Entrevista para a revista “Saber Viver”

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Entrevista para a revista “Saber Viver”
1ª Pergunta: Quais os problemas mais comuns na infância e como são detectados?
Os mais comuns são os problemas refractivos, o estrabismo e a ambliopia. Além disso
há crianças com anomalias nas vias lacrimais, cataratas congénitas, glaucoma
congénito, tumores oculares, doenças heredodegenerativas da retina, patologia do nervo
óptico, etc.
Quando se fala em problemas refractivos referimo-nos à miopia, hipermetropia e
astigmatismo. As pequenas miopias, até 2 ou 3 dioptrias se forem semelhantes em
ambos os olhos não causam grande aflição, porque o mundo das crianças é muito
próximo, e como é sabido os míopes vêm bem ao perto. O mesmo se passa com as
hipermetropias de 2 ou 3 dioptrias em ambos os olhos. As crianças conseguem com
facilidade ultrapassá-las através de um fenómeno chamado acomodação e que consiste
na contracção de um músculo ocular, denominado músculo ciliar, que faz com que a
lente natural do olho fique mais potente e portanto com maior poder dióptrico.
O problema é diferente se a refracção não for igual nos dois olhos. Estamos então na
presença de uma anisometropia, e portanto um olho está “mais focado” que o outro.
Então o córtex cerebral recebe uma imagem “focada” proveniente de um olho e uma
imagem “desfocada” proveniente do outro. Ora, a visão da criança está em
aprendizagem, e portanto se o cérebro não receber imagens nítidas de um olho, digamos
que esse olho não “aprende” a ver com nitidez. Chama-se a isto “olho preguiçoso”,
designado cientificamente por ambliopia. Por outro lado se esse esforço muscular de
acomodação for muito grande pode desencadear um estrabismo, designado por
acomodativo.
O estrabismo é outra questão muito importante. Uma criança estrábica só utiliza um
olho, suprimindo a imagem do olho desviado para não ter visão dupla, ou seja diplopia.
Isto faz com que o córtex cerebral correspondente a esse olho fique perturbado na sua
“aprendizagem” de visão, ficando portanto o olho com ambliopia.
Percebe-se então o perigo que representam as crianças que têm anisometropia ou que
têm um pequeno estrabismo. Ninguém em casa desconfia que a visão de um dos olhos
não se está a desenvolver, e portanto quando aos 5 ou 6 anos a criança colabora nos
testes de medição da acuidade visual e se faz o diagnóstico de ambliopia, muitas vezes
já é tarde para tratar porque foi ultrapassado o período crítico de desenvolvimento
visual.
São cerca de 4 a 5% das crianças que nascem. Como em Portugal nascem cerca de
100000 crianças por ano, temos de concluir que todos os anos há 4 ou 5000 crianças que
vão ficar amblíopes por o seu problema não ser detectado em tempo útil. Assim se
compreende a razão do esforço inglório que os oftalmologistas pediátricos fazem,
recomendando que o rastreio seja feito entre os 2 a 3 anos.
2ª Pergunta: A que sinais os pais/escola devem estar atentos?
Qualquer suspeita de desvio ocular deve ser investigada. Muitas vezes são
pseudoestrabismos, ou seja crianças que parece que “trocam” mas de facto não
“trocam”. Mas é preciso ter a certeza. Depois é importante saber se há história de erros
refractivos na família, isto é se os pais têm astigmatismo, hipermetropia ou outro erro
refractivo. Estas crianças têm muito mais probabilidade de desenvolver problemas e por
isso devem ser rastreadas cedo, entre os 2-3 anos, não mais.
Os sinais que aparecem em crianças de idade escolar muitas vezes já são tardios. Em
todo o caso muitas são os professores os primeiros a notar que a criança vê mal e a
recomendar o seu estudo.
3ª Pergunta: Existem factores de risco para o desenvolvimento de problemas
oftalmológicos na infância? (como ver televisão ou jogar consola, hereditariedade, etc)
A hereditariedade é o grande factor de risco. O resto pode fatigar se houver erros
refractivos ou do equilíbrio oculomotor, mas mais nada.
4ª Pergunta: A partir de que idade se pode usar lentes de contacto? E óculos?
A partir de qualquer idade. Pomos lentes de contacto a crianças com algumas semanas
de vida quando são operadas a cataratas congénitas monolaterais. E óculos a partir dos
4, 5 meses sempre que é preciso.
Os adolescentes a partir dos 11, 12 anos pedem cada vez mais lentes de contacto. Acho
que tudo depende da sua maturidade. Nestas idades podem usar os que forem capazes
de ser autónomos, isto saber pôr, tirar, ter os cuidados de higiene necessários, etc.
Jorge Breda
Chefe de Serviço de Oftalmologia
Responsável pela Unidade de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo do Hospital de S.
João (Porto)
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