Íntegra do Acórdão

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Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Sexta Câmara Cível
Apelação Cível nº 0070401-41.2008.8.19.0001
Apelante: Sul América Seguro Saúde S/A
Advogado: Doutor Jason de Medeiros Silva
Apelado: Roberto Justino de Oliveira Cruz
Advogado: Doutora Jackeline Pavani Vieira Fernandes
Relator: Desembargador Nagib Slaibi
ACÓRDÃO
Direito da Saúde. Plano de Saúde. Estrabismo desde a infância.
Necessidade de cirurgia reparadora. Manutenção do plano de saúde há
mais de 12 (doze) anos. Negativa da operadora do plano sob alegação de
exclusão expressamente prevista no contrato de cirurgia estética
Descabimento. O estrabismo é uma doença, cuja cura não enseja apenas
o aspecto estético, mas sim uma vida com saúde e dignidade.
Precedente: "Plano de saúde. Cirurgia de estrabismo. Negativa de
cobertura, sob argumento de que o prazo de carência para atendimento a
serviços médico-hospitalares decorrentes de doença pre-existente não foi
cumprido. Abusividade reconhecida. Ausência de comprovação da préexistência e de seu conhecimento inequívoco pelo autor. Inexistência de
má-fé por parte do segurado. Recusa indevida à cobertura quando da
primeira solicitação pelo médico do autor, bem como posteriormente ao
cumprimento do prazo, indevido, de carência. Dano moral existente,
inclusive tomada sua função dissuasória. Sentença reformada. Recurso
provido" (APL 994020126013 São Paulo, Relator(a): Claudio Godoy,
Julgamento: 26/10/2010, Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado,
Publicação: 09/11/2010).
Desprovimento do recurso.
A C O R D A M os Desembargadores da Sexta Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar
provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Relatório constante de fls. 170.
Debate-se nesta demanda, a obrigatoriedade da operadora do plano
de saúde autorizar a realização de cirurgia de estrabismo e os danos sofridos
em razão da negativa pela mesma.
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Assinado por NAGIB SLAIBI FILHO:000006268
Data: 10/05/2013 12:09:10. Local: GAB. DES NAGIB SLAIBI FILHO
AC 0070401-41.2008.8.19.0001 lct
O Código Consumerista aplica-se ao caso e isto é pacífico em sede
doutrinária e jurisprudencial, devendo a Operadora do plano seguir os
princípios ali elencados, valendo ressaltar que a única hipótese de aplicação
da boa-fé no antigo Código Civil de 1916, era justamente nos contratos de
seguro.
A boa-fé pressupõe o dever de informação, a clareza das cláusulas
contratuais, a honestidade entre as partes, que remete a expressão Treu und
Glauben, significando a boa-fé e a lealdade como dever de não frustração da
confiança alheia.
O apelado foi diagnosticado com estrabismo, tendo a doença origem
na infância do mesmo, portanto não está se discutindo se a doença é ou não
preexistente, pois o prazo de carência já foi cumprido, uma vez que o
contrato perdura por mais de doze anos.
A operadora não pode negar procedimento por etender ter a cirurgia
caráter estético, uma vez que o estrabismo acarreta uma série de problemas
como visão dupla, dores de cabeça etc.
Sobre o tema, vale transcrever artigo publicado no sítio da internet
http://revistavivasaude.uol.com.br/Edicoes/9/artigo4711-2.asp, de autoria de Célia
Nakanami, coordenadora de Oftalmologia Pediátrica da Unifesp e membro do
Centro Brasileiro de Estrabismo.
Estrabismo: problema em dobro
Além de lutar contra o incômodo de uma visão deficiente ou dupla,
os estrábicos (cerca de 4% da população mundial) ainda precisam
superar o preconceito
POR DANIELA TALAMONI
1 O que é estrabismo?
Trata-se da perda do posicionamento normal dos olhos, conhecida
popularmente como 'vesguice', que faz com que apenas um olho ou
ambos sejam desviados para dentro (esotropia), para fora (exotropia),
para cima ou para baixo (hipertropia). Esse desvio pode se apresentar de
três formas: constante (permanentemente observado), intermitente
(quando os olhos estão a maior parte do tempo alinhados e o desvio se
dá eventualmente, em momentos de cansaço ou em locais muito
iluminados) e latente (o distúrbio só é mesmo perceptível após a
realização de testes específicos).
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AC 0070401-41.2008.8.19.0001 lct
2 O que pode causar esse desvio ocular?
Esqueça os mitos, como aquele que diz que uma pessoa é capaz de ficar
vesga caso esteja entortando o olho de propósito e for surpreendida por
uma rajada de vento. O problema, na maioria dos casos, é hereditário e
se manifesta na infância, em decorrência de um desequilíbrio nos
músculos que movimentam os olhos provocado por parto prematuro,
doenças congênitas, elevado grau de hipermetropia, atraso no
desenvolvimento neuropsicomotor, entre outros fatores genéticos.
Quando o estrabismo é adquirido na fase adulta, porém, as causas mais
comuns para essa alteração ocular são traumatismos cranianos, acidente
vascular cerebral (derrame), infecções cerebrais (como meningite),
diabetes e disfunções da tireóide.
3 Como os estrábicos enxergam?
Depende da idade em que o desvio ocular aparece. Numa situação
normal, ao fixar-se num objeto, cada olho focaliza na retina uma imagem
nítida. Essas duas imagens, idênticas, são transmitidas até uma região do
cérebro chamada córtex occipital e daí são fundidas em uma única, de
percepção tridimensional. Quando há estrabismo, a mensagem enviada à
região cerebral pelo olho desviado não é nítida, ao contrário da emitida
pelo globo ocular saudável. Então, duas imagens diferentes são geradas e
os olhos passam a interpretá-las das seguintes formas: até os sete anos,
o sistema visual das crianças ainda está em desenvolvimento e possui um
mecanismo natural de adaptação capaz de eliminar a imagem distorcida.
Nesta faixa etária, os portadores do defeito enxergam pouco, embaçado,
mas ainda não têm uma visão dupla das coisas. Essa deficiência é
conhecida como ambliopia ou 'olho preguiçoso'. É a melhor fase para
fazer a correção. Depois dessa idade ou quando a 'vesguice' acontece na
fase adulta, não se pode mais contar com esse mecanismo e o cérebro
passa a considerar as duas imagens. Ou seja, os estrábicos enxergam
tudo em dobro.
4 É verdade que o defeito visual causa dor de cabeça?
Sim, se o problema surge após o desenvolvimento normal da visão e gera
imagens duplas. O esforço involuntário que os estrábicos fazem para
manter os olhos alinhados pode desencadear cefaléias. A maioria também
apresenta dores oculares e até torcicolo. Este último sintoma afeta em
especial as crianças que, na tentativa de enxergar uma imagem única,
giram ou inclinam a cabeça para uma determinada posição. O estrabismo
também dificulta o aprendizado na fase escolar e muitas vezes impede
que uma pessoa perambule sozinha pelas ruas, por oferecer noção
ilusória das distâncias e relevos. O maior de todos os incômodos, no
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AC 0070401-41.2008.8.19.0001 lct
entanto, é o desvio anti-estético. Os pacientes, principalmente
adolescentes, revelam grande dificuldade em manter um bom convívio
social.
5 Há cura para o problema?
Sim, mas dependerá do tipo de estrabismo e da rapidez com que o desvio
for diagnosticado e tratado. Cada caso exige um tipo de cuidado, desde o
uso de óculos especiais e do método de oclusão (no caso de 'olho
preguiçoso', usa-se um tampão aderente à pele ou membrana fosca
colada em uma das lentes dos óculos) até a aplicação de toxina botulínica
(botox) nos músculos oculares e cirurgia.
6 O tratamento em crianças requer cuidados especiais?
O principal deles é a ajuda dos pais. O processo para alinhar os olhos
pode ser demorado e as crianças precisam de todo apoio nesta fase. Os
adultos podem, por exemplo, deixar a criança participar da escolha da
armação dos óculos - que deve ser leve, de tamanho adequado e com
lentes anti-risco e resistentes. Para a garotada que necessita de tampão
(no caso de 'olho preguiçoso'), os pais devem explicar a importância
desse tratamento e decidir por oclusores de borracha ou descartáveis
feitos de esparadrapo antialérgico que não irritam a pele e incomodam
menos. A família também tem que compreender uma possível queda no
nível do rendimento escolar por conta da deficiência visual e pedir a
colaboração dos professores para que, entre outros zelos, a criança possa
sentar-se próxima à lousa. Também é muito útil redobrar a atenção com
as brincadeiras. Algumas crianças não podem usar objetos pontiagudos
ou praticar esportes perigosos.
7 Quais são as descobertas mais recentes nesta área?
Aumentam as pesquisas envolvendo a aplicação de toxina botulínica.
Sabe-se que a substância inibe a liberação de um neurotransmissor que
repassa a ordem do cérebro para que o músculo se contraia. Ao
administrar a injeção de toxina nos músculos oculares afetados, ela
consegue paralisar a contração muscular e, conseqüentemente, fazer o
olho relaxar e voltar à posição normal. Outros estudos experimentais
ainda envolvem a criação de músculos artificiais que apresentem as
mesmas características dos oculares, assim como a utilização de imãs
capazes de formar um campo magnético que consiga modificar a posição
do olho.
Célia Nakanami, coordenadora de Oftalmologia Pediátrica da Unifesp e
membro do Centro Brasileiro de Estrabismo
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Verifica-se, portanto, que a cirurgia pleiteada pelo apelado não tem
caráter meramente estético, este pode vir a ser um efeito da correção do
problema, tratando-se de uma cirurgia reparadora, não podendo a operadora
do plano de saúde se esquivar de sua responsabilidade.
Neste sentido a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo:
Processo: APL 994020126013 SP
Relator(a): Claudio Godoy
Julgamento: 26/10/2010
Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado
Publicação: 09/11/2010
Ementa: Plano de saúde. Cirurgia de estrabismo. Negativa de cobertura,
sob argumento de que o prazo de carência para atendimento a serviços
médico-hospitalares decorrentes de doença pre-existente não foi
cumprido. Abusividade reconhecida. Ausência de comprovação da préexistência e de seu conhecimento inequívoco pelo autor. Inexistência de
má-fé por parte do segurado. Recusa indevida à cobertura quando da
primeira solicitação pelo médico do autor, bem como posteriormente ao
cumprimento do prazo, indevido, de carência. Dano moral existente,
inclusive tomada sua função dissuasória. Sentença reformada. Recurso
provido.
Portanto, por se tratar de questão meramente de direito, correta a
sentença, assim como a fixação do dano moral, pois a negativa causou
grande transtorno e sofrimento merecendo ser indenizado.
A fixação do dano moral em R$5.000,00 (cinco mil reais) fica
mantida tendo em vista a ausência de recurso da parte autora.
recurso.
Ante tais considerações, o voto é no sentido de negar provimento ao
Rio de Janeiro, 08 de maio de 2013.
Desembargador Nagib Slaibi
Relator
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