MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS
EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS
PRE/L/2012 - RE - P _____
RECURSO ELEITORAL nº 38-84.2012.6.13.0110
RECORRENTE: Adaílton Pereira da Silva
RELATOR: Juiz Flávio Bernardes
110ª ZE – Estrela do Sul/MG
O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, por intermédio da
PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, devidamente instado a manifestar-se, o
faz nos seguintes termos.
Trata-se de recurso interposto contra decisão que indeferiu a
transferência eleitoral do recorrente por falta de prova sobre a existên cia de
vínculo com o município.
O recorrente sustentou, em síntese, possuir vínculos com o
município, além de manter residência na localidade. Sustentou que o conceito
de domicílio eleitoral é bem mais amplo que o de domicílio civil, segundo
precedentes do TSE.
É o relatório.
No que tange ao necessário vínculo com o município, impende
salientar que o conceito de domicílio eleitoral, para fins de inscrição e
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Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais
Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002
Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG
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transferência, extrai-se dos artigos 4º, parágrafo único e 8º da Lei nº
6.996/82, que assim dispõ em:
Art. 4º - O alistamento se faz mediante a i nscrição do eleitor.
Parágrafo único - Par a efeito de inscrição, domicílio eleitoral é o lugar
de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais
de uma, considerar -se-á domicílio qualquer delas.
(...)
Art. 8º - A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as
seguintes exi gências:
(...)
III - residência mí ni ma de 3 (três) meses no novo domicílio, declarada,
sob as penas da lei, pelo próprio eleitor.
Por sua vez, o Provimento nº 017/CRE/2011 da CRE/MG, que
“Expede instruções para revisão do eleitorado com identificação biométrica
em Municípios do Estado de Minas Gerais” estabelece:
Art. 4º A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou
mais documentos d os quais se infira ser o eleitor residente no município
ou nele possuir vínculo familiar, pr ofissional, patrimoni al ou
comunitário a abonar a residência exigida. ( Arts. 64 e 65 da Resol ução nº
21.538/2003/TSE c/c Ac. TSE nº 371.C, de 19.9.96).
(...)
§ 4º Ocorrendo a i mpossibilidade de apresentação de qualquer documento
que identifique o domicílio do eleitor ou subsistindo dúvida quanto à
idoneidade do compr ovante de domicílio apresentado, declarando o
eleitor, sob penas da lei, ter domicílio no município, o Juiz El eitoral
decidirá de plano ou deter minará as providências necessárias à obtenção
da prova, inclusi ve por meio de verificação no local.
A extensão do conceito de domicílio eleitoral, realizada pelo
referido Provimento 017/CRE/2011, encontra apoio em diversos precedentes
do Tribunal Superior Eleitoral, que em geral definem como sendo o lugar em
que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e afetivos . 1
1
RESPE Ac. nº 23.721/2004. Publicação: DJ, v. 1, 18/03/2005, p. 184. Relator: Humberto Gomes de
Barros.
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Esta Procuradoria Regional Eleitoral vinha seguindo essa
orientação. Ou seja, entendia -se que se provados vínculos políticos, afetivos
ou sociais do eleitor com o município, restaria atendido o requisito
domiciliar para fins de inscrição ou transferência eleitoral.
Contudo, conhecidas e não raras fraudes praticadas em ano
eleitoral com a finalidade de arregimentação de eleitores comprometidos com
determinado candidato, e que resulta, muitas vezes, em um fenômeno
demográfico no município que acaba por ter mais eleitores que habitantes,
como parece ser o caso dos autos, levaram a uma melhor reflexão e mudança
de posição sobre o assunto.
Oportuno o resgate da definição de domicílio da pessoa natural,
segundo o Código Civil que, no artigo 70, estabelece que domicílio é o lugar
onde ela estabelece residência com ânimo definitivo. Vê -se que o legislador,
para definir o domicílio civil, reuniu dois elementos: um material, ou externo
– a residência, e outro psíquico, ou interno – a intenção de permanecer.
Domicílio civil, pressupõe, portanto, a relação física (residência ou moradia)
da pessoa com o local, alé m de um outro elemento anímico ou subjetivo, a
intenção de ali permanecer.
Não se desconhece que legislador civil admitiu a pluralidade de
domicílios, considerando a possibilidade de o indivíduo possuir mais de uma
residência de maneira não eventual (art . 71). Para além disso,
pode ser
considerado o domicílio da pessoa natural o lugar onde ela exerça
suas
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atividades (art. 72), e, por fim, pode -se ainda considerar domiciliada a pessoa
onde for encontrada, desde que não tenha residência permanente (art. 7 3).
No
entanto,
para
fins
eleitorais,
especificamente
para
a
inscrição eleitoral, o legislador não edificou a definição de domicílio sobre
os mesmos elementos (residência e ânimo de permanência), tendo se
contentado apenas com o primeiro.
Assim é que, pa ra fins eleitorais,
considera-se domicílio o lugar de residência ou moradia do eleitor (Lei nº
9.096/82, art. 4º).
Mas isso não autoriza a inferência de que vínculos de natureza
econômica,
profissional,
política,
social
ou
afetiva
possam
instar
a
qualificação jurídica do lugar como domicílio. Isso porque, como parece
óbvio, o elemento descritivo (residência ou moradia), que é o ponto nuclear
da definição formulada pela lei eleitoral, traz ínsita a ideia de relação física
entre o lugar e a pessoa. Em outro s termos, é necessário, para a configuração
de um domicílio eleitoral, que no lugar considerado a pessoa disponha de
casa, apartamento, barracão ou outro tipo de imóvel, próprio, alugado ou
cedido em comodato, para onde se recolha, que lhe sirva de abrigo . E, diga-se
mais, essa relação física somente haverá de se caracterizar como residência
ou moradia se for não eventual.
Não obstante a clareza e perfeita delimitação da definição de
domicílio conferida pela lei eleitoral, diversos precedentes do TSE, co mo já
apontado, têm emprestado à expressão domicílio eleitoral uma exagerada e
desarrazoada
amplitude
conceitual,
ao
ponto
de
abarcar
no
espectro
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conceitual de residência ou moradia situações como a de vínculos políticos,
afetivos ou de parentesco, econômi cos, e outros mais.
Com isso se quer dizer que a amplitude conferida ao significado
de domicílio eleitoral nos apontados precedentes refoge, evidentemente, às
possibilidades semânticas que o texto do artigo 4º da Lei nº 9.096/82 oferece.
Não se pretende aqui afirmar que seja a interpretação resultante
do método de análise puramente literal ou gramatical do texto a única
possível. É certo, como há muito já se afirma, que o sentido ou os sentidos
possíveis de um enunciado normativo devem ser revelados a pa rtir de um
processo de interpretação que, conforme o caso, haverá de ser mais ou menos
complexo, mais ou menos elaborado, podendo chegar -se à consideração de
elementos históricos, de análise sistemática, de integração da norma à
realidade (social, política e econômica) e de interdisciplinariedade.
É possível que a interpretação, exercitada com apoio em tais
elementos, venha a revelar vários sentidos possíveis da norma, caso em que o
intérprete deverá manifestar preferência por aquele que melhor se ajuste à
pauta axiológica do sistema ou subsistema normativo em que inserida a
disposição normativa objeto da interpretação.
De ver-se que a demasiada extensão do espectro conceitual de
domicílio eleitoral, apontada nos precedentes do TSE, é uma posição que se
apresenta em desconformidade evidente com o sentido gramatical do
enunciado normativo em exame.
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Para ser sustentável juridicamente, essa posição jurisprudencial
dependeria de muito bem articulada fundamentação, digna de um vigoroso
esforço hermenêutico. Entretanto, ao exame das peças do inteiro teor dos
julgados referidos não se encontra mais do que lacônicos argumentos,
reportados nas notas remissas abaixo. 2
Em suas ponderações, Luiz Lênio Streck, considerou a assertiva
de que o sentido gramatical de um enunciado normativo não traduz
exatamente o conteúdo da norma, porquanto esse conteúdo só é possível de
ver-se revelado a partir de um processo de interpretação. Mas é fora de
dúvida
que
não
se
pode
buscar
o
sentido
da
norma
absolutamente
desconectado do sentido gramatical do texto. Os textos que integram o direito
positivo contêm a norma. São textos jurídicos, não textos contábeis ou
religiosos. Os enunciados normativos podem não dizer exatamente o que é a
norma; podem não esgotar ou mesmo transbordar o seu conteúdo. Porém, a
compreensão do sentido da norma há que partir de um enunciado normativo e
não pode se produzir sem a compreensão de que entre texto e norma,
respectivamente, se estabelece uma relação tal qual aquela que há entre o
ente e o ser.
“Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e
econômicos. A residência é a materialização desses atributos.” Voto do Min. Humberto Gomes de Barros no RESPE
23721.
“ (…) o TSE, ao interpretar os arts. 42 e 55 do Código Eleitoral, tem liberalizado a caracterização do domicílio
eleitoral e admitido o seu deferimento em lugar distinto daquele em que o eleitor mantém o domicílio civil, desde que
demonstrado o vínculo.” Voto do Min. Francisco Peçanha Martins no RESPE 21.829.
“O conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio do direito comum, regido pelo Código
Civil. Mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos políticos e
sociais.” Voto do Min. Sávio de Figueiredo no RESPE 16.397.
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Por essa razões, e pedindo venia àqueles que comungam da
interpretação conferida pelo c. TSE à norma em questão, está a merecer
revisão o entendimento esposado por aquela Corte Superior. Não se pode
aceitar como domicílio eleitoral, para fins de inscrição o u transferência
eleitoral, qualquer outro vínculo do eleitor com o município que não seja a
residência ou a moradia, conforme estabelece o artigo 4º da Lei nº 9.096/82.
Qualquer outra interpretação da norma que admita diferente espécie de
vínculo transborda os limites hermenêuticos, indo além da leitura construtiva
do direito para contrariar o objeto da interpretação, não podendo ser aceita
sob pena de completa desconexão entre a norma e sua aplicação.
Ainda assim, levando-se em conta que a simples moradia 3 foi
considerada pelo legislador como critério de definição do domicílio eleitoral,
é possível que o eleitor possua dois domicílios, podendo legitimamente
inscrever-se ou transferir sua inscrição para
qualquer um deles. Seria, por
exemplo, o caso daquele s que durante a semana trabalham nos grandes
centros e lá estabelecem moradia para esse fim, no entanto residem em
município do interior, onde pretendem permanecer independentemente de
eventuais alterações em suas atividades profissionais. Nesses casos est aria
estabelecido
o
vínculo
exigido
pela
lei
eleitoral
para
inscrição
ou
transferência em qualquer dos municípios. Porém não em meras relações
familiares, econômicas ou sociais.
3
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, moradia e residência se distinguem numa escala de gradação,
onde moradia estaria colocada antes de residência e o que definiria essa posição seria a estabilidade na
habitação. (Instituições de Direito Civil, v. I, 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 371)
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Nessa linha de ideias, no caso em apreço o recorrente juntou
documentos, como conta de luz do endereço informado e registro do imóvel.
Contudo, a certidão de lavra do oficial de justiça da 110ª ZE é prova cabal de
que o demandante não reside no local indicado (f. 20). O próprio recorrente
informa que a Fazenda pertence ao filho de seu patrão (f. 04).
Como para a transferência eleitoral cabe ao interessado provar
o vínculo, e não foi produzida qualquer prova pelo recorrente, não merece
provimento o seu pleito.
Ante o exposto, manifesta -se o MINISTÉRIO PÚBLICO
ELEITORAL,
por
intermédio
da
PROCURADORIA
REGIONAL
ELEITORAL, pelo não provimento do recurso .
Belo Horizonte, 25 de julho de 2012.
EDUARDO MORATO FONSECA
PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL
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