urologia - Revista Urologia Essencial

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UROLOGIA
ESSENCIAL
RIO DE JANEIRO
.
JAN./ JUN. V. 3
. .
Nº 1
2013
DIRETORIA 2012 | 2013
DIRETORIA EXECUTIVA
Presidente
Aguinaldo César Nardi
Vice-Presidente
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EDITOR CHEFE
Ronaldo Damião | RJ
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Danilo S. L. da Costa Cruz | RJ
Eloisio Alexsandro da Silva | RJ
CONSELHO EDITORIAL
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José Elêrton Secioso de Aboim | SE
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Secretário Geral
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1º Secretário
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2º Secretário
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3º Secretário
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1º Tesoureiro
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2º Tesoureiro
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3º Tesoureiro
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Diretor de pesquisa
Eduardo Franco Carvalhal
CONSELHO DE ECONOMIA
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Membros:
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Paulino Granzotto
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DEPARTAMENTO DE
PUBLICAÇÕES
Internacional Braz J Urol
Editor | Sidney Glina
RE.CET
Editor | Ubirajara Barraso Jr.
RUA BAMBINA, 153 – BOTAFOGO | RIO DE JANEIRO | RJ CEP: 22251-050 | TEL: (21) 2246.4092 FAX: (21) 2246 4092
V.2 l N.1 l JUL l SET l 2012 UROLOGIA ESSENCIAL
1
EDITORIAL
O Valor da Responsabilidade
V
ivemos numa época em que estão havendo grandes mudanças nos valores médicos. Aspectos éticos, morais e
científicos há muito estimados estão cedendo espaço a objetivos puramente financeiros e econômicos. Mesmo com esta inversão de valores, a remuneração médica atual não é proporcional
ao que investimos em nossa formação, tampouco corresponde ao
grau de responsabilidade que temos sobre nossos atos. Tal situação se deve, em parte, à nossa própria classe que, ao longo das últimas décadas, moveu-se em função da paixão pela arte da Medicina, no entanto fechando os olhos ao seu planejamento financeiro.
O valor do médico como profissional se deve a três pilares principais, a saber: relacionamento com o paciente e com colegas de
profissão; conhecimento; e responsabilidade.
O conhecimento é adquirido através de anos de estudos e dedicação, durante os períodos de graduação, residência médica, pós-graduação, além de plantões noturnos em finais de semana, feriados e assim por diante. De todas as profissões, provavelmente,
a Medicina é a que mais exige dedicação e responsabilidade pois,
em todos os pontos de vista, a vida humana é que está em jogo.
Até mesmo os procedimentos mais simples podem apresentar um
grande potencial de complicações inerentes ao tratamento.
Responsabilidade é reconhecer que nenhum ato médico, seja ele
clínico ou cirúrgico, pode ser menosprezado; caso contrário, já estaremos dando o primeiro passo para a iatrogenia.
Neste número da Urologia Essencial, encontramos artigos sobre a
nova era do PSA, que de longa data vem se tornando alvo de inúmeras críticas, oscilando desde um grande aliado até figurar como
um vilão. Ampliaremos nossos conhecimentos a respeito de preparo de cólon, muito utilizado em nossa especialidade, principalmente nas cirurgias de derivação urinária. Encontraremos, ainda,
dados históricos presentes em um tratado editado em Florença, em
1707, considerado como o primeiro na História da Urologia a tratar
de forma completa o tema da litotomia.
Danilo S. L. da Costa Cruz
Editor chefe
Ronaldo Damião
Editores associados
Danilo S. L. da Costa Cruz
Eloisio Alexsandro da Silva
A t U A L I z A ç ã O
www.urologiaessencial.org.br
ETEL RODRIGUES PEREIRA GIMBA
Profª. Adjunta II da Universidade Federal Fluminense | RJ
Pesquisadora visitante do Instituto Nacional de Câncer
Além da Era do PSA:
Novos Biomarcadores
para Câncer de Próstata
Introdução
A incidência de câncer de próstata
(CaP) está aumentando na maioria
dos países ocidentais. No Brasil, Estados Unidos e na Europa, são detectados,
a cada ano, respectivamente, aproximadamente 60.000, 200.00, 225.000 homens com
a doença. Esse aumento pode ser explicado
pela elevação geral da expectativa de vida
dos homens, pelo aumento do número de
biópsias e, de forma mais importante, pelo
aumento do uso da dosagem do antígeno
específico da próstata (PSA) como teste de
rastreamento.
Desde a introdução do rastreamento do
CaP pela dosagem do antígeno específico da
próstata (PSA), há 25 anos, o diagnóstico e o
acompanhamento do câncer CaP têm sido
guiados por esse biomarcador. Ao longo destes anos, tornou-se claro que o uso do teste
do PSA como estratégia de rastreamento
apresenta vantagens e desvantagens.
4
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
Uma série de novos biomarcadores para
o CaP tem surgido através da introdução
de novos ensaios em amostras de soro e
de urina, que podem suplementar, ou mesmo substituir, o uso do PSA, devido à sua
maior especificidade para diagnosticar
esta neoplasia. Este universo de biomarcadores em expansão tem sido facilitado,
em grande parte, pelas novas tecnologias
genômicas, as quais têm permitido uma
visão bastante ampla da biologia tumoral.
Tais esforços têm produzido várias estórias
de notável sucesso, que envolvem biomarcadores que, rapidamente, são transferidos
da bancada dos laboratórios para a clínica. Contudo, a pesquisa de biomarcadores
tem sido centrada no diagnóstico do CaP,
mas não no prognóstico e na predição, o
que poderia permitir acompanhamento da
doença. O desenvolvimento de biomarcadores para estratificar riscos de agressividade do CaP no momento do rastreamento
da doença permanece como a grande ne-
ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA
Etel Rodrigues Pereira Gimba
cessidade clínica ainda não alcançada para este
tipo de tumor. Revisamos, no presente artigo, o
estado da arte da pesquisa de biomarcadores para
o CaP, incluindo a revolução do PSA, seu impacto
na detecção precoce desta neoplasia, os recentes
avanços na descoberta de biomarcadores e os futuros avanços, que prometem aprimorar o acompanhamento clínico desta doença.
A era do PSA
Desde sua aprovação pela Federal Drug Administration (FDA), em 1986, o PSA tem sido empregado mundialmente para diagnosticar e monitorar
homens com CaP. Infelizmente, o PSA apresenta
um baixo valor preditivo positivo, resultando em
uma significativa proporção de biópsias negativas,
em geral, levando a repetidas medidas do PSA e de
novas biópsias. Em homens com PSA sérico entre
2,5 -10 ng/ml (zona cinza), os índices de biópsias
negativas são de, aproximadamente, 60-70%. Além
disso, o rastreamento do CaP baseado na medida
do PSA tem levado a um aumento no diagnóstico (“superdiagnóstico”) do CaP e ao tratamento
exagerado (“supertratamento”), devido à alta incidência de casos de CaP clinicamente insignificantes. O “superdiagnóstico” é o termo utilizado
quando uma condição é diagnosticada, mas não
seria percebida de outra forma, já que não apresenta sintomas ou promove a morte do indivíduo.
O “superdiagnóstico” do câncer pode ter duas explicações: 1) O câncer nunca progride (ou, de fato,
regride) ou 2) o câncer progride lentamente, de
tal forma que o paciente vem a óbito por outras
causas, antes que o câncer se torne sintomático.
Já o “supertratamento” significa que homens com
tumores “superdiagnosticados”, que nunca teriam
qualquer sintoma durante sua vida, se não tivessem permanecido diagnosticados, são submetidos
a tratamentos custosos e invasivos, considerados
desnecessários1. Além disso, homens que fazem
um teste de PSA e uma consequente biópsia apresentam enorme ansiedade com relação ao resul-
Atualização
tado e à evolução de sua doença. Desta forma, há
necessidade de novos biomarcadores, com melhor
especificidade, para que os mesmos sejam utilizados na prática clínica2 .
Limitações e lacunas no uso do PSA
O PSA, uma proteína envolvida na coagulação
do sêmen, é produzido pelo epitélio prostático e
está, principalmente, confinado nos ductos prostáticos. As células tumorais liberam PSA na circulação sanguínea em níveis mais elevados, como resultado da ruptura da membrana basal das áreas
da glândula afetadas pelo tumor. Níveis elevados
de PSA podem, também, ser o resultado da hiperplasia benigna da próstata (HPB), de prostatite e
de biópsia da próstata. Os níveis aumentados de
PSA representam contínuo risco de presença do
CaP e nenhum valor de PSA é sensível e específico
o suficiente para predizer esta neoplasia. Valores
de corte anormais para o PSA foram definidos entre 2.5 mg/L e 4 mg/L e muitos debates existem,
ainda, sobre este tópico. Homens que apresentam
um PSA elevado (isto é, maior que 2.5 mg/L) devem ser testados novamente. Se o valor de PSA
permanecer alto, a biópsia da próstata deve ser
considerada. Um nível de PSA elevado em homens idosos, com HPB, não é inesperado e, nestes pacientes, a observação do valor de PSA ao
longo do tempo pode ser valiosa para considerar
a necessidade de biópsia. Um aliado útil em homens com PSA elevado e com HPB é a avaliação
da percentagem de PSA sérico que está livre em
relação à fração, conjugada a proteínas séricas. O
PSA produzido pelas células tumorais se liga mais
fortemente com proteínas séricas (alfa 1 quimiotripsina e alfa 2 macroglobulina), resultando em
uma baixa porcentagem de PSA livre. Em homens
com um PSA elevado (isto é, 4.1–10.0 mg/L), a porcentagem de PSA livre é um indicativo de que a
elevação é devida à HPB ou ao CaP. Quanto menor
a porcentagem de PSA livre, maior a probabilidade de o PSA total elevado representar presença do
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Atualização
ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA
Etel Rodrigues Pereira Gimba
CaP, e não da HPB. A sensibilidade de um nível de
PSA livre menor que 15% para detectar o CaP é em
torno de 85%, e seu uso como ferramenta de rastreamento está sob estudo. Muita atenção tem sido
dada a outros índices de PSA como, por exemplo,
a densidade do PSA (o nível de PSA dividido pelo
volume da próstata), a velocidade do PSA (a taxa
de aumento no nível de PSA ao longo do tempo), o
período de duplicação do nível de PSA ao longo do
tempo e, também, a medida de outras isoformas do
PSA, como a pró-PSA. Se, por um lado, estas medidas mais refinadas do PSA são úteis para predizer a severidade da doença e seu comportamento,
elas não são utilizadas rotineiramente no rastreamento. Além disso, enquanto estas modificações
nos níveis de PSA são promissoras em selecionar
coortes específicas de pacientes, elas apresentam
“
específico da doença, de custo viável, minimamente invasivo, de ser um ensaio reprodutível, de sensibilidade e especificidade adequados, idealmente
com relação à evolução da doença. Embora um
biomarcador que apresente bom desempenho em
várias dessas características seja o ideal, a realidade é que múltiplos biomarcadores serão, provavelmente, necessários para o CaP e outras neoplasias,
de forma a cobrir o rastreamento, o diagnóstico, o
prognóstico e a predição da doença5.
A molécula-alvo a ser utilizada como biomarcador pode representar diferentes formas moleculares. Por exemplo: alguns alvos representam genes
com expressão aumentada no CaP e expressão
baixa ou ausente em tecidos prostáticos normais.
Outros alvos moleculares podem ser modificações
epigenéticas, que alteram a transcrição de supres-
Rearranjos gênicos estáveis são, também, outro biomarcador-alvo no
“
desenvolvimento do CaP, tal como a atualmente reconhecida fusão de genes
regulados por androgênio e aqueles codificadores de fatores de transcrição...
limitações inerentes, impulsionado muitos pesquisadores ao término da era do PSA.
Em função dessas razões, a procura por melhores biomarcadores para detecção do CaP tem,
recentemente, resultado em candidatos viáveis,
além do PSA e suas modificações. Alguns destes
biomarcadores são câncer-específicos e, assim,
têm o potencial de melhorar enormemente a especificidade da detecção do CaP. Descreveremos, no
presente artigo, biomarcadores que se mostram
promissores para a detecção do CaP 3,4.
Características de biomarcadores
Os biomarcadores são moléculas cuja detecção ou avaliação fornecem informação a respeito
da doença, além dos parâmetros clínicos comuns
apresentados. Há várias características de um
biomarcador ideal e, dentre elas, há o fato de ser
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UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
sores tumorais ou outros genes envolvidos na progressão e na carcinogênese do CaP. Estas modificações epigenéticas incluiriam a hipermetilação do
DNA, a modificação de histonas, o remodelamento
da cromatina ou a regulação de micro RNAs. Rearranjos gênicos estáveis são, também, outro biomarcador-alvo no desenvolvimento do CaP, tal como a
atualmente reconhecida fusão de genes regulados
por androgênio e aqueles codificadores de fatores
de transcrição como, por exemplo, a proteína de fusão TMPRSS2 e outras fusões relacionadas. Finalmente, há certos marcadores genômicos de risco de
diagnóstico de CaP, tal como os polimorfismos do
cromossomos 8q24. Contudo, estes biomarcadores
de risco não são utilizados no contexto de biomarcadores de detecção.
A fonte de amostra biológica a ser utilizada
para avaliação de um biomarcador também mere-
ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA
Etel Rodrigues Pereira Gimba
ce consideração. Há várias vantagens e desvantagens e relação às fontes tradicionais de amostras
biológicas, quais sejam: sangue, urina e tecidos.
Enquanto o sangue e a urina são, certamente, mais
facilmente obtidos para testes, ambos necessitam
que o biomarcador de interesse esteja prontamente presente para testagem. Em outras palavras, o
biomarcador precisa atravessar a membrana basal
para penetrar nos vasos ou ser liberado no sistema urinário. Além disso, no caso de o marcador
não ser câncer específico, o uso destas fontes de
amostras possibilitará não somente a contaminação de outras fontes (por exemplo, da próstata
normal), afetando a especificidade, mas também
pode apresentar questões de limites de detecção,
o que afetaria a sensibilidade.
Enquanto determinada fonte de biomarcadores certamente permite que muitas análises
moleculares sejam realizadas, tanto de proteínas
quanto de RNA e DNA, as mesmas podem ser dificultadas pela necessidade de aquisição de tecido,
mais provavelmente de uma biópsia, assim submetendo os pacientes a amostragens invasivas e,
também, limitando a quantidade de amostra.
A nova geração de biomarcadores
para o câncer de próstata
O PSA persistiu na prática clínica, em grande
parte, devido à demanda do público para o rastreamento do CaP. Na realidade, o PSA segue como
um biomarcador de baixo custo e sensível para a
detecção da doença, assim como para o monitoramento da progressão e recorrência do CaP após
terapia curativa da doença localizada. Desta forma,
novos biomarcadores, recentemente descobertos
para o CaP, provavelmente, manterão o PSA como
ferramenta primária, em associação com outros testes, a menos que comparações pareadas de diferentes testes provem a melhor eficácia destas novas
opções de biomarcadores. Desde a adoção do PSA,
avanços no sequenciamento de DNA e da análise
do transcriptoma, através de microarranjos e se-
Atualização
quenciamento de genomas inteiros, têm permitido
a caracterização detalhada da biologia do câncer
em níveis até então não alcançados. Como resultado, a pesquisa de biomarcadores deslocou-se para
o uso destas estratégias em grande escala, como a
genômica e o transcriptoma, abastecendo a literatura sobre o CaP com descobertas baseadas na caracterização de tumores com aberrações no DNA,
RNA ou em estados de modificações epigenéticas,
especialmente na metilação do DNA. Os marcadores teciduais e as tecnologias baseadas em imagens
também se desenvolveram, incluindo a ultrassonografia transretal, a tomografia computadorizada, a
ressonância magnética e a tomografia de emissão
de pósitrons. Vale ressaltar que manteremos nosso
foco, na presente revisão, na descoberta e na caracterização de novos ensaios de biomarcadores para
o CaP, incluindo o diagnóstico baseado no uso de
amostras de sangue e de urina5.
PCA3
O marcador mais proeminente, surgindo como
um teste diagnóstico para o CaP, não baseado no
PSA, é o antígeno 3 específico da próstata (PCA3, do
Inglês: prostate cancer antigen 3). Por volta de 1995,
o PCA3 foi identificado em uma pesquisa, em colaboração entre o Johns Hopkins Hospital, Baltimore,
e a Universidade de Radboud Nijmegen, Holanda.
Inicialmente, o PCA3 foi denominado de Differential
Display clone 3 (DD3), já que a análise de differential display foi utilizada para comparar os perfis da
expressão de RNA mensageiro de amostras de tecidos normais e tumorais de próstata2,6. O PCA3 foi
descrito como um RNA não codificante específico da
próstata e que é altamente superexpresso no CaP e
expresso em baixos níveis em amostras de tecidos
prostáticos não tumorais. Através de análises de
Northern Blot e reações em cadeia pela polimerase
(PCR), o transcrito do PCA3 mostrou-se 66 vezes
mais expresso no CaP, em comparação com a tecidos de HPB. Por outro lado, sua expressão é ausente
em amostras de tecidos de bexiga, vesícula seminal,
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Atualização
ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA
Etel Rodrigues Pereira Gimba
testículo ou rim. Assim, embora o PCA3 seja próstata-específico, não é câncer específico. Atualmente,
o mecanismo funcional pelo qual o PCA3 contribui
na carcinogênese e na progressão da próstata ainda
é pouco compreendido. No entanto, nosso grupo de
pesquisa apresenta as primeiras evidências de seu
importante papel no controle à sobrevivência de
células de CaP, o qual é, pelo menos, parcialmente
modulado pela via de sinalização do receptor de androgênio (Ferreira LB et al., comunicação pessoal).
A metodologia para a medida do PCA3 apresenta algumas dificuldades, porque o RNA mensageiro (RNAm) do PCA3 não é traduzido em
uma proteína. Consequentemente, ensaios de
imuno-histoquímica e de ELISA não podem ser
realizados para sua detecção. Vários ensaios, que
utilizam métodos variados para a detecção do
RNAm do PCA3, foram desenvolvidos. A fonte de
material biológico para estas avaliações envolvem
sedimentos do primeiro jato de urina após intensa massagem prostática. A alta sensibilidade e a
especificidade da medida do nível de expressão
do PCA3 em tecidos levou à sua avaliação como
um biomarcador não invasivo, em que numerosos
ensaios foram desenvolvidos para detectá-lo em
amostras de urina, as quais contêm células liberadas da próstata durante a passagem da excreção.
As medidas do PCA3 na urina adicionam informação em relação àquela obtida com o teste do PSA,
com maiores valores de área sob a curva (AUC) de
0,66 a 0,72, comparados com 0,54 a 0,63, para a
avaliação do PSA de forma isolada. Diferentemente do PSA, os níveis de PCA3 são independentes
do tamanho da próstata. Sensibilidades dos níveis
de PCA3 na urina variam entre 47% e 69%, com a
maioria entre os valores de 58% a 69%. Contudo,
comparações entre os distintos estudos são dificultadas, já que diferentes plataformas de análise
são utilizadas, assim como diferentes critérios de
inclusão dos pacientes (por exemplo, concentração de PSA sérico). Da mesma forma, variam o tamanho das coortes de pacientes, oscilando entre
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UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
algumas centenas a milhares de pacientes incluídos nos estudos. O RNAm do PCA3 é normalizado pelo RNAm do PSA para resultar em um índice
combinado de valor de PCA3. Ao variar o ponto
de corte do valor de PCA3, os investigadores têm
descrito melhores resultados para o PCA3, quando
comparado com a avaliação do PSA de forma isolada, na detecção do CaP. Embora o PCA3 seja um
biomarcador robusto, essas diferenças metodológicas ilustram os desafios inerentes da pesquisa
e do desenvolvimento de biomarcadores. Além
disso, ao combinar a medida de um valor de PSA
sérico com a análise do PSA na urina, ocorre uma
melhora nos valores de sensibilidade e especificidade. Em 2012, o PCA3 foi aprovado pelo FDA
como teste diagnóstico para o CaP, cujas informações detalhadas podem ser obtidas na página da
web: http://www.accessdata.fda.gov/cdrh_
docs/pdf10/p100033a.pdf .
Alguns estudos também vêm sendo realizados
para avaliar a aplicabilidade do ensaio de detecção do PCA3 e sua correlação com o prognóstico
e a evolução do CaP. Alguns autores correlacionaram o valor de PCA3 antes da prostatectomia com
parâmetros patológicos estabelecidos de agressividade do CaP. Tem sido descrito que o valor de
PCA3 se correlaciona diretamente com o volume
tumoral e com o escore de Gleason na amostra de
tecido para avaliação patológica. Além disso, o valor do PCA3 em CaP de baixo e alto grau mostrou-se significativamente correlacionado com casos
de CaP clinicamente relevantes. Estes achados
sugerem que a medida do PCA3 pode ter um papel relevante na tomada de decisão, com relação
aos pacientes que devem ser submetidos ao tratamento versus aqueles que devem fazer acompanhamento de vigilância5,7,8.
Fusões TMPRSS2-ERG
Com a descoberta das translocações cromossômicas das regiões codificadoras do gene regulado por androgênio, TMPRSS2, e dos fatores de
ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA
Etel Rodrigues Pereira Gimba
transcrição ETS, intensos esforços vêm sendo realizados não somente na compreensão dos mecanismos pelos quais esta translocação exerce seu
efeito, mas também nas potenciais aplicações
diagnósticas deste rearranjo câncer-específico. As
fusões gênicas TMPRSS2-ERG constituem-se em
um dos eventos genéticos mais comuns no CaP,
correspondendo a 90% das fusões gênicas. Estas
fusões são específicas para o CaP e podem ser detectadas até em lesões precursoras, tais como a
neoplasia intraepitelial prostática (PIN), caso estas lesões estejam próximas ou em continuidade
a regiões de CaP. A detecção de RNA da fusão
TMPRSS2-ERG em urina de pacientes já foi investigada. Além disso, esta fusão está ausente em
torno de 50% dos tumores de CaP. Assim, seu uso
baseia-se em ensaios multiplex com outros biomarcadores, tais como o PCA3. Um estudo com
mais de 13.000 homens demonstrou que, ao combinar a medida do PCA3 e da fusão TMPRSS2-ERG
em amostras de urina, houve melhor performance
destes marcadores em relação à medida do PSA
sérico para o diagnóstico do CaP.
Alguns debates têm ocorrido sobre o papel prognóstico da fusão TMPRSS2-ERG, quando detectada
em tecidos. Vários grupos têm relatado uma associação entre a fusão TMPRSS2-ERG e o CaP agressivo. Contudo, alguns outros autores não observaram a mesma correlação. Uma complicação nestes
estudos tem sido a heterogeneidade nas populações de pacientes estudados e a evolução clínica
avaliada. Níveis quantitativos da fusão TMPRSS2-ERG na urina parecem estar associados com CaP
clinicamente significantes, com base no critério
Epstein, que estratifica a agressividade da doença
ao utilizar a densidade do PSA e características da
biópsia do paciente (como a escore de Gleason e
a percentagem de tumor observada). Apesar dos
potenciais benefícios do uso do PCA3 e da fusão
TMPRSS2-ERG, estes biomarcadores são, no presente momento, utilizados em associação com a
medida do PSA. Além disso, a expressão do PCA3 e
Atualização
da fusão TMPRSS2-ERG na urina é determinada de
forma relativa à medida do RNAm do PSA na urina.
Assim, se o transcrito do PSA estiver em baixos níveis, estes testes não são informativos.
Há, também, diferentes variantes de processamento por splicing destas fusões TMPRSS2-ERG.
Quando a glândula prostática apresenta múltiplos
focos, diferentes variantes de splicing podem existir entre os focos tumorais, embora um mesmo foco
pareça conter um único rearranjo de DNA. O gene
TMPRSS2 é regulado por androgênio e expresso no
epitélio normal. Considerando-se que a família ETS
regula muitos genes envolvidos na carcinogênese
e na progressão, estas fusões podem, pelo menos
parcialmente, explicar a superexpressão anormal
andrógeno-dependente de ETS no CaP. Por exemplo, o ERG é o proto-oncogene mais superexpresso
no CaP. Deve-se, então, enfatizar que estes produtos de fusão representam biomarcadores câncer-específicos. Por esta razão, apresentam potencial
promessa na melhoria do diagnóstico do CaP, em
combinação com outros biomarcadores sensíveis,
mas menos específicos, tal como o PSA4,5.
a-Methylacyl–coenzyme A racemase
Outro biomarcador identificado a partir de perfis de expressão de moléculas de RNA é a enzima
a-metilacil-coenzima A racemase (AMACR), que
tem demonstrado alta sensibilidade e especificidade, em níveis maiores de 90%, quando testada
como biomarcador diagnóstico em amostras de
tecido de biópsia. Baixa expressão de AMACR
também tem sido relacionada com metástases e
com recorrência bioquímica no CaP. Contudo, a
expressão de AMACR não é específica do CaP e,
também, não é adequada para detecção não invasiva em amostras de urina, fazendo com que
seu uso seja mais útil como biomarcador tecidual
quando amostras de biópsia de próstata apresentam resultados patológicos ambíguos. A AMACR
é uma enzima que apresenta uma função bem
caracterizada na betaoxidação de ácidos graxos
V.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
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Atualização
ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA
Etel Rodrigues Pereira Gimba
e de intermediários de ácidos
são destas enzimas, devido à hibiliares. Uma potencial ligação
permetilação somática de ilhas
entre esta enzima e o desenCpG no promotor deste gene,
volvimento do CaP é particuapresenta papel importante
Um estudo realizado
larmente intrigante porque as
na carcinogênese da próstata.
9
por
Rubin
et
al.
(2002)
principais fontes de ácidos graContudo, a hipermetilação do
xos em humanos, incluindo-se
promotor de GSTP1 tem sido
demonstrou a superexa carne bovina e os derivados
observada em mais de 90% de
pressão da AMACR no CaP. tumores da próstata, tornando
do leite, têm se mostrado como
fatores de risco para o CaP. Um
esta alteração a mais frequente
Neste estudo, a expressão
estudo realizado por Rubin et
modificação no DNA associada
9
al. (2002) demonstrou a supecom carcinoma de próstata8.
da AMACR em amostras
rexpressão da AMACR no CaP.
de biópsia detectaram CaP
Antígeno precoce do câncer
Neste estudo, a expressão da
de próstata (EPCA) e antíAMACR em amostras de biópcom 97% de sensibilidade
geno precoce do câncer de
sia detectaram CaP com 97% de
próstata-2 (EPCA-2)
sensibilidade e 100% de especie 100% de especificidade.
Os produtos gênicos corresficidade. Outro estudo realizado
10
pondentes ao antígeno precoce
por Luo et al (2002) demonstrou que a AMACR e anticorpos
do câncer de próstata (EPCA) e o
p63 podem ser utilizados em combinação para
antígeno precoce do câncer de próstata-2 (EPCAaumentar ainda mais a acurácia do diagnóstico
2) são proteínas estruturais nucleares, que foram,
do CaP. A alta sensibilidade e a especificidade da
inicialmente, encontradas em tecidos de CaP, mas
análise da marcação para AMACR apresentam
não em amostras de HPB. Após realização de imugrande promessa para fazer o diagnóstico do CaP
noensaios, o EPCA tem sido encontrado em glânquando os métodos de marcação convencionais
dulas benignas adjacentes a tumores de próstata,
5,9
são inconclusivos .
mas não em glândulas benignas de doadores de
órgãos sem evidências de CaP. Assim, apesar de
GSTP1
ser detectado em amostras de tecido benigno, o
As enzimas da família das glutationas S-transEPCA, potencialmente, é mais câncer-específico
ferases apresentam muitas funções no metaboque o PSA. Testes de ELISA foram desenvolvidos
lismo celular, notadamente na detoxificação de
para detecção sérica do EPCA-2. Especificamensubstâncias prejudiciais ao organismo. Hipermete, anticorpos foram elaborados para três distintos
tilação no promotor do gene GSTP1 foi identifiepítopos do EPCA-2, denominados de EPCA-2.22,
cada em amostras de tecido de CaP. Além disso,
EPCA-2.19 e EPCA-2.4. A maioria dos dados pufoi observada substancial diminuição na expresblicados, com relação a estas proteínas, focam nas
são de GSTP1 associada com CaP, ao contrário
correlações entre os níveis de EPCA-2.22 sérico e
de alta expressão de GSTP1 no epitélio prostático
na detecção do CaP4.
normal. Estes e outros estudos levaram à hipóteDireções futuras e conclusões
se de que enzimas codificadas pelo gene GSTP1
A era do teste do PSA como biomarcador do
servem como “vigilantes” das células prostáticas.
CaP possibilitou enormes mudanças na forma
Postulou-se também que a diminuição da expres10
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA
Etel Rodrigues Pereira Gimba
como pensamos a biologia e o acompanhamento
clínico do CaP. Embora os pacientes desejem saber precocemente se têm CaP, a alta prevalência
de tumores latentes detectados pelo rastreamento, usando a dosagem do PSA, argumenta a favor
do uso de biomarcadores em associação, que melhor refinem o risco de se ter a doença. Estas limitações do uso do PSA no CaP também levaram a
uma reavaliação de metodologias de rastreamento
em outros tipos de câncer, tais como mama e pulmão, em que as tecnologias de imagem possibilitam maior detecção, mas também aumentam procedimentos desnecessários e custos excessivos
de cuidados com os pacientes. Com o objetivo de
melhor utilizar os novos biomarcadores descritos,
serão necessários estudos adicionais para definir o
contexto apropriado e os parâmetros ideais para a
utilização de tais marcadores. Até que haja a descoberta de um biomarcador com altas sensibilidade e especificidade, o rastreamento, provavelmen-
Atualização
te, continuará com o uso combinado de múltiplos
biomarcadores e outros fatores clínicos.
Quando utilizados no contexto apropriado,
os biomarcadores para o CaP, no futuro, evitarão
biópsias desnecessárias, redução do número de
prostatectomias e radioterapias, estratificação de
tumores confinados ao órgão (curáveis por cirurgia), detecção de doença micromestatática (abaixo
do limite de detecção de imagem) e/ou a diminuição da mortalidade pela doença. Uma abordagem
mais racional para a descoberta de biomarcadores,
combinada com ciência moderna e bioinformática, eventualmente, permitirá aos clínicos um melhor diagnóstico e um tratamento direcionado para
aqueles pacientes que, mais provavelmente, se beneficiarão. Apesar de numerosas limitações, muitos
avanços aconteceram na pesquisa de biomarcadores nos últimos anos. Investigações em andamento,
certamente, aprimorarão a habilidade de estratificar
o risco de CaP e de seu prognóstico4,5.
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V.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
11
PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO VENOSO NA CIRURGIA UROLÓGICA
M U Lt I d I S C I p L I N A R I d A d E
LAyLA SALOMãO TAINá PAIVA
www.urologiaessencial.org.br
MÁRCIO MANDARO
Disciplina de Coloproctologia | Hospital Universitário Pedro Ernesto | UERJ
ANDRÉ DA LUZ MOREIRA
Disciplina de Coloproctologia | Hospital Universitário Pedro Ernesto | UERJ
Preparo Intestinal:
Como, quando e por quê?
Introdução
O preparo intestinal consiste em uma
ferramenta para otimização de
exames complementares e procedimentos cirúrgicos. No evoluir dos anos,
houve diversas modificações acerca de
quando o usar e sobre as formulações e técnicas disponíveis. A funcionalidade do preparo intestinal para a realização eficiente da
colonoscopia se mantém óbvia e necessária, porém, no pré-operatório de cirurgias
colorretais, o preparo intestinal revela-se
uma dúvida, mesmo sendo uma prática da
maioria dos cirurgiões.
Durante a colonoscopia, o examinador
necessita inspecionar adequadamente toda
a superfície da mucosa intestinal e, para tal,
o bom preparo intestinal é fundamental.
Quando mal realizado, são aumentados o
risco de complicações, a chance de pólipos
passarem despercebidos, o custo por pro-
12
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
longar o procedimento e a possibilidade de
abortar o exame.
Na primeira metade do século 20, a mortalidade na cirurgia colorretal excedia 20%,
essencialmente atribuída à sepse¹. O avanço
nas técnicas cirúrgicas e no manejo perioperatório levou a uma redução significativa
nessas taxas, embora as infecções continuem sendo a principal causa de morbidade.
O preparo intestinal mecânico é utilizado através de enemas, laxativos e catárticos,
com o intuito de diminuir a quantidade de fezes presente no cólon e, assim, minimizar as
complicações infecciosas. Essa prática entre
os cirurgiões tornou-se um dogma; no entanto, não há, na literatura atual, comprovação
consistente dessa verdade. O primeiro estudo a desafiar o preparo intestinal mecânico
foi feito em 1972² e, desde então, as evidências indicam que esta prática não reduz as
taxas de complicações, incluindo a deiscência de anastomose³.
PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO VENOSO NA CIRURGIA UROLÓGICA
LAyLA SALOMãO TAINá PAIVA
tIpOS dE AGENtES
Os agentes podem ser agrupados em três categorias principais:
- Solução de Polietilenoglicol (PEG): Funciona
pela lavagem do intestino com grande volume.
- Agentes Osmóticos: Manitol, fosfato de sódio,
citrato de magnésio, lactulose, que drenam líquido
através da parede intestinal para o lúmen.
- Estimulantes: Bisacodil, picossulfato de sódio,
óleo de castor, que aumentam a atividade da musculatura lisa na parede intestinal.
Solução de polietilenoglicol
Desenvolvida em 1980, consiste em um polímero não absorvível, de alto peso molecular, osmoticamente balanceado, diluído em uma solução
eletrolítica. O efeito osmótico do polímero mantém os eletrólitos no cólon. A baixa troca de fluidos através da parede intestinal limita o potencial
distúrbio eletrolítico. Essa solução funciona como
lavagem intestinal oral e, portanto, necessita de
grande volume (aproximadamente 4 litros) para o
preparo adequado4.
Alguns estudos mostram que o PEG é mais
bem tolerado do que o regime de dieta combinado com agentes catárticos ou solução de manitol.
Sendo osmoticamente balanceado e não induzindo
troca de fluidos substancial, o PEG é seguro para
pacientes com distúrbios hidroeletrolíticos, insuficiência hepática, renal ou cardíaca. Também cabe
ressaltar que não leva à fermentação bacteriana e
portanto não gera quantidade significativa de componentes que conduzem à distensão do cólon. No
entanto, a solução é contraindicada em pacientes
com alergia aos seus componentes, dificuldade de
esvaziamento gástrico, obstrução de delgado ou
cólon, perfuração, diverticulite ou instabilidade hemodinâmica. Segundo o FDA é uma droga Classe
C para grávidas, além de ser associado à Síndrome
de Mallory-Weiss, colite tóxica, aspiração pulmonar, hipotermia, arritmia cardíaca, pancreatite e à
MULtIdISCIpLINARIdAdE
secreção inapropriada do hormônio antidiurético.
A principal desvantagem é o grande volume a ser
ingerido e o gosto pouco agradável. A formulação
comercialmente disponível no Brasil é o Macrogol
(Muvinlax®).
Solução de fosfato de Sódio
Frequentemente usada em todo o mundo, esta
solução se mostra bem tolerada e efetiva no preparo. Pelo seu menor volume a ser ingerido, apresenta melhor tolerância do que o PEG. A principal
desvantagem dessa solução é o potencial de causar grande mobilização de fluidos e, portanto, distúrbios hidroeletrolíticos como: hiperfosfatemia,
hipocalcemia, hipocalemia, aumento da osmolaridade plasmática, hiponatremia ou hipernatremia.
Hiperfosfatemia assintomática isolada pode ser
observada em 40% dos pacientes, podendo levar
à nefropatia aguda. Eventos adversos raros, como
a nefrocalcinose com falência renal aguda, foram
descritos, principalmente em pacientes fazendo
uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina e bloqueadores dos receptores de angiotensina. A desidratação observada em alguns pacientes pode ser minimizada ao estimularmos os
mesmos a ingestão de líquidos. Os pacientes mais
sujeitos à nefropatia são: aqueles acima de 55 anos,
desidratados, portadores de doença renal crônica,
colite aguda, trânsito intestinal lentificado, e aqueles em uso de medicamentos como IECA e anti-inflamatórios não esteroidais.5
Solução de Manitol
A solução de Manitol consiste em um laxativo
osmótico, administrado, habitualmente, em soluções hipertônicas (10 ou 20%), o qual não é absorvido pelo trato digestivo. O seu efeito inicia-se, em
média, após 2 horas da sua administração, e o volume necessário, normalmente, é de 1000ml. Esta
solução é, habitualmente, a mais administrada no
nosso meio, tanto no preparo para o exame colonoscópico quanto no pré-operatório de cirurgias
V.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
13
Multidisciplinaridade
PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO VENOSO NA CIRURGIA UROLÓGICA
Layla Salomão Tainá Paiva
colorretais. No entanto, em outros países, como
os EUA, o seu uso é mais restrito pelo risco teórico que apresenta, de aumentar a produção de
gases inflamáveis, como o metano e o hidrogênio.
Esses gases também podem levar a uma distensão mais acentuada do cólon, podendo dificultar
o acesso por via laparoscópica. As vantagens do
Manitol são o menor volume administrado em relação ao PEG, bem como seu baixo custo. Quanto
à qualidade na limpeza do cólon e a sua tolerabilidade, não foram encontradas diferenças significativas entre os diversos preparos6,7,8.
na (8-10L) não obteve sucesso pela necessidade
de o paciente estar internado e com sonda nasogástrica.
No momento atual, o preparo vem sendo realizado com soluções osmóticas, PEG ou estimulantes. No Brasil, o preparo mais utilizado e publicado em estudos é feito com a solução de Manitol.
Entretanto, nos últimos 40 anos, iniciaram-se
questionamentos quanto à necessidade e aos benefícios da realização de preparo intestinal.
O primeiro estudo a questionar a utilização
do preparo intestinal antes de cirurgias colorre-
Brasil, o preparo mais utilizado e publicado em estudos é com a solução
“deNoManitol.
Entretanto, nos últimos 40 anos, iniciaram-se questionamentos
“
quanto à necessidade e aos benefícios da realização de preparo intestinal.
O Preparo intestinal pré-operatório
O preparo mecânico intestinal antes de cirurgias colorretais é uma prática estabelecida
entre os cirurgiões ao longo do último século,
justificada pela diminuição da quantidade de
fezes no cólon e, consequentemente, pela presença de um menor número de bactérias. Com
isso, esperava-se uma diminuição nas complicações infecciosas e deiscências de anastomose.
As bactérias representam um terço do peso seco
da fezes e, portanto, um vazamento não controlado de fezes para a cavidade abdominal pode
corresponder a uma situação de risco de vida.
Nesse contexto, se enquadra a ideia do preparo
intestinal mecânico9.
Inicialmente, fazia-se uso de 5 dias de dieta
associada a catárticos e enemas. Essa combinação esbarrava nos distúrbios eletrolíticos e no
baixo aporte calórico. A transição para lavagem
intestinal com grandes volumes de solução sali14
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
tais foi publicado por Hughes, em 197210. Desde
então, os trabalhos que se seguiram não foram
capazes de demonstrar uma redução na taxa
de complicação das cirurgias. Uma diretriz publicada em 2009, pela Sociedade Canadense de
Cirurgia Colorretal³, avaliou 14 ensaios clínicos
randomizados e oito revisões. Nessa publicação,
as principais evidências descartavam o uso de
preparo intestinal mecânico antes de cirurgias.
Tal dado leva em consideração que, sem o preparo, não houve aumento na deiscência de anastomose ou infecções de sítio cirúrgico. Essas conclusões são válidas, principalmente, em cirurgias
eletivas, pela técnica aberta de cólon direito e
esquerdo. As cirurgias de reto e a técnica laparoscópica ainda necessitam de mais estudos¹¹.
Pineda e cols. publicaram uma meta-análise
avaliando 13 estudos prospectivos, com um total
de 4.601 pacientes. Nesse trabalho, os autores
avaliaram a deiscência de anastomose e as infecções de ferida operatória e não evidenciaram
PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO VENOSO NA CIRURGIA UROLÓGICA
Layla Salomão Tainá Paiva
nenhuma diferença estatística entre os 2.304 que
receberam preparo e os 2.297 que não o receberam. A deiscência de anastomose foi reportada
em 97 (4,2%) pacientes com preparo e em 81
(3,5%) sem preparo intestinal (p=0.206). Infecções de ferida ocorreram em 9,9% vs. 8,8% dos
pacientes, respectivamente (p=0.155). Essa ausência de significância estatística entre os dois
grupos foi encontrada na maior meta-análise já
realizada, que concluiu que não havia beneficio
comprovado no preparo intestinal em pacientes
submetidos à cirurgia colorretal eletiva¹².
Apesar das evidências citadas, 94% dos cirurgiões colorretais nos EUA e na Europa ainda fazem uso do preparo intestinal pré-operatório, por
hábito ou relutância aos novos estudos³, mesmo
levando em consideração o aumento de custo e
o desconforto do paciente.
Multidisciplinaridade
CONCLUSÃO
O preparo intestinal pré-operatório permanece
uma prática frequente, mesmo diante das evidências
desfavoráveis. Os métodos e agentes disponíveis,
embora apresentem resultados de limpeza do cólon
semelhantes, divergem, fundamentalmente, quanto
aos efeitos adversos e a tolerabilidade. O principal
agente utilizado no Brasil permanece sendo o Manitol, tendo como pontos adversos o risco de distúrbio
hidroeletrolítico e o de gerar gases potencialmente
inflamáveis, como o metano e o hidrogênio.
Em suma, a decisão de preparar ou não o cólon
deve ser considerada pelo cirurgião, bem como o
método a ser utilizado, observando-se que o preparo intestinal poderia não alterar a morbidade e mortalidade dos procedimentos cirúrgicos, oferecendo
riscos e desconforto ao paciente.
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V.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
15
AbordAgem e TrATAmenTo dA ejAculAção Precoce
U R O L O G I A D E C O N S U LT Ó R I O
joão Afif-Abdo
cArmiTA H. n. Abdo
www.urologiaessencial.org.br
JOÃO AFIF-ABDO
Mestre em Urologia pela Escola Paulista de Medicina | UNIFESP
Tesoureiro da Sociedade Latino-Americana de Medicina Sexual | SLAMS
Chefe do Serviço de Urologia do Hospital Santa Cruz | São Paulo
TiSBU
CARMITA H. N. ABDO
Livre-Docente e Professora Associada do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo
Fundadora e Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas | FMUSP
Abordagem e Tratamento
da Ejaculação Precoce
Introdução
S chapiro (1943), psiquiatra alemão,
definiu Ejaculação Precoce (EP)
como um distúrbio psicossomático, para o qual contribuiriam fatores biológicos e psicológicos. Credita-se a ele a
classificação da EP em dois tipos, hoje conhecidos como EP primária (ao longo da
vida) e EP secundária (adquirida)1.
Masters e Johnson, nos anos 1970, postularam que a EP resultava de comportamento aprendido e que a terapia comportamental (denominada técnica de squeeze)
poderia remitir a maioria dos casos2. Contudo, até os dias atuais, há poucos estudos
baseados em evidência, demonstrando a
eficácia desse tratamento no controle da
ejaculação.
A partir dos anos 1990, com o advento dos inibidores seletivos da recaptação
16
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
da serotonina (ISRS), ocorreu uma revolução no tratamento da ejaculação precoce1,
inaugurando o conceito neurobiológico
dessa disfunção.
Ao longo dessa mesma década e no início dos anos 2000, foi avaliada a eficácia do
tratamento farmacológico da EP, à margem
do suporte da indústria farmacêutica, não
interessada no registro oficial dos ISRS para
o controle dessa disfunção. Entretanto, a
partir de 2004, a indústria passou a apoiar
estudos e publicações sobre EP, buscando
definir um tratamento de maior eficácia,
menos efeitos adversos e menor interferência sobre a espontaneidade sexual3.
Definição
Critérios objetivos ou subjetivos podem
definir a EP. Objetivamente, o tempo e o número de incursões penianas até a ejaculação
são as medidas utilizadas. Subjetivamente,
Abordagem e Tratamento da Ejaculação Precoce
João Afif-Abdo
a definição se pauta na sensação de controle falho
(ejaculação que ocorre antes que o homem e/ ou sua
(seu) parceira(o) a desejem), além de desconforto
(sofrimento), insatisfação e dificuldades relacionais
do homem4.
Para o Manual Diagnóstico e Estatístico dos
Transtornos Mentais, 4ª edição, texto revisado (DSM-IV-TR), EP é a ejaculação que ocorre com estímulo
sexual mínimo antes, durante ou logo após a penetração, de forma persistente ou recorrente, e antes que o
indivíduo a deseje. Também deve causar desconforto
significativo e dificuldade no relacionamento e não
pode se dar devido a efeito de alguma substância5.
Segundo o guia da Associação Urológica Americana,
EP é a ejaculação que ocorre mais cedo que o desejado, antes ou logo após a penetração, causando
desconforto a um ou a ambos os parceiros6.
Não há EP se o homem consegue controlar sua
ejaculação, retardando-a até quando decida ejacular.
Como o DSM-IV-TR5 e a CID-107 definem EP
com base no curto tempo até a ejaculação, foram
desenvolvidos estudos no sentido de identificar a
duração dessa fase pré-ejaculatória no portador de
EP. Concluiu-se que tempo de latência ejaculatória intravaginal (Intravaginal Ejaculatory Latency
Time – IELT) menor do que 1 minuto indica latência inferior à da população geral8.
Classificação
A EP foi descrita como uma entidade clínica ou
uma síndrome, com dois tipos distintos (ao longo da
vida e adquirida)1:
1. EP ao longo da vida: quando a ejaculação
ocorre rapidamente em todas ou quase todas as relações; com (quase) todas(os) as(os) parceiras(os);
desde o primeiro relacionamento; na maioria dos
casos (90%) entre 30-60 segundos ou entre 1-2 minutos (10%) após a penetração; permanece rápida
ao longo da vida (70%) ou se agrava com a idade
(30%); a capacidade de retardar a ejaculação está
diminuída ou ausente. Alguns homens ejaculam até
mesmo antes da penetração.
Carmita H. N. Abdo
UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
2. EP adquirida: ejaculação rápida que começa a ocorrer em determinado ponto da vida, em homem que habitualmente não apresentava queixas
sexuais; pode se iniciar de forma súbita ou gradual;
a capacidade de retardar a ejaculação encontra-se
diminuída ou ausente.
Etiologia
Vêm se evidenciando os determinantes orgânicos para a variação da latência ejaculatória e, consequentemente, para a ejaculação precoce do tipo
primário. Estudos sugerem que a latência ejaculatória se distribui ao longo de uma curva, assim como
outras características humanas. Os componentes
dessa determinação biológica incluem: hipersensibilidade dos receptores de serotonina, hormônios
sexuais, variação na excitabilidade sexual ou reflexo
ejaculatório hipersensível, doença associada, além
da perspectiva evolucionária de que a cópula rápida
seria uma estratégia reprodutiva superior9.
Já a EP secundária ou adquirida se manifesta por
vulnerabilidade a eventos estressores.
Pode-se afirmar que a EP tem causas multifatoriais, refletindo uma predisposição biológica
à latência ejaculatória rápida, associada a elementos psicossociais9. O desencadeamento da
EP pode exacerbar as questões que contribuíram
para o seu aparecimento, originando, assim, um
círculo vicioso.
Fisiopatologia da Ejaculação Precoce
Sensações premonitórias (SP) correspondem às
alterações corporais causadas pela excitação sexual
(elevação testicular, miotonia, respiração acelerada e
frequência cardíaca aumentada), precedendo e sucedendo o estágio da emissão do sêmen.
Retardar conscientemente esse processo requer
identificação dessas sensações premonitórias, antes
que a emissão se inicie. Homens com EP são incapazes de identificar e/ou não conseguem responder
a esses sinais de alarme, no sentido de retardarem o
processo ejaculatório.
V.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
17
UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
Abordagem e Tratamento da Ejaculação Precoce
João Afif-Abdo
Carmita H. N. Abdo
Ejaculadores precoces necessitariam aprender a
controlar a excitação física e/ou psíquica em resposta às SP, antes de atingirem o limiar de emissão, o
que controlaria o processo ejaculatório.
Supõe-se que a EP esteja associada a menores
níveis sinápticos de 5-HT em regiões do SNC, as
quais modulam a ejaculação, devido às variações na
sensibilidade do receptor 5-HT1.
Destarte, a base neurofisiológica da EP pode incluir um desequilíbrio entre 5-HT1A (resposta hipersensível) e a atividade do receptor 5-HT2C ou 5-HT1B
(resposta hipossensível), o que requer ainda mais
pesquisas para ser confirmado.
A respeito da neuroquímica da ejaculação, não há
dúvida de que o incremento do 5-HT central seja uma
estratégia importante para retardar a ejaculação.10
A fisiopatologia da EP adquirida, por seu turno,
estaria relacionada a alterações na função neuronal periférica8.
Prevalência
A prevalência da EP varia entre 20% e 30%11. Tal
condição acomete 25,8% da população masculina
no Brasil12 . Não havendo distinção entre EP como
queixa ou como síndrome, pode-se concluir que a
“disfunção” ejaculação precoce está superdiagnosticada e que essa é a prevalência da “queixa”, na população masculina.
Diagnóstico
O tempo de latência ejaculatória (Intravaginal
Ejaculatory Latency Time – IELT) é utilizado como
medida de diagnóstico e/ ou de eficácia em ensaios clínicos para investigação e tratamento da
EP8. Na prática, no entanto, não se costuma usar
o IELT para diagnóstico, mas a própria impressão
clínica do médico, bem como o desconforto e a
preocupação manifestados pelo paciente.
Havendo a queixa, são perguntas fundamentais a serem feitas ao paciente: “O que você chama
de ejaculação?”; “Quanto tempo você leva desde
a penetração até ejacular (ou seja, a partir da pe18
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
netração, em quanto tempo você ejacula)?”. Essas
questões devem ser seguidas da investigação de
aspectos psicossociais e orgânicos subjacentes e
da ocorrência de dificuldades que possam prejudicar o tratamento.
Deve ser investigado, também, se o paciente consegue identificar a sensação premonitória
(SP) e responder a ela. Se puder identificar a SP,
ele retarda a sua ejaculação? Que mecanismos ele
adota para tentar cumprir essa tarefa? Identificar a
SP varia em diferentes experiências sexuais, com
diferentes parceiras(os) e tipos de estimulação?
Ele já tentou tratamentos anteriores para EP e, em
caso positivo, quais foram os resultados?
Tratamento
O tratamento atual da EP baseia-se mais na
opinião de especialistas do que em evidências
bem estabelecidas.
EP ao longo da vida (primária) responde a medicamentos que retardam a ejaculação. EP adquirida necessita de tratamento medicamentoso
para a condição médica de base, psicoterapia para
a causa psicológica da disfunção ejaculatória ou
ambos, com ou sem medicamento (tipo ISRS) ou
anestésico tópico, para retardar a ejaculação.
Medicamentos
Doses contínuas de clomipramina (antidepressivo tricíclico que inibe a recaptação da noradrenalina e da serotonina) prolongam o IELT. Tratamento diário com clomipramina melhora o estado
do paciente para o relacionamento, a satisfação
pessoal e a habilidade destes homens, para que
suas parceiras atinjam o orgasmo. Os efeitos indesejáveis (sonolência, boca seca, constipação e
náusea) costumam ser mais severos do que os do
tratamento feito com inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRS)13.
Paroxetina, fluoxetina e sertralina são ISRS. Aumentam a concentração sináptica de 5-HT, por meio
do bloqueio de transportadores de 5-HT, sendo utili-
Abordagem e Tratamento da Ejaculação Precoce
João Afif-Abdo
zados para o tratamento da ejaculação precoce. Contudo, nenhum desses agentes tem indicação formal
para esse tratamento (uso off-label)14.
Podem ocorrer efeitos adversos (diminuição do
desejo e da excitação, ausência de orgasmo e disfunção erétil) com o uso crônico e com doses maiores.
Também podem ocorrer reações dermatológicas,
efeitos colinérgicos, alterações do peso e interações
medicamentosas. A mudança de um ISRS para outro
pode ocasionar superdosagem, o que exige período
de washout adequado à meia-vida do ISRS inicialmente administrado.
Pode haver “síndrome de abstinência” (náusea,
vômito, cefaleia, letargia, tontura, agitação e insônia)
pela redução ou descontinuação da dose. Esta síndrome, quando ocorre, inicia-se de 1 a 3 dias após a
descontinuação e dura até uma semana.
Os resultados de estudos clínicos randomizados
controlados, referentes ao tratamento da EP com
ISRS, são apresentados na Tabela 1.
A Dapoxetina (que é um ISRS com perfil farmacocinético peculiar) alcança velozmente alta concentração sanguínea e tem rápida eliminação, após administração oral, o que contribui para o tratamento
da EP sob demanda10. As mudanças no perfil ejaculatório, proporcionadas pela dapoxetina (30 e 60 mg,
respectivamente) também estão na Tabela 1. Náusea
é o principal efeito adverso, além de outros de menor
expressão (cefaleia, tontura, diarreia e insônia).
Apesar de aprovada pela ANVISA, a Dapoxetina
(pesquisa Janssen-Cilag) não foi lançada comercialmente no Brasil. Foi comercializada na Europa e no
México (Priligy®) e é, hoje, a única droga com indicação específica para tratamento da EP.
Inibidores da fosfodiesterase tipo 5 (iPDE-5) são
utilizados isoladamente ou em combinação com
ISRS para tratar ejaculação precoce. Em homens com
EP, sem disfunção erétil (DE) concomitante, os resultados são controversos. Em recente revisão sistemática, concluiu-se que não há comprovação suficiente
para suportar a efetividade desses medicamentos no
tratamento da EP15.
Carmita H. N. Abdo
UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
Tramadol (analgésico opioide sintético de ação
central) vem sendo usado para o tratamento sob demanda da ejaculação precoce16. Na dose de 50mg,
aumenta significativamente o IELT, a satisfação sexual e o controle ejaculatório, por inibir a recaptação
da noradrenalina e da serotonina. Como a dapoxetina, tramadol é rapidamente absorvido e eliminado.
Por ser um opioide, existe o risco de abuso e/ ou dependência. Metanálise a respeito da administração
de tramadol concluiu, pela ausência de estudos clínicos adequadamente desenhados, a confirmação do
suposto abuso e/ ou dependência, no seu uso para
tratamento da ejaculação precoce17.
Agentes Tópicos
Formulações de lidocaína/ prilocaína tópica causam efetiva dessensibilização, o que aumentaria o
IELT, o controle ejaculatório e a qualidade de vida
sexual do casal. Leve a moderada anestesia vaginal
é o efeito adverso mais comum (12%), não associado
à descontinuação. O uso de preservativo minimiza
esse inconveniente.
O creme Severance Secret (SS cream) é um agente tópico, de origem coreana, composto por sete
tipos de ervas. Amplia o IELT e a satisfação com o
intercurso, tendo, como efeito adverso mais comum,
uma leve sensação de queimação/ dor no local da
aplicação10. Seu exato mecanismo de ação ainda não
é conhecido.
Psicoterapia
Há poucos estudos randomizados e controlados18;
no entanto, é suficiente a evidência clínica de que a
psicoterapia, combinada à terapia medicamentosa,
beneficia o paciente com EP.
O perfil que favorece o processo psicoterápico
compõe-se de: ausência de doenças físicas ou psiquiátricas concomitantes à EP, relacionamento estável, parceira sem disfunção sexual e motivação
do paciente e de sua parceira19. Por outro lado, são
indicadores de mau prognóstico: EP que mantém
encoberta a disfunção sexual da parceira; expectaV.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
19
UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
TABELA 1
AbordAgem e TrATAmenTo dA ejAculAção Precoce
joão Afif-Abdo
cArmiTA H. n. Abdo
. Resumo de estudos clínicos com ISRS para o tratamento da EP (adaptada de Wang WF et al., 2007)20
Medidas
IELT, min
Desenho
Droga
Uso/mg
N*
CE
O
IELT
SSM
SSF
Antes
Depois
RPCDC
CR
Fluoxetina
20 diários
40
–
–
+
–
–
1,2 (1,0)
6,6 (7,7)
+
–
Sertralina
50 diários
37
–
–
+
–
–
0,3
3,2
+
–
Sertralina
50/100 diários/
sob demanda
24
–
–
+
+
+
0,4 (0,3)
4,5 (2,7)
–
–
Paroxetina
20 diários
130
–
+
+
+
+
1,5 (0,7)
7,7 (4,0)
–
–
Paroxetina
20 diários/ sob
demanda
61
–
+
+
–
–
0,4
5,5
–
–
20 diários
33
0,4
1,5
20 diários/ sob
demanda
26
0,5
5,8 e 6,1
–
–
20 diários
42
0,3
3,2 e 3,5
Citalopram
20-60
30
–
–
+
–
–
0,6 (0,3)
4,1 (1,9)
–
–
Citalopram
20 diários por 3
meses
58
–
–
+
–
–
0,5
3,5
+
+
20 diários por 6
meses
58
0,5
3,3
30 sob demanda
26
0,9
2,8
+
+
60 sob demanda
14
0,9
3,3
Paroxetina
Dapoxetina
–
+
–
–
+
+
–
+
–
+
N* = número de pacientes no estudo; CE = controle ejaculatório; O = orgasmo; IELT = tempo de
latência ejaculatória intravaginal; SSM = satisfação sexual masculina; SSF = satisfação sexual feminina;
RPCDC = randomizado, placebo-controlado, duplo-cego; CR = cronômetro.
20
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
Abordagem e Tratamento da Ejaculação Precoce
João Afif-Abdo
tivas irreais do casal; conflitos conjugais; falta de
sinceridade no processo psicoterápico.
Os objetivos da psicoterapia para EP podem
ser assim resumidos: desenvolver técnicas para
controle da ejaculação; proporcionar ao homem
confiança em seu desempenho sexual; reduzir a
ansiedade de performance; modificar o repertório
sexual rígido; superar os obstáculos à intimidade;
solucionar os problemas interpessoais que causam e mantêm a EP; compatibilizar sentimentos e
pensamentos; melhorar a comunicação; transformar conflitos em intimidade e estímulo; minimizar
ou prevenir recaídas.
Duas técnicas de terapia são tradicionais para
o controle da ejaculação: Stop-Start e Squeeze.
Apesar de bons resultados terem sido creditados
por seus idealizadores, essas técnicas apresentam
várias limitações: o casal avalia como mecânicos
os procedimentos para controlar o momento da
ejaculação; há interrupção da atividade sexual;
não se desenvolve o erotismo no homem e no
casal; o foco está nos processos fisiológicos, negligenciando dimensões psicológicas, como a comunicação afetiva e o prazer sexual.
A terapia cognitivo-comportamental instrui os
pacientes para o uso de fantasias mentais e técnicas comportamentais (por exemplo: pausas, mudança de posição), para desenvolver maior controle sobre o tempo de ejaculação. Aumentando
o controle, o tempo de latência intravaginal e a
satisfação sexual podem se ampliar.
O tratamento psicoterápico da EP deve, no entanto, priorizar: maior consciência do homem e
Carmita H. N. Abdo
UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
de sua parceira a respeito do nível de excitação;
foco de atenção no relacionamento; ampliação
do repertório sexual para estimulação mais eficaz; atenção ao contexto sexual, considerando a
importância da estimulação psicológica e da situacional; habilidades comunicacionais do casal,
superando padrões de evitação de temas relacionados à vida sexual.
Desafios ao Tratamento da Ejaculação Precoce
O tratamento atualmente proposto para a EP
apresenta limitações, a saber:
• Medicamentos orais e tópicos são percebidos pelos pacientes e parceiras como “mecânicos”
e pouco eróticos.
• Medicamentos têm efeitos adversos indesejáveis (disfunção erétil, náusea, vertigem, diarreia, entre outros).
• Técnicas de terapia focam processos físicos, negligenciando comunicação, prazer e sequência/ espontaneidade da atividade sexual.
• Recrudescimento da sintomatologia, quando o tratamento é suspenso.
O que define o sucesso da terapêutica não é
apenas o manejo da latência e do controle ejaculatório, mas os parâmetros de qualidade de vida, tais
como: o impacto sobre o relacionamento; a espontaneidade no engajamento em atividade sexual; a
autoconfiança; o humor/ afeto; a superação da vergonha/ constrangimento e a satisfação do casal.
A melhor escolha de tratamento para a ejaculação precoce é aquela baseada no conhecimento do
médico e na preferência do paciente14.
V.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
21
UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
Abordagem e Tratamento da Ejaculação Precoce
João Afif-Abdo
Carmita H. N. Abdo
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TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS
TéCNICAS CIRúRGICAS
ATILA RONDON
HERICk BACELAR
www.urologiaessencial.org.br
ATILA RONDON
Urologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto | UERJ
Doutorando do Núcleo de Urologia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina | UNIFESP
TiSBU
HERICK BACELAR
Doutorando do Núcleo de Urologia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina | UNIFESP
TiSBU
Tubularização da Placa Uretral
Incisada para correção de
hipospádias distais - Técnica
de Snodgrass
Introdução
A hipospádia resulta de um desenvolvimento embriológico anormal
do pênis e é definida pela presença
de um meato uretral ectópico e proximal à
sua posição normal na glande, com localização ventral ao longo do pênis, escroto ou
períneo. Um espectro de anormalidades,
incluindo curvatura ventral do pênis (chordee) e excesso dorsal do prepúcio em forma de capuz (capuchão), está comumente
associado à hipospádia1,2. Esta patologia
é a segunda malformação urológica mais
frequente em recém-natos, depois da criptorquia, com incidência variando conforme a localização geográfica de 1:1000 até
1:100 nascimentos1,7.
24
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
Conforme a localização do meato
uretral, as hipospádias podem ser classificadas em distais (glandar, coronal ou
subcoronal – 50 a 70% dos casos), médio-penianas (peniana distal, medial ou proximal – 20 a 30% dos casos) ou proximais
(penoescrotal, escrotal ou perineal – 10
a 20% dos casos)1,2,6. Esta classificação é
mais bem aplicada depois da correção da
curvatura peniana, quando se tem a real
localização do meato uretral2.
O tratamento da hipospádia é eminentemente cirúrgico e uma série de procedimentos cirúrgicos tem sido proposta2,5,8. Embora as experiências modernas
apenas recentemente tenham começado
a se aprofundar na compreensão da base
genética, hormonal e ambiental da hipos-
TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS
Atila Rondon
pádia, a busca por um procedimento cirúrgico
que, de maneira consistente, resulte satisfatoriamente, tem ocupado cirurgiões por mais de dois
séculos1. As técnicas modernas evoluíram a partir de uma miríade de operações descritas pelos
pioneiros da cirurgia de hipospádia e a compreensão dessas técnicas é importante para a prática nos dias atuais.
O tratamento das hipospádias distais depende,
essencialmente, da preferência cultural da família da criança. A maioria dos pacientes com este
tipo de anomalia não tem um defeito funcional.
Consequentemente, o objetivo de colocar o meato
uretral em sua posição normal dentro da glande
é essencialmente estético e a técnica escolhida
depende da anatomia do pênis hipospádico2,5,9.
Na era moderna, centenas de técnicas ou modificações foram descritas para o reparo de hipospádias1. Vários aspectos estão envolvidos na
tomada de decisão sobre a técnica a ser utilizada
no reparo das mesmas, desde o aspecto cultural
e a vontade dos pais, passando por localização e
complexidade da hipospádia, até a familiarização
do cirurgião com as variadas técnicas. Não há,
portanto, uma técnica padronizada e cada caso
deve ser individualizado, a fim de se obter o melhor resultado1,8.
As hipospádias distais podem ser corrigidas
com procedimentos baseados no meato uretral,
como as técnicas de MAGPI, GAP, procedimento de Pirâmide, Mathieu e Snodgrass (TIP)1,2,5,7,8.
Neste texto, descreveremos a técnica que ultimamente vem ganhando maior popularidade entre os urologistas que se dedicam ao tratamento
das hipospádias, a Tubularização da Placa Incisada (TIP – Tubularized Incised Plate). Reforçamos que esta não deve ser considerada a técnica
de escolha para a correção das hipospádias distais, pois cada caso deve ser avaliado individualmente, mas que consiste em uma técnica de
fácil aplicabilidade e que pode ser utilizada na
maioria das vezes.
Herick Bacelar
Técnicas cirúrgicas
Avaliação pré-operatória
Várias considerações devem ser feitas no período pré-operatório, para contribuir com o sucesso do
tratamento das hipospádias:
1- No que diz respeito ao momento de operar,
atualmente, considera-se como ideal realizar o procedimento dos 6 aos 18 meses de idade10. Antes disso, possíveis complicações anestésicas e o tamanho
do pênis podem dificultar sua indicação. Após esse
período, a criança inicia o reconhecimento da genitália e se torna menos colaborativa. Em relação às
complicações uretrais, no entanto, a idade parece
não ser um fator de risco independente11.
2- No caso de pênis muito pequeno ou glande
hipotrófica, o uso de testosterona tópica ou injetável
pode ser considerado. Não há consenso na literatura
sobre a forma de utilização. Possibilidades incluem10:
a- Testosterona creme 1 ou 2%, diariamente, 4 a
6 semanas antes da cirurgia;
b- testosterona 25 mg IM, 6 e 3 semanas antes
da cirurgia ou dose única 30 dias antes.
3- Uma avaliação minuciosa do pênis deve ser feita para tentar determinar a técnica adequada, levando
em conta vários fatores, como localização do meato,
aparência do meato e da glande, presença ou ausência de chordee, qualidade da pele ventral e do meato
uretral, bem como a presença de circuncisão (figura
1)10. Porém, muitas vezes, só durante o procedimento
conseguimos definir qual será a técnica utilizada:
a- Uma hipospádia glandar ou distal pode ter o
esponjoso e a pele uretral de baixa qualidade.
Após a abertura da uretra hipoplásica, eventualmente, a hipospádia se tornará proximal;
b- a configuração da glande é, também, um fator importante na cirurgia da hipospádia. Um
sulco glandar profundo e largo é aplicável à
tubularização preliminar, visto que uma glande
rasa requererá um procedimento de retalho ou
incisão da placa uretral.
V.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
25
Técnicas cirúrgicas
TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS
Atila Rondon
Herick Bacelar
Figura 1
Características que ajudam a definir a
escolha da técnica a ser utilizada.
Técnica Cirúrgica
A técnica de tubularização da placa incisada,
descrita por Warren Snodgrass (tubularized incised
plate – TIP), em 199412, é basicamente, uma modificação da tubularização simples da placa uretral,
técnica de Thiersch-Duplay. Realizando-se uma
incisão longitudinal, promove-se o relaxamento e a
ampliação do tecido a ser tubularizado, sem desenvolvimento de fibrose ou estenose em níveis superiores à técnica de Thiersch-Duplay13.
Independentemente da técnica utilizada,
uma atenção especial para com o instrumental
cirúrgico deve ser estimulada (figura 2). O uso de
magnificação óptica (2,5x), pinças e tesouras delicadas e fios finos e absorvíveis são essenciais para
reduzir as taxas de complicação.
Inicialmente, pontos de reparo de Polipropileno 4-0 são aplicados na glande e prepúcio, para
melhor tração durante a cirurgia. Com auxílio de
xilocaína geleia a 2%, é realizado o cateterismo
uretral, com cateter de 6 a 8 F, para melhor avaliação da qualidade da uretra distal.
Preferencialmente, é realizada a marcação da
linha de incisão com caneta apropriada, para pla26
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
nejamento, melhor referência após o início da cirurgia e perda de parâmetros anatômicos (figura 3).
Caso a uretra distal seja fina e hipoplásica na avaliação após o cateterismo uretral, deve-se realizar a
marcação até a uretra sadia.
A incisão é feita segundo a marcação prévia,
delimitando-se a placa uretral, até cerca de 2mm
proximais ao meato uretral hipospádico e também
de forma circular no prepúcio interno, para o posterior desenluvamento peniano (figuras 4 e 7). Solução de epinefrina 1:100.000, previamente às incisões, pode reduzir o sangramento.
Ainda em relação à hemostasia, o garroteamento peniano intermitente pode ser utilizado durante a cirurgia, para melhor controle hemostático
e melhor visualização dos tecidos. Além disso, um
Figura 2
Instrumental cirúrgico delicado permite
menor agressão aos tecidos e maior
precisão nos movimentos.
cuidado especial com o uso do eletrocautério deve
ser observado, principalmente próximo à placa
uretral, para se prevenirem lesões térmicas, preferencialmente, utilizando o bisturi bipolar ou a ponteira em agulha.
Ortofaloplastia
Apesar de ser menos frequente a associação de
curvatura peniana com formas distais de hipos-
TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS
Atila Rondon
Herick Bacelar
Técnicas cirúrgicas
Figura 3
Marcação da linha de incisão com caneta, para planejamento e melhor referência
após o início da cirurgia e a perda de parâmetros anatômicos. Delimitação da placa
uretral em hipospádia subcoronal (A). Esquemas de visão frontal (B), lateral (C)
e posterior (D), demonstrando as linhas de incisão.
Incisão da Placa Uretral
pádia, rotineiramente, deve ser realizado um teste
de ereção artificial, para a avaliação de curvatura
(chordee). A ereção é feita com injeção de soro fisiológico 0,9%, através de uma punção transglandar. Quando presente, a curvatura é discreta e, se
necessário, realiza-se a plicatura dorsal, às 12h, com
fio de polipropileno 5-0.
A placa uretral é, então, delimitada, através de
duas linhas de incisão verticais e paralelas. As asas
da glande são liberadas do corpo cavernoso de forma ampla, para permitir, posteriormente, mobilização e sutura sem tensão na linha média sobre a placa tubularizada (figuras 5 e 7).
Figura 4
Figura 5
Aspecto esquemático após
desenluvamento peniano.
Indicação do local da incisão da placa
uretral (linha tracejada). Liberação ampla
das asas da glande (setas) de forma a
permitir, posteriormente, mobilização e
sutura sem tensão na linha média sobre a
placa tubularizada.
V.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
27
Técnicas cirúrgicas
TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS
Atila Rondon
Em muitos casos, a placa uretral é insuficiente para uma tubularização direta segura (Thiersh-Duplay), sendo necessário realizar
uma incisão longitudinal mediana
posterior (TIP), que se prolonga
do meato uretral hipospádico até
a placa distal glandar (figuras 6 e
7). A incisão deve aprofundar-se
pelo tecido subepitelial até próximo aos corpos cavernosos e, após
sua realização, a placa deve ter
uma amplitude que permita uma
tubularização sem tensão sobre o
catéter de 6 a 8 F, dependendo do
tamanho do pênis.
Herick Bacelar
Figura 7
(A) Placa uretral delimitada após desenluvamento
peniano. (B) Placa uretral incisada com aumento de sua
amplitude. (C) Tubularização da placa incisada.
Meatoplastia e Neouretroplastia
Para a tubularização, um fio
monofilamentar absorvível é preferível (polidioxanona 6-0 ou 7-0).
A tubularização é iniciada distalmente com a confecção do meato, que deve ser
cuidadosamente constituído, de forma a apresentar
um aspecto em fenda que se estenda da ponta até
cerca da metade ventral da glande, com folga sobre
Figura 6
Esquema demonstrando o afastamento
dos bordos da placa, expondo o tecido
subepitelial, após a incisão com
aumento de sua amplitude.
o cateter. Posteriormente, a neouretra é confeccionada em dois planos subepiteliais em sutura contínua, com o segundo plano envolvendo, se possível,
o tecido esponjoso, que se abre lateralmente à placa
uretral (figura 8).
Um retalho de dartos do prepúcio dorsal é mobilizado anteriormente, através de uma “casa de botão”
no tecido ou lateralmente à haste peniana (figura
9), sendo posicionado sobre a neouretra e fixado no
corpo cavernoso adjacente com fio absorvível (poliglactina 6-0).
Glanuloplastia
A reconstrução da glande de forma cuidadosa
é um dos principais fatores para um bom resultado
estético da cirurgia. As asas da glande, liberadas de
forma ampla (figura 5), devem ser simetricamente
suturadas na linha média (figuras 8 e 9B), utilizando-se, primeiro, um ponto de aproximação, para reduzir a tensão, com fio de poliglactina 4-0. Neste mo28
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS
Atila Rondon
Figura 8
Pinças demonstrando o corpo esponjoso
abrindo-se lateralmente à neouretra. Após
a liberação ampla da glande, as asas são
suturadas na linha média (fio).
Herick Bacelar
Técnicas cirúrgicas
fixado à glande, com dois fios de polipropileno 4-0
(figura 10). O sistema de dupla fralda, com o cateter
posicionado até a bexiga, passando por um orifício em uma primeira fralda e coletando urina em
uma segunda, pode ser utilizado como tentativa de
manter a área menos úmida.
Curativo
Não há consenso em relação ao tipo de curativo, tempo de troca do mesmo e retirada de cateter.
Realizamos o curativo com um filme transparente
de poliuretano estéril (Tegaderm®), diretamente
sobre a pele, deixando o neomeato uretral e o cateter livres. Sobre este filme, uma camada de gaze,
coberta com esparadrapo flexível, é posicionada de
forma contensiva e não compressiva, para evitar o
risco de sofrimento tecidual. O uso de filme transparente permite trocas diárias do curativo superficial
sem grande desconforto, porque não há aderência
mento, já é possível observar a simetria da glande e,
caso o resultado não esteja satisfatório, o ponto de
aproximação deve ser refeito.
A sutura superficial entre as bordas da glande,
entre a glande e a extremidade
da neouretra e na reconstrução do
Figura 9
prepúcio interno ventral, é realiza(A) Dissecção de dartos dorsal. (B e C) Rotação lateral
da com o mínimo de pontos necesde dartos dorsal. (D) Fixação sobre a neouretra.
sários, utilizando o fio de polidioxanona 6-0.
O prepúcio dorsal é reconfigurado com uma incisão mediana,
dividindo-o em duas asas que,
ao serem rodadas lateralmente, permitem uma boa cobertura
ventral da haste peniana. Fios de
poliglactina incolor de absorção
rápida ou catgut 5-0 são utilizados para a sutura da pele.
Cateter Uretral
Ao final do procedimento cirúrgico, temos dado preferência ao
uso de um cateter uretral de silicone 6 a 8 F, cortado e introduzido de
forma que o paciente permaneça
continente. Este cateter é, então,
V.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
29
Técnicas cirúrgicas
TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS
Atila Rondon
Herick Bacelar
Figura 10
Adaptação de cateter de silicone
fixado à glande, apenas como “splint”,
permanecendo o paciente continente.
da gaze à pele e ainda possibilita a avaliação evolutiva do pênis. Trocamos o curativo superficial no dia
seguinte à operação, mantendo o filme transparente
até que o mesmo descole durante o banho da criança, nos dias subsequentes, e mantemos o cateter
uretral por 5-7 dias.
Resultados e Complicações
A taxa de complicação desta técnica tem grande variação na literatura, sendo as principais fístula e estenose do meato. Uma extensa revisão da
literatura, publicada em 2008, por Braga e colaboradores, cita taxas de ocorrência de fístula em
torno de 5% (0-16%) e estenose de meato de 2,1%
(0-17%)14. O treinamento em urologia pediátrica,
o cuidado com detalhes técnicos e o volume de
pacientes operados podem explicar esta variação
e reforçam a ideia de que o cirurgião que deseja
tratar hipospádia deve ter treinamento adequado
e dedicação ao seu estudo e prática.
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URO RESUMOS
www.urologiaessencial.org.br
BRASIL SILVA NETO
Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia - Faculdade de Medicina - UFRGS
Chefe do Serviço de Urologia - Hospital de Clínicas de Porto Alegre
GUSTAVO BALDINO NABINGER
Médico-Residente (R5) do Serviço de Urologia - Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Aumento da ingesta hídrica
como estratégia de prevenção
para urolitíase recorrente:
grande impacto da adesão
na custo-efetividade
Y. Lotan, I. Buendia Jiménez, I. Lenoir-Wijnkoop,
M. Daudon, L. Molinier, I. Tack e M. J. C. Nuijten
The Journal of Urology 189, 935-939, março 2013
OBJETIVO
Avaliar o impacto econômico de prevenir
litíase recorrente utilizando a estratégia
de aumentar a ingesta hídrica e determinar o impacto da adesão ao tratamento
na custo-efetividade dentro do sistema
de saúde francês.
MATERIAIS E MÉTODOS
Um modelo de Markov foi construído para
comparar custos e desfechos em formadores
de cálculos renais recorrentes, com menos
de 2 litros ou mais de 2 litros de ingesta hídrica diária. A construção do modelo assumiu
uma prevalência anual de 120 mil casos de
litíase na França, risco anual de recorrência
de 14,4% e uma redução de risco de 55% em
indivíduos com ingesta hídrica adequada. Os
custos pelo uso de recursos foram estimados
por um painel de especialistas e por listas
nacionais oficiais de preços. Os desfechos fo-
32
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013
ram estabelecidos pela perspectiva do contribuinte do sistema público e incluiu custos
diretos e indiretos.
RESULTADOS
O custo total de um episódio de urolitíase foi
estimado em €4.267, incluindo o custo do tratamento e complicações. Isto corresponde a
um impacto anual no orçamento da ordem de
€88 milhões para litíase recorrente, baseado
em 21 mil eventos. Assumindo uma adesão
de 100%, com a recomendação de ingesta hídrica maior que 2 litros por dia, 11.572 novos
casos de litíase poderiam ser prevenidos, resultando em uma economia de €49 milhões.
A adesão de somente 25% dos pacientes,
ainda assim, resultaria em menos 2.893 eventos e uma economia de €10 milhões. A modificação dos custos do manejo dos casos de
litíase teve pequeno impacto nos desfechos,
já que a maioria dos pacientes não forma cálculos. A variação na incidência de complicações não mudou a incidência dos eventos de
litíase e teve um efeito mínimo no custo total.
CONCLUSÕES
A prevenção de litíase recorrente possui
significativo potencial de redução de custos para o sistema de saúde, como resultado da redução de casos de litíase. Contudo,
a adesão é um fator determinante para a
custo-efetividade da estratégia.
BRASIL SILVA NETO
COMENTÁRIO
A não adesão dos pacientes aos tratamentos propostos está entre 25-40%, o que, nos EUA, gera um
custo anual ao sistema de 268 bilhões de dólares.
No caso da doença litiásica, que é altamente prevalente em todo o mundo, esta realidade é bastante
significativa devido ao fato de que medidas simples, como o aumento da ingesta hídrica, são muito
eficazes em prevenir a doença e, ao mesmo tempo,
têm mínimo custo. Apesar disso, a superioridade
dessa simples medida sobre outras, não farmacológicas e farmacológicas, não está claramente demonstrada na literatura, muito em virtude de não
serem consideradas a morbidade da doença, a adesão e a efetividade das medidas.
Este estudo partiu da construção de um modelo de
Markov de custo-efetividade e utilizou parâmetros
populacionais do sistema de saúde francês, tais
como a prevalência de litíase, o risco de recorrência
e o risco de complicação da doença (pielonefrite e
doença renal terminal) e morte.
Os resultados não surpreendem pelo desfecho de
prevenir recorrência e morbidade da doença, mas
pelo tamanho do efeito que a orientação de ingerir
mais de 2 litros de água por dia aos pacientes tem,
em termos de impacto econômico ao sistema. Dentro do modelo utilizado, se 100% dos pacientes litiásicos aderissem à recomendação, haveria a prevenção de mais de 11.500 episódios de litíase, com uma
economia total de 49 milhões de Euros ao sistema.
Mesmo considerando a taxa mais baixa de adesão
média da população (25%), o efeito, ainda assim, seria significativo, com a prevenção de quase 3 mil
eventos e 10 milhões de Euros de economia.
Apesar das limitações inerentes a estudos deste tipo, baseados em simulações de modelos de
custo-efetividade, é inegável o poder do efeito
protetor da orientação da ingesta hídrica para pacientes sob risco de recorrência de litíase. O desafio está em desenvolver maneiras de mensurar e
aumentar, de maneira consistente, a adesão a este
tipo de medida.
GUSTAVO BALDINO NABINGER
URO-RESUMO
The Swedish Reflux Trial: revisão de
um ensaio clínico controlado e
randomizado em crianças com
refluxo vesicoureteral dilatado
Per Brandström, Ulf Jodal, Ulla Sille´n, Sverker Hansson
Journal of Pediatric Urology, 2011;7: 594-600
OBJETIVOS
Avaliar profilaxia e injeção endoscópica em crianças com refluxo vesicoureteral (RVU) dilatado,
comparando com vigilância, em relação à infecção do trato urinário (ITU) recorrente, novo dano
renal, desfecho do RVU e impacto da disfunção do
trato urinário inferior (TUI) nestes desfechos.
PACIENTES E MÉTODOS
Duzentas e três crianças (128 meninas e 75 meninos), com idade entre 1 e 2 anos, com RVU graus
III ou IV, foram randomizados para profilaxia com
antibiótico (n= 69), injeção endoscópica (n= 66)
ou vigilância (n= 68). Uretrocistografia miccional,
cintilografia com DMSA e, opcionalmente, avaliação da função do trato urinário inferior foram realizados antes da randomização e dois anos após.
RESULTADOS
Houve 67 ITU febris em 42 meninas e 8 em 7 meninos (p= 0,0001). Em meninas, a taxa de recorrência foi de 19% no grupo recebendo profilaxia,
23% no tratamento endoscópico e 57% no grupo
sob vigilância (p= 0,0002). Em meninos não houve diferença entre os grupos. Novo dano renal foi
observado em 13 meninas: 8 sob vigilância, 5 no
grupo endoscópico e nenhum no grupo profilaxia
(p= 0,0155); no grupo dos meninos, esse dado foi
observado em apenas 2. Em 13 crianças com RVU,
com ou sem dilatação, após 1 injeção, o RVU dilatado reapareceu após o seguimento de dois anos.
Disfunção do TUI no seguimento foi associada
com persistência do RVU.
V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013 UROLOGIA ESSENCIAL
33
URO-RESUMO
BRASIL SILVA NETO
GUSTAVO BALDINO NABINGER
CONCLUSÕES
Em meninas, a profilaxia reduziu a taxa de ITU
recorrente e novo dano renal, enquanto que a injeção endoscópica reduziu a taxa de ITU recorrente, apenas. Meninos não se beneficiaram de
tratamento ativo.
COMENTÁRIOS
Desde os anos 50, o estudo do refluxo vesicoureteral (RVU) tem sido estudado, em muito devido
ao advento da uretrocistografia retrógrada e miccional (UCGRM). Junto com essa maior facilidade
de diagnóstico surgiram novos questionamentos:
quando tratar e como tratar.
Estudos iniciais demonstraram associação do RVU
com pielonefrite crônica e, por isso, inicialmente,
tornou-se natural a correção cirúrgica. Com o passar do tempo, evidenciou-se que diversos casos
tinham resolução espontânea e mudou-se o tratamento para apenas profilaxia antibiótica com baixa
dose. Apesar disso, estudos randomizados comparando essas duas modalidades de tratamento
não mostraram diferença quanto a dano renal em
longo prazo. Durante este período, acreditava-se
que o RVU fosse o principal responsável pelo dano
renal e, portanto, o termo “nefropatia refluxiva” foi
proposto. Com o surgimento da cintilografia com
DMSA, ficou evidente que o RVU não era um pré-requisito para dano renal. Além disso, até aquele
momento, não havia sido realizado nenhum ensaio
clínico comparando profilaxia antibiótica versus
nenhum tratamento na prevenção de infecção do
trato urinário.
Em 1999, após ampla revisão da literatura, foi publicada uma nova diretriz, visando ao desenvolvimento e à preservação da função renal em detrimento
ao grau de RVU, e que, além disso, propunha um
curto período de profilaxia com antibiótico e maior
atenção quanto às disfunções do trato urinário inferior. Assim, a crianças com ITU febril acima de 2
anos de idade, não se recomendava mais realizar
UCGRM e crianças com RVU grau I- II não deve34
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013
riam ser rotineiramente acompanhadas, a não ser
que houvesse evidência de dano renal.
Neste contexto de falta de comparação com grupo não tratado e com o desenvolvimento de nova
técnica cirúrgica (injeção endoscópica suburetérica), foi realizado o Swedish Reflux Trial. O presente
ensaio clínico randomizado comparou 203 crianças
de 1 a 2 anos de idade e com RVU de grau III- IV.
Os participantes foram alocados em três grupos
distintos: injeção endoscópica suburetérica, antibiótico-profilaxia e grupo-controle com vigilância
estrita. O objetivo principal do estudo era comparar
taxas de ITU febril, novo dano renal e RVU após
dois anos de seguimento nos diferentes grupos.
Desfechos secundários definidos foram complicações e impacto de fatores como grau do refluxo,
gênero e disfunção do TUI.
Houve mais ITU recorrente em meninas, principalmente no grupo em observação. Em meninos não
houve diferença entre os grupos. A taxa de ITU
febril não teve relação com grau de RVU ou com
dano renal na cintilorrenal, com DMSA no exame
inicial. Entretanto, após dois anos de seguimento,
houve associação de piora quanto a aumento do
grau de RVU e taxa de recorrência em meninas.
Quanto a dano renal, houve pior resultado em
meninas alocadas nos braços do tratamento endoscópico e em observação, sendo que nenhuma
em tratamento antibiótico apresentou novo dano
renal. Não houve associação entre novo dano renal
e disfunção do trato urinário no início do estudo.
Entretanto, análise post hoc com avaliação individual dos rins mostrou associação de dano renal nos
rins drenados por RVU grau III- IV e sempre pior
no rim mais severamente acometido, naqueles que
apresentavam refluxo bilateral.
Em relação ao refluxo vesicoureteral, todos obtiveram melhora, principalmente o grupo tratado
endoscopicamente. Resolução espontânea esteve
menos associada em crianças com disfunção miccional no final do estudo e em meninas com RVU de
alto grau e DMSA alterado na entrada do estudo.
BRASIL SILVA NETO
Em suma, meninos não se beneficiaram de tratamento, tanto com antibiótico, quanto com injeção
suburetérica endoscópica. Nestes, o tratamento
apenas de casos isolados de ITU recorrente, e não
rotineiramente, deve ser realizado. Em meninas,
tanto o uso de antibiótico profilático quanto injeção endoscópica mostrou diminuição da taxa de
recorrência do RVU e verificou-se que apenas antibiótico evitou novo dano renal.
Concluindo, este é um estudo com delineamento
adequado e com amostra significativa, demonstrando resultados divergentes de estudos anteriores, de menor poder.
Mortalidade câncer-específica em
pacientes com tumores vesicais de
baixo risco e o impacto da vigilância
com cistoscopia
Kate D. Linton, Derek J. Rosario, Francis Thomas, Naomi Rubin, John
R. Gospel, Maysam F. Abbod e James W. F. Catto
The Journal of Urology, 189, 828-833, março 2013
OBJETIVO
Determinar o risco de morte doença-específica
em pacientes com tumores vesicais não invasivos (G1pTa) primários e de baixo risco e comparar com a mortalidade pareada na população em
geral, para idade e gênero.
MATERIAIS E MÉTODOS
Identificamos todos os pacientes como tumores
primários de baixo risco em nossa instituição.
Excluímos os pacientes com características patológicas adversas e, então, pareamos para histologia, quimioterapia intravesical, internação
hospitalar e registro de câncer. Revisamos o re-
GUSTAVO BALDINO NABINGER
URO-RESUMO
gistro de pacientes que, subsequentemente, progrediram ou morreram pela doença. Os pacientes foram submetidos à vigilância e a tratamento
pós-ressecção, seguindo protocolos-padrão. As
mortalidades câncer-específicas regional e nacional foram calculadas.
RESULTADOS
Um total de 699 pacientes foi incluído. O seguimento mediano foi de 61 meses (intervalo interquartil 24- 105). Dos pacientes, 17 (2,4%) morreram de câncer de bexiga, incluindo 13 de 14 com
progressão para doença músculo-invasiva e 4 de
19 com tumor superficial e progressão para doença de alto grau. Na análise de regressão de Cox,
displasia de baixo grau no espécime da primeira ressecção e peso do tumor foram associados
com mortalidade câncer-específica (p< 0,003). A
mortalidade câncer-específica nesses pacientes
foi 5 vezes mais alta que nas populações pareadas. As limitações do estudo incluem sua natureza retrospectiva e a baixa frequência de eventos
adversos.
CONCLUSÕES
Pacientes com tumores vesicais de baixo risco
raramente progridem para doença invasiva, mas
estão em maior risco de morrerem pela doença
quando comparados com a população em geral.
Protocolos atuais de vigilância não parecem ter
efetividade em detectar a progressão da doença
a tempo de alterar o prognóstico.
COMENTÁRIOS
O carcinoma urotelial de bexiga tem 2 espectros
de doença bastante distintos, entre a doença não
músculo-invasiva e de baixo grau e a doença
músculo-invasiva e de alto grau, inclusive com
vias moleculares diferentes entre um padrão histológico e outro. A doença superficial dificilmente
progride e/ ou metastatiza. De modo geral, estes
pacientes são seguidos por exame endoscópico
V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013 UROLOGIA ESSENCIAL
35
URO-RESUMO
BRASIL SILVA NETO
GUSTAVO BALDINO NABINGER
de maneira muito frequente, apesar da baixa frequência de progressão e da baixa mortalidade
câncer-específica. Desta forma, poder-se-ia considerar o seguimento destes pacientes quando
sintomáticos, ao invés de protocolos rígidos de
vigilância, o que agrega morbidade e custos bastante altos.
Este estudo propôs-se a comparar a mortalidade doença-específica de pacientes com o estágio
mais simples da doença (pTaG1) à população geral, com pareamento por idade e gênero.
Dos 699 pacientes incluídos no estudo, 17 morreram em decorrência da doença, após seguimento mediano de 5 anos, o que é bastante baixo.
Poderíamos, então, propor aos pacientes que só
voltassem ao consultório para nova cistoscopia
somente se estivessem sintomáticos? A resposta
do estudo é não. Após o pareamento por idade e
gênero, o que se verificou foi que, apesar de baixa, a mortalidade câncer-específica deste grupo
foi de 5 a 6 vezes maior do que a da população
em geral, demonstrando que não é seguro dar
alta para os pacientes com doença superficial e
de baixo grau, orientando-os a retornar somente
na vigência de sintomas.
O estudo apresenta uma série de limitações, reconhecidas pelos próprios autores ao longo do
artigo, e a principal delas é a de que o desfecho
principal é pouco frequente, o que compromete o
poder estatístico, especialmente pelo caráter retrospectivo do mesmo.
Concluindo, apesar de ser bastante tentador diminuir, ou até mesmo abolir cistoscopias frequentes em pacientes com carcinoma urotelial de baixo risco, diminuindo, assim, riscos ao paciente e
custos ao sistema, não podemos tratar o paciente
com esta apresentação da doença, como um paciente comum.
36
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013
Abiraterona em câncer de próstata
metastático sem quimioterapia prévia
Charles J. Ryan, M.D., Matthew R. Smith, M.D., Ph.D., Johann S.
de Bono, M.B., Ch.B., Ph.D., Arturo Molina, M.D.,Christopher J.
Logothetis, M.D., Paul de Souza, M.B., Ph.D., Karim Fizazi, M.D.,
Ph.D., Paul Mainwaring, M.D., Josep M. Piulats, M.D., Ph.D.,
Siobhan Ng, M.D., Joan Carles, M.D., Peter F.A. Mulders, M.D.,
Ph.D., Ethan Basch, M.D., Eric J. Small, M.D., Fred Saad, M.D.,
Dirk Schrijvers, M.D., Ph.D., Hendrik Van Poppel, M.D., Ph.D., Som
D. Mukherjee, M.D., Henrik Suttmann, M.D., Winald R. Gerritsen,
M.D., Ph.D., Thomas W. Flaig, M.D., Daniel J. George, M.D., Evan
Y. Yu, M.D., Eleni Efstathiou, M.D., Ph.D., Allan Pantuck, M.D., Eric
Winquist, M.D., Celestia S. Higano, M.D., Mary-Ellen Taplin, M.D.,
Youn Park, Ph.D., Thian Kheoh, Ph.D., Thomas Griffin, M.D.,
Howard I. Scher, M.D. e Dana E. Rathkopf, M.D.,
para os investigadores COU-AA-302
NEJM, 2013; 368(2): 138-148
CENÁRIO
Acetato de abiraterona, um inibidor da biossíntese do androgênio, aumenta a sobrevida global
em pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração após quimioterapia.
Avaliamos esse agente em pacientes que não
haviam recebido quimioterapia previamente.
MÉTODOS
Neste estudo duplo-cego, randomizamos 1.088
pacientes para receberem acetato de Abiraterona (1000 mg) e prednisona (5 mg duas vezes
ao dia) ou placebo e prednisona. Os desfechos
coprimários foram sobrevida livre de progressão
radiológica e sobrevida global.
RESULTADOS
O cegamento do estudo foi quebrado após a análise interina prevista, a qual foi realizada quando foram atingidas 43% das mortes esperadas. A
mediana de sobrevida livre de progressão radiológica foi 16,5 meses com abiraterona-prednisona e 8,3 meses com prednisona apenas (hazard
ratio de abiraterona-prednisona versus predni-
BRASIL SILVA NETO
sona apenas, 0.53; 95% intervalo de confiança
[IC], 0,45 a 0,62; P< 0,001). Em uma mediana de
seguimento de 22,2 meses, a sobrevida global foi
aumentada com a combinação de abiraterona-prednisona (mediana não atingida, versus 27,2
meses para prednisona apenas; hazard ratio,
0,75; 95% IC, 0,61 a 0,93; P= 0,01); entretanto, não
cruzou o limite da eficácia. Abiraterona-prednisona mostrou superioridade sobre prednisona
apenas, em relação ao tempo de início da quimioterapia citotóxica, uso de opiáceo para dor
relacionada ao câncer, progressão do antígeno
prostático específico e declínio do estado clínico.
Eventos adversos graus 3 e 4, relacionados aos
mineralocorticoides e anormalidades nos testes
de função hepática, foram mais comuns com o
uso da combinação abiraterona-prednisona.
CONCLUSÃO
Abiraterona aumentou a sobrevida livre de progressão radiológica, demonstrou uma tendência
de melhora na sobrevida global e significativamente postergou a piora clínica e o início da quimioterapia em pacientes com câncer de próstata
metastático resistente à castração.
Câncer de próstata metastático resistente à castração, definido como crescimento do tumor,
apesar de nível da testosterona inferior a 50 ng/
dl, é o responsável por aproximadamente 258.400
mortes anualmente no mundo. Diversos tratamentos hormonais foram desenvolvidos para
estes pacientes, produzindo alguma resposta,
mas nenhum deles atrasou o curso da doença ou
apresentou aumento da sobrevida global. Após
os tratamentos hormonais de segunda linha, atualmente, a quimioterapia com docetaxel mostrou
aumento da sobrevida. Entretanto, nem todos os
pacientes recebem este tipo de tratamento.
Acetato de Abiraterona é um inibidor do citocromo P450-c17, uma enzima crítica na síntese de
androgênio testicular e extragonadal. Estudos
GUSTAVO BALDINO NABINGER
URO-RESUMO
prévios demonstraram aumento na sobrevida em
pacientes que receberam Abiraterona em mais
baixa dose de corticoide e que eram portadores
de câncer de próstata metastático resistente à
castração, e que já haviam recebido quimioterapia. Além disso, outros estudos de fase 1 e 2, em
pacientes não submetidos à quimioterapia, demonstraram efeitos mais duradouros, sugerindo
ser este o grupo de pacientes com maior benefício da medicação.
O presente estudo randomizado de fase 3 avaliou
os efeitos da Abiraterona mais prednisona na sobrevida livre de progressão radiológica, sobrevida global (desfechos primários), uso de opioide
devido à dor, tempo até o início da quimioterapia, piora do ECOG e aumento do PSA (desfechos secundários) em pacientes com câncer de
próstata metastático resistente à castração, que
não receberam quimioterapia e nos quais os sintomas clinicamente significativos relacionados
ao câncer não se desenvolveram.
Este é um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, duplo-cego, controlado por placebo. Todos
os pacientes incluídos no estudo já haviam recebido algum tipo de tratamento antiandrogênico e
tinham ECOG de 0 ou 1. Os participantes foram
estratificados de acordo com o ECOG e receberam Abiraterona 1g + prednisona 5mg versus
placebo + prednisona 5mg. Este estudo definiu
análises intermediárias planejadas quando atingido 15,40 e 55% dos eventos pré-estabelecidos
como necessários para demonstrar diferença entre os grupos com poder amostral previsto. Esta
é a segunda análise intermediária, tendo a última sido realizada em dezembro de 2011, quando
atingidas 43% das mortes, momento pelo qual
foi decidido quebrar o cegamento do estudo, já
que havia a tendência de melhora na sobrevida
do grupo intervenção, ocorrendo, então, o cruzamento dos pacientes do grupo placebo para receberem abiraterona.
V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013 UROLOGIA ESSENCIAL
37
URO-RESUMO
BRASIL SILVA NETO
GUSTAVO BALDINO NABINGER
Foram randomizados 546 pacientes no grupo
Abiraterona e 542 no grupo placebo, sem diferença nas características iniciais do grupo, e foram acompanhados por 22,2 meses, na mediana.
DESFECHOS PRIMÁRIOS
• Sobrevida livre de progressão radiológica – 16,5
meses no grupo Abiraterona versus 8,3 meses no
grupo placebo (HR 0.53), sendo este achado consistente em todos os subgrupos.
• Sobrevida global – 333 mortes haviam ocorrido
até então (43% dos pacientes do estudo), sendo
186 (34%) no grupo placebo contra 147 (27%) no
grupo abiraterona. Portanto, houve 25% de diminuição da mortalidade (HR 0,75; P= 0,01) no
grupo recebendo tratamento hormonal, entretanto, sem atingir a significância estatística pré-definida (p< 0,001). Além disso, a sobrevida livre
de progressão radiológica se correlacionou com
a sobrevida global.
DESFECHOS SECUNDÁRIOS
O grupo em uso de Abiraterona apresentou:
• Aumento do tempo até uso de opiáceo no tratamento da dor relacionada ao câncer (mediana não alcançada no grupo Abiraterona contra
23,7 meses).
• Aumento do tempo até início da quimioterapia
(25,2 contra 16,8 meses).
• Aumento do tempo até declínio em 1 ponto no
ECOG (12,3 contra 10,9 meses).
• Aumento do tempo de progressão do PSA (11,1
contra 5,6 meses).
Após esta segunda análise planejada, o comitê
de monitoramento recomendou a abertura do estudo em fevereiro de 2012, devido à eficácia e à
segurança da medicação.
38
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013
OUTROS DESFECHOS AVALIADOS
O grupo em uso de Abiraterona apresentou:
• Aumento no tempo até piora da dor (26,7 contra 18,4 meses).
• Aumento no tempo até piora do status funcional (FACT-P score).
• Redução em ≥ 50% no PSA sérico (62 contra
24%).
SEGURANÇA
Eventos adversos grau 3 ou 4 foram observados
em 48% dos pacientes recebendo abiraterona/
prednisona e em 42% do grupo placebo/ prednisona; eventos adversos graves foram observados em 33 e 26% e eventos adversos resultando
em morte em 4 e 2%, respectivamente. Entre os
efeitos adversos, fadiga, artralgia e edema periférico foram mais comuns no grupo abiraterona/
prednisona que no grupo prednisona apenas.
A desistência do tratamento ou modificação da
dose devido a efeitos colaterais ocorreu em 19%
dos pacientes no grupo Abiraterona e em 12% no
grupo placebo.
Este estudo, portanto, demonstrou melhora da
sobrevida livre de progressão radiológica, aumento do tempo em que o paciente apresenta
melhor condição física e aumento do tempo de
progressão da doença nos pacientes que receberam tratamento com Abiraterona em comparação com o grupo placebo. Não houve aumento
significativo do tempo de sobrevida mas, provavelmente, este apareceria caso o estudo fosse
conduzido até o fim. O ensaio clínico foi interrompido devido à evidente vantagem do grupo
tratado com abiraterona, o que sugere a sua utilização como tratamento anterior ao início de quimioterapia citotóxica.
pONtO dE vIStA
www.urologiaessencial.org.br
ANUAR I. MITRE
Prof. Associado de Urologia | FMUSP
Prof. Titular de Urologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí | SP
Coordenador do Setor de Cirurgia Minimamente Invasiva da SBU (gestão 2012-2013)
RAFAEL F. COELHO
Urologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo
Global Robotics Institute Florida Hospital Celebration Health. Celebration | US
Chefe do Departamento de Cirurgia Robótica da SBU (gestão 2012-2013)
Ênfase no Tratamento da Urolitíase | Clínica Padre Almeida | Campinas
Endourologia Universidade de Minnesota | USA
Devo aprender
Cirurgia Robótica?
Reflexões e conselho para o jovem urologista
A Cirurgia no século XXI
N o final do século passado e, particularmente, no século XXI, a
cirurgia convencional vem sendo substituída pela cirurgia minimamente
invasiva. Todos os procedimentos que oferecem o mesmo resultado, causando menos
agressão ao paciente, por razões óbvias, vêm
substituindo as intervenções convencionais.
Alguns exemplos marcantes na nossa especialidade podem ser citados, como as cirurgias percutâneas, ureteroscópicas, termoablações renais e as cirurgias laparoscópicas
sem ou com a assistência do robô.
Graças à menor agressão cirúrgica, tal
procedimento possibilita uma recuperação
40
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
menos dolorosa e mais rápida do paciente,
além de deixar menos cicatrizes, assimetrias abdominais ou hérnias incisionais.
Dessa forma, o paciente retorna mais rapidamente às suas atividades profissionais e
sociais rotineiras.
A plataforma robótica da Vinci® já está
disponível para uso clínico no mundo desde
2000. No Brasil, os primeiros sistemas robóticos foram instalados em 2008, na cidade de
São Paulo. Cinco anos depois, o que se viu
foi um aumento progressivo no número de
pacientes operados com o auxílio do robô da
Vinci® e um número crescente de urologistas utilizando esta nova tecnologia, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos e em
vários países europeus.
DEVO APRENDER CIRURGIA ROBÓTICA? REFLEXÕES E CONSELHO PARA O JOVEM UROLOGISTA
Anuar I. Mitre Rafael F. Coelho
Por que apenas depois de quase cinco anos o
Brasil está adquirindo novos robôs?
Desde a instalação, em 2008, em três hospitais
na cidade de São Paulo, até recentemente, nenhum
outro sistema robótico havia sido utilizado em nosso país. Contudo, nos últimos meses, vários robôs
foram adquiridos e serão instalados no estado de
São Paulo e na cidade do Rio de Janeiro. A impressão que temos é a de que, nesse período, os hospitais universitários e privados, que teriam condições
de adquiri-los, aguardaram a avaliação dos resultados iniciais, principalmente em relação à factibilidade econômica da implantação de programas de
cirurgia robótica no Brasil. É verdade que durante
um período recente, de aproximadamente um ano,
o valor do robô passou a
ser bem maior, por dupla
despesa alfandegária e
de custo de representação, o que estava inviabilizando a sua aquisição.
Tal problema, felizmente,
foi resolvido e a resposta
de vários hospitais compradores foi imediata.
Em 2012, o primeiro robô em instituição pública
foi instalado no Rio de Janeiro (Instituto Nacional
do Câncer-INCA) e dois outros deverão ser instalados no estado de São Paulo (Hospital do Câncer
de Barretos e Instituto do Câncer do Estado de São
Paulo-ICESP). Este fato poderá possibilitar a incorporação da cirurgia robótica nos programas de residência médica em Urologia e colaborar com a disseminação da plataforma robótica em nosso meio.
Além das dificuldades já mencionadas, outros
motivos também podem explicar o retardo na Urologia brasileira em cirurgia robótica:
- Custos de aquisição e manutenção sempre são fortemente considerados; entretanto, se
forem levados em conta os custos sociais, talvez o
valor final do tratamento seja, inclusive, menor que
o convencional. Vale lembrar que os outros procedi-
“
ponto de vista
mentos minimamente invasivos, numa fase inicial,
também eram considerados caros, mas depois acabaram sendo incorporados à prática urológica rotineira. Pensou-se que os custos do robô barateariam
num segundo momento, porém tal fato ainda não foi
observado, mesmo depois de mais de uma década
de uso do robô da Vinci®. As patentes feitas pela Intuitive são tantas que nenhuma outra empresa, até
o momento, conseguiu colocar um robô concorrente
em uso clínico, o que poderia, eventualmente, reduzir valores de aquisição.
- Outro motivo deve-se aos próprios urologistas,
que não têm cobrado a aquisição de robô, de
maneira convincente, dos diretores de hospitais. Obviamente, se não são cobrados, que garantias
eles têm de que os urologistas daquele hospital
utilizariam o robô?
- Os custos dos tratamentos são efetivamente superiores,
como forma de amortização do investimento feito
pela instituição. Entretanto, analisando-se os
pacotes hoje oferecidos pelos hospitais privados, os
custos não são superiores a 50% do valor da cirurgia
convencional. Em termos de saúde pública, a diferença pode ser substancial, mas em termos de saúde
privada, parece ser perfeitamente acessível, como tem
sido verificado nos hospitais que dispõem de robô.
- A curva de aprendizado exige humildade dos
urologistas experientes e os coloca no mesmo patamar dos menos experientes: o de aprendizes.
- Outro fator que tem influência na curva de aprendizado é o volume de cirurgia. É certo que operar
um caso esporadicamente torna mais difícil ultrapassar a curva de aprendizado e manter o adestramento.
- Não há, em nosso meio, a cultura de referenciamento de pacientes. Como regra, em clínica privada no Brasil, pratica-se a Urologia Geral. Atendemos
e operamos um pouco de cada parte da nossa espe-
A curva de aprendizado
exige humildade dos urologistas
experientes e os coloca no
mesmo patamar dos menos
experientes: o de aprendizes.
“
V.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
41
ponto de vista
DEVO APRENDER CIRURGIA ROBÓTICA? REFLEXÕES E CONSELHO PARA O JOVEM UROLOGISTA
Anuar I. Mitre Rafael F. Coelho
cialidade, o que dificulta o ganho de experiência com
tecnologias ou técnicas avançadas. A nossa especialidade cresceu muito e torna-se difícil oferecer excelência em todas as cirurgias das subespecialidades.
- Em clínica privada, o compromisso profissional
é direto e o urologista, obviamente, acaba oferecendo a cirurgia que melhor sabe fazer, tornando
mais difícil introduzir um novo procedimento. O volume de cirurgia reduz ainda mais se houver seleção
de casos favoráveis, excluindo aqueles que tenham
fatores complicadores.
- Muitas seguradoras de saúde não dão cobertura para cirurgia robótica e o paciente tem
de arcar com as despesas hospitalares, parciais ou
totais, e de honorários profissionais. Nem sempre o
paciente abre mão da cobertura de seu convênio, o
que pode limitar ainda mais os possíveis candidatos
à cirurgia robótica.
- Tudo que é novo gera ansiedade e expectativa. O risco de complicações e resultados iniciais
piores que a técnica convencional pode gerar conflitos pessoais, éticos e morais. Ainda, a presença do
novo e a falta de experiência deixam o urologista exposto perante os colegas e a enfermagem, o que gera
muita angústia.
- Passados quase cinco anos da chegada dos primeiros robôs no Brasil, vemos os urologistas numa
nova e forte tendência de aprender cirurgia robótica. Certamente, a chegada de mais robôs da Vinci® ao Brasil e o aumento da procura por parte dos
pacientes têm servido de novo estímulo aos urologistas que, num primeiro momento, se limitaram a olhar
apenas para o nosso país e não para os países mais
desenvolvidos, que adotaram muito mais a cirurgia
laparoscópica e robótica.
- A falta de trabalhos científicos de alta evidência científica, que mostram a superioridade da
cirurgia robótica sobre a laparoscópica ou convencional, retardou a adoção dessa nova tecnologia.
Aguardaram-se mais trabalhos e definição de seu uso
rotineiro antes de se adotar um novo e difícil caminho
a ser trilhado.
42
UROLOGIA ESSENCIAL
V.3  N.1  JAN  JUN  2013
- A cirurgia minimamente invasiva talvez não
seja para todos. Deve-se, em qualquer especialidade cirúrgica, procurar fazer mais aquilo de que se
gosta e com o qual se identifica. Portanto, deve-se
ter o perfil de cirurgião minimamente invasivo, isto é:
humilde, hábil, desejoso de aprender e perseverante.
Não achamos a cirurgia minimamente invasiva mais
importante que a Uroginecologia, a Uropediatria, a
Medicina Sexual etc, visto que são todas igualmente
importantes. Achamos, no entanto, que é hora de o
urologista se ater mais a um setor da especialidade,
caso contrário, nos distanciaremos cientificamente
cada vez mais da Urologia americana ou europeia, em
termos de casuística, em que, em trabalhos clínicos,
centenas de casos representam pouco: publicam-se
milhares de procedimentos.
Conselho
Finalizamos respondendo a pergunta feita no
título. Sim, vale a pena para o jovem urologista
aprender cirurgia robótica urológica. Ela veio para
ficar. Passado certo tempo, deixará de ser novidade e permanecerá sendo feita por aqueles que adquiriram uma identificação com a plataforma robótica. A reinquietude atual em relação ao robô da
Vinci® está uma década atrasada. Mais importante
que tal robô é a filosofia da Cirurgia Minimamente
Invasiva, que é entendida como sendo mais que
uma via de acesso: é uma outra forma de se fazer
a mesma cirurgia.
A anatomia e seus planos de dissecção são vistos de forma um pouco diferentes, a apresentação
das estruturas com mudanças de decúbito e com a
insuflação de gás carbônico e a introdução dos instrumentos por orifícios conferem peculiaridade à cirurgia laparoscópica. Já não se tem a preocupação
da violação da cavidade peritoneal. Sabe-se de reoperações de cirurgias laparoscópicas em que ela não
provoca aderências entre as alças intestinais ou com
o peritônio parietal, como ocorre em cirurgia aberta.
Hoje, deve-se fazer o tratamento cirúrgico agredindo
o mínimo possível o paciente.
DEVO APRENDER CIRURGIA ROBÓTICA? REFLEXÕES E CONSELHO PARA O JOVEM UROLOGISTA
Anuar I. Mitre Rafael F. Coelho
A época de ver uma cirurgia, fazer a segunda
para ensinar a terceira foi substituída por outra que
exige muito mais do cirurgião, para que se obtenha
o mesmo resultado. A quem interessa este novo
momento cirúrgico? Ao paciente, a quem dedicamos o nosso trabalho. Os pacientes, atualmente,
querem ter o seu problema resolvido com menos
sangramento, com menos lesão tecidual, com menos dor, com um período de recuperação mais rápido e com menos cicatrizes. São novos tempos
e, nos novos tempos, o conselho que se deixa ao
jovem urologista é para que se lembre dos três
ponto de vista
aspectos primordiais, indissociáveis e igualmente
importantes, do ensino médico: cognitivo, habilidade e atitude. Neste contexto, a cirurgia robótica
representa uma nova habilidade, que agrega valor
à cirurgia laparoscópica em termos de melhor qualidade de imagem em alta definição, imagem 3D,
mais ambidestreza, facilidade e precisão de movimentos e mais graus de liberdade para as extremidades dos instrumentos que são mais delicados.
A cirurgia aberta favorece o cirurgião. A cirurgia
laparoscópica favorece o paciente. A cirurgia robótica favorece ambos.
V.3  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
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CALCIFILAXIA PENIANA
ImAGEm Em UROLOGIA
LuIs OtávIO A. DuArtE PINtO
rONALDO DAmIãO
www.urologiaessencial.org.br
ELOÍSIO ALEXSANDRO DA SILVA
Professor Adjunto do Serviço de Urologia
Hospital Universitário Pedro Ernesto | Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Litotomia ovvero
del cavar la pietra
E ste tratado de litotomia, editado em Florença, em 1707, contendo 210 páginas, deve ser
considerado como o primeiro na história
da Urologia a tratar, de forma completa,
sob todos os aspectos, sobre o tema da
litotomia. Além do aspecto científico disponível à época, descrito com clareza, o
autor também estabelece normas de ética
médica para a prática de sua profissão. O
livro tornou-se um clásico, principalmente,
porcausa das suas preciosas ilustrações,
desde observações anatômicas, posições
cirúrgicas e instrumentos para a realização de litotomias. Dentre as ilustrações
desenhadas pelo próprio autor, destaca-se a “tavola IV”, ilustrando os cálculos
coraliformes extraídos durante a necropsia
do Papa Inocêncio XI, em 1689; o cálculo
esquerdo pesava, aproximadamente, 280
gramas e o direito, 187 gramas.
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UROLOGIA ESSENCIAL
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CALCIFILAXIA PENIANA
Luis Otávio A. Duarte Pinto
Ronaldo Damião
imagem em urologia
REFERÊNCIAS
1. Alghisi T.: Litotomia ovvero del cavar la pietra. Nella Stamper,
di Giuseppe Manni, all. Inseg. di S. Gio: di Dio. Firenze, 1707.
2. Debout, A.E.: Medical Guide to Contrexéville. London. J & A.
Churchill. pp.96-119. ISBN 0-19-521833-7. 1883.
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