UROLOGIA ESSENCIAL RIO DE JANEIRO . JAN./ JUN. V. 3 . . Nº 1 2013 DIRETORIA 2012 | 2013 DIRETORIA EXECUTIVA Presidente Aguinaldo César Nardi Vice-Presidente Eugenio Augusto Costa de Souza EDITOR CHEFE Ronaldo Damião | RJ EDITORES ASSOCIADOS Danilo S. L. da Costa Cruz | RJ Eloisio Alexsandro da Silva | RJ CONSELHO EDITORIAL Brasil Silva Neto | RS Cássio Luís Zanettini Riccetto | SP José Carlos Cezar I.Truzzi | SP José Elêrton Secioso de Aboim | SE José Pontes Júnior | SP Carlos Arturo Levi D’Ancona | SP Heleno Augusto Moreira da Silva | RJ CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL Alexandre Zlotta | Canadá Antonio Alcaraz | Espanha Eduardo Zungri | Espanha Jose Guzman Esquivel | México Larissa V. Rodriguez | USA Piet Hoebeke | Bélgica Ricardo Gonzalez | Suiça Richard Gastón | França Miroslav Djordjevic | Sérvia EXPEDIENTE Secretária Leyla Caminha Assistente Kelly Santos Revisão Mariana Caser Projeto Gráfico Bruno Nogueira Secretário Geral Pedro Luiz Macedo Cortado 1º Secretário Henrique da Costa Rodrigues 2º Secretário Antonio de Moraes Júnior 3º Secretário Márcio Josbete Prado 1º Tesoureiro Samuel Dekermacher 2º Tesoureiro Sebastião José Westphal 3º Tesoureiro João Batista Gadelha de Cerqueira Diretor de pesquisa Eduardo Franco Carvalhal CONSELHO DE ECONOMIA Presidente José Maria Ayres Maia Membros: Salvador Vilar Correia Lima Manoel Juncal Pazos Paulino Granzotto Geraldo Ferreira Borges Jr DEPARTAMENTO DE PUBLICAÇÕES Internacional Braz J Urol Editor | Sidney Glina RE.CET Editor | Ubirajara Barraso Jr. RUA BAMBINA, 153 – BOTAFOGO | RIO DE JANEIRO | RJ CEP: 22251-050 | TEL: (21) 2246.4092 FAX: (21) 2246 4092 V.2 l N.1 l JUL l SET l 2012 UROLOGIA ESSENCIAL 1 EDITORIAL O Valor da Responsabilidade V ivemos numa época em que estão havendo grandes mudanças nos valores médicos. Aspectos éticos, morais e científicos há muito estimados estão cedendo espaço a objetivos puramente financeiros e econômicos. Mesmo com esta inversão de valores, a remuneração médica atual não é proporcional ao que investimos em nossa formação, tampouco corresponde ao grau de responsabilidade que temos sobre nossos atos. Tal situação se deve, em parte, à nossa própria classe que, ao longo das últimas décadas, moveu-se em função da paixão pela arte da Medicina, no entanto fechando os olhos ao seu planejamento financeiro. O valor do médico como profissional se deve a três pilares principais, a saber: relacionamento com o paciente e com colegas de profissão; conhecimento; e responsabilidade. O conhecimento é adquirido através de anos de estudos e dedicação, durante os períodos de graduação, residência médica, pós-graduação, além de plantões noturnos em finais de semana, feriados e assim por diante. De todas as profissões, provavelmente, a Medicina é a que mais exige dedicação e responsabilidade pois, em todos os pontos de vista, a vida humana é que está em jogo. Até mesmo os procedimentos mais simples podem apresentar um grande potencial de complicações inerentes ao tratamento. Responsabilidade é reconhecer que nenhum ato médico, seja ele clínico ou cirúrgico, pode ser menosprezado; caso contrário, já estaremos dando o primeiro passo para a iatrogenia. Neste número da Urologia Essencial, encontramos artigos sobre a nova era do PSA, que de longa data vem se tornando alvo de inúmeras críticas, oscilando desde um grande aliado até figurar como um vilão. Ampliaremos nossos conhecimentos a respeito de preparo de cólon, muito utilizado em nossa especialidade, principalmente nas cirurgias de derivação urinária. Encontraremos, ainda, dados históricos presentes em um tratado editado em Florença, em 1707, considerado como o primeiro na História da Urologia a tratar de forma completa o tema da litotomia. Danilo S. L. da Costa Cruz Editor chefe Ronaldo Damião Editores associados Danilo S. L. da Costa Cruz Eloisio Alexsandro da Silva A t U A L I z A ç ã O www.urologiaessencial.org.br ETEL RODRIGUES PEREIRA GIMBA Profª. Adjunta II da Universidade Federal Fluminense | RJ Pesquisadora visitante do Instituto Nacional de Câncer Além da Era do PSA: Novos Biomarcadores para Câncer de Próstata Introdução A incidência de câncer de próstata (CaP) está aumentando na maioria dos países ocidentais. No Brasil, Estados Unidos e na Europa, são detectados, a cada ano, respectivamente, aproximadamente 60.000, 200.00, 225.000 homens com a doença. Esse aumento pode ser explicado pela elevação geral da expectativa de vida dos homens, pelo aumento do número de biópsias e, de forma mais importante, pelo aumento do uso da dosagem do antígeno específico da próstata (PSA) como teste de rastreamento. Desde a introdução do rastreamento do CaP pela dosagem do antígeno específico da próstata (PSA), há 25 anos, o diagnóstico e o acompanhamento do câncer CaP têm sido guiados por esse biomarcador. Ao longo destes anos, tornou-se claro que o uso do teste do PSA como estratégia de rastreamento apresenta vantagens e desvantagens. 4 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 Uma série de novos biomarcadores para o CaP tem surgido através da introdução de novos ensaios em amostras de soro e de urina, que podem suplementar, ou mesmo substituir, o uso do PSA, devido à sua maior especificidade para diagnosticar esta neoplasia. Este universo de biomarcadores em expansão tem sido facilitado, em grande parte, pelas novas tecnologias genômicas, as quais têm permitido uma visão bastante ampla da biologia tumoral. Tais esforços têm produzido várias estórias de notável sucesso, que envolvem biomarcadores que, rapidamente, são transferidos da bancada dos laboratórios para a clínica. Contudo, a pesquisa de biomarcadores tem sido centrada no diagnóstico do CaP, mas não no prognóstico e na predição, o que poderia permitir acompanhamento da doença. O desenvolvimento de biomarcadores para estratificar riscos de agressividade do CaP no momento do rastreamento da doença permanece como a grande ne- ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA Etel Rodrigues Pereira Gimba cessidade clínica ainda não alcançada para este tipo de tumor. Revisamos, no presente artigo, o estado da arte da pesquisa de biomarcadores para o CaP, incluindo a revolução do PSA, seu impacto na detecção precoce desta neoplasia, os recentes avanços na descoberta de biomarcadores e os futuros avanços, que prometem aprimorar o acompanhamento clínico desta doença. A era do PSA Desde sua aprovação pela Federal Drug Administration (FDA), em 1986, o PSA tem sido empregado mundialmente para diagnosticar e monitorar homens com CaP. Infelizmente, o PSA apresenta um baixo valor preditivo positivo, resultando em uma significativa proporção de biópsias negativas, em geral, levando a repetidas medidas do PSA e de novas biópsias. Em homens com PSA sérico entre 2,5 -10 ng/ml (zona cinza), os índices de biópsias negativas são de, aproximadamente, 60-70%. Além disso, o rastreamento do CaP baseado na medida do PSA tem levado a um aumento no diagnóstico (“superdiagnóstico”) do CaP e ao tratamento exagerado (“supertratamento”), devido à alta incidência de casos de CaP clinicamente insignificantes. O “superdiagnóstico” é o termo utilizado quando uma condição é diagnosticada, mas não seria percebida de outra forma, já que não apresenta sintomas ou promove a morte do indivíduo. O “superdiagnóstico” do câncer pode ter duas explicações: 1) O câncer nunca progride (ou, de fato, regride) ou 2) o câncer progride lentamente, de tal forma que o paciente vem a óbito por outras causas, antes que o câncer se torne sintomático. Já o “supertratamento” significa que homens com tumores “superdiagnosticados”, que nunca teriam qualquer sintoma durante sua vida, se não tivessem permanecido diagnosticados, são submetidos a tratamentos custosos e invasivos, considerados desnecessários1. Além disso, homens que fazem um teste de PSA e uma consequente biópsia apresentam enorme ansiedade com relação ao resul- Atualização tado e à evolução de sua doença. Desta forma, há necessidade de novos biomarcadores, com melhor especificidade, para que os mesmos sejam utilizados na prática clínica2 . Limitações e lacunas no uso do PSA O PSA, uma proteína envolvida na coagulação do sêmen, é produzido pelo epitélio prostático e está, principalmente, confinado nos ductos prostáticos. As células tumorais liberam PSA na circulação sanguínea em níveis mais elevados, como resultado da ruptura da membrana basal das áreas da glândula afetadas pelo tumor. Níveis elevados de PSA podem, também, ser o resultado da hiperplasia benigna da próstata (HPB), de prostatite e de biópsia da próstata. Os níveis aumentados de PSA representam contínuo risco de presença do CaP e nenhum valor de PSA é sensível e específico o suficiente para predizer esta neoplasia. Valores de corte anormais para o PSA foram definidos entre 2.5 mg/L e 4 mg/L e muitos debates existem, ainda, sobre este tópico. Homens que apresentam um PSA elevado (isto é, maior que 2.5 mg/L) devem ser testados novamente. Se o valor de PSA permanecer alto, a biópsia da próstata deve ser considerada. Um nível de PSA elevado em homens idosos, com HPB, não é inesperado e, nestes pacientes, a observação do valor de PSA ao longo do tempo pode ser valiosa para considerar a necessidade de biópsia. Um aliado útil em homens com PSA elevado e com HPB é a avaliação da percentagem de PSA sérico que está livre em relação à fração, conjugada a proteínas séricas. O PSA produzido pelas células tumorais se liga mais fortemente com proteínas séricas (alfa 1 quimiotripsina e alfa 2 macroglobulina), resultando em uma baixa porcentagem de PSA livre. Em homens com um PSA elevado (isto é, 4.1–10.0 mg/L), a porcentagem de PSA livre é um indicativo de que a elevação é devida à HPB ou ao CaP. Quanto menor a porcentagem de PSA livre, maior a probabilidade de o PSA total elevado representar presença do V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 5 Atualização ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA Etel Rodrigues Pereira Gimba CaP, e não da HPB. A sensibilidade de um nível de PSA livre menor que 15% para detectar o CaP é em torno de 85%, e seu uso como ferramenta de rastreamento está sob estudo. Muita atenção tem sido dada a outros índices de PSA como, por exemplo, a densidade do PSA (o nível de PSA dividido pelo volume da próstata), a velocidade do PSA (a taxa de aumento no nível de PSA ao longo do tempo), o período de duplicação do nível de PSA ao longo do tempo e, também, a medida de outras isoformas do PSA, como a pró-PSA. Se, por um lado, estas medidas mais refinadas do PSA são úteis para predizer a severidade da doença e seu comportamento, elas não são utilizadas rotineiramente no rastreamento. Além disso, enquanto estas modificações nos níveis de PSA são promissoras em selecionar coortes específicas de pacientes, elas apresentam “ específico da doença, de custo viável, minimamente invasivo, de ser um ensaio reprodutível, de sensibilidade e especificidade adequados, idealmente com relação à evolução da doença. Embora um biomarcador que apresente bom desempenho em várias dessas características seja o ideal, a realidade é que múltiplos biomarcadores serão, provavelmente, necessários para o CaP e outras neoplasias, de forma a cobrir o rastreamento, o diagnóstico, o prognóstico e a predição da doença5. A molécula-alvo a ser utilizada como biomarcador pode representar diferentes formas moleculares. Por exemplo: alguns alvos representam genes com expressão aumentada no CaP e expressão baixa ou ausente em tecidos prostáticos normais. Outros alvos moleculares podem ser modificações epigenéticas, que alteram a transcrição de supres- Rearranjos gênicos estáveis são, também, outro biomarcador-alvo no “ desenvolvimento do CaP, tal como a atualmente reconhecida fusão de genes regulados por androgênio e aqueles codificadores de fatores de transcrição... limitações inerentes, impulsionado muitos pesquisadores ao término da era do PSA. Em função dessas razões, a procura por melhores biomarcadores para detecção do CaP tem, recentemente, resultado em candidatos viáveis, além do PSA e suas modificações. Alguns destes biomarcadores são câncer-específicos e, assim, têm o potencial de melhorar enormemente a especificidade da detecção do CaP. Descreveremos, no presente artigo, biomarcadores que se mostram promissores para a detecção do CaP 3,4. Características de biomarcadores Os biomarcadores são moléculas cuja detecção ou avaliação fornecem informação a respeito da doença, além dos parâmetros clínicos comuns apresentados. Há várias características de um biomarcador ideal e, dentre elas, há o fato de ser 6 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 sores tumorais ou outros genes envolvidos na progressão e na carcinogênese do CaP. Estas modificações epigenéticas incluiriam a hipermetilação do DNA, a modificação de histonas, o remodelamento da cromatina ou a regulação de micro RNAs. Rearranjos gênicos estáveis são, também, outro biomarcador-alvo no desenvolvimento do CaP, tal como a atualmente reconhecida fusão de genes regulados por androgênio e aqueles codificadores de fatores de transcrição como, por exemplo, a proteína de fusão TMPRSS2 e outras fusões relacionadas. Finalmente, há certos marcadores genômicos de risco de diagnóstico de CaP, tal como os polimorfismos do cromossomos 8q24. Contudo, estes biomarcadores de risco não são utilizados no contexto de biomarcadores de detecção. A fonte de amostra biológica a ser utilizada para avaliação de um biomarcador também mere- ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA Etel Rodrigues Pereira Gimba ce consideração. Há várias vantagens e desvantagens e relação às fontes tradicionais de amostras biológicas, quais sejam: sangue, urina e tecidos. Enquanto o sangue e a urina são, certamente, mais facilmente obtidos para testes, ambos necessitam que o biomarcador de interesse esteja prontamente presente para testagem. Em outras palavras, o biomarcador precisa atravessar a membrana basal para penetrar nos vasos ou ser liberado no sistema urinário. Além disso, no caso de o marcador não ser câncer específico, o uso destas fontes de amostras possibilitará não somente a contaminação de outras fontes (por exemplo, da próstata normal), afetando a especificidade, mas também pode apresentar questões de limites de detecção, o que afetaria a sensibilidade. Enquanto determinada fonte de biomarcadores certamente permite que muitas análises moleculares sejam realizadas, tanto de proteínas quanto de RNA e DNA, as mesmas podem ser dificultadas pela necessidade de aquisição de tecido, mais provavelmente de uma biópsia, assim submetendo os pacientes a amostragens invasivas e, também, limitando a quantidade de amostra. A nova geração de biomarcadores para o câncer de próstata O PSA persistiu na prática clínica, em grande parte, devido à demanda do público para o rastreamento do CaP. Na realidade, o PSA segue como um biomarcador de baixo custo e sensível para a detecção da doença, assim como para o monitoramento da progressão e recorrência do CaP após terapia curativa da doença localizada. Desta forma, novos biomarcadores, recentemente descobertos para o CaP, provavelmente, manterão o PSA como ferramenta primária, em associação com outros testes, a menos que comparações pareadas de diferentes testes provem a melhor eficácia destas novas opções de biomarcadores. Desde a adoção do PSA, avanços no sequenciamento de DNA e da análise do transcriptoma, através de microarranjos e se- Atualização quenciamento de genomas inteiros, têm permitido a caracterização detalhada da biologia do câncer em níveis até então não alcançados. Como resultado, a pesquisa de biomarcadores deslocou-se para o uso destas estratégias em grande escala, como a genômica e o transcriptoma, abastecendo a literatura sobre o CaP com descobertas baseadas na caracterização de tumores com aberrações no DNA, RNA ou em estados de modificações epigenéticas, especialmente na metilação do DNA. Os marcadores teciduais e as tecnologias baseadas em imagens também se desenvolveram, incluindo a ultrassonografia transretal, a tomografia computadorizada, a ressonância magnética e a tomografia de emissão de pósitrons. Vale ressaltar que manteremos nosso foco, na presente revisão, na descoberta e na caracterização de novos ensaios de biomarcadores para o CaP, incluindo o diagnóstico baseado no uso de amostras de sangue e de urina5. PCA3 O marcador mais proeminente, surgindo como um teste diagnóstico para o CaP, não baseado no PSA, é o antígeno 3 específico da próstata (PCA3, do Inglês: prostate cancer antigen 3). Por volta de 1995, o PCA3 foi identificado em uma pesquisa, em colaboração entre o Johns Hopkins Hospital, Baltimore, e a Universidade de Radboud Nijmegen, Holanda. Inicialmente, o PCA3 foi denominado de Differential Display clone 3 (DD3), já que a análise de differential display foi utilizada para comparar os perfis da expressão de RNA mensageiro de amostras de tecidos normais e tumorais de próstata2,6. O PCA3 foi descrito como um RNA não codificante específico da próstata e que é altamente superexpresso no CaP e expresso em baixos níveis em amostras de tecidos prostáticos não tumorais. Através de análises de Northern Blot e reações em cadeia pela polimerase (PCR), o transcrito do PCA3 mostrou-se 66 vezes mais expresso no CaP, em comparação com a tecidos de HPB. Por outro lado, sua expressão é ausente em amostras de tecidos de bexiga, vesícula seminal, V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 7 Atualização ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA Etel Rodrigues Pereira Gimba testículo ou rim. Assim, embora o PCA3 seja próstata-específico, não é câncer específico. Atualmente, o mecanismo funcional pelo qual o PCA3 contribui na carcinogênese e na progressão da próstata ainda é pouco compreendido. No entanto, nosso grupo de pesquisa apresenta as primeiras evidências de seu importante papel no controle à sobrevivência de células de CaP, o qual é, pelo menos, parcialmente modulado pela via de sinalização do receptor de androgênio (Ferreira LB et al., comunicação pessoal). A metodologia para a medida do PCA3 apresenta algumas dificuldades, porque o RNA mensageiro (RNAm) do PCA3 não é traduzido em uma proteína. Consequentemente, ensaios de imuno-histoquímica e de ELISA não podem ser realizados para sua detecção. Vários ensaios, que utilizam métodos variados para a detecção do RNAm do PCA3, foram desenvolvidos. A fonte de material biológico para estas avaliações envolvem sedimentos do primeiro jato de urina após intensa massagem prostática. A alta sensibilidade e a especificidade da medida do nível de expressão do PCA3 em tecidos levou à sua avaliação como um biomarcador não invasivo, em que numerosos ensaios foram desenvolvidos para detectá-lo em amostras de urina, as quais contêm células liberadas da próstata durante a passagem da excreção. As medidas do PCA3 na urina adicionam informação em relação àquela obtida com o teste do PSA, com maiores valores de área sob a curva (AUC) de 0,66 a 0,72, comparados com 0,54 a 0,63, para a avaliação do PSA de forma isolada. Diferentemente do PSA, os níveis de PCA3 são independentes do tamanho da próstata. Sensibilidades dos níveis de PCA3 na urina variam entre 47% e 69%, com a maioria entre os valores de 58% a 69%. Contudo, comparações entre os distintos estudos são dificultadas, já que diferentes plataformas de análise são utilizadas, assim como diferentes critérios de inclusão dos pacientes (por exemplo, concentração de PSA sérico). Da mesma forma, variam o tamanho das coortes de pacientes, oscilando entre 8 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 algumas centenas a milhares de pacientes incluídos nos estudos. O RNAm do PCA3 é normalizado pelo RNAm do PSA para resultar em um índice combinado de valor de PCA3. Ao variar o ponto de corte do valor de PCA3, os investigadores têm descrito melhores resultados para o PCA3, quando comparado com a avaliação do PSA de forma isolada, na detecção do CaP. Embora o PCA3 seja um biomarcador robusto, essas diferenças metodológicas ilustram os desafios inerentes da pesquisa e do desenvolvimento de biomarcadores. Além disso, ao combinar a medida de um valor de PSA sérico com a análise do PSA na urina, ocorre uma melhora nos valores de sensibilidade e especificidade. Em 2012, o PCA3 foi aprovado pelo FDA como teste diagnóstico para o CaP, cujas informações detalhadas podem ser obtidas na página da web: http://www.accessdata.fda.gov/cdrh_ docs/pdf10/p100033a.pdf . Alguns estudos também vêm sendo realizados para avaliar a aplicabilidade do ensaio de detecção do PCA3 e sua correlação com o prognóstico e a evolução do CaP. Alguns autores correlacionaram o valor de PCA3 antes da prostatectomia com parâmetros patológicos estabelecidos de agressividade do CaP. Tem sido descrito que o valor de PCA3 se correlaciona diretamente com o volume tumoral e com o escore de Gleason na amostra de tecido para avaliação patológica. Além disso, o valor do PCA3 em CaP de baixo e alto grau mostrou-se significativamente correlacionado com casos de CaP clinicamente relevantes. Estes achados sugerem que a medida do PCA3 pode ter um papel relevante na tomada de decisão, com relação aos pacientes que devem ser submetidos ao tratamento versus aqueles que devem fazer acompanhamento de vigilância5,7,8. Fusões TMPRSS2-ERG Com a descoberta das translocações cromossômicas das regiões codificadoras do gene regulado por androgênio, TMPRSS2, e dos fatores de ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA Etel Rodrigues Pereira Gimba transcrição ETS, intensos esforços vêm sendo realizados não somente na compreensão dos mecanismos pelos quais esta translocação exerce seu efeito, mas também nas potenciais aplicações diagnósticas deste rearranjo câncer-específico. As fusões gênicas TMPRSS2-ERG constituem-se em um dos eventos genéticos mais comuns no CaP, correspondendo a 90% das fusões gênicas. Estas fusões são específicas para o CaP e podem ser detectadas até em lesões precursoras, tais como a neoplasia intraepitelial prostática (PIN), caso estas lesões estejam próximas ou em continuidade a regiões de CaP. A detecção de RNA da fusão TMPRSS2-ERG em urina de pacientes já foi investigada. Além disso, esta fusão está ausente em torno de 50% dos tumores de CaP. Assim, seu uso baseia-se em ensaios multiplex com outros biomarcadores, tais como o PCA3. Um estudo com mais de 13.000 homens demonstrou que, ao combinar a medida do PCA3 e da fusão TMPRSS2-ERG em amostras de urina, houve melhor performance destes marcadores em relação à medida do PSA sérico para o diagnóstico do CaP. Alguns debates têm ocorrido sobre o papel prognóstico da fusão TMPRSS2-ERG, quando detectada em tecidos. Vários grupos têm relatado uma associação entre a fusão TMPRSS2-ERG e o CaP agressivo. Contudo, alguns outros autores não observaram a mesma correlação. Uma complicação nestes estudos tem sido a heterogeneidade nas populações de pacientes estudados e a evolução clínica avaliada. Níveis quantitativos da fusão TMPRSS2-ERG na urina parecem estar associados com CaP clinicamente significantes, com base no critério Epstein, que estratifica a agressividade da doença ao utilizar a densidade do PSA e características da biópsia do paciente (como a escore de Gleason e a percentagem de tumor observada). Apesar dos potenciais benefícios do uso do PCA3 e da fusão TMPRSS2-ERG, estes biomarcadores são, no presente momento, utilizados em associação com a medida do PSA. Além disso, a expressão do PCA3 e Atualização da fusão TMPRSS2-ERG na urina é determinada de forma relativa à medida do RNAm do PSA na urina. Assim, se o transcrito do PSA estiver em baixos níveis, estes testes não são informativos. Há, também, diferentes variantes de processamento por splicing destas fusões TMPRSS2-ERG. Quando a glândula prostática apresenta múltiplos focos, diferentes variantes de splicing podem existir entre os focos tumorais, embora um mesmo foco pareça conter um único rearranjo de DNA. O gene TMPRSS2 é regulado por androgênio e expresso no epitélio normal. Considerando-se que a família ETS regula muitos genes envolvidos na carcinogênese e na progressão, estas fusões podem, pelo menos parcialmente, explicar a superexpressão anormal andrógeno-dependente de ETS no CaP. Por exemplo, o ERG é o proto-oncogene mais superexpresso no CaP. Deve-se, então, enfatizar que estes produtos de fusão representam biomarcadores câncer-específicos. Por esta razão, apresentam potencial promessa na melhoria do diagnóstico do CaP, em combinação com outros biomarcadores sensíveis, mas menos específicos, tal como o PSA4,5. a-Methylacyl–coenzyme A racemase Outro biomarcador identificado a partir de perfis de expressão de moléculas de RNA é a enzima a-metilacil-coenzima A racemase (AMACR), que tem demonstrado alta sensibilidade e especificidade, em níveis maiores de 90%, quando testada como biomarcador diagnóstico em amostras de tecido de biópsia. Baixa expressão de AMACR também tem sido relacionada com metástases e com recorrência bioquímica no CaP. Contudo, a expressão de AMACR não é específica do CaP e, também, não é adequada para detecção não invasiva em amostras de urina, fazendo com que seu uso seja mais útil como biomarcador tecidual quando amostras de biópsia de próstata apresentam resultados patológicos ambíguos. A AMACR é uma enzima que apresenta uma função bem caracterizada na betaoxidação de ácidos graxos V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 9 Atualização ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA Etel Rodrigues Pereira Gimba e de intermediários de ácidos são destas enzimas, devido à hibiliares. Uma potencial ligação permetilação somática de ilhas entre esta enzima e o desenCpG no promotor deste gene, volvimento do CaP é particuapresenta papel importante Um estudo realizado larmente intrigante porque as na carcinogênese da próstata. 9 por Rubin et al. (2002) principais fontes de ácidos graContudo, a hipermetilação do xos em humanos, incluindo-se promotor de GSTP1 tem sido demonstrou a superexa carne bovina e os derivados observada em mais de 90% de pressão da AMACR no CaP. tumores da próstata, tornando do leite, têm se mostrado como fatores de risco para o CaP. Um esta alteração a mais frequente Neste estudo, a expressão estudo realizado por Rubin et modificação no DNA associada 9 al. (2002) demonstrou a supecom carcinoma de próstata8. da AMACR em amostras rexpressão da AMACR no CaP. de biópsia detectaram CaP Antígeno precoce do câncer Neste estudo, a expressão da de próstata (EPCA) e antíAMACR em amostras de biópcom 97% de sensibilidade geno precoce do câncer de sia detectaram CaP com 97% de próstata-2 (EPCA-2) sensibilidade e 100% de especie 100% de especificidade. Os produtos gênicos corresficidade. Outro estudo realizado 10 pondentes ao antígeno precoce por Luo et al (2002) demonstrou que a AMACR e anticorpos do câncer de próstata (EPCA) e o p63 podem ser utilizados em combinação para antígeno precoce do câncer de próstata-2 (EPCAaumentar ainda mais a acurácia do diagnóstico 2) são proteínas estruturais nucleares, que foram, do CaP. A alta sensibilidade e a especificidade da inicialmente, encontradas em tecidos de CaP, mas análise da marcação para AMACR apresentam não em amostras de HPB. Após realização de imugrande promessa para fazer o diagnóstico do CaP noensaios, o EPCA tem sido encontrado em glânquando os métodos de marcação convencionais dulas benignas adjacentes a tumores de próstata, 5,9 são inconclusivos . mas não em glândulas benignas de doadores de órgãos sem evidências de CaP. Assim, apesar de GSTP1 ser detectado em amostras de tecido benigno, o As enzimas da família das glutationas S-transEPCA, potencialmente, é mais câncer-específico ferases apresentam muitas funções no metaboque o PSA. Testes de ELISA foram desenvolvidos lismo celular, notadamente na detoxificação de para detecção sérica do EPCA-2. Especificamensubstâncias prejudiciais ao organismo. Hipermete, anticorpos foram elaborados para três distintos tilação no promotor do gene GSTP1 foi identifiepítopos do EPCA-2, denominados de EPCA-2.22, cada em amostras de tecido de CaP. Além disso, EPCA-2.19 e EPCA-2.4. A maioria dos dados pufoi observada substancial diminuição na expresblicados, com relação a estas proteínas, focam nas são de GSTP1 associada com CaP, ao contrário correlações entre os níveis de EPCA-2.22 sérico e de alta expressão de GSTP1 no epitélio prostático na detecção do CaP4. normal. Estes e outros estudos levaram à hipóteDireções futuras e conclusões se de que enzimas codificadas pelo gene GSTP1 A era do teste do PSA como biomarcador do servem como “vigilantes” das células prostáticas. CaP possibilitou enormes mudanças na forma Postulou-se também que a diminuição da expres10 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 ALÉM DA ERA DO PSA: NOVOS BIOMARCADORES PARA CÂNCER DE PRÓSTATA Etel Rodrigues Pereira Gimba como pensamos a biologia e o acompanhamento clínico do CaP. Embora os pacientes desejem saber precocemente se têm CaP, a alta prevalência de tumores latentes detectados pelo rastreamento, usando a dosagem do PSA, argumenta a favor do uso de biomarcadores em associação, que melhor refinem o risco de se ter a doença. Estas limitações do uso do PSA no CaP também levaram a uma reavaliação de metodologias de rastreamento em outros tipos de câncer, tais como mama e pulmão, em que as tecnologias de imagem possibilitam maior detecção, mas também aumentam procedimentos desnecessários e custos excessivos de cuidados com os pacientes. Com o objetivo de melhor utilizar os novos biomarcadores descritos, serão necessários estudos adicionais para definir o contexto apropriado e os parâmetros ideais para a utilização de tais marcadores. Até que haja a descoberta de um biomarcador com altas sensibilidade e especificidade, o rastreamento, provavelmen- Atualização te, continuará com o uso combinado de múltiplos biomarcadores e outros fatores clínicos. Quando utilizados no contexto apropriado, os biomarcadores para o CaP, no futuro, evitarão biópsias desnecessárias, redução do número de prostatectomias e radioterapias, estratificação de tumores confinados ao órgão (curáveis por cirurgia), detecção de doença micromestatática (abaixo do limite de detecção de imagem) e/ou a diminuição da mortalidade pela doença. Uma abordagem mais racional para a descoberta de biomarcadores, combinada com ciência moderna e bioinformática, eventualmente, permitirá aos clínicos um melhor diagnóstico e um tratamento direcionado para aqueles pacientes que, mais provavelmente, se beneficiarão. Apesar de numerosas limitações, muitos avanços aconteceram na pesquisa de biomarcadores nos últimos anos. Investigações em andamento, certamente, aprimorarão a habilidade de estratificar o risco de CaP e de seu prognóstico4,5. REFERÊNCIAS 1. Venderbos LD, Roobol MJ: PSA-based prostate cancer screening: 7. Nakanishi H, Groskopf J, Fritsche HA, Bhadkamkar V, Blase A, Ku- the role of active surveillance and informed and shared decision making. Asian J Androl. 2011; 13: 219-24. Bourdoumis A, Papatsoris AG, Chrisofos M, Efstathiou E, Skolarikos A, Deliveliotis C: The novel prostate cancer antigen 3 (PCA3) biomarker. Int Braz J Urol. 2010; 36: 665-8. Simmons MN, Berglund RK, Jones JS: A practical guide to prostate cancer diagnosis and management. Cleve Clin J Med. 2011; 78: 321-31. Lin DW: Beyond PSA: utility of novel tumor markers in the setting of elevated PSA. Urol Oncol. 2009; 27: 315-21. Prensner JR, Rubin MA, Wei JT, Chinnaiyan AM: Beyond PSA: the next generation of prostate cancer biomarkers. Sci Transl Med. 2012 Mar 28; 4: 127rv3. Bussemakers MJ, van Bokhoven A, Verhaegh GW, Smit FP, Karthaus HF, Schalken JA et al. DD3: a new prostate-specific gene, highly overexpressed in prostate cancer. Cancer Res. 1999 Dec 1; 59(23): 5975-9. mar SV et al. PCA3 molecular urine assay correlates with prostate cancer tumor volume: implication in selecting candidates for active surveillance. J Urol. 2008 May; 179(5): 1804-9. 8. Tosoian J, Loeb S. PSA and beyond: the past, present, and future of investigative biomarkers for prostate cancer. Scientific WorldJournal. 2010 Oct 1;10: 1919-31. 9. Rubin MA, Zhou M, Dhanasekaran SM, Varambally S, Barrette TR, Sanda MG et al. alpha-Methylacyl coenzyme: a racemase as a tissue biomarker for prostate cancer. JAMA. 2002 Apr 3; 287(13): 1662-70. 10. Luo J, Zha S, Gage WR, Dunn TA, Hicks JL, Bennett CJ et al. Alpha-methylacyl-CoA racemase: a new molecular marker for prostate cancer. Cancer Res. 2002 Apr 15; 62(8): 2220-6. 2. 3. 4. 5. 6. V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 11 PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO VENOSO NA CIRURGIA UROLÓGICA M U Lt I d I S C I p L I N A R I d A d E LAyLA SALOMãO TAINá PAIVA www.urologiaessencial.org.br MÁRCIO MANDARO Disciplina de Coloproctologia | Hospital Universitário Pedro Ernesto | UERJ ANDRÉ DA LUZ MOREIRA Disciplina de Coloproctologia | Hospital Universitário Pedro Ernesto | UERJ Preparo Intestinal: Como, quando e por quê? Introdução O preparo intestinal consiste em uma ferramenta para otimização de exames complementares e procedimentos cirúrgicos. No evoluir dos anos, houve diversas modificações acerca de quando o usar e sobre as formulações e técnicas disponíveis. A funcionalidade do preparo intestinal para a realização eficiente da colonoscopia se mantém óbvia e necessária, porém, no pré-operatório de cirurgias colorretais, o preparo intestinal revela-se uma dúvida, mesmo sendo uma prática da maioria dos cirurgiões. Durante a colonoscopia, o examinador necessita inspecionar adequadamente toda a superfície da mucosa intestinal e, para tal, o bom preparo intestinal é fundamental. Quando mal realizado, são aumentados o risco de complicações, a chance de pólipos passarem despercebidos, o custo por pro- 12 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 longar o procedimento e a possibilidade de abortar o exame. Na primeira metade do século 20, a mortalidade na cirurgia colorretal excedia 20%, essencialmente atribuída à sepse¹. O avanço nas técnicas cirúrgicas e no manejo perioperatório levou a uma redução significativa nessas taxas, embora as infecções continuem sendo a principal causa de morbidade. O preparo intestinal mecânico é utilizado através de enemas, laxativos e catárticos, com o intuito de diminuir a quantidade de fezes presente no cólon e, assim, minimizar as complicações infecciosas. Essa prática entre os cirurgiões tornou-se um dogma; no entanto, não há, na literatura atual, comprovação consistente dessa verdade. O primeiro estudo a desafiar o preparo intestinal mecânico foi feito em 1972² e, desde então, as evidências indicam que esta prática não reduz as taxas de complicações, incluindo a deiscência de anastomose³. PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO VENOSO NA CIRURGIA UROLÓGICA LAyLA SALOMãO TAINá PAIVA tIpOS dE AGENtES Os agentes podem ser agrupados em três categorias principais: - Solução de Polietilenoglicol (PEG): Funciona pela lavagem do intestino com grande volume. - Agentes Osmóticos: Manitol, fosfato de sódio, citrato de magnésio, lactulose, que drenam líquido através da parede intestinal para o lúmen. - Estimulantes: Bisacodil, picossulfato de sódio, óleo de castor, que aumentam a atividade da musculatura lisa na parede intestinal. Solução de polietilenoglicol Desenvolvida em 1980, consiste em um polímero não absorvível, de alto peso molecular, osmoticamente balanceado, diluído em uma solução eletrolítica. O efeito osmótico do polímero mantém os eletrólitos no cólon. A baixa troca de fluidos através da parede intestinal limita o potencial distúrbio eletrolítico. Essa solução funciona como lavagem intestinal oral e, portanto, necessita de grande volume (aproximadamente 4 litros) para o preparo adequado4. Alguns estudos mostram que o PEG é mais bem tolerado do que o regime de dieta combinado com agentes catárticos ou solução de manitol. Sendo osmoticamente balanceado e não induzindo troca de fluidos substancial, o PEG é seguro para pacientes com distúrbios hidroeletrolíticos, insuficiência hepática, renal ou cardíaca. Também cabe ressaltar que não leva à fermentação bacteriana e portanto não gera quantidade significativa de componentes que conduzem à distensão do cólon. No entanto, a solução é contraindicada em pacientes com alergia aos seus componentes, dificuldade de esvaziamento gástrico, obstrução de delgado ou cólon, perfuração, diverticulite ou instabilidade hemodinâmica. Segundo o FDA é uma droga Classe C para grávidas, além de ser associado à Síndrome de Mallory-Weiss, colite tóxica, aspiração pulmonar, hipotermia, arritmia cardíaca, pancreatite e à MULtIdISCIpLINARIdAdE secreção inapropriada do hormônio antidiurético. A principal desvantagem é o grande volume a ser ingerido e o gosto pouco agradável. A formulação comercialmente disponível no Brasil é o Macrogol (Muvinlax®). Solução de fosfato de Sódio Frequentemente usada em todo o mundo, esta solução se mostra bem tolerada e efetiva no preparo. Pelo seu menor volume a ser ingerido, apresenta melhor tolerância do que o PEG. A principal desvantagem dessa solução é o potencial de causar grande mobilização de fluidos e, portanto, distúrbios hidroeletrolíticos como: hiperfosfatemia, hipocalcemia, hipocalemia, aumento da osmolaridade plasmática, hiponatremia ou hipernatremia. Hiperfosfatemia assintomática isolada pode ser observada em 40% dos pacientes, podendo levar à nefropatia aguda. Eventos adversos raros, como a nefrocalcinose com falência renal aguda, foram descritos, principalmente em pacientes fazendo uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina e bloqueadores dos receptores de angiotensina. A desidratação observada em alguns pacientes pode ser minimizada ao estimularmos os mesmos a ingestão de líquidos. Os pacientes mais sujeitos à nefropatia são: aqueles acima de 55 anos, desidratados, portadores de doença renal crônica, colite aguda, trânsito intestinal lentificado, e aqueles em uso de medicamentos como IECA e anti-inflamatórios não esteroidais.5 Solução de Manitol A solução de Manitol consiste em um laxativo osmótico, administrado, habitualmente, em soluções hipertônicas (10 ou 20%), o qual não é absorvido pelo trato digestivo. O seu efeito inicia-se, em média, após 2 horas da sua administração, e o volume necessário, normalmente, é de 1000ml. Esta solução é, habitualmente, a mais administrada no nosso meio, tanto no preparo para o exame colonoscópico quanto no pré-operatório de cirurgias V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 13 Multidisciplinaridade PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO VENOSO NA CIRURGIA UROLÓGICA Layla Salomão Tainá Paiva colorretais. No entanto, em outros países, como os EUA, o seu uso é mais restrito pelo risco teórico que apresenta, de aumentar a produção de gases inflamáveis, como o metano e o hidrogênio. Esses gases também podem levar a uma distensão mais acentuada do cólon, podendo dificultar o acesso por via laparoscópica. As vantagens do Manitol são o menor volume administrado em relação ao PEG, bem como seu baixo custo. Quanto à qualidade na limpeza do cólon e a sua tolerabilidade, não foram encontradas diferenças significativas entre os diversos preparos6,7,8. na (8-10L) não obteve sucesso pela necessidade de o paciente estar internado e com sonda nasogástrica. No momento atual, o preparo vem sendo realizado com soluções osmóticas, PEG ou estimulantes. No Brasil, o preparo mais utilizado e publicado em estudos é feito com a solução de Manitol. Entretanto, nos últimos 40 anos, iniciaram-se questionamentos quanto à necessidade e aos benefícios da realização de preparo intestinal. O primeiro estudo a questionar a utilização do preparo intestinal antes de cirurgias colorre- Brasil, o preparo mais utilizado e publicado em estudos é com a solução “deNoManitol. Entretanto, nos últimos 40 anos, iniciaram-se questionamentos “ quanto à necessidade e aos benefícios da realização de preparo intestinal. O Preparo intestinal pré-operatório O preparo mecânico intestinal antes de cirurgias colorretais é uma prática estabelecida entre os cirurgiões ao longo do último século, justificada pela diminuição da quantidade de fezes no cólon e, consequentemente, pela presença de um menor número de bactérias. Com isso, esperava-se uma diminuição nas complicações infecciosas e deiscências de anastomose. As bactérias representam um terço do peso seco da fezes e, portanto, um vazamento não controlado de fezes para a cavidade abdominal pode corresponder a uma situação de risco de vida. Nesse contexto, se enquadra a ideia do preparo intestinal mecânico9. Inicialmente, fazia-se uso de 5 dias de dieta associada a catárticos e enemas. Essa combinação esbarrava nos distúrbios eletrolíticos e no baixo aporte calórico. A transição para lavagem intestinal com grandes volumes de solução sali14 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 tais foi publicado por Hughes, em 197210. Desde então, os trabalhos que se seguiram não foram capazes de demonstrar uma redução na taxa de complicação das cirurgias. Uma diretriz publicada em 2009, pela Sociedade Canadense de Cirurgia Colorretal³, avaliou 14 ensaios clínicos randomizados e oito revisões. Nessa publicação, as principais evidências descartavam o uso de preparo intestinal mecânico antes de cirurgias. Tal dado leva em consideração que, sem o preparo, não houve aumento na deiscência de anastomose ou infecções de sítio cirúrgico. Essas conclusões são válidas, principalmente, em cirurgias eletivas, pela técnica aberta de cólon direito e esquerdo. As cirurgias de reto e a técnica laparoscópica ainda necessitam de mais estudos¹¹. Pineda e cols. publicaram uma meta-análise avaliando 13 estudos prospectivos, com um total de 4.601 pacientes. Nesse trabalho, os autores avaliaram a deiscência de anastomose e as infecções de ferida operatória e não evidenciaram PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO VENOSO NA CIRURGIA UROLÓGICA Layla Salomão Tainá Paiva nenhuma diferença estatística entre os 2.304 que receberam preparo e os 2.297 que não o receberam. A deiscência de anastomose foi reportada em 97 (4,2%) pacientes com preparo e em 81 (3,5%) sem preparo intestinal (p=0.206). Infecções de ferida ocorreram em 9,9% vs. 8,8% dos pacientes, respectivamente (p=0.155). Essa ausência de significância estatística entre os dois grupos foi encontrada na maior meta-análise já realizada, que concluiu que não havia beneficio comprovado no preparo intestinal em pacientes submetidos à cirurgia colorretal eletiva¹². Apesar das evidências citadas, 94% dos cirurgiões colorretais nos EUA e na Europa ainda fazem uso do preparo intestinal pré-operatório, por hábito ou relutância aos novos estudos³, mesmo levando em consideração o aumento de custo e o desconforto do paciente. Multidisciplinaridade CONCLUSÃO O preparo intestinal pré-operatório permanece uma prática frequente, mesmo diante das evidências desfavoráveis. Os métodos e agentes disponíveis, embora apresentem resultados de limpeza do cólon semelhantes, divergem, fundamentalmente, quanto aos efeitos adversos e a tolerabilidade. O principal agente utilizado no Brasil permanece sendo o Manitol, tendo como pontos adversos o risco de distúrbio hidroeletrolítico e o de gerar gases potencialmente inflamáveis, como o metano e o hidrogênio. Em suma, a decisão de preparar ou não o cólon deve ser considerada pelo cirurgião, bem como o método a ser utilizado, observando-se que o preparo intestinal poderia não alterar a morbidade e mortalidade dos procedimentos cirúrgicos, oferecendo riscos e desconforto ao paciente. REFERÊNCIAS 1. Glenn F, McSherry CK. Carcinoma of the distal large bowel: 32-year 8. Miki Jr P, Lemos CRR, Popoutchi P, Garcia RLS, Rocha JJR, Féres O: review of 1,026 cases. Ann Surg. 1966;163:838–849. Hughes ES. Asepsis in large bowel surgery. Ann R Coll Surg Engl 1972; 51: 347-56. Eskicioglu C, Forbes SS, Fenech DS, McLeod RS. Preoperative bowel preparation for patients undergoing elective colorectal surgery: a clinical practice guideline endorsed by the Canadian Society of Colon and Rectal Surgeons. Can J Surg. 2010 Dec;53(6):385-95. Atreja A, Nepal S, Lashner BA. Making the most of currently available bowel preparations for colonoscopy. Cleve Clin J Med. 2010; 77: 317-26. Ker TS. 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Pineda CE, Shelton AA, Hernandez-Boussard T, Morton JM, Welton ML: Mechanical bowel preparation in intestinal surgery: a meta-analysis and review of the literature. J Gastrointest Surg. 2008; 12: 2037-44 12. WOLFF et al.: The ASCRS Textbook of Colon and Rectal Surgery 2nd Ed. Springer, 2011. p. 125-135. 2. 3. 4. 5. 6. 7. V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 15 AbordAgem e TrATAmenTo dA ejAculAção Precoce U R O L O G I A D E C O N S U LT Ó R I O joão Afif-Abdo cArmiTA H. n. Abdo www.urologiaessencial.org.br JOÃO AFIF-ABDO Mestre em Urologia pela Escola Paulista de Medicina | UNIFESP Tesoureiro da Sociedade Latino-Americana de Medicina Sexual | SLAMS Chefe do Serviço de Urologia do Hospital Santa Cruz | São Paulo TiSBU CARMITA H. N. ABDO Livre-Docente e Professora Associada do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Fundadora e Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas | FMUSP Abordagem e Tratamento da Ejaculação Precoce Introdução S chapiro (1943), psiquiatra alemão, definiu Ejaculação Precoce (EP) como um distúrbio psicossomático, para o qual contribuiriam fatores biológicos e psicológicos. Credita-se a ele a classificação da EP em dois tipos, hoje conhecidos como EP primária (ao longo da vida) e EP secundária (adquirida)1. Masters e Johnson, nos anos 1970, postularam que a EP resultava de comportamento aprendido e que a terapia comportamental (denominada técnica de squeeze) poderia remitir a maioria dos casos2. Contudo, até os dias atuais, há poucos estudos baseados em evidência, demonstrando a eficácia desse tratamento no controle da ejaculação. A partir dos anos 1990, com o advento dos inibidores seletivos da recaptação 16 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 da serotonina (ISRS), ocorreu uma revolução no tratamento da ejaculação precoce1, inaugurando o conceito neurobiológico dessa disfunção. Ao longo dessa mesma década e no início dos anos 2000, foi avaliada a eficácia do tratamento farmacológico da EP, à margem do suporte da indústria farmacêutica, não interessada no registro oficial dos ISRS para o controle dessa disfunção. Entretanto, a partir de 2004, a indústria passou a apoiar estudos e publicações sobre EP, buscando definir um tratamento de maior eficácia, menos efeitos adversos e menor interferência sobre a espontaneidade sexual3. Definição Critérios objetivos ou subjetivos podem definir a EP. Objetivamente, o tempo e o número de incursões penianas até a ejaculação são as medidas utilizadas. Subjetivamente, Abordagem e Tratamento da Ejaculação Precoce João Afif-Abdo a definição se pauta na sensação de controle falho (ejaculação que ocorre antes que o homem e/ ou sua (seu) parceira(o) a desejem), além de desconforto (sofrimento), insatisfação e dificuldades relacionais do homem4. Para o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, 4ª edição, texto revisado (DSM-IV-TR), EP é a ejaculação que ocorre com estímulo sexual mínimo antes, durante ou logo após a penetração, de forma persistente ou recorrente, e antes que o indivíduo a deseje. Também deve causar desconforto significativo e dificuldade no relacionamento e não pode se dar devido a efeito de alguma substância5. Segundo o guia da Associação Urológica Americana, EP é a ejaculação que ocorre mais cedo que o desejado, antes ou logo após a penetração, causando desconforto a um ou a ambos os parceiros6. Não há EP se o homem consegue controlar sua ejaculação, retardando-a até quando decida ejacular. Como o DSM-IV-TR5 e a CID-107 definem EP com base no curto tempo até a ejaculação, foram desenvolvidos estudos no sentido de identificar a duração dessa fase pré-ejaculatória no portador de EP. Concluiu-se que tempo de latência ejaculatória intravaginal (Intravaginal Ejaculatory Latency Time – IELT) menor do que 1 minuto indica latência inferior à da população geral8. Classificação A EP foi descrita como uma entidade clínica ou uma síndrome, com dois tipos distintos (ao longo da vida e adquirida)1: 1. EP ao longo da vida: quando a ejaculação ocorre rapidamente em todas ou quase todas as relações; com (quase) todas(os) as(os) parceiras(os); desde o primeiro relacionamento; na maioria dos casos (90%) entre 30-60 segundos ou entre 1-2 minutos (10%) após a penetração; permanece rápida ao longo da vida (70%) ou se agrava com a idade (30%); a capacidade de retardar a ejaculação está diminuída ou ausente. Alguns homens ejaculam até mesmo antes da penetração. Carmita H. N. Abdo UROLOGIA DE CONSULTÓRIO 2. EP adquirida: ejaculação rápida que começa a ocorrer em determinado ponto da vida, em homem que habitualmente não apresentava queixas sexuais; pode se iniciar de forma súbita ou gradual; a capacidade de retardar a ejaculação encontra-se diminuída ou ausente. Etiologia Vêm se evidenciando os determinantes orgânicos para a variação da latência ejaculatória e, consequentemente, para a ejaculação precoce do tipo primário. Estudos sugerem que a latência ejaculatória se distribui ao longo de uma curva, assim como outras características humanas. Os componentes dessa determinação biológica incluem: hipersensibilidade dos receptores de serotonina, hormônios sexuais, variação na excitabilidade sexual ou reflexo ejaculatório hipersensível, doença associada, além da perspectiva evolucionária de que a cópula rápida seria uma estratégia reprodutiva superior9. Já a EP secundária ou adquirida se manifesta por vulnerabilidade a eventos estressores. Pode-se afirmar que a EP tem causas multifatoriais, refletindo uma predisposição biológica à latência ejaculatória rápida, associada a elementos psicossociais9. O desencadeamento da EP pode exacerbar as questões que contribuíram para o seu aparecimento, originando, assim, um círculo vicioso. Fisiopatologia da Ejaculação Precoce Sensações premonitórias (SP) correspondem às alterações corporais causadas pela excitação sexual (elevação testicular, miotonia, respiração acelerada e frequência cardíaca aumentada), precedendo e sucedendo o estágio da emissão do sêmen. Retardar conscientemente esse processo requer identificação dessas sensações premonitórias, antes que a emissão se inicie. Homens com EP são incapazes de identificar e/ou não conseguem responder a esses sinais de alarme, no sentido de retardarem o processo ejaculatório. V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 17 UROLOGIA DE CONSULTÓRIO Abordagem e Tratamento da Ejaculação Precoce João Afif-Abdo Carmita H. N. Abdo Ejaculadores precoces necessitariam aprender a controlar a excitação física e/ou psíquica em resposta às SP, antes de atingirem o limiar de emissão, o que controlaria o processo ejaculatório. Supõe-se que a EP esteja associada a menores níveis sinápticos de 5-HT em regiões do SNC, as quais modulam a ejaculação, devido às variações na sensibilidade do receptor 5-HT1. Destarte, a base neurofisiológica da EP pode incluir um desequilíbrio entre 5-HT1A (resposta hipersensível) e a atividade do receptor 5-HT2C ou 5-HT1B (resposta hipossensível), o que requer ainda mais pesquisas para ser confirmado. A respeito da neuroquímica da ejaculação, não há dúvida de que o incremento do 5-HT central seja uma estratégia importante para retardar a ejaculação.10 A fisiopatologia da EP adquirida, por seu turno, estaria relacionada a alterações na função neuronal periférica8. Prevalência A prevalência da EP varia entre 20% e 30%11. Tal condição acomete 25,8% da população masculina no Brasil12 . Não havendo distinção entre EP como queixa ou como síndrome, pode-se concluir que a “disfunção” ejaculação precoce está superdiagnosticada e que essa é a prevalência da “queixa”, na população masculina. Diagnóstico O tempo de latência ejaculatória (Intravaginal Ejaculatory Latency Time – IELT) é utilizado como medida de diagnóstico e/ ou de eficácia em ensaios clínicos para investigação e tratamento da EP8. Na prática, no entanto, não se costuma usar o IELT para diagnóstico, mas a própria impressão clínica do médico, bem como o desconforto e a preocupação manifestados pelo paciente. Havendo a queixa, são perguntas fundamentais a serem feitas ao paciente: “O que você chama de ejaculação?”; “Quanto tempo você leva desde a penetração até ejacular (ou seja, a partir da pe18 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 netração, em quanto tempo você ejacula)?”. Essas questões devem ser seguidas da investigação de aspectos psicossociais e orgânicos subjacentes e da ocorrência de dificuldades que possam prejudicar o tratamento. Deve ser investigado, também, se o paciente consegue identificar a sensação premonitória (SP) e responder a ela. Se puder identificar a SP, ele retarda a sua ejaculação? Que mecanismos ele adota para tentar cumprir essa tarefa? Identificar a SP varia em diferentes experiências sexuais, com diferentes parceiras(os) e tipos de estimulação? Ele já tentou tratamentos anteriores para EP e, em caso positivo, quais foram os resultados? Tratamento O tratamento atual da EP baseia-se mais na opinião de especialistas do que em evidências bem estabelecidas. EP ao longo da vida (primária) responde a medicamentos que retardam a ejaculação. EP adquirida necessita de tratamento medicamentoso para a condição médica de base, psicoterapia para a causa psicológica da disfunção ejaculatória ou ambos, com ou sem medicamento (tipo ISRS) ou anestésico tópico, para retardar a ejaculação. Medicamentos Doses contínuas de clomipramina (antidepressivo tricíclico que inibe a recaptação da noradrenalina e da serotonina) prolongam o IELT. Tratamento diário com clomipramina melhora o estado do paciente para o relacionamento, a satisfação pessoal e a habilidade destes homens, para que suas parceiras atinjam o orgasmo. Os efeitos indesejáveis (sonolência, boca seca, constipação e náusea) costumam ser mais severos do que os do tratamento feito com inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRS)13. Paroxetina, fluoxetina e sertralina são ISRS. Aumentam a concentração sináptica de 5-HT, por meio do bloqueio de transportadores de 5-HT, sendo utili- Abordagem e Tratamento da Ejaculação Precoce João Afif-Abdo zados para o tratamento da ejaculação precoce. Contudo, nenhum desses agentes tem indicação formal para esse tratamento (uso off-label)14. Podem ocorrer efeitos adversos (diminuição do desejo e da excitação, ausência de orgasmo e disfunção erétil) com o uso crônico e com doses maiores. Também podem ocorrer reações dermatológicas, efeitos colinérgicos, alterações do peso e interações medicamentosas. A mudança de um ISRS para outro pode ocasionar superdosagem, o que exige período de washout adequado à meia-vida do ISRS inicialmente administrado. Pode haver “síndrome de abstinência” (náusea, vômito, cefaleia, letargia, tontura, agitação e insônia) pela redução ou descontinuação da dose. Esta síndrome, quando ocorre, inicia-se de 1 a 3 dias após a descontinuação e dura até uma semana. Os resultados de estudos clínicos randomizados controlados, referentes ao tratamento da EP com ISRS, são apresentados na Tabela 1. A Dapoxetina (que é um ISRS com perfil farmacocinético peculiar) alcança velozmente alta concentração sanguínea e tem rápida eliminação, após administração oral, o que contribui para o tratamento da EP sob demanda10. As mudanças no perfil ejaculatório, proporcionadas pela dapoxetina (30 e 60 mg, respectivamente) também estão na Tabela 1. Náusea é o principal efeito adverso, além de outros de menor expressão (cefaleia, tontura, diarreia e insônia). Apesar de aprovada pela ANVISA, a Dapoxetina (pesquisa Janssen-Cilag) não foi lançada comercialmente no Brasil. Foi comercializada na Europa e no México (Priligy®) e é, hoje, a única droga com indicação específica para tratamento da EP. Inibidores da fosfodiesterase tipo 5 (iPDE-5) são utilizados isoladamente ou em combinação com ISRS para tratar ejaculação precoce. Em homens com EP, sem disfunção erétil (DE) concomitante, os resultados são controversos. Em recente revisão sistemática, concluiu-se que não há comprovação suficiente para suportar a efetividade desses medicamentos no tratamento da EP15. Carmita H. N. Abdo UROLOGIA DE CONSULTÓRIO Tramadol (analgésico opioide sintético de ação central) vem sendo usado para o tratamento sob demanda da ejaculação precoce16. Na dose de 50mg, aumenta significativamente o IELT, a satisfação sexual e o controle ejaculatório, por inibir a recaptação da noradrenalina e da serotonina. Como a dapoxetina, tramadol é rapidamente absorvido e eliminado. Por ser um opioide, existe o risco de abuso e/ ou dependência. Metanálise a respeito da administração de tramadol concluiu, pela ausência de estudos clínicos adequadamente desenhados, a confirmação do suposto abuso e/ ou dependência, no seu uso para tratamento da ejaculação precoce17. Agentes Tópicos Formulações de lidocaína/ prilocaína tópica causam efetiva dessensibilização, o que aumentaria o IELT, o controle ejaculatório e a qualidade de vida sexual do casal. Leve a moderada anestesia vaginal é o efeito adverso mais comum (12%), não associado à descontinuação. O uso de preservativo minimiza esse inconveniente. O creme Severance Secret (SS cream) é um agente tópico, de origem coreana, composto por sete tipos de ervas. Amplia o IELT e a satisfação com o intercurso, tendo, como efeito adverso mais comum, uma leve sensação de queimação/ dor no local da aplicação10. Seu exato mecanismo de ação ainda não é conhecido. Psicoterapia Há poucos estudos randomizados e controlados18; no entanto, é suficiente a evidência clínica de que a psicoterapia, combinada à terapia medicamentosa, beneficia o paciente com EP. O perfil que favorece o processo psicoterápico compõe-se de: ausência de doenças físicas ou psiquiátricas concomitantes à EP, relacionamento estável, parceira sem disfunção sexual e motivação do paciente e de sua parceira19. Por outro lado, são indicadores de mau prognóstico: EP que mantém encoberta a disfunção sexual da parceira; expectaV.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 19 UROLOGIA DE CONSULTÓRIO TABELA 1 AbordAgem e TrATAmenTo dA ejAculAção Precoce joão Afif-Abdo cArmiTA H. n. Abdo . Resumo de estudos clínicos com ISRS para o tratamento da EP (adaptada de Wang WF et al., 2007)20 Medidas IELT, min Desenho Droga Uso/mg N* CE O IELT SSM SSF Antes Depois RPCDC CR Fluoxetina 20 diários 40 – – + – – 1,2 (1,0) 6,6 (7,7) + – Sertralina 50 diários 37 – – + – – 0,3 3,2 + – Sertralina 50/100 diários/ sob demanda 24 – – + + + 0,4 (0,3) 4,5 (2,7) – – Paroxetina 20 diários 130 – + + + + 1,5 (0,7) 7,7 (4,0) – – Paroxetina 20 diários/ sob demanda 61 – + + – – 0,4 5,5 – – 20 diários 33 0,4 1,5 20 diários/ sob demanda 26 0,5 5,8 e 6,1 – – 20 diários 42 0,3 3,2 e 3,5 Citalopram 20-60 30 – – + – – 0,6 (0,3) 4,1 (1,9) – – Citalopram 20 diários por 3 meses 58 – – + – – 0,5 3,5 + + 20 diários por 6 meses 58 0,5 3,3 30 sob demanda 26 0,9 2,8 + + 60 sob demanda 14 0,9 3,3 Paroxetina Dapoxetina – + – – + + – + – + N* = número de pacientes no estudo; CE = controle ejaculatório; O = orgasmo; IELT = tempo de latência ejaculatória intravaginal; SSM = satisfação sexual masculina; SSF = satisfação sexual feminina; RPCDC = randomizado, placebo-controlado, duplo-cego; CR = cronômetro. 20 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 Abordagem e Tratamento da Ejaculação Precoce João Afif-Abdo tivas irreais do casal; conflitos conjugais; falta de sinceridade no processo psicoterápico. Os objetivos da psicoterapia para EP podem ser assim resumidos: desenvolver técnicas para controle da ejaculação; proporcionar ao homem confiança em seu desempenho sexual; reduzir a ansiedade de performance; modificar o repertório sexual rígido; superar os obstáculos à intimidade; solucionar os problemas interpessoais que causam e mantêm a EP; compatibilizar sentimentos e pensamentos; melhorar a comunicação; transformar conflitos em intimidade e estímulo; minimizar ou prevenir recaídas. Duas técnicas de terapia são tradicionais para o controle da ejaculação: Stop-Start e Squeeze. Apesar de bons resultados terem sido creditados por seus idealizadores, essas técnicas apresentam várias limitações: o casal avalia como mecânicos os procedimentos para controlar o momento da ejaculação; há interrupção da atividade sexual; não se desenvolve o erotismo no homem e no casal; o foco está nos processos fisiológicos, negligenciando dimensões psicológicas, como a comunicação afetiva e o prazer sexual. A terapia cognitivo-comportamental instrui os pacientes para o uso de fantasias mentais e técnicas comportamentais (por exemplo: pausas, mudança de posição), para desenvolver maior controle sobre o tempo de ejaculação. Aumentando o controle, o tempo de latência intravaginal e a satisfação sexual podem se ampliar. O tratamento psicoterápico da EP deve, no entanto, priorizar: maior consciência do homem e Carmita H. N. Abdo UROLOGIA DE CONSULTÓRIO de sua parceira a respeito do nível de excitação; foco de atenção no relacionamento; ampliação do repertório sexual para estimulação mais eficaz; atenção ao contexto sexual, considerando a importância da estimulação psicológica e da situacional; habilidades comunicacionais do casal, superando padrões de evitação de temas relacionados à vida sexual. Desafios ao Tratamento da Ejaculação Precoce O tratamento atualmente proposto para a EP apresenta limitações, a saber: • Medicamentos orais e tópicos são percebidos pelos pacientes e parceiras como “mecânicos” e pouco eróticos. • Medicamentos têm efeitos adversos indesejáveis (disfunção erétil, náusea, vertigem, diarreia, entre outros). • Técnicas de terapia focam processos físicos, negligenciando comunicação, prazer e sequência/ espontaneidade da atividade sexual. • Recrudescimento da sintomatologia, quando o tratamento é suspenso. O que define o sucesso da terapêutica não é apenas o manejo da latência e do controle ejaculatório, mas os parâmetros de qualidade de vida, tais como: o impacto sobre o relacionamento; a espontaneidade no engajamento em atividade sexual; a autoconfiança; o humor/ afeto; a superação da vergonha/ constrangimento e a satisfação do casal. A melhor escolha de tratamento para a ejaculação precoce é aquela baseada no conhecimento do médico e na preferência do paciente14. V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 21 UROLOGIA DE CONSULTÓRIO Abordagem e Tratamento da Ejaculação Precoce João Afif-Abdo Carmita H. N. Abdo REFERÊNCIAS 1. Waldinger MD. The neurobiological approach to premature ejacu2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 22 lation. J Urol 2002;168:2359-67. Masters WH, Johnson VE. Premature ejaculation. In: Masters WH, Johnson VE (eds). Human sexual inadequacy. Boston: Little, Brown, 1970: 92-115. Waldinger MD, Schweitzer DH. 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TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS TéCNICAS CIRúRGICAS ATILA RONDON HERICk BACELAR www.urologiaessencial.org.br ATILA RONDON Urologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto | UERJ Doutorando do Núcleo de Urologia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina | UNIFESP TiSBU HERICK BACELAR Doutorando do Núcleo de Urologia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina | UNIFESP TiSBU Tubularização da Placa Uretral Incisada para correção de hipospádias distais - Técnica de Snodgrass Introdução A hipospádia resulta de um desenvolvimento embriológico anormal do pênis e é definida pela presença de um meato uretral ectópico e proximal à sua posição normal na glande, com localização ventral ao longo do pênis, escroto ou períneo. Um espectro de anormalidades, incluindo curvatura ventral do pênis (chordee) e excesso dorsal do prepúcio em forma de capuz (capuchão), está comumente associado à hipospádia1,2. Esta patologia é a segunda malformação urológica mais frequente em recém-natos, depois da criptorquia, com incidência variando conforme a localização geográfica de 1:1000 até 1:100 nascimentos1,7. 24 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 Conforme a localização do meato uretral, as hipospádias podem ser classificadas em distais (glandar, coronal ou subcoronal – 50 a 70% dos casos), médio-penianas (peniana distal, medial ou proximal – 20 a 30% dos casos) ou proximais (penoescrotal, escrotal ou perineal – 10 a 20% dos casos)1,2,6. Esta classificação é mais bem aplicada depois da correção da curvatura peniana, quando se tem a real localização do meato uretral2. O tratamento da hipospádia é eminentemente cirúrgico e uma série de procedimentos cirúrgicos tem sido proposta2,5,8. Embora as experiências modernas apenas recentemente tenham começado a se aprofundar na compreensão da base genética, hormonal e ambiental da hipos- TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS Atila Rondon pádia, a busca por um procedimento cirúrgico que, de maneira consistente, resulte satisfatoriamente, tem ocupado cirurgiões por mais de dois séculos1. As técnicas modernas evoluíram a partir de uma miríade de operações descritas pelos pioneiros da cirurgia de hipospádia e a compreensão dessas técnicas é importante para a prática nos dias atuais. O tratamento das hipospádias distais depende, essencialmente, da preferência cultural da família da criança. A maioria dos pacientes com este tipo de anomalia não tem um defeito funcional. Consequentemente, o objetivo de colocar o meato uretral em sua posição normal dentro da glande é essencialmente estético e a técnica escolhida depende da anatomia do pênis hipospádico2,5,9. Na era moderna, centenas de técnicas ou modificações foram descritas para o reparo de hipospádias1. Vários aspectos estão envolvidos na tomada de decisão sobre a técnica a ser utilizada no reparo das mesmas, desde o aspecto cultural e a vontade dos pais, passando por localização e complexidade da hipospádia, até a familiarização do cirurgião com as variadas técnicas. Não há, portanto, uma técnica padronizada e cada caso deve ser individualizado, a fim de se obter o melhor resultado1,8. As hipospádias distais podem ser corrigidas com procedimentos baseados no meato uretral, como as técnicas de MAGPI, GAP, procedimento de Pirâmide, Mathieu e Snodgrass (TIP)1,2,5,7,8. Neste texto, descreveremos a técnica que ultimamente vem ganhando maior popularidade entre os urologistas que se dedicam ao tratamento das hipospádias, a Tubularização da Placa Incisada (TIP – Tubularized Incised Plate). Reforçamos que esta não deve ser considerada a técnica de escolha para a correção das hipospádias distais, pois cada caso deve ser avaliado individualmente, mas que consiste em uma técnica de fácil aplicabilidade e que pode ser utilizada na maioria das vezes. Herick Bacelar Técnicas cirúrgicas Avaliação pré-operatória Várias considerações devem ser feitas no período pré-operatório, para contribuir com o sucesso do tratamento das hipospádias: 1- No que diz respeito ao momento de operar, atualmente, considera-se como ideal realizar o procedimento dos 6 aos 18 meses de idade10. Antes disso, possíveis complicações anestésicas e o tamanho do pênis podem dificultar sua indicação. Após esse período, a criança inicia o reconhecimento da genitália e se torna menos colaborativa. Em relação às complicações uretrais, no entanto, a idade parece não ser um fator de risco independente11. 2- No caso de pênis muito pequeno ou glande hipotrófica, o uso de testosterona tópica ou injetável pode ser considerado. Não há consenso na literatura sobre a forma de utilização. Possibilidades incluem10: a- Testosterona creme 1 ou 2%, diariamente, 4 a 6 semanas antes da cirurgia; b- testosterona 25 mg IM, 6 e 3 semanas antes da cirurgia ou dose única 30 dias antes. 3- Uma avaliação minuciosa do pênis deve ser feita para tentar determinar a técnica adequada, levando em conta vários fatores, como localização do meato, aparência do meato e da glande, presença ou ausência de chordee, qualidade da pele ventral e do meato uretral, bem como a presença de circuncisão (figura 1)10. Porém, muitas vezes, só durante o procedimento conseguimos definir qual será a técnica utilizada: a- Uma hipospádia glandar ou distal pode ter o esponjoso e a pele uretral de baixa qualidade. Após a abertura da uretra hipoplásica, eventualmente, a hipospádia se tornará proximal; b- a configuração da glande é, também, um fator importante na cirurgia da hipospádia. Um sulco glandar profundo e largo é aplicável à tubularização preliminar, visto que uma glande rasa requererá um procedimento de retalho ou incisão da placa uretral. V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 25 Técnicas cirúrgicas TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS Atila Rondon Herick Bacelar Figura 1 Características que ajudam a definir a escolha da técnica a ser utilizada. Técnica Cirúrgica A técnica de tubularização da placa incisada, descrita por Warren Snodgrass (tubularized incised plate – TIP), em 199412, é basicamente, uma modificação da tubularização simples da placa uretral, técnica de Thiersch-Duplay. Realizando-se uma incisão longitudinal, promove-se o relaxamento e a ampliação do tecido a ser tubularizado, sem desenvolvimento de fibrose ou estenose em níveis superiores à técnica de Thiersch-Duplay13. Independentemente da técnica utilizada, uma atenção especial para com o instrumental cirúrgico deve ser estimulada (figura 2). O uso de magnificação óptica (2,5x), pinças e tesouras delicadas e fios finos e absorvíveis são essenciais para reduzir as taxas de complicação. Inicialmente, pontos de reparo de Polipropileno 4-0 são aplicados na glande e prepúcio, para melhor tração durante a cirurgia. Com auxílio de xilocaína geleia a 2%, é realizado o cateterismo uretral, com cateter de 6 a 8 F, para melhor avaliação da qualidade da uretra distal. Preferencialmente, é realizada a marcação da linha de incisão com caneta apropriada, para pla26 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 nejamento, melhor referência após o início da cirurgia e perda de parâmetros anatômicos (figura 3). Caso a uretra distal seja fina e hipoplásica na avaliação após o cateterismo uretral, deve-se realizar a marcação até a uretra sadia. A incisão é feita segundo a marcação prévia, delimitando-se a placa uretral, até cerca de 2mm proximais ao meato uretral hipospádico e também de forma circular no prepúcio interno, para o posterior desenluvamento peniano (figuras 4 e 7). Solução de epinefrina 1:100.000, previamente às incisões, pode reduzir o sangramento. Ainda em relação à hemostasia, o garroteamento peniano intermitente pode ser utilizado durante a cirurgia, para melhor controle hemostático e melhor visualização dos tecidos. Além disso, um Figura 2 Instrumental cirúrgico delicado permite menor agressão aos tecidos e maior precisão nos movimentos. cuidado especial com o uso do eletrocautério deve ser observado, principalmente próximo à placa uretral, para se prevenirem lesões térmicas, preferencialmente, utilizando o bisturi bipolar ou a ponteira em agulha. Ortofaloplastia Apesar de ser menos frequente a associação de curvatura peniana com formas distais de hipos- TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS Atila Rondon Herick Bacelar Técnicas cirúrgicas Figura 3 Marcação da linha de incisão com caneta, para planejamento e melhor referência após o início da cirurgia e a perda de parâmetros anatômicos. Delimitação da placa uretral em hipospádia subcoronal (A). Esquemas de visão frontal (B), lateral (C) e posterior (D), demonstrando as linhas de incisão. Incisão da Placa Uretral pádia, rotineiramente, deve ser realizado um teste de ereção artificial, para a avaliação de curvatura (chordee). A ereção é feita com injeção de soro fisiológico 0,9%, através de uma punção transglandar. Quando presente, a curvatura é discreta e, se necessário, realiza-se a plicatura dorsal, às 12h, com fio de polipropileno 5-0. A placa uretral é, então, delimitada, através de duas linhas de incisão verticais e paralelas. As asas da glande são liberadas do corpo cavernoso de forma ampla, para permitir, posteriormente, mobilização e sutura sem tensão na linha média sobre a placa tubularizada (figuras 5 e 7). Figura 4 Figura 5 Aspecto esquemático após desenluvamento peniano. Indicação do local da incisão da placa uretral (linha tracejada). Liberação ampla das asas da glande (setas) de forma a permitir, posteriormente, mobilização e sutura sem tensão na linha média sobre a placa tubularizada. V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 27 Técnicas cirúrgicas TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS Atila Rondon Em muitos casos, a placa uretral é insuficiente para uma tubularização direta segura (Thiersh-Duplay), sendo necessário realizar uma incisão longitudinal mediana posterior (TIP), que se prolonga do meato uretral hipospádico até a placa distal glandar (figuras 6 e 7). A incisão deve aprofundar-se pelo tecido subepitelial até próximo aos corpos cavernosos e, após sua realização, a placa deve ter uma amplitude que permita uma tubularização sem tensão sobre o catéter de 6 a 8 F, dependendo do tamanho do pênis. Herick Bacelar Figura 7 (A) Placa uretral delimitada após desenluvamento peniano. (B) Placa uretral incisada com aumento de sua amplitude. (C) Tubularização da placa incisada. Meatoplastia e Neouretroplastia Para a tubularização, um fio monofilamentar absorvível é preferível (polidioxanona 6-0 ou 7-0). A tubularização é iniciada distalmente com a confecção do meato, que deve ser cuidadosamente constituído, de forma a apresentar um aspecto em fenda que se estenda da ponta até cerca da metade ventral da glande, com folga sobre Figura 6 Esquema demonstrando o afastamento dos bordos da placa, expondo o tecido subepitelial, após a incisão com aumento de sua amplitude. o cateter. Posteriormente, a neouretra é confeccionada em dois planos subepiteliais em sutura contínua, com o segundo plano envolvendo, se possível, o tecido esponjoso, que se abre lateralmente à placa uretral (figura 8). Um retalho de dartos do prepúcio dorsal é mobilizado anteriormente, através de uma “casa de botão” no tecido ou lateralmente à haste peniana (figura 9), sendo posicionado sobre a neouretra e fixado no corpo cavernoso adjacente com fio absorvível (poliglactina 6-0). Glanuloplastia A reconstrução da glande de forma cuidadosa é um dos principais fatores para um bom resultado estético da cirurgia. As asas da glande, liberadas de forma ampla (figura 5), devem ser simetricamente suturadas na linha média (figuras 8 e 9B), utilizando-se, primeiro, um ponto de aproximação, para reduzir a tensão, com fio de poliglactina 4-0. Neste mo28 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS Atila Rondon Figura 8 Pinças demonstrando o corpo esponjoso abrindo-se lateralmente à neouretra. Após a liberação ampla da glande, as asas são suturadas na linha média (fio). Herick Bacelar Técnicas cirúrgicas fixado à glande, com dois fios de polipropileno 4-0 (figura 10). O sistema de dupla fralda, com o cateter posicionado até a bexiga, passando por um orifício em uma primeira fralda e coletando urina em uma segunda, pode ser utilizado como tentativa de manter a área menos úmida. Curativo Não há consenso em relação ao tipo de curativo, tempo de troca do mesmo e retirada de cateter. Realizamos o curativo com um filme transparente de poliuretano estéril (Tegaderm®), diretamente sobre a pele, deixando o neomeato uretral e o cateter livres. Sobre este filme, uma camada de gaze, coberta com esparadrapo flexível, é posicionada de forma contensiva e não compressiva, para evitar o risco de sofrimento tecidual. O uso de filme transparente permite trocas diárias do curativo superficial sem grande desconforto, porque não há aderência mento, já é possível observar a simetria da glande e, caso o resultado não esteja satisfatório, o ponto de aproximação deve ser refeito. A sutura superficial entre as bordas da glande, entre a glande e a extremidade da neouretra e na reconstrução do Figura 9 prepúcio interno ventral, é realiza(A) Dissecção de dartos dorsal. (B e C) Rotação lateral da com o mínimo de pontos necesde dartos dorsal. (D) Fixação sobre a neouretra. sários, utilizando o fio de polidioxanona 6-0. O prepúcio dorsal é reconfigurado com uma incisão mediana, dividindo-o em duas asas que, ao serem rodadas lateralmente, permitem uma boa cobertura ventral da haste peniana. Fios de poliglactina incolor de absorção rápida ou catgut 5-0 são utilizados para a sutura da pele. Cateter Uretral Ao final do procedimento cirúrgico, temos dado preferência ao uso de um cateter uretral de silicone 6 a 8 F, cortado e introduzido de forma que o paciente permaneça continente. Este cateter é, então, V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 29 Técnicas cirúrgicas TUBULARIZAÇÃO DA PLACA URETRAL INCISADA PARA CORREÇÃO DE HIPOSPÁDIAS DISTAIS - TÉCNICA DE SNODGRASS Atila Rondon Herick Bacelar Figura 10 Adaptação de cateter de silicone fixado à glande, apenas como “splint”, permanecendo o paciente continente. da gaze à pele e ainda possibilita a avaliação evolutiva do pênis. Trocamos o curativo superficial no dia seguinte à operação, mantendo o filme transparente até que o mesmo descole durante o banho da criança, nos dias subsequentes, e mantemos o cateter uretral por 5-7 dias. Resultados e Complicações A taxa de complicação desta técnica tem grande variação na literatura, sendo as principais fístula e estenose do meato. Uma extensa revisão da literatura, publicada em 2008, por Braga e colaboradores, cita taxas de ocorrência de fístula em torno de 5% (0-16%) e estenose de meato de 2,1% (0-17%)14. O treinamento em urologia pediátrica, o cuidado com detalhes técnicos e o volume de pacientes operados podem explicar esta variação e reforçam a ideia de que o cirurgião que deseja tratar hipospádia deve ter treinamento adequado e dedicação ao seu estudo e prática. REFERÊNCIAS 1. KRAFT K H, SHUKLA A R, CANNING D A. Hypospadias. Urol Clin 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 30 North Am. 2010 May;37(2):167-81. BASKIN L S. Hipospádias. 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URO RESUMOS www.urologiaessencial.org.br BRASIL SILVA NETO Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia - Faculdade de Medicina - UFRGS Chefe do Serviço de Urologia - Hospital de Clínicas de Porto Alegre GUSTAVO BALDINO NABINGER Médico-Residente (R5) do Serviço de Urologia - Hospital de Clínicas de Porto Alegre Aumento da ingesta hídrica como estratégia de prevenção para urolitíase recorrente: grande impacto da adesão na custo-efetividade Y. Lotan, I. Buendia Jiménez, I. Lenoir-Wijnkoop, M. Daudon, L. Molinier, I. Tack e M. J. C. Nuijten The Journal of Urology 189, 935-939, março 2013 OBJETIVO Avaliar o impacto econômico de prevenir litíase recorrente utilizando a estratégia de aumentar a ingesta hídrica e determinar o impacto da adesão ao tratamento na custo-efetividade dentro do sistema de saúde francês. MATERIAIS E MÉTODOS Um modelo de Markov foi construído para comparar custos e desfechos em formadores de cálculos renais recorrentes, com menos de 2 litros ou mais de 2 litros de ingesta hídrica diária. A construção do modelo assumiu uma prevalência anual de 120 mil casos de litíase na França, risco anual de recorrência de 14,4% e uma redução de risco de 55% em indivíduos com ingesta hídrica adequada. Os custos pelo uso de recursos foram estimados por um painel de especialistas e por listas nacionais oficiais de preços. Os desfechos fo- 32 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013 ram estabelecidos pela perspectiva do contribuinte do sistema público e incluiu custos diretos e indiretos. RESULTADOS O custo total de um episódio de urolitíase foi estimado em €4.267, incluindo o custo do tratamento e complicações. Isto corresponde a um impacto anual no orçamento da ordem de €88 milhões para litíase recorrente, baseado em 21 mil eventos. Assumindo uma adesão de 100%, com a recomendação de ingesta hídrica maior que 2 litros por dia, 11.572 novos casos de litíase poderiam ser prevenidos, resultando em uma economia de €49 milhões. A adesão de somente 25% dos pacientes, ainda assim, resultaria em menos 2.893 eventos e uma economia de €10 milhões. A modificação dos custos do manejo dos casos de litíase teve pequeno impacto nos desfechos, já que a maioria dos pacientes não forma cálculos. A variação na incidência de complicações não mudou a incidência dos eventos de litíase e teve um efeito mínimo no custo total. CONCLUSÕES A prevenção de litíase recorrente possui significativo potencial de redução de custos para o sistema de saúde, como resultado da redução de casos de litíase. Contudo, a adesão é um fator determinante para a custo-efetividade da estratégia. BRASIL SILVA NETO COMENTÁRIO A não adesão dos pacientes aos tratamentos propostos está entre 25-40%, o que, nos EUA, gera um custo anual ao sistema de 268 bilhões de dólares. No caso da doença litiásica, que é altamente prevalente em todo o mundo, esta realidade é bastante significativa devido ao fato de que medidas simples, como o aumento da ingesta hídrica, são muito eficazes em prevenir a doença e, ao mesmo tempo, têm mínimo custo. Apesar disso, a superioridade dessa simples medida sobre outras, não farmacológicas e farmacológicas, não está claramente demonstrada na literatura, muito em virtude de não serem consideradas a morbidade da doença, a adesão e a efetividade das medidas. Este estudo partiu da construção de um modelo de Markov de custo-efetividade e utilizou parâmetros populacionais do sistema de saúde francês, tais como a prevalência de litíase, o risco de recorrência e o risco de complicação da doença (pielonefrite e doença renal terminal) e morte. Os resultados não surpreendem pelo desfecho de prevenir recorrência e morbidade da doença, mas pelo tamanho do efeito que a orientação de ingerir mais de 2 litros de água por dia aos pacientes tem, em termos de impacto econômico ao sistema. Dentro do modelo utilizado, se 100% dos pacientes litiásicos aderissem à recomendação, haveria a prevenção de mais de 11.500 episódios de litíase, com uma economia total de 49 milhões de Euros ao sistema. Mesmo considerando a taxa mais baixa de adesão média da população (25%), o efeito, ainda assim, seria significativo, com a prevenção de quase 3 mil eventos e 10 milhões de Euros de economia. Apesar das limitações inerentes a estudos deste tipo, baseados em simulações de modelos de custo-efetividade, é inegável o poder do efeito protetor da orientação da ingesta hídrica para pacientes sob risco de recorrência de litíase. O desafio está em desenvolver maneiras de mensurar e aumentar, de maneira consistente, a adesão a este tipo de medida. GUSTAVO BALDINO NABINGER URO-RESUMO The Swedish Reflux Trial: revisão de um ensaio clínico controlado e randomizado em crianças com refluxo vesicoureteral dilatado Per Brandström, Ulf Jodal, Ulla Sille´n, Sverker Hansson Journal of Pediatric Urology, 2011;7: 594-600 OBJETIVOS Avaliar profilaxia e injeção endoscópica em crianças com refluxo vesicoureteral (RVU) dilatado, comparando com vigilância, em relação à infecção do trato urinário (ITU) recorrente, novo dano renal, desfecho do RVU e impacto da disfunção do trato urinário inferior (TUI) nestes desfechos. PACIENTES E MÉTODOS Duzentas e três crianças (128 meninas e 75 meninos), com idade entre 1 e 2 anos, com RVU graus III ou IV, foram randomizados para profilaxia com antibiótico (n= 69), injeção endoscópica (n= 66) ou vigilância (n= 68). Uretrocistografia miccional, cintilografia com DMSA e, opcionalmente, avaliação da função do trato urinário inferior foram realizados antes da randomização e dois anos após. RESULTADOS Houve 67 ITU febris em 42 meninas e 8 em 7 meninos (p= 0,0001). Em meninas, a taxa de recorrência foi de 19% no grupo recebendo profilaxia, 23% no tratamento endoscópico e 57% no grupo sob vigilância (p= 0,0002). Em meninos não houve diferença entre os grupos. Novo dano renal foi observado em 13 meninas: 8 sob vigilância, 5 no grupo endoscópico e nenhum no grupo profilaxia (p= 0,0155); no grupo dos meninos, esse dado foi observado em apenas 2. Em 13 crianças com RVU, com ou sem dilatação, após 1 injeção, o RVU dilatado reapareceu após o seguimento de dois anos. Disfunção do TUI no seguimento foi associada com persistência do RVU. V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 33 URO-RESUMO BRASIL SILVA NETO GUSTAVO BALDINO NABINGER CONCLUSÕES Em meninas, a profilaxia reduziu a taxa de ITU recorrente e novo dano renal, enquanto que a injeção endoscópica reduziu a taxa de ITU recorrente, apenas. Meninos não se beneficiaram de tratamento ativo. COMENTÁRIOS Desde os anos 50, o estudo do refluxo vesicoureteral (RVU) tem sido estudado, em muito devido ao advento da uretrocistografia retrógrada e miccional (UCGRM). Junto com essa maior facilidade de diagnóstico surgiram novos questionamentos: quando tratar e como tratar. Estudos iniciais demonstraram associação do RVU com pielonefrite crônica e, por isso, inicialmente, tornou-se natural a correção cirúrgica. Com o passar do tempo, evidenciou-se que diversos casos tinham resolução espontânea e mudou-se o tratamento para apenas profilaxia antibiótica com baixa dose. Apesar disso, estudos randomizados comparando essas duas modalidades de tratamento não mostraram diferença quanto a dano renal em longo prazo. Durante este período, acreditava-se que o RVU fosse o principal responsável pelo dano renal e, portanto, o termo “nefropatia refluxiva” foi proposto. Com o surgimento da cintilografia com DMSA, ficou evidente que o RVU não era um pré-requisito para dano renal. Além disso, até aquele momento, não havia sido realizado nenhum ensaio clínico comparando profilaxia antibiótica versus nenhum tratamento na prevenção de infecção do trato urinário. Em 1999, após ampla revisão da literatura, foi publicada uma nova diretriz, visando ao desenvolvimento e à preservação da função renal em detrimento ao grau de RVU, e que, além disso, propunha um curto período de profilaxia com antibiótico e maior atenção quanto às disfunções do trato urinário inferior. Assim, a crianças com ITU febril acima de 2 anos de idade, não se recomendava mais realizar UCGRM e crianças com RVU grau I- II não deve34 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013 riam ser rotineiramente acompanhadas, a não ser que houvesse evidência de dano renal. Neste contexto de falta de comparação com grupo não tratado e com o desenvolvimento de nova técnica cirúrgica (injeção endoscópica suburetérica), foi realizado o Swedish Reflux Trial. O presente ensaio clínico randomizado comparou 203 crianças de 1 a 2 anos de idade e com RVU de grau III- IV. Os participantes foram alocados em três grupos distintos: injeção endoscópica suburetérica, antibiótico-profilaxia e grupo-controle com vigilância estrita. O objetivo principal do estudo era comparar taxas de ITU febril, novo dano renal e RVU após dois anos de seguimento nos diferentes grupos. Desfechos secundários definidos foram complicações e impacto de fatores como grau do refluxo, gênero e disfunção do TUI. Houve mais ITU recorrente em meninas, principalmente no grupo em observação. Em meninos não houve diferença entre os grupos. A taxa de ITU febril não teve relação com grau de RVU ou com dano renal na cintilorrenal, com DMSA no exame inicial. Entretanto, após dois anos de seguimento, houve associação de piora quanto a aumento do grau de RVU e taxa de recorrência em meninas. Quanto a dano renal, houve pior resultado em meninas alocadas nos braços do tratamento endoscópico e em observação, sendo que nenhuma em tratamento antibiótico apresentou novo dano renal. Não houve associação entre novo dano renal e disfunção do trato urinário no início do estudo. Entretanto, análise post hoc com avaliação individual dos rins mostrou associação de dano renal nos rins drenados por RVU grau III- IV e sempre pior no rim mais severamente acometido, naqueles que apresentavam refluxo bilateral. Em relação ao refluxo vesicoureteral, todos obtiveram melhora, principalmente o grupo tratado endoscopicamente. Resolução espontânea esteve menos associada em crianças com disfunção miccional no final do estudo e em meninas com RVU de alto grau e DMSA alterado na entrada do estudo. BRASIL SILVA NETO Em suma, meninos não se beneficiaram de tratamento, tanto com antibiótico, quanto com injeção suburetérica endoscópica. Nestes, o tratamento apenas de casos isolados de ITU recorrente, e não rotineiramente, deve ser realizado. Em meninas, tanto o uso de antibiótico profilático quanto injeção endoscópica mostrou diminuição da taxa de recorrência do RVU e verificou-se que apenas antibiótico evitou novo dano renal. Concluindo, este é um estudo com delineamento adequado e com amostra significativa, demonstrando resultados divergentes de estudos anteriores, de menor poder. Mortalidade câncer-específica em pacientes com tumores vesicais de baixo risco e o impacto da vigilância com cistoscopia Kate D. Linton, Derek J. Rosario, Francis Thomas, Naomi Rubin, John R. Gospel, Maysam F. Abbod e James W. F. Catto The Journal of Urology, 189, 828-833, março 2013 OBJETIVO Determinar o risco de morte doença-específica em pacientes com tumores vesicais não invasivos (G1pTa) primários e de baixo risco e comparar com a mortalidade pareada na população em geral, para idade e gênero. MATERIAIS E MÉTODOS Identificamos todos os pacientes como tumores primários de baixo risco em nossa instituição. Excluímos os pacientes com características patológicas adversas e, então, pareamos para histologia, quimioterapia intravesical, internação hospitalar e registro de câncer. Revisamos o re- GUSTAVO BALDINO NABINGER URO-RESUMO gistro de pacientes que, subsequentemente, progrediram ou morreram pela doença. Os pacientes foram submetidos à vigilância e a tratamento pós-ressecção, seguindo protocolos-padrão. As mortalidades câncer-específicas regional e nacional foram calculadas. RESULTADOS Um total de 699 pacientes foi incluído. O seguimento mediano foi de 61 meses (intervalo interquartil 24- 105). Dos pacientes, 17 (2,4%) morreram de câncer de bexiga, incluindo 13 de 14 com progressão para doença músculo-invasiva e 4 de 19 com tumor superficial e progressão para doença de alto grau. Na análise de regressão de Cox, displasia de baixo grau no espécime da primeira ressecção e peso do tumor foram associados com mortalidade câncer-específica (p< 0,003). A mortalidade câncer-específica nesses pacientes foi 5 vezes mais alta que nas populações pareadas. As limitações do estudo incluem sua natureza retrospectiva e a baixa frequência de eventos adversos. CONCLUSÕES Pacientes com tumores vesicais de baixo risco raramente progridem para doença invasiva, mas estão em maior risco de morrerem pela doença quando comparados com a população em geral. Protocolos atuais de vigilância não parecem ter efetividade em detectar a progressão da doença a tempo de alterar o prognóstico. COMENTÁRIOS O carcinoma urotelial de bexiga tem 2 espectros de doença bastante distintos, entre a doença não músculo-invasiva e de baixo grau e a doença músculo-invasiva e de alto grau, inclusive com vias moleculares diferentes entre um padrão histológico e outro. A doença superficial dificilmente progride e/ ou metastatiza. De modo geral, estes pacientes são seguidos por exame endoscópico V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 35 URO-RESUMO BRASIL SILVA NETO GUSTAVO BALDINO NABINGER de maneira muito frequente, apesar da baixa frequência de progressão e da baixa mortalidade câncer-específica. Desta forma, poder-se-ia considerar o seguimento destes pacientes quando sintomáticos, ao invés de protocolos rígidos de vigilância, o que agrega morbidade e custos bastante altos. Este estudo propôs-se a comparar a mortalidade doença-específica de pacientes com o estágio mais simples da doença (pTaG1) à população geral, com pareamento por idade e gênero. Dos 699 pacientes incluídos no estudo, 17 morreram em decorrência da doença, após seguimento mediano de 5 anos, o que é bastante baixo. Poderíamos, então, propor aos pacientes que só voltassem ao consultório para nova cistoscopia somente se estivessem sintomáticos? A resposta do estudo é não. Após o pareamento por idade e gênero, o que se verificou foi que, apesar de baixa, a mortalidade câncer-específica deste grupo foi de 5 a 6 vezes maior do que a da população em geral, demonstrando que não é seguro dar alta para os pacientes com doença superficial e de baixo grau, orientando-os a retornar somente na vigência de sintomas. O estudo apresenta uma série de limitações, reconhecidas pelos próprios autores ao longo do artigo, e a principal delas é a de que o desfecho principal é pouco frequente, o que compromete o poder estatístico, especialmente pelo caráter retrospectivo do mesmo. Concluindo, apesar de ser bastante tentador diminuir, ou até mesmo abolir cistoscopias frequentes em pacientes com carcinoma urotelial de baixo risco, diminuindo, assim, riscos ao paciente e custos ao sistema, não podemos tratar o paciente com esta apresentação da doença, como um paciente comum. 36 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013 Abiraterona em câncer de próstata metastático sem quimioterapia prévia Charles J. Ryan, M.D., Matthew R. Smith, M.D., Ph.D., Johann S. de Bono, M.B., Ch.B., Ph.D., Arturo Molina, M.D.,Christopher J. Logothetis, M.D., Paul de Souza, M.B., Ph.D., Karim Fizazi, M.D., Ph.D., Paul Mainwaring, M.D., Josep M. Piulats, M.D., Ph.D., Siobhan Ng, M.D., Joan Carles, M.D., Peter F.A. Mulders, M.D., Ph.D., Ethan Basch, M.D., Eric J. Small, M.D., Fred Saad, M.D., Dirk Schrijvers, M.D., Ph.D., Hendrik Van Poppel, M.D., Ph.D., Som D. Mukherjee, M.D., Henrik Suttmann, M.D., Winald R. Gerritsen, M.D., Ph.D., Thomas W. Flaig, M.D., Daniel J. George, M.D., Evan Y. Yu, M.D., Eleni Efstathiou, M.D., Ph.D., Allan Pantuck, M.D., Eric Winquist, M.D., Celestia S. Higano, M.D., Mary-Ellen Taplin, M.D., Youn Park, Ph.D., Thian Kheoh, Ph.D., Thomas Griffin, M.D., Howard I. Scher, M.D. e Dana E. Rathkopf, M.D., para os investigadores COU-AA-302 NEJM, 2013; 368(2): 138-148 CENÁRIO Acetato de abiraterona, um inibidor da biossíntese do androgênio, aumenta a sobrevida global em pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração após quimioterapia. Avaliamos esse agente em pacientes que não haviam recebido quimioterapia previamente. MÉTODOS Neste estudo duplo-cego, randomizamos 1.088 pacientes para receberem acetato de Abiraterona (1000 mg) e prednisona (5 mg duas vezes ao dia) ou placebo e prednisona. Os desfechos coprimários foram sobrevida livre de progressão radiológica e sobrevida global. RESULTADOS O cegamento do estudo foi quebrado após a análise interina prevista, a qual foi realizada quando foram atingidas 43% das mortes esperadas. A mediana de sobrevida livre de progressão radiológica foi 16,5 meses com abiraterona-prednisona e 8,3 meses com prednisona apenas (hazard ratio de abiraterona-prednisona versus predni- BRASIL SILVA NETO sona apenas, 0.53; 95% intervalo de confiança [IC], 0,45 a 0,62; P< 0,001). Em uma mediana de seguimento de 22,2 meses, a sobrevida global foi aumentada com a combinação de abiraterona-prednisona (mediana não atingida, versus 27,2 meses para prednisona apenas; hazard ratio, 0,75; 95% IC, 0,61 a 0,93; P= 0,01); entretanto, não cruzou o limite da eficácia. Abiraterona-prednisona mostrou superioridade sobre prednisona apenas, em relação ao tempo de início da quimioterapia citotóxica, uso de opiáceo para dor relacionada ao câncer, progressão do antígeno prostático específico e declínio do estado clínico. Eventos adversos graus 3 e 4, relacionados aos mineralocorticoides e anormalidades nos testes de função hepática, foram mais comuns com o uso da combinação abiraterona-prednisona. CONCLUSÃO Abiraterona aumentou a sobrevida livre de progressão radiológica, demonstrou uma tendência de melhora na sobrevida global e significativamente postergou a piora clínica e o início da quimioterapia em pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração. Câncer de próstata metastático resistente à castração, definido como crescimento do tumor, apesar de nível da testosterona inferior a 50 ng/ dl, é o responsável por aproximadamente 258.400 mortes anualmente no mundo. Diversos tratamentos hormonais foram desenvolvidos para estes pacientes, produzindo alguma resposta, mas nenhum deles atrasou o curso da doença ou apresentou aumento da sobrevida global. Após os tratamentos hormonais de segunda linha, atualmente, a quimioterapia com docetaxel mostrou aumento da sobrevida. Entretanto, nem todos os pacientes recebem este tipo de tratamento. Acetato de Abiraterona é um inibidor do citocromo P450-c17, uma enzima crítica na síntese de androgênio testicular e extragonadal. Estudos GUSTAVO BALDINO NABINGER URO-RESUMO prévios demonstraram aumento na sobrevida em pacientes que receberam Abiraterona em mais baixa dose de corticoide e que eram portadores de câncer de próstata metastático resistente à castração, e que já haviam recebido quimioterapia. Além disso, outros estudos de fase 1 e 2, em pacientes não submetidos à quimioterapia, demonstraram efeitos mais duradouros, sugerindo ser este o grupo de pacientes com maior benefício da medicação. O presente estudo randomizado de fase 3 avaliou os efeitos da Abiraterona mais prednisona na sobrevida livre de progressão radiológica, sobrevida global (desfechos primários), uso de opioide devido à dor, tempo até o início da quimioterapia, piora do ECOG e aumento do PSA (desfechos secundários) em pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração, que não receberam quimioterapia e nos quais os sintomas clinicamente significativos relacionados ao câncer não se desenvolveram. Este é um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, duplo-cego, controlado por placebo. Todos os pacientes incluídos no estudo já haviam recebido algum tipo de tratamento antiandrogênico e tinham ECOG de 0 ou 1. Os participantes foram estratificados de acordo com o ECOG e receberam Abiraterona 1g + prednisona 5mg versus placebo + prednisona 5mg. Este estudo definiu análises intermediárias planejadas quando atingido 15,40 e 55% dos eventos pré-estabelecidos como necessários para demonstrar diferença entre os grupos com poder amostral previsto. Esta é a segunda análise intermediária, tendo a última sido realizada em dezembro de 2011, quando atingidas 43% das mortes, momento pelo qual foi decidido quebrar o cegamento do estudo, já que havia a tendência de melhora na sobrevida do grupo intervenção, ocorrendo, então, o cruzamento dos pacientes do grupo placebo para receberem abiraterona. V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 37 URO-RESUMO BRASIL SILVA NETO GUSTAVO BALDINO NABINGER Foram randomizados 546 pacientes no grupo Abiraterona e 542 no grupo placebo, sem diferença nas características iniciais do grupo, e foram acompanhados por 22,2 meses, na mediana. DESFECHOS PRIMÁRIOS • Sobrevida livre de progressão radiológica – 16,5 meses no grupo Abiraterona versus 8,3 meses no grupo placebo (HR 0.53), sendo este achado consistente em todos os subgrupos. • Sobrevida global – 333 mortes haviam ocorrido até então (43% dos pacientes do estudo), sendo 186 (34%) no grupo placebo contra 147 (27%) no grupo abiraterona. Portanto, houve 25% de diminuição da mortalidade (HR 0,75; P= 0,01) no grupo recebendo tratamento hormonal, entretanto, sem atingir a significância estatística pré-definida (p< 0,001). Além disso, a sobrevida livre de progressão radiológica se correlacionou com a sobrevida global. DESFECHOS SECUNDÁRIOS O grupo em uso de Abiraterona apresentou: • Aumento do tempo até uso de opiáceo no tratamento da dor relacionada ao câncer (mediana não alcançada no grupo Abiraterona contra 23,7 meses). • Aumento do tempo até início da quimioterapia (25,2 contra 16,8 meses). • Aumento do tempo até declínio em 1 ponto no ECOG (12,3 contra 10,9 meses). • Aumento do tempo de progressão do PSA (11,1 contra 5,6 meses). Após esta segunda análise planejada, o comitê de monitoramento recomendou a abertura do estudo em fevereiro de 2012, devido à eficácia e à segurança da medicação. 38 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 l N.1 l JAN l JUN l 2013 OUTROS DESFECHOS AVALIADOS O grupo em uso de Abiraterona apresentou: • Aumento no tempo até piora da dor (26,7 contra 18,4 meses). • Aumento no tempo até piora do status funcional (FACT-P score). • Redução em ≥ 50% no PSA sérico (62 contra 24%). SEGURANÇA Eventos adversos grau 3 ou 4 foram observados em 48% dos pacientes recebendo abiraterona/ prednisona e em 42% do grupo placebo/ prednisona; eventos adversos graves foram observados em 33 e 26% e eventos adversos resultando em morte em 4 e 2%, respectivamente. Entre os efeitos adversos, fadiga, artralgia e edema periférico foram mais comuns no grupo abiraterona/ prednisona que no grupo prednisona apenas. A desistência do tratamento ou modificação da dose devido a efeitos colaterais ocorreu em 19% dos pacientes no grupo Abiraterona e em 12% no grupo placebo. Este estudo, portanto, demonstrou melhora da sobrevida livre de progressão radiológica, aumento do tempo em que o paciente apresenta melhor condição física e aumento do tempo de progressão da doença nos pacientes que receberam tratamento com Abiraterona em comparação com o grupo placebo. Não houve aumento significativo do tempo de sobrevida mas, provavelmente, este apareceria caso o estudo fosse conduzido até o fim. O ensaio clínico foi interrompido devido à evidente vantagem do grupo tratado com abiraterona, o que sugere a sua utilização como tratamento anterior ao início de quimioterapia citotóxica. pONtO dE vIStA www.urologiaessencial.org.br ANUAR I. MITRE Prof. Associado de Urologia | FMUSP Prof. Titular de Urologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí | SP Coordenador do Setor de Cirurgia Minimamente Invasiva da SBU (gestão 2012-2013) RAFAEL F. COELHO Urologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Global Robotics Institute Florida Hospital Celebration Health. Celebration | US Chefe do Departamento de Cirurgia Robótica da SBU (gestão 2012-2013) Ênfase no Tratamento da Urolitíase | Clínica Padre Almeida | Campinas Endourologia Universidade de Minnesota | USA Devo aprender Cirurgia Robótica? Reflexões e conselho para o jovem urologista A Cirurgia no século XXI N o final do século passado e, particularmente, no século XXI, a cirurgia convencional vem sendo substituída pela cirurgia minimamente invasiva. Todos os procedimentos que oferecem o mesmo resultado, causando menos agressão ao paciente, por razões óbvias, vêm substituindo as intervenções convencionais. Alguns exemplos marcantes na nossa especialidade podem ser citados, como as cirurgias percutâneas, ureteroscópicas, termoablações renais e as cirurgias laparoscópicas sem ou com a assistência do robô. Graças à menor agressão cirúrgica, tal procedimento possibilita uma recuperação 40 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 menos dolorosa e mais rápida do paciente, além de deixar menos cicatrizes, assimetrias abdominais ou hérnias incisionais. Dessa forma, o paciente retorna mais rapidamente às suas atividades profissionais e sociais rotineiras. A plataforma robótica da Vinci® já está disponível para uso clínico no mundo desde 2000. No Brasil, os primeiros sistemas robóticos foram instalados em 2008, na cidade de São Paulo. Cinco anos depois, o que se viu foi um aumento progressivo no número de pacientes operados com o auxílio do robô da Vinci® e um número crescente de urologistas utilizando esta nova tecnologia, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos e em vários países europeus. DEVO APRENDER CIRURGIA ROBÓTICA? REFLEXÕES E CONSELHO PARA O JOVEM UROLOGISTA Anuar I. Mitre Rafael F. Coelho Por que apenas depois de quase cinco anos o Brasil está adquirindo novos robôs? Desde a instalação, em 2008, em três hospitais na cidade de São Paulo, até recentemente, nenhum outro sistema robótico havia sido utilizado em nosso país. Contudo, nos últimos meses, vários robôs foram adquiridos e serão instalados no estado de São Paulo e na cidade do Rio de Janeiro. A impressão que temos é a de que, nesse período, os hospitais universitários e privados, que teriam condições de adquiri-los, aguardaram a avaliação dos resultados iniciais, principalmente em relação à factibilidade econômica da implantação de programas de cirurgia robótica no Brasil. É verdade que durante um período recente, de aproximadamente um ano, o valor do robô passou a ser bem maior, por dupla despesa alfandegária e de custo de representação, o que estava inviabilizando a sua aquisição. Tal problema, felizmente, foi resolvido e a resposta de vários hospitais compradores foi imediata. Em 2012, o primeiro robô em instituição pública foi instalado no Rio de Janeiro (Instituto Nacional do Câncer-INCA) e dois outros deverão ser instalados no estado de São Paulo (Hospital do Câncer de Barretos e Instituto do Câncer do Estado de São Paulo-ICESP). Este fato poderá possibilitar a incorporação da cirurgia robótica nos programas de residência médica em Urologia e colaborar com a disseminação da plataforma robótica em nosso meio. Além das dificuldades já mencionadas, outros motivos também podem explicar o retardo na Urologia brasileira em cirurgia robótica: - Custos de aquisição e manutenção sempre são fortemente considerados; entretanto, se forem levados em conta os custos sociais, talvez o valor final do tratamento seja, inclusive, menor que o convencional. Vale lembrar que os outros procedi- “ ponto de vista mentos minimamente invasivos, numa fase inicial, também eram considerados caros, mas depois acabaram sendo incorporados à prática urológica rotineira. Pensou-se que os custos do robô barateariam num segundo momento, porém tal fato ainda não foi observado, mesmo depois de mais de uma década de uso do robô da Vinci®. As patentes feitas pela Intuitive são tantas que nenhuma outra empresa, até o momento, conseguiu colocar um robô concorrente em uso clínico, o que poderia, eventualmente, reduzir valores de aquisição. - Outro motivo deve-se aos próprios urologistas, que não têm cobrado a aquisição de robô, de maneira convincente, dos diretores de hospitais. Obviamente, se não são cobrados, que garantias eles têm de que os urologistas daquele hospital utilizariam o robô? - Os custos dos tratamentos são efetivamente superiores, como forma de amortização do investimento feito pela instituição. Entretanto, analisando-se os pacotes hoje oferecidos pelos hospitais privados, os custos não são superiores a 50% do valor da cirurgia convencional. Em termos de saúde pública, a diferença pode ser substancial, mas em termos de saúde privada, parece ser perfeitamente acessível, como tem sido verificado nos hospitais que dispõem de robô. - A curva de aprendizado exige humildade dos urologistas experientes e os coloca no mesmo patamar dos menos experientes: o de aprendizes. - Outro fator que tem influência na curva de aprendizado é o volume de cirurgia. É certo que operar um caso esporadicamente torna mais difícil ultrapassar a curva de aprendizado e manter o adestramento. - Não há, em nosso meio, a cultura de referenciamento de pacientes. Como regra, em clínica privada no Brasil, pratica-se a Urologia Geral. Atendemos e operamos um pouco de cada parte da nossa espe- A curva de aprendizado exige humildade dos urologistas experientes e os coloca no mesmo patamar dos menos experientes: o de aprendizes. “ V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 41 ponto de vista DEVO APRENDER CIRURGIA ROBÓTICA? REFLEXÕES E CONSELHO PARA O JOVEM UROLOGISTA Anuar I. Mitre Rafael F. Coelho cialidade, o que dificulta o ganho de experiência com tecnologias ou técnicas avançadas. A nossa especialidade cresceu muito e torna-se difícil oferecer excelência em todas as cirurgias das subespecialidades. - Em clínica privada, o compromisso profissional é direto e o urologista, obviamente, acaba oferecendo a cirurgia que melhor sabe fazer, tornando mais difícil introduzir um novo procedimento. O volume de cirurgia reduz ainda mais se houver seleção de casos favoráveis, excluindo aqueles que tenham fatores complicadores. - Muitas seguradoras de saúde não dão cobertura para cirurgia robótica e o paciente tem de arcar com as despesas hospitalares, parciais ou totais, e de honorários profissionais. Nem sempre o paciente abre mão da cobertura de seu convênio, o que pode limitar ainda mais os possíveis candidatos à cirurgia robótica. - Tudo que é novo gera ansiedade e expectativa. O risco de complicações e resultados iniciais piores que a técnica convencional pode gerar conflitos pessoais, éticos e morais. Ainda, a presença do novo e a falta de experiência deixam o urologista exposto perante os colegas e a enfermagem, o que gera muita angústia. - Passados quase cinco anos da chegada dos primeiros robôs no Brasil, vemos os urologistas numa nova e forte tendência de aprender cirurgia robótica. Certamente, a chegada de mais robôs da Vinci® ao Brasil e o aumento da procura por parte dos pacientes têm servido de novo estímulo aos urologistas que, num primeiro momento, se limitaram a olhar apenas para o nosso país e não para os países mais desenvolvidos, que adotaram muito mais a cirurgia laparoscópica e robótica. - A falta de trabalhos científicos de alta evidência científica, que mostram a superioridade da cirurgia robótica sobre a laparoscópica ou convencional, retardou a adoção dessa nova tecnologia. Aguardaram-se mais trabalhos e definição de seu uso rotineiro antes de se adotar um novo e difícil caminho a ser trilhado. 42 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 - A cirurgia minimamente invasiva talvez não seja para todos. Deve-se, em qualquer especialidade cirúrgica, procurar fazer mais aquilo de que se gosta e com o qual se identifica. Portanto, deve-se ter o perfil de cirurgião minimamente invasivo, isto é: humilde, hábil, desejoso de aprender e perseverante. Não achamos a cirurgia minimamente invasiva mais importante que a Uroginecologia, a Uropediatria, a Medicina Sexual etc, visto que são todas igualmente importantes. Achamos, no entanto, que é hora de o urologista se ater mais a um setor da especialidade, caso contrário, nos distanciaremos cientificamente cada vez mais da Urologia americana ou europeia, em termos de casuística, em que, em trabalhos clínicos, centenas de casos representam pouco: publicam-se milhares de procedimentos. Conselho Finalizamos respondendo a pergunta feita no título. Sim, vale a pena para o jovem urologista aprender cirurgia robótica urológica. Ela veio para ficar. Passado certo tempo, deixará de ser novidade e permanecerá sendo feita por aqueles que adquiriram uma identificação com a plataforma robótica. A reinquietude atual em relação ao robô da Vinci® está uma década atrasada. Mais importante que tal robô é a filosofia da Cirurgia Minimamente Invasiva, que é entendida como sendo mais que uma via de acesso: é uma outra forma de se fazer a mesma cirurgia. A anatomia e seus planos de dissecção são vistos de forma um pouco diferentes, a apresentação das estruturas com mudanças de decúbito e com a insuflação de gás carbônico e a introdução dos instrumentos por orifícios conferem peculiaridade à cirurgia laparoscópica. Já não se tem a preocupação da violação da cavidade peritoneal. Sabe-se de reoperações de cirurgias laparoscópicas em que ela não provoca aderências entre as alças intestinais ou com o peritônio parietal, como ocorre em cirurgia aberta. Hoje, deve-se fazer o tratamento cirúrgico agredindo o mínimo possível o paciente. DEVO APRENDER CIRURGIA ROBÓTICA? REFLEXÕES E CONSELHO PARA O JOVEM UROLOGISTA Anuar I. Mitre Rafael F. Coelho A época de ver uma cirurgia, fazer a segunda para ensinar a terceira foi substituída por outra que exige muito mais do cirurgião, para que se obtenha o mesmo resultado. A quem interessa este novo momento cirúrgico? Ao paciente, a quem dedicamos o nosso trabalho. Os pacientes, atualmente, querem ter o seu problema resolvido com menos sangramento, com menos lesão tecidual, com menos dor, com um período de recuperação mais rápido e com menos cicatrizes. São novos tempos e, nos novos tempos, o conselho que se deixa ao jovem urologista é para que se lembre dos três ponto de vista aspectos primordiais, indissociáveis e igualmente importantes, do ensino médico: cognitivo, habilidade e atitude. Neste contexto, a cirurgia robótica representa uma nova habilidade, que agrega valor à cirurgia laparoscópica em termos de melhor qualidade de imagem em alta definição, imagem 3D, mais ambidestreza, facilidade e precisão de movimentos e mais graus de liberdade para as extremidades dos instrumentos que são mais delicados. A cirurgia aberta favorece o cirurgião. A cirurgia laparoscópica favorece o paciente. A cirurgia robótica favorece ambos. V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 43 CALCIFILAXIA PENIANA ImAGEm Em UROLOGIA LuIs OtávIO A. DuArtE PINtO rONALDO DAmIãO www.urologiaessencial.org.br ELOÍSIO ALEXSANDRO DA SILVA Professor Adjunto do Serviço de Urologia Hospital Universitário Pedro Ernesto | Universidade do Estado do Rio de Janeiro Litotomia ovvero del cavar la pietra E ste tratado de litotomia, editado em Florença, em 1707, contendo 210 páginas, deve ser considerado como o primeiro na história da Urologia a tratar, de forma completa, sob todos os aspectos, sobre o tema da litotomia. Além do aspecto científico disponível à época, descrito com clareza, o autor também estabelece normas de ética médica para a prática de sua profissão. O livro tornou-se um clásico, principalmente, porcausa das suas preciosas ilustrações, desde observações anatômicas, posições cirúrgicas e instrumentos para a realização de litotomias. Dentre as ilustrações desenhadas pelo próprio autor, destaca-se a “tavola IV”, ilustrando os cálculos coraliformes extraídos durante a necropsia do Papa Inocêncio XI, em 1689; o cálculo esquerdo pesava, aproximadamente, 280 gramas e o direito, 187 gramas. 44 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.1 JAN JUN 2013 CALCIFILAXIA PENIANA Luis Otávio A. Duarte Pinto Ronaldo Damião imagem em urologia REFERÊNCIAS 1. Alghisi T.: Litotomia ovvero del cavar la pietra. Nella Stamper, di Giuseppe Manni, all. Inseg. di S. Gio: di Dio. Firenze, 1707. 2. Debout, A.E.: Medical Guide to Contrexéville. London. J & A. Churchill. pp.96-119. ISBN 0-19-521833-7. 1883. V.3 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 45