Felipe Pereira Caxanga da Silva

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Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
A (In)Constitucionalidade do artigo 2º, § único da Emenda
Constitucional nº 51 de 2006 frente ao provimento de cargo
público efetivo na forma Constitucional
Autor: Felipe Pereira Caxangá da Silva
Orientadora: Msc. Lauriana de Magalhães Silva
Brasília - DF
2010
FELIPE PEREIRA CAXANGÁ DA SILVA
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 2º, § ÚNICO DA EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 51 DE 2006 FRENTE AO PROVIMENTO DE CARGO
PÚBLICO EFETIVO NA FORMA CONSTITUCIONAL
Monografia apresentada ao Curso de
Graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientadora: Msc. Lauriana de Magalhães
Silva
Brasília
2010
Aos meus Pais e à Minha Família.
Dedico.
AGRADECIMENTO
Agradeço à Deus e a minha família pelo apoio na realização do Curso de
Direito e também a Professora Lauriana de Magalhães Silva por ter aceitado ser
minha orientadora e, que, com grande determinação me conduziu na elaboração
deste trabalho de pesquisa.
RESUMO
SILVA, Felipe Pereira Caxangá da. A (In)Constitucionalidade do artigo 2º, § único
da Emenda Constitucional nº 51 de 2006 frente ao provimento de cargo público
efetivo na forma Constitucional. 71f. Monografia do Curso de Direito. Universidade
Católica de Brasília, Brasília, 2010.
Pesquisa realizada para aferir acerca da (in)Constitucionalidade do artigo 2º, § único
da Emenda Constitucional nº 51 de 2006. Trata da conversão de Agentes
Comunitários de Saúde e Agentes de Combate a Endemias em servidores públicos
efetivos sem prévia aprovação em concurso público. É possível perceber existe
incongruência desta emenda com o ordenamento Constitucional brasileiro. Do
mesmo modo, é verificada a incompatibilidade com os princípios constitucionais,
bem como na doutrina e nos entendimentos dos Tribunais. Contudo, para chegar a
tais conclusões de forma fundamentada não é simples. É preciso realizar um estudo
sobre institutos que circundam a constitucionalidade de normas. Assim foi
examinado temas como o Poder Constituinte Originário, o Poder Constituinte
Derivado, Emenda Constitucional, Limitações ao poder de emendar, entre outros de
igual importância. Estes institutos são essenciais na verificação da
inconstitucionalidade de uma norma inserida no ordenamento jurídico. É necessária
a verificação da inconstitucionalidade do dispositivo apresentado, pois não sendo
realizado o controle poderá repercutir negativamente no meio social. Se existe
desrespeito a Constituição, existe desrespeito a Sociedade, e é realizando o controle
constitucional de normas que se pode proteger a Carta Magna e, por conseqüência,
todo sistema jurídico e social.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Administrativo. Emenda Constitucional
nº 51/2006.
ABSTRACT
SILVA, Felipe Pereira Caxangá da. The (Un)Constitutionality of Article 2, §
Unique Constitutional Amendment No. 51, 2006 compared to the effective
provision of public office as constitutional. 71. Monograph Law Course. Catholic
University of Brasilia, Brasilia, 2010.
Research conducted to ascertain about the (in)Constitutionality of Article 2, § Unique
Constitutional Amendment No. 51 of 2006. This conversion of Community Health
Agents and Agents for Combating Endemic Diseases of civil servants effective
without prior approval of tender. You can see there is incongruity of this amendment
to the Brazilian constitutional order. Likewise, it is found to be incompatible with the
constitutional principles and the doctrine and the understandings of the Courts.
However, to reach such conclusions based not so simple. We need to conduct a
study of institutes surround the constitutionality of rules. So was examined issues
such as the Constituent Power Originally, the Constituent Power Extract, Amendment
Constitutional Limitations on the power to amend, among others of equal importance.
These institutes are essential in verifying the constitutionality of a provision inserted
into law. It is necessary to examine the constitutionality of the device shown, for not
being held control may reflect negatively on the social environment. If there is
disrespect to the Constitution, there is disrespect to the Society, and is completing
the constitutional review of regulations that can protect the Constitution and,
consequently, the whole legal system and social development.
Keywords: Constitutional Law. Administrative Law. Constitutional Amendment No.
51/2006.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................
10
1 O PODER CONSTITUINTE E O CONTROLE CONSTITUCIONAL DE
NORMAS.............................................................................................................
13
1.1 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O PODER CONSTITUINTE..................
13
1.1.1 O poder constituinte originário................................................................ 17
1.1.2 O poder constituinte derivado.................................................................
19
1.1.2.1 Emenda Constitucional............................................................................
20
1.1.2.2 Limitações ao poder de reforma..............................................................
22
1.2 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA TEORIA DA
INCONSTITUCIONALIDADE..............................................................................
24
1.3 RELEVÂNCIA DOS INSTITUTOS APRESENTADOS..................................
28
2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O SERVIDOR PÚBLICO............................
29
2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS AO SERVIDOR PÚBLICO
............................................................................................................................
29
2.1.1 Republicano.............................................................................................
30
2.1.2 Isonomia...................................................................................................
31
2.1.3 Impessoalidade........................................................................................
32
2.1.4 Proporcionalidade...................................................................................
34
2.1.5 Acessibilidade dos Cargos Públicos.....................................................
36
2.2 SERVIDOR PÚBLICO...................................................................................
39
2.2.1 O cargo efetivo e o art. 37, inciso II, CF/88............................................
41
2.2.2 O Contrato Temporário e a funcionalidade do artigo 37, inciso IX da
CF.......................................................................................................................
42
2.2.2.1 Processo Seletivo Simplificado..............................................................
44
2.3 RELEVÂNCIA DOS INSTITUTOS APRESENTADOS..................................
47
3 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51 DE 2006...............................................
48
3.1 ASPECTOS GERAIS DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO –
PEC 07/2003......................................................................................................
48
3.1.1 Os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate à
Endemias..........................................................................................................
56
3.2 ANÁLISE CRÍTICA AO § ÚNICO DO ARTIGO 2º DA EC 51/2006..............
60
CONCLUSÃO....................................................................................................
66
REFERÊNCIAS.................................................................................................
69
10
INTRODUÇÃO
A escolha do tema se deu a partir de uma verificação superficial da Emenda
Constitucional nº 51/06 (EC 51/06), onde se pode observar a incongruência entre a
referida emenda e as normas e princípios constitucionais.
Tal problema surgiu no ano 2006 com a promulgação da EC 51/06, onde, em
seu artigo 2º, § único, permitiu que Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de
Combate a Endemias, que já estivessem trabalhando a qualquer título, provessem
cargos públicos efetivos sem prévia aprovação em concurso público.
Deste modo, no que concerne a fins práticos e em relação à EC 51/06, podese dizer que ocasionaria o tratamento desigual em relação aos iguais, desvirtuando
a ordem social, causando violação ao princípio da isonomia e do republicano por
implicar indiretamente favorecimento pessoal, como por exemplo, o aumento de
desemprego nas classes mais baixas em detrimento do favorecimento de outras
classes, acarretando em desigualdade social.
Para execução do projeto se faz necessária pesquisa, principalmente
doutrinária, uma vez que até o presente momento os tribunais pouco pronunciaram
acerca do tema. Neste contexto, no que se refere à pesquisa, existe doutrina
suficiente para realização do projeto, tornando-o viável.
Assim a presente pesquisa procura responder as seguintes questões: O que é
emenda constitucional? Qual a forma constitucional para o provimento de cargos
públicos efetivos? Como se deu o provimento dos Agentes Comunitários de Saúde e
Agentes de Combates à Endemias? E por fim, Será que o artigo 2º,§ único da
Emenda 51/06 é Constitucional?
Em
primeiro
plano,
sugere-se
a
hipótese
de
argüição
pela
Inconstitucionalidade do artigo 2º § único da Emenda Constitucional 51 de 2006 (EC
51/06), pois tal norma afronta diretamente o texto e princípios constitucionais.
11
No que se refere ao texto legal da Constituição Federal, o § único do artigo 2º
da emenda está em desconformidade com o artigo 5ºcaput da CF/88, onde “todos
são iguais perante a lei...”.
Em desconformidade, também, está a emenda com o artigo 37, inc. II da CF,
pois é uma exigência constitucional a aprovação em concurso público para
investidura de cargos públicos. Desta forma, o “processo seletivo” que trata o § único
do artigo 2º da emenda, não pode ser entendido de outra forma, senão concurso
público. Ocorre que não foi este o entendimento, o que acabou abarcando várias
pessoas sem prévia aprovação em concurso público.
Em sede de princípios constitucionais, verifica-se a desobediência do
princípio republicano, da isonomia, da impessoalidade, da proporcionalidade e da
acessibilidade dos cargos público.
Aceitar que os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate à
Edemias assumam a condição de servidores públicos efetivos, é retirar a
aplicabilidade dos princípios acima destacados.
Neste contexto, há de se verificar da veracidade da hipótese acima sugerida,
por meio de uma analise crítica e fundamentada, a qual será objeto de discussão.
Deste modo, o objetivo geral é verificar a (in)Constitucionalidade do artigo 2º,
§ único da Emenda Constitucional nº 51 de 2006 frente ao provimento de cargo
público efetivo na forma Constitucional, utilizando-se de pesquisa especialmente
explicativa.
Para alcançar objetivo geral é necessário dividir a pesquisa em três capítulos.
O primeiro capítulo, caracterizado pela pesquisa descritiva, traz conceitos
gerais acerca do poder constituinte originário e derivado – reformador, especificando
o que é Emenda Constitucional.
O segundo capítulo proposto, também de pesquisa descritiva, propõe a
relação da Constituição Federal com o serviço público. Este conjunto procura, a
partir de definições doutrinárias, entender o artigo 37, inciso II da Constituição
Federal e os princípios pertinentes (princípio republicano, da isonomia, da
12
impessoalidade, da proporcionalidade e da acessibilidade dos cargos público). Neste
conjunto, devem-se verificar, ainda, os conceitos de Cargo Efetivo, a funcionalidade
do artigo 37, inciso IX da CF.
O último capítulo, fundamentado pela pesquisa explicativa, tem por objetivo
fazer uma análise crítica ao § único do artigo 2º da Emenda Constitucional 51 de
2006, passando por aspectos gerais da emenda, e por fim avaliando acerca de sua
(in)constitucionalidade.
No que concerne à metodologia, será aplicada a revisão bibliográfica,
aplicando-se a conceitos lógicos como o de servidor público e provimento de cargos
públicos, sedimentados na doutrina, para alcançar o resultado na pesquisa.
No que tange ao método, será aplicado o Hipotético Dedutivo, pois serão
utilizados definições e conceitos tidos como verdades gerais fundadas na doutrina
para responder o questionamento particular objeto da pesquisa.
A pesquisa será dividida em três partes. A duas primeiras partes serão
descritivas, pretendendo assim demonstrar em conceitos gerais acerca dos institutos
abordados no trabalho. A terceira parte tem função explicativa, onde pegará os
conceitos gerais abordados nas duas primeiras partes e aplicará em um objeto
específico, qual seja, o estudo acerca da (in)constitucionalidade do artigo 2º,§ único
da Emenda 51/06.
13
CAPÍTULO 1 – O PODER CONSTITUINTE E O CONTROLE CONSTITUCIONAL
DE NORMAS
1.1 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O PODER CONSTITUINTE
Pode-se dizer que o conceito, por assim dizer, de Poder Constituinte teve seu
nascimento na Europa, com Sieyes, pensador e revolucionário francês do século
XVIII. A concepção de soberania nacional na época assim como a distinção entre
poder constituinte e poderes constituídos com poderes derivados do primeiro é
contribuição do pensador revolucionário.
Outro marco importante foi a Convenção de Filadélfia em 1787, com a
Assembléia das ex-colônias da Inglaterra, surgindo a partir da vontade do povo em
limitar o poder do Estado e preservar os direitos e garantias fundamentais ao
indivíduo. Neste contexto pode-se aferir, então, que o Poder Constituinte tem condão
limitador e preservador.
O poder constituinte, na visão de Alexandre de Moraes1 “é a manifestação
soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente
organizado”.
Michel Temer2 comunga em parte do conceito supracitado ao dizer:
Esse é o significado do Poder Constituinte (de poder constituir): é a
manifestação soberana de vontade de um ou alguns indivíduos capaz de
fazer nascer um núcleo social.
Assim, os indivíduos titulares do Poder Constituinte, em princípio, eram as
pessoas que pertenciam a nação. Mais tarde passou-se atribuir tal titularidade ao
1
2
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 21.
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 31
14
povo, visto que o conceito é mais amplo que o de nação3. O povo é o titular, mas no
sistema representativo, por exemplo, quem exerce o poder constituinte são aqueles
que o povo escolhe para representá-los.
Neste contexto deve-se salientar que o Poder Constituinte possui titularidade
e exercício. Devem-se distinguir tais institutos, pois muitas vezes ocorre dos titulares
do Poder Constituinte não o exercerem.
No caso do sistema brasileiro, que é representativo, o titular do poder
constituinte é o povo, sendo representado pelos políticos do Congresso Nacional.
Outro conceito que é de fundamental averiguação para o entendimento
acerca do Poder Constituinte é o de Estado, uma vez que tal poder tem por função
instituir um Novo Estado de Direito.
Em primeiras linhas podemos aferir o conceito de Estado extraído do
Dicionário Aurélio da língua portuguesa4:
Nação politicamente organizada. Organismo político administrativo que
como nação soberana ou divisão territorial, ocupa um território
determinado, é dirigida por um governo próprio e se constitui pessoa
jurídica de direito público. Estado regulado por uma constituição que prevê
uma pluralidade de órgãos dotados de competência distinto explicitamente
determinada.
Deve-se salientar, entretanto, que tal conceito não se esgota apenas nestas
palavras acima descritas. Assim, cabe aprofundar um pouco mais para um maior
entendimento acerca do tema.
Estado de direito, na acepção de Bobbio5, deve ser sistematizado por uma
estrutura formal (garantia das liberdades fundamentais), material (liberdade de
concorrência no mercado), social (segurança da classe trabalhadora) e política
(separação e distribuição dos poderes).
3
Conjunto de indivíduos que falam a mesma língua, têm costumes e hábitos idênticos, afinidade de
interesses, uma história e tradições comuns. Já nação é um agrupamento humano, mais ou menos
numeroso, cujos membros, geralmente fixados em um território, são ligados por laços históricos,
culturais, econômicos e ou lingüísticos. Diante de tais conceitos é possível verificar que o conceito de
povo abrange um maior numero pessoas que o de nação.
4
FERREIRA, Aurélio Buarque de Hol, Novo dicionário da língua portuguesa, 4. ed. Curitiba:
Editora Positivo, 2009. p. 820, povo 1612 e nação 1381
5
BOBBIO, Noberto. Dicionário de Política, 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992. p.
401
15
Rousseau6 em seu livro intitulado Do Contrato Social propõe acerca de um
pacto social entre os indivíduos, onde os mesmos se unem para empregar suas
próprias forças, a fim de manter sua existência:
Suponho que os homens que chegaram a este ponto, em que os obstáculos
que impedem sua conservação no estado de natureza, levam por sua
resistência, para as forças que cada individuo pode empregar para se
manter neste estado. Este estado positivo, então, não pode subsistir e o
gênero humano pereceria se não mudasse sua maneira de ser.
Portanto, como os homens não podem engendrar novas forças, mas apenas
unir e dirigir as que existem, não possuem outros meios para se conservar
senão formar, por agregação, um conjunto de forças, que possa levar à
resistência, empregar um único móvel e fazê-lo agir em conformidade com
eles.
A partir daí surge então, o que Rousseau7 chama de Estado Civil:
Esta passagem do estado da natureza para o estado civil produz no homem
uma mudança muito marcante, substituindo, em sua conduta, o instinto pela
justiça, e dando-lhe às ações a moralidade que lhe faltava antes. É só então
que a voz do dever, sucedendo ao impulso físico e ao direito ao apetite, faz
o homem, que até então não tinha senão olhado para si mesmo, ver-se
forçado a agir por outros princípios, e consultar a razão antes de escutar
suas inclinações.
Dent8, ao fazer uma análise de Rousseau aduz brilhantemente acerca do
referido tema:
Não obstante pode ser conjeturado que sustentou existir um Estado
quando certo número de pessoas está submetido a um conjunto comum de
regras (leis) para governo de sua conduta, regras estas que promulgadas
por autoridade centralizada e suprema, e cuja observância será imposta, se
necessário, por força de sanções ou penalidades.
Assim, temos que o Estado deve ser instituído a partir da união de esforços
de um povo para que assegurado a proteção do indivíduo frente a sociedade,
limitando-se, entretanto, algumas liberdades individuais.
Michel Temer9 trata do Estado como uma Sociedade Política, onde por meio
jurídico é organizada a partir de um Poder Constituinte. Isto independe das pessoas
viverem em regime de Direito Natural ou Direito Positivo.
Neste contexto há de se apreciar os conceitos de Direito Natural e Direito
6
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político, tradução de J.
Cretella Jr. e Agnes. 2º Ed. Ver. da tradução, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 29
7
ROUSSEAU, 2008. p. 35.
8
DENT, N. J. H. Dicionário Rousseau. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996. p. 128.
9
TEMER, 2005. p.31.
16
Positivo.
Direito Natural ou ius naturalis no entendimento Sidou10 é um:
Conjunto de regras inatas na natureza humana, pelas quais o homem se
rege afim de agir com retidão, e cujos preceitos participam, alguns, da
razão pura, são universais e imutáveis no tempo e no espaço, e outros, da
razão prática, adaptando-se aos tempos e as regiões de maneira variável.
Aduz acerca do Direito Positivo:
Conjunto de preceitos elaborados pelo homem, legislado ou costumeiro,
que regula ou já regulou uma sociedade em um determinado momento
histórico; o ius positum in societate ou aquele que é colocado pelo homem
na sociedade.
Deste modo, conclui-se que não importa o regime de direito que é vivido em
uma sociedade, pois todas têm como norma fundadora um Poder que as constituem,
seja tal poder proveniente da natureza do ser humano ou seja proveniente de um
contrato social.
Deve ser também salientado, para ser analisado o Poder Constituinte, a
estabilidade da constituição. Assim sendo, no entendimento de Moraes11 as
constituições de um Estado podem ser constituições imutáveis (onde se veda
qualquer alteração), rígidas (constituições escritas que poderão ser alteradas por um
processo legislativo mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das
demais espécies normativas), flexíveis (em regra não escritas, poderão ser alteradas
pelo processo legislativo ordinário) e semi-rígidas (algumas regras poderão ser
alterada pelo processo legislativo ordinário, enquanto outras somente por um
processo legislativo especial e mais dificultoso).
Moraes conclui que a Constituição pátria, em sua flexibilidade (ou
estabilidade), pode ser considerada super-rígida, uma vez que para alteração em
toda carta magna deve-se respeitar um processo solene e mais dificultoso nos
termos do artigo 60 CF/88. Contudo, existem normas constitucionais que são
imutáveis (artigo 60, § 4º CF/88 – clausulas pétreas).
Deste modo, qualquer outra norma promulgada pelo Estado deve guardar
10
SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídica. 8. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 299.
11
MORAES, 2007.p.05
17
obediência a Carta Magna.
No princípio da supremacia da constituição, verifica-se que a carta magna é o
cume do ordenamento jurídico, em que se encontram as normas fundamentais, além
das normas de organização do Estado. Ela acaba, nos dizeres de Sundfeld12,
“estabelecendo os termos essenciais do relacionamento entre as autoridades e entre
estas e os indivíduos: a Constituição (também chamada de Cartas ou Lei Magna)”.
Divide-se supremacia em formal e material. A supremacia material é admitida
em constituições costumeiras e flexíveis, já a formal só se admite nas constituições
rígidas.
O Poder Constituinte é quem dá origem a Constituição e, por conseguinte,
todo ordenamento jurídico de uma nação, se tornando, desta forma, a Norma Matriz.
Segundo André Ramos Tavares13: “É aceito que, por definição, não existe
norma jurídica superior à constitucional. Esta, portanto, ocupa patamar último do
Direito”.
Tal poder é dividido, de forma clássica, em Poder Constituinte Originário,
Genuíno ou de 1º grau e Poder Constituinte Derivado, igualmente denominado
como: instituído, constituído, remanescente, de reforma e de revisão.
1.1.1 O poder constituinte originário
O Poder Constituinte Originário é aquele que constitui um novo Estado. É a
partir de tal poder que se estabelecem todos os poderes constituídos.
12
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
p.40.
13
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Ver. E atual. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 28.
18
Na acepção de Moraes14
O Poder Constituinte originário estabelece a Constituição de um novo
Estado, organizado-o e criando os poderes destinados a reger os interesses
de uma comunidade. Tanto haverá Poder Constituinte no surgimento de
uma primeira Constituição, quanto na elaboração de qualquer Constituição
posterior.
Para Tavares15 ““poder” constituinte originário corresponde à possibilidade
(poder) de elaborar e colocar em vigência uma Constituição em sua globalidade”.
Em seu aspecto político, dá origem a um sistema a partir de situações fáticas
e não jurídicas, uma vez que o poder constituinte originário (político) é ilimitado.
Paulo Bonavides16 ao tratar de tal aspecto aduz:
Politicamente é o poder constituinte um poder supra legem ou legibus
solutos, um poder a que todos os poderes constituídos hão
necessariamente de dobrar-se ao exercer ele a tarefa extrajurídica de cria a
Constituição.
O poder constituinte originário também tem função legitimadora, fazendo com
que uma Nação seja considerada soberana, e valorativa, pois tem como pretensão
evitar proveitos e monopólios no poder.
Visa colocar na prática um sistema constitucional em sua totalidade, por meio
da Constituição, organizando a forma de Estado, abordando direitos e garantias
fundamentais e delimitando as competências nas funções públicas.
É um poder de fato que tem por objetivo criar um novo Estado e como é um
pontapé inicial no novo Estado, tal poder é ilimitado desde o aspecto formal até o
material.
O Poder Constituinte Originário tem como características ser inicial (pois é a
normal fundacional); ilimitado e autônomo (não está vinculada a ordem jurídica
anterior); incondicionado (pois não há condições para manifestação da vontade do
constituinte) e permanente (não há esgotamento da norma frente ao Estado).
14
MORAES, 2007. p. 22.
TAVARES, 2006. p. 29.
16
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 149.
15
19
1.1.2 O poder constituinte derivado.
O Poder Constituinte Derivado é colocado na Constituição a partir do Poder
Constituinte Originário. Para haver um poder constituído é necessário que tenha
uma ordem preestabelecida, ou seja, que haja uma Constituição que apresente esta
possibilidade e que legitime órgãos para efetivar tais poderes.
Nos dizeres de Paulo Bonavides17
Considerando assim pelo aspecto jurídico, nessa amplíssima latitude, todo
poder constituinte, ainda quando por tarefa fazer uma nova Constituição, é
rigorosamente poder constituído.
Já para Moraes18
O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois
decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto,
conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de
controle de constitucionalidade.
É um poder jurídico, uma vez que foi limitado pela Norma Matriz.
Tem como principal utilidade ser um instrumento, aplicado principalmente nas
Constituições rígidas, para alteração e correções nas normas constitucionais, tendo
como função precípua, por meio do órgão competente, realizar tais modificações na
Carta Magna.
É um poder jurídico usado para reformar a Constituição. Deste modo, possui
limitações expressas e implícitas, podendo sofrer controle de constitucionalidade,
observando, entretanto, as limitações jurídicas impostas pela própria Carta Magna.
Devem-se observar algumas limitações ao poder de reforma constitucional.
Moraes19 entende que tal poder tem como característica ser derivado (pois
surge a partir da norma fundamental); subordinado (pois lhe é imposta limitações
determinado pelo poder constituinte originário) e condicionado (depende de forma
preestabelecida pelo poder constituinte originário). Divide-se em Poder constituinte
derivado decorrente e Poder constituinte derivado reformador.
17
BONAVIDES, 2006. p. 151.
MORAES, 2007. p. 24.
19
MORAES, 2007. p. 24.
18
20
O Poder constituinte derivado decorrente se caracteriza pela possibilidade
dos estados-membros formularem suas próprias constituições desde que não
contraponham a Constituição Federal.
Já o poder constituinte derivado reformador é a competência, atribuída pela
Constituição, ao poder Legislativo (a competência para “reformar” a Constituição
Brasileira é do Congresso Nacional) alterar o corpo da Constituição. Tais reformas
são feitas por meio de Emendas Constitucionais.
Obviamente, devem-se observar algumas limitações de ordem jurídica, uma
vez que a própria Carta Magna as impôs com fundamento de não romper as normas
basilares e fundamentais na concepção do poder constituinte originário.
1.1.2.1 Emenda Constitucional
No contexto da Emenda à Constituição há de se avaliar a terminologia e
conceito. Cabe salientar, que deve-se em primeiro plano diferenciar mutação de
reforma constitucional.
A mutação constitucional se dá pela evolução cultural, social e costumeira,
sem a necessidade de uma alteração formal no texto da Carta Magna.
Já a reforma constitucional é de aspecto formal, onde há alteração no corpo
constitucional, autorizada pela própria Constituição.
Deve-se frisar também, dentro reforma, existe uma subdivisão em duas outras
espécies, quais sejam, a revisão (que no nosso ordenamento está amparado no
artigo 3º da ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias) e a emenda
(procedimento formal analisado a partir do artigo 60 da Constituição Federal).
A Emenda Constitucional é uma das espécies normativas estabelecidas pela
21
Constituição Federal de 1988, uma vez que esta tem como uma de suas
características a rigidez. É o instrumento hábil para promover a reforma na
Constituição nos termos do artigo 59, inciso I da CF/88. Tem como função alterar as
normas previstas na própria Constituição.
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição; ...
Cabe salientar que as emendas servem apenas para alterar a Carta Magna e
não mudá-la, sob pena de estabelecer um novo poder constituinte originário.
Moraes20 estabelece que os procedimentos adotados no processo legislativo
para realização da emenda constitucional passam por duas fases: introdutória e
constitutiva.
Na fase introdutória se estabelece a iniciativa para a propositura da emenda.
Assim, o artigo 60 caput, incisos I, II e III da CF/88 delimita quais pessoas têm
legitimidade constitucional para propor emendas à Constituição, como podemos
verificar:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do
Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da
Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus
membros.
A fase constitutiva passa pela deliberação parlamentar onde a emenda
constitucional se dá por meio de procedimentos prescritos na própria Carta Magna,
havendo uma formalidade especial. Tais preceitos estão fundamentalmente
colocados no artigo 60, § 2º da CF/88
Art. 60. ...
§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos,
três quintos dos votos dos respectivos membros.
A partir da leitura do §3º do artigo 60, CF/88, verifica-se que não existe
20
MORAES, 2007. p. 620.
22
participação do Presidente da República, pois a promulgação é de competência das
Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
Art. 60. ...
§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
No que tange a publicação, a Constituição restou silenciada.
Entretanto, Moraes21 aduz que tal competência é do Congresso Nacional.
1.1.2.2 Limitações ao poder de reforma.
No que concernem as limitações ao poder de reforma constitucional, verificase que o poder constituinte reformador tem suas limitações impostas pela própria
Constituição Federal.
A Doutrina separa tais limitações em formais e materiais.
As limitações formais se referem às condições de elaborar a reforma, sendo:
restrições processuais, circunstanciais e temporais.
As restrições processuais se referem aos procedimentos pelos quais a
Constituição impõe para reforma constitucional. Tais procedimentos são indicados
pelo artigo 60, I, II e III,§§ 2º e 3º CF/88, apresentados no item anterior.
As limitações circunstanciais são aquelas em que em determinados
momentos a própria Constituição não permite o processo de reforma. É o caso da
intervenção federal, estado de emergência e de sítio, nos temos do artigo 60, §1º da
Constituição Federal.
Art. 60. ...
21
MORAES, 2007. p. 640.
23
§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção
federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
As restrições temporais são aquelas que exigem um lapso de tempo para
modificar a Constituição. Não são encontradas no atual ordenamento constitucional
pátrio. Não se confundem com as circunstancias, uma vez que tais restrições se
destinam a um tempo especifico em que deverão haver a reforma.
As limitações materiais estão relacionadas ao objeto a ser reformado na
Constituição. No que concerne a sua matéria alguns dispositivos constitucionais
originários não podem sofrer alterações, uma vez que a própria Constituição assim
determina. Tais limitações materiais podem ser de forma explícita ou implícita.
As limitações de forma explícita são aquelas onde a Constituição demonstra
claramente em seu texto a proibição de alteração (exemplo: artigo 34, VII, a da
CF/88).
Art. 34. ...
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
Merecedoras de destaque, neste contexto, são as cláusulas pétreas
instituídas pelo artigo 60, §4º, IV da CF/88. Visam proteger as liberdades individuais
em face de emenda que tente as abolir.
Art. 60. ...
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Já as limitações materiais de forma implícita não demonstram com clareza a
proibição de modificação, entretanto percebe-se a intenção da Constituição em
preservar a imutabilidade de um dispositivo (exemplo: reforma da titularidade do
poder constituinte, supressão das limitações expressas, entre outras).
24
Por fim, vale a pena frisar que para realizar as emendas à Constituição é
necessário respeitar as limitações impostas pelo poder constituinte por meio da
Carta Magna em seu artigo 60.
1.2 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA TEORIA DA
INCONSTITUCIONALIDADE
A inconstitucionalidade significa haver atos ou fatos jurídicos que não são
compatíveis a norma constitucional vigente. Tais incompatibilidades podem ser de
caráter legislativo e/ou até de caráter administrativo. Cabendo salientar, a
possibilidade da existência de inconstitucionalidade nos diversos patamares
hierárquicos das normas, inclusive nas de nível constitucional.
Para Tavares22:
A inconstitucionalidade das leis é expressão, em seu sentido mais lato,
designativa da incompatibilidade entre atos ou fatos jurídicos e a
Constituição.
E ainda conclui23:
Ao se classificar a inconstitucionalidade direta, leva-se em conta a
incompatibilidade da lei com a norma expressa na Constituição. No caso de
Inconstitucionalidade indireta, haveria incompatibilidade entre a lei e uma
norma constitucional implícita.
Já para José Afonso da Silva24 “[...] todas as normas que integram a
ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da
Constituição Federal”.
Neste diapasão, verifica-se a necessidade de analisar dois pressupostos
22
TAVARES, 2006. p. 183.
Idem. p. 207.
24
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed., São Paulo: Malheiros,
2007. p. 46.
23
25
fundamentais para discorrer acerca da inconstitucionalidade das leis: supremacia
constitucional e existência de um ato legislativo.
A inconstitucionalidade pode ser no aspecto formal, pois trata acerca do
desrespeito à forma prescrita, a inobservância de condição estabelecida e a falta de
competência de legislar, ou no aspecto material, onde há violação das normas
constitucionais.
Quando se trata de inconstitucionalidade, entende-se, em primeiro plano, a
falta de compatibilidade entre norma e a Constituição. Entretanto, no que concerne
ao controle formal, há de se analisar o procedimento na elaboração, não a norma
que adentrará o mundo jurídico.
Já a inconstitucionalidade material visa extirpar a norma que está se
contrapondo à Constituição. Contudo, deve-se salientar a comunicabilidade entre o
fato e a norma. Quando se afere acerca da constitucionalidade da norma, devem-se
verificar os fatos que levaram a construção de tal norma e não apenas a norma em
seu sentido literal.
Ademais, a Inconstitucionalidade pode ser expressa ou direta (quando a
norma contraia o texto constitucional vigente) e implícita ou indireta (quando a norma
é incompatível com os axiomas constitucionais).
O controle de constitucionalidade é o ajustamento da norma com a
Constituição. Para ocorrer tal controle se faz mister que a Constituição seja rígida e
que haja um escalonamento no ordenamento jurídico, onde a Carta magna seja a
norma máxima.
Assim, para verificar falta de compatibilidade da norma com a constituição
devem-se fazer duas análises de pressupostos ou requisitos, uma sobre os aspectos
materiais e outra sobre os aspectos formais.
Os Requisitos formais são legitimados a partir do art. 5º, II, CF/88 onde estar
caracterizado o principio da Legalidade. Em conseqüência disto, a constituição, em
seus artigos 59 a 69, estabeleceu um devido processo legislativo. Os requisitos
formais podem ser de ordem subjetiva (em relação à iniciativa de elaboração de
normas) e de ordem objetiva (em relação aos procedimentos e conclusão).
26
Acerca dos requisitos materiais verifica-se a substância (conteúdo) da norma
para averiguar a compatibilidade com a constituição.
No que diz respeito ao controle de constitucionalidade da reforma
constitucional, deve-se prezar pelo cumprimento formal (procedimento) e material
(conteúdo) descritos na Constituição. Caso não sejam seguidas tais imposições
constitucionais, a reforma estará eivada de vícios e, submetida ao controle de
constitucionalidade, não produzirá efeitos no mundo jurídico.
A Constituição Federal ocupa o ápice de uma escala na ordem normativa do
país. Tal localização se dá a partir da supremacia constitucional em face de outras
normas. Desta forma, qualquer outra norma posterior a Constituição deve guardar
preceitos de forma e conteúdos previstos na própria Carta Magna.
A partir disto, qualquer ato normativo que esteja à contra censo dos prescritos
na Constituição estará passível de controle e, conseqüentemente, expurgação da
ordem jurídica.
Este controle de constitucionalidade pode ser feito por meio de três sistemas:
político (feito pelo poder legislativo), jurisdicional (feito pelo judiciário) e misto (feito
por ambos os poderes). Pode ser feito de maneira difusa (feito por todo poder
judiciário) ou concentrada (feito por entidade específica).
Já no que concernem as formas de controlar a constitucionalidade dos atos
normativos temos a forma preventiva e a forma repressiva.
No que diz respeito principalmente a constituições rígidas deve-se salientar
que existe uma forte distinção entre o poder constituinte e as normas constituídas. A
poder constituinte originário é estabelecido a partir da Constituição e assim nenhuma
norma pode posterior pode contrariá-la. Isto ocorre, pois existe uma hierarquia onde
a Constituição é a norma que ocupa o topo. Deste modo, pelas constituições rígidas,
para fazer alguma modificação em seu corpo é necessário um rito especial
estabelecido pela própria Carta Magna.
Qualquer norma que esteja contrária a Constituição não deve entrar no
ordenamento jurídico sob pena de nulidade e não aplicação. Para que não ocorra a
presenças de tais normas no mundo jurídico é necessário fazer o controle.
27
E assim por entender vislumbra-se no dizeres de Michel Temer25 que:
Controlar a constitucionalidade de ato normativo significa impedir a
subsistência da eficácia de norma contrária à Constituição. Também
significa a conferência de eficácia plena a todos os preceitos constitucionais
em face da previsão do controle da inconstitucionalidade por omissão.
Alexandre de Moraes26 acrescenta que:
Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação
(compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição,
verificando seus requisitos formais e materiais.
Desta forma pode-se aferir que tal controle deve ser feito em seu aspecto
formal e material.
O controle formal visa verificar se o processo de elaboração da norma,
delimitado pela Constituição, foi devidamente seguido. Neste controle não se analisa
o conteúdo da norma, mas se foi seguido os preceitos processuais na sua feitura,
verificando competências, legitimidade, quorum, etc.
Enquanto o controle formal se preocupa com processo de elaboração, o
controle material busca certificar-se da não ocorrência de incongruência do conteúdo
da norma elaborada com a Constituição. Para fazer este controle deve-se
aprofundar até o âmago da norma por meio da hermenêutica.
Neste diapasão, é de salientar que toda norma em desconformidade com a
Constituição está eivada de inconstitucionalidade, tanto por ação quanto por
omissão. No caso da inconstitucionalidade por ação é delimitada por leis ou atos
administrativos que resultam na incompatibilidade com Constituição, uma vez que as
normas editadas devem ser compatíveis a Lei Máxima. Já a inconstitucionalidade
por omissão advém do poder público abster-se de produzir normas para a completa
aplicabilidade da norma constitucional que precise de complemento.
25
26
TEMER, 2005. p. 44.
MORAES, 2007. p. 676.
28
1.3 RELEVÂNCIA DOS INSTITUTOS APRESENTADOS
O estudo do Poder Constituinte e do Controle de Constitucionalidade é
essencial para o início da análise de uma emenda constitucional.
No Poder Constituinte verificou-se a existência de poder originário ou inicial, e
de poder derivado, que surge a partir da Constituição.
Dentro do Poder Constituinte Derivado existe a figura da emenda
constitucional que tem como fundamento a alteração constitucional. Entretanto tal
alteração não pode ser feita de maneira desregrada, e neste contexto sofre
limitações que podem ser de ordem formal ou material.
Deste modo surge o Controle de Constitucionalidade que serve para verificar
se houve o rompimento das limitações explicitadas pela Constituição.
Sendo assim, é importante verificar a existência de uma norma fundamental
que constitui um Estado e a partir daí qualquer outra norma, inclusive uma emenda
constitucional, jamais pode ferir a norma matricial constitucional.
Assim, tais institutos do direito Constitucional são relevantes para o desfecho
acerca do estudo da inconstitucionalidade de qualquer norma pertencente ao
ordenamento jurídico.
29
CAPÍTULO 2 – A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O SERVIDOR PÚBLICO
2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS AOS SERVIDORES PÚBLICOS
A Constituição Federal ao estabelecer a possibilidade de ingresso para o
desempenho do serviço público o fez de maneira criteriosa, buscando abarcar o
máximo de justiça e clareza em sua contratação e, para alcançar um patamar justo e
claro dentro do serviço público, é necessário respeitar os princípios que regem a
administração pública.
Os princípios, na visão de Moreira Neto27
[...]são proposições abstratas de segundo grau, por serem abstrações
inferidas da lei, que, por sua vez, são proposições abstratas de primeiro
grau, porque se desumem diretamente dos fatos para evidenciar alguma
invariância que os caracterize.
Desta forma, devem ser reverenciados os princípios no caput do artigo 37 da
CF/88:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte: (grifo nosso)
Assim, a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, são
princípios explícitos e gerais na administração pública, devendo estes ser acolhidos
inclusive no método de selecionar as pessoas que vão prover cargos e funções no
serviço público.
Além destes princípios explicitados no artigo 37 da CF/88, existem os que são
igualmente abarcados de maneira explicita ou implícita, podendo ser localizados na
27
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte
geral e parte especial, 13º Ed., Rio de Janeiro, Editora: Forense, 2003. p. 73.
30
própria Constituição, em leis infraconstitucionais, em tratados, na doutrina, entre
outros.
Para a análise da inconstitucionalidade de um dispositivo normativo, deve ser
realizada preliminarmente a dos princípios que circundam a norma em questão.
Assim, o princípio republicano, da isonomia, da impessoalidade, da
proporcionalidade e da acessibilidade dos cargos públicos merecem destaque para
posterior apreciação do artigo 2º § único da EC nº 51/06.
2.1.1 Republicano
O artigo 1º da Constituição Federal de 1988 aduz acerca do princípio
republicano:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Trata-se de um princípio fundamental, que Moreira Neto28 ao tratar acerca do
tema revela:
O País está constituído como uma república, conceito originalmente oposto
ao de monarquia, derivado da voz latina res publica, traduzido livremente
como coisa comum, que se incorporou a Filosofia Política como um regime
político em que se define um espaço público, distinto do privado, no qual são
identificados e caracterizados certos interesses, também ditos públicos, que
transcendem os interesses individuais e coletivos dos membros da sociedade
e, por isso, passam a ter satisfação submetida a decisões, normativas e
concretas, de agentes também públicos.
A concepção republicana implica no afastamento de mecanismos de
favorecimento pessoal. É o caso, por exemplo, de não realização de o concurso
público para efetivação de cargos no serviço público, alienado tais cargos quem fizer
28
MOREIRA NETO, 2003. p. 78.
31
maior favorecimento pessoal ao administrador do Serviço Público.
Corroborando com tal idéia, Dallari29 afirma
No sistema jurídico brasileiro a garantia de igual acesso a todos os
interessados de ingressar no serviço público tem fortíssimas raízes
constitucionais, a partir do próprio artigo 1º da Constituição Federal, que
consagra o princípio republicano, o qual não admite castas ou classes de
cidadãos.
2.1.2 Isonomia
Em decorrência do princípio republicano, temos o princípio da isonomia, o
qual requer o tratamento igualitário aos indivíduos.
É o que trata o caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 ao dizer
que
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
Também denominado como Princípio da Igualdade prevê o tratamento
igualitário em relação a todos, buscando a negação de atos discriminatórios dentro
do ordenamento jurídico.
Moreira Neto30 completa o raciocínio acima relatado ao dizer
O princípio da igualdade é ainda extremamente relevante no seu enunciado
negativo, que é a vedação de discriminação, com particular aplicação nos
serviços públicos, nos concursos públicos, nas licitações e no processo
administrativo. (negrito nosso)
Desta forma, para fazer análise do artigo 37 e seus incisos da Constituição
Federal de 1988, há de se buscar os fundamentos principiológicos na Isonomia e no
29
30
DALLARI, Adilson Abreu, Revista Eletrônica de Direito do Estado, nº 6, Bahia, 2006. p. 01.
MOREIRA NETO, 2003. p. 81.
32
princípio Republicano.
2.1.3 Impessoalidade
O princípio da impessoalidade encontra-se, em primeiro plano, no artigo 5º
caput da Constituição Federal de 1988. Assim como o princípio da Isonomia, a
impessoalidade atua de maneira a igualar o tratamento em ralação aos indivíduos da
sociedade.
Deste modo, a administração pública, deve obedecer a tal regra, sendo
vedados a esta qualquer tipo de distinção restritiva ou de privilégios. Neste sentido, o
princípio da impessoalidade consta de maneira expressa no caput do artigo 37 da
Constituição Federal de 1988, ao prescrever
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:(grifo nosso)
Neste contexto, percebe-se a importância da aplicação do princípio da
impessoalidade em relação aos atos da administração pública (inclusive admissão
de servidores públicos), uma vez que o legislador constituinte o enfatizou no texto
constitucional.
Celso
Antônio
Bandeira
de
Mello31
aduz
acerca
do
princípio
da
impessoalidade o relacionando com o princípio da isonomia:
Nele se traduz a idéia de que Administração tem que tratar a todos os
administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem
favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades
pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação
administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de
31
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8 ed., São Paulo:Malheiros
Editora, 1996. p. 68.
33
qualquer espécie. O Princípio em causa não é senão o próprio princípio da
igualdade ou isonomia (...).
No texto constitucional há, ainda algumas referências a aplicações concretas
deste princípio, como ocorre no art. 37, II, ao exigir que o ingresso em cargo,
função ou emprego público depende de concurso público, exatamente para
que todos possam disputar-lhes o acesso em plena igualdade.
Juarez Freitas32, corroborando como acima aludido aduz:
No tocante ao princípio da impessoalidade, derivado do princípio geral da
igualdade, mister traduzi-lo como vedação constitucional de qualquer
discriminação ilícita e atentatória à dignidade da pessoa humana. Ainda
segundo este princípio, a Administração Pública precisa dispensar um
objetivo isonômico a todos os administrados, sem discrimina-los com
privilégios espúrios, tampouco malferindo-os persecutoriamente, uma vez
que iguais perante o sistema. Quer-se através da implementação do referido
princípio, a instauração, acima de sinuosos personalismos, do soberano
governo dos princípios, em lugar de idiossincráticos projetos de cunho
personalista e antagônicos à consecução do bem de todos.
Neste contexto, o princípio da impessoalidade deve ser aplicado pela
administração pública para evitar prerrogativas de uns em detrimento de outros,
sempre levando-se em consideração o interesse público.
Em relação a investidura de cargos públicos efetivos também deve-se aplicar
o princípio da impessoalidade. Em vários pontos do artigo 37 da Constituição
Federal de 1988 é possível vislumbrar tal princípio.
O inciso II do artigo aludido determina
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia
em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a
natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre
nomeação e exoneração;
Ou seja, há a exigibilidade do concurso público para efetivação de cargos no
serviço público, a fim de evitar privilégios a alguns perante outros.
No que diz respeito à ordem de aprovação o princípio da impessoalidade está
presente no inciso IV que aduz
IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele
aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será
convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou
emprego, na carreira;
32
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São
Paulo: Malheiros, 1997. p. 64-65.
34
Neste caso, deve-se manter a ordem de aprovação para a convocação.
Assim sendo, fica demonstrado que o princípio da impessoalidade deve ser
levado em consideração na análise crítica acerca de normas que introduzem
servidores públicos efetivos no quadro da administração pública.
2.1.4 Proporcionalidade constitucional
O princípio da proporcionalidade, em regras gerais, é a sustentação do direito
aplicado, de forma plausível e racional. Tal princípio está presente nos variados
ramos do direito, como por exemplo, Direito Penal, Direito Civil, Administrativo, entre
outros.
Para Tavares33
A proporcionalidade, numa primeira aproximação, é a exigência de
racionalidade, a imposição de os atos estatais não sejam desprovidos de
um mínimo de sustentabilidade.
Bonavides34 afirma que
A vinculação do princípio da proporcionalidade ao Direito Constitucional
ocorre por via dos direitos fundamentais. É aí que ele ganha extrema
importância e aufere um prestígio e difusão tão larga quanto outros
princípios cardeais e afins, nomeadamente o princípio da igualdade.
A partir de um conceito geral de proporcionalidade é preciso destacar sua
aplicabilidade no âmbito do Direito Constitucional, pois é ele quem regula os demais
ramos do Direito.
A proporcionalidade é um princípio ligado primordialmente aos direitos
fundamentais, que se atrela fortemente com o direito constitucional.
33
34
TAVARES, 2006. p. 668.
BONAVIDES, 2006. p. 395.
35
De início do princípio da proporcionalidade era de maior aplicação no âmbito
do direito Administrativo. Entretanto, por força da doutrina e jurisprudência, passouse a aplicar tal princípio também no direito Constitucional, o que fez ocorrer um
melhor controle de constitucionalidade. O princípio da proporcionalidade tem tido
grande função para a Corte Constitucional no controle de constitucionalidade em
face de normas e atos Estatais.
A atual Constituição Brasileira não abarcou o princípio da proporcionalidade
de forma explícita, mas sim de forma implícita nos termos do artigo 5º, §2º CF/88,
onde verifica-se:
Art. 5 ...
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Assim sendo, alguns doutrinadores entendem que este princípio decorre do
Estado Democrático de Direito (doutrina alemã), outras corroboram com a tese de
que a proporcionalidade advém de outro princípio, o do devido processo legal
(doutrina norte-americana). Existem, ainda, doutrinadores que defendem a
proporcionalidade como derivação do princípio da isonomia.
Cabe salientar, também, que independentemente da posição doutrinária, o
princípio da proporcionalidade é um instrumento imprescindível para análise
interpretativa da norma, não só nas que geram conflitos, mas a qualquer norma no
ordenamento jurídico.
Para Bonavides35, no que concerne a seus elementos o princípio da
proporcionalidade pode-se dizer que existem três: pertinência ou aptidão
(adequação do meio e do fim que se deseja alcançar), necessidade ou exigibilidade
da medida adotada (a medida não pode ultrapassar limites ou deve ser necessária
para sua admissibilidade) e proporcionalidade stricto sensu (escolha sobre os meios
mais adequados no fato específico).
Desta forma, quando ato ou norma forem desproporcionais estarão eivados
de inconstitucionalidade.
35
BONAVIDES, 2006. p. 401.
36
Por fim Bonavides36 conclui que a inconstitucionalidade ocorre enfim quando
a medida é “excessiva”, “injustificável”, ou seja, não cabe na moldura da
proporcionalidade.
2.1.5 Acessibilidade dos cargos públicos
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, caput, e inciso I, verifica a
necessidade de regras destinadas à Administração Pública, direta ou indireta:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte:
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros
que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos
estrangeiros, na forma da lei;
Tal texto constitucional acima aferido demonstra princípios explícitos. Estes
princípios são extremamente relevantes para análise dos atos administrativos.
Entretanto, também traz outro princípio de suma importância: o princípio da
acessibilidade aos cargos públicos, contido no inciso I.
Este princípio tem por finalidade concretizar o princípio da isonomia e da
impessoalidade no que diz respeito ao provimento de cargos, empregos e funções
públicas.
Assim, no que tange ao princípio da Acessibilidade dos cargos públicos
Moraes37, nos ensina:
Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros,
36
BONAVIDES, 2006. p. 398.
MORAES, 2007. p. 824 (A citação autor data somente possui a formatação indicada se o autor
possui mais de uma obra referida no seu texto Felipe. Se tiver mais de uma coloque: MORAES,
2007. op. cit., p. 824; Se não tiver, coloque apenas. MORAES, op. cit. p. 824. – ver manual!!!)
37
37
natos ou naturalizados, e aos portugueses equiparados que preencham os
requisitos estabelecidos em lei e, desde a promulgação da EC nº 19, em 46-1998, aos estrangeiros, na forma da lei, sendo vedada qualquer
possibilidade de discriminação abusiva, que desrespeite o princípio da
igualdade, por flagrante inconstitucionalidade. (negrito nosso)
Cabe ressaltar a ressalva feita pelo doutrinador quanto a discriminações
abusivas, onde entende-se como irrazoáveis e desproporcionais, a ferirem a ampla
acessibilidade referida e, por conseguinte, a isonomia.
O acesso no serviço público nos termos constitucionais serve para todos os
brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei e aos estrangeiros, na
forma da lei.
Desta forma, só a lei pode criar regras, desde que estas não contraponham o
prescrito na Constituição.
Diógenes Gasparini38 trata do respectivo tema:
Para o acesso a cargo, emprego ou função não basta ser brasileiro. O
interessado há, ainda, que satisfazer aos requisitos estabelecidos em lei,
consoante reza a parte final do referido inciso. A lei responsável pela
instituição desses requisitos é a de entidade política titular do cargo, emprego
ou função pública que se deseja preencher, dada a autonomia que se lhes
assegura nessa matéria. Um dos requisitos é sem dúvida, lograr aprovação e
classificação em concurso público de provas ou de provas e títulos. A lei em
apreço é da iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, c, da CF),
em relação aos cargos, empregos e funções desse Poder. Será, no entanto,
resolução quando tratar-se de criação de cargo do serviço administrativo do
Legislativo. De fato, não seria lógico, nem prático, que esse Poder pudesse
criar cargo sem que se lhe reservasse a competência para estabelecer os
requisitos de provimento, por exemplo.
Além da regra inserida no inciso I, do artigo 37 da Constituição Federal,
ocorre a incidência das normas dos incisos II, V e IX do mesmo artigo, onde se
prescreve a necessidade do concurso público e admitem-se algumas exceções:
Art. 37....
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia
em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a
natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre
nomeação e exoneração;
V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores
ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos
por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos
38
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo:Saraiva, 1995, p.119.
38
previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e
assessoramento;
IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
Nota-se que o concurso público é a regra para acessibilidade em cargos e
empregos públicos. Contudo, existem algumas exceções ao concurso público que
devem estar presentes na Constituição, sendo vedado a qualquer outra norma
apresentar novas exceções.
A primeira exceção pode ser encontrada no caput do artigo 19 da ADCT (Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias), no qual aduz:
Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das
fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição,
há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na
forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no
serviço público.
Assim os servidores que estão amparados pelo dispositivo acima colocado
puderam prover cargos públicos efetivos sem a necessidade da realização de
concurso público.
Ademais tem-se como exceção a possibilidade do contrato temporário (artigo
37, inciso IX CF/88), cargo em comissão (segunda parte do inciso II do artigo 37 da
CF/88) e da função de confiança (artigo 37, inciso V da CF/88), sendo esta última
exercida exclusivamente por servidores efetivos. Cabe ressaltar que nos casos de
exceção dos incisos II e IX não há de se falar em efetivação no serviço público.
Contudo, em alguns casos, os administradores públicos se utilizam de tais
institutos para eternizar servidores dentro serviço público.
Assim, quando se aduz acerca da efetivação em cargos e empregos públicos,
tem-se por necessária a realização do concurso público de provas ou de provas e
títulos.
Hely Lopes de Meirelles39 comunga com esta tese:
O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública
39
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo:Malheiros, 2008, p.
440.
39
para obter-se a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público,
e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que
atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da
Constituição da República. Pelo concurso se afastam, pois, os ineptos e os
apaniguados, que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo
degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam
e se mantêm no poder, leiloando empregos públicos.
Diante do acima aludido, verifica-se que o instituto constitucional para
acessibilidade de cargos e empregos públicos é o concurso público.
2.2 SERVIDOR PÚBLICO.
Diante da ausência de conceito legal de serviço público, destacam-se, para
fins deste trabalho algumas concepções trazidas pela doutrina.
Na visão de Cretella Junior40 considera que:
Serviço Público é toda atividade que o Estado exerce, direta ou
indiretamente, para satisfação do interesse público, mediante procedimento
de direito público.
Já para Hely Lopes Meirelles41, serviço público:
é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob
normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou
secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado.
Embora Cretella Júnior apresente visão mais objetiva, o entendimento de Hely
Lopes Meirelles é mais adequado à abordagem a ser realizada neste trabalho por
dar uma noção mais ampla e estendida de serviço público.
José Afonso da Silva42 delimita que o Estado, para executar o serviço público
de maneira continuada, age por meio de seus órgãos. Os órgãos são definidos por
40
CRETELLA JUNIOR, José. Curso de direito administrativo. 18. ed., Rio de Janeiro: Forense,
2006.p. 317.
41
MEIRELLES, 2008. p. 333.
42
SILVA, José Afonso da, 2007. p. 677.
40
lei e têm dois elementos, um subjetivo e um objetivo. O subjetivo está relacionado
com o aspecto pessoal, enquanto o objetivo trata acerca das competências
relacionadas nos cargos, empregos e funções.
No aspecto subjetivo (que trata do pessoal) podemos identificar o genérico
que são os agentes públicos, sendo a totalidade de pessoas que servem o Estado.
Os agentes públicos são servidores públicos em sentido amplo, ou seja,
abarca a Administração direta e indireta, sob qualquer regime, seja estatutário,
celetista ou em algum regime especial.
Tais agentes podem realizar suas tarefas em caráter definitivo ou temporário e
são divididos em três categorias:
Agentes políticos – quando há um vínculo político e não profissional. É o caso
do Presidente, Governadores, Prefeitos, Deputados, Senadores, Vereadores.
Servidores Públicos em sentido strito – quando há um vínculo profissional e
hierárquico.
Particulares em colaboração com o Poder Público – são os que
desempenham alheias as anteriores, a qualquer título, como por exemplo, jurados,
mesários, entre outros.
Existe, também, a diferenciação de cargo, emprego e função.
No cargo público, o agente tem suas atribuições especificas. Deve ser
estipulado o número de cargos por lei.
O emprego público se diverge do cargo, uma vez que todos desta categoria
são regidos pela CLT.
Já as funções públicas são aquelas de caráter temporário nos termos do
artigo 37, IX CF/88 e as de chefia e assessoria no termos do artigo 37, II CF/88.
Cabe salientar, neste contexto, que os Servidores Públicos, sendo os agentes
de vínculo profissional e de dependência, podendo ser cargo efetivo ou de
comissão, diante de todos os ramos da Administração Pública.
41
2.2.1 Cargo Efetivo e o artigo 37, inciso II da CF.
Dentro do gênero Agentes Públicos há as espécies agentes políticos (que
exercem cargos na estruturação do governo) e agentes administrativos (os que
exercem cargo, função ou emprego de forma subordinada, compreendendo os
servidores públicos: funcionários públicos, empregados públicos e servidores
públicos em sentido estrito, além dos militares).
No que concerne ao acesso no serviço público, deve-se salientar o artigo 37 e
seus incisos da CF/88. O artigo em questão prevê o provimento no cargo, emprego
e função dos agentes públicos, podendo ter acesso ao serviço público brasileiros e
estrangeiros (com ressalvas na própria Constituição).
Para ser um servidor publico é necessário seguir o estabelecido na
Constituição, nos termos do artigo 37, I CF/88.
Art. 37. ...
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros
que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos
estrangeiros, na forma da lei;
Os brasileiros e estrangeiros, nos limites impostos na Constituição, poderão
ter acesso a empregos, cargos e funções.
O artigo 37, II da CF/88, prevê os cargos comissionados e efetivos, sendo que
para prover este ultimo é necessário o concurso público.
Moraes43 ao discorrer acerca do tema aduz:
O Supremo Tribunal Federal, ressalvadas as exceções constitucionais, é
intransigente em relação à imposição à efetividade do princípio
constitucional do concurso público...
E complementa:
Exceções ao princípio, se existem, estão previstas na própria Constituição.
Assim, apesar de o regime de pessoal das entidades paraestatais ser o
43
MORAES, 2007. p. 327.
42
mesmo de empregados de empresas privadas, sujeitos à CLT, às normas
acidentárias e à justiça trabalhista (CF, art 114), permanece a
obrigatoriedade do postulado do concurso público, mesmo para empresas
que exerçam atividades econômicas, salvo, obviamente, para os cargos ou
funções de confiança, por ser instrumento de realização concreta dos
princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade.
A acessibilidade aos cargos e empregos públicos está diretamente
relacionada à sua investidura, sendo necessária a aprovação em concurso público
de provas ou provas e títulos, além da classificação dentro do número de vagas e
dentro da validade para prover tais cargos e empregos, nos termos do artigo 37, II e
III CF/88.
Art. 37. ...
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com
a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em
lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de
livre nomeação e exoneração;
III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos,
prorrogável uma vez, por igual período;
É de se ressaltar que o princípio do concurso público deve ser aplicado a todo
provimento de cargos no serviço público (certamente excluindo a exceções
constitucionais), da Administração Direta e Indireta, inclusive em entidades
paraestatais e com fins econômicos como autarquias, empresas públicas ou
sociedades de economia mista.
2.2.2 O Contrato Temporário e a funcionalidade do artigo 37, inciso IX da CF
A Constituição de 1988 prevê duas possibilidades para investidura de
empregos, cargos e funções sem a prévia aprovação em concurso público.
A primeira possibilidade está inserida no artigo 37, II CF/88, que permite a
livre nomeação e exoneração para cargos em comissão desde que não sejam
43
funções de confiança, ou seja, de direção, chefia e assessoramento que deverão ser
preenchidas por servidores de carreira (art. 37, V CF/88).
A segunda possibilidade está prevista no artigo 37, IX da CF/88, onde permite
a contratação de pessoal, temporariamente, sem concurso público, onde admite a
possibilidade da contratação de pessoal para o exercício temporário de atividades,
de acordo com as necessidades da administração pública.
Art. 37. ...
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
O contrato temporário, ou por tempo determinado, refere-se a servidores
públicos em regime especial uma vez que seu exercício de caráter excepcional e
temporário.
Na visão de Meirelles44,
Os contratados por tempo determinado são os servidores públicos
submetidos ao regime jurídico administrativo especial da lei prevista no art.
37, IX, da Carta Magna, bem como ao regime geral de previdência social.
Deve-se salientar que para a ocorrência de tal contratação é necessário que
seja preenchido requisitos que o próprio artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal
estabeleceu, quais sejam excepcional interesse público; temporariedade da
contratação e hipóteses expressamente previstas em lei.
Cabe ressaltar que esta possibilidade é uma exceção ao princípio do
concurso público, e deve ser tratada como tal, sob pena da ocorrência de
inconstitucionalidade.
Nesta situação, até o final de 2005, estavam inseridas, em alguns municípios
as categorias profissionais dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de
Combate a Endemias. Eram servidores públicos de contrato temporário, aprovados
por meio de processo simplificado, para atender as necessidades excepcionais
dentro do contexto da Saúde Pública, estando desta forma, compatíveis com o que a
Constituição prescreve acerca do provimento temporário.
44
MEIRELLES, 2008.
44
A EC nº 51/2006, nos termos de seu artigo 2º, onde inseriu o § 4º do artigo
198 da Constituição Federal, que deixou a possibilidade dos agentes comunitários
de saúde e combate à edemias proverem cargos públicos por meio de “processo
seletivo”.
Art 2º Após a promulgação da presente Emenda Constitucional, os agentes
comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente
poderão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou
pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal,
observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata
o art. 169 da Constituição Federal.
Art. 198. ...
§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes
comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de
processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de
suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.
2.2.2.1 O processo seletivo Simplificado.
O serviço público a priori é desempenhado por brasileiros ou estrangeiros na
forma da lei, sendo necessária a prévia aprovação em concurso público de provas e
provas e títulos, como prescrevem os incisos I e II da Constituição Federal de 1988,
como podemos verificar:
Art. 37....
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros
que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos
estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com
a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em
lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de
livre nomeação e exoneração;
Contudo, a Constituição Federal permitiu algumas exceções para o
provimento excepcional de cargos e empregos públicos. É o caso do inciso IX do
45
artigo 37 da CF/88, onde prevê a possibilidade de contratação por tempo
determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público, nos termos da lei.
Cabe ressaltar que tal contratação é de prazo determinado e não se faz
necessária aprovação em concurso público, bastando apenas de um processo
seletivo simplificado.
A lei que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do
art. 37 da Constituição Federal de 1988 é a Lei nº 8745, de 09 de dezembro de
1993.
No artigo 1º da lei informa:
Art. 1º Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público, os órgãos da Administração Federal direta, as autarquias e as
fundações públicas poderão efetuar contratação de pessoal por tempo
determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei.
Assim, a lei resguarda o interesse constitucional de se manter a necessidade,
a temporariedade e de excepcional interesse público. Mas, neste contexto, o que é
considerado necessidade temporária de excepcional interesse público? O legislador
respondeu tal questão ao delimitar no artigo 2º da Lei:
Art. 2º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse
público:
I - assistência a situações de calamidade pública;
II - assistência a emergências em saúde pública;
III - realização de recenseamentos e outras pesquisas de natureza
estatística efetuadas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE;
IV - admissão de professor substituto e professor visitante;
V - admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro;
VI - atividades: ...
Deste modo, o legislador procurou delimitar tais necessidades para evitar o
mau uso do instituto.
46
Algumas das situações apresentadas no artigo 2º demonstram urgente
necessidade no recrutamento de servidores. Neste caso o concurso público poderia
emperrar tal recrutamento, uma vez que o rito a ser seguido no certame é bem
solene.
É neste contexto que a Lei nº 8745/93 no artigo 3º apresenta o processo
seletivo simplificado:
3º O recrutamento do pessoal a ser contratado, nos termos desta Lei, será
feito mediante processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação,
inclusive através do Diário Oficial da União, prescindindo de concurso
público.
Percebe-se então que o processo seletivo simplificado como o próprio nome
diz é um processo mais célere que o concurso público.
A categoria dos profissionais da saúde pública também está sujeita ao
processo seletivo para atender às necessidades decorrentes de calamidade pública
como no discorrido no §1º da Lei acima aludida:
o
§ 1 A contratação para atender às necessidades decorrentes de
calamidade pública, de emergência ambiental e de emergências em saúde
pública prescindirá de processo seletivo.
Deve-se salientar novamente que estes contratos que atendem a necessidade
temporária de excepcional interesse público são de caráter temporário e por prazo
determinado, se justificando assim a ausência de concurso público e a possibilidade
do processo seletivo simplificado.
Os Tribunais têm acolhido tal entendimento, como exemplo, segue
precedente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:45
EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROFESSOR
TEMPORÁRIO. PEDIDO DE EFETIVAÇÃO NO CARGO PÚBLICO SEM
CONCURSO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. O ingresso no
serviço público, excetuando-se os cargos em comissão, deve ser
precedido de concurso público de provas ou de provas e título (CF/88,
art. 37, II). A contratação de professores temporários tem apoio no art.
45
BRASIL.Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Direito Administrativo. Servidor Público.
Professor temporário. Pedido de efetivação no cargo público sem concurso. Indeferimento da petição
inicial. Apelação Cível n.º 20070111478305APC. Apelante: Juliana Vidal Oliveira e Outros. Apelado:
Distrito Federal. Relator WALDIR LEÔNCIO C. LOPES JÚNIOR, 2ª Turma Cível, julgado em
04/02/2009, DJ 18/02/2009 p. 49.
47
37, IX, da Constituição Federal de 1988. Trata-se de contratação a título
precário - e emergencial -, mediante simples seleção de provas e títulos
com o propósito de atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público (substituir professores concursados em suas férias,
licenças e faltas). Não há qualquer ilegalidade na realização de processo
seletivo simplificado; mas os contratos de trabalho dos professores
temporários podem ser rescindidos a qualquer tempo no interesse da
Administração Pública. O fato é que a opção do Administrador Público
local não autoriza o Poder Judiciário a admitir a investidura em cargo
público não criado por lei e sem prévia aprovação em concurso público.
Pedido juridicamente impossível. Correto o indeferimento da petição
inicial.
Mesmo na ementa supracitada sendo em relação a professores temporários,
pode-se usá-la em casos análogos, como por exemplo, os agentes comunitários de
saúde e os agentes de combate a endemias.
Assim, o estudado acerca do processo seletivo simplificado é de suma
importância para compreensão analítica da emenda constitucional nº 51/06.
2.3 RELEVÂNCIA DOS INSTITUTOS APRESENTADOS
O presente capítulo buscou a apreciação descritiva de peculiaridades
importantes acerca do provimento de cargos, empregos e funções no serviço
público, partindo de princípios pertinentes até a acessibilidade dos servidores
públicos frente à administração pública.
A partir destes estudos é possível esclarecer dentro do contexto do serviço
público o que é constitucionalmente viável e o que não, uma vez que para ter acesso
a cargos, empregos e funções é preciso obedecer as normas constitucionais, sendo
as mesmas embasadas por princípios basilares do direito.
Tais princípios e institutos jurídicos são de extrema relevância para analisar os
aspectos (in)constitucionais da Emenda Constitucional nº 51 de 2006, que será
realizada no próximo capítulo .
48
CAPÍTULO 3 – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51 DE 2006
3.1 ASPECTOS GERAIS DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO – PEC
07/2003.
Como verificado no primeiro capítulo deste trabalho a emenda constitucional,
no ordenamento jurídico brasileiro, para ser aprovada deve se submeter a
procedimento rigoroso, nos termos da Constituição Federal de 1988.
O artigo 60 da Carta Magna, além dos procedimentos necessários para
realizar emendas, segundo estudado no primeiro capítulo, também traz a quem
compete fazer tais propostas e as limitações ao poder de emendar a Constituição:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do
Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da
Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus
membros.
§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção
federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos,
três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
49
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por
prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão
legislativa.
Assim verifica-se nos termos do inciso I do artigo acima aludido a
possibilidade de no mínimo um terço dos membros da Câmara dos Deputados
apresentarem proposta de emenda à Constituição.
E foi da Câmara dos Deputados que surgiu a idéia do que viria a ser a
Emenda Constitucional nº 51/06. No dia 12 de março de 2003, o Deputado Federal
Maurício Rands46 apresentou para apreciação do plenário a Proposta de Emenda à
Constituição - PEC nº 07/2003, que tinha como finalidade inicial a alteração do inciso
II do art. 37 da Constituição Federal, permitindo a contratação pela administração
pública de agentes comunitários de saúde por meio de processo seletivo público.
Segundo Maurício Rands, a proposta tem como finalidade definir acerca do
vínculo dos agentes de saúde em relação à administração pública, como podemos
verificar
A regra geral para o provimento de cargos e empregos na
administração pública deve continuar sendo a do concurso público. Num
país de forte tradição nepotista, o concurso assegura igualdade de
oportunidades para os postulantes a uma vaga no serviço público. Ao
mesmo tempo, facilita a profissionalização dos servidores públicos, embora
outras medidas sejam indispensáveis à consecução deste objetivo. Trata-se
de modalidade de seleção democrática e aberta a todos,
independentemente de características pessoais.
Com o desenvolvimento do sistema único de saúde, ganharam relevo
programas de saúde da família baseados na prevenção das doenças
mediante ações domiciliares ou comunitárias. Surgiu a profissão do agente
comunitário de saúde (ACS), reconhecida pela Lei nº 10.507, de 10 de julho
de 2002, contando com mais de 150 mil trabalhadores em todo o território
nacional. Além da falta de uma regulamentação apropriada que lhes confira
os direitos trabalhistas, os ACS têm sofrido com a falta de definição de um
modelo para a celebração do vínculo com a administração pública. Ora são
engajados através de termos de parceria entre uma Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e a administração, ora
através de contratos temporários, ora através de cooperativas.
Para as administrações que desejam optar pela contratação do ACS
fazendo-o preencher um emprego público, hoje existe um obstáculo
constitucional. O trabalho do ACS consiste em ações domiciliares ou
46
Na época da aprovação da PEC - 07/2003, estava Deputado Federal do Partido dos Trabalhadores
eleito pelo estado de Pernambuco – PT/PE.
50
comunitárias de prevenção à saúde. Para que a população sinta-se
confortável diante da visita do ACS ao seu lar é imprescindível que este
tenha laços com a comunidade. Que seja conhecido e respeitado. O próprio
art. 3º da Lei 10.507/02 reconheceu a necessidade em seu inciso I. Caso a
administração deseje fazer a contratação para preenchimento do emprego
público terá que abrir concurso público. Dele poderá participar qualquer
pessoa, independentemente de vínculos residenciais e sociais com a
comunidade cujas casas visitará. De acordo com o vigente inciso II do art.
37 da CF, a administração não pode contratar pessoas exclusivamente na
comunidade onde as ações do ACS serão desenvolvidas porque está
adstrita ao concurso público aberto.
A solução é fazer o direito adequar-se à realidade de um programa
novo e essencial para reverter as precárias condições de saúde do povo
brasileiro. Suas ações exigem um novo tipo de relação entre o agente
público ACS e a administração pública. Para viabilizar esta nova relação, a
modalidade do processo seletivo revela-se a mais adequada. Permite o
estabelecimento de procedimentos mais simples, viabilizando a escolha de
pessoas legitimadas e reconhecidas pela comunidade destinatária das
ações de saúde. Para tanto, basta que o Congresso Nacional acrescente
mais esta exceção ao regime de investidura em cargo ou emprego público
através do concurso público. Trata-se de imposição de realidade à qual
deve se curvar o direito.
O autor também esclarece em sua proposta a necessidade da emenda, uma
vez que os agentes comunitários de saúde têm atribuições peculiares a sua
profissão, nos termos do artigo 3º, inciso I da Lei 10.507/02.
A proposta então foi enviada para Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania, tendo na ocasião como relator o Deputado Federal Luiz Couto47. No
relatório o Deputado Luiz Couto apensou a PEC nº 07/2003 à PEC 224/2003 do
Deputado Federal Walter Pinheiro48, onde o mesmo
acrescenta, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, artigo que
incorpora à União os agentes comunitários de saúde que exercem essa
função até 10 de julho de 2002. Após essa data, a Proposta exige a
aprovação em concurso público para a investidura no cargo de agente.
No voto proferido pelo relator, na Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania, verificou-se pela admissibilidade da proposta em seu aspecto formal,
uma vez que foi seguido corretamente o preceituado no artigo 60 da Constituição.
Desta forma, o número de assinaturas dos Deputados Federais foi de no
mínimo dois terços. No entendimento do relator constatou-se “que não há pretensão
de abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico,
47
Na época da aprovação da PEC - 07/2003, estava Deputado Federal do Partido dos Trabalhadores
eleito pelo estado da Paraíba – PT/PB.
48
Na época da aprovação da PEC - 07/2003, estava Deputado Federal do Partido dos Trabalhadores
eleito pelo estado da Bahia – PT/BA.
51
nem a separação dos Poderes ou os direitos e garantias individuais” e que no
momento não havia “impedimento circunstancial à apreciação da matéria, eis que o
País encontra-se em situação de normalidade político-institucional, não vigorando
intervenção federal, estado de sítio ou de defesa”.
Concluída a análise formal, o relator Deputado Federal Luiz Couto adentrou o
mérito da questão. No concernente a PEC 224/2003 votou pela inadmissibilidade da
mesma, afirmando o seguinte
Há, contudo, obstáculo material a impedir que a PEC 224, de 2003,
seja objeto de deliberação, conforme preceitua o § 4º do art. 60 da
Constituição Federal.
A incorporação de servidores aos quadros da administração federal é
matéria de lei ordinária da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo,
por força do disposto no art. 61, § 1º, inciso II, alínea c, da Constituição
Federal. Constitui, assim, evidente burla à determinação do Legislador
Constituinte originário dispor sobre essa matéria por meio de emenda
constitucional.
A alteração constitucional pretendida, portanto, implicaria supressão
de competência privativa de outro Poder do Estado. Resta evidente da
leitura do texto constitucional que a matéria deve ser objeto de lei ordinária
e, não, de emenda constitucional.
Ademais, a modificação alvitrada não se coaduna com a natureza
jurídica do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias por tratar de
matéria que não se relaciona com a alteração de dispositivos permanentes
do texto constitucional. O ADCT deve disciplinar o período de transição
entre a antiga e a nova ordem constitucional, conforme entendimento
jurisprudencial e a doutrina especializada.
Ressalte-se que as disposições transitórias da Constituição de 1988
decorreram somente da necessidade de conciliar o novo texto constitucional
com as relações definidas sob amparo da Constituição pretérita, visando a
evitar conflitos que poderiam resultar da aplicação da lei nova em confronto
com a anterior. E é somente nesse contexto que se justificam dispositivos
transitórios em Constituições, como mecanismo de direito intertemporal.
Contudo, em relação a PEC 07/2003, o relator votou pela sua admissibilidade,
arguindo, em seu entendimento, simplesmente “que não há pretensão de abolir a
forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, nem a
separação dos Poderes ou os direitos e garantias individuais”.
Assim sendo, PEC 224/2003 foi desapensada e arquivada, enquanto a PEC
07/2003 continuou o trâmite para ser aprovada como Emenda à Constituição.
No decorrer do processo ocorreram algumas modificações em relação ao
projeto inicial, algumas de cunho formal e outras acrescentando expressões.
52
Foi o caso dos agentes de combate à endemias. A categoria profissional foi
incluída na proposta e votada no 18/01/2006.
Outra alteração de suma importância foi a modificação do que viria ser
alterado. Em princípio a PEC 07/2003 previa alteração no artigo 37, inciso II da
Constituição Federal, o que foi modificado passando a ser acrescentado os §§ 4º, 5º
e 6º no artigo 197 da Carta Magna.
Além de tais acréscimos a PEC 07/2003 teve as seguintes normas
transitórias:
Art. 2º Após a promulgação desta Emenda Constitucional, os agentes
comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente
poderão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou
pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal,
observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata
o art. 169 da Constituição Federal.
Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta
Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente
comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da
lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se
refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido
contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por
órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito
Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e
autorização da administração direta dos entes da federação.
No dia 1 de fevereiro de 2006, a PEC 07/2003 foi aprovada em segundo turno
e enviada, no dia seguinte, para apreciação no Senado Federal.
No dia 02 de fevereiro de 2006, o Senado Federal encaminhou a Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania, onde foi realizado o parecer acerca da matéria.
O parecer teve como relator o Senador Rodolpho Tourinho49 fez a seguinte
análise acerca do tema para realizar seu voto
Cabe a esta Comissão opinar sobre a constitucionalidade,
juridicidade e regimentalidade da matéria e também, quanto ao seu mérito,
nos termos dos arts. 354 e seguintes do Regimento Interno.
Do ponto de vista de sua admissibilidade, nada temos a objetar,
valendo ressaltar que a matéria teve a sua constitucionalidade
exaustivamente examinada na Câmara dos Deputados, onde se chegou,
por consenso de todos os membros daquela Casa e das forças políticas
49
Na época da aprovação da PEC - 07/2003, estava Senador do Partido Democratas eleito pelo
estado da Bahia.
53
presentes, ao texto sob exame, aprovado, nos dois turnos, sem um único
voto contrário dos quase quatrocentos deputados presentes.
Em primeiras linhas corroborou com o relatório da Câmara dos Deputados, no
que aduz acerca da admissibilidade da PEC 07/2003. Após tal análise o relator
adentrou o mérito da questão.
De outra parte, quanto ao mérito, igualmente, manifestamo-nos pela
aprovação da presente Proposta de Emenda à Constituição.
O surgimento dos agentes comunitários de saúde se insere num
processo de reorganização da prática assistencial em saúde em novas
bases e critérios, com a substituição do modelo tradicional de assistência à
saúde – orientado para a cura da doença e para o atendimento hospitalar –
por outro, que tem a família como locus privilegiado de atuação,
enfatizando-se a articulação da equipe de saúde com a comunidade em que
atua.
Nesse tipo de atividade se dá ênfase a práticas não convencionais de
atenção, atribuindo-se grande peso à promoção da saúde, à prevenção de
doenças como forma de reorganização e antecipação da demanda, à
atenção não-médica e à educação em saúde, e reafirmam-se os princípios
organizadores do Sistema Único de Saúde (SUS) (integralidade,
hierarquização, referência e contra-referência) e regionalização
(territorialização e delimitação de uma população-alvo).
Atualmente, encontram-se em atuação mais de 200.000 agentes
comunitários de saúde, distribuídos em cerca de 22.000 equipes. Cada uma
delas atende, em média, a 3.500 pessoas de uma comunidade. Só no
Estado da Bahia, são, segundo dados do Ministério da Saúde, 23.555
agentes distribuídos em 1.888 equipes.
Esses agentes desempenham um papel fundamental, no qual se
destaca o acompanhamento domiciliar das condições de saúde das
famílias, numa abordagem que considera o contexto comunitário e a
realidade regional.
São homens e mulheres que, apesar de receberem remuneração
extremamente reduzida, algumas vezes, mesmo, inferior a um salário
mínimo, exercem, como verdeiros idealistas, atividades imprescindíveis à
população, especialmente àqueles de baixa renda e aos habitantes das
comunidades mais pobres e distantes, nas quais a aceitação desses
agentes é excelente.
Repetidas vezes os formuladores das políticas de saúde no País
reconheceram que esses trabalhadores constituem a pedra angular da
transformação desejada no modelo de atenção à saúde, em especial na
reorganização da atenção básica.
Os agentes comunitários têm um papel estratégico, por viverem na
área em que atuam, terem identidade com a população e partilharem
cultura, linguagem, problemas e interesses, o que favorece a integração da
equipe e dos serviços de saúde com a comunidade e viabiliza as parcerias
necessárias.
Escolhidos junto à comunidade em que vão atuar e conhecedores
dos problemas específicos que a acometem, esses agentes atuam como elo
de transmissão entre os profissionais de saúde e a população assistida, de
54
modo a facilitar o rápido acesso ao atendimento e, também, a resolutividade
das ações de saúde implementadas.
Para promover a aprovação da PEC 07/2003, o Senador Rodolpho Tourinho
fundamentou seu parecer embasado em fatores históricos e sociais. Contudo, não
restou explicado o motivo da necessidade da conversão de pessoas com contrato
temporário em servidores efetivos sem prévia aprovação em concurso público.
O principal problema da categoria, entretanto é o fato de os agentes
comunitários de saúde não terem, em sua maioria, qualquer vínculo formal
que lhes permita o usufruto dos direitos trabalhistas e previdenciários. Tratase de questão cujo equacionamento vem sendo postergado já há décadas e
que foi apenas mitigado com a edição da Lei nº 10.507, de 10 de julho de
2002, que regulamentou a profissão.
As formas encontradas para a remuneração do trabalho dos agentes
têm sido precárias e insatisfatórias, sendo a mais freqüente a de contratos
temporários de prestação de serviço, firmados entre as secretarias
municipais de saúde e as associações de agentes, financiados, na maior
parte das vezes, com recursos repassados pelo Ministério da Saúde, por
meio de convênios.
Mesmo opções como a formalização da relação desses
profissionais com o serviço público têm esbarrado em problemas
como a dificuldade de adaptar a exigência do concurso público às
especificidades da profissão que, como já se fez referência, só pode
ser exercida por aqueles com real vínculo com a comunidade em que
atuam e com liderança solidária.
Assim, há necessidade de enfrentar o desafio de buscar saídas
para a situação desses agentes, já que as diversas modalidades de
contratação ou mantêm um quadro de prevalência de relações
informais de trabalho ou são inadequadas.
Impõe-se, então, buscar uma solução definitiva para esse
problema, que já ameaça a própria existência dos programas baseados
na figura do agente comunitário de saúde.
É o que busca fazer a presente proposição, ao permitir que
esses profissionais sejam admitidos pelos gestores locais do SUS
mediante processo seletivo público especial, em regime jurídico a ser
definido por lei federal, aplicando-se essa norma aos atuais agentes
comunitários que já tenham sido submetido a seleção pública.
Assim, permitir-se-á que a seleção dos agentes se dê dentro da
comunidade que atuam, o que, como já se registrou acima, é imprescindível
para o bom funcionamento da atividade, e não é permitido pelo vigente
ordenamento jurídico, bem como, ao mesmo tempo, que se aproveite a
experiência já acumulada na matéria, mediante a regularização da situação
dos atuais profissionais que exercem a função.
Com isso se dará a base jurídica necessária à continuidade dos
programas hoje a cargo dos agentes comunitários de saúde e dos agentes
de combate a endemias.
Dessarte, temos a convicção de que a aprovação desta Proposta de
Emenda à Constituição representa passo fundamental para que se continue
55
atuando na direção da melhoria das condições de saúde de nossa
população e na implantação do Sistema Único de Saúde, que se configura,
com certeza, como uma das mais importantes conquistas insculpidas na
nossa vigente Carta. (grifo do autor)
Deste modo, o voto comissão foi pela aprovação a PEC 07/2003 sem nenhum
tipo de ressalva.
Por conseguinte, foram realizadas a votações em dois turnos e a Proposta de
Emenda à Constituição foi aprovada pelo Senado Federal.
No dia 14 de fevereiro de 2006, a PEC – 07/2003 foi transformada na Emenda
Constitucional nº 51, com a seguinte redação final:
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2006
Acrescenta os §§ 4º, 5º e 6º ao art.198
da Constituição Federal.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do
art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto
constitucional:
Art. 1º O art. 198 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos
seguintes §§ 4º, 5º e 6º:
Art. 198. ...
§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes
comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de
processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de
suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.
§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das
atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às
endemias.
§ 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da
Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de
agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá
perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos,
fixados em lei, para o seu exercício." (NR)
Art 2º Após a promulgação da presente Emenda Constitucional, os agentes
comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente
poderão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou
pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal,
observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata
o art. 169 da Constituição Federal.
Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta
Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente
comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da
lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se
refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido
56
contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por
órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito
Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e
autorização da administração direta dos entes da federação.
Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua
publicação.
3.1.1 Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate à Endemias
Em 10 de julho de 2002, o Governo Federal criou no âmbito legal, por meio da
Lei nº 10.507, a carreira de agentes comunitários de saúde. Em tal dispositivo legal
revogado, continha as características e os requisitos para o exercício da profissão, é
possível verificar:
o
LEI N 10.507 - DE 10 DE JULHO DE 2002 - DOU DE 11/7/2002 –
REVOGADA
Cria a Profissão de Agente Comunitário de Saúde e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
o
Art. 1 Fica criada a profissão de Agente Comunitário de Saúde, nos termos
desta Lei.
Parágrafo único. O exercício da profissão de Agente Comunitário de Saúde
dar-se-á exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.
o
Art. 2 A profissão de Agente Comunitário de Saúde caracteriza-se pelo
exercício de atividade de prevenção de doenças e promoção da saúde,
mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas,
desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão
do gestor local deste.
o
Art. 3 O Agente Comunitário de Saúde deverá preencher os seguintes
requisitos para o exercício da profissão:
I - residir na área da comunidade em que atuar;
II - haver concluído com aproveitamento curso de qualificação básica para a
formação de Agente Comunitário de Saúde;
III - haver concluído o ensino fundamental.
57
o
§ 1 Os que na data de publicação desta Lei exerçam atividades próprias de
o
Agente Comunitário de Saúde, na forma do art. 2 , ficam dispensados do
requisito a que se refere o inciso III deste artigo, sem prejuízo do disposto
o
no § 2 .
o
§ 2 Caberá ao Ministério da Saúde estabelecer o conteúdo programático do
curso de que trata o inciso II deste artigo, bem como dos módulos
necessários à adaptação da formação curricular dos Agentes mencionados
o
no § 1 .
o
Art. 4 O Agente Comunitário de Saúde prestará os seus serviços ao gestor
local do SUS, mediante vínculo direto ou indireto.
Parágrafo único. Caberá ao Ministério da Saúde a regulamentação dos
serviços de que trata o caput.
o
Art. 5 O disposto nesta Lei não se aplica ao trabalho voluntário.
o
Art. 6 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Posterior a Lei nº 10.507/02, veio a Emenda Constitucional – EC nº 51/06
tratando acerca da forma de admissibilidade dos servidores que integram a carreira
de agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias, além de
outras providências.
No parágrafo único do artigo 2º da EC nº 51/06 deixou a possibilidade de tais
agentes proverem cargos públicos efetivos sem a necessidade de aprovação em
concurso público, bastando para isto estarem nos cargos antes da promulgação da
emenda e terem sido aprovados em processo seletivo conforme o exposto:
Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta
Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente
comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da
lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se
refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido
contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por
órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito
Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e
autorização da administração direta dos entes da federação.
Com o advento da Emenda supracitada, houve a necessidade de uma nova
norma para regulamentar a situação destes agentes. A medida provisória nº 297 de
09 de junho de 2006, convertida na lei 11.350 de 05 de outubro de 2006 veio para
regulamentar o § 5o do art. 198 da Constituição Federal de 1988 e dispõe sobre o
aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2o da EC nº 51/06.
A lei 11.350/05 possui 20 artigos, sendo alguns destes de suma importância
para o entendimento do presente trabalho, conforme se estuda a seguir.
58
O artigo 2º trata acerca da competência em relação ao exercício da atividade
do Agente Comunitário de Saúde – ACS e do Agente de Combate a Endemias –
ACE, que se dará por exclusividade no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.
o
Art. 2 O exercício das atividades de Agente Comunitário de Saúde e de
Agente de Combate às Endemias, nos termos desta Lei, dar-se-á
exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, na execução
das atividades de responsabilidade dos entes federados, mediante vínculo
direto entre os referidos Agentes e órgão ou entidade da administração
direta, autárquica ou fundacional.
Os artigos 3º e 4º traçam as atribuições dos ACS e ACE, sendo que o
Ministério da Saúde disciplinará as atividades de prevenção de doenças, de
promoção da saúde, de controle e de vigilância, no termos do artigo 5º.
o
Art. 3 O Agente Comunitário de Saúde tem como atribuição o exercício de
atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações
domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em
conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor
municipal, distrital, estadual ou federal.
Parágrafo único. São consideradas atividades do Agente Comunitário de
Saúde, na sua área de atuação:
I - a utilização de instrumentos para diagnóstico demográfico e sócio-cultural
da comunidade;
II - a promoção de ações de educação para a saúde individual e coletiva;
III - o registro, para fins exclusivos de controle e planejamento das ações de
saúde, de nascimentos, óbitos, doenças e outros agravos à saúde;
IV - o estímulo à participação da comunidade nas políticas públicas voltadas
para a área da saúde;
V - a realização de visitas domiciliares periódicas para monitoramento de
situações de risco à família; e
VI - a participação em ações que fortaleçam os elos entre o setor saúde e
outras políticas que promovam a qualidade de vida.
o
Art. 4 O Agente de Combate às Endemias tem como atribuição o exercício
de atividades de vigilância, prevenção e controle de doenças e promoção da
saúde, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob
supervisão do gestor de cada ente federado.
o
Art. 5 O Ministério da Saúde disciplinará as atividades de prevenção de
doenças, de promoção da saúde, de controle e de vigilância a que se
o
o
referem os arts. 3 e 4 e estabelecerá os parâmetros dos cursos previstos
o
o
nos incisos II do art. 6 e I do art. 7 , observadas as diretrizes curriculares
nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação.
Nos artigos 6º e 7º pode-se verificar os requisitos que deverão ser
preenchidos para o provimento dos cargos de ACS e ACE, como se verificar a
59
seguir, no texto da lei.
o
Art. 6 O Agente Comunitário de Saúde deverá preencher os seguintes
requisitos para o exercício da atividade:
I - residir na área da comunidade em que atuar, desde a data da publicação
do edital do processo seletivo público;
II - haver concluído, com aproveitamento, curso introdutório de formação
inicial e continuada; e
III - haver concluído o ensino fundamental.
o
§ 1 Não se aplica a exigência a que se refere o inciso III aos que, na data
de publicação desta Lei, estejam exercendo atividades próprias de Agente
Comunitário de Saúde.
o
§ 2 Compete ao ente federativo responsável pela execução dos programas
a definição da área geográfica a que se refere o inciso I, observados os
parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde.
o
Art. 7 O Agente de Combate às Endemias deverá preencher os seguintes
requisitos para o exercício da atividade:
I - haver concluído, com aproveitamento, curso introdutório de formação
inicial e continuada; e
II - haver concluído o ensino fundamental.
Parágrafo único. Não se aplica a exigência a que se refere o inciso II aos
que, na data de publicação desta Lei, estejam exercendo atividades próprias
de Agente de Combate às Endemias.
O artigo 8º estabelece que a princípio os ACS e ACE serão regidos pela
Consolidação da Leis Trabalhistas – CLT, sendo desta forma celetistas. Entretanto, o
próprio dispositivo legal deixou a possibilidade de lei local tornar regime de tais
agentes em estatutários:
o
Art. 8 Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às
Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação
o
Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4 do art. 198 da
Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.
Por fim, o artigo 9º trata acerca do método de provimento dos cargos de ACS
e ACE, determinando a realização de processo seletivo público. O § único deste
artigo, deixa a disposição da administração direta dos Estados, Municípios e do
Distrito Federal a possibilidade de acesso ao serviço público efetivo dos agentes que
estavam antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 51 de 2006 sem o
processo seletivo.
60
o
Art. 9 A contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de
Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público
de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício
das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência.
Parágrafo único. Caberá aos órgãos ou entes da administração direta dos
Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios certificar, em cada caso, a
existência de anterior processo de seleção pública, para efeito da dispensa
o
o
referida no parágrafo único do art. 2 da Emenda Constitucional n 51, de 14 de
fevereiro de 2006, considerando-se como tal aquele que tenha sido realizado
com observância dos princípios referidos no caput.
3.2 ANÁLISE CRÍTICA DO § ÚNICO DO ARTIGO 2º DA EC Nº 51/06
A Emenda Constitucional nº 51 de 14 de fevereiro de 2006 – EC nº 51/06 é
merecedora de análise crítica como um todo. Entretanto a presente obra busca
elucidar a norma jurídica estabelecida no artigo 2º, § único da referida emenda.
Antes de adentrar-se no mérito da questão acima referida, deve ser
salientado o procedimento que inseriu a EC nº 51/06 no ordenamento jurídico
brasileiro. Tal emenda respeitou todos os aspectos preceituados pela Constituição,
não sofrendo nenhuma limitação em aspectos formais e circunstâncias, estando
apta, aparentemente, a adentrar o mundo jurídico.
Entretanto deve-se fazer uma análise acerca das limitações materiais da
Constituição.
Para fazer a análise material do dispositivo legal constado no § único da EC
nº 51/06 necessário se faz a avocação dos institutos estudados nos capítulos
anteriores. Deste modo, após um estudo crítico é possível aferir acerca da
(in)constitucionalidade do tema.
O § único do artigo 2º da EC 51/06 aduz
61
Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta
Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente
comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma
da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público
a que se refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que
tenham sido contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública
efetuado por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado,
Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva
supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação.
(negrito nosso)
O referido dispositivo, abarcado no ordenamento jurídico do brasileiro por
meio de emenda, traz a possibilidade de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes
de Combate a Endemias proverem cargos públicos efetivos sem terem sido
aprovados em concurso público, bastando que na época da promulgação da
emenda estar exercendo a atividade e que tenham passado por processo seletivo
supervisionado pela Administração Pública.
O primeiro passo a ser analisado é o que seria este processo seletivo frente à
Constituição.
Como verificado em estudo anterior (Capítulo 02) existem pessoas que são
investidas em cargos públicos em caráter temporário e outras com caráter efetivo.
As pessoas investidas em cargo público com caráter temporário nos termos
do artigo 37, IX da Constituição Federal 1988, normalmente passam por processo
seletivo. Este processo seletivo é simplificado em relação ao concurso público, que é
o meio utilizado para o provimento de cargos efetivos na Administração Pública.
A Lei nº 8745, de 09 de dezembro de 1993, complementando o artigo 37, IX
da Constituição Federal 1988, estabelece as regras para o provimento de cargos
temporários. Dentre tais regras a lei determina, em seu artigo 3º, que o provimento
de cargos temporários se dará por meio de processo seletivo simplificado
amplamente divulgado, não precisando de concurso público.
Esta regra do artigo 3º encontra plausibilidade para provimento de cargos
temporários, uma vez que serve para atender necessidades temporárias de
excepcional interesse público.
Não obstante, verifica-se que a regra para provimento de cargos públicos
efetivos é o concurso público.
62
Assim quando a EC nº 51/06, artigo 2º § único menciona o termo “processo
seletivo” deve ser usada não uma interpretação literal, mas sim extensiva,
entendendo tal termo como concurso público, pois neste caso trata-se de provimento
de cargos públicos efetivos.
Entretanto, a maior parte da Administração Pública tem utilizado deste termo
para acolher dentro de seu quadro de servidores efetivos, pessoas que passaram
em processo seletivo simplificado para proverem cargos temporários, como por
exemplo, o Distrito Federal.
O Governo do Distrito Federal promoveu, por meio de contrato, um acordo
com a Fundação Zerbini, pessoa jurídica de direito privado, a fim de realizar os
serviços relativos ao combate a endemias e ao programa saúde família efetuado
pelos agentes comunitários de saúde. Deste modo, foi a Fundação Zerbini que
efetuou o processo seletivo simplificado para o provimento de seus empregados,
que trabalhariam como agentes comunitários de saúde e combate a endemias em
caráter temporário.
Com o advento da EC nº 51/06, estes agentes passaram a integrar o quadro
de servidores efetivos da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal sob o
regime celetista.
Questões análogas chegam ao judiciário, sendo tribunais rígidos ao analisar a
matéria, como vimos no Segundo Capítulo, o pronunciamento do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e Territórios, no caso em que envolvia professor contratado em
caráter temporário solicitando a sua efetivação no Serviço Público.
Assim sendo, a expressão “processo seletivo”, contida na EC nº 51/06, se não
entendida como concurso público, estará eivada de inconstitucionalidade.
Outro aspecto relevante a ser analisado na EC nº 51/06 é a questão das
pessoas que já estavam investidas a qualquer título como Agente Comunitário de
Saúde e Agente de Combate a Endemias não precisariam passar pelo processo
seletivo.
Os agentes acima aludidos são pessoas que exerciam suas atividades em
caráter temporário. Como foi relatado anteriormente, estes agentes são engajados
63
de três maneiras: por meio de termos de parceria entre uma Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e a administração, por meio de
contratos temporários ou por meio de cooperativas.
Normalmente, desta formas acima descritas o provimento de agentes que
necessitava de processo seletivo simplificado é o realizado por contratos
temporários. Assim, como o próprio nome diz são contratos por tempo determinado,
que se esgotam com o passar do tempo ou conforme a necessidade do poder
público.
Desta forma, ao deixar estes agentes públicos temporários proverem cargos
públicos efetivos sem o devido concurso público é desrespeitar princípios
fundamentais a existência da Administração Pública, tais como o Princípio
Republicano, da Isonomia, da Impessoalidade e da Proporcionalidade, entre outros.
O Princípio Republicano, consolidado no artigo 1º da Constituição Federal, é
aquele que não permite acolher, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a
separação de indivíduos em classes ou castas.
Em decorrência do Princípio Republicano surge outro, o da Isonomia ou
Igualdade, que está amparado no artigo 5º caput da Constituição Federal de 1988,
admitindo que todos são iguais perante a lei, devendo os iguais serem tratados de
forma igualitária.
Para se ter um tratamento isonômico entre iguais deve ser salientado o
Princípio da Impessoalidade, colocado de forma explícita no caput do artigo 37 da
Constituição Federal, onde de maneira geral não se deve legislar a favorecendo um
grupo de pessoas em detrimento de seus iguais.
Ademais se faz necessário ressaltar que todos os atos da Administração
Pública devem ser proporcionais, inclusive o provimento de cargos. Mesmo não
estando de forma explícita na Constituição Federal o Princípio da Proporcionalidade
deve ser levado em consideração, afim de não haver favorecimentos pessoais
dentro do poder público.
Diante de todo exposto, verifica-se que a expressão
64
Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer
título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de
agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se
submeter ao processo seletivo público
contida na EC nº 51/06, está ferindo abertamente princípios de referência
fundamental acima exposto.
Alguns municípios corroboram na não aceitação do provimento dos Agentes
Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate a Endemias, argumentando que
os profissionais que exercem tais cargos passaram por simples processo seletivo,
onde não foram respeitados os princípios gerais da Administração Pública, como
podemos analisar.
STJ50
EMENTA
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO.
AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. ATO DO PREFEITO DO
MUNICÍPIO DE CAMPO DE BRITO/SE QUE NEGOU A EFETIVAÇÃO DE
SERVIDORES TEMPORÁRIOS. EC 51/06. ALTERAÇÃO DO ART. 198, § 4º
DA CF. DISPENSA DE CONCURSO PARA OS AGENTES COMUNITÁRIOS
DE SAÚDE QUE INGRESSARAM ANTERIORMENTE NO QUADRO DE
PESSOAL POR PROCESSO SELETIVO PÚBLICO. NATUREZA DO
VÍNCULO ESTABELECIDO ANTES DA ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL.
CONTRATAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO. ART. 37, IX DA CF,
REGULAMENTADA PELA LEI 136/05 DO MUNICÍPIO DE CAMPO DE
BRITO/SE. TRANSFERÊNCIA DE REGIME DE TRABALHO PELA
SUPERVENIÊNCIA DA EC 51/06. IMPOSSIBLIDADE. RECURSO
ORDINÁRIO DESPROVIDO.
1. A EC 51/06 modificou a redação do art. 198 da CF para criar uma nova
forma de provimento no serviço público pelos Agentes Comunitários de
Saúde - ACS, que passam a ser admitidos por processo seletivo
simplificado. Além disso, o art. 2º da referida Emenda dispôs que os
Servidores, que já desempenhassem as funções de ACS, previamente
aprovados em processo seletivo público, antes da edição da EC 51/06,
conforme certificado pela Unidade Federativa, ficariam dispensados de novo
concurso.
2. Entretanto, os servidores temporários jamais poderiam almejar a
50
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança. Direito administrativo.
Agentes Comunitários de Saúde. Ato do Prefeito de Campo Brito/SE que negou a efetivação de
servidores temporários. EC 51/06. Alteração do art. 198, § 4º da CF. Dispensa de concurso para
agentes comunitários de saúde que ingressaram anteriormente no quadro de pessoal por processo
seletivo público. Natureza do vínculo estabelecido antes da alteração constitucional. Contratação por
tempo determinado. Art. 37, IX da CF, regulamentado pela lei 136/05 do município de Campo
Brito/SE. Transferência de regime de trabalho pela superveniência da EC 51/06. Impossibilidade.
Recurso Ordinário desprovido. Recurso em Mandado de Segurança n.º 26.408 - SE (2008/00406067). Recorrente: Josefa Rosa de Jesus Irmã e Outros. Recorrido: Município de Campo do Brito.
Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma Cível, julgado em 29/05/2008.
65
efetivação definitiva no cargo público, pois estão vinculado ao Quadro de
maneira precária, nos termos do art. 37, IX da CF, para atender necessidade
temporária de excepcional interesse público, por tempo estabelecido.
Precedentes do STF e STJ.
3. No caso, os Servidores Públicos Municipais foram admitidos em 2006,
após aprovação em processo de seleção, promovido pela Secretaria de
Saúde, sob o regime de contratação por tempo determinado, para suprir
necessidade temporária de Agentes Comunitários de Saúde - ACS do
Município de Campos do Brito/SE.
4. O Município de Campo de Brito/SE não certificou que o processo seletivo
para os Servidores temporários seria suficiente para a referida dispensa
prevista no parágrafo único do art. 2º da EC 51/06. Além disso, a própria
Administração Municipal ressalta que a seleção não atendeu aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
5. Ademais, não se comprovou que a efetivação dos Servidores
Temporários respeitaria os limites de gasto dos recursos orçamentários, nos
termos do art. 169 da CF e LC 82/95. Para que se legitimasse o pedido do
writ, seria imprescindível a comprovação da disponibilidade orçamentária, a
ser empregada nos programas sociais destinados à área da Saúde, como
especifica o art. 2º, caput, in fine da EC 51/06.
6. Recurso Ordinário desprovido. Prejudicada a análise da Medida Cautelar.
Por fim, deve ser salientado que, como foi visto no Primeiro Capítulo, o poder
constituinte derivado se estabelece a partir de norma dadas por meio do poder
constituinte originário. Desta forma, uma norma de poder constituinte derivado que
esteja
em
desconformidade
com
a
Carta
Magna,
estará
eivada
de
inconstitucionalidade e, por conseqüência, em desconformidade com todo
ordenamento jurídico.
Assim, diante do acima apresentado, não há outro entendimento senão a
inconstitucionalidade do disposto no § único do artigo 2º da Emenda Constitucional
nº 51 de 2006, uma vez que tal norma por ser originada de poder constituinte
derivado reformador está contrapondo normas de poder constituinte originário, ou
seja, está contrária a norma fundamental do ordenamento jurídico brasileiro, a
Constituição Federal da República de 1988.
66
CONCLUSÃO
O
presente
trabalho
teve
por
objetivo
tratar
acerca
de
aspectos
constitucionais e/ou inconstitucionais do artigo 2º, § único da Emenda à Constituição
nº 51/2006 (EC 51/06), que trata da possibilidade de Agentes Comunitários de
Saúde e Agentes de combate a Endemias, que na época da emenda já
desempenhassem tal atividade, proverem cargos públicos efetivos sem aprovação
em concurso público.
Para chegar a uma conclusão partiu-se da hipótese de argüição pela
inconstitucionalidade do dispositivo supracitado. Desta forma, foram reunidos no
presente trabalho diversos conceitos e definições sedimentados na doutrina, além de
entendimentos jurisprudenciais e dispositivos legais, com a finalidade de confirmar
ou não a hipótese mencionada.
Assim, o trabalho foi dividido em três capítulos.
O primeiro capítulo teve como objetivo apresentar breves comentários do
Poder Constituinte e do Controle de Constitucionalidade.
No estudo do Poder Constituinte foi percebido que existe um poder originário
e um poder derivado, que nasce da própria Constituição.
Por conseguinte, verificou-se que a Emenda Constitucional está inserida
dentro do Poder Constituinte Derivado. A Emenda tem por finalidade promover
alterações na Constituição. Contudo, tais alterações devem obedecer a requisitos e
limitações apresentadas pela própria Constituição, sendo as limitações em âmbito
material e formal.
O primeiro capítulo também aduz acerca do Controle de Constitucionalidade
que surge para conferir se as normas inseridas no ordenamento jurídico estão
respeitando as limitações identificadas na Constituição. Assim, a norma que não está
compatível com a Carta Magna deverá ser extirpada do universo jurídico.
67
O segundo capítulo buscou, em apreciação descritiva, conceitos e definições
importantes acerca do provimento de cargos, empregos e funções no serviço
público. Foram colocados, também, os princípios constitucionais pertinentes a
inserção de servidores públicos no quadro da Administração Pública.
Tais institutos apresentados no segundo capítulo são preponderantes para
discutir a constitucionalidade do artigo 2º, § único da EC 51/06.
O terceiro capítulo ficou a cargo de apresentar as disposições legais que
tratam da atividade dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate
a Endemias. Buscou-se, também, inserir o que foi apresentado nos capítulos
anteriores dentro do artigo 2º, § único da EC 51/06, e desta forma, analisar a
compatibilidade deste dispositivo legal com os princípios e normas constitucionais
vigentes.
O primeiro ponto que foi objeto de contenda na pesquisa está relacionado
com a forma de provimento de cargos efetivos no serviço público, onde se concluiu
que deve ser respeitada a regra do concurso público, admitindo-se raríssimas
exceções colocadas pelo Poder Constituinte Originário.
Neste ponto, a EC 51/06 ao admitir a conversão de pessoas que estavam
inseridas no serviço público em caráter temporário em servidores públicos efetivos
caminhou na direção contrária do que preceitua a Constituição.
A partir desta premissa, foi verificado que EC 51/06 afrontou os princípios
constitucionais apresentados na pesquisa, quais sejam: o princípio republicano, da
isonomia, da impessoalidade, da proporcionalidade e da acessibilidade dos cargos
públicos.
Uma Emenda Constitucional que permite a conversão de contratados
temporariamente em servidores públicos efetivos, sem concurso público, está em
desconformidade com os princípios e normas Constitucionais vigentes.
Deste modo, a partir do estudo dos três capítulos acima aludidos, foi possível
chegar a uma conclusão, confirmando a hipótese apresentada anteriormente,
argüindo pela inconstitucionalidade do disposto no § único do artigo 2º da Emenda
Constitucional nº 51 de 2006.
68
Por fim, entende-se que a estratégia para correção do problema apresentado
teria que ser realizada em dois âmbitos, em um primeiro momento no judiciário e um
segundo no legislativo.
No Poder Judiciário, teria que se declarada inconstitucional a parte do § único
do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 51/06 que permite a conversão dos
Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate a Endemias que
prestavam suas atividades em caráter temporário a época da promulgação da
referida Emenda em servidores efetivos.
Dentro do Poder Legislativo, percebe-se que ao invés da conversão seria
mais viável legislar acerca da substituição gradativa das pessoas que exercem as
atividades acima referidas por servidores efetivamente concursados, sem perder as
características que a lei exige para ser um Agente Comunitário de Saúde e dos
Agente de Combate a Endemias.
69
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