Entrevista com Prof. Sandro Rizoli

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ENTREVISTA
Pesquisas em Trauma
◗Médico atuante no Canadá avalia atendimento ao traumatizado e
comenta procedimentos importantes descobertos durante conflitos atuais
O
médico Sandro Rizoli foi um dos primeiros cirurgiões contratados pela então recém-criada Cirurgia do Trauma da Unicamp
(Universidade de Campinas). Gostou tanto dessa área de atuação que resolveu ir para o Canadá e aprimorar seus conhecimentos
nessa especialidade, e não voltou mais ao Brasil. Sua atuação em atendimento ao traumatizado e Medicina Intensiva renderam conhecimentos que o levaram a fazer pesquisas no campo de contenção de
sangramento após o trauma. O assunto despertou o interesse dos militaO SENHOR ATUA EM TRAUMA E
EMERGÊNCIA NO CANADÁ. COMO
AVALIA O ATENDIMENTO DESSAS
ÁREAS NO PAÍS HOJE?
Existe no país inteiro o que eles chamam de
Sistemas de Trauma, organizados para atender
este tipo de paciente. Após um acidente,
res, pois soldados atuantes nas guerras, como do Iraque e Afeganistão
necessitam constantemente desse tipo de tratamento - já que são atingidos por explosões, o que pode causar traumatismos. Assim, Rizoli
conseguiu patrocínio para seus estudos, que forneceram dados capazes
de inovar o atendimento ao traumatizado, diminuindo o risco de morte
e sequelas. Sobre essas descobertas e a estrutura dos centros de trauma no Canadá, Rizoli falou à Emergência.
Por Priscilla Nery
alguém rapidamente liga para o número 911
(número para emergências) de qualquer telefone e, em questão de minutos, a ambulância
chega ao local, dá o atendimento inicial e leva
o paciente para uma unidade de saúde. Se o
trauma for grave, o paciente é transferido direto
para um Centro de Trauma, e não para um hos-
PERFIL
PRISCILLA NERY
SANDRO RIZOLI
Formado em Medicina pela Universidade
de Campinas (Unicamp), em 1984, Sandro
Rizoli trabalhou junto à primeira turma de
Cirurgia do Trauma na instituição de ensino.
Permaneceu na Unicamp por três anos. Em
seguida, fez um fellowship (especialização)
em Cirurgia do Trauma no Canadá. Atualmente, é professor de Cirurgia do Trauma e
Medicina Intensiva da Universidade de Toronto, e diretor de Pesquisa em Trauma no
Sunnybrook Health Sciences Centre. É ainda
autor da pesquisa “Novos avanços em
reanimação do traumatizado com choque
hemorrágico”.
pital pequeno, que não está preparado para
atender estes doentes. Eu trabalho no Sunnybrook Health Sciences Centre, referência em
atendimento ao traumatizado. No Canadá, o
doente não só tem um bom atendimento no
pré e intra-hospitalar, mas conta também com
uma boa estrutura de pós-hospitalar e reabilitação. Existem reabilitações específicas, como
para quem perdeu as pernas ou sofreu trauma
de crânio.
AQUI NO BRASIL, O SENHOR PODERIA
AVALIAR?
Definitivamente, o Brasil melhorou muito
desde que eu deixei o país. Há 20 anos, a ambulância era táxi - pegava o indivíduo em casa
e levava ao hospital para fazer Quimioterapia,
por exemplo. Um acidentado era socorrido por
quem passasse pelo local do acidente e tivesse
um carro. Hoje em dia, não. A maioria das cidades brasileiras tem ambulância. Há muito
para se melhorar ainda, mas é impressionante
o quanto que, em poucos anos, o Brasil progrediu com o atendimento pré e intra-hospitalar.
A SBAIT - Sociedade Brasileira de Atendimento
Integrado ao Traumatizado - é um ótimo exemplo também. Quando me mudei para o Canadá,
a SBAIT era uma entidade pequena. Atualmente,
ela se tornou uma sociedade nacional, que traz
pessoas de vários lugares, interessadas em
melhorar a qualidade no atendimento ao
traumatizado. Reabilitação talvez seja a única
área em que não vejo grandes avanços. Acho
que o Brasil ainda carece muito no cuidado do
paciente depois que ele sai do hospital.
UM DOS SEUS PRINCIPAIS TRABALHOS
HOJE É NA PESQUISA SOBRE ENSAIOS
CLÍNICOS NA COAGULAÇÃO,
RESSUSCITAÇÃO E INFLAMAÇÃO. QUAIS
SÃO AS PRINCIPAIS DESCOBERTAS EM
8 8 Emergência
Emergência
FEVEREIRO / 2012
RELAÇÃO A ESTAS PESQUISAS?
A maioria das mortes por acidentes ocorre
porque a vítima bate a cabeça, é o famoso TCE
(Trauma Crânio-Encefálico). A segunda grande
causa de morte por acidentes é o sangramento.
O que eu estudo é sangramento em geral, essa
é a minha área de pesquisa. Sabemos que o
doente traumatizado sangra muito, e, portanto,
consome muito sangue. Ele depende do que
estiver disponível no banco de sangue para se
recuperar.
Descobrimos que o doente traumatizado,
logo após o trauma, não coagula direito. Normalmente, se você bater seu braço, ficará uma
mancha roxa devido ao sangramento, mas ela
para ali. O indivíduo traumatizado, depois de
um trauma severo, já está sangrando e não
para de sangrar, pois há um defeito na coagulação deste paciente. Em 2003, surgiu o primeiro estudo mostrando que esses indivíduos
não estavam coagulando adequadamente. Não
é que eles coagulam zero, mas o sangue não
forma coágulo forte o suficiente. Assim, entram
num ciclo: já estão sangrando e não coagulam
direito, então sangram mais. Se o ciclo não for
interrompido, o indivíduo morre. Há uns dez
anos, percebemos que, quando você tem um
indivíduo traumatizado que está sangrando
muito, não adianta tentar achar o vasinho que
está sangrando, pois ele sangra por todo lugar.
Aprendemos que a melhor coisa é você “empacotar” este paciente. Então, em vez de tentar
reparar o fígado, você insere compressas para,
literalmente, “embrulhar” ou “empacotar” o
órgão lesado. Estas compressas aproximam as
bordas do fígado traumatizado e o fazem parar
de sangrar. Esse tipo de cirurgia se chama
Damage Control, e tem por objetivo manter o
paciente vivo até que tenha a temperatura,
coagulação e nível de pH estáveis, a fim de
que esteja em boas condições para a realização de uma cirurgia para reparar completamente o fígado, o que pode durar horas. Essa
é a única forma de parar um sangramento
difuso. Então, todos os meus estudos buscam
esclarecer, em primeiro lugar: por que na hora
em que você mais precisa do seu sistema de
coagulação para sobreviver, o seu corpo não
consegue coagular direito? A segunda coisa
é: como tratar esse problema de coagulação?
Praticamente, a única maneira que existe, hoje
em dia, de corrigir a coagulação, como o que
acontece depois do trauma, é repor para o
indivíduo os elementos sanguíneos que participam da coagulação, como plaquetas, fator de
coagulação, fibrinogênio e vários nutrientes de
que o sangue está precisando.
ISSO OCORRE POR MEIO DE
FEVEREIRO / 2012
“
Reabilitação talvez seja a única área
em que não vejo grandes avanços.
Acho que o Brasil ainda carece
muito no cuidado do paciente
depois que ele sai do hospital
TRANSFUSÃO OU MEDICAMENTO?
Antes, quando nos deparávamos com uma
pessoa traumatizada após um acidente, a regra
era injetar neste paciente dois litros de soro
fisiológico, que nada mais é do que água e sal.
Recentemente, aprendemos que pode não ser
a melhor coisa injetar dois litros de água e sal
num indivíduo que já perdeu muito sangue. O
sangue dele está diluído, e o soro só dilui ainda
mais. Hoje em dia, a proposta é, se você tem
um doente sangrando maciçamente, que
comece o mais cedo possível a repor sangue
para este paciente. Você não ressuscita mais
o doente com água e sal primeiro e, mais tarde,
faz a transfusão de sangue. Já começa a
ressuscitação direto com sangue. Existe uma
droga chamada Fator de Coagulação 7A. Ela
é cara e, por um tempo, achamos que seria a
solução para os grandes sangramentos causados por trauma. Porém, o indivíduo traumatizado não tem um problema simples de coagulação. Na verdade, a coagulação está com
problema em várias fases e uma única droga
não consegue resolver. Infelizmente, o fator
7A é insuficiente e não é mais usado. Hoje, o
melhor é tratar os múltiplos problemas de coagulação, repor todos os fatores de coagulação.
Você tem que repor todos, e rapidamente,
senão, será tarde demais.
E SE NO CASO A REPOSIÇÃO COM
SANGUE NÃO FOR POSSÍVEL, POIS NEM
SEMPRE HOSPITAIS E MENOS AINDA O
APH TEM UM BANCO DE SANGUE? O
QUE FAZER?
Nessa situação, o médico tem que tentar fazer o melhor dentro das circunstâncias em que
ele está. O melhor é começar com sangue, se
não tiver sangue, então a alternativa é dar
colloides (como Hemacel ou similares), e se
não tiver colloides, dar soro fisiológico mesmo.
Quando não há sangue disponível, parar o
sangramento se torna ainda mais urgente.
DE QUE FORMA ESSAS DESCOBERTAS
PODEM AUXILIAR O ATENDIMENTO AO
TRAUMA E ÀS EMERGÊNCIAS?
Fizemos um estudo em pacientes trauma-
tizados no momento que chegavam na emergência, sangrando. Dosávamos os fatores de
coagulação destes pacientes. Descobrimos
que, no doente que não está coagulando direito, um fator de coagulação (o número 5) era
o primeiro a faltar, e era sempre o mais baixo.
A única maneira de repor esse fator de coagulação é dar plasma, pois plasma tem todos os
fatores coagulação. Mas existe uma proposta
recente: fatores de coagulação sintéticos. Um
muito famoso é o Prothrombin Complex (PCC),
um concentrado de fatores de coagulação. Há
quem acredite que, quando o doente traumatizado chega, esses fatores sintéticos devem ser
usados, em vez do plasma. O problema é que
o PCC só tem alguns dos fatores de coagulação, e não possui o fator número 5. Portanto,
não é a solução do problema do doente traumatizado. Outra coisa: é muito difícil saber se o
indivíduo está sangrando porque rompeu vários
vasos sanguíneos ou porque não está coagulando direito (tem uma coagulopatia). Os testes
de laboratório que usamos em trauma não foram feitos especificamente para trauma, mas
para pessoas com doenças hematológicas.
Então, estes exames, muitas vezes, não ajudam na avaliação do doente traumatizado.
Atualmente, estamos testando uma máquina
que mede coagulação e se chama TEG (ou
ROTEM). É usada em alguns hospitais durante
transplante de fígado. Este aparelho constrói
um gráfico que descreve desde o início da formação do coágulo até o momento que o coágulo se dissolve espontaneamente. Ainda estamos estudando estes aparelhos, mas parece
que são muito melhores do que os outros testes
de laboratório que usamos atualmente para doente traumatizado.
PARA O PRÉ-HOSPITALAR, QUAIS
SERÃO AS APLICAÇÕES PRÁTICAS
DESTAS PESQUISAS?
Muitos dos meus estudos no Canadá são
feitos com fundos de pesquisa providos pelos
militares. Pesquisa de alta qualidade é muito
cara. A guerra do Iraque, do Afeganistão levou
países como o Canadá e os Estados Unidos a
mandarem soldados para lá. Na guerra, hoje,
ninguém mais morre por tiro, mas por explosões. Estes doentes desenvolvem uma coagulopatia enorme, então, todos estes meus estudos sobre tratamento do sangramento logo
após o trauma são de aplicação direta para os
militares. O militar que está no Iraque, Afeganistão, não tem ambulância disponível. Até
existem ambulâncias, mas elas têm grandes
dificuldades de chegar às zonas de conflito em
segurança. Então, meus estudos podem tanto
ser usados para melhorar o atendimento aos
Emergência
9
ARQUIVO PESSOAL SANDRO RIZOLI
ENTREVISTA
Rotem está sendo testada para
medição de coagulação de
pacientes traumatizados
militares feridos durante uma batalha e antes
de chegarem a um hospital, como para diminuir
o sangramento de civis depois que sofrem um
acidente e antes de chegarem a um hospital.
O SENHOR ACHA QUE EXISTE MUITO
AINDA EM MEDICAMENTOS E DROGAS A
SEREM EXPLORADOS E PESQUISADOS
PARA A MELHORIA DO ATENDIMENTO E
SOBREVIDA DE VÍTIMAS, SEJA NO APH,
SEJA NO INTRA-HOSPITALAR?
Essa ideia de ressuscitar o paciente traumatizado não com soro fisiológico, mas com sangue, começou com um artigo publicado em
2007 pelos militares americanos. Foi uma experiência que eles tiveram no Iraque, e perceberam que os soldados que tinham sangrado
muito e eram tratados com sangue logo no início morriam menos que aqueles que recebiam
primeiro o soro fisiológico. Outra coisa que estamos descobrindo por meio dos conflitos atuais é que, muitas vezes, não é uma droga
que faz a diferença entre a vida e a morte de
um soldado traumatizado, e sim a organização
do atendimento. Um dos fatores que mais ajuda
a diminuir mortes por sangramento são protocolos para transfusão maciça. Para ter um
protocolo assim, é necessário um consenso
entre Banco de Sangue do hospital, Banco
Cirúrgico, UTI e cirurgião de Trauma. Um exemplo de protocolo: quando chegar um doente
sangrando muito na porta, eu vou apertar um
botão vermelho e, automaticamente, o Banco
de Sangue tem que começar a mandar sangue
para mim, o Centro Cirúrgico tem que abrir uma
sala para eu operar este doente e parar o
sangramento. É preciso também ter um leito
10 Emergência
na UTI. Não é fácil fazer isso, especialmente
em hospitais como os do Brasil, que estão
sempre lotados. Para criar estes protocolos,
todos devem discutir os limites. O Banco de
Sangue pode mandar sangue, mas só pode
ser para doente que está sangrando muito
mesmo, você não vai apertar o botão vermelho quando for alguém que quebrou a perna, apenas para que o sangue venha mais
rápido. Descobrimos que hospital que tem
protocolo e o protocolo funciona, tem menos
gente morrendo por sangramento que o hospital que tem sangue toda hora na porta. Isso
também é uma lição aprendida com os militares. Eles criaram hospitais perto dos campos de batalha, com protocolos que precisam
funcionar. A única coisa que eles fazem é
atender soldado traumatizado. Estes hospitais
foram os primeiros a utilizar protocolos de
transfusão maciça. Então, mais importante que
usar medicamentos e drogas caras, estamos
aprendendo que organizar o atendimento é
eficaz e efetivo.
COMO AVALIA A SITUAÇÃO DO TRAUMA
NO CANADÁ E NO MUNDO?
“
Mais importante que usar
medicamentos e drogas
caras, estamos aprendendo
que organizar o atendimento
é eficaz e efetivo
Para mim, é triste constatar que o trauma é
a terceira causa de morte no mundo. A primeira
causa é câncer, a segunda é doença cardiovascular – infarto agudo do miocárdio, derrame. A
maioria dos cânceres, dos infartos, acontece
no fim da vida da pessoa. Já o trauma atinge
uma população muito mais jovem. Hoje,
pacientes morrem muito mais por acidente de
carro que por diabetes ou câncer de mama,
que é um câncer extremamente comum. Em
contraste com esses números, mesmo em
países de primeiro mundo, os recursos que vão
para a prevenção de trauma, para pesquisa em
trauma, ainda são, muitas vezes, menores (e
insignificantes) perto do suporte que existe para
investigação de diabetes ou câncer de mama.
Mas as coisas estão mudando. Vemos cada vez
mais suporte para pesquisa e prevenção do
trauma. Finalmente, estamos descobrindo que
um dólar gasto com prevenção e que resulta
em uma pessoa que não perde a perna ou não
fica em estado vegetativo significa a economia
de milhões de dólares que seriam gastos para
a recuperação deste paciente. Estamos
começando a ver mais e mais programas de
prevenção, porém ainda é pouco. Eu ouço falar
muito mais sobre autoexame de mama do que
não beber e dirigir, por exemplo.
QUAL TEM SIDO O TIPO DE TRAUMA
MAIS COMUM NO CANADÁ?
O mais comum é o acidente de carro, 93%
dos acidentes são automobilísticos. Acidente
por tiro e facada é pouquíssimo, em torno de
4%. Vemos mais acidente por esporte do que
tiro e facada, pois o acesso a armas de fogo é
restrito no Canadá.
COMO ESTÃO ESTRUTURADOS OS
CENTROS DE TRAUMA E HOSPITAIS DE
REFERÊNCIA? SÃO EM NÚMERO E EM
QUALIDADE SATISFATÓRIOS PARA A
REALIDADE DO TRAUMA NO PAÍS HOJE?
No Canadá, a Medicina é “socializada”, não
existe Medicina privada e quem paga tudo é o
Governo. O Governo canadense aprendeu que
há serviços que funcionam melhor em locais
estratégicos. Em vez de todos os hospitais do
país tratarem câncer, é melhor e mais barato
ter um ou dois hospitais que são especializados
em câncer, mesmo em grandes cidades. Assim, os resultados são muito melhores e o custo
do tratamento cai. A mesma coisa vale para
trauma, é melhor você ter um centro de trauma
do que todo hospital atender traumas graves.
No Canadá, existem apenas 16 centros de trauma nível um, semelhantes à Unicamp e à USP
de Ribeirão Preto, em São Paulo. Essa divisão
em níveis do serviço de trauma, atendendo
FEVEREIRO / 2012
certa população, funciona muito bem porque o
Governo controla tudo. Um estudo recente
afirma que 80% da população canadense mora
a menos de uma hora de um centro de trauma.
Além do mais, todo Centro de Trauma passa,
a cada cinco anos, por uma avaliação para
verificar se está mantendo o nível de tratamento
que se espera de um nível um de trauma.
EXISTEM OUTROS NÍVEIS? QUAIS AS
DIFERENÇAS?
Temos níveis dois, três e quatro. A diferença
é sempre a estrutura disponível. O nível um,
por definição, está ligado a uma universidade
e mantém um altíssimo nível de atendimento.
Tem que atender, pelo menos, 500 traumas graves por ano e precisa ter médicos especializados em diversos tipos de trauma, como neurocirurgião, cirurgião vascular, radiologia que
faz intervenção (não só para tirar raio-X ou fazer
tomografia), etc. Deve, obrigatoriamente, ter
UTI preparada para cuidar de traumatizados
graves e Banco de Sangue 24 horas. Em suma,
tem uma estrutura inteira que permite atender
qualquer doente traumatizado com alta
qualidade. O grau dois é um centro que existe
para os locais com grande densidade demográfica que já possuem um centro de trauma
nível um, mas que, em algumas épocas do ano,
não conseguem atender a picos de demanda –
quando o número de doentes traumatizados
pode superar a capacidade do nível um. Então,
os pacientes menos graves vão para o nível
dois, que tem estrutura semelhante, mas algumas limitações – não possui, por exemplo, neurocirurgião 24 horas por dia. O nível três é o
centro de trauma que fica em pequenas cidades, capaz de oferecer apenas o atendimento
inicial e transferir o paciente para o nível um.
FEVEREIRO / 2012
“
Tanto a Medicina de Emergência
quanto a Cirurgia do Trauma
são especialidades que
precisam ser desenvolvidas,
estimuladas no Brasil
NO BRASIL, HÁ UMA LUTA PELA
CRIAÇÃO DA ESPECIALIZAÇÃO EM
CIRURGIA DO TRAUMA E DA MEDICINA
DE EMERGÊNCIA. COMO FUNCIONAM
ESSAS ESPECIALIZAÇÕES NO CANADÁ
E COMO O SENHOR ACHA QUE ELAS
PODERIAM AJUDAR A REALIDADE DO
BRASIL?
Quando eu fui para o Canadá, uma das coisas que me impressionou foi a existência de
uma especialidade em Emergência Médica. Eu
me lembro que eu pensava assim: quem vai
querer fazer cinco anos de residência para
trabalhar no pronto-socorro? O fato é que, hoje,
olho para esses indivíduos que fazem Emergência, e vejo que são muito bem treinados no
Canadá. Eles têm uma especialidade em que
só cuidam de doentes agudos, que é uma área
enorme, que vai desde a Neurologia até a Obstetrícia. Se eu tiver um infarto no Canadá, eu
prefiro ser examinado por um médico especializado em Emergência do que por um cardiologista. Acontece que o cardiologista, no Canadá, só fica no consultório, tratando de problemas crônicos. Ninguém vai ao consultório
tendo um infarto agudo do miocárdio. Eu prefiro
o pessoal da Emergência porque eles lidam
com infarto todo o dia e estão mais bem prepa-
rados para me atender do que um cardiologista.
Eu não tenho nenhuma dúvida de que o Brasil
precisa da Medicina de Emergência. É uma
especialidade fascinante, tremendamente ativa
e cria um profissional que tem uma visão única
da Medicina. O mesmo vale para o cirurgião
de trauma. A Cirurgia do Trauma é diferente da
Cirurgia Geral. O cirurgião geral opera hérnia,
vesícula, câncer de cólon. O trauma é diferente
e requer outro tipo de treinamento, atenção
diferenciada, pois se trata de um paciente
diferente. Se você for tratar o doente traumatizado, sangrando, por exemplo, um cirurgião
de trauma vai logo para a sala de cirurgia e
“empacota” o fígado. Agora, se um cirurgião
geral, que não tem treinamento em trauma, for
cuidar deste mesmo paciente, é possível que
ele queira consertar o fígado inteiro, como se
fosse uma cirurgia eletiva. Isso aumenta muito
o risco de o paciente morrer durante o procedimento. Assim, tanto a Medicina de Emergência quanto a Cirurgia do Trauma são especialidades que precisam ser desenvolvidas,
estimuladas no Brasil, e vão aumentar a qualidade do atendimento dado para pacientes
com problemas em geral. Não sei como será
o mercado de trabalho para o médico que faz
Emergência, mas, pelo que observo no Canadá, é uma das profissões mais desejadas pelos próprios médicos, pois trabalham algumas
horas e depois vão para casa. Ninguém fica
ligando no meio da noite para pedir ajuda.
Além do mais, eles fazem uma Medicina de
altíssima qualidade. A mesma coisa acontece
com o indivíduo que faz Cirurgia do Trauma
no Canadá. Ele trabalha no centro de trauma,
atende doente traumatizado grave. Cuidar de
doente traumatizado é uma experiência fascinante.
Emergência
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