poder de compra.
O mundo moderno exige alimentos que facilitem o dia-a-dia dos consumidores,
determinando a estrutura do complexo alimentar, comercializando alimentos que se
adaptam ao cotidiano da vida corrida das grandes metrópoles, que exige alimentos
fáceis no preparo. Entretanto, um grande número desses alimentos possui um valor
energético questionável, que eventualmente podem trazer problemas à saúde presente
ou futura da população. É importante que se promova a busca de melhores fontes
alimentares, no intuito de se assegurar uma boa e saudável qualidade de vida à
população. Dadas às pressões do cotidiano da vida adulta, é cada vez mais crítico que se
busquem ações de promoção de uma vida alimentar saudável enquanto a criança esteja
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na escola. Espera-se que os bons hábitos alimentares aprendidos na escola tenham
reflexos no cotidiano das suas respectivas famílias, com repercussões na vida dos
adultos também.
Nos programas governamentais com vistas à alimentação escolar se tem dado
ênfase ao estabelecimento de vínculos logísticos e sócioculturais com os sistemas de
produção local. Desta forma se estabelecem claras interdependências entre a ação
educacional relativa à alimentação com os aspectos agronômicos e ambientais da
produção de alimentos. Assim devemos discutir alguns indicadores e ações relativas ao
gerenciamento ambiental, associado à produção agrícola voltada a alimentação. Os
programas governamentais vigentes no Brasil têm dado ênfase ao uso de alimentos
orgânicos na alimentação escolar, na convicção que tais sistemas de produção
assegurem qualidade nutricional e sustentabilidade ambiental, no pressuposto de que
esses alimentos estariam livres de contaminação química, trazendo maior segurança dos
alimentos à população escolar.
A Agricultura Orgânica na Agricultura Familiar e nas Escolas
Na agricultura orgânica se pratica comumente rotações de cultivos, na busca da
manutenção dos organismos naturalmente existentes no solo, com a ideia de que
alimentos assim produzidos se tornariam mais saborosos e saudáveis. De acordo com
essa forma de cultivo, há o emprego da compostagem e da adubação verde em seu
desenvolvimento e, além disso, esse cultivo dever estar livre de organismos
geneticamente modificados.
Em dezembro de 2003 foi sancionada, no Brasil, a Lei 10.831 que dispõe sobre a
agricultura orgânica e sobre seus usos e certificações. Diz o texto legal que:
Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo
aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a
otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos
disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades
rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e
ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a
minimização da dependência de energia não renovável,
empregando, sempre que possível, métodos culturais,
biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais
sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente
modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do
processo de produção, processamento, armazenamento,
distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente.
(BRASIL, 2012 c)
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Para o desenvolvimento de um cultivo de produtos orgânicos se deve obedecer a
alguns critérios estabelecidos pelas leis e pelas normas do ministério da agricultura do
país, as quais especificam alguns conceitos fundamentais que devem ser obedecidos no
cultivo desses produtos. Um fator determinante na produção de alimentos orgânicos é a
relação de confiança entre os produtores e consumidores e nos seus controles de
qualidade. Junto ao conceito de produção orgânica, a doutrina política do governo
brasileiro passou a adotar o conceito da agricultura familiar. É esta agricultura que o
governo brasileiro considera quando chama os sistemas locais de produção aos seus
programas de alimentação coletiva. De acordo com o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento do Brasil:
“Dois conceitos são fundamentais na produção orgânica: a
relação de confiança entre produtor e consumidor e o controle
de qualidade. O selo SisOrg é obtido por meio de uma
Certificação por Auditoria ou por um Sistema Participativo de
Garantia. Os agricultores familiares são os únicos autorizados a
realizar vendas diretas ao consumidor sem certificação, desde
que integrem alguma organização de controle social cadastrada
nos órgãos fiscalizadores”. (BRASIL, 2012 d)
No Brasil, os produtos orgânicos são desenvolvidos em grande parte pela
agricultura familiar, utilizando pequenas propriedades rurais. Para estes cultivos temos
técnicas variadas para o plantio de hortifrutigrangeiros, sendo que uma delas leva em
consideração o processo de permacultura que considera os aspectos ambientais locais,
juntamente com fatores econômicos e éticos. Assim, a permacultura busca repensar
valores, hábitos e conceitos sobre a qualidade de vida a partir da produção agrícola. A
permacultura busca incentivar o emprego de tecnologias e de alternativas sustentáveis
no uso dos recursos naturais, integrando o homem e o meio ambiente.
Sobre os conceitos de permacultura e suas tecnologias, podemos destacar as
ideias de Soares (1998), quando este diz que a:
“Permacultura é muito mais do que agricultura ecológica ou
orgânica, engloba Economia, Ética, sistemas de captação e
tratamento de água, tecnologia solar e bioarquitetura. Ela é um
sistema holístico de planejamento da nossa permanência no
planeta terra”. (p. 03)
Segundo os seus proponentes, os processos de permacultura podem ser aplicados
em ambientes diversos e em áreas de terra reduzidas. Nestas poder-se-ia ter hortas com
elevados índices de alimentos orgânicos, considerados mais saudáveis. Já na educação
escolar, os processos de permacultura eventualmente empregados pela agricultura
familiar, poderiam ser implementados também nas instituições de ensino fundamental.
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Nesses espaços de formação formal, os temas da permacultura deveriam ser trabalhados
de forma interdisciplinar, visando sempre, a alimentação e a sustentabilidade ambiental.
O aspecto pedagógico relevante que se poderia derivar de tais práticas seria a
importância no desenvolvimento físico, mental e intelectual dos alunos enquanto atores
da produção dos seus próprios alimentos, além da conscientização da sua
responsabilidade frente à preservação ambiental.
Os alimentos produzidos especificamente para a alimentação escolar auxiliariam
no desenvolvimento de bons hábitos alimentares e do interesse das crianças pelas frutas,
legumes e hortaliças que, cultivadas naquele espaço, incentivariam o seu consumo na
merenda escolar, além de contribuir com a educação para os cuidados com o meio
ambiente.
No Brasil a lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, foi implementada com vistas a
alimentação escolar, visando sua qualidade. Afirma o texto legal em seu artigo 2o, inciso
I, que:
“O emprego da alimentação saudável e adequada compreende
o uso de alimentos variados seguros, que respeitem a cultura,
as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo
para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos para a
melhoria do rendimento escolar, em conformidade com sua
faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam
de atenção especifica”. (BRASIL, 2009 e)
Além dos cuidados em relação ao plantio, seria fundamental considerar o
desenvolvimento dos cultivos, como manutenção de canteiros, controle de pragas, época
de colheita, tipo de vegetal a ser plantado em cada época do ano, transporte da
produção, entre outros aspectos associados à produção agroalimentar. Ademais, para a
produção e consumo de alimentos seguros, livre de pragas e contaminantes de natureza
química, devemos manipulá-los de maneira segura e correta.
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e as Hortas Escolares
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) trata da produção,
manuseio e consumo dos alimentos destinados à população escolar brasileira. Entre as
ações desse programa há a inserção de educação nutricional no currículo escolar, onde
ficam estipulados os recursos investidos com educação e suas formas de segurança
alimentar e nutricional. O PNAE foi criado como base na Constituição Federal de 1988,
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na Lei de Diretrizes e Bases da Educação 1996 (LDB) e no Plano Nacional de
Educação, entre outras resoluções e leis que versam sobre o assunto.
Entre as metas do PNAE está a de suprir no mínimo 15% as necessidades diárias
nutricionais através da merenda escolar para alunos de educação infantil, ensino
fundamental e entidades filantrópicas cadastradas no senso escolar.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar/PNAE com base na Lei
11.947/2009 tem como objetivo:
Contribuir para o crescimento e o desenvolvimento
biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e à
formação de hábitos alimentares saudáveis dos alunos. (PNAE,
2009).
O PNAE incentiva a compra de produtos da agricultura familiar em no mínimo
30%, priorizando assim a compra local de alimentos desde que os fornecedores tenham
a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (DAP). Este programa também incentiva o Projeto Hortas Escolares, gerando
uma prática pedagógica e educação nutricional aos alunos.
Para elaboração de uma horta escolar devemos observar alguns critérios
considerados importantes sobre a escolha do local e implantação da horta, como por
exemplo, iluminação, irrigação, tipo de solo e escolha das hortaliças. A aração do solo
para a plantação dos cultivos deveria ser feita, pois a mesma propicia um melhor
desenvolvimento para as raízes das plantas, assim como a inserção de adubos orgânicos.
Ainda, deve-se observar as épocas de plantio e de colheita, garantindo assim uma
variedade de cores e formas determinadas pelos nutrientes naturais encontrados em
diferentes tipos de alimentos. A participação dos alunos em todas as etapas de
elaboração e execução do projeto, bem como na sua análise, é considerada fundamental
para a criação e concretização de bons hábitos alimentares.
Dentro da sala de aula dever-se-ia trabalhar a questão alimentar por meio de uma
proposta pedagógica interdisciplinar, construída com os conteúdos das disciplinas
ministradas no respectivo ano letivo. Seria importante também se levar em consideração
as espécies vegetais alimentares características ou típicas de cada região.
Ainda em relação à cultura alimentar, destaca-se que no Brasil,
cada região apresenta uma cultura com características
diferentes e isso está diretamente relacionado com seus hábitos
alimentares. A vasta quantidade de frutas e hortaliças garante
uma variedade de cores, formas, cheiros e nutrientes
importantes para a qualidade da alimentação. (IRALA,
FERNANDEZ e RECINE, 2001, p.04)
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Para ilustrar a adoção da abordagem interdisciplinar, na disciplina de matemática
se poderia trabalhar a noção da porcentagem de alimentos mais consumidos na sala de
aula pelos alunos, a quantidade de alimentos a ser usada em uma receita. Na disciplina
de história se consideraria a própria história dos alimentos, os hábitos alimentares ao
longo dos séculos. Em geografia o porquê de certas frutas e hortaliças crescerem em
certas regiões e épocas do ano e em outras não, quais as influencias climáticas sobre o
desenvolvimento de alguns alimentos. Nas matérias de ciências poder-se-ia discutir a
importância dos alimentos no desenvolvimento e manutenção do organismo humano. A
questão alimentar tem uma grande abrangência conceitual e pedagógica e uma série de
considerações importantes podem ser trabalhadas no ambiente da escola com os alunos,
bem como com seus familiares.
No contexto das hortas escolares localizadas dentro ou fora das escolas, os
alunos podem ter um contato direto com a terra. A elaboração dessas hortas e a
manutenção de seus canteiros, juntamente com o contato com os colegas de classe e
com a vizinhança escolar, podem promover uma forma de conhecimento diversificada e
socializante aos alunos, pois a escola é um espaço social e cultural de interação e de
difusão de hábitos e conhecimentos, onde os jovens devem aprender a viver em
sociedade.
A Segurança dos Alimentos no Ambiente Escolar
A contaminação dos alimentos pode ser física, química ou biológica, que pode
ocorrer por caminhos e meios diversificados. São exemplos de contaminação relevantes
à higiene na alimentação aquelas que ocorrerem através da água, como a presença de
protozoários e de substancias químicas, de microrganismos trazidos pelo ar, bactérias e
vírus oriundos do solo, ou decorrentes do contato com artrópodes, nematelmintos,
roedores e pássaros que possam ter contato direto com o alimento e que podem
transmitir algum tipo de agente patológico. Esses tipos de contaminantes podem levar a
doenças como intoxicações alimentares que, quando muito graves, pode levar até ao
óbito da pessoa afetada.
Um evento marcante que ilustra tais riscos no ambiente escolar foi a
contaminação de alimentos em uma escola de Campo Grande, Mato Grosso do Sul,
ocorrida em 27 de setembro do ano de 2011, quando 180 alunos tiveram intoxicação
alimentar grave, que as análises comprovaram a presença de bactérias do tipo
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estafilococos nos alimentos servidos na merenda escolar. As analises foram feitas pelo
laboratório Lacen/MS e foram publicados no site do Correio do Estado:
De acordo com o Lacen, os exames no alimento misturado, ou
seja, na amostra do almoço, apontaram a presença da bactéria
estafilococos, o que confirma a hipótese de que a contaminação
do alimento tenha ocorrido no intervalo entre a pós-preparação
até o momento em que foi servido. (CORREIO DO ESTADO,
2013)
Também é importante se ressaltar, quando se refere à questão alimentar na
escola, que o condicionamento dos alimentos é importante após o seu preparo. No caso
de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, os alunos apresentaram diarreia e vômito após
algumas horas do consumo dos alimentos. Uma fonte possível de contaminação estaria
associada à forma como os alimentos foram acondicionados após o seu preparo. Assim,
ressalta-se que é importante que todas as pessoas que manipulam os alimentos tenham
treinamento adequado. A Resolução da ANVISA (RDCANVISA nº 216/04) estabelece
boas práticas para os serviços de alimentação a qual pode ser uma excelente referência
para orientar e estabelecer os critérios para esse treinamento.
A Alimentação Escolar e a Obesidade Coletiva
Um problema grave relacionado à questão alimentar que de modo crescente vem
assombrando o mundo em geral, e o Brasil em particular, se refere ao aumento da
ocorrência da obesidade, individual e coletiva. Com a garantia de alimentação a todos,
instituída com o avanço dos planos de combate à pobreza, garantia essa reconhecida
como um direito expresso na Constituição Federal do Brasil, observa-se uma tendência
de crescimento dos casos de obesidade em todas as classes sociais e em todos os grupos
etários. Paralelamente a esse fato, como decorrência das pressões de tempo da vida
urbana, aparentemente a cada dia mais os brasileiros passam a consumir alimentos
processados industrialmente, com altos conteúdos energéticos e de questionável valor
nutricional.
Como decorrência do aumento da obesidade coletiva no Brasil, a coordenadoria
técnica da Secretaria Executiva da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e
Nutricional (CAISAN), juntamente com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (CONSEA) criou então um Plano Nacional de Prevenção e Combate à
Obesidade. Esse plano tem como finalidade a prevenção e o controle da obesidade no
Brasil, promovendo um melhor modo de vida e alimentação mais saudável, incluindo
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atividades físicas em diversos ambientes do cotidiano, como no trabalho, nos locais de
lazer e no ambiente escolar.
A obesidade é o resultado do acúmulo de gordura corporal, que pode levar a
problemas de saúde graves associados, como pressão alta, diabetes, risco de ataques
cardíacos, artrites e derrames cerebrais. O modo de vida cada vez mais sedentário é uma
das principais causas apontadas da obesidade: nestes tempos, a população gasta menos
energia do que consome.
O problema da obesidade coletiva, uma pandemia que afeta igualmente países
desenvolvidos e em desenvolvimento, passou a constar entre as preocupações
constantes dos gestores da saúde pública. Sobre este tema, como medidas preventivas
para as doenças associadas à obesidade, têm-se promovido a oferta de frutas, hortaliças
e pescados nos cardápios escolares e em outras instituições que atendem grupos de
consumidores de diferentes extratos sociais, reduzindo-se os valores calóricos nas
refeições, procurando-se diminuir as taxas de açúcar, de gorduras saturadas e cloreto de
sódio nos alimentos oferecidos. Espera-se que no médio e longo prazo se incremente
gradativamente a qualidade da oferta nutricional e se estanque o desenvolvimento dessa
grave distorção alimentar, decorrente da alimentação e dos hábitos de vida
contemporâneos dos estudantes e da população em geral.
Considerações finais
Os temas da alimentação e da fome são temas complexos. Tratam-se do universo
físico individual e do social, que fazem parte do mundo desenvolvido em
desenvolvimento, nos quais os alimentos são abundantes em certos extratos e escassos
em outro. A questão alimentar está no centro do poder das sociedades contemporâneas.
Os problemas alimentares demandam muitas e diversas estratégias, muitos programas e
projetos que devem ser contextualizados aos diversos ambientes, como nas escolas e
nos locais de trabalho. A questão alimentar, nutricional, é um tema dramático quando se
refere à infância e à população escolas, mas que deve também necessariamente ser
abordado em todas as faixas etárias. E a questão alimentar está estreitamente vinculada
às questões do meio ambiente.
Embora a sociedade, por meio de seus agentes públicos, tente configurar os
elementos essenciais para uma boa gestão ambiental aplicável às questões alimentares
nas escolas, ela ainda é limitada em sua capacidade de reproduzir ideias e normas que
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levem em consideração as práticas cotidianas de produção e consumo dos alimentos nas
diferentes realidades da grande diversidade das escolas brasileiras.
Em uma sociedade em que os ideais são concebidos no âmbito das suas
instituições e só depois levados a prática da população, é comum a carência de pessoas
qualificadas tecnicamente para traduzir esses conceitos em processos eficazes,
pertinentes à cada realidade local. Cabe, portanto, um esforço urgente de inserir nos
sistemas educacionais agentes qualificados para este trabalho. A gestão e os demais
planos administrativos consolidados são importantes nesta perspectiva.
Os programas de gestão ambiental devem enfatizar essa nova dimensão
pedagógica, estimulando os egressos dos centros de formação de recursos humanos a se
dedicarem a esse campo de oportunidades. Ou pela falta de recursos estruturais ou pela
falta de pessoas qualificadas, o sistema educacional brasileiro ainda carece dos
elementos de gestão que possibilitem a convergência dos elementos relacionados ao
meio ambiente da produção agrícola com o meio social do universo da alimentação
saudável.
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