Aspectos Gerais - Mercados Derivativos e Análise de Risco

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C APÍTULO 1
Aspectos Gerais
Embora algumas das modalidades de operações dos mercados derivativos
venham sendo negociadas há muitos séculos, o nome “mercados derivativos” vem
sendo utilizado há relativamente pouco tempo. Até 1971, os países desenvolvidos
viviam sob o sistema do padrão dólar-ouro, que propiciava uma paridade de câmbio
fixa entre as principais moedas. Com o fim da conversibilidade do dólar ao ouro,
aqueles países ainda tentaram manter as paridades, mas, a partir de 1973, quando
houve o primeiro choque do petróleo, as moedas passaram a ter cotações flutuantes
em relação às demais, o que gerou maior instabilidade nos preços praticados em
cada economia. Conseqüentemente, os diversos agentes econômicos mundiais passaram a estar expostos a maiores riscos no desempenho de suas atividades. Desde
então, o mundo passou a ter maior necessidade de se proteger da queda de preços
dos produtos que produz e da alta nas cotações dos insumos necessários à produção.
Com o crescimento do comércio mundial e a crescente globalização da
economia, aumentou também a necessidade de proteção. Exatamente para atender à maior demanda por proteção contra flutuações adversas de preços, bolsas,
bancos e empresas do mundo inteiro vêm criando uma enorme gama de “produtos
derivativos”, cuja principal função econômica é proporcionar redução de risco.
O objeto de negociação em mercados derivativos pode ser definido como
direitos/obrigações (definidos por contratos), cujos preços decorrem (ou derivam),
principalmente, dos preços de outros ativos mais básicos, conhecidos como ativos-objeto ou ativos de referência. Esses direitos/obrigações podem ser divididos
em quatro grandes grupos de mercados derivativos: Contratos Futuros, a Termo,
de Opções e de Swaps.
Uma opção de compra de uma ação da Petrobras, por exemplo, é um derivativo, pois seu valor depende principalmente do preço da ação da Petrobras, que
é a ação-objeto. Um contrato futuro de soja também é um derivativo, na medida
em que sua cotação depende fundalmentalmente do preço da soja, que é o bemobjeto. Existem, também, combinações de produtos derivativos, como swap a
termo, opção sobre swap, opção sobre futuro, opção sobre opção e outras. Esses
produtos são conhecidos como derivativos de derivativos.
Nos últimos anos, os mercados financeiros mundiais, inclusive o brasileiro,
têm sido muito criativos no desenvolvimento de produtos derivativos, com o propósito de satisfazer às necessidades de seus clientes. Alguns bancos mantêm pessoas
altamente especializadas e capacitadas para elaborar produtos (por vezes bastante
sofisticados) que sejam de interesse de seus clientes. Os derivativos freqüentemente
fazem parte desses produtos.
2
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
Não se pode estabelecer um número máximo de modalidades ou de produtos
possíveis de serem negociados nos mercados derivativos. Na realidade, esse número
poderá ser tão grande quanto permita a criatividade humana e admitam os órgãos
governamentais. Para a autorização de novos contratos ou para o estabelecimento de
volumes máximos de negociação, deve-se levar em consideração não apenas os potenciais lucros ou benefícios, mas, também, eventuais externalidades negativas decorrentes de suas negociações, tais como a quebra de grandes instituições financeiras e de empresas, o prejuízo a credores e o colossal esvaziamento dos cofres públicos como o que se verifica nas principais economias capitalistas no ano de 2008.
Trata-se de trilhões de dólares que são desviados ou deixam de ser aplicados
em outras áreas, como saúde e educação e saneamento, contribuindo de forma decisiva para enorme concentração de renda.
1.1 DEFINIÇÕES INICIAIS DOS CONTRATOS NEGOCIADOS NOS MERCADOS DERIVATIVOS
As operações em mercados derivativos estarão sempre amparadas por contratos que assegurem aos participantes o exercício de todos os seus direitos, assim
como os obriguem a cumprir suas obrigações. Todas as características e condições
sob as quais determinada operação é efetuada, como data da operação, data de
vencimento, data de liquidação, preço, tamanho do contrato, forma de correção,
entre outras, deverão estar previstas no contrato. Normalmente, quando um participante opera, ele não recebe um contrato formal, com diversas cláusulas que assegurem direitos e outras que imponham obrigações, mas sim uma nota de corretagem
(quando as operações são realizadas por meio de corretoras) ou nota de negociação.
Há ainda os extratos de movimentação e de posição, emitidos pelas câmaras ou
centrais de liquidação e de custódia nas quais as operações são registradas, que
permitem identificar a movimentação ocorrida e as posições líquidas a cada dia, de
cada participante. Estes documentos asseguram, entretanto, que os participantes
aderiram a um contrato padrão (elaborado por bolsas ou por outras instituições) em
que constam todas as características e condições da operação. Há casos em que as
partes negociam diretamente entre si, por meio de contratos particulares.
A seguir, realizaremos uma descrição sucinta dos contratos que regulamentam as operações básicas praticadas nos mercados derivativos:
• Contratos a Termo – regulamentam operações de compra e de venda
de um bem-objeto, entre comprador e vendedor (contrapartes do contrato), para
liquidação física1 e financeira2 em determinado prazo (em alguns contratos somen1 Liquidação física é a entrega do ativo-objeto, por parte do vendedor, para que o comprador o receba.
2 Liquidação financeira é, basicamente, a entrega de dinheiro, por parte do comprador,
para que o vendedor possa recebê-lo. Há mercados que merecerão definições mais específicas de liquidação financeira, que serão vistas à medida que os estudarmos.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
3
te é prevista a liquidação financeira, por diferença). Dependendo da regulamentação
de cada mercado, as negociações podem ser efetuadas diretamente entre as
contrapartes (via telefone) ou em ambiente de pregão (eletrônico ou de viva-voz).
• Contratos a Futuro – normatizam operações realizadas para liquidação física e financeira em uma data futura3 (em alguns contratos somente é prevista
a liquidação financeira, por diferença). Nas operações a futuro os contratos são
padronizados. O tamanho de cada contrato (unidade de negociação) e sua data de
vencimento são definidos pelas bolsas. A negociação desses contratos ocorre em
ambiente de pregão.
• Contratos de Opções – regem operações que dão ao seu comprador
(titular) o direito sobre algo, mas não uma obrigação. Simultaneamente, impõem ao
seu vendedor (lançador) somente uma obrigação, mas não um direito. As opções de
compra do tipo americano, por exemplo, dão ao seu titular o direito de comprar o
ativo-objeto por um determinado preço, até uma data limite (data do vencimento) e
geram em seu lançador somente a obrigação de vender o ativo-objeto até a data de
vencimento, caso o titular decida exercer o seu direito. Para que o lançador aceite
ter somente a obrigação, exigirá que o titular lhe pague um prêmio na data de
realização do contrato. Pode-se perceber que o titular é o sujeito ativo (cabe a ele
decidir se exerce ou não o seu direito), enquanto o lançador tem que sujeitar-se à
decisão do titular. Da mesma forma que nos contratos futuros, as operações com
opções de compra e com opções de venda são realizadas em pregão, embora haja
exceções, como é o caso das opções flexíveis que são negociadas diretamente entre
as contrapartes e registradas em bolsa.
• Contratos de Swaps – regulamentam operações entre duas partes
(contrapartes dos swaps) para a troca futura de fluxos de caixa entre elas. A principal
função econômica dos swaps é possibilitar a troca de rentabilidade (e/ou de indexadores)
de valores a receber ou a pagar, embora nem sempre os swaps sejam utilizados com
essa finalidade. A troca de fluxos de caixa é resultante da diferença das evoluções de
duas variáveis definidas pelas contrapartes, durante o prazo de vigência do swap (por
exemplo, dólar e taxa de juro de CDI). Ao final do prazo de vigência do swap, a
diferença entre as variações acumuladas das variáveis será aplicada sobre uma base de
cálculo, previamente definida pelas contrapartes, a fim de se obter o valor que uma
das contrapartes pagará à outra. Nesta modalidade de derivativos, as contrapartes
negociam diretamente entre si e, conseqüentemente, têm flexibilidade para definir
diversas características da operação, tais como prazo, volume, regime de capitalização
de juros, possibilidade de liquidações parciais ao longo do tempo4 e outras.
3 Posteriormente veremos que nos mercados futuros existe o mecanismo de ajustes diários
que gera liquidações financeiras parciais, diariamente, antes do vencimento dos contratos.
4 Se esta descrição não tiver sido suficiente para a compreensão inicial de uma operação
de swap, recomendamos a leitura da seção 27.1.
4
1.2
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO
As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e de Futuros são instituições
privadas geralmente sem fins lucrativos (a partir da Resolução nº 2.690/2000 do
Conselho Monetário Nacional as bolsas adquiriram a faculdade de constituir-se
como sociedades anônimas com fins lucrativos), que têm como principal finalidade
disponibilizar um local ou um sistema eletrônico adequado às negociações dos diversos ativos e derivativos previamente autorizados pelas Comissões de Valores
Mobiliários. As corretoras são as proprietárias das bolsas e é por meio delas que as
operações devem ser efetuadas nas bolsas. As operações de Bolsa são efetuadas ou
no sistema de pregão, em que os corretores compram e vendem em viva-voz, ou de
telepregão, quando as ofertas de compra e de venda são apregoadas por computador
(pregão eletrônico). No sistema de negociação conhecido como home-broker, as
corretoras concedem limites de negociação individuais aos seus clientes (a partir da
avaliação de suas capacidades econômicas e financeiras) para que efetuem as ofertas
de compra e de venda de ativos e derivativos por meio da internet, diretamente nos
sistemas eletrônicos de negociação das bolsas.
As operações de Balcão tradicionais são aquelas realizadas fora do recinto
dos pregões. Elas são realizadas diretamente entre as contrapartes, geralmente por
telefone, sem a intermediação de corretores para apregoar as ofertas de compra e de
venda. As transações poderão ser efetuadas entre duas instituições financeiras, entre
uma instituição financeira e uma empresa comercial, entre uma instituição financeira e uma pessoa física ou até mesmo sem a participação de instituições financeiras.
No Mercado de Balcão Formal, as operações são registradas (por meio das
corretoras) em bolsas, em câmaras de liquidação e de custódia das bolsas (nos casos
em que as câmaras têm personalidade jurídica próprias) ou em alguma câmara de
liquidação e de custódia de títulos5 independente, como, por exemplo, as operações
de swaps registradas na Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos
(CETIP) ou as operações interbancárias (à vista ou a termo) de câmbio que são
registradas no Sistema de Informações do Banco Central (SISBACEN). O fato de
serem registradas em bolsas ou em centrais de custódia não altera sua característica
5 Essas câmaras também são conhecidas como Clearings em referência às suas funções de
compensar (calcular os saldos líquidos entre compras e vendas) e de liquidar as operações
realizadas pelos participantes. Geralmente as câmaras de liquidação também são os depositários e realizam a custódia dos ativos ou dos derivativos dos participantes, mas, quando
isto não ocorre, torna-se necessária a existência de outro custodiante e de outro depositário dos títulos e dos derivativos, sendo que, o mais comum é que o custodiante seja
também o depositário. De fato, quando os depositários são organizados e possuem comprovada idoneidade, não há necessidade de haver outros custodiantes para controlar (e
tomar conta) das posições dos clientes, até porque a existência de custodiantes externos
acarretam custos para os clientes. Vale lembrar ainda, que já há órgãos governamentais,
como as CVMs, que são responsáveis pelas fiscalizações dos depositários e que podem
aplicar penalidades (inclusive por possuírem “poder de polícia”, que somente órgãos
públicos dispõem) caso haja irregularidades nas posições dos clientes.
Capítulo 1
5
Aspectos Gerais
essencial, que é a de serem negociadas diretamente entre as partes, sendo, portanto,
operações de Balcão.
No Mercado de Balcão Informal, as operações com derivativos ocorrem diretamente entre as contrapartes e não envolvem registros em qualquer câmara de liquidação
e de custódia. Elas podem ser registradas por meio de contratos particulares entre as
contrapartes6 . É comum que esses contratos sigam padrões de segurança e de operacionalidade desenvolvidos por alguma entidade e que sejam registrados em cartório7 .
Pode-se fazer uma visualização gráfica a respeito das formas de negociação
das operações de Bolsa e de Balcão.
• Operações de Bolsa
BOLSA
Pregão/Telepregão
Cliente
Home-Broker
Cliente
Home-Broker
Corretora C
Corretora A
Cliente C1
Cliente A1
Cliente C2
Cliente A2
Corretora B
Cliente B3
Cliente B1
Cliente B2
6 Essas operações são definidas como “operações privadas” pela Lei nº 6.385 de
07/12/76, que criou a Comissão de Valores Mobiliários. Outro exemplo de operação
privada é o da negociação de ações (custodiadas em bolsas ou não) diretamente
entre comprador e vendedor, sem a utilização dos pregões das bolsas.
7 Normalmente, há restrições normativas às operações de Balcão Informal. Segundo
alguns analistas, essas restrições objetivam dar maior transparência às operações no
Mercado de Balcão e dificultar a “fabricação” de resultados. Geralmente, as autoridades fiscais impõem condições para admitir o reconhecimento dos prejuízos decorrentes de tais operações e podem exigir que haja adições dos prejuízos ao lucro real.
Nestes casos os impostos são calculados como se os prejuízos não existissem.
6
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
Exemplos de Pregão:
• Pregão de Viva-Voz
• Pregão Eletrônico (Telepregão)
Te l e p r e g ã o
Ofertas de Venda
Ofertas de Compra
Preço
Quantidade
Preço
Quantidade
125,02
10.000
124,90
40.000
125,00
20.000
124,70
30.000
124,95
25.000
124,65
15.000
Por exemplo, se a melhor oferta de venda tivesse seu preço alterado pelo
ofertante, de 124,95 para 124,90, o sistema de negociação eletrônico automaticamente efetuaria a negociação de 25.000 unidades do ativo.
Operações de Balcão Formal8 :
Para as operações de balcão registradas em câmaras de liquidação e de custódia das bolsas, temos o esquema a seguir:
8 Como veremos em seguida, no Brasil essas operações são conhecidas como de mercado de
balcão não-organizado. No caso do mercado de títulos públicos ou do mercado de reservas
bancárias (mercado de dinheiro) essas operações são conhecidas como de mercado aberto.
Capítulo 1
7
Aspectos Gerais
Câmara de Liquidação e de Custódia da Bolsa
As corretoras registram as operações na câmara de liquidação e de custódia
da bolsa correspondente, após terem sido negociadas diretamente entre as contrapartes,
para que a câmara controle a liquidação e a custódia das operações.
Corretora A
Corretora C
Corretora B
Após ter realizado as operações diretamente entre si (geralmente por telefone),
cada contraparte das operações utiliza uma corretora da qual seja cliente, para que ela
registre a operação junto à câmara de custódia e de liquidação da bolsa.
Cliente A1
Cliente C2
Cliente C1
Cliente A2
Cliente B3
Cliente B1
Cliente B2
Para as operações em mercados derivativos, em que seja previsto o registro
das operações em clearings (câmaras de liquidação e de custódia ) que não pertençam às bolsas, como por exemplo no SISBACEN, no SELIC ou na CETIP9 , o
esquema é análogo. Quando uma instituição financeira realiza uma operação (diretamente) com outra instituição financeira, as duas informam (por meio de terminal
de computador) as características da operação à câmara de liquidação e de custódia
9 Para maiores informações a respeito da CETIP e do SELIC, veja a seção 10.1.1 sobre
mercado de DI-over.
8
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
correspondente. No caso de uma instituição financeira realizar operação (diretamente) com uma empresa, geralmente é a instituição financeira que fará o registro
da operação, na medida em que, em geral, somente ela terá acesso ao terminal de
computador da câmara de liquidação e de custódia. Neste caso, considerando que a
empresa não tenha conta individualizada na câmara de liquidação e de custódia, a
operação será registrada, tendo como contrapartes a instituição financeira e um dos
“clientes 1” da instituição. As instituições possuem uma conta sintética denominada “cliente 1”, que agrupa as posições de seus clientes que não tenham conta individualizada junto à câmara de liquidação e de custódia. Para essas operações é
prudente que as contrapartes da operação (a instituição financeira e a empresa)
realizem contrato particular (ou tenham outro tipo de controle assinado por ambas
as contrapartes) que identifique a operação, pois, nos extratos da câmara de liquidação e de custódia, não há a identificação dos “clientes 1”.
Quando se trata de fundos de investimento, as contas de custódia podem ser
sintéticas ou analíticas. As câmaras que utilizam contas de custódia sintéticas registram as posições de diversos fundos de um mesmo administrador na mesma conta.
Nestes casos, somente os controles internos elaborados pelos administradores dos
fundos possibilitam a identificação das posições individualizadas de cada fundo de
investimento. Em contrapartida, as câmaras que adotam o sistema de contas de
custódia analíticas (seja por iniciativa própria ou em decorrência de exigências dos
órgãos fiscalizadores) torna-se possível inventariar as posições e as negociações de
cada fundo a partir dos extratos de negociação e de custódia elaborados pelas câmaras de liquidação e de custódia.
Portanto, quando em uma câmara de liquidação e de custódia não há a identificação dos comitentes finais (contrapartes, que podem ser pessoas físicas, jurídicas, ou entidades de investimento coletivo) das operações é importante que haja
contratos particulares entre as contrapartes, pois os contratos permitem que uma
das contrapartes de determinada operação possa acionar a outra na hipótese de
haver algum tipo de discordância quanto ao valor a ser pago no vencimento da
operação. Também possibilitam a uma contraparte se habilitar perante a massa
liqüidanda ou perante a massa falida, quando a outra contraparte estiver em processo de liquidação extrajudicial10, ou em processo de falência, respectivamente (no
apêndice 12B descreveremos a Lei n° 6.024/74, que estabelece as condições e as
regras para que o Banco Central possa intervir na administração, decretar a liquidação
extrajudicial e requerer ao poder judiciário, a falência de uma instituição financeira).
10 Os controles internos das instituições financeiras identificam os comitentes finais mas,
por não serem assinados pelas contrapartes, podem não ter valor judicial na medida em que
quem os elabora são as próprias instituições. Para que haja maior isenção dos controles é
necessário que eles sejam externos às contrapartes, o que ocorre quando as clearings identificam os comitentes finais por meio dos seus extratos de negociações e de posições.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
9
As definições apresentadas para mercados de balcão são as tradicionalmente
utilizadas do ponto de vista econômico, que distingue as operações de balcão das
operações de bolsa em razão da forma como as operações são realizadas (em pregão
ou diretamente entre as contrapartes).
É importante ressaltar, entretanto, que, no Brasil, é comum a
subdivisão do mercado de balcão formal em mercado de balcão formal
organizado e mercado de balcão formal não-organizado.
No mercado de balcão organizado, as ordens são centralizadas em um pregão
eletrônico, como se fosse um telepregão de bolsa. Portanto, a distinção das operações de mercado de balcão formal organizado das operações de bolsa ocorre em
razão do nome da entidade em que os pregões eletrônicos sejam realizados. Desse
modo, se uma câmara de liquidação e de custódia organizar as ofertas de compra e
de venda sob a forma de um pregão eletrônico, as operações serão denominadas de
balcão organizado, ao passo que se os mesmos negócios ocorrerem em uma bolsa,
as operações serão denominadas de bolsa. Quando os negócios formais ocorrem
diretamente entre as contrapartes (por telefone), as operações são denominadas de
balcão não-organizado (negócios descentralizados), independentemente de quais sejam a organização e os controles das câmaras de liquidação e de custódia (vinculadas a alguma bolsa ou independentes) ou das bolsas (nos casos em que as câmaras de
liquidação e de custódia são departamentos das bolsas) nas quais os negócios sejam
registrados.
1.2.1 FORMAS DE NEGOCIAÇÃO PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Os mercados de pregão e de pregão eletrônico têm a vantagem de garantir aos
compradores o conhecimento de todas as ofertas de venda vigentes a cada instante e
aos vendedores o conhecimento de todas as ofertas de compra vigentes a cada momento. Este conhecimento lhes permite realizar negócios aos melhores preços possíveis a
cada instante. Nos mercados de balcão não-organizados e nos mercados de balcão
informais (operações privadas) é possível que existam dois ou mais preços sendo
praticados ao mesmo tempo, o que poderá prejudicar compradores e vendedores.
A seguir, apresentamos um quadro no qual resumimos as diferentes categorias de negociação praticadas e previstas na legislação brasileira em 2001 e, em seguida, faremos alguns comentários.
10
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
Categorias de Negociação
Bolsas de
Balcão
Balcão NãoOperações
Organizado
Organizado
Privadas
e de Futuros (Centralizado) (Descentralizado) (Balcão Informal)
Bolsas de
Mercadorias
Valores
Forma de
Em pregão
Negociação ou pregão
eletrônico
Em pregão
ou pregão
eletrônico
Em pregão
eletrônico
Por telefone.
Há o registro das
operações em
alguma Câmara de
Liquidação e de
Custódia ao final
do dia
Por telefone.
Possivelmente
registram-se em
cartório
Local da
Compensação,
Liquidação
e Custódia
dos ativos
e
derivativos
Câmara de
Liquidação
e de
Custódia
das Bolsas
de Valores
Câmara de
Liquidação
e de Custódia
das Bolsas de
Mercadorias
e de Futuros
Câmara de
Liquidação
e de Custódia
da Entidade de
Balcão
Organizado
Câmara de
Liquidação e de
Custódia da
Entidade de Balcão
Não-Organizado
Os ativos e
derivativos podem
ou não estar
custodiados em
alguma Câmara
de Liquidação e
de Custódia
ações,
debêntures,
títulos
públicos
federais,
câmbio
derivativos
de juros, de
câmbio, de
agropecuários
ações,
derivativos
de ações,
debêntures
títulos públicos
federais, estaduais,
câmbio, debêntures,
swaps, opções
flexíveis
ações custodiadas
em bancos ou nas
companhias
emissoras,
contratos
particulares de
opções, de swaps
Exemplos
de ativos e
derivativos
Negociados
no Brasil
Como se pode perceber, há ativos que são negociados em mais de um local e
utilizando-se diferentes categorias de negociação. Este é o caso dos títulos públicos
federais e do dólar, que tanto podem ser negociados por telefone (operações de
balcão não-organizado em que há registros no Banco Central) quanto em pregão
eletrônico na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ)11 (operações de bolsa).
Outro exemplo é o da negociação de debêntures, que podem ser negociadas por
telefone e ser registradas na CETIP (operações de balcão não-organizado), em pregão eletrônico na CETIP (operações de balcão organizado) e em pregão eletrônico
na Bolsa de Valores de São Paulo (operações de bolsa)12.
As operações que ocorrem em ambiente de pregão e de pregão eletrônico têm
seus preços controlados não apenas pelo mercado, mas também pelas bolsas ou
pelas entidades de balcão organizado. Quando se trata de valores mobiliários, há
11 A Bolsa de Mercadorias e de Futuros comprou a maior parte dos títulos patrimoniais
da BVRJ em 2002, tornando-se, portanto, controladora da BVRJ.
12 A legislação existente (em 2001) não permite que as ações negociadas em bolsas de valores
sejam simultaneamente negociadas no mercado de balcão organizado. Portanto, as ações
negociadas no pregão eletrônico do mercado de balcão organizado são distintas das ações
negociadas no mercado de bolsa, onde as companhias estão sujeitas a maiores exigências.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
11
também a fiscalização das Comissões de Valores Mobiliários (CVMs), que mantêm
supervisão, em tempo real, sobre os preços e sobre as quantidades negociadas. Para
auxiliar na fiscalização do mercado de ações, as CVMs utilizam sistemas de filtros
que identificam variações atípicas de preços, de quantidades e de liqüidez das ações.
No caso do Brasil a CVM elaborou a Instrução n° 168 (vigente em 2001) que
determina que quando houver variações atípicas de preços, de quantidade ou a negociação de alguma ação de pouca liqüidez, as ofertas de compra e de venda devem ser
submetidas a leilões especiais, que podem ser de 15 minutos, de uma hora ou de
vinte e quatro horas e, em algumas situações (por exemplo, quando uma prefeitura
vai vender ações de sua propriedade), os leilões têm que ser anunciados nos boletins
diários de informações das bolsas com dias de antecedência. Quando os prazos dos
leilões são descumpridos, a CVM ou as bolsas cancelam as operações realizadas,
sem prejuízo da aplicação de penalidades previstas.
As CVMs e as bolsas de diversos países (inclusive a CVM brasileira) também
podem cancelar operações já realizadas quando têm suspeitas de outras irregularidades ou ilícitos, tais como a manipulação de preços ou o uso de informações privilegiadas por parte de alguns participantes para operar em vantagem aos demais participantes (inside trading), causando-lhes prejuízos.
A partir de fevereiro de 2002, com a entrada em vigor da Lei n° 10.303/2001,
a CVM brasileira passou a fiscalizar também, todos os mercados derivativos, independentemente de quais sejam os ativos-objeto.
Vale observar que no acompanhamento e fiscalização de alguns mercados à
vista não há uma norma semelhante à Instrução CVM n° 168, que determine a realização de leilões especiais quando os preços ofertados se situem fora de determinados intervalos. Este é o caso dos mercados à vista dos títulos públicos federais,
estaduais e do mercado à vista de câmbio, entre outros.
Quando os títulos públicos ou a moeda estrangeira são negociados por meio
de pregões eletrônicos em bolsas, elas supervisionam, em tempo real, os preços
praticados. Entretanto, quando os negócios ocorrem por telefone e são apenas
registrados ao final do dia (mercados de balcão não-organizados) não é possível
exigir a realização de leilões especiais, na medida em que os preços praticados são
conhecidos apenas ao final do dia (em alguns mercados há ainda as operações privadas13, que geralmente nem chegam a ser registradas em câmaras de liquidação e de
custódia). Nestes casos é possível, entretanto, definir critérios para a recusa do registro
das operações com preços ou taxas que sejam considerados fora da realidade de mercado.
Outra alternativa é aceitar o registro de todas as operações e abrir processos (ou inquéritos) administrativos para apurar as irregularidades a posteriori, mas os prazos, por
vezes, podem ser muito longos.
Vale lembrar que os julgamentos dos processos na esfera administrativa, mesmo quando transitados em julgado, ou seja, após os recursos e decisões em todas as
instâncias da esfera administrativa, podem ser alterados caso sejam apresentados
recursos ao poder judiciário, independentemente do prazo despendido nas decisões
13 A Deliberação n° 20 da Comissão de Valores Mobiliários (vigente em 2001) define as
condições para que uma operação possa ser considerada privada. Lembramos também que
há diversas restrições por parte de órgãos governamentais no sentido de limitar a participação de Fundações de Previdência ou de Fundos de Investimento em operações privadas.
12
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
da esfera administrativa. Há casos em que as decisões finais da esfera administrativa
demoram mais de 5 ou mesmo mais de 10 anos para serem proferidas. Em diversas
situações, constata-se que, quando os acusados são considerados culpados na esfera
administrativa, eles recorrem ao poder judiciário com o objetivo de alterar as decisões que os obrigaram a pagar multas, que os inabilitaram ao exercício de cargos em
instituições financeiras, ou que lhes impuseram outras penalidades. Contudo, quando os acusados são inocentados na esfera administrativa, geralmente não há recursos
ao poder judiciário com o propósito de alterar as decisões da esfera administrativa.
Entretanto, na hipótese de algum participante se sentir prejudicado com as decisões
da esfera administrativa que inocente os acusados, é possível o recurso ao judiciário.
Vale observar que alguns órgãos públicos não estão sujeitos às Corregedorias
de outros órgãos no tocante à execução das suas fiscalizações e aos julgamentos de
processos. Um órgão de Corregedoria tem a função de fiscalizar, de forma sistemática (e não apenas em casos de denúncias) as fiscalizações e decisões de outros
órgãos, sendo possível, ainda, que as Corregedorias estejam vinculadas a um Poder
distinto do órgão fiscalizado. As Corregedorias devem individualizar as suas investigações, apurando atitudes e pareceres de pessoas, o que torna indispensável o controle a respeito dos conteúdos e páginas (onde constam pareceres e decisões individuais ou coletivas) dos processos e dos dossiês dos órgãos que fiscalizam e julgam.
Uma alternativa às Corregedorias seria a de permitir que componentes de escalões
intermediários dos órgãos fiscalizadores tivessem o direito de prestar esclarecimentos (ou pudessem ser requisitados a prestar esclarecimentos) a respeito das fiscalizações, julgamentos de processos e, eventualmente, de efetuar denúncias referentes
aos setores aos quais pertencem, a comissões de outros poderes, como, por exemplo, Comissões do Senado ou da Câmara dos Deputados. Naturalmente, teria que
lhes ser garantida alguma forma de proteção temporária no caso de denúncias, como
a indemissibilidade, a inamovibilidade e, em algumas situações atípicas, até mesmo
proteção policial para eles e suas famílias, de forma análoga ao que, por vezes, se
verifica com testemunhas de acusação, promotores, corregedores e juízes entre outros participantes. Naturalmente as denúncias necessitariam ser efetuadas com responsabilidade, sob pena de punição. As mencionadas permissões poderiam haver mesmo
quando as Corregedorias existissem.
Por fim, lembramos que é de grande relevância que haja transparência a respeito das operações privadas (balcão informal). Com o objetivo de informar ao mercado,
aos órgãos fiscalizadores e à sociedade a respeito das quantidades e dos preços praticados nas negociações privadas, é de fundamental importância que as negociações privadas constem dos boletins diários de informações das bolsas ou das câmaras de liquidação e de custódia, quando se tratar de ativos ou de derivativos custodiados nestas
instituições. Em uma operação privada, o comprador deposita o valor correspondente
à transação (liquidação financeira) diretamente na conta do vendedor, sem haver o
trânsito do dinheiro na bolsa ou na câmara de liquidação e de custódia, e o vendedor
Capítulo 1
Aspectos Gerais
13
dá instruções para que os ativos ou derivativos que esteja vendendo sejam transferidos
da sua conta de custódia para a conta de custódia do comprador (há a transferência
física sem que a contrapartida financeira ocorra na câmara).
Com o objetivo de evitar estelionato dos ativos e dos derivativos, conforme
será descrito no apêndice 2, poderia ser exigido o registro das operações privadas
em cartórios especializados em ativos e derivativos quando se tratasse de ativos ou
de derivativos que não estivessem custodiados em bolsas ou em câmaras de liquidação e de custódia. Estes cartórios seriam análogos aos já existentes cartórios
especializados no registro de imóveis.
É importante ressaltar que a transparência das operações privadas poderia
sujeitá-las às possíveis restrições de preços, de forma análoga às restrições previstas
na Instrução CVM n° 168, mencionada anteriormente e, também, aos questionamentos
por parte dos órgãos fiscalizadores, como as CVMs.
1.3
PARTICIPANTES DOS MERCADOS DERIVATIVOS: HEDGERS, BONS ESPECULADORES,
ARBITRADORES, OPERADORES DE TESOURARIA E MARKET MAKERS
A fim de compreendermos com que finalidades os mercados derivativos
podem ser utilizados e como são influenciados por diversas variáveis, faz-se necessário analisar os diferentes grupos de participantes dos mercados:
• Hedgers – são aqueles que realizam uma ou mais operações que reduzam suas exposições ao risco (operações de hedge).
Por exemplo, um banco que possua passivo indexado em dólar e ativo indexado
em iene estaria efetuando um hedge ao realizar um swap em que ganhasse a diferença entre a variação do dólar e a variação do iene. Neste caso, se o dólar se valorizar
perante o iene, o banco terá entradas líquidas no fluxo de caixa do swap e, portanto,
compensará a perda verificada nas posições originais. Caso o iene se valorize perante o dólar, haverá saídas líquidas no fluxo de caixa do swap, o que reduzirá o lucro
extraordinário que seria obtido originalmente.
Há hedges com e sem caixa. No primeiro caso, as operações de hedge implicarão movimentação financeira quando de sua realização, enquanto no segundo,
não haverá captação ou aplicação de recursos na data de sua operação.
• Bons Especuladores – o objetivo das operações de especulação é a aposta na variação de preços ou de taxas. Ao contrário dos hedgers, os especuladores
aceitam correr riscos e ficar expostos a prejuízos. Por exemplo, um especulador que
acreditasse que as opções de compra da Vale do Rio Doce iriam subir em determinado
período de tempo (e não possuísse ativos ou passivos indexados à referida ação) poderia comprar as opções para vendê-las quando estivessem mais caras. O risco de perda
é que o preço das opções poderia cair e o especulador perderia o capital aplicado.
14
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
Os bons especuladores (aqueles que operam pequenos ou médios volumes,
que tenderiam a obter mais lucros que prejuízos sem recorrer a informações privilegiadas ou outros mecanismos nocivos, que não se expusessem a riscos excessivos e.
principalmente, que tivessem caixa suficiente para bancarem sozinhos seus prejuízos) em princípio não seriam maléficos para os mercados, pois, além de aumentarem a sua liqüidez, tenderiam a contribuir para a redução da flutuação de preços, na
medida em que na maior parte das vezes comprarim na baixa, reduzindo a tendência de queda, e venderiam na alta, reduzindo altas exageradas. Entretanto, no mundo financeiro recente, onde são admitidas especulações gigantescas, praticadas por
administradores de grandes bancos e fundos, que se utilizam de recursos de terceiros (clientes ou cotistas), as possíveis contribuições contracíclicas dos pequenos
especuladores são praticamente nulas. Além do mais, se eles se tornarem seguidores
de manadas acabarão gerando contribuições pro cíclicas.
Considerando que as remunerações obtidas pelos agentes econômicos devam
ter como contrapartidas alguma forma de produção ou de contribuição social, parece um tanto quanto forçada a idéia, defendida por muitos analistas, de que os ganhos
obtidos pelos especuladores ou pelos arbitradores sejam tão importantes e defensáveis para os países, quanto as remunerações auferidas pelos diversos trabalhadores e
empresários que realmente produzem bens e serviços.
Cabe ressaltar que não se pode predefinir quais são as operações de hedge ou
quais são as operações de especulação. Por exemplo, comprar dólar futuro será uma
operação de hedge para um importador, mas será operação de especulação para um
exportador. Este fato nos permite afirmar que uma mesma operação poderá ser de
hedge ou de especulação, dependendo do referencial de quem a realize.
Vale citar ainda que por vezes há grandes distorções entre as nomenclaturas
utilizadas e as realidades. Por exemplo, os hedge funds são basicamente fundos de
especulação e os lucros provenientes de especulações quase sempre são contabilizados,
seja por bancos ou por fundos, como decorrentes de operações de hedge, devido à
idéia de que os balanços ficam mais apresentáveis desta maneira.
• Arbitradores – são os que realizam operações de arbitragem, ou seja,
operações que consistem em obter um lucro sem risco, com a realização de transações simultâneas em dois ou mais mercados14.
Exemplo 1.1 – Considerando um volume de 100 kg de ouro para negociação, monte uma arbitragem, admitindo que os mercados de ouro e de dólar estejam com as seguintes cotações:
preço externo do ouro
= US$ 10,00 o grama;
taxa de câmbio do dólar ⇒1 US$ = R$ 2,50;
preço interno do ouro
= R$ 24,20 o grama.
Mostre quais as operações a serem realizadas e calcule o lucro em reais.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
15
Resposta - Preço externo em reais = 10 x R$ 2,50 = R$ 25,00.
Como o preço externo em reais é maior do que o preço interno em reais,
devem ser realizadas as seguintes operações:
• comprar 100 kg de ouro no mercado interno por R$ 2.420.000;
• vender 100 kg de ouro no mercado externo por US$ 1.000.000;
• vender US$ 1.000.000 por R$ 2.500.000.
Lucro = R$ 2.500.000 - R$ 2.420.000 = R$ 80.000.
É possível montar inúmeras arbitragens, por meio de operações praticadas
nos mercados derivativos. Estas operações tornam-se possíveis quando os preços
ficam fora do nível de equilíbrio.
Um ponto importante a ser citado é que as arbitragens são altamente concentradoras de renda pois, além de gerarem lucros enormes
sem que haja contrapartidas de produção. Na prática, somente os que
dispõem de grandes quantias conseguem realizá-las, principalmente
instituições financeiras, que utilizam recursos de terceiros, apesar dessa não ser uma atividade tradicional dessas instituições.
14 Quando os governos intervêm nos preços ou nas taxas dos mercados com objetivo de
política econômica e passam a proporcionar arbitragens sistemáticas, os arbitradores se
tornam nocivos, na medida em que são as sociedades que pagam os custos das arbitragens
(entre outros aspectos, as dívidas públicas aumentam). Nestes casos, freqüentemente os
governos impõem tributos sobre as operações de arbitragens que eles não querem que sejam
efetuadas, ou, ainda, impedem a entrada de capitais com tais fins, talvez por considerarem o
impedimento um mecanismo mais eficaz do que a imposição de tributos. Os órgãos de
fiscalização devem estar atentos às diversas formas de driblar os tributos, inclusive por meio
da utilização de derivativos (ver seção 18.1.4 a respeito). Há correntes de economistas que
defendem controles sobre os movimentos de capitais voláteis pelo mundo, que entram e saem
dos países com o objetivo principal de obter lucros arbitrando as diferenças entre as taxas de
juros (os exemplos 4.2, 5.2 e 10.5 ilustram este tipo de arbitragem), além de outros propósitos extremamente rentáveis, como lavar trilhões de dólares do crime organizado. Os Bancos
Centrais devem estar atentos a esses movimentos pois, da mesma forma que os capitais
voláteis podem trazer benefícios temporários para os países em alguns momentos, em outros
podem tornar os países seus reféns. De fato, se os capitais voláteis vislumbrarem melhores
rendimentos em outras economias, eles tendem a deixar os países e a provocar fortes
desestabilizações. Com objetivos de transparência contábil é de grande importância que os
Bancos Centrais classifiquem contabilmente a entrada desses recursos como destinados a
“arbitragens” ou a “aplicações financeiras”. Se os capitais voláteis tiverem a mesma
classificação contábil dos recursos destinados a “investimentos” (por exemplo,
destinados a construção de fábricas) que não são voláteis, as sociedades podem ter a
ilusão de que estão recebendo investimentos externos, quando, na verdade,
estão apenas sendo arbitradas. Dependendo dos volumes financeiros das arbitragens,
os prejuízos podem ser de dezenas ou mesmo de centenas de bilhões de dólares em poucos
anos, o que deveria gerar atitudes defensivas e enérgicas contra essas arbitragens, inclusive
com a utilização de controles quantitativos e tarifários. Ao final da seção 6.5.2. e na resposta
referente ao exemplo 10.5 efetuatemos maiores considerações sobre o tema.
16
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
• Operadores de Tesouraria – são os responsáveis pelas operações de
tesouraria, que consistem em captar ou aplicar recursos que, provavelmente (no
caso de taxas pós-fixadas) ou certamente (na hipótese de taxas prefixadas), terão
determinado custo ou rendimento. É possível implementar diversas operações de
tesouraria por meio dos mercados derivativos. Os operadores de tesouraria têm a
função de administrar o fluxo de caixa das instituições, buscando captar recursos
a taxas baixas e aplicá-los a taxas altas, e, ainda, compatibilizar os prazos de
captação com os de aplicação.
• Market Makers – são instituições altamente especializadas em determinadas ações, ou em determinados ativos, e que se comprometem a fazer propostas
de compra e de venda do ativo aos demais participantes do mercado, em um volume
mínimo previamente estabelecido. Por exemplo, se uma corretora é um market
maker de determinada ação, os participantes que estiverem com dificuldade em
comprar ou vender a ação poderão recorrer à corretora, e esta será obrigada a
“abrir um spread”, ou seja, dizer a que preço compra e a que preço vende a ação.
O participante decidirá se aceita ou não a oferta da corretora. A principal finalidade dos market makers é proporcionar liqüidez aos mercados.
1.4
PARTICIPANTES NOCIVOS: MANIPULADORES, INSIDERS TRADING,
MAUS ESPECULADORES, FABRICANTES DE RESULTADO,
FRONT RUNERS E DRIBLADORES DE NORMAS
A seguir mencionaremos os participantes que deveriam ser banidos do mercado, na medida em que quaisquer benefícios que possam advir dos recursos que
eles movimentam são sempre incomparavelmente menores do que os malefícios
que eles causam diretamente aos participantes dos mercados e, indiretamente, às
sociedades. Para que um mercado de capitais e de derivativos possa desenvolver-se
e gerar diversos benefícios para a sociedade, como, por exemplo, a redução de
risco e a eficiência econômica alocativa nos investimentos, é fundamental que o
combate a esses participantes seja eficaz. Caso não seja, pode atrair todo tipo de
participante mal intencionado, tendo em vista o ganho potencial de dezenas ou de
centenas de bilhões de dólares. Afinal, qualquer atividade que propicie dinheiro
fácil e em grandes volumes poderá atrair todo tipo de gente com a intenção de
praticar crimes do colarinho branco. Vale lembrar que as operações nocivas que
mencionaremos nesta seção representam apenas um pequeno percentual em relação ao volume total de operações, embora os prejuízos sociais decorrentes de tais
operações tenham o potencial de alcançar cifras gigantescas.
• Manipuladores – alteram artificialmente o preço de um ativo com o
objetivo de auferir lucro com a variação de preço. Isto só é possível quando um
participante (ou grupo de participantes) do mercado tem força suficiente para tal.
Outra forma de manipulação é a divulgação de notícias falsas ou a contratação de
Capítulo 1
Aspectos Gerais
17
analistas para emitirem propositalmente más opiniões ou maus conselhos a respeito
de algum ativo-objeto, como por exemplo, ações de uma companhia. Neste caso,
os participantes poderiam ser induzidos a efetuar operações incorretas por estarem
baseados em informações ou opiniões falsas. É possível ainda a combinação das
duas estratégias. Poder-se-ia plantar alguma notícia ou opinião positiva a respeito
de uma empresa em jornal de grande circulação ou de negócios e, no pregão do
mesmo dia os manipuladores executariam, de forma articulada, grandes ordens de
compra no mercado à vista, com o propósito de ganhar grandes somas em posições
compradas em opções de compra. A manipulação de preços é mais fácil de ser
praticada nos mercados de telefone (as contrapartes sabem com quem estão operando e podem acertar todas as características de eventual estratégia de manipulação)
e/ou nos mercados de baixa liqüidez e é altamente nociva ao bom funcionamento
dos mercados (em se tratando de mercados de pregão, os manipuladores necessitam traçar táticas de manipulação, além das estratégias). Por exemplo, vamos admitir que em um país no qual seja adotado o sistema de balcão não-organizado para
a realização das operações de câmbio (mercado de telefone), um grupo de participantes que seja credor em determinada moeda externa decida manipular o mercado elevando as cotações da moeda externa artificialmente. Eles poderiam traçar
estratégias de manipulação, nas quais os participantes ao longo de um período
transacionariam grandes volumes da moeda externa entre si, a taxas artificialmente
elevadas, de modo que não houvesse qualquer resultado líquido para os
manipuladores. Ao final de cada dia, quando a câmara de liquidação e de custódia,
na qual as operações fossem registradas, calculasse e divulgasse as cotações médias
(ponderadas pelos volumes) da moeda externa, elas estariam artificialmente elevadas. Com a manipulação os credores obteriam grandes ganhos e os devedores da
moeda externa sofreriam pesados prejuízos. O custo social da manipulação seria
particularmente elevado se o governo (ou seja, a sociedade) fosse devedor na moeda
externa (em decorrência da emissão de títulos indexados à cotação da moeda externa ou de ter operado em derivativos, assumindo posições passivas na moeda externa) e se grandes empresas (às vezes de um mesmo setor) quebrassem. Há também o
risco da alta artificial da moeda externa exercer fortes pressões inflacionárias sobre
as economias, pondo a perder anos de sacrifícios sofridos pelas populações (principalmente pelas parcelas mais pobres) em decorrência de duros planos de estabilização. Talvez as sociedades pudessem discutir se o risco de haver manipulações seria
reduzido caso as câmaras de liquidação e de custódia, dos diversos ativos, efetuassem críticas às operações cujos preços ou taxas se situassem fora de determinados
intervalos, se emitissem boletins diários de informações (nos moldes dos emitidos
pelas bolsas) e se expurgassem do cálculo das taxas ou dos preços médios diários,
um determinado percentual das operações efetuadas às maiores e às menores cotações. Em operações realizadas em ambiente de pregão com alta liquidez, as manipulações tornam-se mais difíceis (embora também possíveis) dado que os
manipuladores não sabem com quem estão operando. É de fundamental importância para a credibilidade e o desenvolvimento dos mercados de capitais, que os
Bancos Centrais, as Comissões de Valores Mobiliários e os demais órgãos de fisca-
18
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
lização (por vezes até órgãos policiais e de investigação têm que ser envolvidos,
para que a eventual atuação de quadrilhas, que podem ter ramificações em diversos
setores, seja estancada) tenham atitudes preventivas e enérgicas contra os
manipuladores, para eliminar ou reduzir suas atividades ao máximo. No caso do
Brasil, segundo o artigo 27-C da Lei n°° 10.303, de 31/10/01, as manipulações são
consideradas crimes e os manipuladores podem sofrer penalidades de 1 a 8 anos de
reclusão, além de multa de até 3 vezes o montante da vantagem ilícita obtida em
decorrência do crime.
Vale mencionar que, ao operarem em mercado derivativos, os Tesouros ou os
Bancos Centrais dos diversos países quebram os equilíbrios previamente existentes
entre os participantes da iniciativa privada que têm a ganhar e os que têm a perder
com a alta ou com a baixa do ativo-objeto. Por exemplo, se um governo decide
vender uma moeda externa no mercado futuro ou assumir posições no mercado de
swaps tendo a moeda externa como variável passiva, passa a existir o risco moral
dos comprados (que passam a ser em maior número do que os vendidos da iniciativa
privada) manipularem a cotação da moeda externa para cima.
É importante lembrar que não se podem considerar como manipulação ações
com o objetivo de regular preços ou taxas, por parte de órgãos do governo, tais
como o Banco Central ou a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), na
medida em que, nestes casos, não há o objetivo de auferir lucro, mas sim o de
praticar política econômica que se julga ser de interesse do país.
Por exemplo, quando um Banco Central atua para impedir a prática de manipulação nas taxas de câmbio de determinado país, ele não estará manipulando a taxa de
câmbio e nem esta estará sofrendo a chamada “flutuação suja” (dirt floating - trata-se de
termo pejorativo, talvez plantado para enfraquecer o argumento dos que sejam favoráveis a ações defensivas pelos bancos centrais e atender aos interesses de manipuladores
privados). Neste caso, o Banco Central estará, na realidade, atuando para não permitir
a ocorrência do crime de manipulação. Um fato curioso, que vale citar, é que frequentemente é anunciado na imprensa a existência de determinada oscilação de preços devido à chamada “briga entre comprados e vendidos”, principalmente em datas de vencimentos de certos contratos. A imprensa deveria ter alguma cautela, pois isto equivale a
admitir a existência de manipuladores tentando forçar os preços para cima (comprados)
e de outros para baixo (vendidos), ou seja, tentando ser price makers. Em outras palavras, isto equivale a anunciar, sem nenhum constrangimento, a existência da prática
corriqueira e contumaz do crime de manipulação, como se fosse algo muito natural.
• Insiders Trading – são os participantes que dispõem de informações
privilegiadas (inside information) e que operam nos ativos-objeto ou nos mercados
derivativos antes que a informação se torne pública. Por exemplo, se os insiders
dispõem de informações privilegiadas de que uma companhia fechou um excelente
contrato comercial ou de que apurou um ótimo lucro ou, ainda, de que a companhia
irá efetuar oferta pública para comprar as ações que estão em poder do público a um
preço elevado, eles podem comprar ações da companhia ou assumir posições compradas em mercados derivativos que propiciem lucro com a alta dos preços das
Capítulo 1
Aspectos Gerais
19
ações. Por outro lado, quando os insiders dispõem de informações privilegiadas a
respeito de fatos relevantes que propiciem tendências de queda dos preços ao se
tornarem públicos, eles podem se antecipar vendendo ações ou assumindo posições
vendidas em mercados derivativos que propiciem lucro com a queda dos preços das
ações. Em ambas as situações descritas, os insiders obterão lucro quando as informações relevantes se tornarem públicas, por terem se antecipado aos demais participantes. Podem ocorrer situações em que jornalistas publicam dados, privados ou
governamentais, sigilosos e que não deveriam ser divulgados, mas eles estão protegidos pelo sigilo da fonte. Entretanto, se os jornalistas tiveram acesso a informações
privilegiadas é porque alguém as repassou indevidamente (não se pode afastar a
possibilidade de venda das informações) e outros participantes também podem ter
tido acesso às informações e ter tirado proveito. Outra possibilidade é a de ter havido
espionagem, mas, nesse caso, haveria crime. No caso do mercado de valores mobiliários brasileiro, a instrução n° 358 (vigente em 2004) da CVM obriga as companhias
abertas a publicar os fatos relevantes em jornal de grande circulação e/ou a comunicálos às bolsas de valores e à CVM para que essas instituições os tornem disponíveis aos
participantes do mercado em tempo real. Também podem ocorrer situações de inside
trading em derivativos de outros ativos-objeto. Em mercados sem a existência de informações privilegiadas, seria de se esperar a existência de inúmeros ex-operadores de
bancos que teriam passado a operar por conta própria e, desse modo, estariam ganhando dinheiro para si próprios. Por outro lado, se há muito mais informações relevantes
para os que especulam a partir de mesas de operações de grandes bancos, dificilmente os operadores deixarão os bancos e passarão a operar por conta própria, pois
eles saberão que não terão muitas chances contando apenas com as informações
divulgadas pelas televisões, jornais ou internet. Da mesma forma que as operações
de manipulação, as operações de inside trading também são altamente maléficas ao
mercado e à sociedade. No caso do Brasil, segundo o artigo 27-D da Lei n°° 10.303/
01, as utilizações de informações privilegiadas são consideradas crimes e os insiders
podem sofrer penalidades de 1 a 5 cinco anos de reclusão, além de multa de até 3
vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
• Maus Especuladores – são aqueles que assumem posições demasiadamente arriscadas comparativamente aos seus patrimônios ou que, mesmo tendo
patrimônios elevados, operam grandes volumes sistematicamente15. No primeiro
caso, os especuladores são altamente maléficos à sociedade, pois, além de estarem
sujeitos à perda do capital próprio, podem gerar prejuízos a outros agentes econômicos. Em algumas situações, pode ocorrer um efeito de quebras em cadeia de
diversas instituições (efeito dominó) o que pode colocar todo o sistema financeiro
em risco (risco sistêmico)16 e fazer com que os Bancos Centrais e bancos públicos
15 Também poderiam ser considerados maléficos os especuladores que na maior parte das
vezes compram na alta e vendem na baixa, na medida em que contribuem para o aumento
das oscilações (são pró cíclicos), mas eles não necessitam ser combatidos, dado que as suas
contas bancárias não são ilimitadas. Lembramos, contudo, que esses especuladores não
devem ser confundidos com os fabricantes de resultados, que veremos ainda nesta seção.
16 No capítulo 11, apresentaremos os diversos conceitos de risco e mostraremos a
importância de mensurá-los e controlá-los.
20
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
de fomento decidam, discricionariamente, injetar recursos públicos para evitar a
“quebra” de bancos ou de empresas sistemicamente importantes. Quando os Bancos Centrais ou bancos públicos de fomento avaliarem a possibilidade de injetar
recursos públicos em algum banco ou empresa é de fundamental importância que a
instituição tenha sido fiscalizada por órgão público, para impedir que os recursos
públicos sejam utilizados para evitar a quebra de uma instituição cuja causa verdadeira de sua dificuldade financeira tenha sido, por exemplo, o desvio de recursos
por parte dos seus administradores. Quanto à segunda categoria de maus
especuladores, é importante que as sociedades estejam atentas ao fato de que os
efeitos das ações de grandes especuladores sobre as economias podem ser catastróficos. Os Bancos Centrais, as Comissões de Valores Mobiliários e demais órgãos de
fiscalização têm a obrigação de agir energicamente (por vezes têm que assumir o
papel de xerife) para defender as suas sociedades e economias de grandes ataques
especulativos ou da ação de manipuladores, dado que alguns grandes especuladores
podem ter interesse na não-existência de estabilidade duradoura das economias, na
medida em que é nas grandes turbulências que eles têm maiores probabilidades de
ganhar grandes somas de dinheiro. Desse modo, pode-se perceber que há o risco
moral (moral hazard) de que alguns dos grandes especuladores, que têm muito a
ganhar na variação de taxas em um sentido ou em outro, se tornem manipuladores
ou insiders trading, ou seja, tentem obter e utilizar informações privilegiadas para
ganhar dinheiro. Os grandes especuladores, juntamente com os manipuladores,
representam grandes entraves aos países que buscam a estabilidade e a redução da
concentração indevida de renda e isto demandará ações defensivas e integradas de
vários órgãos e segmentos das sociedades. Uma possível medida de desestímulo
seria a tributação com alíquotas progressivas, dos ganhos obtidos, inclusive para
instituições financeiras, que, geralmente se utilizam de recursos de terceiros (de
seus clientes) para efetuar grandes especulações ou manipulações. Há até os que
defendem que não deveria ser papel de bancos comerciais especular em nome
próprio, até porque seus poderes de especulação são muito maiores do que os das
empresas, inclusive devido à possibilidade de utilizarem muitos recursos de clientes em suas estratégias e táticas de grandes especulações. Na prática, grandes
especuladores e manipuladores acabam se tornando “condutores de manadas” e
suas formas de atuação são muito difíceis de serem previstas, dado que, no curto
prazo, eles frequentemente utilizam o elemento surpresa, fazendo, por exemplo,
com que os preços das ações de empresas caiam quando são anunciados lucros
recordes e acima do esperado, e que subam quando más notícias surjam.
Não se deve perder de vista a idéia de que a função precípua dos derivativos
é a de servir como instrumentos de hedge para os agentes econômicos que produzem ou que consomem e não a de servir como instrumentos de especulação. Conforme já dissemos, as especulações podem ser admitidas em pequenos volumes,
mas, se for constatado que em determinados mercados os volumes operados com
objetivos de especulação superam os volumes destinados a hedge, estes mercados
estarão desvirtuados e os bancos centrais, CVMs e demais órgãos fiscalizadores
deverão agir com rigor antes que sérios problemas, que podem envolver todo o
Capítulo 1
Aspectos Gerais
21
sistema financeiro e, consequentemente, toda a economia, ocorram. Consideramos
que bancos, outras instituições financeiras ou consultores econômicos que, com
objetivos de ganhar comissões, assediem ou tentem “seduzir” dirigentes de empresas a realizar operações de especulação com promessas de lucros fáceis, sem entretanto alertar para os verdadeiros riscos envolvidos, estarão prestando enorme
desserviços às empresas (e às sociedades), possivelmente sendo corresponsáveis pela
quebra de algumas delas. Um ponto que auxiliaria na separação entre as operações
de especulação das operações de hedge, seria exigir (sob pena de punição) a segregação contábil de ambas, inclusive para que se possa saber qual o tamanho dos lucros
ou dos prejuízos decorrentes das especulações. Até organismos com atuações
multinacionais, como a Organização Internacional de Polícia Criminal - Interpol, a
ONU, o Banco Mundial e o FMI poderiam contribuir para a boa saúde dos sistemas
financeiros e das economias. Por exemplo, essas agências poderiam combater a
existência de paraísos fiscais, que concorrem para a prática de golpes e de corrupções
de grande vulto, na medida em que contribuem com a impunidade. O próprio nome
“paraísos fiscais” pode ser visto como eufemismo, pois sugere que tais países sejam
úteis apenas para os que querem pagar poucos impostos. Na realidade, são também
paraísos para os que praticam corrupções e crimes organizados, que podem envolver muitos bilhões, ou até mesmo trilhões de dólares segundo algumas estimativas.
Para se ter idéia dessa contribuição, as leis desses países chegam ao ponto de proibir
que os bancos ali situados forneçam informações de seus clientes, ainda que as
informações sejam solicitadas por órgãos oficiais de outros pases, independentemente de quais sejam suas atividades (eventualmente alguns clientes podem se utilizar de tais contas para lavarem dinheiro proveniente de crime organizado). Vale
citar que há contradição gritante entre a tendência que se observa mundialmente em
ampliar e aperfeiçoar o acompanhamento e o monitoramento das atividades dos
cidadãos comuns, e a liberdade quase ilimitada admitida aos que têm recursos e
intenções de movimentarem dinheiro nos paraísos fiscais. É curioso observar como
é freqüente haver analistas e comentaristas que criticam a existência de micro e de
pequenas empresas atuando na informalidade e deixando de pagar impostos. Certamente a formalização é benéfica, embora deva haver bom senso para que não se
imponha excessos de exigências que possam sufocar pequenas empresas que estejam
iniciando suas atividades. (no Brasil, um percentual significativo das pequenas empresas encerra suas atividades nos primeiros anos de existência). Contudo, não se
observa o mesmo ímpeto em efetuar críticas (que poderiam ser baseadas em estudos
aprofundados) à existência dos paraísos fiscais, ou, ainda, em criticar os governos
por não imporem punições e restrições às empresas e bancos que se utilizam de tais
países para sonegarem ou contribuírem para a sonegação de cifras gigantescas em
impostos (a imposição de tabus sobre certos temas em nada contribui para suas
compreensões e seus esclarecimentos). Pelo contrário, o que se verifica, é que quando órgãos gorvernamentais tentam impor algumas medidas restritivas, aparecem
inúmeros analistas (possivelmente contratados) criticando as atitudes policialescas
dos citados órgãos. É fato que em diversos países houve enorme concentração na
renda de empresas e de bancos nas últimas décadas, inclusive com a ocorrência de
22
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
inúmeras fusões e aquisições. O aumento na concentração em empresas pode gerar
tanto economias (quando se está na parte decrescente da curva de custo médio de
longo prazo) quanto deseconomias de escalas (quando se está na parte crescente da
curva), mas, com toda certeza, tendem a reduzir a competição, o que requer especial atenção dos órgãos responsáveis pelas autorizações, ou não, das fusões e aquisições. No caso de instituições financeiras, é necessário haver autorizações especiais
de órgãos governamentais, geralmente bancos centrais, para que uma nova instituição passe a operar e concorrer com as demais já existentes. Portanto, não basta que
os candidatos a donos de instituições financeiras tenham vontade e capital necessário, porque, como trabalharão principalmente com capitais de terceiros, têm que
cumprir exigências adicionais (que, naturalmente, devem ser imparcias e isentas de
pressões, tanto por parte dos candidatos, quanto dos diretores das intituições já
existentes), embora, se tais exigências forem excessivas, poderá haver baixa concorrência no setor financeiro.
• Fabricantes de Resultados – são os que utilizam os mercados derivativos para gerar lucros ou prejuízos de forma artificial. Essas operações são motivadas
pelo fato de haver participantes interessados em ter prejuízos e participantes interessados em auferir lucros. É comum que as contrapartes interessadas combinem antecipadamente as características (como preços e quantidades) das operações que irão gerar
os lucros e os prejuízos combinados e, posteriormente, executem as operações em
mercado, tomando todos os cuidados necessários para que as operações pareçam usuais. Nos casos em que as operações são previamente combinadas, é possível que elas
envolvam ativos ou derivativos de baixa liquidez e/ou de difícil precificação, na medida em que, nestas situações, há liberdade para a escolha de preços com disparidades
razoáveis e que propiciarão os resultados desejados, embora também possam ser
utilizados ativos ou derivativos de alta liquidez. As operações de fabricação de resultados podem atender a diversos objetivos nocivos, como lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos ou privados ou operações fiscais, sendo portanto, altamente
maléficas para a sociedade. A seguir, apresentaremos um exemplo em que a fabricação de resultados será utilizada para atender aos objetivos fiscais dos participantes.
Exemplo 1.2 – Um participante A está com um lucro acumulado de US$
1.000.000 e tem interesse em ter prejuízo para anular o lucro acumulado e, conseqüentemente, deixar de pagar impostos que incidem sobre o lucro. Outro participante B tem prejuízo acumulado de US$ 1.000.000 e concorda em ter lucro de
igual valor desde que a contrapartida que ele tenha que pagar para A seja inferior a
US$ 1.000.000. Vamos admitir que, após negociarem, eles cheguem a um acordo
em que o deságio da contrapartida que B deverá pagar para A seja de 10%. O
planejamento das operações que propiciarão os resultados desejados permite a escolha de uma quantidade ilimitada de prazos, de formas e de complexidade das operações. A escolha de operações complexas, que podem envolver diversas instituições,
inclusive no exterior, justifica-se apenas pelo fato de possibilitar a dissimulação dos
verdadeiros objetivos, ou seja, por dificultar os seus rastreamentos e os seus
Capítulo 1
Aspectos Gerais
23
enquadramentos como operações irregulares ou ilícitas, tanto por parte dos órgãos
de fiscalização, quanto do poder judiciário. Vamos admitir que os planejadores das
operações optem por operações simples, como mostrado a seguir:
Resposta - A vende uma determinada quantidade de ativos por US$ 500.000
abaixo do valor verdadeiro para B, que o revende em mercado pelo valor real e,
desse modo, obtém lucro de US$ 500.000. Alguns dias depois, B vende outros
ativos por US$ 500.000 acima do valor verdadeiro para A, que os revende em
mercado pelo valor real e, desse modo, obtém prejuízo de US$ 500.000. Ao final
das operações, B terá recebido de A um valor líquido em reais correspondente a
US$ 1 milhão. Por outro lado, B transfere US$ 900.000 de uma conta bancária
que mantenha no exterior para outra conta bancária que A mantenha no exterior.
Admitindo uma carga fiscal de 25% , o participante A terá lucrado
(25% - 10%) x US$ 1 milhão que é igual a US$ 150.000 e o participante B terá lucrado
US$ 100.000. Freqüentemente esse tipo de operação é chamada de “esquenta/esfria”.
Desse modo, A terá “esfriado” US$ 1 milhão e B terá “esquentado” US$ 1 milhão.
• FRONT R UNERS - são os participantes que compram antecipadamente
ativos ou derivativos e os revendem para outros participantes, inclusive para as
entidades que têm propriedade coletiva (difusa), que aceitam comprá-los a preços
maiores e artificiais (previamente combinados). Possivelmente os compradores finais mantêm os ativos ou os derivativos por prazos razoáveis, com o propósito de
evitar o reconhecimento contábil de prejuízos (que ocorreriam se os ativos fossem
vendidos a preços de mercado). Dessa forma, os compradores finais estariam dissimulando os verdadeiros objetivos das operações, ao dificultar a caracterização de
gestão fraudulenta (crime previsto no art. 4° da Lei n° 7.492/86 - Lei do Colarinho
Branco - que prevê penas de reclusão de até 12 anos e multa). O front runing
também pode ocorrer na venda de ativos ou de derivativos, quando os front runers
poderiam comprá-los a preços inferiores (dos participantes que aceitassem vendêlos barato) e revendê-los a valores de mercado. É fácil perceber que quando há a
prática de front runing envolvendo entidades que tenham propriedade coletiva, há a
redução das rentabilidades dos cotistas ou dos participante das entidades. Essa é
uma das razões que justificam a necessidade de haver permanentes auditorias independentes e fiscalizações, por parte de órgãos governamentais, sobre as entidades
que têm propriedade coletiva. A idéia é a de que a ausência dos donos nas administrações, pode, em alguns casos, exigir maiores atenções. Muitos analistas consideram que as empresas de auditoria independentes devem ser contratadas por conselhos que representem os cotistas ou os participantes (ou seja, pelos donos das entidades de investimento coletivos), pois, caso fossem contratadas pelos próprios administradores das entidades de investimento coletivo, haveria o Risco Moral dos auditores eventualmente não apontarem todas as irregularidades cometidas pelos administradores, sob pena de terem seus contratos de prestação de serviços rescindidos.
Vale ressaltar que as operações de front runing são consideradas irregulares de acordo com a instrução CVM n° 8 (vigente em 2001), na medida em que os seus
24
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
implementadores estariam gerando condições artificiais de mercado. Também é importante ressaltar que a caracterização da prática de front runing se dá pela ocorrência de preços artificiais. Portanto, se alguns participantes conseguem comprar barato
e vender a preços de mercado (corretos) para entidades que têm propriedade coletiva, eles não estariam praticando front runing. Acredita-se que o estímulo à efetiva
participação das fundações de previdência e dos fundos de investimento nos leilões
de títulos públicos ou de derivativos dos bancos centrais tenderia a reduzir sensivelmente eventuais práticas de front runing no mercado de títulos públicos. Conforme
comentaremos na seção 1.7, em muitos países somente as instituições financeiras
têm participação efetiva nas licitações públicas dos bancos centrais, embora, legalmente, seja prevista a participação do público não-financeiro. Vale observar que as
práticas de front runing são facilitadas nos mercados de telefone e quando não há
fiscalização e controle sistemáticos, nos moldes da Instrução CVM n° 168, sobre
as operações ocorridas a preços atípicos.
• DRIBLADORES DE NORMAS - são os que se utilizam dos mercados derivativos para “driblar normas”, ou seja, para conseguir, em essência, o que os legisladores, julgando ser de interesse das sociedades, tentam evitar. Na seção 18.1.4 ilustramos como se pode utilizar os derivativos para, em essência, aplicar ou captar recursos em renda fixa, a taxas prefixadas, sem que se esteja, na forma, aplicando ou
captando em renda fixa. Com isso poder-se-ia estar driblando, por exemplo, tributos ou recolhimentos compulsórios que incidiriam sobre operações de renda fixa.
Independentemente de se concordar ou não com eventuais excessos de exigências
previstas nas normas, é importante estar atento ao fato de que este tipo de
descumprimento das normas tende a ser bastante concentrador de renda. Na prática, geralmente apenas os participantes com grandes quantias conseguem efetuá-los,
enquanto os pequenos e médios acabam arcando com os diversos custos previstos
nas normas, inclusive por desconhecerem as possibilidades de “driblar as normas”
por meio de operações em mercados derivativos, ou, ainda, por encontrarem dificuldades em conseguir interessados em realizar operações com volumes financeiros
reduzidos. Naturalmente há os participantes que, independentemente do porte, optam por não driblar as normas, mesmo conhecendo os mecanismos para tal.
No apêndice 1, comentaremos os objetivos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), que trata dos crimes de “lavagem” e da ocultação de bens,
direitos e valores. O COAF foi criado a partir da Lei n° 9.613 de 03/03/1998 (Lei da
Lavagem de Dinheiro), que prevê penas de reclusão de três a dez anos e multa para os
“lavadores”. No apêndice 12B falaremos a respeito de alguns dos crimes e das penalidades previstas na Lei n° 7.492, de 16/06//86 (Lei do Colarinho Branco).
1.5 MERCADOS FINANCEIROS EFICIENTES
Quando um mercado de capitais não sofre a ação dos participantes nocivos e
os seus participantes têm acesso a todas as informações relevantes, bem como são
Capítulo 1
25
Aspectos Gerais
habilitados a praticar todas as operações de compra e de venda previstas, o mercado
tenderá a ser eficiente. A conseqüência direta deste conceito é que as operações de
arbitragem (com lucro e sem risco) serão raras e, quando ocorrerem, os spreads
(diferença entre taxa de aplicação e taxa de captação) serão reduzidos.
Nesse contexto, os preços e taxas dos ativos passam a ser influenciados pelos
preços e taxas de vários outros ativos. De fato, se dois ativos, A e B, podem fazer
parte de uma arbitragem, o preço de A mudará quando o preço de B for alterado,
pois, caso isso não ocorra, haverá a possibilidade de arbitragem com os dois bens.
Esta é a base da teoria conhecida como Arbitrage Price Theory – APT (Teoria de
Arbitragem de Preços). De acordo com essa teoria, se os ativos A e B podem fazer
parte de uma arbitragem, quando o preço do ativo B estiver equilibrado, só haverá
um preço do Ativo A que não possibilitará arbitragem. Em decorrência disto, essa
teoria também é conhecida como Teoria do Preço Único.
Um bom exemplo desse tipo de relação é o atrelamento que existe entre o
preço do ouro no mercado interno e o preço do dólar. Se o preço do ouro no
mercado externo ficar constante, e o ouro no mercado interno subir mais (ou menos) do que o dólar, haverá a possibilidade de arbitragem. Até 1991, o Banco Central
controlava o preço do dólar paralelo por meio da venda do ouro no mercado interno.
A relação entre o preço do ouro no mercado interno e o preço do ouro no
mercado externo pode ser observada na seguinte equação de paridade:
p. interno de
um grama de
ouro em reais
=
taxa de câmbio x p. externo onça-troy de ouro em dólares
31,104
onde:
Taxa de câmbio = quantidade de reais necessária para comprar um dólar;
Onça-troy
= unidade de peso que tem 31,104 gramas e que é o padrão
para negociação no mercado internacional.
Partindo da hipótese de que o Banco Central (BACEN) é um price maker (faz
o preço) no mercado interno de ouro e um price taker (toma o preço como dado,
não sendo capaz de influenciar o preço de forma relevante) no mercado internacional de ouro, percebemos que, quando o BACEN reduz o preço do ouro no mercado
interno, e o ouro no mercado internacional permanece constante, a taxa de câmbio
terá que ser reduzida para manter a paridade (só haverá uma taxa de câmbio que não
possibilita arbitragem). Se a taxa de câmbio não cair, será possível montar operação
de arbitragem, comprando ouro no mercado interno, vendendo ouro no mercado
externo e câmbio no mercado interno, conforme vimos no exemplo 1.2.
1.6
FUNÇÃO ECONÔMICA
DOS
BANCOS
Antes de iniciarmos o estudo dos mercados derivativos e de sua utilidade
para uma economia, é de fundamental importância a compreensão do papel desempenhado pelos bancos nas atividades econômicas dos diversos países.
26
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
Por que um país necessita de bancos? Seria possível empresas e indivíduos emprestarem e captarem recursos, diretamente entre si, sem a intermediação bancária?
Vejamos um exemplo. Um indivíduo A deseja aplicar recursos excedentes
por determinado período de tempo e obter uma remuneração por sua aplicação.
Chamaremos esse indivíduo de Unidade Econômica Superavitária A – USA. Simultaneamente, uma empresa necessita captar recursos temporariamente para cobrir
seu déficit de caixa temporário. Essa empresa será uma Unidade Econômica Deficitária A – UDA.
Pergunta: Sem levar em consideração possíveis restrições legais à atividade
de empréstimos entre pessoas físicas ou jurídicas não-financeiras, por que não poderia a USA emprestar os recursos diretamente à UDA?
Resposta: Porque, na prática, seria extremamente improvável que houvesse uma perfeita coincidência de interesses entre a USA e a UDA. Dificilmente a
USA estaria interessada em emprestar o mesmo volume, e pelo mesmo prazo, que a
UDA necessitaria captar. Além disso, a USA provavelmente não estaria disposta a
correr o risco de crédito (risco de não receber os recursos emprestados) da UDA. De
fato, um banco tem maiores condições de avaliar o risco de crédito de um candidato
a tomar recursos emprestados, por meio do seu departamento de crédito, do que
uma empresa ou uma pessoa física.
A seguir sintetizamos as vantagens de se realizarem empréstimos por meio de
bancos comparativamente aos empréstimos diretos.
Empréstimo Direto
➢ Problemas:
• provável incompatibilidade de volume e de prazo;
• risco de crédito elevado para quem empresta.
UDA
USA
Empréstimo Intermediado
➢ Vantagens:
• transformação de prazo e de volume, facilitando o empréstimo para o
tomador e para o emprestador;
• risco de crédito reduzido para quem empresta.
Capítulo 1
27
Aspectos Gerais
➢ Custo:
• o banco ficará com parte da remuneração do aplicador e/ou aumentará o
custo de captação do tomador do empréstimo. A diferença entre as taxas de captação e de aplicação é conhecida como spread bancário.
USA
UDA
UDB
B
a
n
c
o
s
UDC
USB
USC
Em síntese, as instituições financeiras têm as seguintes funções econômicas a
desempenhar em uma economia:
➢ Funções Tradicionais:
• transformar volumes;
• transformar prazos;
• transformar riscos de crédito.
➢ Outras Funções:
• estruturar e dar liquidez a operações que propiciam hedge às empresas
ou às pessoas físicas;
• custodiar e ser depositário de papel-moeda, ações e outros valores;
• prestar serviços de compensação de cheques;
• realizar cobranças bancárias;
• transferir recursos (inclusive para outros países);
17
• realizar câmbio de moedas estrangeiras; e outras .
➢ Alguns Desvios
• Prestar Consultoria sobre Lavagem de Dinheiro, ou Efetuá-la;
17 A atividade bancária gera a multiplicação dos meios de pagamento por intermédio do empréstimo de recursos depositados à vista por seus clientes. Veja análise
sobre multiplicador bancário em livros de economia monetária.
28
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
• Arbitrar, Efetuar Grandes Especulações e Manipular Mercados com dinheiro
de clientes, o que amplifica muito seus poderes de fogo em relação a empresas.
Vale citar que originalmente o inciso I do artigo 192 da Constituição Federal
brasileira vedava às instituições financeiras a participação em atividades distintas
daquelas previstas no caput do artigo (guardava sintonia com o princípio de direito
público, onde tudo aquilo que não é permitido é proibido. Este princípio geralmente é utilizado nas atividades em que as instituições dependem de concessão
governamental para funcionarem. Por exemplo, os bancos não poderiam efetuar
grandes especulações em nome próprio, utilizando dinheiro dos clientes.), mas foi
revogado pela Emenda Constitucional 40 de 2003.
Tem sido bastante expressiva a participação de bancos como administradores de fundos de investimento e de recursos de terceiros, embora essa não seja
uma atividade exclusivamente bancária, podendo ser praticada por outras instituições. No Brasil a CVM é o órgão responsável pela autorização ao exercício da
atividade de administração de fundos de investimento.
Também se observa que os bancos costumam efetuar grandes especulações
em alguns mercados como os de juros, de câmbio e de ações, inclusive em seus
derivativos, embora tal prática seja bastante criticada por muitos economistas. Além
de incrementarem enormemente os riscos dos bancos (e consequentemente de seus
depositantes e credores) as especulações tendem a desvirtuar as participações dos
bancos no funcionamento das economias, além de não fazer parte das atividades
normalmente previstas.
Na realidade, os principais parâmetros para avaliar se os bancos comerciais
estão conseguindo cumprir suas funções econômicas são os volumes de captações e de
empréstimos e financiamentos que eles efetuam. Por outro lado, a amplitude do spread
bancário tem relação inversa com a competitividade e a eficiência do sistema bancário.
Quando o spread bancário praticado em determinado país é muito elevado,
mesmo que o Banco Central do país reduza as taxas de juros praticadas em suas
operações a níveis irrisórios (próximos de zero), as taxas de juros cobradas, pelos
bancos comerciais e de investimentos, dos tomadores de empréstimos e de financiamentos permanecerão excessivamente elevadas. Desse modo, não será possível
aos investidores captarem recursos para investir, na medida em que as taxas internas de retorno (esperadas) dos investimentos não serão suficientemente elevadas
para pagar as taxas excessivamente altas que lhes são cobradas pelos bancos que
oferecem os empréstimos e financiamentos.
Para reduzir as conseqüências negativas de spreads bancários elevados sobre os níveis de investimentos, os governos de alguns países fornecem crédito de
prazos longos e a taxas de juros reduzidas (subsidiadas) para empresas que queiram investir, a partir de bancos ou de agências governamentais de desenvolvimento. Portanto, os governos tentam reduzir os danos causados às economias dos
Capítulo 1
Aspectos Gerais
29
países, pela escassez de oferta de créditos de longo prazo e a taxas de juros razoáveis por parte dos bancos privados. Nestes casos, é de fundamental importância
que os créditos concedidos pelos governos sejam pulverizados entre os investidores das diversas camadas sociais, para que se evite aumento na concentração de
renda, da mesma forma que os créditos agrícolas concedidos por bancos ou agências governamentais a taxas de juros subsidiadas também devem ser concedidos
aos agricultores das diversas camadas sociais.
É de fundamental importância que os países tenham a relação
Crédito/PIB (Produto Interno Bruto) elevada e que os bancos não
pratiquem spreads bancários excessivamente altos, para que, de fato,
exerçam suas funções econômicas e, desse modo, possam contribuir
para o desenvolvimento econômico e social dos países18. Deve-se
lembrar, entretanto, que os créditos devem ser concedidos de forma
criteriosa e que os créditos destinados aos investimentos geram
contribuições bem maiores ao desenvolvimento do que aqueles
destinados ao consumo, que, se excessivos, podem ser danosos.
Quando bancos ou administradoras de cartões de crédito assediam potenciais clientes, inclusive com telemarketing, para que adquiram cartões de crédito,
que, para muitas pessoas, pode representar um convite ao endividamento excessivo,
sem entretanto alertar para os verdadeiros custos e elevadas taxas de juros envolvidas, também estarão prestando enorme desserviços às pessoas (e às sociedades).
Deveria haver lei tipificando como crime a obtenção ou venda de dados cadastrais
por parte de instituições interessadas em captar clientes, inclusive histórico bancário, nome e telefone, sem prévia autorização dos cidadãos. As pessoas deveriam ter
o direito de decidir se querem ou não ser contatadas ou importunadas por empresas
de telemarketing e quando fossem importunadas sem a existência de autorização
prévia, poderiam processar as empresas de telemarketing por meio de rito sumário.
O simples fato das empresas conseguirem de forma corriqueira os dados dos clientes, explicita total falta de segurança dos dados e o quanto as pessoas estão expostas.
Além disso, por motivos óbvios, é fundamental que os dados referentes às senhas, às
18 Segundo diversos estudos, que podem ser encontrados facilmente na rede mundial de
computadores, a relação crédito/PIB no Brasil é bastante baixa, embora venha aumentando nos últimos anos, alcançando valores superiores a 35%. Segundo os mencioados
estudos, em grande parte dos países desenvolvidos a relação crédito/PIB situa-se acima
de 100%. Por sua vez, o spread bancário brasileiro é reconhecidamente elevadíssimo
quando comparado a outros países. Se o spread é muito elevado, pouco adianta a redução de juros por parte do governo. Já houve casos de spread do cheque especial ultrapassando 100% a.a., mesmo para tomadores de baixo risco, como funcionários públicos
estáveis e que recebam salários no próprio banco. Alguns analistas diriam que os clientes
que tivessem risco de crédito tão elevado a ponto de merecer spread tão gigantesco,
sequer deveriam receber cheques especiais, e sim terem contas comuns, ou, o que seria
ainda mais razoável, nem serem admitidos como clientes.
30
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
compras, locais frequentados e horários que frequentam, sejam muito bem guardados, para que não caiam em mãos erradas.
Quando os bancos não cumprem satisfatoriamente as suas funções econômicas, o desenvolvimento econômico e social dos países fica bastante prejudicado, na medida em que os projetos de investimentos, de grande e pequeno
portes, não obtêm financiamento, e isto impede o aumento da produção e a
criação de novos empregos.
Em países de elevada dívida pública interna (os governos são as grandes unidades econômicas deficitárias), os bancos concentram, freqüentemente, suas aplicações em títulos governamentais (que em tempos de normalidade são considerados de
baixo risco), em vez de conceder empréstimos ou financiamentos, já que, conforme
dissemos, dificilmente um projeto consegue ter retorno suficientemente elevado
para pagar taxas de financiamento muito altas. Nestes países também é freqüente
que os administradores dos fundos de investimento tendam a concentrar suas aplicações em títulos públicos. É claro que quando as principais fontes de receitas dos
bancos não são provenientes das suas atividades precípuas, há desvio de finalidade
nas atividades dos bancos. Conforme mencionaremos na seção a seguir, o incremento nas vendas de títulos públicos por parte dos governos diretamente ao público nãofinanceiro, poderia contribuir para o redirecionamento das atividades bancárias de
captar recursos e conceder créditos, fazendo com que os bancos passassem a ter
papel importante no desenvolvimento dos países.
1.7
O MERCADO DE CAPITAIS COMO ALTERNATIVA À INTERMEDIAÇÃO DOS BANCOS
Há situações em que as necessidades de captação e de aplicação de recursos
por parte dos agentes econômicos podem ser conciliadas sem a necessidade da participação dos bancos. Nestes casos o mercado de capitais exerce as funções econômicas de transformar prazos e volumes, bem como avalia os riscos de crédito dos
captadores. Para exemplificar a captação direta de recursos sem a necessidade de
intermediação bancária, consideraremos dois grupos de captadores finais: as Companhias Abertas e os Governos.
A principal vantagem de se utilizar o mercado de capitais para conciliar
a captação e a aplicação de recursos é a eliminação do spread bancário.
As companhias abertas possuem instrumentos que lhes permitem captar recursos diretamente do público não-bancário, como pessoas físicas, empresas, fundações de previdência e fundos de investimento. Os principais instrumentos são ações,
debêntures e notas promissórias (também conhecidas como commercial papers). As
Capítulo 1
Aspectos Gerais
31
ações são instrumentos de captação de recursos por prazo indeterminado, permitindo que o comprador se torne dono de parte da companhia. As debêntures geralmente são captações por prazos longos, podendo ser indexadas a índices de preços ou a
taxas de juros sendo, nestes casos, instrumentos de renda fixa. Há também debêntures conversíveis em ações, quando seus detentores têm a opção de trocá-las por
ações. Nestes casos, as debêntures passam a ser instrumentos de renda variável, na
medida em que têm opções de compra agregadas aos seus rendimentos.
É interessante observar que há grande volume captado pelas companhias
sob a forma de debêntures, mas devido ao fato de os títulos serem muito heterogêneos e em decorrência de não haver tradição de promover emissões pulverizadas
para pequenos e médios investidores (ainda que parcialmente), a liquidez geralmente é muito reduzida (os principais compradores tendem a ser as fundações
de previdência e os fundos de investimento que geralmente efetuam poucas negociações no mercado secundário). O principal obstáculo para a negociação
desses títulos por empresas, bancos e pessoas físicas é a dificuldade em calcular
os preços justos das debêntures, devido ao grande número de variáveis envolvidas. Alguns analistas acreditam que a emissão de debêntures mais homogêneas
(por exemplo, que rendessem taxa SELIC mais um bônus anual) aliada a uma
pulverização de parte da emissão em pequenos lotes, com o objetivo de atingir
um público mais amplo, permitiria o aumento da liquidez e, conseqüentemente,
aumentaria a demanda pela emissão primária de debêntures, propiciando o crescimento do mercado.
Acredita-se que haja uma demanda reprimida muito grande, por
parte dos investidores, por alternativas de investimentos diretos, sem
que haja necessidade da intermediação dos fundos de investimentos.
As notas promissórias são instrumentos captações, pelas empresas, por prazos mais curtos sendo instrumentos de renda fixa para os seus compradores.
Ao analisar o mercado de ações americano observa-se que há grande pulverização dos investimentos entre a população, sendo comum que as famílias invistam
parte das suas poupanças em ações para receber dividendos ao longo de muitos anos
(naturalmente, isto ocorre por ter se mostrado um bom negócio ao longo do tempo).
Quanto ao mercado brasileiro, o que se observa é que apenas uma pequena parcela
da população (mesmo tomando como base de cálculo somente a minoria que tem
condições de poupar) aplica recursos em ações e, muitas vezes, essas aplicações têm
caráter especulativo, na medida em que se busca a valorização das ações e não o
recebimento dos dividendos no longo prazo.
Há um movimento no mercado acionário brasileiro, conhecido como “novo
32
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
mercado”, que busca atrair uma parcela maior da população para aplicar em bolsas.
As companhias abertas que vierem a fazer parte do novo mercado terão regras mais
rígidas para os seus controladores, que visam, inclusive, dar maior proteção aos
acionistas minoritários, evitando que eles sejam prejudicados por eventuais decisões
arbitrárias dos acionistas controladores19.
Outro valor mobiliário com grande demanda reprimida são os
Certificados de Investimento Coletivos (CIC). Nesta modalidade
de captação pulverizada de poupança, os investimentos podem ser
alocados em projetos industriais, agroindustriais ou agropecuários.
Há interesse, no mercado de capitais, tanto por parte dos investidores, que
necessitam de outras alternativas de investimento, quanto dos captadores, que
preferem captação mais barata que a oferecida pelos bancos.
Pergunta: Por qual razão esses instrumentos de captação e de investimento não decolam e alavancam os desenvolvimentos dos países, já que há
grande demanda reprimida?
Resposta: A maior parte dos administradores de recursos acredita que
seja em decorrência do risco de crédito dos projetos e da existência de eventuais interesses contrários.
Segundo esses administradores de recursos, os potenciais investidores, baseados em experiências anteriores, temem não receber de volta os recursos aplicados, o
que ocorre quando é decretada a falência do projeto ou da companhia que administra
o projeto de investimento20. No Brasil há inúmeras experiências de investidores que
19 Duas das exigências para que uma companhia possa fazer parte do novo mercado nos níveis mais elevados (há três níveis de exigências previstos e é no terceiro
nível que são impostas as maiores) são que a companhia tenha apenas ações ordinárias e que tenha um percentual mínimo das ações negociadas em mercado
(percentual das ações negociadas em bolsa, cujo valor é conhecido como free
floating) de 25%. Os percentuais de free floating das companhias abertas brasileiras são muito baixos quando comparados aos percentuais das companhias abertas
americanas. Outra exigência do nível mais elevado é a de que as companhias adiram a juízos arbitrais que não pertençam ao poder judiciário. Desse modo, em caso
de litígio, as companhias se obrigam a acatar as decisões do juízo arbitral e, portanto, não podem recorrer à justiça comum. O objetivo é dar agilidade aos julgamentos. Em 2001, ainda não havia companhias classificadas no terceiro nível.
20 Outro risco existente é o de que os certificados sejam falsos. Portanto, sempre que
houver alguma dúvida quanto à licitude de algum título ou valor mobiliário, deve-se, previamente à sua negociação, recorrer aos órgãos competentes, como o Banco Central e a
CVM, para que estes atestem a legalidade do título. A emissão de títulos ou de certificados
falsos é crime previsto na Lei do Colarinho Branco, que será vista no apêndice 12B.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
33
perderam seus recursos, como os que investiram em empresas de consórcios, de fazendas de boi gordo e de avestruz (alguns desses investimentos contam com forte
apelo publicitário, inclusive com a participação de atores e atrizes de televisão).
Muitos investidores não se conformam em terem perdido suas economias e ninguém ter sido punido, mesmo nos casos em que as poupanças tiverem sido desviadas, pelos administradores, para paraísos fiscais. Alguns instrumentos disponíveis
para reduzir esses riscos de crédito são o oferecimento de garantias monetárias por
parte dos administradores (essas garantias seriam automaticamente utilizadas para
cobrir pelo ou menos parte dos prejuízos dos aplicadores, no caso de “quebra” do
projeto), a contratação de seguro, a ser utilizado na hipótese de “quebra” e, ainda, a
avaliação dos projetos por agências especializadas em classificar os seus riscos.
Também é indispensável que os órgãos responsáveis pela fiscalização dos
projetos (e dos bancos que captem recursos de terceiros) tenham grande credibilidade
perante os investidores; sejam bem aparelhados; tenham o respaldo de normas que
lhes permitam amplo poder de punição aos administradores que pratiquem gestão
fraudulenta ou gestão temerária (crimes previstos na Lei do Colarinho Branco - nº
7.492/86), inclusive por meio do desvio de recursos dos projetos (possivelmente
utilizando operações previamente combinadas e que propiciem a fabricação de
resultados); e possuam eficácia comprovada ao longo do tempo. Vale lembrar,
entretanto, que é possível que alguns administradores conquistem a confiança dos
investidores e invistam as poupanças coletivas captadas em projetos que tenham
elevadas rentabilidades e, com isso, efetivamente contribuam para o desenvolvimento e a melhoria do nível de emprego dos países.
Como é de amplo conhecimento, também há captação de recursos para a
aquisição de bens de consumo ou de imóveis sob a forma de consórcio. Estas
captações coletivas também estão sujeitas aos riscos de gestão fraudulenta e demais problemas citados.
Os órgãos de fiscalização também devem ter especial atenção para evitar eventuais atuações nocivas de participantes que não tenham interesse na concorrência gerada por esses mecanismos de captação direta e que possivelmente tenham atitudes no
sentido de dificultar ao máximo os seus desenvolvimentos. Talvez órgãos públicos
tenham que impor normas e regras que impeçam a sabotagem aos citados mecanismos.
O poder dos fiscalizados não pode superar o poder dos órgãos fiscalizadores
Captação Direta pelos Governos
Os governos também podem captar recursos diretamente do público, na medida em que os leilões (ofertas públicas) de títulos governamentais prevêem, geral-
34
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
mente por exigências legais, a participação do público em igualdade de condições
com os bancos e demais instituições financeiras (as pessoas físicas e jurídicas nãofinanceiras podem apregoar os mesmos títulos, com vencimentos e indexadores
iguais aos ofertados às instituições financeiras). Em geral, os países adotam os três
postulados básicos das licitações públicas (no Brasil destaca-se a Lei de Licitações nº 8.666/93, que, entretanto, admite a venda de títulos por parte de órgãos governamentais segundo legislação própria), a saber:
• a formalidade;
• a publicidade; e
• a isonomia - absoluta igualdade de condições entre os licitantes.
No Brasil a participação do público não-financeiro nos leilões primários e
secundários de títulos públicos não é comum e precisa ser efetuada por intermédio
de uma instituição financeira. Tecnicamente é possível a participação do público
não-financeiro nas ofertas públicas de compra e de venda de títulos utilizando-se
sistemas de licitação em tempo real. A título de exemplo, vale mencionar o sistema
de licitação do governo federal brasileiro, via internet, conhecido como
“comprasnet”, cujo endereço eletrônico é comprasnet.gov.br.
Outro exemplo é o da negociação em tempo real, utilizando-se o sistema
conhecido como home-broker (que já vem sendo utilizado com sucesso no mercado de ações), no qual as propostas de compra e de venda são efetuadas via
internet, a partir de limites previamente estabelecidos pelas corretoras aos seus
clientes (no apêndice 21 trataremos dessas possibilidades de negociação em maior
profundidade). Há países, entretanto, em que o público tem participação maior,
efetuando propostas de compra e de venda de títulos, inclusive por meio da
internet. Na realidade, o público não-financeiro deve dispor das duas alternativas a seguir mencionadas:
• comprar ou vender diretamente os títulos governamentais, seja no mercado primário, em que os Tesouros ou os Bancos Centrais efetuam licitações
públicas, seja no mercado secundário, onde o público compra e vende títulos que
já tenham sido emitidos previamente. Em ambos os casos, é de fundamental
importância que haja igualdade das condições oferecidas ao público não-financeiro em relação às condições oferecidas às instituições financeiras, até mesmo pelo
princípio da isonomia nas licitações públicas. A principal vantagem dessa alternativa, em relação à apresentada a seguir, é que não há custos referentes à cobrança de taxas de administração;
Capítulo 1
Aspectos Gerais
35
• comprar ou vender indiretamente os títulos governamentais, por meio
da compra ou venda de cotas de fundos de investimento em renda fixa em
cujos regulamentos esteja prevista a aplicação em títulos governamentais. Nesta alternativa podem haver maiores garantias de liquidez (embora a alternativa
anterior também possa dispor de grande liquidez quando os mercados de capitais são bem desenvolvidos), mas há custos referentes à cobrança de taxas de
administração.
É interessante observar que essas duas alternativas já são bastante difundidas
no mercado de ações. Para este mercado, o conhecimento dos administradores a
respeito das perspectivas de rentabilidade das diversas companhias pode ser
muito útil para os que não possuem conhecimento do mercado acionário. Entretanto, no caso das aplicações em títulos de renda fixa, não é necessário um
conhecimento tão amplo, na medida em que a variável-chave que influencia as
aplicações é a taxa de juro21. É importante, entretanto, ter o conhecimento dos
títulos existentes e dos seus indexadores (taxas de câmbio, índices de preços,
taxas de juros etc.), quando for o caso, para a escolha dos títulos e dos vencimentos mais adequados.
Para se ter uma idéia do quanto as duas alternativas podem diferir em termos
de rentabilidade, vamos admitir que um título público federal cambial com prazo
de cinco anos tenha sido vendido a uma taxa efetiva de 11,80% a.a. mais a variação do dólar. Alternativamente vamos admitir que um fundo remunere a variação do
dólar mais 4% a.a. de taxa efetiva e cobre 6% a.a. de taxa de administração.
Considerando que a taxa de variação do dólar se situe em 12% a.a., um aplicador
de recursos que dispusesse de R$ 100.000 teria (desconsiderando-se os impostos)
os seguintes valores ao final de cinco anos:
• comprando o título diretamente:
R$ 100.000 x (1+0,12)5 x (1+0,1180)5 = R$ 307.822
• aplicando no fundo:
R$ 100.000 x (1+0,12)5 x (1+0,04)5 x (1- 0,06)5 = R$ 157.361
Percebemos que a aplicação direta renderia quase 208% enquanto a aplicação indireta renderia pouco mais de 57%.
21 Na hipótese de fundos cambiais ou de títulos cambiais (por exemplo, Notas do Tesouro Nacional série D – NTN D – ou Notas do Banco Central série E – NBC E), deve-se
considerar também a variável taxa de câmbio R$/US$.
36
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
Admitindo que financiar o governo seja uma atividade rentável
e de baixo risco (o que é verdadeiro em tempos de normalidade),
parece bem interessante a idéia (defendida por muitos) de incentivar
as empresas e as pessoas físicas a comprarem os títulos
governamentais diretamente e em igualdade de condições com as
instituições financeiras, na medida em que isto aumentaria a
competição nos leilões de títulos públicos e estimularia a liquidez
desses títulos nos mercados secundários. Isto tenderia a reduzir o
custo de rolagem da dívida pública, o que certamente traria enormes
benefícios para todas as sociedades.
Conforme havíamos mencionado ao final da seção anterior, outro grande
benefício decorrente da compra e venda de títulos públicos por parte dos governos
ao público não-financeiro22 seria o de contribuir para que os bancos retornem às
suas atividades precípuas, que são as de captar e emprestar recursos ao público nãofinanceiro, dado que os ganhos dos bancos decorrentes da administração de recursos
tenderiam a sofrer fortes reduções. De fato, haveria tendência de grande parte dos
recursos aplicados pelo público não-financeiro migrarem das aplicações indiretas
em títulos públicos para as aplicações diretas.
Portanto, a compra e venda de títulos públicos por parte dos governos
ao público não-financeiro teria como externalidade positiva (efeito
colateral positivo) o incentivo para que os bancos retornem às suas
atividades tradicionais, de captar e emprestar recursos, acarretando
aumento da relação crédito/PIB dos países, o que certamente contribuiria
de forma decisiva para o aumento das suas taxas de desenvolvimento.
Outra vantagem decorrente do estímulo às compras diretas de títulos governamentais seria o aumento no leque de possibilidades dos que têm intenção de
efetuar poupanças de longo prazo, pensando, talvez, em suas aposentadorias ou
em outros projetos de longo prazo. Os potenciais aplicadores poderiam, por exemplo, comprar títulos governamentais de longo prazo, corrigidos por índices de
22 Se os governos facilitarem o acesso do público não-financeiro aos leilões de
títulos públicos, inclusive por meio da internet, e efetuarem maciças campanhas publicitárias nos meios de comunicação, a respeito das novas formas de acesso, ao
mesmo tempo em que for dado ao público não-financeiro (inclusive às entidades de
investimento coletivo) a oportunidade de comprar e vender em igualdade de condições com o público financeiro, é bastante provável que o público não-financeiro
venha a ter grande participação nos leilões dos governos e contribua de forma decisiva para o aumento da liquidez e a redução dos custos de rolagens das dívidas, o
que, conforme já dissemos, trará grandes benefícios às sociedades.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
37
preços (no Brasil há NTNs, que são corrigidas por diferentes índice de preços e
garantir aumento dos seus poderes de compra no longo prazo.
Como os governos costumam dar benefícios fiscais aos que aplicam no longo
prazo, por meio de fundos (ou fundações) de previdência complementar (privadas
ou públicas), é razoável admitir a existência de incentivos análogos (assim como
exigências análogas de prazos mínimos de permanência) aos que aplicassem em
títulos governamentais com objetivos de previdência.
Não se pode ignorar que a compra direta de títulos governamentais
de longo prazo com objetivos de previdência complementar possui
vantagem sobre a compra indireta, no tocante ao risco de crédito.
Infelizmente há exemplos de entidades de investimento coletivo
destinadas a complementar aposentadorias que “quebraram” e não
puderam pagar os benefícios previstos aos participantes. Seria trágico
para um participante, contribuir durante 30 anos e, quando estivesse
próximo de se aposentar, a entidade “quebrasse”. Eventualmente a
quebra poderia ser decorrente de desvio de recursos para paraísos
fiscais, o que caracterizaria a prática de gestão fraudulenta, que, no
caso do Brasil, é crime previsto no artigo 4° da Lei n° 7.492/86.
Vale observar que em grande parte dos países, a maior parte das dívidas
públicas são financiadas indiretamente pelo público não-financeiro, por meio dos
fundos de investimento ou de previdência complementar. Portanto, geralmente o
capital próprio das instituições financeiras contribui apenas com pequena parte dos
recursos que financiam os governos.
Por todo o exposto nesta seção, podem-se perceber que os mercados de capitais também cumprem as funções econômicas de transformar prazos e volumes dos
recursos, de forma análoga aos bancos. Nos exemplos de captação sem intermediação
bancária mencionados, os volumes dos recursos são transformados na medida em
que as captações são divididas entre diversos aplicadores. Os prazos também podem
ser transformados quando os títulos utilizados para as captações têm liquidez, o que
permite aos aplicadores de recursos venderem os títulos no mercado secundário,
antes de seus vencimentos, permitindo-lhes antecipar o recebimento dos recursos.
Lembramos, ainda, que um mercado de capitais competitivo e bem desenvolvido favorece um aumento da eficiência econômica alocativa de recursos (os
capitais tendem a ser alocados nas alternativas de investimento com maiores rentabilidades esperadas e menores riscos) como também constitui-se em um dos
principais canais para a geração da poupança e dos investimentos de longo prazo,
sendo, portanto, indispensável ao desenvolvimento sustentado de um país.
Vale observar que, na prática, a intermediação de recursos por meio dos merca-
38
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
dos de capitais tem como característica a utilização de títulos de captação emitidos
apenas pelos grandes e médios captadores. Os governos devem estar atentos a esta
constatação e, possivelmente, incentivar outras alternativas de crédito para os agentes
econômicos de menor porte, inclusive com o objetivo de evitar o aumento na concentração de renda. De fato, os governos devem ter como objetivo não apenas o crescimento econômico, mas, também, a melhoria na distribuição de renda de suas populações.
Nos últimos anos o que se tem observado no mundo empresarial é exatamente o oposto, ou seja, grande aumento na concentração de bancos e de empresas, sem
que os órgãos responsáveis pela manutenção da concorrência tenham impedido a
grande ocorrência de fusões e de aquisições.
Segundo a teoria econômica, os governos devem definir funções-objetivo a
serem maximizadas por meio de suas decisões e ações (condicionadas aos recursos
disponíveis, às leis e aos aspectos éticos). Como o objetivo é maximizar o bemestar esperado da sociedade, torna-se imperioso que os órgãos governamentais de
fiscalização e de justiça ajam de forma bastante organizada e integrada, defendam a
sociedade das ações dos participantes nocivos, cujos poderes podem ter muitas
ramificações, e, inclusive, porque os prejuízos causados por eles às sociedades
podem chegar a dezenas, ou mesmo centenas de bilhões de dólares.
1.8
FUNÇÃO ECONÔMICA
DOS
MERCADOS DERIVATIVOS
Os mercados derivativos são fundamentais para qualquer economia, na medida
em que podem ser aplicados, quando utilizados de forma responsável, como instrumento de hedge aos diversos agentes econômicos. Portanto, os agentes econômicos
podem utilizar os mercados derivativos para administrar os riscos de flutuações
indesejadas de preços. No caso das instituições financeiras, elas tanto poderão utilizar
os mercados derivativos para hedgear posições próprias, como, também, para propiciar hedge aos demais agentes econômicos.
Se uma empresa consegue trabalhar com menor risco, ela terá mais incentivo
para aumentar seus investimentos e, conseqüentemente, aumentar o seu nível de
produção e de empregos.
Em contrapartida, se a empresa tem que trabalhar em ambiente de alto risco,
ela reduzirá ou eliminará seus investimentos, reduzindo também o seu nível de
produção e de empregos.
Por exemplo, se uma empresa de transportes não tivesse alternativas para
fazer seguro dos veículos de transporte e das cargas transportadas, seria de se esperar
que ela exigisse maior rentabilidade esperada para realizar suas atividades, de modo
a compensar o maior risco a que estaria exposta.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
39
A conseqüência seria a realização dos serviços por preços maiores ou, se isto
não fosse possível, a redução ou interrupção de sua atividade. Em ambos os casos,
pode-se perceber que as conseqüências seriam altamente maléficas para as sociedades.
Da mesma forma que as seguradoras têm um papel fundamental a desempenhar, os derivativos também são indispensáveis para que a atividade econômica de
um país flua com mais segurança e, conseqüentemente, gere mais renda e bem-estar
social. Parece não haver dúvidas entre os economistas de que a grande instabilidade
nos diversos preços e taxas verificada nos últimos anos, em nível mundial, tem sido
desfavorável para as diversas economias.
Desse modo, o desenvolvimento dos mercados derivativos e a divulgação
entre os agentes econômicos dos benefícios que os mercados derivativos proporcionam quando são utilizados com objetivos de hedge parece ser de grande valia para o
desenvolvimento econômico sustentado das sociedades.
De fato, se os agentes econômicos aceitassem trabalhar com esperanças de
retorno razoáveis, porém com riscos reduzidos (os agentes econômicos teriam que
abrir mão da possibilidade de lucros extraordinários no curto prazo em troca da
eliminação da possibilidade de prejuízos), haveria tendência de os países crescerem
sem grandes sobressaltos e de forma equilibrada.
Em teoria, esta visão já estaria começando a ser aplicada pela maioria dos
países desenvolvidos que, desde 1998, deveriam estar controlando e impondo limites diários máximos de risco aos seus bancos. Possivelmente, no futuro próximo
também passará a haver controle de risco sobre as empresas consideradas estratégicas para os países, na medida em que, se essas empresas assumirem riscos excessivos e quebrarem, os países não poderão abrir mão de suas existências e possivelmente injetarão recursos públicos (diretamente ou por meio de financiamentos subsidiados) para evitar suas quebras (no apêndice 12B há a descrição do processo de
liquidação extrajudicial pelo Banco Central, Lei n° 6.024/74, e eventual posterior
decretação de falência pelo poder judiciário, Decreto-Lei n° 7.661/45, das instituições financeiras no Brasil).
Entretanto, de nada adianta a existência de controles previstos em
leis ou em normas infra legais, se as fiscalizações não forem efizazes
ou se os poderes de lobby dos fiscalizados forem muito superiores aos
poderes dos órgãos fiscalizadores. Nestes casos, as fiscalizações seriam neutralizadas e totalmente inócuas, e os derivativos em vez de
benéficos poderiam se tornar altamente maléficos às sociedades, trazendo contribuições não às reduções, mas, sim, às ampliações dos
riscos de bancos e de empresas.
40
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
Para ilustrar a assimetria de efeitos, do ponto de vista social, dos resultados
obtidos por agentes econômicos que não efetuam hedge e assumem posições excessivamente arriscadas, faremos a afirmativa a seguir.
Quando grandes instituições financeiras ou grandes empresas
assumem riscos excessivos e auferem ótimos lucros, elas usufruem dos
resultados sozinhas, mas, quando sofrem pesados prejuízos e quebram,
muitos agentes econômicos, ou mesmo toda a sociedade (quando recursos
públicos são envolvidos), pagam preços elevados junto com elas. Em
outras palavras, quando recursos públicos são envolvidos, ainda que
disfarçadamente sob a forma de empréstimos ou de sofisticadas
operações de engenharia financeira, frequentemente envolvendo
derivativos, haveria a tão citada, e criticada, “privatização dos lucros e
socialização dos prejuízos”. Esta atitude dos governos acaba por
incentivar administrações com excessos de riscos.
Até mesmo a prática de oferecer bônus a executivos de grandes bancos, empresas ou fundos tende a contribuir com administrações excessivamente arriscadas e
irresponsáveis. Se os executivos tiverem êxito receberão bônus milionários e, se
gerarem enormes prejuízos poderão perder seus empregos, mas eles provavelmente
utilizarão suas redes de contatos para, rapidamente, conseguirem outra colocação.
Não que seja ruim oferecer participações em resultados, mas esta prática jamais
poderá servir de incentivos ou desculpas a administrações irresponsáveis ou criminosas, inclusive com o envio irregular de recursos para paraísos fiscais.
Em muitas situações, quando recursos públicos são usados para ajudar grupos de cidadãos humildes ou programas sociais, aparecem inúmeros políticos de
oposição e economistas criticando tais ajudas e classificando-as como populistas e,
ainda, lembram o fato de que, em economia, deve-se administrar cobertores curtos.
Portanto os governos não deveriam ajudar este ou aquele grupo, pois teria que tirar
os recursos de outro lugar, o que certamente traria prejuízos para a sociedade como
um todo. Ocorre que no segundo semestre de 2008 o mundo assistiu a uma transferência de muitos trilhões de dólares, euros, libras, ienes e outras moedas para as
instituições financeiras, seguradoras, imobiliárias e outras grandes corporações das
principais economias capitalistas do mundo. É interessante observar como grande
parte dos comentaristas e economistas que têm acesso à mídia não lembraram dos
cobertores curtos ou das medidas populistas e simplesmente se limitaram em concordar com as ajudas, alegando que se elas não ocorressem os efeitos seriam ainda piores.
Estas constatações revelam que é mais difícil criticar ajudas a grupos que têm
poder de reação. Por conseguinte, passa a haver enormes incentivos em conquistar e
Capítulo 1
Aspectos Gerais
41
exibir grandes poderes de reação, pois estas serão as armas que lhes garantirão
perenidade no recebimento de dinheiro público. O controle de órgãos da imprensa
é fundamental, inclusive para não exibir opiniões de analistas que sejam contrárias
ao processo de transferência, e para dar enorme destaque às opiniões favoráveis.
Entretanto, acredita-se que grande parte dos problemas das instituições que
recebem ajuda é gerada por crimes financeiros e desrespeito a limites de riscos
(mostrando empiricamente que a auto-regulação não é suficiente para prevenir o
mercado de imprudências, excessos de riscos e ganância desenfreada) e muitos dos
principais acionistas e executivos tornam-se ainda mais ricos após a quebra das
instituições, possivelmente remetendo os recuros desviados das intituições ao longo
de muitos anos, a paraísos fiscais.
A maioria das grandes instituições vinha distribuindo dividendos e
bônus de bilhões de dólares, baseando-se em balanços fraudulentos e,
sem qualquer constrangimento, cria-se mais um tabu, qual seja, o de
não discutir com ampla publicidade a apuração dos fatos e a punição
aos culpados... e, simplesmente, não se fala mais nisso. Enquanto existirem os paraísos “fiscais” não acreditamos ser possível consertar os
maiores problemas financeiros do mundo e, consequentemente, muitos dos grandes problemas em geral23. A coexistência da absoluta
legalidade dos paraísos fiscais, muito úteis para criminosos de elevado
poder aquisitivo, e de Estados Policiais, que visem reprimir e oprimir
os cidadãos que se situem nos níveis médios e baixos das pirâmides
sociais, representa um insulto ao bom senso e visa garantir a distância
econômica e social entre as classes e entre os corruptos e os não corruptos, além de premiar os criminosos astutos, que alegam agir nas
brechas das leis, e perfeccionistas, que almejam longevidade.
23 Interessante observar como o tráfico de armas, exportadas principalmente pelos
países mais ricos, apesar de possivelmente movimentar cifras mais elevadas do que o
tráfico de drogas, que são exportadas principalmente pelos países periféricos, vem sendo
menos denunciado pela mídia (por exemplo, não é comum a citação de nomes de grandes
traficantes de armas que estejam sendo procurados), embora ambos sejam considerados
extremamente malignos pela grande maioria das pessoas, inclusive por haver forte correlação entre ambos os negócios. São os traficantes de armas que tornam os de drogas tão
perigosos. Não combater qualquer das modalidades de tráfico, e suas correspondentes
lavagens de dinheiro, frequentemente em paraísos fiscais, ou então legalizá-las, como
muitos advogam, com o propósito de reduzir os ganhos dos traficantes (entretanto, os
ganhos não deixariam de existir, mas simplesmente mudariam de mãos), seria como jogar
a toalha ou desistir de lutar contra uma doença mortal. Estar-se-ia permitindo que a
venda de armas e de drogas aumentassem sem qualquer resistência, ampliando o lucro
dos produtores, e que cada vez mais ocorressem suas consequências e efeitos malignos
sobre a vida de muitos, alguns irreversíveis, inclusive sobre pessoas de pouca idade, com
menos condições de se defender.
42
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
Devido a falta de punição passa a haver o risco moral de verificar-se confiança total por parte dos que pensem em efetuar fraudes no futuro. O presente ano de
2008 ficará marcado na história econômica mundial, dentre outros fatos, como o
ano em que os cofres públicos dos principais países capitalistas foram sugados com
o objetivo de transferir recursos (ainda que em algumas situações de forma camuflada via empréstimos subsidiados) principalmente para grandes corporações e seus
principais acionistas. Resta a pergunta: Quem pagará a conta ?
Embora com falta de transparências contábeis e trabalhando com excessos
de riscos, dificilmente os economistas e analistas que tiverem coragem de criticar
tal situação serão ouvidos enquanto os lucros estiverem ocorrendo. Enquanto as
atividades bancárias e empresariais, embora sujeitas a riscos excessivos caminharem
com relativamente poucos efeitos danosos, os dirigentes de órgãos públicos que
tentarem reverter tal situação, provavelmente serão substituídos. Seria como tentar
interromper uma festa que estivesse muito boa, onde muitos ganham enormes
cifras, mas sujeita a grandes riscos. Os que tentarem alertar para os riscos existentes,
que poderão tornar a festa ruim de uma hora para outra, tenderão a ser mal vistos
e classificados como inoportunos. Por outro lado, todos aqueles que utilizarem
seus poderes de argumentação (suas lábias) para vender a idéia de que a festa é
ótima e a de que não há razão para medos ou preocupações, serão muito bem
vindos e tenderão a obter ótimos empregos ou contratos.
Para se ter idéia do poder de influência que lucros potenciais de centenas de
bilhões de dólares podem ter sobre as sociedades, vale citar um caso real. Em 2000
uma lei do senador americano (do Texas) Phil Gramm, conhecida como Lei de
Modernização dos Serviços Financeiros, impôs enormes limites à atuação de fiscais do
sistema financeiro americano sobre as instituições que operam em mercados derivativos
daquele país, inclusive sobre as fiscalizações dos chamados credit swaps que, segundo
muitos analistas, turbinaram o crescimento irresponsável, implementado por dirigentes
de bancos, no mínimo irresponsáveis, de instrumentos como hipotecas de alto risco
(mais conhecidas como sub-prime). Difícil acreditar que dirigentes experientes de grandes
bancos tenham sido tão ingênuos e imprudentes por tanto tempo, a ponto de conceder
empréstimos e financiamentos imobiliários sem as garantias adequadas.
É fato que os opositores do Phil Gramm24 foram derrotados e não puderam
prestar o enorme serviço de livrar os cidadãos comuns da crise financeira americana
que se verifica em 2008 (ou pelo ou menos reduzir os efeitos sobre eles). Também
foram derrotados os opositores de legisladores ou lobistas que, no passado, contribuíram
para a desregulamentação irresponsável (certamente há situações em que a
desregulamentação é benéfica, inclusive quando se refere a pequenos empreendedores)
24 Posteriormente se tornou dirigente de grande banco internacional, com atuação em
diversos países, assim como renomado palestrante na área financeira, inclusive no Brasil. Ele
também esteve cotado para ser chefe do tesouro americano.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
43
e o colapso de certos mercados, como, nos Estados Unidos, o de empresas de poupança
e empréstimos, nos anos 80 (o presidente americano Ronald Reagan costumava
dizer que o governo era o problema e não a solução) ou o de derivativos de energia
no início dos anos 2000. Este último contribuiu para a quebra da mega empresa
texana de energia Enron, havendo, inclusive, interessante filme a respeito.
Em todas essas crises financeiras constata-se algo em comum: cifras
colossais mudam de mãos – transitam das mãos dos cidadãos comuns
para as mãos daqueles que causaram ou contribuíram para que a crise
ocorresse.
Pode-se realizar um exercício de imaginar um ciclo recorrente de decisões
e ações dos controladores de algumas das grandes corporações, com objetivos de
auferir enormes lucros com baixíssimas probabilidades de insucesso, como o
mostrado a seguir:
Os controladores de algumas das grandes corporações se organizam e usam
suas influências político-econômicas (exercem seus poderes de lobby) para conseguirem
desregulamentação excessiva do mercado, reduzir as fiscalizações, assim como as
penalizações legais decorrentes das fiscalizações sobre as corporações. ⇒ Aumentam
de forma exacerbada suas operações, preferencialmente com o máximo de
complexidades, para evitar que sejam compreendidas25, assumindo riscos excessivos
e obtendo lucros gigantescos, ou fingindo obter tais lucros por meio de balanços
fraudulentos, durante anos. Segundo diversos artigos os volumes negociados em
derivativos no mundo vêm sendo exageradamente grandes e, em muitos casos,
predominantemente especulativos, sendo, inclusive, bastante superiores aos PIBs
mundiais. Para turbinar o aumento dos volumes procuram seduzir os potenciais
aplicadores, utilizando nomes pomposos, como “fundo com alta alavancagem e
alocação otimizada plus” ou “fundo premiun de máxima performance”, assim como
sorteiam prêmios periódicos, principalmente quando os lastros de tais fundos forem
de péssima qualidade, como, por exemplo, hipotecas subprime. É possível até que o
crescimento exagerado dessa modalidade de financiamento de alto risco seja fruto
não da ingenuidade dos financiadores, mas, sim, da necessidade de ter algum tipo de
lastro, ainda que ruins, para respaldar a captação de recursos. ⇒ Distribuem parte
desses lucros aos executivos, aos acionistas e, possivelmente, desviam irregularmente
parcelas significativas e as enviam a paraísos fiscais. ⇒ Mais cedo ou mais tarde a
conta da irresponsabilidade e da gestão fraudulenta vem, não sendo mais possível
camuflar maus resultados em balanços fraudulentos (o valor de mercado de alguns
títulos e de operações de crédito são bastante subjetivos, favorecendo as
25 Também se observa que em pareceres técnicos ou jurídicos freqüentemente se abusa
dos chamados “economês” ou “juridiquês”, em tentativas de dar erudição, em detrimento
da lógica, a análises relativamente simples.
44
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
contabilizações a valores irreais) e verificando-se quebras de grandes instituições.
Até as chamadas agências de classificação de riscos foram ludibriadas , pois
classificavam como AAA - risco zero – muitas das grandes instituições que quebraram
do dia para a noite. Quem reduzirá a classificação de risco de tais agências ? ⇒
Contratam importantes comentaristas, jornalistas e economistas para contribuírem
no convencimento das sociedades de que as grandes corporações precisam receber
ajudas gigantescas de recursos públicos por parte dos governos, pois, caso essas
ajudas não ocorram, as economias entrariam em colapso e milhões de empregos
seriam perdidos, assim como milhões de trabalhadores e de aposentados perderiam
suas aposentadorias devido à quebra dos fundos de pensão privados. É possível até
que alguns dos comentaristas tentem convencer os cidadãos comuns de que não
são eles que estariam pagando a conta, e que os recursos viriam de fontes privadas,
como depósitos ou aplicações de bancos ou de empresas, o que é absolutamente
irreal. Basta um pouco de bom senso para deduzir que, na iniciativa privada, não
se pode admitir caridade de cifras tão gigantescas. ⇒ Novamente utilizam suas
influências político-econômicas para que os relatórios das Comissões de Inquérito
cujos membros são nomeados para apurar as causas das quebras e apontar culpados,
assim como os Processos, decorrentes dos relatórios das Comissões de Inquérito
sejam neutralizados e não gerem punições penais ou cíveis aos executivos ou aos
acionistas controladores. ⇒ Os executivos e os acionistas controladores tornam-se
ainda mais arquimilionários do que já eram, havendo enorme concentração de
renda. ⇒ Passados alguns anos inicia-se novo ciclo, utilizando-se estratégias
análogas, porém em diferentes mercados e com diferentes características, para que
não sejam logo percebidas.
Em suma, os maus controladores utilizariam estratégias para
praticar uma espécie de “Capitalismo sem Risco”, praticando, com
toda certeza, concorrências desleais em relação aos controladores
que trabalhassem da forma correta. Um grande trunfo para as suas
longevidades é o de que seus modos de agir não sejam percebidos
pelo grande público, o que dificulta quarquer reação. Também lhes
favorece o fato de serem muito formais e de tentarem passar a
imagem de moralistas (falsos), entre outras coisas. Os incautos
tendem a comprar seus argumentos com facilidade.
Pode-se fazer um paralelo da utilidade social da imposição de limites de risco
sobre os agentes econômicos com os limites de velocidade impostos às empresas
transportadoras.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
45
Por exemplo, se uma transportadora utiliza sofisticados modelos de
maximização de resultados e conclui que a condução dos seus caminhões de transporte à velocidade de 140 quilômetros por hora maximiza o seu lucro esperado,
embora com maior risco, ela não poderá ultrapassar os limites máximos de velocidade admitidos, dado que muitos poderiam sofrer as conseqüências adversas dos
caminhões se deslocarem a velocidades tão elevadas.
Também se pode mencionar as restrições às diversas atividades ilícitas, aos
desmatamentos das áreas de preservação ambiental, mesmo quando situadas dentro
de propriedades privadas, e as restrições às atividades que poluem o meio ambiente.
A teoria econômica justifica a necessidade de órgãos governamentais exercerem estes tipos de controle, em razão do ótimo social ser diferente da soma dos
ótimos individuais (nos casos em que estamos analisando, as atividades individuais
geram externalidades negativas) e, devido a este fato, o mercado não consegue
maximizar o bem-estar social por conta própria.
Vale citar que, por diversas vezes, quando uma nova legislação, mesmo quando tenha sido ampla e cuidadosamente discutida com os vários segmentos das sociedades, entra em vigor (ou quando há mudança de postura dos órgãos fiscalizadores),
verifica-se enorme disparidade entre a legislação e as práticas de mercado. Esta
disparidade freqüentemente leva os agentes econômicos que tenham muito a perder,
a combater as novas legislações, podendo tomar medidas conhecidas tais como,
criticar severamente as normas (por vezes podem chegar a “espalhar desinformação”,
inclusive contratando jornalistas ou analistas econômicos que tenham boa penetração na mídia, com o propósito de confundir até mesmo os agentes econômicos que
sejam favoráveis à nova legislação), a não cumprir, ou a exercer fortes pressões para
tentar revogar a legislação que estiver incomodando.
Em alguns casos, os legisladores podem conceder prazos de adaptação aos
agentes econômicos, mas os órgãos fiscalizadores devem ter como meta a alteração
das práticas de mercado que tiverem sido consideradas indevidas pelos legisladores.
Se as práticas forem usuais há muito tempo (como ocorria, por exemplo, com a não
utilização dos cintos de segurança nos automóveis no Brasil), elas podem ser consideradas, indevidamente, como “direitos adquiridos”, o que certamente exigirá
maiores esforços por parte das sociedades para que se consiga alterá-las.
Outra função econômica importante dos derivativos reside no fato de algumas estratégias com derivativos permitirem a captação e a aplicação de recursos
(operações de tesouraria), dando mais alternativas aos agentes econômicos para administrar os seus fluxos de caixa. Vale lembrar a importância de que essas operações
de tesouraria sejam contabilizadas com transparência, na medida em que isto facili-
46
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
ta as suas identificações, evita análises contábeis distorcidas e torna possível as suas
inclusões nos cálculos de risco26.
Por todos esses motivos, percebemos que um país não pode, de forma alguma, deixar de usufruir dos benefícios propiciados pelos mercados derivativos, mas,
ao mesmo tempo, deve fiscalizá-los e monitorá-los para impedir excessos de riscos,
utilizando diversos instrumentos, tais como incentivos fiscais aos que os utilizarem
com objetivos de hedge e tributação adicional, multa ou encerramento compulsório
de posições aos que os utilizarem com objetivos de especulação excessiva, que é,
com toda certeza, extremamente maléfica às sociedades.
Em último caso, para as instituições que insistirem em cometer inúmeras
irregularidades e excessos de riscos, com habitualidade, há o recurso de cassar as
licenças para funcionamento de tais instituições, conforme será visto no apêndice
12B. Por mais que pareçam atitudes autoritárias e impopulares, a cassação
tempestiva das licenças de diversas instituições financeiras ou hipotecárias americanas poderia ter contribuído para evitar ou amenizar a crise financeira americana
em 2008. Entretanto, a permissão da existência dos paraísos fiscais e de que as
instituições financeiras e hipotecárias tenham filiais ou empresas ligadas (frequentemente chamadas de off-shores) e movimentem recursos em tais países sejam
decisivas para as crises.
26 Conforme veremos no capítulo 28, em muitas situações não há regras específicas para
a contabilização das operações em mercados derivativos de alguns agentes econômicos, o
que pode gerar enormes distorções nas análises de balanços e cálculos de risco desses
agentes econômicos. Há, inclusive, muitos casos reais de grandes instituições que não
contabilizavam corretamente suas operações como o banco inglês Barings, a empresa de
energia norte americana Enron e o banco francês Societé Generale, e que vieram a falir.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
47
APÊNDICE 1:
A LEI DA LAVAGEM DE DINHEIRO (LEI N° 9.613 DE 03/03/98), O CONSELHO DE
CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS – COAF – E ALGUMAS OPINIõES
A lavagem de dinheiro gerado por atividades ilegais tem sido objeto de
preocupação constante para a maioria dos países, na medida em que os possíveis
benefícios advindos da entrada desse dinheiro “sujo” são, com toda certeza,
incomparavelmente inferiores aos malefícios causados pelas ramificações ou
tentáculos dos seus detentores, e consequente contágio, nos mais diversos setores
de atividade, poderes e níveis das sociedades, prejudicando-as enormemente, tal
qual algum tipo de virus ou de bactéria que se espalha de forma organizada e que
possui estratégias de defesa e de contra-ataque. Quer as pessoas gostem quer não,
tais estratégias vêm se mostrando extremamente eficazes ao longo dos séculos ou
milênios levando alguns a considerarem o crime organizado invencível.
É cada vez mais difundida a idéia de que o crime organizado não é mais
baseado nos chefões do início do século 20. Atualmente, há mafiosos que são grandes
empresários, possuem curso superior, inclusive pós-graduação em universidades
famosas, arquitetam complexas operações de engenharia financeira e saem em colunas
sociais realizando ações politicamente corretas, tais como doações a instituições de
caridade ou criação de ONGs que trabalham pela presenvação do meio ambiente.
Talvez tentem se infiltrar e ter ramificações nos mais importantes órgãos públicos e
nos diferentes poderes, na imprensa e em instituições de ensino, além de financiar
campanhas de políticos, de operarem de forma globalizada, corporativa e organizada.
Portanto, não se deve subestimar suas forças e astúcias para combater os que
lhes combatem, mas, ao mesmo tempo, torna-se imprescindível agir com mecanismos
ainda mais fortes, corporativistas e organizados para combater e vencer este tipo de
criminoso, ainda que leve muito tempo. A tomada de conciência e a união de forças
são fundamentais. A globalização do combate também é muito importante, embora, na
prática, os países tenham liberdade para adotarem as políticas que bem entendam, em
uma espécie de jogo não cooperativo, e podem, inclusive, tornarem-se paraísos “fiscais”.
Alguns acreditam que o crime organizado e corporativista pode
combater os bem intencionados e a justiça, e assim prejudicar o
progresso, a paz e o bem estar dos países, como também sugar boa
parte das rendas dos seus cidadãos (como fazem os parasitas), de forma
mais efetiva e difícil de se defender contra, do que os exércitos
inimigos, por terem a faculdade de agir de forma pulverizada, tal qual
os espiões. A idéia é: “quanto maior a corrupção, mais desacreditados
e isolados (e, portanto, menos fortes) os bem intencionados, e maiores
forem os desentendimentos entre eles, mais propício será o terreno”.
Segundo esse raciocínio, os honestos e bem intencionados seriam os
eternos inimigos a serem perseguidos e derrotados.
48
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
Além disso, há evidências de que o dinheiro “sujo” afugenta o dinheiro
“limpo” na medida em que compete em desigualdade de condições. De fato, ao
exercer temporariamente uma atividade produtiva, o “lavador” aceita vender seus
produtos abaixo do custo, na medida em que o seu objetivo é apenas o de “esquentar”
os recursos. Este fato tenderá a expulsar os verdadeiros produtores do mercado, na
medida em que não conseguirão competir com os “lavadores”. Curiosamente, serão
os lavadores que terão maiores condições de arcar com todos os custos decorrentes
das inúmeras exigências legais e burocráticas.
Com o objetivo de proteger as sociedades, a maioria dos países desenvolvidos
criou Unidades Financeiras de Inteligência (Financial Intelligence Units – FIU)
para combater a lavagem de dinheiro, inclusive por parte de bancos e de outras
instituições financeiras. O que se busca é proteger os países de todos os malefícios
causados pe entrada do dinheiro “sujo”. No Brasil destaca-se a criação do Conselho
de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a partir da lei n° 9.613/98, que
trata dos crimes de “lavagem” e da ocultação de bens, direitos e valores.
A Lei da Lavagem de Dinheiro (assim como a Lei n° 7.492/86 - Lei do
Colarinho Branco) é uma lei penal e trata, dentre outros assuntos, da definição dos
crimes de lavagem de dinheiro, inclusive contra o sistema financeiro nacional (artigo 1º, inciso VI), das penas previstas para os lavadores (reclusão de três a dez anos
e multa) e do procedimento criminal a ser seguido (no apêndice 12B retornaremos
a essas leis).
Entretanto, de nada adiantará a existência de tantas leis e
organismos nacionais e supranacionais, se os poderes de lobby dos
fiscalizados, que tende a ser proporcional aos trilhões de dólares que
eles movimentam, forem superiores aos das instituições públicas
responsáveis pela fiscalização e aplicação das leis. Em tais situações,
os poderes econômicos conseguiriam suplantar e anular, ao menos
em parte, a razão de existir das citadas instituições, que, em princípio,
deveriam garantir a democracia. Como se sabe, em regimes
democráticos a vontade da maioria (que trabalha da forma correta)
deve prevalecer sobre a vontade da minoria (que pratica crimes de
valores gigantescos), segundo regras constitucionais e legais previamente
estabelecidas.
O COAF, cujo endereço eletrônico na internet é www.fazenda.gov.br/coaf,
é o órgão responsável pela coordenação das atividades exercidas pelos órgãos brasileiros encarregados de combater a lavagem de dinheiro, e pela fiscalização de
empresas de factoring, bingos, galerias de arte, leilões e outras.
Dentre outras medidas, a Lei n° 9.613 obriga que bancos informem ao Ban-
Capítulo 1
Aspectos Gerais
49
co Central e que corretoras e distribuidoras informem à CVM as movimentações de
recursos de clientes que sejam incompatíveis com o patrimônio e renda declarados
em suas fichas cadastrais. O Banco Central, a CVM e os outros órgãos de fiscalização devem comunicar as incompatibilidades ao COAF, que toma as medidas legais
cabíveis, podendo, inclusive, comunicar à Polícia Federal ou ao Ministério Público, para que investiguem se os mencionados clientes são lavadores de recursos, ou
“laranjas” de outras pessoas físicas ou jurídicas.
Quando operações ilícitas são detectadas, pode haver rastreamentos dos recursos nelas utilizados com o objetivo de recuperá-los, mesmo no exterior. Nestas
situações, o COAF pode pedir a colaboração das Unidades de Inteligência Financeira internacionais. Entretanto, quando os recursos migram para algum paraíso fiscal
(ou quando são depositadas em contas de doleiros) torna-se mais difícil reavê-los,
na medida em que, geralmente, as legislações desses países proíbem os bancos de
identificarem os seus clientes. Este fato tem levado alguns países a impor restrições
à entrada de recursos provenientes dos paraísos fiscais27. A idéia é a de que o
combate às atividades ilícitas, à corrupção e às diversas formas de desvios de recursos somente poderá lograr êxito se o combate à lavagem de dinheiro for eficaz. De
fato, é a lavagem de dinheiro que possibilita aos corruptos justificar, perante as
autoridades responsáveis, a existência dos recursos advindos das atividades ilícitas.
Portanto, pode-se concluir que a lavagem de dinheiro é um dos pilares que
sustentam a perenidade das atividades ilícitas e da corrupção. A impunidade dos
que praticam os “crimes do colarinho branco” é outro pilar fundamental. Como há
correlação positiva entre corrupção e lavagem de dinheiro, acredita-se que uma
redução significativa dos volumes de dinheiro lavado contribuirá de forma decisiva
para a redução da corrupção e para a melhoria da distribuição de renda, na medida
em que tenderá a haver significativa redução dos casos de enriquecimento ilícito e
isto certamente irá gerar enormes aumentos nos horizontes de todos aqueles que
trabalham da forma correta.
A idéia de que o combate eficaz à lavagem de dinheiro irá gerar
significativa melhora na distribuição de renda é a de que, à medida
que se obtenha uma efetiva redução dos casos de enriquecimento ilícito,
a grande maioria da população, que trabalha da forma correta, tanto
no mercado financeiro quanto nas demais áreas, passará a dividir
parcelas maiores das rendas totais.
Vale lembrar que as modalidades de ilícitos mencionadas podem ocorrer
por meio de operações previamente combinadas em diversos mercados e não ape27 Os países desenvolvidos mantêm um grupo que tem a missão de identificar os países que
mais dificultam o combate à lavagem de dinheiro. A Organização para Comércio e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulga periodicamente uma lista com a relação desses
países e com a evolução de suas legislações, que podem ser encontradas no site do COAF.
50
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
nas nos mercados derivativos. Portanto, não se deve restringir a existência dos
mercados derivativos por possibilitarem a prática de operações ilícitas, pois, se a
sociedade tiver que eliminar todos os mercados que possibilitam a realização das
ilicitudes, terá que eliminar muitos outros mercados, já que a compra e venda de
qualquer ativo a preços previamente combinados pode servir ao objetivo da fabricação de resultados. Contudo a ação dos fabricantes de resultados (e dos
manipuladores) é mais fácil nos “mercados de telefone” (em balcão não-organizado
ou por meio de operações privadas) pois, as contrapartes das operações se conhecem, embora também sejam possíveis nos mercados de pregão (em bolsas ou em
entidades de balcão organizado), inclusive nos que têm grande liquidez.
Os órgãos públicos responsáveis pela autorização de novos contratos somente devem autorizá-los após a constatação de que dispõem de funcionários com
conhecimento necessário, em quantitativo suficiente e de leis e normas que lhes
permitam exercer a coerção sobre os que pensem em cometer ilicitudes.
Tendo por base a realidade da maioria dos países em desenvolvimento, acredita-se que somente com a eliminação (ou redução para níveis mínimos) das manipulações, inside trading, front runing, fabricação de resultados (inclusive para lavar dinheiro ou para desviar recursos de companhias abertas, de instituições financeiras ou de associações de investimento coletivos), fraudes contábeis em balanços,
estelionatos de valores mobiliários (conforme mostrado no apêndice 2) e demais
formas de práticas irregulares e ilícitas no âmbito dos mercados derivativos, de
capitais e dos diversos segmentos dos sistemas financeiros, será possível conquistar
a confiança dos investidores. Inclusive a confiança dos pequenos e médios, que,
baseados em experiências mal sucedidas, deles ou de pessoas conhecidas, geralmente se mantêm distantes dos mercados. A confiança é essencial para elevar significativamente as poupanças e, conseqüentemente, os investimentos de longo prazo,
indispensáveis aos desenvolvimentos econômicos e sociais sustentados desses países.
Entretanto, deve-se desconfiar de quaisquer alternativas ou fundos de investimento que sinalizem com a possibilidade de ganhos espetaculares em curtos períodos de tempo. Em equilíbrio, os ganhos deveriam ser de razoáveis a bons, porém
com lastros confiáveis e riscos controláveis.
Alternativas com riscos elevados, por mais que tenham nomes bonitos e
propagandas sedutoras, tanto podem propiciar resultados excepcionais quanto gerar perdas enormes. Inclusive perdas superiores ao capital aplicado, o que nem
sempre é devidamente explicado aos potenciais aplicadores, ainda que eles tenham
que assinar regulamentos onde consta tal possibilidade, qual seja, a de aplicar 10 e
perder 30. Portanto, os que antes eram credores de 10, tornam-se devedores de 20,
dos quais possivelmente não disporão para saldar suas dívidas e, então, serão acionados judicialmente.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
51
Também há evidências de que a redução de práticas irregulares e ilícitas
tende a reduzir (ou evitar o crescimento) das dívidas públicas dos países, na
medida em que, em diversas situações, verifica-se que os Bancos Centrais ou
bancos públicos de fomento desembolsam recursos públicos para sanar rombos
financeiros (que podem chegar a bilhões de dólares) provocados por essas práticas, com o propósito de evitar que os prejuízos se espalhem para outros agentes
econômicos, ou para evitar que alguma empresa considerada estratégica ou importante quebre.
Outro exemplo de como as práticas ilícitas poderiam causar prejuízo às
sociedades é o da prática de manipulações das taxas de câmbio (com o objetivo de
aumentá-la) por parte dos detentores de títulos governamentais indexados ao câmbio, quando os governos dos países emitem esses títulos, ou pelas contrapartes dos
governos em operações em mercados derivativos, nas quais os governos perdem e
as contrapartes ganham com a alta da taxa de câmbio. Vale lembrar que, embora os
aumentos artificiais das dívidas das sociedades sejam iguais aos lucros obtidos pelos manipuladores das taxas de câmbio, que podem chegar a dezenas ou centenas
de bilhões de dólares em poucos anos, os prejuízos sociais dos países são ainda
muito superiores, dado que há diversas externalidades negativas advindas das manipulações, tais como a elevação artificial das taxas inflacionárias ou eventuais quebras de empresas que tenham dívidas indexadas às taxas de câmbio.
Conforme já mencionamos, há situações em que as autoridades governamentais competentes, como os Bancos Centrais e as Comissões de Valores Mobiliários, têm que agir como “xerife”, inclusive aplicando as punições administrativas
cabíveis e comunicando aos Ministérios Públicos para que tomem as medidas judiciais aplicáveis, quando se tratar de crimes que exijam a tramitação no poder judiciário, para que se possa julgar e aplicar punições. Estas formas de atuação são
necessárias não apenas para dar credibilidade aos mercados, mas, também, para
evitar os diversos custos sociais envolvidos nas práticas irregulares ou ilícitas.
Certamente há correlação positiva entre tais práticas e o enriquecimento ilícito dos que as praticam, principalmente considerando-se ser possível auferir lucros de milhões ou até mesmo de
bilhões de dólares com as referidas práticas.
Um ponto a ser lembrado é que os dirigentes dos órgãos fiscalizadores devem procurar receber sugestões a respeito das normas, decisões e procedimentos a
serem adotados pelos órgãos que comandam, tanto dos diretores das instituições
fiscalizadas, como dos representantes dos consumidores dos serviços prestados pelas referidas instituições, até para estarem em consonância com o princípio jurídico do contraditório, segundo o qual as partes que estão em lados opostos em pro-
52
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
cessos (ou têm interesses opostos em determinadas matérias) devem ter o direito de
se manifestar e defender suas posições.
Portanto, o ideal é que o tempo despendido pelos dirigentes dos órgãos
fiscalizadores seja dividido entre ambas as partes, que poderiam, em algumas situações, ser recebidas em conjunto, nas reuniões, pelos referidos dirigentes, inclusive
para que as pressões não viessem apenas de um grupo de interesses. Por exemplo, se
os dirigentes dos órgãos fiscalizadores tivessem mais reuniões com os diretores das
instituições fiscalizadas do que com os representantes dos consumidores, seria possível que os diretores das instituições fiscalizadas exercessem grandes pressões psicológicas sobre os dirigentes, principalmente quando as reuniões tivessem grande
número de diretores participantes. No mundo real, os poderes de lobby por parte
dos que dispõem de grandes cifras e atuam de forma corporativa e organizada são
incomparavelmente maiores do que os dos cidadãos comuns.
Com objetivos de exercerem grandes pressões sobre os dirigentes dos órgãos
fiscalizadores, é possível que compareçam dez ou vinte diretores de algumas das
instituições fiscalizadas nas reuniões, mesmo quando fossem necessários apenas dois
ou três diretores para expor as reinvidicações. O objetivo do grande número de
participantes é o de tornar mais difícil o eventual “não” por parte dos dirigentes.
Estes diretores podem se utilizar de técnicas bastante conhecidas para exercerem as pressões, tais como, falar em tom elevado de voz, mostrar desespero, ameaçar os dirigentes nas entrelinhas, tentar constranger ou ridicularizar os dirigentes
com ironias ou sarcasmos clichês, que, por mais infelizes ou inoportunos que sejam, contarão com o imediato e incondicional apoio dos demais diretores, ou mesmo, “dar soco na mesa”. É claro que os dirigentes não podem, de forma alguma,
aceitar esse tipo de comportamento28 e devem fazer valer suas autoridades, com
equilíbrio e dentro dos limites de suas competências legais, repelindo as tentativas
de ironia, inclusive para não deixarem as sociedades totalmente desprotegidas e à
mercê da vontade dos agentes econômicos que prentendam se apropriar indevidamente
dos recursos públicos, que, como se sabe, têm suas liberações controladas por dirigentes de órgãos públicos.
Outra estratégia que pode ser utilizada por alguns diretores para conseguirem seus objetivos é a de tentar formar laços de amizade com os dirigentes, pois
eles sabem que, pela própria natureza humana, haverá maiores difículdades para
os dirigentes dizerem não aos amigos.
Entretanto, caso os dirigentes se mantenham firmes em suas posturas, não
cedendo a pressões indevidas e procurando tomar as decisões de forma isenta, tendo
28 Pode-se perceber que o treinamento de alguns dirigentes em cursos que ensinem
a resistir e a conviver com pressões e ameaças tende a ser de grande valia, embora,
em situações extremas, somente a proteção policial para os dirigentes e suas famílias
lhes permita exercer suas atividades com um mínimo de segurança e de tranquilidade.
Também se pode notar que por vezes é necessário que os dirigentes tenham muita
coragem e firmeza de propósitos para prosseguirem em suas atividades de forma
correta, fazendo valer suas autoridades (arcando com possíveis conseqüências adversas) e pelo tempo que for possível, sem terem apego aos cargos.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
53
como princípio fazer com que os interesses públicos prevaleçam sobre os privados
(embora os interesses públicos e privados possam ser coincidentes em muitas situações) e tendo como meta cumprir as funções para as quais foram contratados, com
o propósito de contribuir para o bem estar das sociedades, é possível que alguns
dos diretores das instituições fiscalizadas fiquem descontentes com os dirigentes e
passem a exercer pressões políticas no sentido de que eles sejam substituídos.
Pode-se perceber, portanto, que os dirigentes dos órgãos
fiscalizadores necessitam de grande respaldo e participação da
sociedade para exercerem suas atividades, dado que eles,
freqüentemente, ao defenderem os interesses públicos, podem ter
que contrariar interesses privados de muitos bilhões de dólares.
Ações isoladas de alguns dirigentes, sem apoio organizado, integrado
e generalizado dos governos e das sociedades (que gera força
política), tendem a ter resultados apenas temporários, pois,
conforme diz um sábio ditado popular, “são necessárias muitas
andorinhas para se fazer um verão”.29
Talvez o grande estímulo para que as sociedades passem a fiscalizar e exigir
dos diferentes órgãos públicos, pertencentes aos três Poderes (podem envolver
diferentes órgãos de fiscalização, de justiça e policiais), e até mesmo de órgãos
com atuação em diferentes países (como a Interpol), que passem a ter ações mais
organizadas, perseverantes e concretas contra os participantes nocivos dos mercados financeiros, seja a tomada de consciência de que se os chamados “criminosos
do colarinho branco” tiverem participações elevadas e crescentes nas rendas dos
países, certamente, no futuro, a grande maioria das populações, que trabalha de
forma correta, terá que disputar entre si, parcelas cada vez mais reduzidas das
rendas totais. Portanto, os que não aceitam participar de tais crimes, por terem bem
fundamentada a noção de certo e errado (ainda que por vezes as ações nocivas ocorram nas chamadas brechas das leis), se tornarão cada vez mais empobrecidos e, ao
final das contas, estarão cada vez mais trabalhando para sustentar a acumulação de
riquezas, conforto, bem estar e desfrute da vida pelos criminosos, que pouco se
importam com os que os sustentam e talvez até se vangloriem de suas astúcias. É
de se esperar que os criminosos combatam de forma organizada qualquer um que
ameace suas confortáveis situações, inclusive procurando desacreditar tais pessoas, tal qual os políticos fazem com seus adversários.
Conseqüentemente, haverá tendência de queda generalizada na qualidade de
vida das sociedades, inclusive aumento no desemprego, queda nos salários, aumento na concentração de renda e queda nas margens de lucro dos bancos e das empre29 É possível, contudo, que eventualmente alguns dirigentes de órgãos de fiscalização
consigam exercer suas atividades sem ceder a pressões e, mesmo havendo o desejo
por parte dos diretores das instituições reguladas de que os dirigentes sejam substituídos, ainda assim eles consigam permaneçer no cargo por tempo razoável. Entretanto,
talvez esses dirigentes, ou seus familiares, sofram represálias no futuro, sendo possível,
inclusive, que eles tenham grandes dificuldades em conseguir emprego.
54
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
sas que trabalhem da forma correta. Portanto, segundo essa abordagem, o combate
eficaz aos participantes nocivos dos mercados financeiros é condição fundamental
para que haja melhoria nas distribuições de renda (incluindo as reduções dos níveis
de pobreza e de miséria) e nas qualidades de vida das populações de muitos países.
Segundo a teoria econômica, se determinado setor apresenta taxa de rentabilidade muito acima da média (lucro econômico), deve-se esperar aumento da oferta
e do número de participantes no setor, de forma que, com o aumento da concorrência, haja queda da taxa de rentabilidade para o nível de mercado30. Entretanto,
caso haja “barreiras” para a entrada de novos participantes, é possível que as taxas
de rentabilidade do setor permaneçam acima da média por longos períodos.
Desse modo, outro ponto que os dirigentes dos órgãos fiscalizadores devem
estar atentos, é para não cederem a eventuais pressões dos diretores de algumas das
empresas já estabelecidas, no sentido de dificultar a entrada de novas empresas, ou,
o que talvez seja ainda mais danoso para as sociedades, para criarem entraves à
permanência das pequenas empresas já estabelecidas, mas que não tenham vínculos
ou laços de amizade com algumas das grandes empresas.
Entre esses entraves há o de os dirigentes serem excessivamente rigorosos
nas fiscalizações das pequenas empresas (por exemplo, efetuando exigências extremamente detalhistas e praticamente impossíveis de serem cumpridas, principalmente no início de suas atividades, quando elas ainda estão lutando para sobreviver) e pouco rigorosos nas fiscalizações de algumas das grandes empresas (apesar
dessas empresas terem mais condições de contratar pessoas para cuidarem de detalhes burocráticos, que sempre podem trazer malefícios se forem excessivos).
Desse modo, se os dirigentes cedessem às pressões dos diretores poderia haver
redução da concorrência e aumento, para níveis ainda mais elevados, das margens de
lucro das grandes empresas que permanecessem operando no mercado. Ao mesmo
tempo, maiores poderiam ser os custos dos produtos para os consumidores finais,
conforme já foi empiricamente constatado em alguns setores onde as grandes empresas
foram absorvendo as pequenas, como se fossem tubarões engolindo sardinhas.
A respeito dos que defendem que a obediência cega aos aspectos legais representa total garantia de justiça, vale citar algum contra exemplo que seja bem conhecido, como o dos juízes de futebol. Eles também seguem todos os ritos legais e
formais, também tomam decisões embasadas na legislação futebolística e ainda são
auxiliados por dois bandeirinhas. Também aí se verifica os aspectos que compõem
um julgamento, que são os fatos reais, as leis e a interpretação do juiz. A respeito
desse contra exemplo há grande consenso de que, apesar de haver estreito formalismo
e obediência aos ritos e aspectos legais, inúmeras injustiças já foram e são frequentemente praticadas, mesmo quando os jogos são televisionados e assistidos por milhares de pessoas, o que não ocorre em julgamentos referentes a outros fatos.
30 A teoria microeconômica prevê que, no longo prazo, as empresas devem dimensionar
suas atividades nos níveis em que haja minimização dos custos médios de longo prazo,
embora esta análise simplista ignore os benefícios de melhorias nas distribuições de renda.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
55
Portanto, além dos aspectos formais é condição imperiosa que os
julgadores sejam isentos e estejam bem intencionados, querendo, portanto, julgar com justiça. Se os julgadores estiverem mal intencionados (como se sabe, em diversos países já houve casos de juízes de
futebol e de outros julgadores que foram condenados e presos por
terem sido considerados culpados em processos de corrupção), muito
pouco adiantará haver um rito formal irretocável e o amparo das leis
aos julgamentos.
Certamente os julgadores poderão fazer uso de inúmeras técnicas e táticas,
tais como serem extremamente severos e moralistas em aspectos acessórios, se
utilizarem de raciocínios subjetivos e propositalmente confusos (até mesmo com
tentativas de erudição), serem demasiadamente maleáveis em aspectos principais e,
dependendo do julgado, se for amigo ou inimigo, tudo poderá ser modificado e
readaptado, para confundir a todos e tornarem efetivas suas más intenções31.
Por incrível que pareça, a busca dos rigores das leis e das normas regulamentares poderiam ser objetos de lobby de algumas das grandes empresas e, se os
dirigentes cedessem às referidas pressões, os citados rigores acabariam sendo seus
grandes aliados na medida em que as leis e as normas seriam aplicadas
prioritariamente aos concorrentes, tanto às pequenas empresas já estabelecidas,
quanto às que tivessem intenção de entrar para o setor. Isto acarretaria, devido à
citada distorção, a manutenção do lucro econômico das empresas que permanecessem no setor, por longos períodos, contrariando a teoria econômica tradicional.
Há, no entanto, teorias microeconômicas que explicam a manutenção do lucro
econômico no longo prazo, como a de setores cartelizados com barreiras (que
podem ser de diversas naturezas) a entradas.
Em tais situações, até bancos ou empresas bastante mal administrados e
ineficientes poderiam apresentar enormes lucros, devido à falta de concorrência.
Certamente os dirigentes de tais bancos ou empresas não iriam admitir a falta de
concorrência e tentariam contratar, oferecendo ótimas remunerações, analistas de
renome para lhes defender, inclusive na imprensa. Em tais situações, os mais bem
sucedidos seriam não os mais esforçados, os que tivessem melhores idéias ou melhores capacidades administrativas (o que seria justo), mas, sim, os que melhor se
“organizassem”, se utilizassem de astúcias e mais conseguissem influenciar pesso31 Uma forma muito usual para confundir é utilizar palavras, expressões e argumentos
normalmente pronunciados pelos que pregam idéias opostas. Isto poderá ser útil para
iludir e levar os oponentes a acreditarem que todos estão do mesmo lado, como fazem
alguns políticos, inclusive a mando dos que os financiam. Por exemplo, muitos estudiosos
ensinam que a terminologia Liberdade, Igualdade e Fraternidade foi utilizada pelos líderes
da revolução francesa para seduzir e iludir o grande público a lutar e morrer por uma causa
que, na realidade, era dos líderes, que nunca estiveram do mesmo lado do público, embora
ambos fossem contra a nobreza, e não estavam minimamente preocupados com as palavras que compõem a terminologia. Na realidade eram até contra a Igualdade ou a
Fraternidade. Tanto que elas nunca vieram a ser implantadas, embora os líderes tenham
alcançado seus objetivos, de tomar o poder da nobreza e dos líderes das igrejas e não
dividi-lo com os que lutaram.
56
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
as, organizações e órgãos públicos. Naturalmente seus sucessos seriam em detrimento dos insucessos dos demais, porque nada estará sendo criado, mas, apenas,
realocado. Na realidade, como a realocação de pessoas e de cargos por critérios
outros que não o de competência e eficiência será mais ineficiente, a tendência é
que haja até queda na produção. Como é de amplo conhecimento, situações de
injustiças geram, mais cedo ou mais tarde, tensões e conflitos e não a paz.
As sociedades devem se organizar e se mobilizar ao máximo para evitar que
tais situações ocorram com os seus cidadãos. Por mais que se possa buscar argumentos favoráveis à auto-proteção ou auto-ajuda, não se pode admitir eventuais
injustiças ou a existência de regras próprias e contrárias às leis e às Constituições
dos Estados, nem tampouco que as organizações sejam os fatores determinantes
dos desempenhos econômicos e sociais dos indivíduos, até porque, provavelmente,
não haverá caridade, a auto-ajuda e os favores terão um preço32.
É interessante observar como há tantas pessoas que se consideram ardorosos
defensores das leis em seus mínimos detalhes, mas somente o são quando a obrigação de cumpri-las é de cidadãos comuns. Há correntes que acreditam que os exemplos devem vir de cima, inclusive quanto ao cumprimento das leis. Não se pode
admitir que os cidadãos comuns estejam vinte e quatro horas por dia sujeitos a
inúmeras penalidades por descumprimentos de leis, regras ou regulamentos, ao
mesmo tempo em que outros, que, inclusive podem contratar escritórios de advocacias famosos, estejam, ao menos em parte, “acima das leis”.
É claro que do ponto de vista social sempre se deve procurar desincentivar
qualquer prática irregular ou ilegal, em todos os grupos e classes sociais, até porque
normalmente haverá um ganho social médio se o respeito às leis ocorrer em todos os
grupos e classes, como já é amplamente divulgado em inúmeros trabalhos e discursos.
Entretanto, o que seria das sociedades se as leis e constituições não fossem
continuamente questionadas, modernizadas e renovadas? Estariam com leis de séculos atrás, quando havia, por exemplo, a absoluta legalidade da escravidão e da
existência de países sendo colônias de outros.
A título de exemplo, citamos a sentença da suprema corte americana de
1857, que ficou conhecida como sentença Dred Scott (que era um escravo), que
proclamou entre outras coisas: “Se você julga que a escravidão é má, ninguém
obriga você a ter um escravo. Mas não imponha sua moral aos outros. A escravidão
é legal.” e ainda “Negro não é gente.”. Mesmo nos dias atuais devem haver inúmeras leis abomináveis e desumanas nos mais de 190 países reconhecidos. Por exemplo, há pasíses que punem com pena de morte, ações consideradas corriqueiras e
não passíveis de punição em outros países.
Vale lembrar que as próprias leis devem ser feitas a partir do senso de
justiça (bom senso) dos legisladores, embora isto não ocorra quando há corrupção
ou más intenções. Não há leis que determinem como os deputados e senadores
devem elaborar uma nova constituição (é claro que se pode partir de um ou mais
modelos pretéritos e basear-se em diversos estudos). Pelo contrário, quando um
32 A respeito do modo de agir de organizações criminosas e de suas astúcias para não
serem condenados ou presos pelos poderes públicos, há interessantes filmes como “Senhor das Armas”, com o ator Nicolas Cage e “Os Infiltrados”, com Matt Damon e outros.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
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poder constituinte originário é estabelecido e elabora nova constituição, grande
parte do que era legal passa a ser ilegal (antigas leis viram letra morta de uma
hora para a outra) e vice-versa. Portanto, há uma certa volatilidade, em relação ao
tempo e ao espaço, nos conceitos de certo e errado segundo os preceitos legais.
Além disso, acredita-se que deva haver bom senso para não existirem exigências e vigilâncias exageradas e crescentes sobre os cidadãos comuns, como havia
em vários países comunistas, sob o risco de torná-los robotizados ou excessivamente sistemáticos, tal como ocorre com animais adestrados, que, por perderem suas
espontaneidades, tornam-se claramente menos felizes. Se não houver limites à perda de privacidade, poderão aparecer pessoas com a intenção de colocar câmaras até
dentro das residências, como nos reality shows, utilizando argumentos que lhes
convenham, como o de que muitos crimes e maus tratos poderão ser evitados.
Segundo diversos artigos existentes na internet, nos países comunistas a vigilância sobre as pessoas era tamanha, que uma ou mais dezenas de milhões teriam
sido covardemente executadas ou assassinadas, entre outras razões, por se recusarem
a negar suas religiões ou por tentar praticá-las, o que era ilegal e resultava em pena de
morte. Trata-se, portanto, de enorme massacre humano e de gritante ditadura dos
sem religião sobre os que tinham religião. Tudo dentro das leis. Sem entrar em
qualquer ideologia política, esses massacres deveriam ser mais bem detalhados e
quantificados para as pessoas em geral (em quantidade de pessoas executadas estão
entre os maiores crimes já cometidos contra a humanidade) e ser objeto de estudos
nas escolas (tal qual outros massacres), como forma de se prevenir contra futuras
tentativas de, independentemente do regime, socialista ou capitalista, emanar leis
que reduzam as pessoas a propriedades dos governantes, com mando completo
sobre suas vidas, ao ponto de impor o que elas devem ou não pensar e se podem ou
não ter alguma crença ou religião (total absurdo), ainda que ofereçam, em troca,
políticas econômicas e sociais aparentemente boas.
Vale observar que o bom senso, embora muito criticado por não ser uniforme33, é útil até mesmo para que não haja reação a um assalto, embora, ao agir
assim, se esteja incentivando a prática de atividades ilícitas e favorecendo a vida
dos corruptos, o que, em princípio, deveria ser evitado. Por mais que esse tema
pareça simples demais para estar sendo comentado, ele exemplifica que não há leis
que ordenem o comportamento em todas as situações, assim como não há no exemplo
citado. O mundo real é muito mais dinâmico e sempre terá complexidades e detalhes que escapam e extrapolam as capacidades intelectuais dos que elaboram modelos econômicos ou modelos (ordenamentos) jurídicos, embora estes sejam fundamentais para a vida em sociedade.
Na realidade, é muita pretenção achar que grupos de deputados e de senadores, por mais inteligentes e capacitados que fossem e ainda que todos tivessem
excelente conhecimento jurídico, estivessem bem intencionados e não cedessem a
tentativas de corrupção ativa dos lobistas ou dos financiadores de suas campanhas
33 Mesmo o senso de justiça - bom senso - utilizado pelos julgadores que fundamentam
suas decisões em leis e artigos constitucionais, também não é uniforme, embora seja
fundamental. Tanto é que em órgãos colegiados, frequentemente ocorre quase um empate
(ex. 3 x 2 ou 6 x 5) entre os julgadores que decidem contra ou a favor de determinado réu.
58
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
(o que frequentemente não ocorre), conseguiriam elaborar leis que regessem com
perfeição e total harmonia as vidas das pessoas em sociedades, a ponto de ser
completamente dispensável qualquer uso de bom senso ou de noção de certo e
errado. Ainda que isso fosse possível, se a vida se resumisse a seguir regras e modelos
fielmente, talvez fosse bastante sem graça e excessivamente padronizada, com pessoas
tendendo mais à robotização, aos raciocnios binários, quando apenas os resultados são
considerados e as intenções desprezadas, à obediência cega e à frieza (tal como ocorre
nos tribunais de guerra, onde imperam a agilidade e a praticidade) do que à criatividade,
ao senso crítico, a novas descobertas, a ajudas voluntárias e ao discernimento.
Deve-se lutar contra eventual intenção de moldar as pessoas de forma a se
tornarem presas fáceis da manipulação de idéias, inclusive com auxílio da mídia,
ou meros componentes de manadas, que não questionam, têm comportamentos
excessivamente padronizados e estão sempre prontas a seguir comandos ou repetir
idéias em uníssono. Quantos exemplos há de grupos e exércitos que seguiram
comandos cegamente e cometeram grandes erros e até mesmo enormes massacres
ao longo da história? Portanto, é preciso haver equilíbrio e bom senso, para não
haver anarquia e, ao mesmo tempo, não ocorrer excessos de regulamentações,
principalmente sobre os cidadãos comuns.
A prevenção contra a anarquia é importante inclusive para eliminar os
criminosos de cifras colossais e não permitir que estejam acima das leis e ajam
impunemente. Além disso, os criminosos do colarinho branco, que frequentemente
desenvolvem atividades paralelas (podem até ser atividades produtivas), estão sempre
pressionando e influenciando politicamente para receberem tratamentos
privilegiados, como o de reduzir ou eliminar toda a regulamentação de suas
atividades. Afinal, se são todos pessoas de bem, basta haver a auto-regulação (citam
que a “mão invisível” resolve tudo, desde que o governo, incluindo seus órgãos
policiais, não interfiram. Entretanto, o Estado Policial é admitido, e até exigido,
para os cidadãos comuns ou eventualmente para algumas pequenas empresas que
venham a incomodar, frequentente inviabilizando suas existências, devido a
exigências acessórias desproporcionais.)... Argumentam, ainda, que os países só
teriam a lucrar se os seus dirigentes fossem um pouquinho mais inteligentes e
instruídos, e conseguissem entender suas instruções... Perseverarão instruindo,
ironizando e dando belas entrevistas a entrevistadores, muitas vezes, coniventes
(geralmente com grande lábia, muito bom humor e total segurança)... Utilizando
liguagem coloquial, pode-se dizer que alguns agem como astuciosas víboras, pondo
em prática suas lábias para conseguirem vender seus peixes (construindo ou
desconstruindo alguma forma de pensar, para convencer que o errado é certo e que
o certo é errado, que o bom é mal e o bem é maligno), enganando alguns, milhares
ou milhões. Da mesma forma fazem os maus políticos, que sempre tentam se
passar por bons. Felizmente as pessoas estão cada vez mais prevenidas contra maus
políticos e também tenderão a ficar prevenidas, a medida que tomem mais
consciência, contra todos os demais que tentem lhes enganar, inclusive os maus
analistas televisivos e os grandes criminosos da área financeira e empresarial, que
Capítulo 1
Aspectos Gerais
59
podem ser ainda bem piores do que os maus políticos, até por podê-los manipular,
controlar, inclusive as leis que eles emanam, e financiar suas campanhas.
Em estruturas militarizadas ou que regulem excessivamente o comportamento de seus membros, quem controla o topo da pirâmide controla todo o
órgão, o que pode ser bastante perigoso, inclusive quando se tratar de órgãos de
fiscalização. É importante que as pessoas de diferentes escalões possam ter opiniões diferentes e que essas opiniões fiquem registradas em relatórios e pareceres.
Os que estão em postos superiores não podem simplesmente dar ordens verbais
para que os seus subordinados alterem ou invertam os conteúdos e as conclusões
de seus pareceres, embora, durante a fase de elaboração de relatórios, se possa
conversar, trocar idéias e tentar auxiliar nas análises, desde que os que assinam os
relatórios ou pareceres tenham tranquilidade para emitirem suas opiniões finais.
Também não seria democrático convocar outro ou outros funcionários para formalizarem pareceres alternativos sobre o mesmo tema, até que um deles fique
com o formato que se deseja, abandonando os pareceres anteriores. A idéia seria
a de não haver opiniões conflitantes ou diferentes em um mesmo processo, o que
poderia suscitar questionamentos futuros por parte de auditores.
Nos diversos países observa-se que há diferentes opiniões e decisões nas diferentes
instâncias dos poderes judiciários e todas elas ficam registradas nos processos. Neste
poder, um juiz de instância superior não pode dar ordens verbais para que um juiz de
instância inferior altere sua sentença. É fundamental que os representantes das diferentes
instâncias possam tomar as decisões que acreditem ser as mais corretas, de acodo com
suas consciências, sem que estejam sujeitos a pressões indevidas ou ameaças de demissão.
Pode ser perigosa a idéia de se ter uma espécie de fé cega em modelos econômicos ou em arcabouços jurídicos (leis e regras), como se fossem religiões e sem nenhum
senso crítico. Inclusive porque são produzidos por seres humanos suscetíveis a falhas.
Há inúmeros exemplos de modelos econômicos que falharam e de leis e regras que
foram consideradas desumanas ou injustas. Além disso, há a constatação de que boa
parte das leis e das regras pode ser fruto, não do interesse da maioria, mas, sim, de
lobbys de pessoas de má índole, nada defensáveis. Qualquer tentativa de mudanças em
leis que contrariem grandes interesses será vigorosamente combatida, inclusive com
forte apoio da imprensa. Não basta haver iniciativas e boas intenções, é preciso força
política (decorrente da organização e da união dos que têm boas intenções) para derrotar os interesses contrários, que certamente combaterão de forma organizada.
A título de exemplo, vale citar o artigo 153, inciso VII da Constituição
Federal do Brasil, de 1988, que trata do imposto sobre grandes fortunas (existente
em muitos países), que até hoje não foi regulamentado, embora alguns parlamentares tenham tentado. Na prática, o inciso VII do artigo 153 vem sendo tratado como
letra morta, contrariando a vontade dos legisladores constitucionais. É um exemplo de lei que não pegou e que, talvez, nem venha a pegar.
Existem, entretanto, regras políticas para que se lute pela alteração de leis
consideradas injustas, embora, em alguns casos, como na conquista da independência de alguns países, tenha sido necessário sair das citadas regras.
60
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
No mundo real, a maioria dos que se dizem imparciais e cegamente obedientes às leis, somente pregam a punição de cidadãos comuns e tentam responsabilizálos por todos os problemas existentes. Normalmente, os que se dizem cegamente
obedientes às leis não criticam e protestam contra o descumprimento de leis por parte
de cidadãos abastados ou detentores de poder. Entretanto, se algum cidadão comum
alcançar o poder e começar a tomar decisões que lhes desagradem, passarão a merecer
críticas. Ou seja, muitos podem lançar mão das leis como mais um instrumento (que
lhes confere ar de seriedade e de honestidade) disponível para alcançar e manter o
poder. Estas constatações são suficientes para evidenciar uma grande distância entre o
discurso e a prática: eles não são nada cegos e imparciais quanto dizem, pois enxergam
muito bem quem querem ou não criticar com base nas leis e nas normas.
Os dirigentes dos principais órgãos públicos que regulamentam e fiscalizam
as instituições financeiras, assim como orientam e incentivam suas atividades (por
vezes pode haver conflito de interesses dentro de um órgão público que ao mesmo
tempo estimule e fiscalize as atividades de um grupo de empresas), devem estar
atentos para não se deixarem influenciar pelos diretores das instituições que, devido ao poder legal dos dirigentes, terão muito a ganhar ou a perder com suas atitudes. Uma de suas funções primordiais é a de juízes (outra é a de legisladores, o que
torna pronável a existência de influências e pressões políticas sobre os emanadores
de normas), em processos que podem chegar a muitos bilhões de dólares, embora
esta seja uma função pouco divulgada pela imprensa e, geralmente os dirigentes
não tenham suas gestões avaliadas pela qualidade de seus julgamentos, da emissão
de normas ou de suas fiscalizações. Geralmente os dirigentes são julgados apenas
pelo sucesso de suas políticas macroeconômicas ou de estímulos setoriais. O público em geral e até mesmo estudantes das áreas afins, não têm noção dos volumes
financeiros envolvidos e da grande importância social de bons julgamentos, da
emanação de boas normas, assim como de boas políticas de fiscalização.
Os dirigentes devem se manter firmes em seus julgamentos e ter coragem de
tomar as decisões que considerem ser as mais justas, e não se deixar levar por pressões
por parte da imprensa (cada vez maiores), ameaças ou seduções, o que deixaria as
sociedades desguarnecidas. Os dirigentes devem ter perfis não apenas técnicos, mas,
também, de alguém que seja ciente de que provavelmente irá enfrentar pressões e
ameaças e que, possivelmente, terá dificuldades em conseguir emprego no futuro.
Por estes motivos, muitos consideram útil a idéia de haver garantias temporárias aos dirigentes julgadores de órgãos públicos, análogas às dos juízes do judiciário, embora isto tenha que ser muito bem discutido e avaliado pelas sociedades,
porque há diferenças. Por exemplo, 100% dos juízes de primeira instância têm que
ser funcionários públicos concursados. Quanto aos juízes de segunda instância, 20%
são indicados sem serem originários do quadro de juízes de primeira instância e,
destes, alguns podem ser advogados privados, enquanto os de terceira instância podem ser todos indicados e originários de carreiras púlicas ou privadas (vide artigos 93,
94 e 101 da Constituição Federal). Quanto aos dirigentes julgadores de órgãos públi-
Capítulo 1
Aspectos Gerais
61
cos, as regras variam de órgão para órgão, havendo casos em que todos podem ser da
iniciativa pública (concursados), todos da iniciativa privada ou um mix de ambos.
Os volumes financeiros envolvidos nos julgamentos de alguns
dirigentes de órgãos públicos podem ser incomparavelmente maiores do que os volumes financeiros envolvidos nos julgamentos da
grande maioria dos juízes das diversas instâncias do judiciário, o
que evidencia a enorme importância dos julgamentos dos dirigentes (e das normas por eles emanadas) e o quanto seria útil e educativo
receberem destaques e divulgações por parte da imprensa.
É de grande importância que as sociedades fiscalizem os dirigentes julgadores
(que geralmente também são legisladores) de forma a não permitir que eles, em
decorrência de julgarem processos de forma mais condescendente para esta ou
aquela instituição (ou emanar normas atendendo a pedidos), posteriormente sejam
agraciados com empregos que os tornem milionários, ainda que pemaneçam alguns
meses de quarentena após deixarem os empregos de dirigentes julgadores/legisladores. É claro que há dirigentes que conquistam bons empregos devido a suas
capacidades técnicas e não em decorrência de maus julgamentos ou da não emanação de normas rígidas.
Mais importante do que alguns órgãos públicos terem independência
política é terem independência em relação ao mercado. A independência
política é questionável porque tanto pode gerar efeitos positivos quanto
negativos, como políticas econômicas contraditórias, tal qual em uma
grande empresa, com departamentos agindo de formas antagônicas
(um avião com turbinas descoordenadas ou funcionando em sentidos
opostos irá cair). A independência em relação ao mercado (instituições
que possuem muito dinheiro e, portanto, em qualquer lugar do mundo,
influências políticas) é fundamental para haver isenção e os dirigentes
poderem legislar e julgar processos sem pensarem em futuros
desempregos ou em futuros mega empregos no mercado. É primordial,
inclusive, que não haja desincentivos ou incentivos empíricos a respeito
e que os dirigentes não sejam correligionários dos julgados e nem os
enxerguem como futuros patrões.
Por outro lado, devem trabalhar para que não mais existam exemplos de
dirigentes ou de funcionários que, por terem tido coragem de decidir contra grandes interesses, ou emanado normas rígidas e técnicas, tenham sido destituídos dos
cargos, passando a executar funções menores (nos casos em que eram funcionários
públicos) ou tenham sido demitidos (quando tinham origem na iniciativa privada e,
portanto, não tinham estabilidade).
Apenas os que tiverem consigo o sentimento interno de certo e errado escolherão agir da segunda forma. Os que se basearem apenas nos aspectos legais e
62
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
formais e tentarem maximizar as oportunidades de ganho, inclusive fazendo uso
das “brechas das leis” (que muitas vezes podem ser encomendadas ou propositais)
ficarão tentados a seguir o exemplo dos componentes do primeiro grupo que, além
de serem mais bem remunerados e de serem classificados como profissionais de
sucesso (possivelmente recebendo prêmios), tendem a colecionar menos inimigos
ao longo de suas carreiras.
Desse modo, todo grupo que consiga permanecer com lucro econômico por muito tempo, merece especial atenção ou investigação a
respeito de possíveis existências de cartéis ou de barreiras a entradas
de novos concorrentes, que deverão ser combatidos. Talvez até órgãos
governamentais ou privados pudessem publicar ranking com os setores que apresentam maiores lucros econômicos, com o propósito de
estimular a entrada de novos concorrentes.
Retornando à questão dos lucros econômicos, observa-se que, sem a existência de barreiras a entradas, até a lucratividade dos praticantes de atividades ilegais
tenderia a cair, embora tendesse a se manter acima da de mercado devido aos
diversos tipos de riscos envolvidos.
Se essas distorções ocorressem, os órgãos fiscalizadores estariam
atuando quase como departamentos de algumas das grandes empresas, tendo a dupla função de não fiscalizá-las adequadamente e de
protegê-las dos concorrentes, sendo extremamente rigorosos com eles.
As pressões e ameaças poderiam chegar ao ponto de se pleitear aos
dirigentes que eles buscassem ser bastante convincentes (se possível
citando normas e pareceres jurídicos) nos julgamentos em que fossem
obrigados a justificar suas decisões, ou votos, perante o público, ou
perante algum órgão colegiado, tentando exigir, portanto, que os dirigentes tivessem atuações, até certo ponto, “teatrais”. Portanto, as citadas distorções devem ser evitadas ao máximo pelos dirigentes e pelas
sociedades, na medida em que, além de lhes causarem grandes
malefícios, se elas se verificassem, estariam em sintonia com o ditado
34
popular que diz “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da Lei” ,
de forma análoga a um juiz de futebol que cedesse a pressões para
aplicar as regras de forma branda em um dos times e ser extremamente severo na interpretação das jogadas e na aplicação do regulamento
sobre o outro time.
Desse modo, nas referidas situações, as atuações isoladas e extremamente
rigorosas sobre uma ou poucas instituições pequenas poderiam estar contribuindo, não para a melhoria do setor, mas sim para a deterioração da concorrência.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
63
34 É possível que haja pressões até mesmo sobre alguns órgãos da imprensa, no sentido de que
eles não divulguem, de forma completa e transparente, notícias contrárias aos interesses dos
que efetuam as pressões. Nestes casos, haveria tentativa de “censura da imprensa” por grupos
privados, o que não é condizente com os princípios democráticos. Algum nível de censura
governamental sempre terá que haver, se não poderiam ser publicados, por exemplo, livros que
ensinassem como fabricar bombas caseiras. Há muitos artigos e livros que tratam do poder da
imprensa e alguns autores chegam a chamá-lo de “quarto poder”, embora não oficial. Se algum
grupo controlar a imprensa de um país, terá a seu dispor a possibilidade de influenciar de
maneira perigosa boa parte de corações e mentes (talvez tentando realizar uma espécie de
lavagem cerebral coletiva, conforme já ocorreu por diversas vezes), tanto nos regimes de excessão,
quanto nos chamados regimes democráticos ou regimes socialistas. Da mesma forma que o
poder dos bancos é desproporcionalmente elevado, em relação aos seus patrimônios, para
realizarem grandes especulações ou manipulações, tendo em vista que trabalham alavancados,
utilizando-se de recursos dos depositantes, o poder político da imprensa também é
desproporcionalmente alto comparativamente aos seus patrimônios (pior ainda se houver
corporativismo entre acionistas de bancos que pratiquem crimes financeiros e imprensa).
Interessante observar que ambos dependem de concessões governamentais para funcionarem,
o que pode prejudicar a concorrência nestes setores. Talvez órgãos públicos devessem ter o
direito a cotas (sem custos), para realizarem propagandas de interesse coletivo, como, por exemplo, campanhas de saúde pública ou de incentivo à boa utilização do papel-moeda, cuja emissão
líquida representa receita coletiva (seignorage). Vale citar que na maioria dos países há vedações
constitucionais e nos códigos penais a emissões privadas de moedas paralelas ou complementares
- ainda que tenham apelo social - apesar de tais moedas “sociais” serem uma realidade em vários
países (em diferentes épocas), geralmente sem qualquer lastro e já existindo casos de prejuízos aos
detentores de tais moedas. Na Argentina milhões utilizavam as cédulas paralelas no início dos anos
2000, o que contribuiu para o aumento da inflação, e muitos tiveram prejuízos. Em alguns casos as
emissões de moedas sociais representam receitas apenas para os seus emissores (possivelmente
muitos emissores e seus amigos já enriqueceram) e não seguem quaisquer regras governamentais.
Isto é análogo à arrecadação privada de impostos, que é totalmente anárquica (e se a moda pega?
Seria alguma espécie de Nova Era ou Nova Ordem Mundial?). Se os países cujas constituições não
proíbam a existência de tais moedas (devem ser poucos) considerarem útil suas existências, por
supostamente estimularem as economias das comunidades carentes, elas somente poderão ser
emitidas segundo as leis que vierem a ser criadas a respeito. Argumenta-se que o dinheiro paralelo
permanece na comunidade e não flui para outros lugares mais desenvolvidos, o que normalmente
ocorre em decorrência dos serviços locais serem menos competitivos (há aí um trade-off entre
eficiência e distribuição de rendas a ser analisado). Estes efeitos e seus riscos poderiam ser objeto
de extensas e aprofundadas pesquisas econômicas, estatísticas e empíricas, inclusive com o desenvolvimento de modelos matemáticos, e não objeto apenas de discussões verbais ou superficiais.
Poder-se-ia chegar a conclusões contra ou pro moedas complementares, que, neste caso, viriam a
ser incentivadas pelos governos, que, na maior parte das vezes, necessitariam emendar suas Constituições e ainda poderiam imprimir, criar elementos de segurança nas cédulas e combater eventuais falsificações. É imprescindível que a seignorage seja governamental (caso contrário
poderia haver anarquia, com enorme boom de emissões de moedas paralelas, principalmente para
milhares de comunidades carentes e de favelas em tantos países, com as respectivas seignorages
privadas e anárquicas, como ocorreu na Argentina, com potencial de desestabilizar os sistemas
monetários), podendo haver eventuais subsídios aos carentes, possivelmente sendo parte de programas sociais. Outro item importante seria a educação financeira, com a conscientização a respeito
do enorme risco de se viver com elevados graus de endividamento, até para se contraporem às
empresas de cartões de crédito. A crise de 2008 tem revelado como há cidadãos americanos,
mesmo os que têm curso superior, excessivamente endividados. Possivelmente influenciados por
propagandas massificadas de incentivo ao endividamento, até para consumo de supérfulos.
64
MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
Somente ações generalizadas, duradouras e isonômicas por parte dos órgãos
fiscalizadores, em relação a empresas de diferentes tamanhos e segmentos de atuação, são capazes de lograr êxito no sentido de promover a concorrência, reduzir as
margens de lucro a níveis de mercado e defender as sociedades de eventuais desvios
de recursos por parte dos participantes nocivos.
Vale citar que as punições aplicadas pelos órgãos de fiscalização ou propostas por eles ao poder judiciário (no caso do Brasil, as denúncias são propostas ao
Ministério Público, para que este decida, mediante análise, se as remeterá ao poder
judiciário) devem respeitar o princípio jurídico da proporcionalidade, ou seja,
devem ser grandes quando se tratar de desvios de grandes volumes financeiros e
pequenas quando se tratar de valores reduzidos.
Outro princípio jurídico freqüentemente citado pelos juristas é o da
razoalilidade, segundo o qual pequenas falhas, acessórias e não intencionais, não
deveriam ser punidas severamente, merecendo, talvez, apenas advertências35 a respeito das falhas. Realmente, baseando-se na constatação de que cometer pequenos
erros faz parte da natureza humana (a maioria das pessoas aceita a realidade de que
não há ser humano perfeito), mesmo os participantes bem intencionados provavelmente irão cometer pequenas falhas acessórias e buscarão corrigi-las. Segundo o
princípio jurídico da razoalilidade, esses participantes não deveriam receber punições exemplares em decorrência de pequenas falhas, sob pena de se estar praticando grandes injustiças. Analogamente, há prática de grandes injustiças quando não
são aplicadas punições severas aos participantes que praticam ilícitos de milhões
ou de bilhões de dólares, mesmo considerando que os praticantes de tais crimes do
colarinho branco têm condições de contratar bancas de advogados ou escritórios de
advocacia extremamente caros para defendê-los das acusações constantes nos processos civis e criminais que sejam instaurados contra eles.
Vale citar que esses últimos participantes geralmente mantêm ótimas equipes de funcionários e contratam bons assessores, com o propósito de que suas
instituições cumpram rigorosamente os aspectos formais. O objetivo desses participantes é não serem enquadrados em pequenas falhas acessórias, pois, aos olhos dos
órgãos fiscalizadores, essas falhas poderiam chamar atenção para os ilícitos de
milhões ou de bilhões de dólares. Em outras palavras, os praticantes dos grandes
crimes financeiros geralmente não cometem pequenas falhas, pois essas poderiam
representar a “ponta do iceberg” para os órgãos fiscalizadores. Ao mesmo tempo,
eles poderão se valer do perfeito cumprimento dos aspectos formais para se autointitularem “grandes cumpridores das leis e das normas”, com o propósito de adquirirem ares de honestidade com o propósito de não levantarem suspeitas.
Vale lembrar que do ponto de vista das fiscalizações do sistema financeiro,
instituições privadas, como bolsas, entidades de balcão organizado e câmaras de
liquidação e de custódia, também podem prestar grandes colaborações na identifi35 Advertência é a pena mais branda prevista no artigo 11 da Lei n° 6.385/76 e no artigo
44 da Lei n° 4.595/64 (Lei que criou o Banco Central do Brasil) e geralmente não é aplicada
em caso de reincidência das falhas, sendo necessário aplicar penas de graus mais elevados.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
65
cação de operações irregulares ou ilícitas, na punição dos responsáveis (até os limites legais de suas competências) e na comunicação das operações às autoridades
governamentais. A capacidade do mercado efetuar um auto-policiamento é conhecida como auto-regulação. É preciso estar atento, entretanto, ao fato de que a autoregulação deve ser vista como complemento e jamais como substituto das fiscalizações exercidas por órgãos governamentais, até porque as leis geralmente não conferem poder de polícia às instituições privadas e elas não têm competência legal para
efetuar punições de graus mais elevados.
Baseando-se na teoria dos jogos, é razoável acreditar que a auto-regulação
tende a apresentar melhores resultados quando os custos por eventuais falhas em
detectar e prevenir atividades irregulares ou ilícitas seja arcado pelo próprio mercado e não por toda a coletividade, como ocorre nos casos em que Bancos Centrais
ou bancos públicos de fomento arcam com os custos. Por exemplo, se os prejuízos
causados pelo desvio de recursos de bancos ou de empresas (ou pela manipulação
de preços, ou por alguma outra ilicitude) tivesse que ser arcado por “Fundos Garantidores de Liquidações” mantidos por bancos ou empresas privados (sem prejuízo das ações penais contra os responsáveis, a serem aplicadas por órgãos governamentais), certamente os bancos e empresas teriam maiores incentivos em efetuar o
auto-policiamento com grande eficácia, na medida em que, se eles (ou algum órgão
independente mantidos por eles) falhassem em detectar e prevenir fraudes, as próprias
empresas ou bancos privados teriam que arcar com os custos.
A idéia de se utilizar órgãos independentes mantidos por bancos ou empresas
para efetuar o auto-policiamento, em vez das instituições se fiscalizarem diretamente
pode ser justificada quando as instituições não querem que os concorrentes tenham
acesso às suas operações e estratégias. Desse modo os órgãos teriam que fiscalizar os
bancos ou empresas e manter as informações sob sigilo, de forma semelhante aos
órgãos governamentais de fiscalização. Quando bancos ou empresas ultrapassassem
limites de risco ou praticassem algum tipo de ilicitude que pudessem gerar desembolsos para os Fundos Garantidores de Liquidações, os administradores e controladores
das referidas instituições teriam que se “enquadrar”, segundo regras criadas e aprovadas pelas próprias instituições, que seriam os cotistas dos referidos fundos.
Em nossa opinião (embora muitos discordem com veemência) se essas regras já existissem, se os países mais fortes e os organismos supranacionais, como a
ONU, já tivessem sido capazes (é necessário haver intenção e força) de eliminar a
possibilidade de existência dos paraísos fiscais e, principalmente, se os esforços
das parcelas boas das sociedades (que tendem a ser maiores a medida que elas
tomem mais conciência) já tivessem sido suficientes para tornar bastante eficazes
os órgãos públicos responsáveis pelas punições aos criminosos do colarinho branco, a ponto de fazê-los temer as punições e não cometerem novos crimes, dificilmente crises como a do ano de 2008 ocorreriam.
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MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
A imensa maioria dos cidadãos comuns do mundo ocidental é totalmente
contrária à existência de extremos: de um lado países cujas ações dos Estados são
anuladas ou neutralizadas pelos enormes poderes de reação e de influência dos
criminosos do colarinho branco, capazes de combater implacavelmente os que lhes
combatem (até para darem exemplos e desencorajarem futuras tentativas de se
fazer justiça), mesmo quando desviam milhões ou bilhões de dólares; do outro,
países, como a China, que executam (fuzilam) os criminosos do colarinho branco,
ainda que não desviem valores tão elevados. Segundo a Anistia Internacional, em
2008 houve pelo menos 2.390 execuções legais em 25 países no mundo, sendo a
China o país com o maior número - 1.718.
É fácil perceber que a manutenção de Fundos Garantidores de Liquidações
representariam custos extras para os bancos ou para as empresas que os mantivessem36, mas, do ponto de vista social, a prática tem demonstrado que esses custos
seriam muito inferiores aos custos sociais referentes aos aumentos de dívidas públicas decorrentes da injeção de recursos públicos pelos Bancos Centrais ou pelos
bancos públicos de fomento, em bancos ou empresas com dificuldades financeiras.
Estes custos podem ser estimados, por exemplo, a partir da multiplicação
dos volumes injetados, pela diferença entre as taxas de juros subsidiadas dos empréstimos às instituições em dificuldades (conforme já dissemos, os subsídios geralmente são disfarçados por meio de complexas operações de engenharia financeira) e as taxas de juros de mercado que os governos pagam para rolar suas dívidas
públicas, por meio da licitação pública de títulos.
Lembramos novamente, que é muito importante que os governos, antes de
concederem empréstimos ou de efetuarem operações específicas que reduzam as
dificuldades financeiras dos bancos ou das empresas, constatem que as empresas ou
os bancos que estiverem recebendo injeção de recursos públicos, não estejam em
dificuldades por razões de desvio de recursos por parte dos seus administradores
(gestão fraudulenta, crime previsto na Lei n° 7.492/1986) ou em razão de outros
problemas semelhantes.
Como se sabe, mesmo quando tiver ocorrido desvio de recursos (possivelmente os recursos são enviados para paraísos fiscais situados no exterior), os dirigentes, em geral, não irão admitir este fato e possivelmente irão alegar dificuldades
de mercado (eventualmente causadas por decisões econômicas governamentais ou
por falta de apoio dos governos). Geralmente também se utiliza o argumento de que
é necessário evitar custos sociais elevados, devido à perda de emprego dos funcionários, como justificativas para solicitar as ajudas financeiras aos governos. Somente as
fiscalizações externas podem constatar as verdadeiras razões das dificuldades financeiras, embora as fiscalizações também possam falhar.
36 Segundo a teoria microeconòmica os custos seriam divididos com os consumidores
dos serviços prestados pelas empresas ou pelos bancos. Se as curvas de demanda dos
consumidires tivessem maior elasticidade-preço do que as curvas de ofertas das empresas
ou dos bancos, estes últimos tenderiam a arcar com a maior parte dos custos, caso contrário, os primeiros tenderiam a arcar com maiores proporções dos custos totais.
Capítulo 1
Aspectos Gerais
67
Mesmo quando não houver gestão fraudulenta, seria fundamental
que se exigisse dos administradores e acionistas controladores a venda de bens e a injeção de recursos particulares como forma de contribuição e de demonstração de confiança na recuperação econômica
dos bancos e das empresas. Não se pode jogar toda a responsabilidade nas costas do governo, para que este injete apenas dinheiro público
(tendo, portanto, a tão criticada atitude paternalista e populista) no
plano de recuperação. Além disso, já foram noticiados casos de bancos que receberam ajudas dos governos e, em seguida, pagaram bônus
elevadíssimos aos seus diretores, os mesmos que levaram os bancos a
situação de passivos a descoberto. Parece fácil ser caridoso com dinheiro alheio, principalmente quando os que recebem dinheiro são
abastados e influentes e, portanto, têm capacidade de retribuir favores,
até com empregos muito bem remunerados.
Baseando-se também na teoria dos jogos, se os diversos órgãos de fiscalização e os órgãos responsáveis pela punição forem ineficazes em detectar fraudes e
punir os responsáveis, haverá tendência de que os praticantes das atividades irregulares ou ilícitas se perpetuem, e até mesmo aumentem suas participações nas rendas totais dos países, acarretando, conseqüentemente, brutal redução na parcela de
renda destinada à grande maioria dos agentes econômicos, que trabalha da forma
correta. Conforme já dissemos, os ganhos decorrentes de crimes praticados no
mercado financeiro ou em empresas podem ser de vários bilhões de dólares.
Vale observar que alguns países, no passado, efetuavam grandes divulgações
das prisões dos participantes que praticaram atividades ilícitas no âmbito do mercado financeiro, possivelmente com o propósito de inibir os que tivessem intenção
de praticar crimes semelhantes no futuro (para que realmente existam os aspectos
coercitivos das leis). Essas divulgações também são importantes para sinalizar para
as sociedades que os órgãos responsáveis pelas fiscalizações e pelas punições dos
participantes que praticam os crimes na área financeira, previstos em lei, não se
submetem a pressões e/ou ingerências externas e, desse modo, conseguem ser eficazes e cumprir as funções para as quais foram criados. Não divulgar as prisões
desses criminosos significa dar-lhes status privilegiados, sem qualquer justificativa.
Por outro lado, a sinalização para a sociedade será oposta e demandará algum tipo de reação organizada, se os investigadores de crimes do colarinho branco
ao realizarem ótimos trabalhos forem perseguidos, em vez de elogiados ou promovidos. Dentre as funções dos investigadores (que, em algumas situações, para serem
respeitados, têm que ter perfil policial e não de funcionários públicos de escritórios, que não são treinados, não dispõem de meios de defesa e nem têm perfis para
lidar com indivíduos de alta periculosidade), destaca-se a de proteger as sociedades
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MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
das ações dos participantes nocivos, cujos objetivos são os de desviar, ilicitamente,
parcelas significativas das rendas das sociedades, sem oferecer, em troca, quaisquer
contrapartidas pelo lado da produção.
Outro ponto muito importante para haver eficácia nas investigações, é que
os órgãos prestem assessoria jurídica aos investigadores quando estes forem individualmente processados pelos criminosos, por estarem sendo importunados (qualquer pequena falha acessória ou em formalismos será motivo), contratando, inclusive, escritórios de advocacia caros e famosos. A ameaça de processar individualmente os investigadores é mais um instrumento de coação a ser utilizado pelos
criminosos. É possível que os investigados (criminosos) pressionem os dirigentes
dos órgãos para deixarem os investigadores desamparados. Talvez a justiça devesse
recusar sumariamente tais processos individuais, transferindo-os automaticamente
para os órgãos, que têm mais condições de se defender, inclusive por disporem de
departamentos jurídicos.
O aumento e estímulo aos convênios entre órgãos técnicos e policiais dos
governos tende a aumentar a eficácia de ambos, tanto do ponto de vista da realização
de operações conjuntas de fiscalização, quanto da troca de informações. Por outro
lado, o excesso de burocracia entre os órgãos tende a prejudicar o resultado final. É
de se esperar que os fiscalizados com poderes políticos trabalhem neste sentido.
No caso do Brasil, novamente lembramos que há diversas leis que definem
e tipificam crimes no âmbito dos mercados financeiros e que prevêem multas e
penas de reclusão para os que praticam os crimes.
É importante mencionar novamente que os praticantes dos crimes, ao planejarem suas estratégias, geralmente se utilizam da dissimulação (além de grande
astúcia) como forma de dificultar seus enquadramentos nos crimes previstos nas
leis. É provável que os planejadores sejam extremamente cuidadosos e perfeccionistas
(inclusive sendo impecáveis no sentido de não cometerem quaisquer falhas acessórias), principalmente quando os volumes envolvidos forem de grande monta.
Uma externalidade negativa dos derivativos é, sem dúvida, a de poderem ser
utilizados como poderosos instrumentos de dissimulação de fraudes. Devido à complexidade de alguns contratos, os criminosos praticam os crimes utilizando farta
argumentação econômico-financeira para tentar convencer, principalmente as autoridades que não tenham grande familiaridade com o tema, que as operações são
não apenas úteis, mas, também, indispensáveis às sociedades, ou a determinadas
entidades públicas ou privadas que as tenham praticado. Quando há entidades públicas envolvidas, os prejuízos podem alcançar cifras gigantescas, que certamente
serão recursos que deixarão de servir a outros setores das sociedades, inclusive
saúde, educação e saneamento básico.
Portanto, é de fundamental importância que os responsáveis pelos julgamentos dos inquéritos referentes a tais crimes tenham em mente que, quase sempre,
não conseguirão obter provas cabais que caracterizem a prática dos crimes segundo
Capítulo 1
Aspectos Gerais
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as leis. Quase sempre os praticantes dos crimes terão argumentos (cuidadosamente
pesquisados) para mostrar que suas intenções eram outras.
Entretanto, geralmente é possível deduzir, a partir do amplo conhecimento
das operações, em todas as suas complexidades, que, em essência, houve a prática
do crime, embora, na forma, o crime não esteja perfeitamente caracterizado segundo os artigos da lei, ou, como diriam alguns, segundo a “letra fria da lei”.
A título de exemplo, vamos admitir que um administrador de uma entidade
de investimento coletivo, após combinação prévia com determinada pessoa física,
efetue empréstimo, utilizando recursos dos cotistas, de US$ 200 milhões à referida pessoa física, a taxa de juro de 7,5% pelo período de um ano, enquanto as taxas
de juros de mercado estavam em 12,5% para o mesmo período, mas dissimule o
empréstimo por meio de operações em derivativos que propiciam renda fixa (utilizando, por exemplo, as operações mostradas na seção 18.1.4). A pessoa física
aplicaria os recursos captados a taxas de mercado, por exemplo, comprando títulos
públicos, obtendo lucro de (12,5% - 7,5%) x US$ 200 milhões = US$ 10
milhões. Os US$ 10 milhões serão então repartidos com o administrador da
entidade de investimento coletivo. Neste exemplo, o administrador estaria, em
essência, praticando gestão fraudulenta da entidade (crime previsto no art. 4° da
Lei n° 7.492/86), na medida em que os cotistas da entidade estariam deixando de
receber os US$ 10 milhões que a pessoa física lucrou, embora, na forma, estivesse
apenas operando em derivativos.
Em situações semelhantes à ilustrada neste exemplo, o conhecimento
aprofundado das operações envolvendo derivativos, certamente contribuiria no sentido de propiciar aos julgadores, a segurança necessária para não acatarem eventuais argumentos equivocados sobre o tema.
No exemplo apresentado, o administrador da entidade de investimento coletivo ou outros profissionais da área financeira poderiam argumentar, inclusive
por meio de pareceres, que se trataria de “operações sofisticadas”, de “operações
complexas” ou de “operações de hedge” envolvendo derivativos, e que, ao final,
seriam perfeitamente lícitas, tendo em vista que as operações teriam propiciado
rentabilidade positiva de US$ 15 milhões aos cotistas ou aos participantes da
entidade de investimento coletivo. No entanto, no exemplo apresentado ficou perfeitamente claro que a rentabilidade obtida foi US$ 10 milhões inferior à rentabilidade de mercado, não restando quaisquer dúvidas de que, em essência, o art. 4°
da Lei n° 7.492/86 foi infringido.
Há ainda muitos exemplos práticos de crimes financeiros bem mais escancarados do que o citado, como o do administrador de fundos americano Bernard
Madoff que, segundo diversos jornais, montou esquema de pirâmide financeira no
qual os primeiros aplicadores eram financiados pelos que entravam posteriormente
e no qual não havia lastro para todo o capital aplicado. Apesar do referido administrador ter sido presidente da bolsa americana NASDAQ, o que lhe garantia maior
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MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
credibilidade para captar recursos e iludir, segundo os jornais o prejuízo estimado
em 2008 aos aplicadores era de cerca de US$ 50 bilhões. Além disso há previsões
de milhões de investidores lesados em muitos países e milhares de açoes judiciais.
Este exemplo comprova como as autoridades fiscalizadoras americanas falharam em não detectar crime tão gritante. Com o propósito de aperfeiçoar os processos de fiscalização seria fundamental
que se investigasse o porquê das falhas. Quais os departamentos,
níveis hierárquicos ou pessoas que falharam e não apenas utilizar o
fácil argumento de que “o órgão falhou”. Inclusive porque dentro
do órgão de fiscalização que falhou, certamente havia pessoas que
eram favoráveis a atitudes, decisões e julgamentos de processos mais
enérgicos contra maus administradores, mas que simplesmente foram ignoradas e, em algumas situações podem até ter sido penalizadas, sofrido assédio moral ou recebido aguma espécie de carimbo
ao estilo “Fora de Validade”, passando a ficarem isolados e a serem
classificados como pessoas de difícil adaptação. A única razão para
não serem demitidos é a existência de estabilidade.
Devido a esta possibilidade, há correntes que defendem a existência de proteções temporárias, como a indemissibilidade e a inamovibilidade, para os que
investigam e julgam processos contra criminosos do colarinho branco, que, reconhecidamente, possuem enormes poderes políticos e de reação. Até por lhes ser
permitido o financiamento das campanhas de deputados, senadores e candidatos a
cargos executivos, com cifras vultosas. Por vezes financiam as campanhas dos dois
ou três candidatos com maiores chances de se elegerem a um mesmo cargo executivo e qualquer um que vencer lhes deverá favores. Cada vez mais há pessoas favoráveis a limitar as propagandas polílicas aos espaços gratuitos existentes na imprensa, sendo vedados quaisquer outras formas de propagandas (seja com recursos públicos ou privados) por mais ricos que sejam os candidatos ou por maiores que
sejam os interesses dos grupos que os apoiam.
É interessante observar que este e outros crimes de proporções bilionárias
foram cometidos por pessoas e entidades da iniciativa privada, o que deveria quebrar o mito de que somente órgãos públicos podem cometer desvios. Assim como
o de que a iniciativa privada é o único celeiro de tudo o que é bom e honesto, muito
embora seja bem mais ágil e menos burocrática.
Entretanto, algumas pessoas parecem ter sido doutrinadas de forma tão eficaz
que dificilmente mudam de opinião ou se rendem aos fatos (vale o ditado: contra
argumentos não há fatos). Como se sabe, geralmente os seres humanos não são puramente racionais, mesmo os que têm formação em áreas técnicas ou financeiras. O
tipo de formação e de escola que eles tiverem tido, os professores, assim como as
Capítulo 1
Aspectos Gerais
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experiências pessoais, as religiões, os grupos sociais com os quais se relacionam e até
as doutrinas predominantemente divulgadas pela mídia de seus países (que têm enorme variância dependendo do regime e do governo), tenderão a influenciar bastante
suas opiniões e avaliações, podendo gerar enormes vieses e radicalismos.
Em alguns países as pessoas chegam a se dividir ou segregar em diferentes
etnias, castas e religiões, não permitindo que haja misturas ou casamentos entre os
diferentes grupos. Podem haver também, grandes resistências em aceitar quaisquer
argumentos ou acusações, mesmo que reais e irrefutáveis, contra membros dos seus
grupos, ainda mais quando houver sentimentos de superioridade ou rancores em relação aos membros dos outros grupos (por vezes seculares ou milenares e repassados
para as gerações futuras). Nestas situações o corporativismo pode prejudicar a punição aos culpados37 e os julgamentos podem se tornar formas de disputa de poder.
É claro que não se pode permitir que cargos de dirigntes de órgãos públicos
se tornem cobiçados, por certos grupos, em razão de propiciarem mais poder,
manutenção de barreiras a entradas em certos ramos de atividade, mantendo, portanto, lucros econômicos por longos períodos e, também, julgamentos favoráveis
aos grupos, em uma espécie de busca sem fim, talvez passada de geração em geração. Conforme já dissemos, qualquer ramo de atividade que propicie lucro econômico por muito tempo merece investigação, não apenas de órgãos públicos, mas,
também, das sociedades como um todo, dado que elas estarão sendo prejudicadas,
tanto por pagarem mais caro pelos produtos, quanto por deixarem de exercer atividades altamente rentáveis. Criar ou aceitar a existência de tabus a respeito de tais
temas em nada contribuirá.
Na realidade, em qualquer área ou grupo podem haver pessoas de má índole
e que, portanto, precisam ser fiscalizadas e julgadas com isenção. As parcelas de
boa índole das sociedades necessitam se organizar e reagir, policiando, pressionando e cobrando (talvez com protestos organizados, em alguns casos) dos órgãos
públicos que sejam eficazes em defendê-las. Inclusive avaliando os dirigentes de
órgãos públicos pelas qualidades de seus julgamentos, dado que eles frequentemente julgam processos referentes a cifras gigantescas, que, se arquivados, normalmente nem vão ao judiciário. Os advogados dos réus, dentro das regras legais, lançam
mão de princípios jurídicos que covêm aos seus clientes, como, non bis in idem (os
réus não poderiam ser julgados duas ou mais vezes a respeito de um mesmo fato)38
ou in dubio pro reu (na dúvida, julgue em favor do réu) e citam ainda que, no
Brasil, a presunção é de inocência.
Também é preciso protestar contra as tendenciosidades de alguns órgãos da
imprensa em favor de criminosos do colarinho branco, normalmente abastados e
37 Como se sabe, em jogos de futebol entre times de diferentes países é tradição chamar
juízes de terceiros países, por se considerar provável haver falta de isenção dos juízes, se
eles fossem da mesma nacionalidade de um dos times, ainda que eles sejam bastante
técnicos e sigam todos os formalismos e ritos legais. Pressupõe-se que parcelas significativas dos seres humanos não conseguem ser 100% imparciais, mesmo considerando que se
esforcem e recebam treinamento técnico intensivo.
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MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO
VOLUME 1
influentes (inclusive abafando crimes e falhas dos amigos e superexpondo os crimes
e falhas dos inimigos). É determinante que haja tomada de consciência, organização e articulação por parcelas cada vez maiores das sociedades, inclusive para criar
força política, embora este seja um termo bastante desgastado.
Não se pode permitir que um velho ditado seja desafiado e desrespeitado para sempre: “É possível enganar muitos por pouco tempo...
Também é possível enganar poucos por muito tempo... Mas não é
possível enganar muitos por muito tempo...”
Certamente não se trata de tarefa fácil ou isenta de todo tipo de sabotagem,
perseguição, resistência... Porém, o que ocorrerá se as sociedades tiverem atitudes
passivas, de alienação e de conformação, com comportamentos moldados e padronizados para a total obediência a políticas econômicas, sociais e educacionais que,
em última análise, tenham como objetivos doutrinar boa parte das pessoas para que
elas próprias combatam questionamentos e lutem fervorosamente para a manutenção do status quo? E se os criminosos de quantias tão gigantescas (que, ao contrário, podem se utilizar de estratégias globalizadas e milenares, talvez mais poderosas do que os poderes individuais da maioria dos governantes, e agir de forma
corporativa e extremamente organizada) vierem a ter certeza da impunidade e a
clara sensação de que o crime compensa? E se os anos mostrarem que os criminosos organizados sempre acabam levando a melhor, possivelmente com o apoio da
imprensa, em relação aos policiais, inspetores, presidentes dos países e de organismos supranacionais, juízes e demais componentes e dirigentes de órgãos públicos
que lhes combatam de forma séria? Porque pararão de desfrutat de tudo o que a
riqueza, o elevado status social e o enorme poder sobre o mundo podem proporcionar, ainda que pudessem exercer, por terem estudos e conhecimentos necessários,
atividades convencionais e com remunerações razoáveis ou boas? Porquê abandonarão suas estratégias e doutrinas se elas proporcionam tanto bem-estar a suas
desvirtuadas, malignas e medíocres funções utilidade.
38 Por exemplo, se os réus tiverem sido inocentados na esfera administrativa, os advogados argumentarão que seus clientes não poderão ser julgados novamente no judiciário
pelo mesmo fato. Alguns tentam argumentar que até julgamentos preliminares efetuados
por órgãos privados, como conselhos de bolsas ou de câmaras de liquidação e de custódia poderiam ensejar o non bis in idem e, deste modo, os advogados tentariam impedir
outros julgamentos, tanto por parte de órgãos públicos, na esfera administrativa, quanto
por parte do judiciário. Há, entretanto, pessoas com opiniões diferentes, que argumentam que não se deveria mesclar as esferas administrativa e judiciária. Interessante observar que a recíproca não é verdadeira, ou seja, os réus que forem condenados nas instâncias preliminares sempre poderão ser julgados novamente por instâncias administrativas
e judiciárias e, possivelmente, serem inocentados. Por exemplo, podem haver três instâncias na esfera administrativa, além de todas as instâncias do judiciário.
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