DESENVOLVIMENTISMO, DESIGUALDADE E CONSERVADORISMO Robson Perez Oliveira Junior Resumo Diante de um país caracterizado pela pluralidade cultural e marcante desigualdade social, os processos de desenvolvimento recorrem à necessidade da realização de pactos nacionais com as elites, historicamente baseados em orientações conservadoras. Assim foi com o desenvolvimentismo que propiciou a industrialização do Brasil e dessa forma também será avaliada as políticas públicas do governo do PT, especialmente a implantada na gestão do Presidente Lula, que convergiram em políticas públicas do Estado brasileiro no combate à miséria, ancorado no crédito, expansão do consumo e distribuição de renda: o social-desenvolvimentismo. A análise das políticas sociais na gestão Lula, continuadas na gestão Dilma Rousself, é o objeto da análise, em uma conjuntura de crise política e enfraquecimento do social-desenvolvimentismo, no caso, estes diante das variáveis que correspondem: ao posicionamento conservador de alguns órgão midiáticos, impactos das políticas de austeridade fiscal e as manifestações ocorridas contra o governo federal em ocorridas 2015 . Palavras-Chave: desigualdade social, desenvolvimentismo, políticas sociais, austeridade fiscal. Introdução A política desenvolvimentista aplicada no Brasil é marcada por ciclos, projetos de desenvolvimento nacional, levados a cabo por setores conservadores nos campos político e econômico. Nesse contexto, a desigualdade social surge como um fenômeno que ajuda a garantir a manutenção dessa ordem, diante das contínuas acomodações sociais, no âmbito do embate entre as classes, mudando pouco as tradicionais relações de poder. Florestan Fernandes indica que as sociedades subdesenvolvidas, periféricas ao capitalismo, como a brasileira, possuem restritas elites que se modernizam e transformam os processo de atualização histórica e civilizacional em mudanças fundamentalmente políticas e patrimonialista. Dessa forma, as mudanças de ciclo capitaneadas pela elite brasileira ganham sentido a partir de três aspectos, de acordo com Florestan Fernandes (2008, p.104): "a) por dependerem ou resultarem de mecanismos de ação grupal que traduzem as posições relativas dos grupos na estrutura de poder da sociedade nacional; b) por exprimirem a natureza e o grau de poder alcançado por determinados grupos tanto na universalização de seus interesses, ideologias e valores sociais quanto no controle dos processos que afetam socialmente, de modo direto ou indireto, a manifestação daqueles interesses ideologias e valores sociais; c) por indicarem em que sentido e dentro de que limites a organização da sociedade absorve, protege e expande, institucionalmente, as condições que são essenciais para o seu equilíbrio interno." Nessa perspectiva, o combate à miséria durante os anos de 2003 a 2014 e os resultados conseguidos com essas políticas trazem novos desafios que inauguram a necessidade de se pensar em um novo ciclo de desenvolvimento, uma ampliação e fortalecimento do social-desenvolvimentismo. iniciado pela gestão do presidente Lula. Na política, a disputa gira em torno em quem vai comandar esse novo ciclo. Do ponto da clara necessidade de superação do subdesenvolvimento brasileiro, políticas de caráter mais progressistas estão sendo colocadas em cheque por forças políticas de caráter mais conservador, estas vindo das forças que tradicionalmente já ocupam o poder político, mas também com considerável apreciação popular e ancoradas em preceitos neoliberais, especialmente no que se refere ao fortalecimentos de políticas de austeridade fiscal para a manutenção da confiança e da saúde econômica do Brasil no mercado financeiro mundial, bastante apregoadas pelos principais veículos de comunicação do Brasil. Esses fenômenos geralmente estão alinhados em campos ligados ao espectro político de centro a extrema direita. Elas representam um contraponto ao governo federal e são variáveis fundamentais para a análise de deterioração de um projeto político de desenvolvimento, que mesmo fortemente baseado na ampliação do consumo, sob aumento da distribuição de renda e aumento do crédito, tem contornos sociais, que amenizou a ainda aguda desigualdade social no Brasil. Houve um aparato de políticas públicas que possibilitam o rompimento do ciclo da misera, um pressuposto para o combate efetivo à miséria. Em relação aos programas sociais que foram colocados em prática durante o período estudado, os que financiam ou subsidiam cursos universitários para alunos oriundos das escola públicas ou de baixa renda ( como o PROUNI e o Fies), a frente de construção de casas populares (Minha Casa Minha Vida), o Bolsa Família e os programas específicos de combate a fome, como o Fome Zero e o Aquisição de Alimentos são analisados aqui, dentro do conjunto de políticas públicas analisadas como essenciais, como base fundamental para o social desenvolvimentismo fomentado a partir de 2003 e também como principais variáveis que compõem a frente de rompimento do ciclo da miséria no Brasil, especialmente o problema fome. Os investimentos necessários para a consolidação dessas políticas públicas foi facilitado por uma ortodoxia econômica que foi marcante durante os primeiros anos do governo Lula. Aos poucos, essa marca deu lugar a uma transição paulatina para uma economia cada vez mais fundamentada na expansão do mercado consumidor interno, mediante ajuste de distribuição de renda e aumento do crédito. Nessa linha, um aparato que começa a dar forma a um estado de bem estar social, ainda insipiente no Brasil. O super ciclo das commodities verificado durante o período em analise dinamizou a economia brasileira, especialmente até o ano de 2008, e ajudou a subsidiar as políticas públicas que marcaram o período. Os fenômenos sociais que hoje tentam dar um novo sentido ao desenvolvimento brasileiro, especialmente no combate às políticas públicas e papel do estado mais proeminente, possuem um sentido histórico, pois essa postura tem recorrência nas mudanças de ciclo de desenvolvimento no Brasil, exercida sob pressão conservadora e sob o pano de fundo da manutenção das desigualdades sociais como instrumento de persistência da liderança do desenvolvimento nacional sob as rédeas das tradicionais forças políticas brasileiras. Trazendo como exemplo a vertiginosa urbanização no período do processo de industrialização brasileira, Florestan Fernandes em "Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento" indica que este processo rompeu a tradicional forma de exerce poder dessa elite. Fim de um ciclo bastante arraigado a uma economia rural, agora urbana e modernizada, ainda sob bases tradicionais de poder, apresentava uma elite em crise com a mudança de desenvolvimento e a caracteriza da seguinte forma: "Os mesmo agentes humanos que se revelaram capazes de absorver o progresso até o ponto de provocarem uma crise de crescimento tão profunda na sociedade brasileira mostram-se tímidos e desorientados diante das escolhas e das realizações que precisam ser feitas na nova cena histórica" (FLORESTAN, 2001, p. 104). Justifica-se dessa forma a contenção estratégica a partir da aplicação de políticas conservadoras para enfrentar a complexa situação histórico-social nas mudanças desenvolvimentistas. A desigualdade social então deve ser entendida como componente de uma estrutura social, não partindo de um pressuposto da desigualdade ser uma condição, uma etapa a ser completa para a projeção de um desenvolvimento econômico e social similar aos países do centro do capitalismo; o problema é estrutural. Aqui, a desigualdade é tratada na perspectiva do resultado de uma estrutura econômica desde o inicio periférica ao capitalismo, fundada em relações de trabalho precárias. Sendo assim, esse fenômeno social possui uma função no sistema vigente, perpassa diversos níveis das relações sociais, torna-se base fundamental da dinâmica econômica, ainda periférica ao capitalismo agora globalizado. O caso brasileiro da desigualdade social é um fenômeno que permite, ao longo das atualizações históricas e civilizacionais, a manutenção da liderança de pequena parcela da população sob os ciclos de desenvolvimento no Brasil, umbilicalmente ligada aos interesses estrangeiros. Já no início do século XXI, percebe-se que a sociedade brasileira encontra-se em um momento de inflexão, uma nova dinâmica social e econômica, nova projeção internacional do Brasil, a entrada de mais recursos econômicos que podem possibilitar a criação de bases para novas estratégias de política de desenvolvimento para as próximas décadas. Nesse início de século, o debate nacional engaja-se na fundação dos novos pilares do desenvolvimento econômico e social, agora angariada em contexto politico democrático, exigindo ainda mais consenso entre os setores sociais, marcado pela histórica desigualdade social e do autoritarismo nos momentos de maior polaridade politica, nos momentos de inflexão do desenvolvimento nacional. O Altas da Exclusão Social no Brasil, uma compilação de dados feita por vários autores a respeito das mudanças na desigualdade social ocorridas durante os primeiros dez anos de desenvolvimento social e econômico. Lançado em 2014, o estudo evidencia o ainda crônico subdesenvolvimento do Brasil, porém destaca o aumento geral do IDH nos municípios brasileiros, como também a diminuição das desigualdades regionais, diminuição no índice de pobreza e exclusão social, aumento da escolaridade e do emprego formal. São resultados que ajudam a entender quais foram os desdobramentos das políticas econômicas focadas em criação de empregos e distribuição de renda que trouxeram ao Brasil uma nova frente de combate as desigualdades sociais. Levando-se em consideração as desigualdades regionais ainda marcantes, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, segundo esse estudo, verificou-se que em 2010 o Índice de Exclusão Social (IES) 1 foi de 0,63 no Brasil. Em síntese, a caracterização do Índice de Exclusão Social esta ligado, além das sete variáveis que a compõe á condição do individuo "específica ou holística de não estar exposta ao risco da violência, ao não ser, ao não estar, ao não realizar, ao não criar, ao não saber e ao não ter". Quanto mais próximo de zero for o índice, maior o grau de exclusão. Os pesquisadores que realizaram o "Atlas da Exclusão Social do Brasil", ao avaliarem os índices 1 Segundo o Atlas da Desigualdade Volume I, para composição do índice de Exclusão Social parte-se: de exposição ao risco de vida pela presença da violência; do ser enquanto condição de autorreconhecimento da própria personalidade; de estar pertencendo socialmente (família, vizinhança, grupal); de realizar tarefas e ocupações com posição social; do criar, assumindo iniciativas e compreendendo o próprio mundo em que vive; do saber com acesso à informação e capacidade cultural; e do ter rendimento que insere ao padrão de consumo aceitável social e economicamente. de exclusão social utilizam as sete variáveis fundamentais para compor o índice geral que, quando analisadas, evidenciam alguns aspectos básicos que qualificam as políticas públicas aplicadas pelo governo federal, principalmente nesses três pontos: diminuição da pobreza (política de distribuição de renda, especialmente a partir do aumento do salário mínimo, políticas de transferência de renda e concessão facilitada de crédito), aumento do índice de empregos formais (diminuição gradual do desemprego a níveis próximos a situação de pelo emprego) e aumento da escolaridade e alfabetização. Essas conquistas sociais diminuíram as desigualdades sociais no Brasil e retiram o pais do mapa da fome, segundo levantamento de resultados realizada pela ONU2. Dessas políticas públicas, a gestão da economia com foco na criação de empregos e distribuição de renda, foi, gradativamente, construindo um caráter mais interventor da gestão estatal, garantindo a construção de um conjunto de politicas que caracterizam o social desenvolvimentismo. Em relação a essa tendência, há forças de oposição, ideológicas e políticas, que não compactuam com esse nível de administração macroeconômica. Um prisma de análise a partir do neoliberalismo e da necessidade do ajuste fiscal (garantindo maior competitividade, produtividade e maiores lucros para o capital) em si, vai de encontro as políticas econômicas intervencionistas e a toques mais keynesianos. A capacidade do Estado em ter caixa para bancar essas e futuras políticas públicas de amplitude passa pelo equilibro das contas do governo. O Estado necessita garantir uma política fiscal mais equilibrada que, no caso brasileiro, representa uma profunda mudança estrutural na cobrança de impostos sob grandes fortunas, capital financeiro e ajuste das alíquotas de imposto de renda para a aparcela mais rica da população, afim de garantir recursos para as políticas sociais. É necessário arrecadar para garantir ao Estado capacidade de investimento e criação do estado de bem-estar-social de fato. Nessa lógica, no ano de 2015, constata-se, principalmente pela debilidade politica e econômica do Brasil, um forte desequilibro das contas 2 Houve no Brasil queda de 82,1% no número de pessoas subalimentadas no período de 2002 a 2014. A queda é a maior entre seis nações mais populosas e também é superior a média da América Latina, 43,1% http://www.fao.org/hunger/en/ públicas. Politicamente, a saída mais angariada vem se apresentando na necessidade de diminuir os gastos sociais para aumento da produtividade e competitividade da economia brasileira. As políticas recessivas que vem sendo adotas para o combate a crise, pautadas pela agenda neoliberal, aprofunda a crise econômica e desarticula as políticas sociais e consolidação de novas bases para o aprofundamento do social desenvolvimentismo. Grandes órgãos da imprensa nacional realizam, de forma aberta e sistemática, oposição política ao governo federal, também pautados pela agenda do discurso neoliberal, difundindo nas orientações publicadas em editorais um papel menor do Estado na condução macro econômica, mais desregulação do mercado financeiro e maior rigidez no ajuste das contas do governo, evitando-se os "gatos sociais" . Os movimentos populares de oposição que vem realizando importantes manifestações espontâneas nas principais cidades brasileiras, também compõem o conjunto de variáveis que forma um importante contraponto a persistência do modelo econômico e social do período em análise: início em 2003 até meados de 2013. Diante das dificuldades econômicas e das variáveis mencionadas anteriormente, pretende-se entender as desarticulações das políticas sociais que vem ocorrendo com o ajuste fiscal recessivo e como isso afeta o caráter desenvolvimentista das políticas econômicas e sociais iniciais em 2003. Dentro da conjuntura atual de crise, a ausência de um novo pacto com os principais setores da sociedade, em especial um pacto que renove o caráter desenvolvimentista da estratégia de governo e garanta um próximo ciclo de desenvolvimento inclusivo, é confrontado pelas principais forças conservadoras, históricas no posicionamento reacionário que, como alerta Florestan Fernandes: Mudança social de caráter estrutural e controle do poder por círculos sociais conservadores são entidades que se excluem. O simples fato de uma sociedade comportar indefinidamente essa já é, em si mesmo, um índice relevante de que a mudança estrutural conta com limitada viabilidade" (FLORESTAN, 2008 p. 112). Conservadorismo e mudança estrutural. O tradicionalismo latente na vida politica brasileira e no processo dito modernizador, este a certa elite restrita, evidencia a constituição de uma estrutura social embasa na manutenção de privilégios. Isso faz parte da raiz da sociedade brasileira. Nossos desenvolvimentos políticos, mudanças institucionais de impacto foram sempre capitaneados por setores conservadores, mesmo estes sendo em alguns casos vanguardistas. Historicamente, mesmo esses grupos mais a frente, são provenientes dos principais ciclos conservadores. Há atualizações históricas e civilizacionais guiadas por esse setores, mas não há ruptura com a desigualdade social e com a cultura do patrimonialismo. Há uma constante acomodação de interesses, hora mais progressistas, hora mais conservadora, mas sempre dentro de um limite politico que permita a manutenção de privilégios dos setores conservadores que dominam a política brasileira. Esses núcleos sociais durante o processo de modernização do país e sua conformação atual, incorporou as relações capitalistas e democráticas, fomentando a ordem social competitiva e igualde jurídica entre os cidadãos. Porém, o tradicionalismo que compõe nossa raiz social, possibilitou deformações e normas que perpassa as relações sociais das mais complexas as mais triviais. Deformações e normas definidos e projetados no contexto da dominação tradicionalista, puramente conservadora e patrimonialista. Há um custo social para esse fenômeno, persistente na sociedade brasileira. Segundo Florestan Fernandes esse desenvolvimento propiciou a extrema concentração de renda por esses ciclos sociais conservadores e a perpetuação de técnicas sociais incompatíveis com uma sociedade de classes, indicando a atuação desses da seguinte maneira Florestan (2008, p. 106): "1) a exercer pressões negativas, ultra egoísticas e obscurantista sobre grupos mais ou menos empenhados em aproveitar construtivamente as alternativas viáveis de aceleração da mudança social; 2) a degradar os efeitos políticos da igualdade jurídica e a restringir o impacto da livre competição fora da área econômica; 3) a proscrever o conflito como mecanismo de acomodação de interesses e de relação intergrupal." Atualmente, diante de uma crise política em que os pactos com as elites para construção de um consenso que permitia uma mínima governabilidade em um sistema presidencialista de coalisão, nota-se um esgarçamento das relações. Uma elite disposta a utilizar o conflito como forma de acomodação dos embates entre as classes, sempre em um orientação conservadora, percebe-se que uma conjunção de fatores que permitam a retomada do crescimento econômico e inclusão social (envolvendo construção de governabilidade e definição de estratégia de desenvolvimento) descampa para um viés conservador e de ruptura com o social desenvolvimentismo, diante da crise atual. A atuação conservadora foca-se, hoje, na desconstrução institucional das políticas sociais; revisão de leis que permitam, por exemplo, mudanças nos programas sociais, corte de benefícios, criação de tributo que incide mais sob pobres e a classe média, de acordo com os tramites necessários para um ajuste fiscal recessivo. Em um contexto de um desenvolvimentismo construído sob crescimento econômico e inclusão social embasados em distribuição de renda (aumento da massa de consumidores e disponibilidade de crédito facilitado) leis como a do Salário Mínimo 3 e a inclusão do Bolsa Família na Lei Orgânica da Assistência Social 4 podem ser consideradas como conquistas progressistas em uma estrutura historicamente conservadora. A institucionalização de algumas das bases tão fundamentais até o presente para o combate à miséria no País e a sustentação do social desenvolvimentismo ajuda a estruturar o combate ao subdesenvolvimento brasileiro e abrir precedente para construção paulatina de um sistema sólido e amplo de bem estar social, pois " O fluxo da mudança social só se torna estrutural e dinamicamente significativo quando ele se exprime através de 3 O Salário Mínimo é reajustado com base na correção da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de um ano antes, mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores. Lei sancionada por Dilma Rousself em 2011 e válida até 2019. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12382.htm 4 O Bolsa Família foi, primeiramente, instituído como Medida Provisória 132/2003 e se transformou em janeiro de 2004 na Lei 10836/04. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.836.htm inovações que podem ser absorvidas, difundidas e conservadas institucionalmente".(FLORESTAN.2006, pag. 112). Levando-se em conta a estrutura social historicamente conservadora e as mudanças sociais provenientes das políticas públicas empregadas no combate à pobreza, é possível verificar que houve uma redefinição das contradições sociais no Brasil. Nesse fato, os apoios que serviram a essa mudança, especialmente o pacto nacional lançado por Lula com as principais lideranças políticas para a promoção de um desenvolvimentismo com contornos sociais, hoje encontra-se sob crise, em um momento de inflexão. O modelo de inclusão embasado na expansão da massa de consumidores, distribuição de renda e facilidade de acesso ao crédito esgotou-se. Esse modelo não mais possibilita a sustentação da saúde econômica e dos avanços sociais necessários, pois entende-se nesse trabalho o atual momento histórico no mesmo sentido sugerido por Alexandre de Freitas Barbosa (2014, p. 137): "Parte-se da hipótese de que o governo Lula teria redefinido as contradições da sociedade brasileira, trazendo assim uma inflexão histórica, diferentemente do ocorrido nos anos 1990. Por inflexão, sugere-se um novo compasso na evolução das estruturas sociais, políticas e econômicas, cujo sentido não está dado a priori, pois depende do mosaico de possibilidades do presente na as lenta transformação em futuro". As análises e resultados que estão presentes no "Atlas da Exclusão Social no Brasil" evidencia que as mudanças ocorridas nas contradições sociais a partir de 2003 inaugura uma nova dinâmica para o combate ao subdesenvolvimento. Não se deve considerar o combate contra a fome ou mesmo as políticas sociais que amenizam as desigualdades e são baseadas na distribuição de renda como conquistas passadas ou que os problemas que essas políticas atuam estejam superados. Como já mencionado, a luta do conservadorismo concentra-se em neutralizar ou eliminar os apoios legais a estas políticas, de acordo com ideais ou ideologias provenientes desses grupos. Hoje, a necessidade esta em um novo pacto nacional para a promoção do desenvolvimento que leve em consideração as conquistas realizadas e as coloquem dentro de um aparato de políticas públicas que precisam ser ampliadas, em vista do rompimento do ciclo da miséria e a necessidade de novas políticas sociais. A continuação e aprofundamento do social desenvolvimentismo, aponta hoje na maior valorização do ensino público e produção tecnológica, combate a violência urbana (em 2010, esse índice foi 36,5% superior em comparação com o Índice Nacional de Exclusão Social) e um plano de infraestrutura que de fato torne o Brasil um país de economia competitiva no mercado internacional, como também um projeto macroeconômico que coloque de fato o problema da desigualdade social no centro da estratégia estatal. Mídia e seu papel na desconstrução do social desenvolvimentismo No processo de modernização da América Latina e a emergência das democracias no continente, fica claro o papel fundamental dos meios de comunicação no debate político. A consolidação de espaços públicos para debate na democracia é um daqueles pré-requisitos que fundamenta o mínimo de institucionalidade e respaldo à um sistema democrático. Nas democracias do Ocidente, verifica-se a necessidade da livre imprensa, essa sendo esfera pública primordial. A mídia não é o único espaço público com força política nas democracias, porém isso pode variar nas diversas situações e na América Latina os meio de comunicação são, por excelência, um espaço público destacado. Há no Brasil considerável concentração da mídia, são oligopólios familiares. Há dados que mostram que seis famílias controlam 70% dos meios de comunicação no Brasil e em relação a TV Aberta 263 do total de 332 emissoras estão em poder de apenas cinco empresas de comunicação, segundo o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC): "São os meios de comunicação de massa que ocupariam, desde os primórdios da constituição de uma sociedade urbana na América Latina, o lugar das mediações sociais, estabelecendo uma nova diagramação de espaços e intercâmbios urbanos" (CANCLINI, 1990. p 49). No ano de 2010, a presidente da Associação Nacional de Jornais e executiva do grupo Folha de São Paulo, Maria Judith Brito, de fato posicionou o núcleo duro do oligopólio de comunicação do Brasil na disputa política, formalmente, em discurso realizado na Associação mencionada: "A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação e, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo." Os principais órgãos de imprensa do Brasil estão representados nessa Associação. É revelador o posicionamento citado, pois expressa a importância e força política dos principais meios de comunicação no Brasil. O controle de parte significativa da esfera pública nacional por esses grupos é de tal monta que se incumbem de um papel social que não lhes pertencem . Se colocaram como forças políticas opositoras, interditando uma suposta imparcialidade ou o mínimo de porosidade de seu conteúdo jornalístico à opiniões refratárias a seus editorias oposicionistas, pois arvoraram-se em realizar política abertamente e de forma não equilibrada. A impressa brasileira durante as gestões do PT na presidência da República realiza papel de oposição política e não de meio de comunicação e espaço de debate público. Desde de então, representa formalmente e de forma sistemática as principais variáveis que vão de encontro a um projeto político que possui no social desenvolvimentismo principal balizador desses governos. Diante do momento de inflexão história que a politica brasileira enfrenta e a necessidade de repactuação e reconstrução de um novo ciclo de desenvolvimento, a imprensa como esfera pública, torna-se um espaço enviesado e ajuda a aprofundar as incertezas políticas. Dessa forma "não se espera, obviamente, que, nesse espaço público assenhorado pela mídia, argumentos racionais sejam esgrimidos, questões substantivas sejam levadas a debate e posições doutrinárias e ideológicas claras e diferenciadas venham à tona" (AVRITZER E COSTA, 2006 p. 71). Na construção da comunicação por esses meios, verifica-se desde de meados de 2013, uma campanha pelo apoio à austeridade fiscal e preocupação com a dívida pública, que, segundo esses meios, é consequência das políticas sociais assistencialistas. Toda essa defesa é permeada por críticas constantes à instituições políticas (partidos, congresso, executivo, etc.), agências, empresas e políticas públicas. Isso representa no conteúdo desses veículos uma sistemática desqualificação da política e do Estado. Somente esse aspecto de oposição política já evidencia a densidade do viés oposicionista nesta esfera pública, evidenciando a dificuldade no debate de aprofundamento da intervenção estatal em qualquer projeto que tenha como foco a criação de um estado de bem estar social e uma gestão da economia que tenha os problemas sociais como foco. Em artigo publicado pelo Manchetômetro5, em relação a uma análise a respeito do posicionamento dos candidatos e da mídia sob economia durante as eleições de 2014, fica claro o sentido da crítica na condução e disputa ideológica de modelos econômicos, mídia e oposição compartilham a seguinte análise6: "Ao mesmo tempo em que criticam o baixo crescimento também criticam a inflação, supostamente excessiva, que por sua vez seria reflexo de um excesso de demanda, tendo um suposto descontrole fiscal como seu componente central. Consistentemente, propõe-se um ajuste fiscal por corte de gastos, uma vez que a carga tributária já estaria alta demais". O ajuste fiscal recessivo de fato se tornou realidade em 2015 e a questão da carga tributária, mais onerosa sob os mais pobres e a classe média, continua, para a parcela mais rica da população, ainda baixa. Dessa forma, se verifica que o ajuste para equilibrar as contas públicas partiu de cortes em programas sociais e ministérios (como Educação, Saúde e Desenvolvimento 5 O Manchetômetro é um website de acompanhamento diário da cobertura da política e da economia na grande mídia, especificamente nos jornais Folha de S. Paulo, O Globo e Estado de S. Paulo, e no Jornal Nacional, da TV Globo. O Manchetômetro é produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). http://www.manchetometro.com.br/ 6 Artigo "Crise Econômica" escrito por Carlos Pinkusfeld e publicado no Manchetômetro em 08/07/2014 http://www.manchetometro.com.br/artigos/crise-economica/ Social, principalmente), primordiais como alicerces para a continuação de uma política de desenvolvimento orientada para a superação de problemas sociais. Ajuste Fiscal e políticas sociais O governo federal em 2015 cedeu à receita do ajuste fiscal, como fator fundamental de equilíbrio econômico, especialmente na esfera de corte de gatos, aumento dos juros, restrição de crédito e diminuição de beneficio sociais, um ajuste recessivo com desdobramentos previsíveis: desaceleração econômica, desemprego e alta inflação. Desde de o início da crise econômica mundial, em meados 2008, a União Europeia vem recebendo um ajuste fiscal sem precedentes, levado a cabo por uma tríade conhecida como Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu, Comissão Europeia). Lá, o endividamento público de alguns países do bloco europeu chegou a níveis alarmantes, acima da taxa de 100% em relação ao PIB e a solução encontrada foi aplicação de políticas neoliberais, aplicação de um desmonte do sistema de bem estar social europeu para a diminuição dos gastos públicos. Depois de sete anos de crise é a vez do Brasil, em um proporção ainda bem menor, de aplicação dessa receita para um ajuste de contas. O governo federal apresentou em 2015 um orçamento com um déficit R$ 30 bilhões ao Congresso Nacional. Em plena crise política e institucional, a solução de buscar mais receitas foi substituída pelo corte em ministérios chaves para a manutenção do social desenvolvimentismo. Dados do Ministério do Planejamento indicam cortes significativos em 2015 e 2016 para esses ministérios fundamentais, segue tabela abaixo: Ministério Desenvolvimento Social Educação Saúde Corte 2015 13,5% 14,4% 37,8% Corte 2016 12,9% 13,3% 35,9% Dados do Ministério do Planejamento 2015/2016 Mesmo depois de quase cinco anos de queda contínua na relação dívida pública e PIB e atualmente esta apresentar relação de 46%, aplica-se o ajuste para conter a dívida sob cortes em programas sociais. Os cortes centraram-se em programas sociais fundamentais para o combate as desigualdades. De acordo com o Ministério do Planejamento o Orçamento9 o ajuste fiscal em 2015 logrou as seguintes cifras: Pronatec (redução de R$ 2,487 bilhão no orçamento), redução de 75% nas vagas para o Fies (de 731 mil vagas para a oferta em 2015 de 313 mil vagas), o Minha Casa Minha Vida esta, desde de fevereiro, com contratações suspensas e o programa Aquisição de Alimentos teve orçamento reduzido de R$ 1 bilhão para R$ 647 milhões. Em relação as regras do salário mínimo, fundamental na política de distribuição de renda e o Bolsa Família, ainda não foram alvos de cortes de orçamento. Conclusão Desde da era Vargas com o nacional desenvolvimentismo, o Estado foi fundamental para garantir a existência de instituições e políticas sociais sólidas, como também garantir um foco para o desenvolvimento econômico. Em um país fortemente embaso sob relações sociais conservadoras, desiguais e elitistas, as estratégias desenvolvimentistas foram fundamentais para garantir um mínimo de unidade nacional em prol da resolução de conflitos ou problemas de ordem conjuntural em cada época. Dessa forma, atualmente, percebe-se uma ausência de algo próximo a um pacto ou mesmo uma solidariedade nacional que enxergue no combate incisivo as nossas desigualdades sociais e histórico subdesenvolvimento, como um foco de convergência para aplicação de ações políticas. Historicamente, nossos momentos de inflexão políticas foram resolvidos com autoritarismo, em doses autocráticas diversificadas, mas sempre com resoluções que não angariavam as demandas de mudanças estruturais de fato. Hoje, discutimos o papel do Estado no Brasil sob um regime democrático e sob políticas sociais que já mostraram os resultados positivos. O Brasil entrou no século XXI com suas contradições sociais modificadas, menos injustas. Há criticas a respeito da forma como foi realizado o processo de inclusão, especialmente no fomento à expansão de um mercado consumidor, a alocação de 40 milhões de brasileiros sob a classe média, mas a não expansão ou melhora dos serviços públicos, formamos consumidores nesse processo e não indivíduos com mais direitos e cidadania. Porém, é preciso pensar o subdesenvolvimento brasileiro como um problema que precisa ser enfrentado com ação direta do Estado, de forma estratégia e a longo prazo, pois é estrutural. O Brasil saiu do mapa da miséria mundial, tornou-se referência no combate a pobreza na ONU e hoje recebemos delegações de nações do mundo inteiro para aprender a expertise e tecnologia por trás dos programas sociais. O que foi construído de política social a partir de 2003 não consolidou reformas essenciais (como as reformas política, da imprensa e fiscal) que poderiam dar maior sustentação ao social desenvolvimentismo nessa conjuntura atual de superação de um ciclo de desenvolvimento e construção de um próximo. Dessa forma, fica claro que passar por essas reformas é fundamental para a profundar as políticas sociais e garantir de fato um estado de bem estar social para os brasileiros. O que, por exemplo, "O Atlas da Exclusão Social" nos permitir entender é a necessidade de criar e reorientar as ações do Estado para o combate a violência urbana, garantir educação pública de ponta, produção tecnológica e inovação, como também investimentos maciços em infraestrutura e serviços públicos para dar suporte a um novo ciclo de crescimento econômico e desenvolvimento. Daí, a atual política de ajuste fiscal recessivo aliada a uma guinada política conservadora e neoliberal torna a sustentação de desenvolvimento econômico voltado aos desafios sociais insipiente. Essa nova reorientação do Estado brasileiro para voltar ao combate do subdesenvolvimento encontra-se hoje ameaçada por um projeto de gestão macroeconômica neoliberal e pelas ações das estruturas e atores sociais que representam o conservadorismo brasileiro histórico. Bibliografia JAGUARIBE, Hélio; VALLE E SILVA, Nelson; PAIVA E ABREU, Marcelo; ÁVILA, Bastos; FRITSCH, Winston. Brasil Reforma ou Caos. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. JAGUARIBE, Hélio; SANTOS, Wanderley; PAIVA ABREU, Marcelo; ÁVILA, Bastos; FRITSCH, Winston. Brasil 2000, para um novo pacto social. 1ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1986. DOMINGUES, José Maurício; MANEIRO, María. América Latina Hoje, conceito e interpretações. 1ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. PRADO, Caio. 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