Relato de Caso

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Relato de Caso
Dificuldade no Diagnóstico de Melanoma da Mucosa Nasal
Difficulty in the diagnosis nasal mucous melanoma
Resumo
Introdução: O melanoma mucoso de sítio primário nasal é uma
patologia rara e agressiva, que se mostra ao diagnóstico, muitas
vezes, extensa e com acometimento de importantes estruturas
anatômicas. Seu diagnóstico é difícil, quando em atendimento
em nível básico de saúde, pois a localização é intracavitária,
os sintomas são inespecíficos, o que faz com que as hipóteses
aventadas sejam, inicialmente, de doenças mais comuns.
Objetivo: descrever um caso de melanoma mucoso nasal,
enfatizando a importância do exame físico adequado na avaliação
do paciente. Relato de caso: Relatamos um caso de um paciente
idoso que cursava com obstrução nasal, epistaxe e rinorreia,
sendo diagnosticado melanoma mucoso nasal. Comentários
finais: Ressalta-se a importância de serem colocados na lista
de hipóteses diagnósticas os tumores nasais, principalmente em
pacientes de idade avançada e nas obstruções nasais unilaterais.
Descritores: Epistaxe; Melanoma; Neoplasias Nasais.
Introdução
O melanoma mucoso é uma entidade rara, com
cerca de menos de 1000 casos descritos na literatura
mundial1. Corresponde a menos de 1% dos melanomas
localizados em cabeça e pescoço2. Trata-se de uma doença maligna que deriva de melanócitos provenientes da
crista neural e que migram para a mucosa do trato aerodigestivo3. É considerada uma das neoplasias malignas
mais letais4.
Os sítios mais comuns de melanoma mucoso em cabeça e pescoço são: cavidade nasal – o mais prevalente
– seguido pela cavidade oral ou faringo-laringe5.
O melanoma de mucosa nasossinusal representa
0,5-2,0% dos melanomas e 4,0% dos tumores da região
nasossinusal6.
Michelle Manzini 1
Deise Mara Lima Costa 2
Abstract
Introduction: Mucous melanoma of nose as primary site is a
rare and aggressive pathology which presents at diagnosis, many
times, as extensive and affecting important anatomical structures.
Its diagnosis is difficult in a basic health evaluation, because of
its intracavitary location, symptoms are unspecific, which made
its main diagnostic hypothesis, in a first moment, more common
diseases. Objective: to report a case of mucous melanoma,
emphasizing the value of an adequate clinical evaluation of patient.
Case report: We related a case of an ancient male patient which
evoluted with nasal obstruction, epistaxes and nasal discharge,
its diagnosis was mucous nasal melanoma. Final comments:
We ensure the importance of including nasal tumors in the list of
diagnostic hypothesis of nasal obstruction, especially at old age
patients and in unilateral obstructions.
Key words: Epistaxis; Melanoma; Nose Neoplasms.
Comporta-se de maneira agressiva, evoluindo com
mau prognóstico em um curto espaço de tempo.
Seu pico de incidência é variável, situando-se em
torno da sétima década de vida, com descrição de casos
desde os 23 até os 93 anos de idade6.
O melanoma mucoso nasal localiza-se, mais comumente, na parede anterior do septo e na parede nasal
lateral (concha inferior, seguido pelo corneto médio) 7.
Não se têm identificado fatores de risco para a doença.
A evolução clínica é imprevisível, podendo ter rápida
disseminação regional e sistêmica ou ocorrer recidiva fatal anos após o diagnóstico inicial7.
Clinicamente, manifesta-se principalmente como
obstrução nasal progressiva e epistaxe – sintoma relacionado a um melhor prognóstico que aqueles com
1)Médico Residente do 2º ano do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
2)Doutorado em Neurociência, pela Universidade de Bordeaux – França. Médica Otorrinolaringologista, contratada do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital
de Clínicas de Porto Alegre.
Instituição: Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço.
Porto Alegre / RS – Brasil.
Correspondência: Michelle Manzini - Rua Ramiro Barcelos, 2350 - zona 19 – Bairro: Rio Branco - Porto Alegre / RS – Brasil – CEP: 90035-903 – E-mail: [email protected]
Recebido em 22/04/2011; aceito para publicação em 24/05/2011; publicado online em 27/02/2012.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.
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Dificuldade no diagnóstico de melanoma da mucosa nasal.
obstrução nasal isolada. Outros sintomas incluem rinorreia, rinolalia, hiposmia, cefaleia fronto-orbitária, algias
faciais. Quando houver comprometimento da órbita, podem ocorrer também diplopia e exoftalmia6. Normalmente, quando o paciente apresenta sintomas, a doença já
está avançada2. Nos vários casos revisados nos artigos
citados na bibliografia, observa-se que, inicialmente,
o paciente procura a atenção básica de saúde, sendo
atendido pelo médico clínico geral, de acordo com o fluxo orientado pelo sistema único de saúde. Uma vez que,
na rede básica, não se dispõe de material para examinar
a cavidade nasal, o paciente deve esperar determinado
período (geralmente, mais de um mês), até obter avaliação especializada, para que então se faça o diagnóstico
ou se suspeite deste.
Ao exame físico, identificam-se massas friáveis e
sangrantes ao toque, negro-azuladas ou em tons de
amarelo-pálido (melanoma amelanótico), sempre com
localização primária unialeral.
As metástases cervicais podem existir, mas, em menor frequência que se comparadas ao carcinoma epidermoide. Metástases à distância podem vir a ocorrer em
pulmão, fígado, cérebro, órbita e pele.
A avaliação do paciente consiste em anamnese detalhadas e exame otorrinolaringológico completo.
A radiografia de seios da face mostra apenas velamento dos seios da face, impossibilitando diferenciar secreção de lesão expansiva.
A tomografia computadorizada é usada para avaliar
o tumor primário e os linfonodos cervicais, e a ressonância magnética avalia a extensão da doença. Recomenda-se realizar tomografia de tórax para avaliar metástase pulmonar5.
O diagnóstico diferencial consiste em pigmentação
racial, nevo, carcinoma indiferenciado e linfoma 2,8.
O diagnóstico definitivo é feito por meio da histopatologia e da imuno-histoquímica, da biópsia da lesão. As
células tumorais são positivas para as proteínas S-100,
VIM e HMB45. Os marcadores CEA, EMA e citoceratinas
são negativos.
As mulheres parecem apresentar melhor prognóstico que os homens, quando considerada a sobrevida em
5 anos1.
O tratamento de escolha é cirúrgico, buscando a
exérese da lesão com margens livres, indicado quando
a doença for localizada9. A radioterapia tem papel adjuvante – para doença residual – ou paliativo associado ou
não à quimioterapia. Devido ao fato de ser uma patologia
rara, não há consenso quanto ao melhor manejo terapêutico para cada caso9.
O objetivo dessa publicação é de apresentar um
caso de melanoma de mucosa nasal, identificando fatores determinantes na protelação do diagnóstico.
Relato de caso
Paciente branco, masculino, 76 anos, casado, aposentado, natural de Osório e procedente de Porto Alegre
Manzini et al.
foi atendido em consultoria solicitada pelo setor de emergência deste hospital ao Serviço de Otorrinolaringologia
em 06/01/11. Relatava história de obstrução nasal direita
com 3 meses de evolução, epistaxe homolateral, que havia iniciado há vários dias e rinorreia purulenta ipsilateral, iniciada antes dos episódio de sangramento.
Havia sido avaliado por duas vezes na emergência deste hospital, antes da avaliação especializada
da Otorrinolaringologia, realizou radiografia de seios
da face que constatou velamento de seios maxilares e
etmoidas e espessamento importante de seio maxilar
direito. Foi tratado com antibiótico com plano de 21 dias
de duração, por hipótese diagnóstica de rinossinusite
bacteriana aguda e orientado a retornar em 4 semanas
para repetir o exame na rede básica de saúde. Apesar
de haver disponibilidade de avaliação otorrinolaringológica no hospital, esta não foi solicitada para que fosse
realizada inspeção adequada das cavidades nasais,
uma vez que, na emergência do hospital, não existem
espéculos nasais.
Devido à ausência de melhora clínica, antes do término do antibiótico, e ao longo tempo de espera a que
seria submetido, caso fosse tentada, via secretaria municipal de saúde, avaliação ambulatorial otorrinolaringológica, o paciente procurou outro hospital, com serviço de
emergência otorrinolaringológica, onde foi feito o diagnóstico de tumor nasal.
O paciente retornou ao nosso hospital, quando foi,
então solicitada avaliação otorrinolaringológica.
Ao exame físico, apresentava lesão escurecida e
com sangramento escasso que ocluía fossa nasal direita. Nasofibrolaringoscopia sem outros achados dignos
de nota. Oroscopia sem alterações. Palpavam-se ambas
as glândulas submandibulares do paciente.
Foi solicitada tomografia computadorizada contrastada de seios da face que evidenciou grande lesão expansiva, ocupando fossa nasal direita, cruzando a linha
média cranialmente para a fossa nasal esquerda e estendendo-se para as células etmoidais, frontal e seios
esfenoidais bilateralmente. Lesão óssea por remodelamento e por erosão nas lâminas , papiráceas , principalmente à direita, com proptose deste globo ocular. Linfonodomegalias cervicais medindo 2,7 x 1,6 cm à direita e
1,6 x 1,1 cm à esquerda. (Figura 1).
O paciente foi submetido à biópsia da lesão, sob
anestesia local, e necessitou permanecer dois dias com
tampão nasal em fossa nasal direita, devido ao sangramento. Após esse período, o tampão foi removido e não
houve novos episódios de sangramento ativo.
Devido à rinorreia purulenta, o paciente foi tratado
com cefuroxime por 10 dias.
O resultado da biópsia, confirmado por imuno-histoquímica, evidenciou melanoma, com marcadores positivos para S-100, HMB45 e Ki-67.
O caso foi definido como inoperável, sendo encaminhado para tratamento paliativo. Cerca de 30 dias após
o diagnóstico, veio a falecer enquanto aguardava tomografias para detectar lesões em outros sítios.
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Dificuldade no diagnóstico de melanoma da mucosa nasal.
Manzini et al.
basamento para comprovar a melhora na sobrevida, devido ao alto risco de metástase hematogênica.
Paciente cujas lesões são irresecáveis devem ser
manejados com radioterapia definitiva que fará a paliação a longo termo e, às vezes, a cura5.
Devido ao pouco número de casos relatados e à raridade da doença, é difícil comparar as diferentes abordagens e determinar a melhor escolha em cada caso.
A quimioterapia fica reservada para a doença sistêmica.
Comentários finais
Figura 1. Tomografia computadorizada de seios da face evidenciando
extensa lesão em fossa nasal direita, que cruza a linha média, acomentendo também a fossa nasal esquerda e provocando lesão óssea
e erosão de lâminas papiráceas.
Comentários
O melanoma mucoso nasal é extremamente raro,
com poucos relatos de caso na literatura.
O caso relatado mostra a sintomatologia inespecífica, a rápida evolução e a dificuldade de decisão terapêutica visando cura, devido à extensão da doença desenvolvida em curto período.
A avaliação é dificultada, para o médico não-especialista, por tratar-se de localização cavitária, que exige material específico – espéculo nasal, ótica de nariz
- para o exame físico, geralmente, indisponível. Além
disso, são necessários sofisticados exames de imagem,
nem sempre disponíveis com facilidade e rapidez. Esses
fatores acarretam a espera pela avaliação do especialista e o consequente retardo no diagnóstico.
O prognóstico e a evolução são piores que o melanoma cutâneo, bem como seu comportamento. O único
fator prognóstico definido é a presença de metástase à
distância ao momento do diagnóstico9. Outros fatores
parecem piorar a evolução da doença como ulceração,
crescimento rápido, metástase linfonodal, erosão óssea
e ausência de pigmentação2.
Os tumores primários tendem a ser letais e recorrentes.
O princípio do tratamento é a cirurgia, que engloba a
ressecção do tumor primário e dos linfonodos cervicais
positivos. Embora o melanoma mucoso nasal tenha sido
considerado radiorresistente, alguns casos relatados obtiveram boa resposta à radioterapia. A radioterapia adjuvante está indicada no pós-operatório para reduzir a
chance de recidiva locorregional. No entanto, falta em-
O melanoma mucoso nasal é uma doença agressiva
e de difícil diagnóstico em centros de atenção primária.
Os sintomas são inespecíficos, podendo ser confundidos com infecção de vias aéreas superiores.
A avaliação precoce ajuda a evitar o diagnóstico da
doença em fase avançada, restando, por vezes, apenas
a opção de tratamento paliativo.
Este artigo, ao relatar o caso, reforça a necessidade
de colocar o melanoma nasal no diagnóstico diferencial
dos tumores nasais , pois, apesar de ser extremamente
incomum, quando diagnosticado precocemente, existe
chance de cura e de melhor prognóstico para o paciente.
Reforça-se a necessidade e a importância da avaliação
do otorrinolaringologista, em quadros sugestivos de tumor nasal ( obstrução nasal, rinorreia purulenta e epistaxe unilateral) ou em quadros sugestivos de patologias
cotidianas, mas que não respondem adequadamente
ao tratamento clínico, para que a cavidade nasal possa
ser adequadamente visualizada e uma lesão grave, não
passe desapercebida.
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Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 1, p. 39-41, janeiro / fevereiro / março 2012 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 41
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