Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso A (In)Constitucionalidade do artigo 2º, § único da Emenda Constitucional nº 51 de 2006 frente ao provimento de cargo público efetivo na forma Constitucional Autor: Felipe Pereira Caxangá da Silva Orientadora: Msc. Lauriana de Magalhães Silva Brasília - DF 2010 FELIPE PEREIRA CAXANGÁ DA SILVA A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 2º, § ÚNICO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51 DE 2006 FRENTE AO PROVIMENTO DE CARGO PÚBLICO EFETIVO NA FORMA CONSTITUCIONAL Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Msc. Lauriana de Magalhães Silva Brasília 2010 Aos meus Pais e à Minha Família. Dedico. AGRADECIMENTO Agradeço à Deus e a minha família pelo apoio na realização do Curso de Direito e também a Professora Lauriana de Magalhães Silva por ter aceitado ser minha orientadora e, que, com grande determinação me conduziu na elaboração deste trabalho de pesquisa. RESUMO SILVA, Felipe Pereira Caxangá da. A (In)Constitucionalidade do artigo 2º, § único da Emenda Constitucional nº 51 de 2006 frente ao provimento de cargo público efetivo na forma Constitucional. 71f. Monografia do Curso de Direito. Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. Pesquisa realizada para aferir acerca da (in)Constitucionalidade do artigo 2º, § único da Emenda Constitucional nº 51 de 2006. Trata da conversão de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate a Endemias em servidores públicos efetivos sem prévia aprovação em concurso público. É possível perceber existe incongruência desta emenda com o ordenamento Constitucional brasileiro. Do mesmo modo, é verificada a incompatibilidade com os princípios constitucionais, bem como na doutrina e nos entendimentos dos Tribunais. Contudo, para chegar a tais conclusões de forma fundamentada não é simples. É preciso realizar um estudo sobre institutos que circundam a constitucionalidade de normas. Assim foi examinado temas como o Poder Constituinte Originário, o Poder Constituinte Derivado, Emenda Constitucional, Limitações ao poder de emendar, entre outros de igual importância. Estes institutos são essenciais na verificação da inconstitucionalidade de uma norma inserida no ordenamento jurídico. É necessária a verificação da inconstitucionalidade do dispositivo apresentado, pois não sendo realizado o controle poderá repercutir negativamente no meio social. Se existe desrespeito a Constituição, existe desrespeito a Sociedade, e é realizando o controle constitucional de normas que se pode proteger a Carta Magna e, por conseqüência, todo sistema jurídico e social. Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Administrativo. Emenda Constitucional nº 51/2006. ABSTRACT SILVA, Felipe Pereira Caxangá da. The (Un)Constitutionality of Article 2, § Unique Constitutional Amendment No. 51, 2006 compared to the effective provision of public office as constitutional. 71. Monograph Law Course. Catholic University of Brasilia, Brasilia, 2010. Research conducted to ascertain about the (in)Constitutionality of Article 2, § Unique Constitutional Amendment No. 51 of 2006. This conversion of Community Health Agents and Agents for Combating Endemic Diseases of civil servants effective without prior approval of tender. You can see there is incongruity of this amendment to the Brazilian constitutional order. Likewise, it is found to be incompatible with the constitutional principles and the doctrine and the understandings of the Courts. However, to reach such conclusions based not so simple. We need to conduct a study of institutes surround the constitutionality of rules. So was examined issues such as the Constituent Power Originally, the Constituent Power Extract, Amendment Constitutional Limitations on the power to amend, among others of equal importance. These institutes are essential in verifying the constitutionality of a provision inserted into law. It is necessary to examine the constitutionality of the device shown, for not being held control may reflect negatively on the social environment. If there is disrespect to the Constitution, there is disrespect to the Society, and is completing the constitutional review of regulations that can protect the Constitution and, consequently, the whole legal system and social development. Keywords: Constitutional Law. Administrative Law. Constitutional Amendment No. 51/2006. SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................... 10 1 O PODER CONSTITUINTE E O CONTROLE CONSTITUCIONAL DE NORMAS............................................................................................................. 13 1.1 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O PODER CONSTITUINTE.................. 13 1.1.1 O poder constituinte originário................................................................ 17 1.1.2 O poder constituinte derivado................................................................. 19 1.1.2.1 Emenda Constitucional............................................................................ 20 1.1.2.2 Limitações ao poder de reforma.............................................................. 22 1.2 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA TEORIA DA INCONSTITUCIONALIDADE.............................................................................. 24 1.3 RELEVÂNCIA DOS INSTITUTOS APRESENTADOS.................................. 28 2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O SERVIDOR PÚBLICO............................ 29 2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS AO SERVIDOR PÚBLICO ............................................................................................................................ 29 2.1.1 Republicano............................................................................................. 30 2.1.2 Isonomia................................................................................................... 31 2.1.3 Impessoalidade........................................................................................ 32 2.1.4 Proporcionalidade................................................................................... 34 2.1.5 Acessibilidade dos Cargos Públicos..................................................... 36 2.2 SERVIDOR PÚBLICO................................................................................... 39 2.2.1 O cargo efetivo e o art. 37, inciso II, CF/88............................................ 41 2.2.2 O Contrato Temporário e a funcionalidade do artigo 37, inciso IX da CF....................................................................................................................... 42 2.2.2.1 Processo Seletivo Simplificado.............................................................. 44 2.3 RELEVÂNCIA DOS INSTITUTOS APRESENTADOS.................................. 47 3 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51 DE 2006............................................... 48 3.1 ASPECTOS GERAIS DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO – PEC 07/2003...................................................................................................... 48 3.1.1 Os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate à Endemias.......................................................................................................... 56 3.2 ANÁLISE CRÍTICA AO § ÚNICO DO ARTIGO 2º DA EC 51/2006.............. 60 CONCLUSÃO.................................................................................................... 66 REFERÊNCIAS................................................................................................. 69 10 INTRODUÇÃO A escolha do tema se deu a partir de uma verificação superficial da Emenda Constitucional nº 51/06 (EC 51/06), onde se pode observar a incongruência entre a referida emenda e as normas e princípios constitucionais. Tal problema surgiu no ano 2006 com a promulgação da EC 51/06, onde, em seu artigo 2º, § único, permitiu que Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate a Endemias, que já estivessem trabalhando a qualquer título, provessem cargos públicos efetivos sem prévia aprovação em concurso público. Deste modo, no que concerne a fins práticos e em relação à EC 51/06, podese dizer que ocasionaria o tratamento desigual em relação aos iguais, desvirtuando a ordem social, causando violação ao princípio da isonomia e do republicano por implicar indiretamente favorecimento pessoal, como por exemplo, o aumento de desemprego nas classes mais baixas em detrimento do favorecimento de outras classes, acarretando em desigualdade social. Para execução do projeto se faz necessária pesquisa, principalmente doutrinária, uma vez que até o presente momento os tribunais pouco pronunciaram acerca do tema. Neste contexto, no que se refere à pesquisa, existe doutrina suficiente para realização do projeto, tornando-o viável. Assim a presente pesquisa procura responder as seguintes questões: O que é emenda constitucional? Qual a forma constitucional para o provimento de cargos públicos efetivos? Como se deu o provimento dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combates à Endemias? E por fim, Será que o artigo 2º,§ único da Emenda 51/06 é Constitucional? Em primeiro plano, sugere-se a hipótese de argüição pela Inconstitucionalidade do artigo 2º § único da Emenda Constitucional 51 de 2006 (EC 51/06), pois tal norma afronta diretamente o texto e princípios constitucionais. 11 No que se refere ao texto legal da Constituição Federal, o § único do artigo 2º da emenda está em desconformidade com o artigo 5ºcaput da CF/88, onde “todos são iguais perante a lei...”. Em desconformidade, também, está a emenda com o artigo 37, inc. II da CF, pois é uma exigência constitucional a aprovação em concurso público para investidura de cargos públicos. Desta forma, o “processo seletivo” que trata o § único do artigo 2º da emenda, não pode ser entendido de outra forma, senão concurso público. Ocorre que não foi este o entendimento, o que acabou abarcando várias pessoas sem prévia aprovação em concurso público. Em sede de princípios constitucionais, verifica-se a desobediência do princípio republicano, da isonomia, da impessoalidade, da proporcionalidade e da acessibilidade dos cargos público. Aceitar que os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate à Edemias assumam a condição de servidores públicos efetivos, é retirar a aplicabilidade dos princípios acima destacados. Neste contexto, há de se verificar da veracidade da hipótese acima sugerida, por meio de uma analise crítica e fundamentada, a qual será objeto de discussão. Deste modo, o objetivo geral é verificar a (in)Constitucionalidade do artigo 2º, § único da Emenda Constitucional nº 51 de 2006 frente ao provimento de cargo público efetivo na forma Constitucional, utilizando-se de pesquisa especialmente explicativa. Para alcançar objetivo geral é necessário dividir a pesquisa em três capítulos. O primeiro capítulo, caracterizado pela pesquisa descritiva, traz conceitos gerais acerca do poder constituinte originário e derivado – reformador, especificando o que é Emenda Constitucional. O segundo capítulo proposto, também de pesquisa descritiva, propõe a relação da Constituição Federal com o serviço público. Este conjunto procura, a partir de definições doutrinárias, entender o artigo 37, inciso II da Constituição Federal e os princípios pertinentes (princípio republicano, da isonomia, da 12 impessoalidade, da proporcionalidade e da acessibilidade dos cargos público). Neste conjunto, devem-se verificar, ainda, os conceitos de Cargo Efetivo, a funcionalidade do artigo 37, inciso IX da CF. O último capítulo, fundamentado pela pesquisa explicativa, tem por objetivo fazer uma análise crítica ao § único do artigo 2º da Emenda Constitucional 51 de 2006, passando por aspectos gerais da emenda, e por fim avaliando acerca de sua (in)constitucionalidade. No que concerne à metodologia, será aplicada a revisão bibliográfica, aplicando-se a conceitos lógicos como o de servidor público e provimento de cargos públicos, sedimentados na doutrina, para alcançar o resultado na pesquisa. No que tange ao método, será aplicado o Hipotético Dedutivo, pois serão utilizados definições e conceitos tidos como verdades gerais fundadas na doutrina para responder o questionamento particular objeto da pesquisa. A pesquisa será dividida em três partes. A duas primeiras partes serão descritivas, pretendendo assim demonstrar em conceitos gerais acerca dos institutos abordados no trabalho. A terceira parte tem função explicativa, onde pegará os conceitos gerais abordados nas duas primeiras partes e aplicará em um objeto específico, qual seja, o estudo acerca da (in)constitucionalidade do artigo 2º,§ único da Emenda 51/06. 13 CAPÍTULO 1 – O PODER CONSTITUINTE E O CONTROLE CONSTITUCIONAL DE NORMAS 1.1 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O PODER CONSTITUINTE Pode-se dizer que o conceito, por assim dizer, de Poder Constituinte teve seu nascimento na Europa, com Sieyes, pensador e revolucionário francês do século XVIII. A concepção de soberania nacional na época assim como a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos com poderes derivados do primeiro é contribuição do pensador revolucionário. Outro marco importante foi a Convenção de Filadélfia em 1787, com a Assembléia das ex-colônias da Inglaterra, surgindo a partir da vontade do povo em limitar o poder do Estado e preservar os direitos e garantias fundamentais ao indivíduo. Neste contexto pode-se aferir, então, que o Poder Constituinte tem condão limitador e preservador. O poder constituinte, na visão de Alexandre de Moraes1 “é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado”. Michel Temer2 comunga em parte do conceito supracitado ao dizer: Esse é o significado do Poder Constituinte (de poder constituir): é a manifestação soberana de vontade de um ou alguns indivíduos capaz de fazer nascer um núcleo social. Assim, os indivíduos titulares do Poder Constituinte, em princípio, eram as pessoas que pertenciam a nação. Mais tarde passou-se atribuir tal titularidade ao 1 2 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 21. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 31 14 povo, visto que o conceito é mais amplo que o de nação3. O povo é o titular, mas no sistema representativo, por exemplo, quem exerce o poder constituinte são aqueles que o povo escolhe para representá-los. Neste contexto deve-se salientar que o Poder Constituinte possui titularidade e exercício. Devem-se distinguir tais institutos, pois muitas vezes ocorre dos titulares do Poder Constituinte não o exercerem. No caso do sistema brasileiro, que é representativo, o titular do poder constituinte é o povo, sendo representado pelos políticos do Congresso Nacional. Outro conceito que é de fundamental averiguação para o entendimento acerca do Poder Constituinte é o de Estado, uma vez que tal poder tem por função instituir um Novo Estado de Direito. Em primeiras linhas podemos aferir o conceito de Estado extraído do Dicionário Aurélio da língua portuguesa4: Nação politicamente organizada. Organismo político administrativo que como nação soberana ou divisão territorial, ocupa um território determinado, é dirigida por um governo próprio e se constitui pessoa jurídica de direito público. Estado regulado por uma constituição que prevê uma pluralidade de órgãos dotados de competência distinto explicitamente determinada. Deve-se salientar, entretanto, que tal conceito não se esgota apenas nestas palavras acima descritas. Assim, cabe aprofundar um pouco mais para um maior entendimento acerca do tema. Estado de direito, na acepção de Bobbio5, deve ser sistematizado por uma estrutura formal (garantia das liberdades fundamentais), material (liberdade de concorrência no mercado), social (segurança da classe trabalhadora) e política (separação e distribuição dos poderes). 3 Conjunto de indivíduos que falam a mesma língua, têm costumes e hábitos idênticos, afinidade de interesses, uma história e tradições comuns. Já nação é um agrupamento humano, mais ou menos numeroso, cujos membros, geralmente fixados em um território, são ligados por laços históricos, culturais, econômicos e ou lingüísticos. Diante de tais conceitos é possível verificar que o conceito de povo abrange um maior numero pessoas que o de nação. 4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Hol, Novo dicionário da língua portuguesa, 4. ed. Curitiba: Editora Positivo, 2009. p. 820, povo 1612 e nação 1381 5 BOBBIO, Noberto. Dicionário de Política, 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992. p. 401 15 Rousseau6 em seu livro intitulado Do Contrato Social propõe acerca de um pacto social entre os indivíduos, onde os mesmos se unem para empregar suas próprias forças, a fim de manter sua existência: Suponho que os homens que chegaram a este ponto, em que os obstáculos que impedem sua conservação no estado de natureza, levam por sua resistência, para as forças que cada individuo pode empregar para se manter neste estado. Este estado positivo, então, não pode subsistir e o gênero humano pereceria se não mudasse sua maneira de ser. Portanto, como os homens não podem engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir as que existem, não possuem outros meios para se conservar senão formar, por agregação, um conjunto de forças, que possa levar à resistência, empregar um único móvel e fazê-lo agir em conformidade com eles. A partir daí surge então, o que Rousseau7 chama de Estado Civil: Esta passagem do estado da natureza para o estado civil produz no homem uma mudança muito marcante, substituindo, em sua conduta, o instinto pela justiça, e dando-lhe às ações a moralidade que lhe faltava antes. É só então que a voz do dever, sucedendo ao impulso físico e ao direito ao apetite, faz o homem, que até então não tinha senão olhado para si mesmo, ver-se forçado a agir por outros princípios, e consultar a razão antes de escutar suas inclinações. Dent8, ao fazer uma análise de Rousseau aduz brilhantemente acerca do referido tema: Não obstante pode ser conjeturado que sustentou existir um Estado quando certo número de pessoas está submetido a um conjunto comum de regras (leis) para governo de sua conduta, regras estas que promulgadas por autoridade centralizada e suprema, e cuja observância será imposta, se necessário, por força de sanções ou penalidades. Assim, temos que o Estado deve ser instituído a partir da união de esforços de um povo para que assegurado a proteção do indivíduo frente a sociedade, limitando-se, entretanto, algumas liberdades individuais. Michel Temer9 trata do Estado como uma Sociedade Política, onde por meio jurídico é organizada a partir de um Poder Constituinte. Isto independe das pessoas viverem em regime de Direito Natural ou Direito Positivo. Neste contexto há de se apreciar os conceitos de Direito Natural e Direito 6 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político, tradução de J. Cretella Jr. e Agnes. 2º Ed. Ver. da tradução, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 29 7 ROUSSEAU, 2008. p. 35. 8 DENT, N. J. H. Dicionário Rousseau. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996. p. 128. 9 TEMER, 2005. p.31. 16 Positivo. Direito Natural ou ius naturalis no entendimento Sidou10 é um: Conjunto de regras inatas na natureza humana, pelas quais o homem se rege afim de agir com retidão, e cujos preceitos participam, alguns, da razão pura, são universais e imutáveis no tempo e no espaço, e outros, da razão prática, adaptando-se aos tempos e as regiões de maneira variável. Aduz acerca do Direito Positivo: Conjunto de preceitos elaborados pelo homem, legislado ou costumeiro, que regula ou já regulou uma sociedade em um determinado momento histórico; o ius positum in societate ou aquele que é colocado pelo homem na sociedade. Deste modo, conclui-se que não importa o regime de direito que é vivido em uma sociedade, pois todas têm como norma fundadora um Poder que as constituem, seja tal poder proveniente da natureza do ser humano ou seja proveniente de um contrato social. Deve ser também salientado, para ser analisado o Poder Constituinte, a estabilidade da constituição. Assim sendo, no entendimento de Moraes11 as constituições de um Estado podem ser constituições imutáveis (onde se veda qualquer alteração), rígidas (constituições escritas que poderão ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das demais espécies normativas), flexíveis (em regra não escritas, poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário) e semi-rígidas (algumas regras poderão ser alterada pelo processo legislativo ordinário, enquanto outras somente por um processo legislativo especial e mais dificultoso). Moraes conclui que a Constituição pátria, em sua flexibilidade (ou estabilidade), pode ser considerada super-rígida, uma vez que para alteração em toda carta magna deve-se respeitar um processo solene e mais dificultoso nos termos do artigo 60 CF/88. Contudo, existem normas constitucionais que são imutáveis (artigo 60, § 4º CF/88 – clausulas pétreas). Deste modo, qualquer outra norma promulgada pelo Estado deve guardar 10 SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídica. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 299. 11 MORAES, 2007.p.05 17 obediência a Carta Magna. No princípio da supremacia da constituição, verifica-se que a carta magna é o cume do ordenamento jurídico, em que se encontram as normas fundamentais, além das normas de organização do Estado. Ela acaba, nos dizeres de Sundfeld12, “estabelecendo os termos essenciais do relacionamento entre as autoridades e entre estas e os indivíduos: a Constituição (também chamada de Cartas ou Lei Magna)”. Divide-se supremacia em formal e material. A supremacia material é admitida em constituições costumeiras e flexíveis, já a formal só se admite nas constituições rígidas. O Poder Constituinte é quem dá origem a Constituição e, por conseguinte, todo ordenamento jurídico de uma nação, se tornando, desta forma, a Norma Matriz. Segundo André Ramos Tavares13: “É aceito que, por definição, não existe norma jurídica superior à constitucional. Esta, portanto, ocupa patamar último do Direito”. Tal poder é dividido, de forma clássica, em Poder Constituinte Originário, Genuíno ou de 1º grau e Poder Constituinte Derivado, igualmente denominado como: instituído, constituído, remanescente, de reforma e de revisão. 1.1.1 O poder constituinte originário O Poder Constituinte Originário é aquele que constitui um novo Estado. É a partir de tal poder que se estabelecem todos os poderes constituídos. 12 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p.40. 13 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 28. 18 Na acepção de Moraes14 O Poder Constituinte originário estabelece a Constituição de um novo Estado, organizado-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. Tanto haverá Poder Constituinte no surgimento de uma primeira Constituição, quanto na elaboração de qualquer Constituição posterior. Para Tavares15 ““poder” constituinte originário corresponde à possibilidade (poder) de elaborar e colocar em vigência uma Constituição em sua globalidade”. Em seu aspecto político, dá origem a um sistema a partir de situações fáticas e não jurídicas, uma vez que o poder constituinte originário (político) é ilimitado. Paulo Bonavides16 ao tratar de tal aspecto aduz: Politicamente é o poder constituinte um poder supra legem ou legibus solutos, um poder a que todos os poderes constituídos hão necessariamente de dobrar-se ao exercer ele a tarefa extrajurídica de cria a Constituição. O poder constituinte originário também tem função legitimadora, fazendo com que uma Nação seja considerada soberana, e valorativa, pois tem como pretensão evitar proveitos e monopólios no poder. Visa colocar na prática um sistema constitucional em sua totalidade, por meio da Constituição, organizando a forma de Estado, abordando direitos e garantias fundamentais e delimitando as competências nas funções públicas. É um poder de fato que tem por objetivo criar um novo Estado e como é um pontapé inicial no novo Estado, tal poder é ilimitado desde o aspecto formal até o material. O Poder Constituinte Originário tem como características ser inicial (pois é a normal fundacional); ilimitado e autônomo (não está vinculada a ordem jurídica anterior); incondicionado (pois não há condições para manifestação da vontade do constituinte) e permanente (não há esgotamento da norma frente ao Estado). 14 MORAES, 2007. p. 22. TAVARES, 2006. p. 29. 16 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 149. 15 19 1.1.2 O poder constituinte derivado. O Poder Constituinte Derivado é colocado na Constituição a partir do Poder Constituinte Originário. Para haver um poder constituído é necessário que tenha uma ordem preestabelecida, ou seja, que haja uma Constituição que apresente esta possibilidade e que legitime órgãos para efetivar tais poderes. Nos dizeres de Paulo Bonavides17 Considerando assim pelo aspecto jurídico, nessa amplíssima latitude, todo poder constituinte, ainda quando por tarefa fazer uma nova Constituição, é rigorosamente poder constituído. Já para Moraes18 O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade. É um poder jurídico, uma vez que foi limitado pela Norma Matriz. Tem como principal utilidade ser um instrumento, aplicado principalmente nas Constituições rígidas, para alteração e correções nas normas constitucionais, tendo como função precípua, por meio do órgão competente, realizar tais modificações na Carta Magna. É um poder jurídico usado para reformar a Constituição. Deste modo, possui limitações expressas e implícitas, podendo sofrer controle de constitucionalidade, observando, entretanto, as limitações jurídicas impostas pela própria Carta Magna. Devem-se observar algumas limitações ao poder de reforma constitucional. Moraes19 entende que tal poder tem como característica ser derivado (pois surge a partir da norma fundamental); subordinado (pois lhe é imposta limitações determinado pelo poder constituinte originário) e condicionado (depende de forma preestabelecida pelo poder constituinte originário). Divide-se em Poder constituinte derivado decorrente e Poder constituinte derivado reformador. 17 BONAVIDES, 2006. p. 151. MORAES, 2007. p. 24. 19 MORAES, 2007. p. 24. 18 20 O Poder constituinte derivado decorrente se caracteriza pela possibilidade dos estados-membros formularem suas próprias constituições desde que não contraponham a Constituição Federal. Já o poder constituinte derivado reformador é a competência, atribuída pela Constituição, ao poder Legislativo (a competência para “reformar” a Constituição Brasileira é do Congresso Nacional) alterar o corpo da Constituição. Tais reformas são feitas por meio de Emendas Constitucionais. Obviamente, devem-se observar algumas limitações de ordem jurídica, uma vez que a própria Carta Magna as impôs com fundamento de não romper as normas basilares e fundamentais na concepção do poder constituinte originário. 1.1.2.1 Emenda Constitucional No contexto da Emenda à Constituição há de se avaliar a terminologia e conceito. Cabe salientar, que deve-se em primeiro plano diferenciar mutação de reforma constitucional. A mutação constitucional se dá pela evolução cultural, social e costumeira, sem a necessidade de uma alteração formal no texto da Carta Magna. Já a reforma constitucional é de aspecto formal, onde há alteração no corpo constitucional, autorizada pela própria Constituição. Deve-se frisar também, dentro reforma, existe uma subdivisão em duas outras espécies, quais sejam, a revisão (que no nosso ordenamento está amparado no artigo 3º da ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias) e a emenda (procedimento formal analisado a partir do artigo 60 da Constituição Federal). A Emenda Constitucional é uma das espécies normativas estabelecidas pela 21 Constituição Federal de 1988, uma vez que esta tem como uma de suas características a rigidez. É o instrumento hábil para promover a reforma na Constituição nos termos do artigo 59, inciso I da CF/88. Tem como função alterar as normas previstas na própria Constituição. Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; ... Cabe salientar que as emendas servem apenas para alterar a Carta Magna e não mudá-la, sob pena de estabelecer um novo poder constituinte originário. Moraes20 estabelece que os procedimentos adotados no processo legislativo para realização da emenda constitucional passam por duas fases: introdutória e constitutiva. Na fase introdutória se estabelece a iniciativa para a propositura da emenda. Assim, o artigo 60 caput, incisos I, II e III da CF/88 delimita quais pessoas têm legitimidade constitucional para propor emendas à Constituição, como podemos verificar: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. A fase constitutiva passa pela deliberação parlamentar onde a emenda constitucional se dá por meio de procedimentos prescritos na própria Carta Magna, havendo uma formalidade especial. Tais preceitos estão fundamentalmente colocados no artigo 60, § 2º da CF/88 Art. 60. ... § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. A partir da leitura do §3º do artigo 60, CF/88, verifica-se que não existe 20 MORAES, 2007. p. 620. 22 participação do Presidente da República, pois a promulgação é de competência das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Art. 60. ... § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. No que tange a publicação, a Constituição restou silenciada. Entretanto, Moraes21 aduz que tal competência é do Congresso Nacional. 1.1.2.2 Limitações ao poder de reforma. No que concernem as limitações ao poder de reforma constitucional, verificase que o poder constituinte reformador tem suas limitações impostas pela própria Constituição Federal. A Doutrina separa tais limitações em formais e materiais. As limitações formais se referem às condições de elaborar a reforma, sendo: restrições processuais, circunstanciais e temporais. As restrições processuais se referem aos procedimentos pelos quais a Constituição impõe para reforma constitucional. Tais procedimentos são indicados pelo artigo 60, I, II e III,§§ 2º e 3º CF/88, apresentados no item anterior. As limitações circunstanciais são aquelas em que em determinados momentos a própria Constituição não permite o processo de reforma. É o caso da intervenção federal, estado de emergência e de sítio, nos temos do artigo 60, §1º da Constituição Federal. Art. 60. ... 21 MORAES, 2007. p. 640. 23 § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. As restrições temporais são aquelas que exigem um lapso de tempo para modificar a Constituição. Não são encontradas no atual ordenamento constitucional pátrio. Não se confundem com as circunstancias, uma vez que tais restrições se destinam a um tempo especifico em que deverão haver a reforma. As limitações materiais estão relacionadas ao objeto a ser reformado na Constituição. No que concerne a sua matéria alguns dispositivos constitucionais originários não podem sofrer alterações, uma vez que a própria Constituição assim determina. Tais limitações materiais podem ser de forma explícita ou implícita. As limitações de forma explícita são aquelas onde a Constituição demonstra claramente em seu texto a proibição de alteração (exemplo: artigo 34, VII, a da CF/88). Art. 34. ... VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; Merecedoras de destaque, neste contexto, são as cláusulas pétreas instituídas pelo artigo 60, §4º, IV da CF/88. Visam proteger as liberdades individuais em face de emenda que tente as abolir. Art. 60. ... § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. Já as limitações materiais de forma implícita não demonstram com clareza a proibição de modificação, entretanto percebe-se a intenção da Constituição em preservar a imutabilidade de um dispositivo (exemplo: reforma da titularidade do poder constituinte, supressão das limitações expressas, entre outras). 24 Por fim, vale a pena frisar que para realizar as emendas à Constituição é necessário respeitar as limitações impostas pelo poder constituinte por meio da Carta Magna em seu artigo 60. 1.2 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA TEORIA DA INCONSTITUCIONALIDADE A inconstitucionalidade significa haver atos ou fatos jurídicos que não são compatíveis a norma constitucional vigente. Tais incompatibilidades podem ser de caráter legislativo e/ou até de caráter administrativo. Cabendo salientar, a possibilidade da existência de inconstitucionalidade nos diversos patamares hierárquicos das normas, inclusive nas de nível constitucional. Para Tavares22: A inconstitucionalidade das leis é expressão, em seu sentido mais lato, designativa da incompatibilidade entre atos ou fatos jurídicos e a Constituição. E ainda conclui23: Ao se classificar a inconstitucionalidade direta, leva-se em conta a incompatibilidade da lei com a norma expressa na Constituição. No caso de Inconstitucionalidade indireta, haveria incompatibilidade entre a lei e uma norma constitucional implícita. Já para José Afonso da Silva24 “[...] todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal”. Neste diapasão, verifica-se a necessidade de analisar dois pressupostos 22 TAVARES, 2006. p. 183. Idem. p. 207. 24 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed., São Paulo: Malheiros, 2007. p. 46. 23 25 fundamentais para discorrer acerca da inconstitucionalidade das leis: supremacia constitucional e existência de um ato legislativo. A inconstitucionalidade pode ser no aspecto formal, pois trata acerca do desrespeito à forma prescrita, a inobservância de condição estabelecida e a falta de competência de legislar, ou no aspecto material, onde há violação das normas constitucionais. Quando se trata de inconstitucionalidade, entende-se, em primeiro plano, a falta de compatibilidade entre norma e a Constituição. Entretanto, no que concerne ao controle formal, há de se analisar o procedimento na elaboração, não a norma que adentrará o mundo jurídico. Já a inconstitucionalidade material visa extirpar a norma que está se contrapondo à Constituição. Contudo, deve-se salientar a comunicabilidade entre o fato e a norma. Quando se afere acerca da constitucionalidade da norma, devem-se verificar os fatos que levaram a construção de tal norma e não apenas a norma em seu sentido literal. Ademais, a Inconstitucionalidade pode ser expressa ou direta (quando a norma contraia o texto constitucional vigente) e implícita ou indireta (quando a norma é incompatível com os axiomas constitucionais). O controle de constitucionalidade é o ajustamento da norma com a Constituição. Para ocorrer tal controle se faz mister que a Constituição seja rígida e que haja um escalonamento no ordenamento jurídico, onde a Carta magna seja a norma máxima. Assim, para verificar falta de compatibilidade da norma com a constituição devem-se fazer duas análises de pressupostos ou requisitos, uma sobre os aspectos materiais e outra sobre os aspectos formais. Os Requisitos formais são legitimados a partir do art. 5º, II, CF/88 onde estar caracterizado o principio da Legalidade. Em conseqüência disto, a constituição, em seus artigos 59 a 69, estabeleceu um devido processo legislativo. Os requisitos formais podem ser de ordem subjetiva (em relação à iniciativa de elaboração de normas) e de ordem objetiva (em relação aos procedimentos e conclusão). 26 Acerca dos requisitos materiais verifica-se a substância (conteúdo) da norma para averiguar a compatibilidade com a constituição. No que diz respeito ao controle de constitucionalidade da reforma constitucional, deve-se prezar pelo cumprimento formal (procedimento) e material (conteúdo) descritos na Constituição. Caso não sejam seguidas tais imposições constitucionais, a reforma estará eivada de vícios e, submetida ao controle de constitucionalidade, não produzirá efeitos no mundo jurídico. A Constituição Federal ocupa o ápice de uma escala na ordem normativa do país. Tal localização se dá a partir da supremacia constitucional em face de outras normas. Desta forma, qualquer outra norma posterior a Constituição deve guardar preceitos de forma e conteúdos previstos na própria Carta Magna. A partir disto, qualquer ato normativo que esteja à contra censo dos prescritos na Constituição estará passível de controle e, conseqüentemente, expurgação da ordem jurídica. Este controle de constitucionalidade pode ser feito por meio de três sistemas: político (feito pelo poder legislativo), jurisdicional (feito pelo judiciário) e misto (feito por ambos os poderes). Pode ser feito de maneira difusa (feito por todo poder judiciário) ou concentrada (feito por entidade específica). Já no que concernem as formas de controlar a constitucionalidade dos atos normativos temos a forma preventiva e a forma repressiva. No que diz respeito principalmente a constituições rígidas deve-se salientar que existe uma forte distinção entre o poder constituinte e as normas constituídas. A poder constituinte originário é estabelecido a partir da Constituição e assim nenhuma norma pode posterior pode contrariá-la. Isto ocorre, pois existe uma hierarquia onde a Constituição é a norma que ocupa o topo. Deste modo, pelas constituições rígidas, para fazer alguma modificação em seu corpo é necessário um rito especial estabelecido pela própria Carta Magna. Qualquer norma que esteja contrária a Constituição não deve entrar no ordenamento jurídico sob pena de nulidade e não aplicação. Para que não ocorra a presenças de tais normas no mundo jurídico é necessário fazer o controle. 27 E assim por entender vislumbra-se no dizeres de Michel Temer25 que: Controlar a constitucionalidade de ato normativo significa impedir a subsistência da eficácia de norma contrária à Constituição. Também significa a conferência de eficácia plena a todos os preceitos constitucionais em face da previsão do controle da inconstitucionalidade por omissão. Alexandre de Moraes26 acrescenta que: Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais. Desta forma pode-se aferir que tal controle deve ser feito em seu aspecto formal e material. O controle formal visa verificar se o processo de elaboração da norma, delimitado pela Constituição, foi devidamente seguido. Neste controle não se analisa o conteúdo da norma, mas se foi seguido os preceitos processuais na sua feitura, verificando competências, legitimidade, quorum, etc. Enquanto o controle formal se preocupa com processo de elaboração, o controle material busca certificar-se da não ocorrência de incongruência do conteúdo da norma elaborada com a Constituição. Para fazer este controle deve-se aprofundar até o âmago da norma por meio da hermenêutica. Neste diapasão, é de salientar que toda norma em desconformidade com a Constituição está eivada de inconstitucionalidade, tanto por ação quanto por omissão. No caso da inconstitucionalidade por ação é delimitada por leis ou atos administrativos que resultam na incompatibilidade com Constituição, uma vez que as normas editadas devem ser compatíveis a Lei Máxima. Já a inconstitucionalidade por omissão advém do poder público abster-se de produzir normas para a completa aplicabilidade da norma constitucional que precise de complemento. 25 26 TEMER, 2005. p. 44. MORAES, 2007. p. 676. 28 1.3 RELEVÂNCIA DOS INSTITUTOS APRESENTADOS O estudo do Poder Constituinte e do Controle de Constitucionalidade é essencial para o início da análise de uma emenda constitucional. No Poder Constituinte verificou-se a existência de poder originário ou inicial, e de poder derivado, que surge a partir da Constituição. Dentro do Poder Constituinte Derivado existe a figura da emenda constitucional que tem como fundamento a alteração constitucional. Entretanto tal alteração não pode ser feita de maneira desregrada, e neste contexto sofre limitações que podem ser de ordem formal ou material. Deste modo surge o Controle de Constitucionalidade que serve para verificar se houve o rompimento das limitações explicitadas pela Constituição. Sendo assim, é importante verificar a existência de uma norma fundamental que constitui um Estado e a partir daí qualquer outra norma, inclusive uma emenda constitucional, jamais pode ferir a norma matricial constitucional. Assim, tais institutos do direito Constitucional são relevantes para o desfecho acerca do estudo da inconstitucionalidade de qualquer norma pertencente ao ordenamento jurídico. 29 CAPÍTULO 2 – A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O SERVIDOR PÚBLICO 2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS AOS SERVIDORES PÚBLICOS A Constituição Federal ao estabelecer a possibilidade de ingresso para o desempenho do serviço público o fez de maneira criteriosa, buscando abarcar o máximo de justiça e clareza em sua contratação e, para alcançar um patamar justo e claro dentro do serviço público, é necessário respeitar os princípios que regem a administração pública. Os princípios, na visão de Moreira Neto27 [...]são proposições abstratas de segundo grau, por serem abstrações inferidas da lei, que, por sua vez, são proposições abstratas de primeiro grau, porque se desumem diretamente dos fatos para evidenciar alguma invariância que os caracterize. Desta forma, devem ser reverenciados os princípios no caput do artigo 37 da CF/88: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (grifo nosso) Assim, a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, são princípios explícitos e gerais na administração pública, devendo estes ser acolhidos inclusive no método de selecionar as pessoas que vão prover cargos e funções no serviço público. Além destes princípios explicitados no artigo 37 da CF/88, existem os que são igualmente abarcados de maneira explicita ou implícita, podendo ser localizados na 27 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial, 13º Ed., Rio de Janeiro, Editora: Forense, 2003. p. 73. 30 própria Constituição, em leis infraconstitucionais, em tratados, na doutrina, entre outros. Para a análise da inconstitucionalidade de um dispositivo normativo, deve ser realizada preliminarmente a dos princípios que circundam a norma em questão. Assim, o princípio republicano, da isonomia, da impessoalidade, da proporcionalidade e da acessibilidade dos cargos públicos merecem destaque para posterior apreciação do artigo 2º § único da EC nº 51/06. 2.1.1 Republicano O artigo 1º da Constituição Federal de 1988 aduz acerca do princípio republicano: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: Trata-se de um princípio fundamental, que Moreira Neto28 ao tratar acerca do tema revela: O País está constituído como uma república, conceito originalmente oposto ao de monarquia, derivado da voz latina res publica, traduzido livremente como coisa comum, que se incorporou a Filosofia Política como um regime político em que se define um espaço público, distinto do privado, no qual são identificados e caracterizados certos interesses, também ditos públicos, que transcendem os interesses individuais e coletivos dos membros da sociedade e, por isso, passam a ter satisfação submetida a decisões, normativas e concretas, de agentes também públicos. A concepção republicana implica no afastamento de mecanismos de favorecimento pessoal. É o caso, por exemplo, de não realização de o concurso público para efetivação de cargos no serviço público, alienado tais cargos quem fizer 28 MOREIRA NETO, 2003. p. 78. 31 maior favorecimento pessoal ao administrador do Serviço Público. Corroborando com tal idéia, Dallari29 afirma No sistema jurídico brasileiro a garantia de igual acesso a todos os interessados de ingressar no serviço público tem fortíssimas raízes constitucionais, a partir do próprio artigo 1º da Constituição Federal, que consagra o princípio republicano, o qual não admite castas ou classes de cidadãos. 2.1.2 Isonomia Em decorrência do princípio republicano, temos o princípio da isonomia, o qual requer o tratamento igualitário aos indivíduos. É o que trata o caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 ao dizer que Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Também denominado como Princípio da Igualdade prevê o tratamento igualitário em relação a todos, buscando a negação de atos discriminatórios dentro do ordenamento jurídico. Moreira Neto30 completa o raciocínio acima relatado ao dizer O princípio da igualdade é ainda extremamente relevante no seu enunciado negativo, que é a vedação de discriminação, com particular aplicação nos serviços públicos, nos concursos públicos, nas licitações e no processo administrativo. (negrito nosso) Desta forma, para fazer análise do artigo 37 e seus incisos da Constituição Federal de 1988, há de se buscar os fundamentos principiológicos na Isonomia e no 29 30 DALLARI, Adilson Abreu, Revista Eletrônica de Direito do Estado, nº 6, Bahia, 2006. p. 01. MOREIRA NETO, 2003. p. 81. 32 princípio Republicano. 2.1.3 Impessoalidade O princípio da impessoalidade encontra-se, em primeiro plano, no artigo 5º caput da Constituição Federal de 1988. Assim como o princípio da Isonomia, a impessoalidade atua de maneira a igualar o tratamento em ralação aos indivíduos da sociedade. Deste modo, a administração pública, deve obedecer a tal regra, sendo vedados a esta qualquer tipo de distinção restritiva ou de privilégios. Neste sentido, o princípio da impessoalidade consta de maneira expressa no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, ao prescrever Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:(grifo nosso) Neste contexto, percebe-se a importância da aplicação do princípio da impessoalidade em relação aos atos da administração pública (inclusive admissão de servidores públicos), uma vez que o legislador constituinte o enfatizou no texto constitucional. Celso Antônio Bandeira de Mello31 aduz acerca do princípio da impessoalidade o relacionando com o princípio da isonomia: Nele se traduz a idéia de que Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de 31 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8 ed., São Paulo:Malheiros Editora, 1996. p. 68. 33 qualquer espécie. O Princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia (...). No texto constitucional há, ainda algumas referências a aplicações concretas deste princípio, como ocorre no art. 37, II, ao exigir que o ingresso em cargo, função ou emprego público depende de concurso público, exatamente para que todos possam disputar-lhes o acesso em plena igualdade. Juarez Freitas32, corroborando como acima aludido aduz: No tocante ao princípio da impessoalidade, derivado do princípio geral da igualdade, mister traduzi-lo como vedação constitucional de qualquer discriminação ilícita e atentatória à dignidade da pessoa humana. Ainda segundo este princípio, a Administração Pública precisa dispensar um objetivo isonômico a todos os administrados, sem discrimina-los com privilégios espúrios, tampouco malferindo-os persecutoriamente, uma vez que iguais perante o sistema. Quer-se através da implementação do referido princípio, a instauração, acima de sinuosos personalismos, do soberano governo dos princípios, em lugar de idiossincráticos projetos de cunho personalista e antagônicos à consecução do bem de todos. Neste contexto, o princípio da impessoalidade deve ser aplicado pela administração pública para evitar prerrogativas de uns em detrimento de outros, sempre levando-se em consideração o interesse público. Em relação a investidura de cargos públicos efetivos também deve-se aplicar o princípio da impessoalidade. Em vários pontos do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 é possível vislumbrar tal princípio. O inciso II do artigo aludido determina II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; Ou seja, há a exigibilidade do concurso público para efetivação de cargos no serviço público, a fim de evitar privilégios a alguns perante outros. No que diz respeito à ordem de aprovação o princípio da impessoalidade está presente no inciso IV que aduz IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira; 32 FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 64-65. 34 Neste caso, deve-se manter a ordem de aprovação para a convocação. Assim sendo, fica demonstrado que o princípio da impessoalidade deve ser levado em consideração na análise crítica acerca de normas que introduzem servidores públicos efetivos no quadro da administração pública. 2.1.4 Proporcionalidade constitucional O princípio da proporcionalidade, em regras gerais, é a sustentação do direito aplicado, de forma plausível e racional. Tal princípio está presente nos variados ramos do direito, como por exemplo, Direito Penal, Direito Civil, Administrativo, entre outros. Para Tavares33 A proporcionalidade, numa primeira aproximação, é a exigência de racionalidade, a imposição de os atos estatais não sejam desprovidos de um mínimo de sustentabilidade. Bonavides34 afirma que A vinculação do princípio da proporcionalidade ao Direito Constitucional ocorre por via dos direitos fundamentais. É aí que ele ganha extrema importância e aufere um prestígio e difusão tão larga quanto outros princípios cardeais e afins, nomeadamente o princípio da igualdade. A partir de um conceito geral de proporcionalidade é preciso destacar sua aplicabilidade no âmbito do Direito Constitucional, pois é ele quem regula os demais ramos do Direito. A proporcionalidade é um princípio ligado primordialmente aos direitos fundamentais, que se atrela fortemente com o direito constitucional. 33 34 TAVARES, 2006. p. 668. BONAVIDES, 2006. p. 395. 35 De início do princípio da proporcionalidade era de maior aplicação no âmbito do direito Administrativo. Entretanto, por força da doutrina e jurisprudência, passouse a aplicar tal princípio também no direito Constitucional, o que fez ocorrer um melhor controle de constitucionalidade. O princípio da proporcionalidade tem tido grande função para a Corte Constitucional no controle de constitucionalidade em face de normas e atos Estatais. A atual Constituição Brasileira não abarcou o princípio da proporcionalidade de forma explícita, mas sim de forma implícita nos termos do artigo 5º, §2º CF/88, onde verifica-se: Art. 5 ... § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Assim sendo, alguns doutrinadores entendem que este princípio decorre do Estado Democrático de Direito (doutrina alemã), outras corroboram com a tese de que a proporcionalidade advém de outro princípio, o do devido processo legal (doutrina norte-americana). Existem, ainda, doutrinadores que defendem a proporcionalidade como derivação do princípio da isonomia. Cabe salientar, também, que independentemente da posição doutrinária, o princípio da proporcionalidade é um instrumento imprescindível para análise interpretativa da norma, não só nas que geram conflitos, mas a qualquer norma no ordenamento jurídico. Para Bonavides35, no que concerne a seus elementos o princípio da proporcionalidade pode-se dizer que existem três: pertinência ou aptidão (adequação do meio e do fim que se deseja alcançar), necessidade ou exigibilidade da medida adotada (a medida não pode ultrapassar limites ou deve ser necessária para sua admissibilidade) e proporcionalidade stricto sensu (escolha sobre os meios mais adequados no fato específico). Desta forma, quando ato ou norma forem desproporcionais estarão eivados de inconstitucionalidade. 35 BONAVIDES, 2006. p. 401. 36 Por fim Bonavides36 conclui que a inconstitucionalidade ocorre enfim quando a medida é “excessiva”, “injustificável”, ou seja, não cabe na moldura da proporcionalidade. 2.1.5 Acessibilidade dos cargos públicos A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, caput, e inciso I, verifica a necessidade de regras destinadas à Administração Pública, direta ou indireta: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; Tal texto constitucional acima aferido demonstra princípios explícitos. Estes princípios são extremamente relevantes para análise dos atos administrativos. Entretanto, também traz outro princípio de suma importância: o princípio da acessibilidade aos cargos públicos, contido no inciso I. Este princípio tem por finalidade concretizar o princípio da isonomia e da impessoalidade no que diz respeito ao provimento de cargos, empregos e funções públicas. Assim, no que tange ao princípio da Acessibilidade dos cargos públicos Moraes37, nos ensina: Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros, 36 BONAVIDES, 2006. p. 398. MORAES, 2007. p. 824 (A citação autor data somente possui a formatação indicada se o autor possui mais de uma obra referida no seu texto Felipe. Se tiver mais de uma coloque: MORAES, 2007. op. cit., p. 824; Se não tiver, coloque apenas. MORAES, op. cit. p. 824. – ver manual!!!) 37 37 natos ou naturalizados, e aos portugueses equiparados que preencham os requisitos estabelecidos em lei e, desde a promulgação da EC nº 19, em 46-1998, aos estrangeiros, na forma da lei, sendo vedada qualquer possibilidade de discriminação abusiva, que desrespeite o princípio da igualdade, por flagrante inconstitucionalidade. (negrito nosso) Cabe ressaltar a ressalva feita pelo doutrinador quanto a discriminações abusivas, onde entende-se como irrazoáveis e desproporcionais, a ferirem a ampla acessibilidade referida e, por conseguinte, a isonomia. O acesso no serviço público nos termos constitucionais serve para todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei e aos estrangeiros, na forma da lei. Desta forma, só a lei pode criar regras, desde que estas não contraponham o prescrito na Constituição. Diógenes Gasparini38 trata do respectivo tema: Para o acesso a cargo, emprego ou função não basta ser brasileiro. O interessado há, ainda, que satisfazer aos requisitos estabelecidos em lei, consoante reza a parte final do referido inciso. A lei responsável pela instituição desses requisitos é a de entidade política titular do cargo, emprego ou função pública que se deseja preencher, dada a autonomia que se lhes assegura nessa matéria. Um dos requisitos é sem dúvida, lograr aprovação e classificação em concurso público de provas ou de provas e títulos. A lei em apreço é da iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, c, da CF), em relação aos cargos, empregos e funções desse Poder. Será, no entanto, resolução quando tratar-se de criação de cargo do serviço administrativo do Legislativo. De fato, não seria lógico, nem prático, que esse Poder pudesse criar cargo sem que se lhe reservasse a competência para estabelecer os requisitos de provimento, por exemplo. Além da regra inserida no inciso I, do artigo 37 da Constituição Federal, ocorre a incidência das normas dos incisos II, V e IX do mesmo artigo, onde se prescreve a necessidade do concurso público e admitem-se algumas exceções: Art. 37.... II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos 38 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo:Saraiva, 1995, p.119. 38 previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; Nota-se que o concurso público é a regra para acessibilidade em cargos e empregos públicos. Contudo, existem algumas exceções ao concurso público que devem estar presentes na Constituição, sendo vedado a qualquer outra norma apresentar novas exceções. A primeira exceção pode ser encontrada no caput do artigo 19 da ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), no qual aduz: Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público. Assim os servidores que estão amparados pelo dispositivo acima colocado puderam prover cargos públicos efetivos sem a necessidade da realização de concurso público. Ademais tem-se como exceção a possibilidade do contrato temporário (artigo 37, inciso IX CF/88), cargo em comissão (segunda parte do inciso II do artigo 37 da CF/88) e da função de confiança (artigo 37, inciso V da CF/88), sendo esta última exercida exclusivamente por servidores efetivos. Cabe ressaltar que nos casos de exceção dos incisos II e IX não há de se falar em efetivação no serviço público. Contudo, em alguns casos, os administradores públicos se utilizam de tais institutos para eternizar servidores dentro serviço público. Assim, quando se aduz acerca da efetivação em cargos e empregos públicos, tem-se por necessária a realização do concurso público de provas ou de provas e títulos. Hely Lopes de Meirelles39 comunga com esta tese: O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública 39 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo:Malheiros, 2008, p. 440. 39 para obter-se a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público, e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da Constituição da República. Pelo concurso se afastam, pois, os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder, leiloando empregos públicos. Diante do acima aludido, verifica-se que o instituto constitucional para acessibilidade de cargos e empregos públicos é o concurso público. 2.2 SERVIDOR PÚBLICO. Diante da ausência de conceito legal de serviço público, destacam-se, para fins deste trabalho algumas concepções trazidas pela doutrina. Na visão de Cretella Junior40 considera que: Serviço Público é toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para satisfação do interesse público, mediante procedimento de direito público. Já para Hely Lopes Meirelles41, serviço público: é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado. Embora Cretella Júnior apresente visão mais objetiva, o entendimento de Hely Lopes Meirelles é mais adequado à abordagem a ser realizada neste trabalho por dar uma noção mais ampla e estendida de serviço público. José Afonso da Silva42 delimita que o Estado, para executar o serviço público de maneira continuada, age por meio de seus órgãos. Os órgãos são definidos por 40 CRETELLA JUNIOR, José. Curso de direito administrativo. 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006.p. 317. 41 MEIRELLES, 2008. p. 333. 42 SILVA, José Afonso da, 2007. p. 677. 40 lei e têm dois elementos, um subjetivo e um objetivo. O subjetivo está relacionado com o aspecto pessoal, enquanto o objetivo trata acerca das competências relacionadas nos cargos, empregos e funções. No aspecto subjetivo (que trata do pessoal) podemos identificar o genérico que são os agentes públicos, sendo a totalidade de pessoas que servem o Estado. Os agentes públicos são servidores públicos em sentido amplo, ou seja, abarca a Administração direta e indireta, sob qualquer regime, seja estatutário, celetista ou em algum regime especial. Tais agentes podem realizar suas tarefas em caráter definitivo ou temporário e são divididos em três categorias: Agentes políticos – quando há um vínculo político e não profissional. É o caso do Presidente, Governadores, Prefeitos, Deputados, Senadores, Vereadores. Servidores Públicos em sentido strito – quando há um vínculo profissional e hierárquico. Particulares em colaboração com o Poder Público – são os que desempenham alheias as anteriores, a qualquer título, como por exemplo, jurados, mesários, entre outros. Existe, também, a diferenciação de cargo, emprego e função. No cargo público, o agente tem suas atribuições especificas. Deve ser estipulado o número de cargos por lei. O emprego público se diverge do cargo, uma vez que todos desta categoria são regidos pela CLT. Já as funções públicas são aquelas de caráter temporário nos termos do artigo 37, IX CF/88 e as de chefia e assessoria no termos do artigo 37, II CF/88. Cabe salientar, neste contexto, que os Servidores Públicos, sendo os agentes de vínculo profissional e de dependência, podendo ser cargo efetivo ou de comissão, diante de todos os ramos da Administração Pública. 41 2.2.1 Cargo Efetivo e o artigo 37, inciso II da CF. Dentro do gênero Agentes Públicos há as espécies agentes políticos (que exercem cargos na estruturação do governo) e agentes administrativos (os que exercem cargo, função ou emprego de forma subordinada, compreendendo os servidores públicos: funcionários públicos, empregados públicos e servidores públicos em sentido estrito, além dos militares). No que concerne ao acesso no serviço público, deve-se salientar o artigo 37 e seus incisos da CF/88. O artigo em questão prevê o provimento no cargo, emprego e função dos agentes públicos, podendo ter acesso ao serviço público brasileiros e estrangeiros (com ressalvas na própria Constituição). Para ser um servidor publico é necessário seguir o estabelecido na Constituição, nos termos do artigo 37, I CF/88. Art. 37. ... I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; Os brasileiros e estrangeiros, nos limites impostos na Constituição, poderão ter acesso a empregos, cargos e funções. O artigo 37, II da CF/88, prevê os cargos comissionados e efetivos, sendo que para prover este ultimo é necessário o concurso público. Moraes43 ao discorrer acerca do tema aduz: O Supremo Tribunal Federal, ressalvadas as exceções constitucionais, é intransigente em relação à imposição à efetividade do princípio constitucional do concurso público... E complementa: Exceções ao princípio, se existem, estão previstas na própria Constituição. Assim, apesar de o regime de pessoal das entidades paraestatais ser o 43 MORAES, 2007. p. 327. 42 mesmo de empregados de empresas privadas, sujeitos à CLT, às normas acidentárias e à justiça trabalhista (CF, art 114), permanece a obrigatoriedade do postulado do concurso público, mesmo para empresas que exerçam atividades econômicas, salvo, obviamente, para os cargos ou funções de confiança, por ser instrumento de realização concreta dos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade. A acessibilidade aos cargos e empregos públicos está diretamente relacionada à sua investidura, sendo necessária a aprovação em concurso público de provas ou provas e títulos, além da classificação dentro do número de vagas e dentro da validade para prover tais cargos e empregos, nos termos do artigo 37, II e III CF/88. Art. 37. ... II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período; É de se ressaltar que o princípio do concurso público deve ser aplicado a todo provimento de cargos no serviço público (certamente excluindo a exceções constitucionais), da Administração Direta e Indireta, inclusive em entidades paraestatais e com fins econômicos como autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista. 2.2.2 O Contrato Temporário e a funcionalidade do artigo 37, inciso IX da CF A Constituição de 1988 prevê duas possibilidades para investidura de empregos, cargos e funções sem a prévia aprovação em concurso público. A primeira possibilidade está inserida no artigo 37, II CF/88, que permite a livre nomeação e exoneração para cargos em comissão desde que não sejam 43 funções de confiança, ou seja, de direção, chefia e assessoramento que deverão ser preenchidas por servidores de carreira (art. 37, V CF/88). A segunda possibilidade está prevista no artigo 37, IX da CF/88, onde permite a contratação de pessoal, temporariamente, sem concurso público, onde admite a possibilidade da contratação de pessoal para o exercício temporário de atividades, de acordo com as necessidades da administração pública. Art. 37. ... IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; O contrato temporário, ou por tempo determinado, refere-se a servidores públicos em regime especial uma vez que seu exercício de caráter excepcional e temporário. Na visão de Meirelles44, Os contratados por tempo determinado são os servidores públicos submetidos ao regime jurídico administrativo especial da lei prevista no art. 37, IX, da Carta Magna, bem como ao regime geral de previdência social. Deve-se salientar que para a ocorrência de tal contratação é necessário que seja preenchido requisitos que o próprio artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal estabeleceu, quais sejam excepcional interesse público; temporariedade da contratação e hipóteses expressamente previstas em lei. Cabe ressaltar que esta possibilidade é uma exceção ao princípio do concurso público, e deve ser tratada como tal, sob pena da ocorrência de inconstitucionalidade. Nesta situação, até o final de 2005, estavam inseridas, em alguns municípios as categorias profissionais dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate a Endemias. Eram servidores públicos de contrato temporário, aprovados por meio de processo simplificado, para atender as necessidades excepcionais dentro do contexto da Saúde Pública, estando desta forma, compatíveis com o que a Constituição prescreve acerca do provimento temporário. 44 MEIRELLES, 2008. 44 A EC nº 51/2006, nos termos de seu artigo 2º, onde inseriu o § 4º do artigo 198 da Constituição Federal, que deixou a possibilidade dos agentes comunitários de saúde e combate à edemias proverem cargos públicos por meio de “processo seletivo”. Art 2º Após a promulgação da presente Emenda Constitucional, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente poderão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal, observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata o art. 169 da Constituição Federal. Art. 198. ... § 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. 2.2.2.1 O processo seletivo Simplificado. O serviço público a priori é desempenhado por brasileiros ou estrangeiros na forma da lei, sendo necessária a prévia aprovação em concurso público de provas e provas e títulos, como prescrevem os incisos I e II da Constituição Federal de 1988, como podemos verificar: Art. 37.... I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; Contudo, a Constituição Federal permitiu algumas exceções para o provimento excepcional de cargos e empregos públicos. É o caso do inciso IX do 45 artigo 37 da CF/88, onde prevê a possibilidade de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos da lei. Cabe ressaltar que tal contratação é de prazo determinado e não se faz necessária aprovação em concurso público, bastando apenas de um processo seletivo simplificado. A lei que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal de 1988 é a Lei nº 8745, de 09 de dezembro de 1993. No artigo 1º da lei informa: Art. 1º Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, os órgãos da Administração Federal direta, as autarquias e as fundações públicas poderão efetuar contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei. Assim, a lei resguarda o interesse constitucional de se manter a necessidade, a temporariedade e de excepcional interesse público. Mas, neste contexto, o que é considerado necessidade temporária de excepcional interesse público? O legislador respondeu tal questão ao delimitar no artigo 2º da Lei: Art. 2º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público: I - assistência a situações de calamidade pública; II - assistência a emergências em saúde pública; III - realização de recenseamentos e outras pesquisas de natureza estatística efetuadas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE; IV - admissão de professor substituto e professor visitante; V - admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro; VI - atividades: ... Deste modo, o legislador procurou delimitar tais necessidades para evitar o mau uso do instituto. 46 Algumas das situações apresentadas no artigo 2º demonstram urgente necessidade no recrutamento de servidores. Neste caso o concurso público poderia emperrar tal recrutamento, uma vez que o rito a ser seguido no certame é bem solene. É neste contexto que a Lei nº 8745/93 no artigo 3º apresenta o processo seletivo simplificado: 3º O recrutamento do pessoal a ser contratado, nos termos desta Lei, será feito mediante processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, inclusive através do Diário Oficial da União, prescindindo de concurso público. Percebe-se então que o processo seletivo simplificado como o próprio nome diz é um processo mais célere que o concurso público. A categoria dos profissionais da saúde pública também está sujeita ao processo seletivo para atender às necessidades decorrentes de calamidade pública como no discorrido no §1º da Lei acima aludida: o § 1 A contratação para atender às necessidades decorrentes de calamidade pública, de emergência ambiental e de emergências em saúde pública prescindirá de processo seletivo. Deve-se salientar novamente que estes contratos que atendem a necessidade temporária de excepcional interesse público são de caráter temporário e por prazo determinado, se justificando assim a ausência de concurso público e a possibilidade do processo seletivo simplificado. Os Tribunais têm acolhido tal entendimento, como exemplo, segue precedente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:45 EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROFESSOR TEMPORÁRIO. PEDIDO DE EFETIVAÇÃO NO CARGO PÚBLICO SEM CONCURSO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. O ingresso no serviço público, excetuando-se os cargos em comissão, deve ser precedido de concurso público de provas ou de provas e título (CF/88, art. 37, II). A contratação de professores temporários tem apoio no art. 45 BRASIL.Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Direito Administrativo. Servidor Público. Professor temporário. Pedido de efetivação no cargo público sem concurso. Indeferimento da petição inicial. Apelação Cível n.º 20070111478305APC. Apelante: Juliana Vidal Oliveira e Outros. Apelado: Distrito Federal. Relator WALDIR LEÔNCIO C. LOPES JÚNIOR, 2ª Turma Cível, julgado em 04/02/2009, DJ 18/02/2009 p. 49. 47 37, IX, da Constituição Federal de 1988. Trata-se de contratação a título precário - e emergencial -, mediante simples seleção de provas e títulos com o propósito de atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (substituir professores concursados em suas férias, licenças e faltas). Não há qualquer ilegalidade na realização de processo seletivo simplificado; mas os contratos de trabalho dos professores temporários podem ser rescindidos a qualquer tempo no interesse da Administração Pública. O fato é que a opção do Administrador Público local não autoriza o Poder Judiciário a admitir a investidura em cargo público não criado por lei e sem prévia aprovação em concurso público. Pedido juridicamente impossível. Correto o indeferimento da petição inicial. Mesmo na ementa supracitada sendo em relação a professores temporários, pode-se usá-la em casos análogos, como por exemplo, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate a endemias. Assim, o estudado acerca do processo seletivo simplificado é de suma importância para compreensão analítica da emenda constitucional nº 51/06. 2.3 RELEVÂNCIA DOS INSTITUTOS APRESENTADOS O presente capítulo buscou a apreciação descritiva de peculiaridades importantes acerca do provimento de cargos, empregos e funções no serviço público, partindo de princípios pertinentes até a acessibilidade dos servidores públicos frente à administração pública. A partir destes estudos é possível esclarecer dentro do contexto do serviço público o que é constitucionalmente viável e o que não, uma vez que para ter acesso a cargos, empregos e funções é preciso obedecer as normas constitucionais, sendo as mesmas embasadas por princípios basilares do direito. Tais princípios e institutos jurídicos são de extrema relevância para analisar os aspectos (in)constitucionais da Emenda Constitucional nº 51 de 2006, que será realizada no próximo capítulo . 48 CAPÍTULO 3 – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51 DE 2006 3.1 ASPECTOS GERAIS DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO – PEC 07/2003. Como verificado no primeiro capítulo deste trabalho a emenda constitucional, no ordenamento jurídico brasileiro, para ser aprovada deve se submeter a procedimento rigoroso, nos termos da Constituição Federal de 1988. O artigo 60 da Carta Magna, além dos procedimentos necessários para realizar emendas, segundo estudado no primeiro capítulo, também traz a quem compete fazer tais propostas e as limitações ao poder de emendar a Constituição: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; 49 III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Assim verifica-se nos termos do inciso I do artigo acima aludido a possibilidade de no mínimo um terço dos membros da Câmara dos Deputados apresentarem proposta de emenda à Constituição. E foi da Câmara dos Deputados que surgiu a idéia do que viria a ser a Emenda Constitucional nº 51/06. No dia 12 de março de 2003, o Deputado Federal Maurício Rands46 apresentou para apreciação do plenário a Proposta de Emenda à Constituição - PEC nº 07/2003, que tinha como finalidade inicial a alteração do inciso II do art. 37 da Constituição Federal, permitindo a contratação pela administração pública de agentes comunitários de saúde por meio de processo seletivo público. Segundo Maurício Rands, a proposta tem como finalidade definir acerca do vínculo dos agentes de saúde em relação à administração pública, como podemos verificar A regra geral para o provimento de cargos e empregos na administração pública deve continuar sendo a do concurso público. Num país de forte tradição nepotista, o concurso assegura igualdade de oportunidades para os postulantes a uma vaga no serviço público. Ao mesmo tempo, facilita a profissionalização dos servidores públicos, embora outras medidas sejam indispensáveis à consecução deste objetivo. Trata-se de modalidade de seleção democrática e aberta a todos, independentemente de características pessoais. Com o desenvolvimento do sistema único de saúde, ganharam relevo programas de saúde da família baseados na prevenção das doenças mediante ações domiciliares ou comunitárias. Surgiu a profissão do agente comunitário de saúde (ACS), reconhecida pela Lei nº 10.507, de 10 de julho de 2002, contando com mais de 150 mil trabalhadores em todo o território nacional. Além da falta de uma regulamentação apropriada que lhes confira os direitos trabalhistas, os ACS têm sofrido com a falta de definição de um modelo para a celebração do vínculo com a administração pública. Ora são engajados através de termos de parceria entre uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e a administração, ora através de contratos temporários, ora através de cooperativas. Para as administrações que desejam optar pela contratação do ACS fazendo-o preencher um emprego público, hoje existe um obstáculo constitucional. O trabalho do ACS consiste em ações domiciliares ou 46 Na época da aprovação da PEC - 07/2003, estava Deputado Federal do Partido dos Trabalhadores eleito pelo estado de Pernambuco – PT/PE. 50 comunitárias de prevenção à saúde. Para que a população sinta-se confortável diante da visita do ACS ao seu lar é imprescindível que este tenha laços com a comunidade. Que seja conhecido e respeitado. O próprio art. 3º da Lei 10.507/02 reconheceu a necessidade em seu inciso I. Caso a administração deseje fazer a contratação para preenchimento do emprego público terá que abrir concurso público. Dele poderá participar qualquer pessoa, independentemente de vínculos residenciais e sociais com a comunidade cujas casas visitará. De acordo com o vigente inciso II do art. 37 da CF, a administração não pode contratar pessoas exclusivamente na comunidade onde as ações do ACS serão desenvolvidas porque está adstrita ao concurso público aberto. A solução é fazer o direito adequar-se à realidade de um programa novo e essencial para reverter as precárias condições de saúde do povo brasileiro. Suas ações exigem um novo tipo de relação entre o agente público ACS e a administração pública. Para viabilizar esta nova relação, a modalidade do processo seletivo revela-se a mais adequada. Permite o estabelecimento de procedimentos mais simples, viabilizando a escolha de pessoas legitimadas e reconhecidas pela comunidade destinatária das ações de saúde. Para tanto, basta que o Congresso Nacional acrescente mais esta exceção ao regime de investidura em cargo ou emprego público através do concurso público. Trata-se de imposição de realidade à qual deve se curvar o direito. O autor também esclarece em sua proposta a necessidade da emenda, uma vez que os agentes comunitários de saúde têm atribuições peculiares a sua profissão, nos termos do artigo 3º, inciso I da Lei 10.507/02. A proposta então foi enviada para Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, tendo na ocasião como relator o Deputado Federal Luiz Couto47. No relatório o Deputado Luiz Couto apensou a PEC nº 07/2003 à PEC 224/2003 do Deputado Federal Walter Pinheiro48, onde o mesmo acrescenta, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, artigo que incorpora à União os agentes comunitários de saúde que exercem essa função até 10 de julho de 2002. Após essa data, a Proposta exige a aprovação em concurso público para a investidura no cargo de agente. No voto proferido pelo relator, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, verificou-se pela admissibilidade da proposta em seu aspecto formal, uma vez que foi seguido corretamente o preceituado no artigo 60 da Constituição. Desta forma, o número de assinaturas dos Deputados Federais foi de no mínimo dois terços. No entendimento do relator constatou-se “que não há pretensão de abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, 47 Na época da aprovação da PEC - 07/2003, estava Deputado Federal do Partido dos Trabalhadores eleito pelo estado da Paraíba – PT/PB. 48 Na época da aprovação da PEC - 07/2003, estava Deputado Federal do Partido dos Trabalhadores eleito pelo estado da Bahia – PT/BA. 51 nem a separação dos Poderes ou os direitos e garantias individuais” e que no momento não havia “impedimento circunstancial à apreciação da matéria, eis que o País encontra-se em situação de normalidade político-institucional, não vigorando intervenção federal, estado de sítio ou de defesa”. Concluída a análise formal, o relator Deputado Federal Luiz Couto adentrou o mérito da questão. No concernente a PEC 224/2003 votou pela inadmissibilidade da mesma, afirmando o seguinte Há, contudo, obstáculo material a impedir que a PEC 224, de 2003, seja objeto de deliberação, conforme preceitua o § 4º do art. 60 da Constituição Federal. A incorporação de servidores aos quadros da administração federal é matéria de lei ordinária da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, por força do disposto no art. 61, § 1º, inciso II, alínea c, da Constituição Federal. Constitui, assim, evidente burla à determinação do Legislador Constituinte originário dispor sobre essa matéria por meio de emenda constitucional. A alteração constitucional pretendida, portanto, implicaria supressão de competência privativa de outro Poder do Estado. Resta evidente da leitura do texto constitucional que a matéria deve ser objeto de lei ordinária e, não, de emenda constitucional. Ademais, a modificação alvitrada não se coaduna com a natureza jurídica do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias por tratar de matéria que não se relaciona com a alteração de dispositivos permanentes do texto constitucional. O ADCT deve disciplinar o período de transição entre a antiga e a nova ordem constitucional, conforme entendimento jurisprudencial e a doutrina especializada. Ressalte-se que as disposições transitórias da Constituição de 1988 decorreram somente da necessidade de conciliar o novo texto constitucional com as relações definidas sob amparo da Constituição pretérita, visando a evitar conflitos que poderiam resultar da aplicação da lei nova em confronto com a anterior. E é somente nesse contexto que se justificam dispositivos transitórios em Constituições, como mecanismo de direito intertemporal. Contudo, em relação a PEC 07/2003, o relator votou pela sua admissibilidade, arguindo, em seu entendimento, simplesmente “que não há pretensão de abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, nem a separação dos Poderes ou os direitos e garantias individuais”. Assim sendo, PEC 224/2003 foi desapensada e arquivada, enquanto a PEC 07/2003 continuou o trâmite para ser aprovada como Emenda à Constituição. No decorrer do processo ocorreram algumas modificações em relação ao projeto inicial, algumas de cunho formal e outras acrescentando expressões. 52 Foi o caso dos agentes de combate à endemias. A categoria profissional foi incluída na proposta e votada no 18/01/2006. Outra alteração de suma importância foi a modificação do que viria ser alterado. Em princípio a PEC 07/2003 previa alteração no artigo 37, inciso II da Constituição Federal, o que foi modificado passando a ser acrescentado os §§ 4º, 5º e 6º no artigo 197 da Carta Magna. Além de tais acréscimos a PEC 07/2003 teve as seguintes normas transitórias: Art. 2º Após a promulgação desta Emenda Constitucional, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente poderão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal, observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata o art. 169 da Constituição Federal. Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação. No dia 1 de fevereiro de 2006, a PEC 07/2003 foi aprovada em segundo turno e enviada, no dia seguinte, para apreciação no Senado Federal. No dia 02 de fevereiro de 2006, o Senado Federal encaminhou a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde foi realizado o parecer acerca da matéria. O parecer teve como relator o Senador Rodolpho Tourinho49 fez a seguinte análise acerca do tema para realizar seu voto Cabe a esta Comissão opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade da matéria e também, quanto ao seu mérito, nos termos dos arts. 354 e seguintes do Regimento Interno. Do ponto de vista de sua admissibilidade, nada temos a objetar, valendo ressaltar que a matéria teve a sua constitucionalidade exaustivamente examinada na Câmara dos Deputados, onde se chegou, por consenso de todos os membros daquela Casa e das forças políticas 49 Na época da aprovação da PEC - 07/2003, estava Senador do Partido Democratas eleito pelo estado da Bahia. 53 presentes, ao texto sob exame, aprovado, nos dois turnos, sem um único voto contrário dos quase quatrocentos deputados presentes. Em primeiras linhas corroborou com o relatório da Câmara dos Deputados, no que aduz acerca da admissibilidade da PEC 07/2003. Após tal análise o relator adentrou o mérito da questão. De outra parte, quanto ao mérito, igualmente, manifestamo-nos pela aprovação da presente Proposta de Emenda à Constituição. O surgimento dos agentes comunitários de saúde se insere num processo de reorganização da prática assistencial em saúde em novas bases e critérios, com a substituição do modelo tradicional de assistência à saúde – orientado para a cura da doença e para o atendimento hospitalar – por outro, que tem a família como locus privilegiado de atuação, enfatizando-se a articulação da equipe de saúde com a comunidade em que atua. Nesse tipo de atividade se dá ênfase a práticas não convencionais de atenção, atribuindo-se grande peso à promoção da saúde, à prevenção de doenças como forma de reorganização e antecipação da demanda, à atenção não-médica e à educação em saúde, e reafirmam-se os princípios organizadores do Sistema Único de Saúde (SUS) (integralidade, hierarquização, referência e contra-referência) e regionalização (territorialização e delimitação de uma população-alvo). Atualmente, encontram-se em atuação mais de 200.000 agentes comunitários de saúde, distribuídos em cerca de 22.000 equipes. Cada uma delas atende, em média, a 3.500 pessoas de uma comunidade. Só no Estado da Bahia, são, segundo dados do Ministério da Saúde, 23.555 agentes distribuídos em 1.888 equipes. Esses agentes desempenham um papel fundamental, no qual se destaca o acompanhamento domiciliar das condições de saúde das famílias, numa abordagem que considera o contexto comunitário e a realidade regional. São homens e mulheres que, apesar de receberem remuneração extremamente reduzida, algumas vezes, mesmo, inferior a um salário mínimo, exercem, como verdeiros idealistas, atividades imprescindíveis à população, especialmente àqueles de baixa renda e aos habitantes das comunidades mais pobres e distantes, nas quais a aceitação desses agentes é excelente. Repetidas vezes os formuladores das políticas de saúde no País reconheceram que esses trabalhadores constituem a pedra angular da transformação desejada no modelo de atenção à saúde, em especial na reorganização da atenção básica. Os agentes comunitários têm um papel estratégico, por viverem na área em que atuam, terem identidade com a população e partilharem cultura, linguagem, problemas e interesses, o que favorece a integração da equipe e dos serviços de saúde com a comunidade e viabiliza as parcerias necessárias. Escolhidos junto à comunidade em que vão atuar e conhecedores dos problemas específicos que a acometem, esses agentes atuam como elo de transmissão entre os profissionais de saúde e a população assistida, de 54 modo a facilitar o rápido acesso ao atendimento e, também, a resolutividade das ações de saúde implementadas. Para promover a aprovação da PEC 07/2003, o Senador Rodolpho Tourinho fundamentou seu parecer embasado em fatores históricos e sociais. Contudo, não restou explicado o motivo da necessidade da conversão de pessoas com contrato temporário em servidores efetivos sem prévia aprovação em concurso público. O principal problema da categoria, entretanto é o fato de os agentes comunitários de saúde não terem, em sua maioria, qualquer vínculo formal que lhes permita o usufruto dos direitos trabalhistas e previdenciários. Tratase de questão cujo equacionamento vem sendo postergado já há décadas e que foi apenas mitigado com a edição da Lei nº 10.507, de 10 de julho de 2002, que regulamentou a profissão. As formas encontradas para a remuneração do trabalho dos agentes têm sido precárias e insatisfatórias, sendo a mais freqüente a de contratos temporários de prestação de serviço, firmados entre as secretarias municipais de saúde e as associações de agentes, financiados, na maior parte das vezes, com recursos repassados pelo Ministério da Saúde, por meio de convênios. Mesmo opções como a formalização da relação desses profissionais com o serviço público têm esbarrado em problemas como a dificuldade de adaptar a exigência do concurso público às especificidades da profissão que, como já se fez referência, só pode ser exercida por aqueles com real vínculo com a comunidade em que atuam e com liderança solidária. Assim, há necessidade de enfrentar o desafio de buscar saídas para a situação desses agentes, já que as diversas modalidades de contratação ou mantêm um quadro de prevalência de relações informais de trabalho ou são inadequadas. Impõe-se, então, buscar uma solução definitiva para esse problema, que já ameaça a própria existência dos programas baseados na figura do agente comunitário de saúde. É o que busca fazer a presente proposição, ao permitir que esses profissionais sejam admitidos pelos gestores locais do SUS mediante processo seletivo público especial, em regime jurídico a ser definido por lei federal, aplicando-se essa norma aos atuais agentes comunitários que já tenham sido submetido a seleção pública. Assim, permitir-se-á que a seleção dos agentes se dê dentro da comunidade que atuam, o que, como já se registrou acima, é imprescindível para o bom funcionamento da atividade, e não é permitido pelo vigente ordenamento jurídico, bem como, ao mesmo tempo, que se aproveite a experiência já acumulada na matéria, mediante a regularização da situação dos atuais profissionais que exercem a função. Com isso se dará a base jurídica necessária à continuidade dos programas hoje a cargo dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate a endemias. Dessarte, temos a convicção de que a aprovação desta Proposta de Emenda à Constituição representa passo fundamental para que se continue 55 atuando na direção da melhoria das condições de saúde de nossa população e na implantação do Sistema Único de Saúde, que se configura, com certeza, como uma das mais importantes conquistas insculpidas na nossa vigente Carta. (grifo do autor) Deste modo, o voto comissão foi pela aprovação a PEC 07/2003 sem nenhum tipo de ressalva. Por conseguinte, foram realizadas a votações em dois turnos e a Proposta de Emenda à Constituição foi aprovada pelo Senado Federal. No dia 14 de fevereiro de 2006, a PEC – 07/2003 foi transformada na Emenda Constitucional nº 51, com a seguinte redação final: EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2006 Acrescenta os §§ 4º, 5º e 6º ao art.198 da Constituição Federal. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O art. 198 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º: Art. 198. ... § 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. § 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias. § 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício." (NR) Art 2º Após a promulgação da presente Emenda Constitucional, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente poderão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal, observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata o art. 169 da Constituição Federal. Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido 56 contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação. Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação. 3.1.1 Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate à Endemias Em 10 de julho de 2002, o Governo Federal criou no âmbito legal, por meio da Lei nº 10.507, a carreira de agentes comunitários de saúde. Em tal dispositivo legal revogado, continha as características e os requisitos para o exercício da profissão, é possível verificar: o LEI N 10.507 - DE 10 DE JULHO DE 2002 - DOU DE 11/7/2002 – REVOGADA Cria a Profissão de Agente Comunitário de Saúde e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: o Art. 1 Fica criada a profissão de Agente Comunitário de Saúde, nos termos desta Lei. Parágrafo único. O exercício da profissão de Agente Comunitário de Saúde dar-se-á exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. o Art. 2 A profissão de Agente Comunitário de Saúde caracteriza-se pelo exercício de atividade de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor local deste. o Art. 3 O Agente Comunitário de Saúde deverá preencher os seguintes requisitos para o exercício da profissão: I - residir na área da comunidade em que atuar; II - haver concluído com aproveitamento curso de qualificação básica para a formação de Agente Comunitário de Saúde; III - haver concluído o ensino fundamental. 57 o § 1 Os que na data de publicação desta Lei exerçam atividades próprias de o Agente Comunitário de Saúde, na forma do art. 2 , ficam dispensados do requisito a que se refere o inciso III deste artigo, sem prejuízo do disposto o no § 2 . o § 2 Caberá ao Ministério da Saúde estabelecer o conteúdo programático do curso de que trata o inciso II deste artigo, bem como dos módulos necessários à adaptação da formação curricular dos Agentes mencionados o no § 1 . o Art. 4 O Agente Comunitário de Saúde prestará os seus serviços ao gestor local do SUS, mediante vínculo direto ou indireto. Parágrafo único. Caberá ao Ministério da Saúde a regulamentação dos serviços de que trata o caput. o Art. 5 O disposto nesta Lei não se aplica ao trabalho voluntário. o Art. 6 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Posterior a Lei nº 10.507/02, veio a Emenda Constitucional – EC nº 51/06 tratando acerca da forma de admissibilidade dos servidores que integram a carreira de agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias, além de outras providências. No parágrafo único do artigo 2º da EC nº 51/06 deixou a possibilidade de tais agentes proverem cargos públicos efetivos sem a necessidade de aprovação em concurso público, bastando para isto estarem nos cargos antes da promulgação da emenda e terem sido aprovados em processo seletivo conforme o exposto: Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação. Com o advento da Emenda supracitada, houve a necessidade de uma nova norma para regulamentar a situação destes agentes. A medida provisória nº 297 de 09 de junho de 2006, convertida na lei 11.350 de 05 de outubro de 2006 veio para regulamentar o § 5o do art. 198 da Constituição Federal de 1988 e dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2o da EC nº 51/06. A lei 11.350/05 possui 20 artigos, sendo alguns destes de suma importância para o entendimento do presente trabalho, conforme se estuda a seguir. 58 O artigo 2º trata acerca da competência em relação ao exercício da atividade do Agente Comunitário de Saúde – ACS e do Agente de Combate a Endemias – ACE, que se dará por exclusividade no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. o Art. 2 O exercício das atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias, nos termos desta Lei, dar-se-á exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, na execução das atividades de responsabilidade dos entes federados, mediante vínculo direto entre os referidos Agentes e órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional. Os artigos 3º e 4º traçam as atribuições dos ACS e ACE, sendo que o Ministério da Saúde disciplinará as atividades de prevenção de doenças, de promoção da saúde, de controle e de vigilância, no termos do artigo 5º. o Art. 3 O Agente Comunitário de Saúde tem como atribuição o exercício de atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor municipal, distrital, estadual ou federal. Parágrafo único. São consideradas atividades do Agente Comunitário de Saúde, na sua área de atuação: I - a utilização de instrumentos para diagnóstico demográfico e sócio-cultural da comunidade; II - a promoção de ações de educação para a saúde individual e coletiva; III - o registro, para fins exclusivos de controle e planejamento das ações de saúde, de nascimentos, óbitos, doenças e outros agravos à saúde; IV - o estímulo à participação da comunidade nas políticas públicas voltadas para a área da saúde; V - a realização de visitas domiciliares periódicas para monitoramento de situações de risco à família; e VI - a participação em ações que fortaleçam os elos entre o setor saúde e outras políticas que promovam a qualidade de vida. o Art. 4 O Agente de Combate às Endemias tem como atribuição o exercício de atividades de vigilância, prevenção e controle de doenças e promoção da saúde, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor de cada ente federado. o Art. 5 O Ministério da Saúde disciplinará as atividades de prevenção de doenças, de promoção da saúde, de controle e de vigilância a que se o o referem os arts. 3 e 4 e estabelecerá os parâmetros dos cursos previstos o o nos incisos II do art. 6 e I do art. 7 , observadas as diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação. Nos artigos 6º e 7º pode-se verificar os requisitos que deverão ser preenchidos para o provimento dos cargos de ACS e ACE, como se verificar a 59 seguir, no texto da lei. o Art. 6 O Agente Comunitário de Saúde deverá preencher os seguintes requisitos para o exercício da atividade: I - residir na área da comunidade em que atuar, desde a data da publicação do edital do processo seletivo público; II - haver concluído, com aproveitamento, curso introdutório de formação inicial e continuada; e III - haver concluído o ensino fundamental. o § 1 Não se aplica a exigência a que se refere o inciso III aos que, na data de publicação desta Lei, estejam exercendo atividades próprias de Agente Comunitário de Saúde. o § 2 Compete ao ente federativo responsável pela execução dos programas a definição da área geográfica a que se refere o inciso I, observados os parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde. o Art. 7 O Agente de Combate às Endemias deverá preencher os seguintes requisitos para o exercício da atividade: I - haver concluído, com aproveitamento, curso introdutório de formação inicial e continuada; e II - haver concluído o ensino fundamental. Parágrafo único. Não se aplica a exigência a que se refere o inciso II aos que, na data de publicação desta Lei, estejam exercendo atividades próprias de Agente de Combate às Endemias. O artigo 8º estabelece que a princípio os ACS e ACE serão regidos pela Consolidação da Leis Trabalhistas – CLT, sendo desta forma celetistas. Entretanto, o próprio dispositivo legal deixou a possibilidade de lei local tornar regime de tais agentes em estatutários: o Art. 8 Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação o Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4 do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa. Por fim, o artigo 9º trata acerca do método de provimento dos cargos de ACS e ACE, determinando a realização de processo seletivo público. O § único deste artigo, deixa a disposição da administração direta dos Estados, Municípios e do Distrito Federal a possibilidade de acesso ao serviço público efetivo dos agentes que estavam antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 51 de 2006 sem o processo seletivo. 60 o Art. 9 A contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Parágrafo único. Caberá aos órgãos ou entes da administração direta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios certificar, em cada caso, a existência de anterior processo de seleção pública, para efeito da dispensa o o referida no parágrafo único do art. 2 da Emenda Constitucional n 51, de 14 de fevereiro de 2006, considerando-se como tal aquele que tenha sido realizado com observância dos princípios referidos no caput. 3.2 ANÁLISE CRÍTICA DO § ÚNICO DO ARTIGO 2º DA EC Nº 51/06 A Emenda Constitucional nº 51 de 14 de fevereiro de 2006 – EC nº 51/06 é merecedora de análise crítica como um todo. Entretanto a presente obra busca elucidar a norma jurídica estabelecida no artigo 2º, § único da referida emenda. Antes de adentrar-se no mérito da questão acima referida, deve ser salientado o procedimento que inseriu a EC nº 51/06 no ordenamento jurídico brasileiro. Tal emenda respeitou todos os aspectos preceituados pela Constituição, não sofrendo nenhuma limitação em aspectos formais e circunstâncias, estando apta, aparentemente, a adentrar o mundo jurídico. Entretanto deve-se fazer uma análise acerca das limitações materiais da Constituição. Para fazer a análise material do dispositivo legal constado no § único da EC nº 51/06 necessário se faz a avocação dos institutos estudados nos capítulos anteriores. Deste modo, após um estudo crítico é possível aferir acerca da (in)constitucionalidade do tema. O § único do artigo 2º da EC 51/06 aduz 61 Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação. (negrito nosso) O referido dispositivo, abarcado no ordenamento jurídico do brasileiro por meio de emenda, traz a possibilidade de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate a Endemias proverem cargos públicos efetivos sem terem sido aprovados em concurso público, bastando que na época da promulgação da emenda estar exercendo a atividade e que tenham passado por processo seletivo supervisionado pela Administração Pública. O primeiro passo a ser analisado é o que seria este processo seletivo frente à Constituição. Como verificado em estudo anterior (Capítulo 02) existem pessoas que são investidas em cargos públicos em caráter temporário e outras com caráter efetivo. As pessoas investidas em cargo público com caráter temporário nos termos do artigo 37, IX da Constituição Federal 1988, normalmente passam por processo seletivo. Este processo seletivo é simplificado em relação ao concurso público, que é o meio utilizado para o provimento de cargos efetivos na Administração Pública. A Lei nº 8745, de 09 de dezembro de 1993, complementando o artigo 37, IX da Constituição Federal 1988, estabelece as regras para o provimento de cargos temporários. Dentre tais regras a lei determina, em seu artigo 3º, que o provimento de cargos temporários se dará por meio de processo seletivo simplificado amplamente divulgado, não precisando de concurso público. Esta regra do artigo 3º encontra plausibilidade para provimento de cargos temporários, uma vez que serve para atender necessidades temporárias de excepcional interesse público. Não obstante, verifica-se que a regra para provimento de cargos públicos efetivos é o concurso público. 62 Assim quando a EC nº 51/06, artigo 2º § único menciona o termo “processo seletivo” deve ser usada não uma interpretação literal, mas sim extensiva, entendendo tal termo como concurso público, pois neste caso trata-se de provimento de cargos públicos efetivos. Entretanto, a maior parte da Administração Pública tem utilizado deste termo para acolher dentro de seu quadro de servidores efetivos, pessoas que passaram em processo seletivo simplificado para proverem cargos temporários, como por exemplo, o Distrito Federal. O Governo do Distrito Federal promoveu, por meio de contrato, um acordo com a Fundação Zerbini, pessoa jurídica de direito privado, a fim de realizar os serviços relativos ao combate a endemias e ao programa saúde família efetuado pelos agentes comunitários de saúde. Deste modo, foi a Fundação Zerbini que efetuou o processo seletivo simplificado para o provimento de seus empregados, que trabalhariam como agentes comunitários de saúde e combate a endemias em caráter temporário. Com o advento da EC nº 51/06, estes agentes passaram a integrar o quadro de servidores efetivos da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal sob o regime celetista. Questões análogas chegam ao judiciário, sendo tribunais rígidos ao analisar a matéria, como vimos no Segundo Capítulo, o pronunciamento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, no caso em que envolvia professor contratado em caráter temporário solicitando a sua efetivação no Serviço Público. Assim sendo, a expressão “processo seletivo”, contida na EC nº 51/06, se não entendida como concurso público, estará eivada de inconstitucionalidade. Outro aspecto relevante a ser analisado na EC nº 51/06 é a questão das pessoas que já estavam investidas a qualquer título como Agente Comunitário de Saúde e Agente de Combate a Endemias não precisariam passar pelo processo seletivo. Os agentes acima aludidos são pessoas que exerciam suas atividades em caráter temporário. Como foi relatado anteriormente, estes agentes são engajados 63 de três maneiras: por meio de termos de parceria entre uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e a administração, por meio de contratos temporários ou por meio de cooperativas. Normalmente, desta formas acima descritas o provimento de agentes que necessitava de processo seletivo simplificado é o realizado por contratos temporários. Assim, como o próprio nome diz são contratos por tempo determinado, que se esgotam com o passar do tempo ou conforme a necessidade do poder público. Desta forma, ao deixar estes agentes públicos temporários proverem cargos públicos efetivos sem o devido concurso público é desrespeitar princípios fundamentais a existência da Administração Pública, tais como o Princípio Republicano, da Isonomia, da Impessoalidade e da Proporcionalidade, entre outros. O Princípio Republicano, consolidado no artigo 1º da Constituição Federal, é aquele que não permite acolher, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a separação de indivíduos em classes ou castas. Em decorrência do Princípio Republicano surge outro, o da Isonomia ou Igualdade, que está amparado no artigo 5º caput da Constituição Federal de 1988, admitindo que todos são iguais perante a lei, devendo os iguais serem tratados de forma igualitária. Para se ter um tratamento isonômico entre iguais deve ser salientado o Princípio da Impessoalidade, colocado de forma explícita no caput do artigo 37 da Constituição Federal, onde de maneira geral não se deve legislar a favorecendo um grupo de pessoas em detrimento de seus iguais. Ademais se faz necessário ressaltar que todos os atos da Administração Pública devem ser proporcionais, inclusive o provimento de cargos. Mesmo não estando de forma explícita na Constituição Federal o Princípio da Proporcionalidade deve ser levado em consideração, afim de não haver favorecimentos pessoais dentro do poder público. Diante de todo exposto, verifica-se que a expressão 64 Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público contida na EC nº 51/06, está ferindo abertamente princípios de referência fundamental acima exposto. Alguns municípios corroboram na não aceitação do provimento dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate a Endemias, argumentando que os profissionais que exercem tais cargos passaram por simples processo seletivo, onde não foram respeitados os princípios gerais da Administração Pública, como podemos analisar. STJ50 EMENTA RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. ATO DO PREFEITO DO MUNICÍPIO DE CAMPO DE BRITO/SE QUE NEGOU A EFETIVAÇÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS. EC 51/06. ALTERAÇÃO DO ART. 198, § 4º DA CF. DISPENSA DE CONCURSO PARA OS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE QUE INGRESSARAM ANTERIORMENTE NO QUADRO DE PESSOAL POR PROCESSO SELETIVO PÚBLICO. NATUREZA DO VÍNCULO ESTABELECIDO ANTES DA ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL. CONTRATAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO. ART. 37, IX DA CF, REGULAMENTADA PELA LEI 136/05 DO MUNICÍPIO DE CAMPO DE BRITO/SE. TRANSFERÊNCIA DE REGIME DE TRABALHO PELA SUPERVENIÊNCIA DA EC 51/06. IMPOSSIBLIDADE. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. A EC 51/06 modificou a redação do art. 198 da CF para criar uma nova forma de provimento no serviço público pelos Agentes Comunitários de Saúde - ACS, que passam a ser admitidos por processo seletivo simplificado. Além disso, o art. 2º da referida Emenda dispôs que os Servidores, que já desempenhassem as funções de ACS, previamente aprovados em processo seletivo público, antes da edição da EC 51/06, conforme certificado pela Unidade Federativa, ficariam dispensados de novo concurso. 2. Entretanto, os servidores temporários jamais poderiam almejar a 50 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança. Direito administrativo. Agentes Comunitários de Saúde. Ato do Prefeito de Campo Brito/SE que negou a efetivação de servidores temporários. EC 51/06. Alteração do art. 198, § 4º da CF. Dispensa de concurso para agentes comunitários de saúde que ingressaram anteriormente no quadro de pessoal por processo seletivo público. Natureza do vínculo estabelecido antes da alteração constitucional. Contratação por tempo determinado. Art. 37, IX da CF, regulamentado pela lei 136/05 do município de Campo Brito/SE. Transferência de regime de trabalho pela superveniência da EC 51/06. Impossibilidade. Recurso Ordinário desprovido. Recurso em Mandado de Segurança n.º 26.408 - SE (2008/00406067). Recorrente: Josefa Rosa de Jesus Irmã e Outros. Recorrido: Município de Campo do Brito. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma Cível, julgado em 29/05/2008. 65 efetivação definitiva no cargo público, pois estão vinculado ao Quadro de maneira precária, nos termos do art. 37, IX da CF, para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, por tempo estabelecido. Precedentes do STF e STJ. 3. No caso, os Servidores Públicos Municipais foram admitidos em 2006, após aprovação em processo de seleção, promovido pela Secretaria de Saúde, sob o regime de contratação por tempo determinado, para suprir necessidade temporária de Agentes Comunitários de Saúde - ACS do Município de Campos do Brito/SE. 4. O Município de Campo de Brito/SE não certificou que o processo seletivo para os Servidores temporários seria suficiente para a referida dispensa prevista no parágrafo único do art. 2º da EC 51/06. Além disso, a própria Administração Municipal ressalta que a seleção não atendeu aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. 5. Ademais, não se comprovou que a efetivação dos Servidores Temporários respeitaria os limites de gasto dos recursos orçamentários, nos termos do art. 169 da CF e LC 82/95. Para que se legitimasse o pedido do writ, seria imprescindível a comprovação da disponibilidade orçamentária, a ser empregada nos programas sociais destinados à área da Saúde, como especifica o art. 2º, caput, in fine da EC 51/06. 6. Recurso Ordinário desprovido. Prejudicada a análise da Medida Cautelar. Por fim, deve ser salientado que, como foi visto no Primeiro Capítulo, o poder constituinte derivado se estabelece a partir de norma dadas por meio do poder constituinte originário. Desta forma, uma norma de poder constituinte derivado que esteja em desconformidade com a Carta Magna, estará eivada de inconstitucionalidade e, por conseqüência, em desconformidade com todo ordenamento jurídico. Assim, diante do acima apresentado, não há outro entendimento senão a inconstitucionalidade do disposto no § único do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 51 de 2006, uma vez que tal norma por ser originada de poder constituinte derivado reformador está contrapondo normas de poder constituinte originário, ou seja, está contrária a norma fundamental do ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal da República de 1988. 66 CONCLUSÃO O presente trabalho teve por objetivo tratar acerca de aspectos constitucionais e/ou inconstitucionais do artigo 2º, § único da Emenda à Constituição nº 51/2006 (EC 51/06), que trata da possibilidade de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de combate a Endemias, que na época da emenda já desempenhassem tal atividade, proverem cargos públicos efetivos sem aprovação em concurso público. Para chegar a uma conclusão partiu-se da hipótese de argüição pela inconstitucionalidade do dispositivo supracitado. Desta forma, foram reunidos no presente trabalho diversos conceitos e definições sedimentados na doutrina, além de entendimentos jurisprudenciais e dispositivos legais, com a finalidade de confirmar ou não a hipótese mencionada. Assim, o trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo teve como objetivo apresentar breves comentários do Poder Constituinte e do Controle de Constitucionalidade. No estudo do Poder Constituinte foi percebido que existe um poder originário e um poder derivado, que nasce da própria Constituição. Por conseguinte, verificou-se que a Emenda Constitucional está inserida dentro do Poder Constituinte Derivado. A Emenda tem por finalidade promover alterações na Constituição. Contudo, tais alterações devem obedecer a requisitos e limitações apresentadas pela própria Constituição, sendo as limitações em âmbito material e formal. O primeiro capítulo também aduz acerca do Controle de Constitucionalidade que surge para conferir se as normas inseridas no ordenamento jurídico estão respeitando as limitações identificadas na Constituição. Assim, a norma que não está compatível com a Carta Magna deverá ser extirpada do universo jurídico. 67 O segundo capítulo buscou, em apreciação descritiva, conceitos e definições importantes acerca do provimento de cargos, empregos e funções no serviço público. Foram colocados, também, os princípios constitucionais pertinentes a inserção de servidores públicos no quadro da Administração Pública. Tais institutos apresentados no segundo capítulo são preponderantes para discutir a constitucionalidade do artigo 2º, § único da EC 51/06. O terceiro capítulo ficou a cargo de apresentar as disposições legais que tratam da atividade dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate a Endemias. Buscou-se, também, inserir o que foi apresentado nos capítulos anteriores dentro do artigo 2º, § único da EC 51/06, e desta forma, analisar a compatibilidade deste dispositivo legal com os princípios e normas constitucionais vigentes. O primeiro ponto que foi objeto de contenda na pesquisa está relacionado com a forma de provimento de cargos efetivos no serviço público, onde se concluiu que deve ser respeitada a regra do concurso público, admitindo-se raríssimas exceções colocadas pelo Poder Constituinte Originário. Neste ponto, a EC 51/06 ao admitir a conversão de pessoas que estavam inseridas no serviço público em caráter temporário em servidores públicos efetivos caminhou na direção contrária do que preceitua a Constituição. A partir desta premissa, foi verificado que EC 51/06 afrontou os princípios constitucionais apresentados na pesquisa, quais sejam: o princípio republicano, da isonomia, da impessoalidade, da proporcionalidade e da acessibilidade dos cargos públicos. Uma Emenda Constitucional que permite a conversão de contratados temporariamente em servidores públicos efetivos, sem concurso público, está em desconformidade com os princípios e normas Constitucionais vigentes. Deste modo, a partir do estudo dos três capítulos acima aludidos, foi possível chegar a uma conclusão, confirmando a hipótese apresentada anteriormente, argüindo pela inconstitucionalidade do disposto no § único do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 51 de 2006. 68 Por fim, entende-se que a estratégia para correção do problema apresentado teria que ser realizada em dois âmbitos, em um primeiro momento no judiciário e um segundo no legislativo. No Poder Judiciário, teria que se declarada inconstitucional a parte do § único do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 51/06 que permite a conversão dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate a Endemias que prestavam suas atividades em caráter temporário a época da promulgação da referida Emenda em servidores efetivos. Dentro do Poder Legislativo, percebe-se que ao invés da conversão seria mais viável legislar acerca da substituição gradativa das pessoas que exercem as atividades acima referidas por servidores efetivamente concursados, sem perder as características que a lei exige para ser um Agente Comunitário de Saúde e dos Agente de Combate a Endemias. 69 REFERÊNCIAS MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed., São Paulo: Atlas, 2007. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 20. ed., São Paulo: Malheiros, 2005. FERREIRA, Aurélio Buarque de Hol. Novo dicionário da língua portuguesa, 4. ed. Curitiba: Ed. Positivo, 2009. BOBBIO, Noberto. 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BRASIL.Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Direito Administrativo. Servidor Público. Professor temporário. Pedido de efetivação no cargo público sem concurso. Indeferimento da petição inicial. Apelação Cível n.º 20070111478305APC. Apelante: Juliana Vidal Oliveira e Outros. Apelado: Distrito Federal. Relator WALDIR LEÔNCIO C. LOPES JÚNIOR, 2ª Turma Cível, julgado em 04/02/2009, DJ 18/02/2009. BRASIL. Lei nº 8.745 de 09 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 dez. 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8745cons.htm>. Acesso em: 13/04/2010. BRASIL. Lei nº 10.507 de 10 de julho de 2002. Cria a profissão de Agente Comunitário de Saúde e dá outras providências (revogada). 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