VII Colóquio Internacional Marx e Engels GT 6 - Trabalho e produção no capitalismo contemporâneo Trabalho Imaterial, alienação e fetichismo no capitalismo contemporâneo Thiago Lemos Possas1 Roberto Galvão Faleiros Júnior2 Introdução O presente trabalho tenta correlacionar os temas da alienação, da reificação, do fetichismo, da forma como foram tratados por Marx, e as dimensões por eles assumidas atualmente, além de cotejá-los com o desenvolvimento tecnológico, num contexto de proeminência do trabalho imaterial. A hodierna relevância do trabalho imaterial torna necessária a reconsideração dos conceitos supramencionados, tendo-se em vista que a relação interpessoal (e não mais a relação entre pessoas e coisas) passa a figurar consideravelmente no universo das relações de trabalho contemporâneas. Os procedimentos metodológicos utilizados para a presente pesquisa teórica envolveram a análise bibliográfica pertinente, com obras de diversos campos do conhecimento, numa perspectiva interdisciplinar, com enfoque dialético para a tratativa dos conceitos desenvolvidos. 1 – A alienação a) O Trabalho Para Marx, é através do trabalho que o homem transforma, humaniza a natureza e, ao mesmo tempo, cria a si mesmo (KONDER, 1993). Mas, de forma primordial do relacionamento do homem com o mundo e de auto-realização humana, de materialização de seus desejos, de construção do mundo e de identificação com as suas construções, o trabalho passa a ser instrumentalizado para outros fins. Segundo José Paulo Netto (1981, p. 56-57), 1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Bolsista CAPES/PROPG. 2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Bolsista CAPES/PROPG. a objetivação é a forma necessária do ser genérico no mundo – enquanto ser prático e social, o homem só se mantém como tal pelas suas objetivações, pelo conjunto de suas ações, pela sua atividade prática, enfim; já a alienação é uma forma específica e condicionada de objetivação. Consoante interpretação de Leandro Konder (1993, p. 30), “as condições criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade privada introduziram um ‘estranhamento’ entre o trabalhador e o trabalho, na medida em que o produto do trabalho, antes mesmo de o trabalho se realizar, pertence a outra pessoa”. Destarte, o homem não se reconhece no produto de seu trabalho, não goza de liberdade criativa em sua feitura, e o produto não terá para ele nenhuma utilidade (KONDER, 1999, p. 34). Sobre a condição do trabalhador, assevera Marx (2004, p. 80): O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral. Quanto ao objeto, fruto deste trabalho, diz Marx (2004, p. 80): Este fato nada mais exprime, senão: o objeto que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta com um ser estranho, como um poder independente do produtor. O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, fez-se coisal, é a objetivação do trabalho. A efetivação do trabalho é a sua objetivação. Esta efetivação do trabalho aparece ao estado nacional-econômico como desefetivação do trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento, como alienação. Desta situação, em que o trabalhador se depara com o produto de seu trabalho como se lhe fosse estranho, advém as seguintes conseqüências (MARX, 2004, p. 81): Na determinação de que o trabalhador se relaciona com o produto de seu trabalho como [com] um objeto estranho estão todas estas conseqüências. Com efeito, segundo este pressuposto está claro: quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando, tanto mais poderoso se torna o mundo objetivo, alheio que ele cria diante de si, tanto mais pobre se torna ele mesmo, seu mundo interior, [e] tanto menos [o trabalhador] pertence a si próprio (...). Por conseguinte, quão maior esta atividade, tanto mais sem-objeto é o trabalhador. Ele não é o que é o produto do seu trabalho. Portanto, quanto maior este produto, tanto menor ele mesmo é. A exteriorização do trabalhador em seu produto tem o significado não somente de que seu trabalho se torna um objeto, uma existência externa, mas, bem além disso, [que se torna uma existência] que existe fora dele, independente dele, que a vida que ele concedeu ao objeto se defronta hostil e estranha. O trabalho, portanto, segundo Marx (2004, p. 83-85), serve não mais para a satisfação de uma carência humana, mas apenas para que o homem possa satisfazer suas necessidades fora dele: “O trabalho estranhado inverte a relação a tal ponto que o homem, precisamente porque é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua essência, apenas um meio para sua existência”. Assim, o trabalho aparece como um fardo, como “auto-sacrifício”, como “mortificação”. O resultado deste trabalho alienado é a propriedade privada, que é, segundo Marx, “a conseqüência necessária do trabalho exteriorizado, da relação externa do trabalhador com a natureza e consigo mesmo” (2004, p. 87). Para Marx (2004, p. 106), a propriedade privada representa a expressão material da vida humana estranhada, sendo o “seu movimento – a produção e o consumo”, “a manifestação sensível do movimento de toda produção até aqui, isto é, realização ou efetividade do homem”. Portanto, a partir da alienação do trabalho, a realização da vida genérica humana deixa de ser objeto do trabalho, sendo que agora “é a vida genérica do homem que se torna um instrumento para a consecução de sua sobrevivência física (orgânica, animal, natural)”, e o trabalho alienado passa a gerar para o trabalhador uma alienação dupla: “a do produto do trabalho (alienação do objeto) e a da própria atividade do trabalho (alienação de si)” (NETTO, 1981, p. 56-57). Consoante elucidativo trecho de José Paulo Netto (1981, p. 69), através do conceito de alienação, o que Marx aponta é a cisão operada entre o indivíduo, que se toma a si mesmo como unidade autonomizada e atomizada, e a coletividade, que é percepcionada como uma natureza estranha – a alienação conota exatamente esta fratura, este estranhamento, esta despossessão individual das forças sociais que são atribuídas a objetos exteriores nos quais o sujeito não mais se reconhece. b) O Consumo Segundo Machado (2011, online), Marx aponta o consumo intenso como outro fator de alienação, sendo sua expansão uma exigência da produção. E, por isso, a sociedade capitalista se vê obrigada a criar um consumo artificial, criando necessidades artificiais para continuar produzindo. Aqui o homem se vê novamente subjugado pelas coisas que produziu, consumindo-as apenas pela necessidade de consumir, e não porque elas tenham um valor real de uso ou porque possam atender a uma necessidade real (MACHADO, 2011, online). De sorte que a alienação do trabalhador se completa na sua transformação em consumidor (KEHL, 2004a, p. 44). A partir da perspectiva da sociedade do espetáculo, o trabalhador, “ainda quando não consome as (outras) mercadorias propagandeadas pelos meios de comunicação, consome as imagens que a indústria produz para seu lazer”, consumo este que ocorre não apenas através da contemplação das imagens, mas de identificação para com elas, que funcionam como “espelho espetacular de sua vida empobrecida” (Idem, ibidem, p. 44). Neste ponto a autora (Idem, ibidem, p. 45) recorre à obra de Guy Debord, que afirma que o consumo alienado funciona como um dever suplementar à produção alienada, para as massas. E, “quanto mais o indivíduo, convocado a responder como consumidor e espectador, perde o norte de suas produções subjetivas singulares, mais a indústria lhe devolve uma subjetividade reificada, produzida em série, espetacularizada” (Idem, ibidem, p. 52-53). Dentro deste cenário, alienação e consumo se relacionam com as formulações sobre o fetichismo, que consiste em “um aspecto da problemática mais abrangente da alienação” (NETTO, 1981, p. 68). 2 – O Fetichismo Sobre o conceito de fetichismo da mercadoria, disserta Kehl (2004b, p. 75): A fórmula mais conhecida e clara do fetichismo da mercadoria é a de que ele é resultado de uma operação que oculta, sob a aparente equivalência objetiva das mercadorias, as diferenças – sob as formas de dominação e exploração – entre os homens que as produziram. Em outras palavras, cada mercadoria que circula no mundo capitalista e que pode ser trocada por outras, equivalentes em seu valor – equivalência que veio a ser simbolizada pela mercadoria mais abstrata de todas, o dinheiro –, traz em si mesma a história de um capitalista e de um operário; de um que comprou a força de trabalho e de um outro que a vendeu, ou mais ainda: do tempo de vida que um sujeito despossuído de qualquer outro bem teve que entregar ao capitalista para garantir sua sobrevivência, e assim continuar vendendo seu tempo e produzindo mais mercadorias. A este respeito vale destacar a ressalva de José Paulo Netto (1981, p. 80) de que “a forma mercadoria não é apenas a célula econômica da sociedade burguesa: é também a matriz que contém e escamoteia a raiz dos processos alienantes que têm curso nesta sociedade”. Ocorre que os sujeitos que intercambiam mercadorias, e que medem o valor de umas pelas outras, assim como se medem uns pelos outros e terminam por medir seu próprio valor pelo valor das mercadorias que trocam, precisam acreditar que essas mercadorias significam riquezas – mas para isso precisam esquecer (tal qual o fetichista freudiano: “eu sei, mas não quero saber”) o que elas escondem (KEHL, 2004b, p. 76-77). Este conceito está intimamente ligado ao de alienação, constituindo o fetichismo, para Marx, uma modalidade de alienação, e “o que as investigações marxianas posteriores a 1857-1858 fazem é situar a reificação, posta pelo fetichismo, como a estrutura específica da alienação que se engendra na sociedade burguesa constituída” (NETTO, 1981, p. 73 e 80). Neste ínterim, faz-se mister evidenciar o aspecto de totalidade atingido pelo modo capitalista de organização da vida social, conforme vislumbrado pelo autor (Idem, ibidem, p. 81-82), para em seguida relacioná-lo ao fetichismo: Na idade avançada do monopólio, a organização capitalista da vida social preenche todos os espaços e permeia todos os interstícios da existência individual: a manipulação desborda a esfera da produção, domina a circulação e o consumo e articula uma indução comportamental que penetra a totalidade da existência dos agentes sociais particulares – é o inteiro cotidiano dos indivíduos que se torna administrado, um difuso terrorismo psico-social se destila de todos os poros da vida e se instila em todas as manifestações anímicas e todas as instâncias que outrora o indivíduo podia reservar-se como áreas de autonomia (a constelação familiar, a organização doméstica, a fruição estética, o erotismo, a criação dos imaginários, a gratuidade do ócio, etc.) convertem-se em limbos programáveis. O autor identifica perspicazmente que “a visibilidade do poder opressivo (outrora, por exemplo, o capitalista) se esvaneceu – ele é tanto mais eficiente em suas manifestações econômicas, sociais, políticas, culturais, quanto menos é localizável; mais funciona, menos é identificável”. E prossegue no diagnóstico de que “a ubiqüidade deste poder, desta weberiana autoridade ‘racional’ e sem rosto, se instala nos trilhos por onde corre o cotidiano”. E, assim, “o caráter de coisa que as relações sociais adquirem na forma mercadoria é, agora, o caráter das objetivações humanas: elas se coagulam numa prática social que os agentes sociais particulares não reconhecem como suas”. Em síntese: “o fetichismo mercantil passa a ser fetichismo de todo o intercâmbio humano” (Idem, ibidem, p. 81-83 e 85). Nesta sociedade capitalista totalizante que impregnou com o fetichismo toda a trama das relações sociais, o sujeito reconhece que está perante uma “alteridade social”, uma “coisa social” que escapa ao controle de todos, e à qual ele deve se adaptar da melhor forma, já que “a sua factualidade fá-la uma variável ineliminável do seu contexto vital” (NETTO, 1981, p. 87). As formulações sobre o fetichismo, passam a constituir os requisitos de uma análise genética (a translação progressiva do fetichismo da forma mercadoria para as formas de todas as instâncias e agências sociais, com a mercantilização geral da vida) e sistemática (o modus operandi pelo qual as manifestações reificadas se estruturam na pseudo-objetividade da positividade) da cultura da sociedade burguesa constituída. Tornam-se, com isso, uma teoria que dá conta do fetichismo com que se reveste o ser social na aparência imediata da sociedade burguesa constituída e, em função da realidade da aparência, transformam-se em uma teoria das relações reificadas e das suas manifestações anímicas – passam a ser uma teoria da positividade capitalista (NETTO, 1981, p. 87). Lado outro, tem-se na sociedade capitalista um indivíduo hipertrofiado, “mas ao mesmo tempo (e por isso mesmo) [que] se encontra mais desamparado do que nunca em função da perda de seu pertencimento simbólico à comunidade humana” (KEHL, 2004b, p. 78). A psicanalista ainda acredita que o capitalismo não tornou os sujeitos “menos humanos”, mas que a cegueira para com a relação entre mercadoria, riqueza e valor “fez certamente que perdessem a noção do que consiste esta humanidade” (Idem, ibidem, p. 78). Para Slavoj Zizek (2011, p. 65), o “cenário ideológico hegemônico contemporâneo” pode ser dividido entre “dois modos de fetichismos”, o cínico e o fundamentalista, “ambos impermeáveis à crítica ‘racional’ argumentativa”: “enquanto o fundamentalista ignora a argumentação (ou pelo menos desconfia dela) e se agarra cegamente ao fetiche, o cínico finge aceitar a argumentação, mas ignora a sua eficiência simbólica”. O autor (Idem, Ibidem, p. 63) elucida a distinção entre a versão cínicopermissiva e fascista-populista: A primeira envolve uma falsa universalidade: o sujeito defende liberdade ou igualdade, mas não percebe as restrições implícitas que, em sua própria forma, restringem seu alcance (os privilégios de certos extratos sociais: ser rico, ou homem, ou pertencer a certa cultura, etc.) a segunda envolve uma falsa identificação tanto da natureza do antagonismo quanto do inimigo, por exemplo: a luta de classes é deslocada para a luta contra os judeus, de modo que o ódio popular de ser explorado seja desviado das relações capitalistas como tais para a ‘conspiração judaica’. Correlacionando os conceitos supramencionados, e contextualizando-os aos tempos atuais, de desenvolvimento tecnológico e centralidade da categoria dos “serviços” dentre as atividades capitalistas, cumpre destacar a emergência do trabalho imaterial, bem como sua implicação na mudança da concepção de fetichismo. 3 – Trabalho Imaterial na contemporaneidade Antonio Negri e Michael Hardt (2010, p. 48) destacam as mudanças recentes do trabalho produtivo e da tendência atual em tornar-se cada vez mais “imaterial”: “o papel central previamente ocupado pela força de trabalho de operários de fábrica na produção de mais-valia está sendo hoje preenchido, cada vez mais por força de trabalho intelectual, imaterial e comunicativa”. Negri e Hardt (2010, p. 311) assim definem o “trabalho imaterial”: Os setores de serviço da economia apresentam um modelo mais rico de comunicação produtiva. A maioria dos serviços de fato se baseia na permuta contínua de informações e conhecimentos. Como a produção de serviços não resulta em bem material e durável, definimos o trabalho envolvido nessa produção como trabalho imaterial – ou seja, trabalho que produz um bem imaterial, como serviço, produto cultural, conhecimento ou comunicação. Slavoj Zizek (2011, p. 116-117) também ressalta a predominância do “trabalho intelectual” dentro do capitalismo tardio, e que, por isso mesmo, faz-se necessário repensar o fetichismo da mercadoria (em sua versão marxista clássica), “em que as ‘relações entre pessoas’ assumem a forma de ‘relações entre coisas’”: No “trabalho imaterial”, as “relações entre pessoas” escondem-se menos “sob o verniz da objetividade e são elas mesmas o material de nossa exploração cotidiana”, de modo que não podemos mais falar de “reificação” no sentido lukacsiano clássico. Longe de ser invisível, a racionalidade social, em sua própria fluidez, é o próprio objeto de comércio e troca: no “capitalismo cultural”, não se vendem (nem se compram) mais objetos que “trazem” experiências culturais ou afetivas, mas vendem-se (e compram-se) diretamente essas experiências. Esta mudança parece atualizar, de certo modo, a concepção de reificação constante na obra de José Paulo Netto citada, obra esta que data de 1981. O mundo mudou absurdamente, e o conceito, como não poderia ser diferente, também se metamorfoseou. As palavras permanecem, os sentidos ganham outras dimensões. No presente contexto, segundo Zizek (2011, p. 118) Da perspectiva de Negri, com a mídia interativa global de hoje, a criatividade não é mais individual, mas imediatamente coletivizada, faz parte das “áreas comuns”, de modo que qualquer tentativa de privatizá-la por copyright se torna problemática – nesse caso, cada vez mais ao pé da letra, “propriedade é um roubo”. Assim, torna-se problemático o domínio de empresas como a Microsoft que explora “a sinergia coletiva de singularidades cognitivas criativa”, e que consegue se impor como padrão quase universal, monopolizando o setor (na prática), numa espécie de personificação direta do “intelecto geral”. Gates tornou-se em duas décadas o homem mais rico do mundo apropriando-se da renda recebida por permitir que milhões de trabalhadores intelectuais participassem dessa forma específica de “intelecto geral” que ele conseguiu privatizar e controlar até hoje (Idem, ibidem, p. 118). Se, por um lado, os trabalhadores intelectuais possuem seus próprios computadores, não se separando mais “das condições objetivas de seu trabalho”, por outro lado, “eles permanecem separados do campo social de seu trabalho, do ‘intelecto geral’, porque este último é mediado pelo capital privado” (ZIZEK, 2011, p. 123). A informatização da produção reduz a heterogeneidade do trabalho concreto, afasta o trabalhador do objeto de seu trabalho, tendo o computador como ferramenta central, necessária para todas as atividades, e a informatização leva, destarte, o trabalho à posição de trabalho abstrato (NEGRI; HARDT, 2010, p. 313). Assim, na economia informacional do capitalismo contemporâneo, torna-se essencial para a produção a estrutura e administração das redes comunicacionais, redes estas que requerem policiamento para que se garanta a ordem e os lucros (NEGRI; HARDT, 2010, p. 318-319): “no auge da produção contemporânea, a informação e a comunicação são as verdadeiras mercadorias produzidas; a rede, em si, é o lugar tanto da produção quanto da circulação”. Negri e Hardt (Idem, p. 319) entendem que a infra-estrutura informacional global se caracteriza como combinação de dois mecanismos: um democrático e outro oligopólico. Os sistemas de difusão corresponderiam ao modelo de rede oligopolista, já que para este modelo (sistemas de rádio e de TV, são citados como exemplos) “existe um ponto único e relativamente fixo de emissão, mas os pontos de recepção são potencialmente infinitos e territorialmente indefinidos”. Desta feita, “a rede de difusão é definida pela produção centralizada, pela distribuição em massa, e pela comunicação de mão única. Toda a indústria cultural (...) tem operado, tradicionalmente, dentro deste modelo” (Idem, ibidem, p. 320). Já a internet consistiria em um exemplo de estrutura de rede democrática: “um número indeterminado e potencialmente ilimitado de nós, interconectados, comunica-se sem ponto central de controle (...). Este modelo democrático é o que Deleuze e Guattari chamam de rizoma, uma estrutura de rede não-hierárquica e não-centralizada” (NEGRI; HARDT, 2010, p. 319). Ocorre que, mesmo com relação à internet, há na realidade a tentativa de colonização das redes, conforme opinião de Laymert Garcia dos Santos (2003, p. 145): No plano econômico instaurou-se a corrida do capital global pelo controle e colonização das redes, estratégia que consistiu num primeiro momento em promover a privatização das telecomunicações para, numa segunda fase, assegurar a privatização de todo o campo eletro magnético, o que está em vias de acontecer. A internet se converte, destarte, de relevante espaço de interação social, em espaço privatizado de interação mediada pelo grande capital (que adquiriu novas formas), em que a liberdade de expressão é vilipendiada. A internet, outrossim, passa a funcionar como um grande mercado global, ou, assim como ocorre na “esfera pública” da política, a influência do poder econômico passa a preponderar, e a interação dos “sujeitos” fica prejudicada, enquadrada pelos formatos e conteúdos vinculados ao instrumento comunicacional. Obviamente este fato tem direta implicação na nova conformação do trabalho imaterial. Apontamentos finais Objetivou-se mostrar que o trabalho imaterial dá ensejo a uma nova conformação da exploração social, o que redunda na premência de se repensar as categorias marxistas da alienação, reificação, e fetichismo, contextualizando-as a este novo cenário das relações sociais. Consoante demonstrado, urge resituar a categoria da reificação (em seu sentido clássico) já que o capitalismo se imiscuiu à própria teia das relações sociais, e estas relações (outrora “reificadas”) hoje voltam a ser construídas numa perspectiva interpessoal, no que concerne ao trabalho imaterial. A análise comparativa das obras citadas de José Paulo Netto (1981) e Slavoj Zizek (2011) é esclarecedora neste sentido, e demonstra como no capitalismo contemporâneo os conceitos trabalhados ganharam novas dimensões. Portanto, a despeito do trabalhador não mais se encontrar separado de seu instrumento de trabalho (no trabalho imaterial), que é o computador, ele mantém relação de dependência com estruturas comunicacionais, como a internet, que são controladas pelo grande capital. Estruturas estas que são construídas coletivamente, mas privatizadas por grandes conglomerados. Parece persistir o “estranhamento” para os que contribuem coletivamente na construção destas estruturas que deveriam pertencer a todos. Fica patente, assim, a atualidade dos conceitos marxistas da alienação e do fetichismo, como ferramentas de análise do capitalismo contemporâneo em geral, mormente no que tange ao trabalho imaterial, tão em voga. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS KEHL, Maria Rita. O espetáculo como meio de subjetivação. In: BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre a televisão. São Paulo: Boitempo, 2004a. KEHL, Maria Rita. Fetichismo. In: BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre a televisão. São Paulo: Boitempo, 2004b. KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 1993. KONDER, Leandro. Marx – vida e obra. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. MACHADO, Antônio Alberto. Alienação. Blog do Antônio Alberto Machado. Disponível em: http://blogs.lemos.net/machado/2011/09/04/alienacao/. Acesso em 04 set. 2011. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004. MIAILLE, Michel. O cidadão virtual. In: Mundo Virtual. Tradução de Roberto Fragale Filho. Cadernos Adenauer IV Nº 6. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2003. NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. Império. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2010. NETTO, José Paulo. Capitalismo e reificação. São Paulo: Ciências Humanas, 1981. SANTOS, Laymert Garcia dos. Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da informação digital e genética. São Paulo: Ed. 34, 2003. ZIZEK, Slavoj. Primeiro com tragédia, depois como farsa. São Paulo: Boitempo, 2011.