24 A Música Como Recurso nos Processos de Humanização Hospitalar Camila Aparecida Alves Nascimento1 Neylson João Batista Filho Crepalde2 DOI: 10.15601/2237-0587/fd.v7n1p24-35 Resumo O artigo trata da música como um recurso nos processos de humanização hospitalar, ressalta a importância da mesma e de como ela ajuda na recuperação da saúde dos pacientes internados. A pesquisa investigou as mudanças que ocorrem com o paciente desde o momento em que ele se interna, o que acredita-se ser um momento traumático. Por isso faz-se necessária a utilização da música nos hospitais o que visa promover o lado humanístico, deixando de lado os tratamentos impessoais, ajudando também nos processos de socialização, colaborando para ter-se um ambiente harmonioso e descontraído dentro das instituições de saúde. Foram feitas revisão bibliográfica, uma entrevista e anotações de campo. As principais referências usadas foram Caldeira e Fonterrada (2006), Ferreira, Remedi e Lima (2006), Maximiano e Barreto (2013) e Zampronha (2002). Palavras-chave: Música. Humanização. Saúde. Pacientes. Recurso. Music as a Resource in Hospital Humanization Processes Abstract The article treats the music as a resource in the process of humanization hospital, emphasizes the importance of it and how it helps in the recovery of the health of hospitalized patients. The research sought the changes that occur with the patient since he is now internal, which is believed to be a traumatic time. So, the use of music in hospitals becomes necessary, which aims to promote the humanistic side, leaving aside the impersonal treatments also help in socialization processes, collaborating to make up a harmonious and relaxed environment within healthcare institutions. A literature review, an interview and field notes were made. 1 Licenciada em Música pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix (CEUNIH). E-mail: [email protected] 2 Doutorando e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bacharel em Regência pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em Gestão Cultural pelo Centro Universitário UNA (UNA). É professor e coordenador do curso de Licenciatura em Música no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix (CEUNIH). E-mail: [email protected] 25 The main references used were Caldeira and Fonterrada (2006), Ferreira, Remedi and Lima (2006), Maximiano and Barreto (2013) and Zampronha (2002). Keywords: Music. Humanization. Health. Patients. Resource. Introdução O presente trabalho consiste de uma revisão bibliográfica, uma entrevista e algumas anotações de campo. Foi feito um levantamento, confronto e análise dos dados coletados. Nosso objetivo é apontar os benefícios da música nos processos de humanização hospitalar e destacar esse recurso. A música foi abordada como instrumento de humanização, entretenimento, socialização e como a mesma ajuda na recuperação da saúde dos pacientes. Um dos grandes temas da atualidade é a humanização dos serviços hospitalares de saúde publica. No ano 2000, o Governo Federal apresentou o Projeto-Piloto do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), após identificar a necessidade de mudanças no atendimento à saúde no país, objetivando um serviço pautado no respeito à vida humana. Em 2003, diante da demanda de mudanças criou-se no SUS a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão no Sistema Único de Saúde – Humaniza SUS (BRASIL, 2001). Contudo, o atual cenário desse setor demonstra que a humanização da assistência hospitalar ainda tem muito em que se aperfeiçoar. A música é uma das artes que auxilia o processo de humanização, colaborando também com o bem-estar físico, mental e social de todo ser humano (ZAMPRONHA, 2002). Os hospitais têm procurado, através do processo de humanização, proporcionar um ambiente de conforto e bem-estar durante a permanência do paciente no local, minimizando o impacto gerado pelo ambiente hospitalar. A música aparece como uma ferramenta de grande eficiência dentro do processo de humanização ajudando no restabelecimento da saúde, e é de suma importância o seu estudo nesta perspectiva. Os traumas causados pela longa estadia no hospital A PNH – Política Nacional de Humanização atualmente tem buscado alternativas criativas para tratar dos pacientes de maneira mais humana, deixando de lado os tratamentos impessoais, onde há uma ausência de carinho, respeito ou qualquer forma de afetividade. 26 Levando em consideração a pesada e desgastante rotina do ambiente hospitalar, os profissionais da área acabam priorizando o lado técnico e a eficiência dos tratamentos em detrimento do lado humano. Segundo Pessini (2004): Humanização significa considerar a essência do ser humano, o respeito à individualidade e às diferenças profissionais, bem como a necessidade da construção de um espaço concreto nas instituições de saúde o qual legitime o aspecto humano de todas as pessoas envolvidas na assistência. (PESSINI, 2004 apud BACKES; LUNARDI FILHO; LUNARDI, 2005, p. 428). O sofrimento a que o paciente é submetido em meio a uma internação causa traumas e resistência ao ambiente hospitalar. Isso pode ocasionar, inclusive, na perda da identidade do individuo devido ao isolamento em que se encontra em meio ao tratamento. Desde o momento que o indivíduo chega ao hospital, uma série de hábitos começam a mudar: primeiro, ele é afastado da sua família; em seguida, não usa mais suas roupas — uma vez que se despiu, passa usar uma vestimenta padrão hospitalar. Além disso, durante a internação, o individuo perde o relacionamento cotidiano com seus amigos, passando a conviver com outras pessoas até então desconhecidas (companheiros de quarto, médico e enfermeira). Existem também limitações quanto às decisões sobre sua alimentação e a quebra da rotina. São muitos os casos de pacientes que necessitam de internação: pacientes com câncer, por exemplo, precisam se submeter a um longo tratamento e, como consequência da quimioterapia esses pacientes perdem os pelos do corpo e, com eles, muito de sua identidade durante os meses ou anos que ficam internados. Outro caso é o de pacientes que sofrem queimaduras e que terão que reaprender a realizar suas atividades, superando as cicatrizes e traumas sofridos. Podemos citar um fato recente como exemplo: a tragédia da boate Kiss que ocorreu em 27 de janeiro de 2013 na cidade de Santa Maria/RS. O incêndio provocou marcas físicas e psicológicas (ver FIG. 1) que ao serem relembradas pelos sobreviventes causam dor e tristeza, conforme podemos ver pelo depoimento da universitária Kelen Ferreira, de 20 anos, que ficou 78 dias internada, perdeu uma perna devido à tragédia e, atualmente, usa uma prótese. Ela teve um semestre letivo quase interrompido, mas ainda assim, conseguiu concluí-lo por estudos à distância. Hoje, a estudante tem tentado levar uma vida normal e vive uma rotina de tratamento conforme sua declaração: De maio a julho, cursei o quarto semestre da faculdade à distância. Os professores mandavam por e-mail trabalhos e eu fazia em casa. Faço fisioterapia de segunda a quinta-feira. As quartas e sextas, em terapia ocupacional. Também faço acompanhamento em Porto Alegre para cirurgia plástica, com fisiatra e pneumologista. Em dezembro, tinha muita secreção no meu pulmão. Preciso manter 27 acompanhamento por mais quatro anos. Hoje, prefiro ficar em casa. (BÄCHTOLD; GUTERRES, 2014, grifo nosso) FIGURA 1 - Kelen Ferreira (centro), 20, que teve a perna amputada após o incêndio na boate Kiss, Gabrielle (à esq.) Angélica (à dir.) também sobreviveram. Fonte: Bächtold e Guterres (2014) A estadia no ambiente hospitalar é um momento delicado, pois o paciente pode se sentir excluído socialmente e rejeitado, uma vez que o mesmo ficou confinado por algum tempo no hospital e se afastou de suas atividades diárias e da sua vida doméstica. Goffman (1961) comenta que (...) se a estada do internado é muito longa, pode ocorrer caso ele volte para o mundo exterior, o que já foi denominado “desculturamento” – isto é “destreinamento” - que o torna temporariamente incapaz de enfrentar alguns aspectos de sua vida diária (GOFFMAN, 1961, p.23). Goffman (1961) também afirma que quando o individuo passa por uma perda devido ao prolongado tempo que esteve ausente de seus relacionamentos (namoro, filhos, família) ou uma atividade que foi interrompida quer seja ela escolar ou profissional, ocorre o que pode ser conceituado como “morte social”: o indivíduo quando voltar a seu mundo social sentirá dolorosamente essas perdas que em alguns casos são irrecuperáveis. Nosso entrevistado, uma pessoa já na terceira idade e escolhido por conta de sua experiência pessoal de reclusão, relata que foi retirado de casa aos 15 anos para tratamento de Hanseníase (Lepra), ficando, segundo ele, “aprisionado” na colônia Santa Izabel em Betim/MG, em 1975, sendo tirado do convívio de sua família e irmãos. Foi impedido de continuar seus estudos, fato que, para ele, gerou perdas que duram até hoje, perdas irrecuperáveis: o entrevistado concluiu o Ensino Médio 30 anos após a internação aos 45 anos 28 de idade e desde então tem feito cursos preparatórios para processos seletivos das universidades sem sucesso. Parece haver aqui um processo severo de desculturamento, a saber, a incapacidade do indivíduo para voltar a lidar com seu mundo social originário do período anterior à internação. Ao visitar seus pais depois de ter ficado seis anos ausente do ambiente familiar o ex-paciente percebeu que um de seus irmãos não o reconhecia pois tinha apenas seis meses de vida quando da internação. Segundo o entrevistado, ele não conseguia de seus irmãos o carinho que tanto almejava, fato que gerou mais tristeza. Outros acontecimentos importantes ocorreram na família do entrevistado durante esses anos: festas, passeios, formaturas, crisma, e um acidente que ocorreu com o seu pai gerando sequelas mentais, algo que o impediu de saber que o filho estava isolado em tratamento na colônia. Por fim, o pai acaba morrendo sem conhecer o fato. O entrevistado não conseguiu acompanhar sua família nesses acontecimentos por ter ficado isolado durante seis anos na colônia. Ele se sentia excluído e havia perdido a afinidade com seus irmãos, algo que só poderia ser reconquistado com o tempo. Quando questionado sobre seu contato com música durante o período de internação, o entrevistado afirma que ouvia música em um radio portátil e que a música era uma das poucas distrações e que também o ajudava a relaxar. Havia também um alto-falante que era usado para avisar quando falecia algum morador, e após as 18h os casais de namorados poderiam mandar recados e oferecer musicas para seus parceiros. Acontecia um baile na colônia todas as sextas-feiras à noite, onde havia música em caixas de som enquanto os internados cantavam e dançavam somente até as 23h. Um fato interessante é que, após ter recebido alta, o entrevistado continuou morando na colônia Santa Izabel. Ela foi aberta para a comunidade e já não era mais um local isolado somente para os doentes. Ele afirma que não teve vontade de retornar devido ao fato de ter ficado muitos anos fora, e também já não se sentia acolhido em sua cidade natal. Finaliza dizendo: “Mesmo sofrendo muito, nunca é tarde para recomeçar”. A primeira autora deste trabalho teve a experiência de acompanhar no hospital um amigo que recentemente sofreu um aneurisma e AVC3. Durante esse dia que fiquei com ele no hospital, eu o perguntava se ele queria que eu cantasse, ele respondia fazendo um sinal de 3 Doravante, o relato da experiência aparecerá na primeira pessoa em virtude de ter sido vivenciado apenas pela primeira autora do trabalho. 29 positivo com o dedão e em outras vezes apertava minha mão. Notei que quando eu terminei de cantar havia lagrimas em seu rosto. Perguntei a sua esposa que tipo de música ele gostava de ouvir e ela me disse música sertaneja. Recordei-me de uma canção e cantava alguns trechos para ele. Percebi que meu amigo fixou o olhar na parede e ficou parado alisando minha mão enquanto eu cantava. Nesse mesmo dia, em outro momento, durante um procedimento feito pela enfermeira percebi que ele ficou agitado e incomodado com a posição em que se encontrava, pois teve que ficar com seu corpo virado para o lado esquerdo e podia ver que a sonda alimentar e o tubo que estavam ligados à traqueia comprimiam-se devido à posição. Enquanto isso eu comecei a sussurrar uma melodia em seu ouvido, e aos poucos notei que ele apertou mais forte minha mão e se aquietou. Após o procedimento da enfermeira, quando ele já havia voltado para a posição normal, adormeceu. Em outra visita pela manhã o médico fisioterapeuta fez alguns exercícios com o paciente e logo após o colocou sentado em uma cadeira. Vi que meu amigo esforçava-se para se equilibrar e continuar sentado na mesma posição sem escorregar (pois devido ao AVC, perdeu os movimentos do lado esquerdo do corpo). Quando o fisioterapeuta saiu do quarto percebi que meu amigo estava sentando de uma maneira que o forçava a se equilibrar e ele brincava com sua mão fazendo algumas batidas no braço de ferro da cadeira onde estava. Então eu propus dizendo: Vamos fazer um jogo? Eu bato e você responde com o mesmo ritmo, igual ao que eu fizer. Assim sucedeu, eu batia e ele respondia, outrora ele batia um novo ritmo e eu repetia, ou batíamos alguns ritmos juntos. Notei um semblante mais relaxado devido à posição que ele estava (sentado na cadeira e tentando equilibrar o seu corpo ao máximo para não escorregar). Música e afetividade nos processos de socialização A música funciona como um grande mediador no processo de socialização. Ela pode trazer à tona emoções e evocar comportamentos, além de auxiliar a interação entre as pessoas. Levando em consideração que temos hoje diversas músicas que falam da realidade social do país no que diz respeitos às leis, regras de conduta, religião, futebol, senso comum, sentimentos e relacionamentos, percebemos que a música permeia a experiência do individuo 30 em algumas dessas áreas promovendo sua liberdade de expressão e contribuindo para a cidadania do mesmo, conforme afirma Zampronha (2002): De acordo com a psicologia a música é um poderoso agente de estimulação motora, sensorial e intelectual, e se atentar para a dimensão e o alcance dessa linguagem nas possibilidades de seus usos e recursos, percebe-se sua efetiva participação no processo de desenvolvimento, socialização, cognição, criatividade e consciência de cidadania. (ZAMPRONHA, 2002, p. 20). Ela também desempenha uma função simbólica, uma vez que está relacionada a fatos e experiências já vividos pelo individuo, “tendo em conta que a consciência humano-reflexiva se processa por sentidos e símbolos - incluindo os musicais” (ZAMPRONHA, 2002, p. 18). O dia a dia dos seres humanos é repleto de trabalho, estudo e atividades rotineiras e a música é uma prática que liga emoções às experiências vividas nesses momentos. A memória musical registra todos os momentos na vida do individuo que são embalados por alguma canção. Ela também ajuda a minimizar os efeitos da dor e desconforto nos pacientes internados, pois altera o estado de ânimo. Podemos perceber o efeito da música sobre nosso cérebro conforme afirma Angerami (1998): Por meio de mecanismos já conhecidos, pode-se assegurar que os sons musicais ativam o sistema de recompensa do cérebro, liberando neurotransmissores relacionados à sensação de prazer, como a dopamina e a serotonina. Isso faz com que se diminua a dor, a tensão; acelere a recuperação dos pacientes e minimize os efeitos do isolamento social se constituindo, portanto, em um excelente recurso para a promoção e recuperação da saúde (ANGERAMI, 1998 apud LINHARES; LIMA, s.d., p. 2). Wazlawic (2006) afirma quanto aos significados das emoções na vida do ser humano associado a suas vivências musicais: As emoções e os sentimentos, integrantes da atividade humana, junto ao agir e ao pensar, configuram a construção dos significados singulares da música, de acordo com a vivência do sujeito e de sua própria reflexão acerca de si e de suas experiências. A música despertando a afetividade, influência a forma como o sujeito significa o mundo que o cerca. É de modo “emocionado” que o sujeito constrói os significados da música em sua vivência, a partir de seus sentidos, exteriorizando sua subjetividade, tornando-a “audível” para ele e para os outros. Significados e sentidos que “ressoam” com as emoções e sentimentos em suas vivências em relação à música. Significados que partem das vivências afetivas do sujeito que demonstram a utilização viva da música que mudam, que se desconstroem, que são re-criados. Porque também são constituídos pelos sentidos, ligados ao uso da música de modo idiossincrático e em relação (WAZLAWIC, 2006, p.13). 31 A música nos processos de humanização A música é uma arte usada como forma de estímulo ao indivíduo, proporcionando alegria e bem-estar ao mesmo, sendo uma ferramenta benéfica para os pacientes e para a comunidade hospitalar onde há a utilização desse recurso. O Hospital Odilon Behrens adotou em sua gestão desde 2003 a participação em projetos de humanização, aliados a consultoria da PNH. Em 2009, o Instituto Metodista Izabela Hendrix realizou, em parceria com o hospital, o projeto de extensão “A música como recurso para o desenvolvimento do projeto de humanização realizado no Hospital Municipal Odilon Behrens”4. O objetivo desse projeto era melhorar os processos de socialização e humanização, proporcionando momentos de relaxamento, descontração e interação aos pacientes, familiares e funcionários do hospital (LINHARES; LIMA, s.d., p.2). No trabalho realizado por Maximiano e Barreto (2013), podemos ver a música sendo apresentada como um importante e eficaz recurso de humanização e socialização dentro do Hospital Mater Dei/BH. Maximiano (2013) afirma que “sua presença [da música] no ambiente reduz as sensações de abandono, de tristeza e até de dor. (...) contribui, para o bem estar tanto de quem ouve quanto de quem executa” (MAXIMIANO; BARRETO, 2013, p. 9). Esse relevante trabalho propôs a inserção do educador musical em projetos de humanização e, associado a outras artes, poderia ser aplicado nas instituições. Atualmente, outros profissionais que não são da área da saúde tem sido inseridos em projetos de humanização nos hospitais. Dentre esses profissionais podemos citar pedagogos, músicos e artistas em geral, que levam suas experiências e ações pedagógicas para um espaço não escolar com o intuito de ajudar na recuperação da saúde dos pacientes, trazer momentos de bem-estar, relaxamento, lazer e também gerar aprendizado. Apresentaremos agora alguns dos projetos em hospitais mencionados: “Brincando no hospital também se aprende – Por uma humanização hospitalar” (MIRANDA, 2009) foi um projeto executado dentro do Hospital Municipal Carmela Dutra/RJ, visando atender crianças e adolescentes de 03 a 15 anos, oferecendo também algumas orientações sobre sensibilização para os pais e acompanhantes dos pacientes. O 4 Agradecemos ao parecerista anônimo pela informação. 32 objetivo geral desse trabalho no hospital foi desenvolver uma pedagogia significativa e que ajudasse na recuperação desses pacientes envolvidos. Para isso, foram utilizados alguns recursos de cunho musical. O projeto provocou várias reflexões e levantou a importância de haver ensino em espaços não escolares, como os hospitais (MIRANDA, 2009). Na obra “Música um caminho para a saúde” Vanni (2006) relata as experiências musicais vividas no Centro Infantil Boldrini, Campinas (SP). Tudo começou em 1988 quando foram implantadas a biblioteca e a brinquedoteca. Fazia-se uso da musicalização nos programas. Esses projetos tinham a finalidade de trazer vivências com arte, lazer e cultura, com o intuito de auxiliar as crianças a terem uma vida melhor, lidar com as dores no tratamento e proporcionar um ambiente acolhedor, humano e agradável para esses pacientes e seus familiares que acompanham o processo de internação. Segundo Vanni (2006), o aspecto humanista “reconhece a capacidade do ser humano de continuar o seu desenvolvimento integral, mesmo limitado pela doença, proporcionando-lhe vivências nos campos socioculturais, artísticos e espirituais, dentro do próprio hospital” (VANNI, 2006, p.26). Na pesquisa “A educação musical e o estudo do processo de interação criança/música no contexto hospitalar” (CALDEIRA; FONTERRADA, 2006, p.1001)5, são abordadas questões que ocorrem com a criança durante o processo criativo que envolve música. O estudo foi desenvolvido através de algumas atividades propostas a crianças e adolescentes hospitalizadas no Instituto de Infectologia Emilio Ribas (SP). O intuito era investigar de que forma a educação musical ajudaria os pacientes a lidar com sua realidade. Caldeira e Fonterrada (2006) comentam: “O papel mediador da educação musical no contexto hospitalar: uma abordagem sócio-histórica” procura investigar a hipótese de que a educação musical, ao mediar encontros criativos da criança hospitalizada com a música, pode possibilitar e/ou desencadear processos dialógicos e interacionais que a ajude no enfrentamento da sua internação. Esta pesquisa não utiliza a música com fins terapêuticos e não tem a intenção de modificar uma situação clínica, mas baseia-se principalmente na ideia de que a arte é uma forma pela qual o ser humano estabelece um diálogo com sua realidade, contribuindo para o seu processo de interpretação e significação do mundo. Um dos seus principais objetivos é estudar e analisar as interações realizadas por crianças hospitalizadas em situação de atividade criadora. Para atingir este objetivo, utiliza a análise microgenética como principal ferramenta metodológica. (CALDEIRA; FONTERRADA, 2006, p. 1000). 5 Fonterrada possui graduação em Música (Bacharelado) pela Universidade São Judas Tadeu (1977), mestrado em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1991), doutorado em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996). 33 A enfermagem também já tem enxergado na música um valor significativo para os tratamentos com crianças. A Revista Brasileira de Enfermagem – REBEn publicou o seguinte artigo “A música como recurso no cuidado à criança hospitalizada: uma intervenção possível?” (FERREIRA; REMEDI; LIMA, 2006). Nesse trabalho são feitas reflexões quanto ao uso da música na pediatria, o que irá proporcionar um ambiente harmonioso e descontraído visto que normalmente acontece um estranhamento da criança com o ambiente hospitalar conforme afirmam Ferreira, Remedi e Lima (2006, p. 690): “Crianças que vivenciam tais experiências podem apresentar alteração na conduta (agressividade, desejo de fugir e dependência)”. Esses pesquisadores consideraram intervenções musicais na área da enfermagem com a finalidade de promover bem-estar, relaxamento e saúde para os pacientes. Como principais resultados, esses autores apontam: Redução e controle da dor e de comportamentos causados por ela, diminuição da agitação e de comportamentos agressivos, desenvolvimento de novas estratégias de enfrentamento, redução da ansiedade, relaxamento, redução de náuseas e vômitos, melhora nos parâmetros vitais, e, diminuição do medo e sofrimento, melhora nas habilidades cognitivas, sociais e físicas, indução do sono, modulação do humor expressão de sentimentos, distração/divertimento, socialização, reabilitação e satisfação do cliente e familiares com o cuidado prestado (FERREIRA; REMEDI; LIMA, 2006, p. 692). Maximiano e Barreto (2013) também discorrem sobre o assunto afirmando que: É preciso ter um olhar para a música como recurso para a humanização hospitalar e não apenas como terapia. São necessários estudos mais efetivos no âmbito da educação musical, visto que os estudos encontrados na literatura que contemplam a música e a humanização hospitalar pertencem, em sua maioria, a Enfermagem, Musicoterapia e Terapia Ocupacional (MAXIMIANO; BARRETO, 2013, p. 9). Considerações finais O recurso musical parece ser uma ferramenta de grande eficiência a ser utilizada nos projetos que visam humanizar tratamentos de saúde. Existem estudos sobre o assunto, porém são parciais as avaliações até o momento. Já tem sido documentado em pesquisa os seus efeitos sobre a dor, a ansiedade e a depressão. A efetividade do recurso musical na melhoria da qualidade de vida do cidadão é facilmente perceptível. Entretanto, deve-se atentar para o fato de que quando a música é utilizada por profissionais especializados e com formação na área, ela se torna um instrumento benéfico para a saúde e por isso defende-se a sua utilização no ambiente hospitalar. 34 Concluímos que alguns objetivos para o uso da música como recurso hoje são melhorar a qualidade de vida dos pacientes e também suas relações interpessoais. Ela também beneficia a comunidade hospitalar transformando o ambiente formal do hospital em um local agradável e acolhedor. Nosso objetivo neste trabalho foi apontar os benefícios da música nos processos de humanização hospitalar e destacar esse recurso através de revisão bibliográfica e citação de algumas experiências em campo da primeira autora e uma entrevista. Acreditamos ter ficado clara a grande aplicabilidade da música como recurso para a humanização hospitalar. Supõese que serão muitas as descobertas que virão à tona sobre esse assunto a partir do momento em a música for utilizada com frequência em diversas instituições de saúde. Referências ANGERAMI, Valdemar Augusto (Org). A psicologia no hospital. Editora Traço, São Paulo, 1998 BÄCHTOLD, Felipe; GUTERRES, Melina. Sobrevivente do incêndio na boate Kiss vive rotina de tratamento, in: Folha de São Paulo, publicado em 26/01/2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1403105-sobrevivente-do-incendio-naboate-kiss-vive-rotina-de-tratamento.shtml>. Acesso em: 27 mar. 2014. BACKES, Dirce Stein; LUNARDI FILHO, Wilson Danilo; LUNARDI, Valéria Lerch. A construção de um processo interdisciplinar de humanização à luz de Freire. In.: Texto Contexto Enferm, v. 14, n. 3, p. 427-34, 2005. Scielo. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tce/v14n3/v14n3a15.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2014. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. 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