Fisiologia da Mastigação dos Eqüinos Luiz Fernando Rapp de Oliveira Pimentel M.V., MSc., Doutorando Departamento de Cirurgia FMVZ-USP e-mail: [email protected] Introdução “O eqüino é um herbívoro que potencialmente possui capacidade de obter energia através das forrageiras. No entanto, essa capacidade está não só na dependência da composição química e estrutural dos vegetais, como também da eficiência dos processos digestivos individuais. A quebra física do alimento durante a mastigação é a primeira etapa nesses processos e possibilita a ruptura mecânica da estrutura da parede vegetal expondo seus constituintes à ação química e biológica durante os processos digestivos. No entanto, a mastigação eficiente depende de condições dentárias adequadas. Além de deficiências nutricionais, a mastigação insuficiente pode reduzir a produção de saliva e aumentar o tamanho das fibras e grãos ingeridos. Isto predispõe os eqüinos a cólicas por indigestão” (Trecho introdutório extraído da dissertação de mestrado da professora Geane Maciel Pagliosa. “Influência das pontas de esmalte dentário na digestibilidade dos nutrientes da dieta de eqüinos” – UFMG, Escola de Veterinária, 2004). 1- Hábitos Alimentares dos Equinos Os eqüinos são animais de pastoreio contínuo. Em seu habitat natural, um eqüino mastiga por um tempo que equivale até setenta e cinco por cento do dia (DIXON, 2003). Segundo ALVES (2004), isto permite inferir que a mastigação é um ato que motiva o prazer. Caso contrário, o eqüino evitaria este ato, minimizando o tempo de mastigação, como ocorre em casos de enfermidades ou restrição do seu habitat natural. Os eqüinos têm por hábito um pastoreio seletivo e tendem a evitar comer a forragem em locais poluídos com esterco e urina. Cavalos confinados em baias, com livre acesso à forragem, podem exibir os mesmos hábitos alimentares e normalmente comem 10 a 12 horas por dias em sessões que duram de 30 a 10 minutos. Em contraste, cavalos confinados comem alimentos concentrados ou peletizados mais rapidamente. Estes cavalos confinados e que não tem livre acesso ao pastoreio não usam seus incisivos para o corte e isso pode torná-los demasiadamente longos devido à ausência de atrito e desgaste (EASLEY,1996). Gramíneas, feno e silagem são alimentos ricos em sílica e, devem promover o desgaste dentário numa taxa semelhante à taxa de erupção. No entanto, dietas ricas em alimentos concentrados reduzem o desgaste da superfície oclusal e restringem a amplitude da excursão da mandíbula. Como a taxa de erupção não é alterada, pode ocorrer sobre-erupção dos dentes incisivos (BAKER,2005, RUCKER,2006). Segundo DIXON (2003), eqüinos mantidos a pasto praticam uma mastigação com predominância do movimento de excursão lateral da mandíbula sobre os movimentos verticais. Por outro lado, o autor afirma que, eqüinos mantidos em cocheiras e alimentados com ração industrializada, praticam uma mastigação anormal, com predominância de movimentos verticais da mandíbula. Este tipo de movimento não é eficiente para a trituração da fibra da forragem. 2-O Ciclo Mastigatório e a Digestão Segundo OKESON (2000), o sistema mastigatório é extremamente complexo. Ele é constituído de ossos, músculos, ligamentos e dentes. Os movimentos são regulados por um intrincado mecanismo de controle neurológico. Cada movimento é coordenado para maximizar a função ao mesmo tempo que minimiza danos a quaisquer das estruturas. Um preciso movimento da mandíbula, executado pelos músculos, é necessário para movimentar os dentes entre si eficientemente durante a função. A mecânica e a fisiologia destes movimentos são as bases para o estímulo da função mastigatória. Cada característica da arquitetura dental desenvolveu-se para tornar os eqüinos capazes de detectar, apreender, mastigar e iniciar a digestão da forragem (EASLEY,1996). A mastigação é baseada na repetição de um movimento cíclico que resulta de contrações rítmicas e controladas de um grupo de músculos associado com a abertura e o fechamento da mandíbula e maxila (Baker, 1999). A mastigação envolve as ações da mandíbula, língua e bochechas e consiste no primeiro ato da digestão. Ela serve não somente para quebrar as partículas de alimento em um tamanho adequado para passar pelo esôfago, mas também para umedecer e lubrificar o alimento, ao misturá-lo com a saliva. Anormalidades dos dentes são uma causa comum de distúrbios gastrointestinais em cavalos (CUNNINGHAM, 2004). . Os lábios móveis do cavalo juntam a forragem entre os incisivos superiores e inferiores, os quais têm faces oclusais aplainadas que permitem um eficiente corte da pastagem junto ao solo. A articulação temporomandibular (ATM) permite a movimentação lateral da mandíbula (excursão lateral da mandíbula), o que torna pré-molares e molares uma eficiente unidade de mastigação e trituração (TREMAINE,1997). A harmonia entre os diversos fenômenos que integram os processos digestivos depende, entre outros fatores, da condição de equilíbrio neuroendócrino. Em outras palavras, desequilíbrios neuroendócrinos representam ameaça a interação harmônica entre os fenômenos da digestão. A classificação e a inter-relação entre os fenômenos citados estão sumarizadas na Figura 1 (Alves, 2004). Fenômenos da Digestão Físicos - Mecânicos Químicos Biológicos Figura 1 - Esquema da classificação e inter-relação entre os fenômenos que integram a digestão. Pela mastigação os dentes proporcionam condições para ocorrer os principais fenômenos físico-químicos da digestão, sem o quais, não será iniciada uma digestão adequada, como também a digestibilidade dos alimentos sólidos ficará dificultada. A importância desses fenômenos é dar início a um processo digestivo na boca e criar condições para ocorrer os demais processos químicos digestivos subseqüentes . Na boca ocorre ainda o início dos fenômenos químicos da digestão, principalmente pela ação enzimática da saliva sobre os carboidratos (ALVES, 2004). Apreensão, Mastigação, salivação e deglutição são atividades fisiológicas da cavidade oral, a primeira área do trato digestivo. A mastigação tritura o alimento, promovendo um aumento da superfície de contato, o que facilita a ação das enzimas digestivas. Da união do alimento triturado e saliva, resulta um bolo lubrificado pronto para a deglutição. A salivação facilita a mastigação assim como a deglutição (MCILWRAITH,1984). Segundo Hintz e colaboradores (1971) componentes dos vegetais estão contidos no protoplasma e na parede celular. No protoplasma encontram-se carboidratos simples, proteínas, lipídios, vitaminas, minerais e água, os quaissão mais facilmente disponibilizados e degradados pelos fenômenos químicos da digestão, ou seja, pelas enzimas digestivas na boca, estômago e intestino delgado. A parede celular dos vegetais é composta por carboidratos estruturais complexos (hemicelulose, celulose, lignina e cutina) além de minerais e pouca proteína. Os carboidratos estruturais sofrem digestão pelos fenômenos biológicos de fermentação, ou seja, pela microbiota do intestino grosso dos eqüinos os quais, dependendo da dieta, são capazes de obter energia9 considerável a partir dos ácidos graxos voláteis, especialmente oriundos da hemicelulose mais também da celulose. Entretanto para Jung e Vogel (1986),, a biodisponibilidade desses depende do teor de lignina, principal limitante da biodegradação, nos carboidratos estruturais, além dos fenômenos físicos-mecânicos representados pela mastigação com eficiência dentária. A mastigação é um processo muito importante para os eqüinos, pois, junto com outros fatores é a primeira parte da digestão. Logo, quando o cavalo tem qualquer problema na mastigação, acarretará outro na digestão. Deve-se salientar que o cavalo em seu habitat natural passa cerca de setenta e cinco por cento do seu dia pastando, o que equivale a 18 horas, e assim sendo, deve ser uma atividade prazerosa, que o traz satisfação. A atividade dos dentes é primordial para a digestão das forragens, já para concentrados pequenos problemas dentários não acarretam sérios problemas. Problemas com a mastigação podem acarretar alguns problemas como a queda na performance e indigestão que resultam em cólicas e podem levar o animal ao óbito (ALVES, 2004). Baker (1998), descreve o ciclo mastigatório do eqüino em 4 fases: abertura, fechamento, impacto, atrito e retorno. Pagliosa (2004) realizou uma análise mais detalhada da fase de impacto e atrito (IA). Na fase IA, considerando-se sua localização inicial e distribuição na superfície oclusal, bem como as diferentes intensidades de força geradas pelo movimento mandibular durante sua ocorrência, pode-se supor que a mastigação no eqüino tem outros efeitos sobre o alimento do que simplesmente a trituração. Segundo a autora supracitada, na fase IA ocorre um efeito de esgarçamento nas fibras de forragem, ou seja, seu rompimento ou fragmentação. O efeito de esgarçamento seria resultado da combinação de máximo impacto de força promovida pelo deslocamento mandibular e a abrasão gerada pela superfície cortante das pontas de esmalte(Fig.2). DE 6 a 9 _______________ Trituração Esgarçamento Amassamento De 5 a 6 de 9 a 1 Figura 2 – Esquema do ciclo mastigatório do eqüino e seus efeitos sobre o alimento. Descrição do ciclo mastigatório. O traçado representa o movimento mandibular durante o ciclo. O efeito de esgarçamento ocorre durante a seqüência 5 a 6 da representação do movimento mandibular, no início da fase de impacto e atrito (IA). O efeito de trituração ocorre no intervalo de 6 a 9, durante a fase de deslizamento das superfícies oclusais dos dentes pré-molares e molares mandibulares e maxilares. O efeito de amassamento ocorre no intervalo 10 a 1da representação do movimento mandibular. Fonte: PAGLIOSA, 2004. Segundo Dixon e Dacre (2005), não há um modelo padrão de mastigação. A maneira pela qual o alimento é triturado depende da comida e do formato dos dentes molares e prémolares. Na mastigação é baseada sobretudo na repetição de um movimento cíclico resultante da contração rítmica controlada de todos os músculos associados com abertura (depressão) e fechamento (elevação) da mandíbula. Os cavalos às vezes podem mastigar do lado direito ou do esquerdo, mas isso não é comprovado, mesmo alguns animais apresentando uma maior excursão lateral de um lado do que do outro. No momento da trituração deve haver contato entre as quatro hemi-arcos dentários, porém, observa-se que, as vezes, só há o contato entre duas. Isso leva a conclusão de que há uma tendência de um atrito desigual, que é resultado de uma variação na fisiologia da mastigação (EASLEY, 1999). O atrito no arco pode ser modificado de um lugar para o outro ao longo da vida do cavalo através de patologias dentárias dolorosas, o tempo gasto na mastigação, a natureza do material a ser mastigado e as características físicas do dente, como cáries (DIXON & DACRE, 2005). Para a avaliação dos movimentos de excursão lateral da mandíbula, a cabeça do cavalo deve estar em posição neutra, que é a posição que o animal adota quando está mastigando. Esta avaliação deve ser preferencialmente realizada com o fornecimento de forragem de fibra longa, semelhante a que é encontrada durante o pastoreio (BAKER, 1998). REFERÊNCIAS ALVES, G. E. S. Odontologia como parte da gastroenterologia – sanidade dentária e digestibilidade. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIRURGIA E ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 6., 2004, Indaiatuba, SP. [Anais...] Indaiatuba: Faculdade de Jaguariúna, 2004. p. 7-22. Mini Curso de Odontologia Equina. BAKER, G. J. Dental physical examination. 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