Desenvolvimento: um caminho para chegar lá

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EXPERTISE
Fotos: Carlos Will/Centro Celso Furtado
Desenvolvimento:
um caminho para
chegar lá
Pedro Cezar Dutra Fonseca já esteve nas páginas de Rumos mais de uma vez. A ênfase do seu trabalho e de suas
pesquisas concentra-se nos temas Desenvolvimento Econômico, Formação Econômica do Brasil no século XX e
História do Pensamento Econômico. Nesta edição, o doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e
professor titular do Departamento de Ciências Econômicas e Relações Internacionais da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) concede esta entrevista para falar sobre um conceito muitas vezes mal compreendido:
o desenvolvimentismo. O tema voltou a chamar atenção em agosto deste ano, quando o trabalho de sua autoria
“Desenvolvimentismo: a Construção do Conceito” conquistou o 1o. lugar na categoria Técnico ou Científico do XXII
Prêmio Brasil de Economia, organizado pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon). POR ANA REDIG
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SETEMBRO || OUTUBRO
OUTUBRO 2016
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A pesquisa para o texto “Desenvolvimentismo: a
Construção do Conceito” surgiu da necessidade
de conceituar o termo para uma publicação sobre
o tema que está sendo levada a cabo pela equipe
do professor Pedro Fonseca na pós-graduação
da UFRGS. O trabalho buscou, em experiências
históricas, os pontos comuns que caracterizam o
conceito, e constituirá o primeiro capítulo do estudo. “Este é um termo muito fluido, e é usado para
governos tão diferentes como o Estado Novo e os
governos Geisel, João Goulart e o de Juan Peron,
na Argentina. Por isso optei por não definir o que
seria desenvolvimentismo de forma autoral”, conta o especialista.
Pedro Dutra Fonseca recorreu a uma metodologia que vai aos autores para perceber como a comunidade usa esses termos e em quais contextos
históricos. Assim, ele reuniu autores nacionais e
internacionais para descobrir o que eles trazem
de comum nessas várias designações. “Depois
disso, usei um viés historicista, fazendo uma
testagem para verificar até que ponto a teoria se
confirmava na prática”, explica. Foram selecionados 34 governos latino-americanos de oito países – Brasil, Argentina, Chile, México, Uruguai,
Colômbia, Venezuela e Peru – tipicamente designados como desenvolvimentistas. A pesquisa
mostrou-se bastante trabalhosa porque todos os
atributos a esses governos foram checados para
concluir por qual razão essas experiências históricas são chamadas de desenvolvimentismo e
quais foram seus resultados.
Desta forma, o pesquisador foi capaz de delimitar um “núcleo duro” do conceito, ou seja, apesar
do desenvolvimentismo ser flexível e ser capaz de
se moldar a experiências históricas novas e diversas, ele apresenta características principais sempre encontradas em todos os autores e países. “Podemos afirmar que o desenvolvimentismo é uma
estratégia de longo prazo de superação do subdesenvolvimento, por meio de uma intervenção do
Estado, com base no desenvolvimento da produção
e da produtividade, liderada pelo setor industrial e
sempre dentro de um projeto nacional, um projeto
de mudança para o país, para a sociedade”, afirma
Fonseca.
O professor destaca que, ainda que os governos
possam desenvolver planos políticos e econômicos bem estruturados, o sucesso de um projeto
nacional desenvolvimentista depende fundamentalmente de uma base social de apoio consistenRUMOS
te; base esta bastante difícil Para que a
de ser construída. Fonseca
intervenção seja
cita a Colômbia, que não
consegue levar suas propos- bem-sucedida,
tas adiante por falta de ade- é necessária uma
são de importantes grupos base social de
sociais. “A Argentina, por apoio que garanta
exemplo, teve sucesso até os a governabilidade
anos 1950, mas depois há um
durante as
conflito social que inviabilimudanças.
za o projeto”, elucida. Para
ele, o desenvolvimentismo é
também uma crença, a crença de que este é o caminho
para sair da posição de país subdesenvolvido e alcançar a meta de se tornar
desenvolvido. “Para isso é necessário
estabilidade social, que garante a governabilidade durante a mudança”,
completa.
O CONCEITO
Com exceção do liberalismo clássico,
que acredita – de forma mais radical –
que o mercado é capaz de tomar todas as
decisões e de superar os desafios de uma
sociedade, todas as outras ideologias e
doutrinas econômicas propõem uma
certa intervenção do Estado na economia. Assim, o desenvolvimento pode ser
considerado uma forma de intervencionismo, mas muitas vezes é confundido
com ele. “A intervenção do Estado é
comum também à social-democracia,
ao socialismo, ao trabalhismo, ao keynesianismo, entre outros modelos. O que
vai torná-los diferentes entre si será a
extensão – intervenções mais ou menos
profundas – e, sobretudo, o motivo pelo
qual o Estado deve interferir.
No keynesianismo, por exemplo, o
Estado intervém para interromper um
ciclo econômico em crise. Quando o
país entra em uma fase de desemprego e
recessão, o governo utiliza políticas monetárias e fiscais de forma contracíclica.
Já no socialismo, o motivo central está
atrelado à crítica à propriedade privada
e à questão da distribuição de renda. No
caso do desenvolvimentismo, a razão
maior da interferência do Estado se
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prende a um fator de longo prazo. Significa, principalmente, uma estratégia para o país para superar
o subdesenvolvimento.
O subdesenvolvimento, conceitua Pedro Fonseca, geralmente é visto como uma defasagem do
país com relação a outro grupo de países. “Esse
atraso se manifesta por meio de baixa produtividade, indicadores sociais ruins, má distribuição
de renda, baixa industrialização e baixa inovação”, define. O desenvolvimentismo incorpora
a distribuição de renda, mas a atrela também ao
crescimento da produção. É preciso, portanto,
investir na indústria, na melhoria da produção
e em inovação, para melhorar a produtividade e
alcançar a sociedade desejada. Segundo o economista, os autores até podem divergir sobre quais
seriam os indicadores de subdesenvolvimento,
mas todos concordam que o mercado não é capaz,
sozinho, de alavancar um país do subdesenvolvimento até o desenvolvimento. “Por isso, a presença do Estado vai viabilizar e/ou acelerar esse
processo”, elucida.
O ex-ministro Delfim Neto afirmava que era
preciso fazer crescer o bolo para depois dividi-lo.
Segundo Pedro Cezar Dutra Fonseca, a experiência
brasileira mostra que esta ideia não se concretizou.
Pelo contrário, no período em que houve crescimento no país esse processo se deu de forma bastante perversa e não houve a preocupação simultânea com a distribuição, consagrando uma maior
concentração de renda. “A proposta do desenvolvimentismo faz com que duas coisas possam caminhar juntas, elas não são incompatíveis nem excludentes. O ideal seria que a distribuição de renda se
Mestre em Economia
pela Universidade
Federal do Rio
Grande do Sul
(UFRGS) e Doutor
em Economia pela
Universidade de
São Paulo (USP).
Coordenou a Rede
Brasileira de Ensino
de Desenvolvimento
Econômico e
atualmente é
membro titular
Comitê de Economia
do CNPq e também
da Diretoria do
Centro Internacional
Celso Furtado.
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desse gradualmente com o crescimento”, defende.
“A experiência da social-democracia europeia se
deu assim no pós-guerra, bem como nos Estados
Unidos da década de 1920. À medida que a economia ia crescendo, iam se incorporando ganhos de
produtividade aos salários, gerando uma gradual
distribuição de renda”, observa. O economista admite que a fórmula oposta – distribuir para crescer
– também não é fácil de executar, pois sem uma
economia em crescimento, sem aumento do PIB,
não há muito a distribuir.
SUBDESENVOLVIMENTO HISTÓRICO
A consciência do atraso no Brasil começa no século XIX – somente alguns anos depois, na Comissão Econômica para a América Latina, Celso Furtado cunharia o termo subdesenvolvimento –, na
época da transição do Império para a República,
quando ocorrem muitas mudanças no país, inclusive a abolição da escravatura. Ela surgiu principalmente entre as elites brasileiras, fortemente
atrelada à ideia de progresso, muito presente neste período. É desse período a ideologia do país jovem, que reconhece seu atraso, mas assume que
gradual e naturalmente vai chegar lá. “Essa manifestação aconteceu muito entre industriais, militares, jornalistas, políticos, inclusive sobre a égide do positivismo, com a ideia de progresso, e foi
se encorpando, ganhando espaço na sociedade”,
afirma Fonseca.
O desenvolvimentismo, porém, não se firmou
sobre uma ideia abstrata de progresso, mas sim
a partir do entendimento de que, reconhecido
o atraso do país, o caminho para sua superação
estaria no crescimento industrial, já que a não
industrialização seria a causa dessa defasagem.
Fonseca destaca que, na época, autores atribuíam
as origens desse atraso a questões raciais, geográficas ou de cunho cultural, como a miscigenação, a
tropicalidade e a colonização lusa. “O desenvolvimentismo surgiu como uma novidade, mostrando
que a questão se dá devido a uma situação histórica. O Brasil ocupava uma posição de exportador
de matérias-primas na divisão internacional do
trabalho, e o fazia de forma muito concentrada –
quase exclusivamente café. A saída, portanto, seria a industrialização do país e, ao mesmo tempo,
a diversificação da produção primária e da pauta
de exportações”, ensina.
No Brasil, o ciclo do desenvolvimentismo durou
pelo menos cinco décadas. “É fato que ocorreram
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experiências regionais isoladas – como João Pinheiro, em Minas Gerais,
e Getúlio Vargas, no Rio Grande do Sul –, mas foi a partir de 1930, no Estado Novo, que surgiu a oportunidade histórica para materializar, sendo
adotado como projeto nacional”, destaca o economista. Uma nova elite
ascendeu ao poder, derrubando a anterior, agroexportadora, e abrindo
a possibilidade da saída para a crise por intermédio do crescimento da
industrialização. Esse período durou até os anos 1980, quando termina o
governo Geisel e se completa a fase de substituições de exportações com
o II Plano Nacional de Desenvolvimento.
DESENVOLVIMENTISMO ATUAL
A globalização e a mudança do paradigma tecnológico no mundo também contribuíram fortemente para o encerramento desse ciclo. Ainda
assim, enquanto não forem superadas as questões que historicamente
levaram ao subdesenvolvimento – desigualdades regionais, desigualdades de renda, baixos indicadores sociais, atraso tecnológico, entre outros –, sempre haverá propostas de desenvolvimentismos. Além disso,
com o tempo as demandas sociais também se transformam e o modelo
também sofre adaptações. “A indústria hoje não tem mais a mesma
relevância dos anos 1950 e não é mais uma substituidora de importações, mas permanece relevante no contexto econômico e precisa
acompanhar o paradigma tecnológico mundial, inovar e ser competitiva”, observa Pedro Fonseca.
O desenvolvimentismo é um modelo flexível e sempre encontra
formas de incorporar novas variáveis, exigências sociais que não existiam no passado. Para o professor, os conceitos que permanecem são
aqueles capazes de inovar suas próprias propostas, incorporando essas
conquistas históricas. A sustentabilidade e a preservação da natureza,
por exemplo, eram questões irrelevantes até a tomada de consciência
da limitação dos recursos naturais e hoje já está incorporada ao debate.
Frequentemente, porém, há resistências para incorporar essas novas
variáveis. “No século XIX os liberais restringiam o voto a certo nível de
renda e excluíam as mulheres, o que hoje seria inconcebível”, exemplifica. A adoção do desenvolvimentismo na atualidade, portanto, carrega
adaptações necessárias ao desenvolvimento atual.
Um bom exemplo de intervenção do Estado visando o desenvolvimento é a implantação das leis trabalhistas. Apesar da resistência de
boa parte do empresariado, o salário mínimo e a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT) eram parte do projeto nacional de desenvolvimento
do Estado Novo e foram implementados. Esse tema deve voltar à pauta
no próximo ano, uma vez que o governo federal está enviando propostas
de flexibilização de muitos direitos trabalhistas.
“Uma coisa é mexer em direitos sociais quando o país já superou suas
dificuldades, outra é discutir esses direitos em um país como o Brasil,
com baixo grau de organização social, baixo patamar de renda, com altos índices de emprego informal e um desemprego estrutural,” analisa
o especialista. Em países como a Suécia e a Dinamarca, por exemplo,
que já alcançaram um estofo social, é possível debater sobre mais ou
menos Saúde Pública, mais ou menos direitos trabalhistas e realizar
algumas mudanças e flexibilizar esses direitos. Por aqui, ainda há um
longo caminho a percorrer.
RUMOS
O desenvolvimentismo
não é um conceito
estático. Ele tem uma
flexibilidade que o
permite se atualizar
conforme as novas
realidades.
A indústria hoje não
tem mais a mesma
relevância dos anos
1950 e não é mais
uma substituidora
de importações, mas
permanece relevante
no contexto econômico
e precisa acompanhar o
paradigma tecnológico
mundial, inovar e ser
competitiva.
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