conselho federal de medicina

Propaganda
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
EMENTA: Não obrigatoriedade de o Hospital fazer o Auto
de Corpo Delito nos pacientes encaminhados pela Polícia
Militar.
REFERÊNCIA: Protocolo CFM nº 4879-98
INTERESSADO: Dr. R. da R. R.
PARECER Nº 253/98, do Setor Jurídico
Aprovado em Reunião de Diretoria do dia 25/6/1998.
I – HISTÓRICO
O Diretor Clínico do Hospital Carlos Chagas solicita instruções sobre como
proceder em face de eventos que têm sucedido após o advento do novo Código de
Trânsito. Ocorre, segundo o informado, que a Polícia Militar de Candeias – MG, onde
está situado o hospital, por não dispor de bafômetros para constatar embriaguez de
motoristas, vem de maneira impositiva obrigando o hospital supracitado a realizar exame
e avaliação quanto à dosagem de álcool no sangue.
O consulente pondera que o hospital não tem serviço próprio de laboratório e
ajunta que no máximo pode-se testar os reflexos e as reações do paciente. Indaga qual
a conduta que deve ser recomendada em tais casos, sobretudo porque o fato tem
causado transtornos para o hospital em virtude do grande número de pessoas
encaminhadas pela Polícia Militar.
II – PARECER
O Código Nacional de Trânsito tornou obrigatório o exame de dosagem etílica no
sangue através de um aparelho apropriado denominado bafômetro e que fica em poder
dos próprios policiais; havendo recusa do motorista em submeter-se ao referido exame,
segundo regulamentou o CONTRAN, o condutor será encaminhado à delegacia, verbis :
Art.
277.
Todo
condutor
de
veículo
automotor,
envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de
fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido
os limites previstos no artigo anterior, será submetido a
testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro
exame que por meios técnicos ou científicos, em
aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam
certificar seu estado.
Parágrafo único. Medida correspondente aplicase no caso de suspeita de uso de substância
entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
De início cumpre salientar que ao dispor de um teste obrigatório o Estado
deveria aparelhar seus órgãos fiscalizadores nos exatos termos do que dispõe a própria
lei, ou seja, no caso, equipar a polícia fiscalizadora com o aparelho bafômetro. Se assim
não procede, não é lícito utilizar-se de outras formas para controlar suas próprias
omissões, porque não previsto em lei.
Como assinalado na consulta que foi enviada a este Conselho, o hospital
terceirizou os serviços laboratoriais. Portanto, não tem como fazer o exame de imediato,
sendo necessário que os pacientes sejam encaminhados segundo os horários de
funcionamento do laboratório e, naturalmente, de acordo com o cronograma deste. Não
está o hospital, de maneira alguma, obrigado a criar um serviço especial para
atendimento de motoristas encaminhados pela Polícia Militar, pois isto implicaria numa
interferência indevida na autonomia do nosocômio, ou até mesmo, o que é pior, em sua
gestão financeira.
Por outro lado, a consulta também alude a realização de um exame pessoal do
médico quanto às condições do paciente, ou seja, um exame de corpo de delito, por
exigência da autoridade policial. Quanto a este ponto haveria necessidade prévia de
nomeação de peritos-médicos para a feitura do exame, para que o exame tivesse
realmente validade. Feito por um médico, aleatoriamente, qualquer daqueles que
estejam atendendo no momento, seria um exame praticamente inútil, e o médico
funcionaria mais como testemunha, como adequadamente sugere o consulente, do que
propriamente um perito. Repita-se: há uma diferença substancial em um exame
realizado por um perito nomeado regularmente nos autos de um processo, daquele outro
feito de maneira rotineira e por exigência da polícia, exatamente para contornar uma
omissão do serviço, ou seja, a ausência do bafômetro.
Com estas colocações, entende-se que, poderá até o hospital por meio de seus
médicos fazer um exame pessoal no paciente encaminhado, mas deverá constar na
conclusão de seu laudo que o exame foi feito de maneira precária, inconclusivamente, e
sobretudo por médicos que não forem previamente designados peritos.
Finalmente a questão mais importante prende-se à percepção do que seja
“obrigatório”. Quando a lei de trânsito diz da obrigatoriedade de um motorista submeterse ao teste de bafômetro, por óbvio não quis ela referir-se a uma possível agressão
física ao indivíduo e a colocação à força de um aparelho em seu rosto. Não estamos na
época medieval e nem podemos admitir que a ela se retorne.
Se o motorista se recusa a fazer o teste de bafômetro ou a fazer o exame
hematológico, obviamente poderá até arcar com as presunções que derivam de sua
recusa, mas nunca ser compelido à tirada do próprio sangue para o exame. Esta é uma
garantia individual de todo cidadão que deriva do conjunto de regras que está no art. 5º
da Constituição Federal, as chamadas cláusulas pétreas, inspiradas também na
Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A lei garante, por exemplo, ao indivíduo apanhado em flagrante delito a manter-se
calado, ninguém é obrigado a confessar crimes nem produzir provas contra si mesmo,
ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Se
o indivíduo se recusa a ceder o sangue de seu corpo para o exame, não poderia o
médico jamais aceitar qualquer imposição policial, no sentido de compelir o indivíduo a
fazê-lo, porque aí quem estaria transgredindo preceitos e ferindo a ética seria o médico.
A propósito, em caso que guarda grande semelhança e que aliás é muito mais
grave do que uma direção em estado de embriaguez, assentou o TJDF na apelação
nº35,215, decisão de 20/11/95, que é possível ao indigitado pai recusar-se a se
submeter ao exame de comparação dos padrões de DNA, exatamente porque isto
implicaria em violência contra o ser humano, nada obstante se pode extrair da recusa
consequências jurídicas menos para o investigado.
Da mesma forma, o mesmo egrégio Tribunal, no Agravo de Instrumento 5.085,
decidiu que até mesmo o exame de DNA feito em um cadáver só pode ser autorizado
pelo juiz havendo consentimento expresso da família do morto, o que significa dizer que
esta proteção a valores fundamentais do ser humano prolonga-se até mesmo depois de
sua morte.
Situação diversa só se dará caso o paciente expontaneamente, mediante
declaração formal, aceite submeter-se ao exame.
III – CONCLUSÃO
Em conclusão e diante do que foi narrado na consulta temos o seguinte:
1º) O hospital não está obrigado a manter um serviço
laboratorial específico para fazer exame de dosagem etílica no sangue das pessoas
encaminhadas pela polícia sob suspeita de estarem dirigindo em estado de embriaguez;
2º) Em qualquer caso os exames só poderão ser feitos
mediante aquiescência expressa dos pacientes, sendo recomendável a assinatura de
um termo de consentimento para a garantia do hospital;
3º) Em caso de exames de corpo de delito constar do laudo a
falibilidade do exame uma vez que é feito isoladamente, ou seja, sem exames
complementares de sangue.
Adotando estas providências acredita-se que estará resguardada a conduta
médica-profissional e por certo propiciará a que a Polícia Militar da cidade de CandeiasMG impreenda as iniciativas necessárias para se ver adequadamente equipada a fazer
os referidos exames sem causar os transtornos citados.
É o parecer, s.m.j.
Brasília, 17 de junho de 1998
Giselle Crosara Lettieri Gracindo
Assessora Jurídica
Raquel Mundim Moraes Oliveira
Estagiária de Direito
Par487998
Download