documento associado - Ordem dos Farmacêuticos

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Boletim
do
CIM
c e n t r o d e
i n f o r m a ç ã o
d o m e d i c a m e n t o
Associações de fármacos em dose fixa
Nos últimos anos temos assistido a um aumento significativo
significativa dos medicamentos retirados do mercado representava
de autorizações de introdução no mercado (AIM) de novos medica-
associações em dose fixa e, entre eles, muitos medicamentos não
mentos resultantes da associação em dose fixa de medicamentos
sujeitos a receita médica.
já existentes no mercado isoladamente.
Os critérios entretanto estabelecidos pelas autoridades regulado-
Na maioria dos medicamentos com associações de fármacos
ras, a partir dos anos setenta (nomeadamente a FDA), consideram
em dose fixa, as concentrações de cada fármaco são iguais às
que dois ou mais fármacos poderão ser associados numa mesma
previamente existentes, sendo poucos os medicamentos em que a
forma farmacêutica quando cada componente contribua para o
concentração de cada substância activa é diferente da que existe
efeito reclamado e a dosagem de cada um seja tal que a combina-
isoladamente no medicamento inicial.
ção seja segura e eficaz nas indicações propostas.
Parece-nos importante avaliar quais os motivos desta tendência,
em pleno século XXI, quando a maior parte dos médicos e farma-
Têm sido discutidas em diversas publicações científicas as van-
cêuticos, nos últimos trinta anos, nas disciplinas de Terapêutica
tagens e inconvenientes das associações em dose fixa.5-8 As bases
e Farmacologia das respectivas faculdades, foram instruídos no
conceptuais da terapêutica com associações de fármacos variam,
sentido de se evitarem este tipo de associações, com o principal
sendo diferentes, por exemplo, no caso da hipertensão, em que
argumento de que as mesmas impediam o ajuste da dose a cada
estamos perante substâncias que actuam nos tecidos humanos,
doente e aumentavam o risco de efeitos adversos.
ou no de anti-infecciosos, que actuam num microrganismo. Algu-
Essa corrente era consequência do que se passava então no
mas combinações incluem fármacos da mesma classe e com a
mercado: entre as décadas de cinquenta e setenta introduziram-
mesma acção terapêutica (anti-hipertensores, antivíricos) mas,
-se no mercado centenas de novos fármacos, sendo as associações
noutros casos, temos substâncias diferentes concorrendo para o
frequentes e aprovadas de acordo com os critérios utilizados nessa
mesmo efeito terapêutico (ácido clavulânico e amoxicilina, carbi-
época para avaliação da segurança e eficácia, inerentes às fragili-
dopa e levodopa).
NOVEMBRO/DEZEMBRO 2008
Vantagem para os doentes ou falta de inovação
dades do então sistema regulador dos medicamentos. Nos EUA, no
início da década de setenta, 50% dos medicamentos no mercado
Como vantagens, salientam-se, na literatura publicada, a melhor
eram constituídos por associações de fármacos.1 A FDA estabeleceu
adesão à terapêutica, o preço inferior aos dos fármacos individual-
entretanto regras2 em que se determinavam os critérios de segurança
mente considerados, vantagens logísticas no aprovisionamento e
e eficácia a adoptar para aprovação de combinações em dose fixa.
distribuição, a mais conveniente prescrição e administração. As
A lista de 250 medicamentos essenciais da OMS, em 1979, incluía
desvantagens apontadas referem a maior dificuldade de ajuste da
somente sete medicamentos com associações.3 Num interessante
dose às necessidades individuais do doente, problemas associados
artigo publicado em 2001, refere-se que nos EUA, Reino Unido e
ao diferente perfil farmacocinético e, no caso em que os compo-
Israel, a percentagem global de medicamentos em associação fixa
nentes da associação não existam separadamente no mercado, as
era, respectivamente, de 20%, 25% e 15%.4
associações poderem encorajar a polimedicação desnecessária e
Na Europa, a aplicação das directivas comunitárias na altura
eventual aumento do risco de efeitos adversos.9
de adesão dos países à então CEE obrigou as autoridades reguladoras de cada Estado membro (através do denominado processo
Numa meta-análise publicada em 200710 sobre a influência das
de revisão) a proceder à reavaliação de todos os medicamentos
associações de fármacos em dose fixa na adesão à terapêutica, con-
existentes no mercado, à luz dos critérios de avaliação da eficácia,
sidera-se este tipo de medicamentos úteis na gestão das doenças
segurança e qualidade adoptados nas directivas entretanto publi-
crónicas, reduzindo a não adesão à terapêutica em 24% a 26%.
cadas. Foi, também, adoptado o conceito de “uso bem estabele-
Esta questão é de grande importância nas terapêuticas de doenças
cido”, para os medicamentos mais antigos, salvaguardando-se os
crónicas (asma, diabetes e hipertensão) ou doenças infecciosas
aspectos essenciais de garantia da segurança desses medicamen-
(tuberculose, malária e VIH/SIDA). No estudo publicado em 2003 pela
tos. Em Portugal, tal processo teve início formal em 1988, tendo
Organização Mundial de Saúde “Adherence to long term therapies:
no entanto sido prolongado durante os anos noventa. Como conse-
Evidence for action”, são quantificadas em termos económicos e
quência do processo de revisão, saíram do mercado, ou alteraram
de saúde pública as consequências da não adesão a terapêuticas
a composição e/ou indicações terapêuticas aprovadas, milhares de
de longa duração.10
medicamentos aprovados antes da entrada em vigor do “Estatuto
No caso da terapêutica anti-hipertensora, além de vantagens
do Medicamento” (Decreto-Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro). Parte
económicas, têm vindo a ser valorizadas neste tipo de mediROF
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BOLETIM DO CIM
camentos as vantagens do seu efeito protector sobre alguns
órgãos.11-12
Perante esta nova situação, torna-se necessário que as autoridades reguladoras, a indústria farmacêutica, profi ssionais
de saúde e investigadores, contribuam de forma objectiva para
Nos últimos quinze anos temos assistido à aprovação pelas au-
a existência de critérios transparentes, baseados em evidência
toridades reguladoras europeias e dos EUA, utilizando os critérios
científica, que tornem úteis para os doentes e sistemas de saú-
acima referidos, de centenas de novas associações em doses fixas
de os medicamentos que contenham associações de fármacos
nas diversas áreas terapêuticas já acima referidas. Tais associa-
em dose fixa.
ções foram avaliadas recentemente, o que leva a presumir que
José Aranda da Silva
cumprem os critérios actualmente consagrados de avaliação da
eficácia, segurança e qualidade.
Na Europa, a nível dos sistemas de comparticipação ou reembolso, têm também sido incluídas diversas associações. Neste caso
efectua-se uma avaliação complementar: além da avaliação do risco/benefício na fase de introdução no mercado, avalia-se a relação
custo/efectividade, podendo este tipo de medicamentos apresentar
vantagens para além da eficácia, em termos de custos e melhoria
da adesão à terapêutica por parte dos doentes.
Bibliografia:
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3. The selection of essential drugs. WHO Technical Report Series 641,
Geneva, WHO, 1979.
4. Cohen E, Goldschmid A, Garty M, et al. Fixed dose combination therapy
in United States, Britain and Israel. Isr Med Assoc J 2001; 3: 572-574.
5. Bucci K, Possidente C. Combination-drug products: Benefit or burden
Não estando em causa estes critérios, coloca-se a questão: estamos perante um novo paradigma terapêutico na utilização destes medicamentos ou estamos perante a tentativa de manter no
mercado, em formas farmacêuticas diferentes, fármacos antigos,
como resultado da diminuição significativa da descoberta de novos
fármacos com novas indicações terapêuticas?
Sabemos que, na saúde e na área do medicamento (assim como
noutras áreas tecnológicas), grande parte das descobertas são incrementais, pois acrescentam pequenos passos às descobertas iniciais, sendo poucas as descobertas espectaculares (break-through)
que trazem alterações radicais.
to patients? Am J Health-Syst Pharm 2006; 63: 1654-5.
6. Rao R; Goldfrank L. Fixed dose combination therapy: panacea or poi
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7. Reid J. Fall and rise of Polypharmacy? Hypertension 2007; 49: 266267.
8. Wertheimer A, Morrison A. Combination drugs: innovation in pharmacotherapy. P&T 2002; 27(1): 44-49.
9. Regulatory Challenges. Regulation of fixed-dose combination products, WHO Drug Information 2003; 17(3): 174-7.
10. Adherence to long-term therapies. Evidence for action, Geneva, WHO,
2003.
11. Bangalore S, Kamalakkannan G, Parkar S, Messerli F, et al. Fixed-dose
combinations improve medication compliance: a meta-analysis. Am
J Med, 2007; 120(8): 713-19.
12. Smith DH. Fixed dose combination anti-hipertensives and reduction
Muitas vezes não é o primeiro medicamento de uma nova classe
terapêutica a entrar no mercado que apresenta a melhor eficácia
e a melhor relação benefício/risco dessa classe. Tal é demonstrado, por exemplo, com o caso da ampicilina, que pouco tempo
depois veio a ser substituída pela amoxicilina com grandes vantagens terapêuticas, ou com o caso da cimetidina, posteriormente
suplantada pela ranitidina, para exemplificar com situações não
muito recentes.
Os medicamentos em análise neste artigo devem ser também
encarados como mudanças incrementais no arsenal terapêutico
que podem em muitos casos trazer vantagens para os doentes e
sistemas de saúde, desde que os seus benefícios sejam demonstráveis nessas duas perspectivas. Não queremos com isto dizer
que não haja, nalguns casos, grande pressão por parte da indústria
farmacêutica, no sentido de prolongar no tempo a vida útil dos medicamentos que comercializa, procurando assim retirar o máximo
benefício do investimento feito inicialmente.
Considerando os motivos atrás descritos, as actuais associações de fármacos em dose fixa devem ser encaradas de forma
diferente do que eram há quinze anos. Devem ser consideradas
como um instrumento útil do arsenal terapêutico, desde que verificadas as condições já referidas quanto à eficácia, segurança e
custo-efectividade. Actualmente, as boas práticas terapêuticas,
diversas linhas de orientação e recomendações de sociedades
científicas já reconhecem o benefício de medicamentos contendo associações no tratamento de diversas patologias, como é
o caso da asma, hipertensão, diabetes, tuberculose, malária,
VIH/SIDA.
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in target organ damage: are they the same? Am J Cardiovasc Drugs
2007; 7(6): 413-22.
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