Introdução

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XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
A DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS E A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS
CIENTÍFICOS: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA ATIVIDADE E DA
TEORIA DA ASSIMILAÇÃO DAS AÇÕES MENTAIS POR ETAPAS
Gizella Menezes Rodrigues
Universidade Federal Rural de Pernambuco / PPGEC
Escola de Aprendizes-Marinheiros de Pernambuco
Suzane Bezerra de França
Universidade Federal Rural de Pernambuco / PPGEC
RESUMO
Esse artigo tem como objetivo discutir abordagens teóricas e metodológicas que possam
fundamentar novas propostas de ensino e aprendizagem visando a construção de
conceitos científicos e que vêm sendo incorporadas na Didática das Ciências.
Particularmente, a Teoria da Atividade, de Leontiev, que considera a atividade humana
como o processo que medeia a relação entre o sujeito e o objeto da atividade, e a Teoria
de Assimilação das Ações Mentais por Etapas, de Galperin, que busca explicar o
processo de internalização da atividade externa. Apresenta, inicialmente, uma breve
explanação a cerca da evolução e consolidação da Didática das Ciências como um novo
campo de conhecimento, bem como as linhas de pesquisa mais investigadas nessa área.
Descreve, também, uma sequência de ensino-aprendizagem visando à construção de
conceitos relacionados aos estados da matéria, delineada a partir dos elementos da
estrutura invariante considerados na Teoria da Atividade, bem como uma proposta de
atividade para a aprendizagem do conceito de ser vivo, a partir das etapas de
assimilação da ação mental estabelecidas por Galperin. O presente estudo apontou que
as teorias abordadas se apresentam como possibilidades para o processo de construção
de conceitos científicos, sendo, assim, recursos teóricos e metodológicos de grande
importância para o planejamento de estratégias de ensino. Essas priorizam a
organização dos alunos em grupo e os momentos de discussão, favorecendo uma
participação mais ativa dos sujeitos envolvidos no processo. Com o prosseguimento da
pesquisa, pretende-se o aprofundamento do estudo quanto à aplicação e avaliação das
teorias em questão, bem como a proposição de novas situações de ensino.
Palavras-chave: Didática das Ciências; Teoria da Atividade; Teoria da Assimilação das
Ações Mentais por Etapas; Construção de Conceitos.
Introdução
A discussão a respeito da importância da Didática das Ciências como um campo de
investigação ocorreu a partir dos novos desafios e necessidades da educação científica.
A alfabetização científica para todos os cidadãos passou a ser extremamente relevante,
uma vez que a sociedade do século XX exigia novos profissionais, esses com
conhecimentos na área de ciências. Assim, novas demandas sociais de uma melhor
formação científica para a população em geral, impulsionaram a investigação de novas
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propostas curriculares para o Ensino de Ciências, bem como novas propostas para o seu
ensino e aprendizagem. Enquanto verifica-se a importância de uma educação científica
para todos, eram observadas as dificuldades que fazem parte desse processo, como o
fracasso escolar e a rejeição por parte dos alunos em relação ao estudo das ciências.
Ensinar Ciências passou a ser concebido, então, como uma atividade mais complexa,
devido a diversos fatores. As mudanças sociais, ao exigir cidadãos cada vez mais
autônomos, críticos e conscientes dos problemas globais, com uma formação científica
e tecnológica, impôs que mudanças fossem feitas na política educativa. Outro fator
importante está relacionado à epistemologia das Ciências, uma vez que se observava
uma mudança de paradigma ao ir de encontro à lógica positivista, considerando, assim,
o caráter evolutivo e teórico da Ciência. Dessa forma, um problema importante para a
Didática das Ciências constitui a definição dos conteúdos a ensinar que estivessem em
consonância com as necessidades da educação científica do século XX, e
principalmente, do século XXI (SANMARTÍ, 2002).
A Didática das Ciências ganha fôlego enquanto campo de conhecimento devido à
existência de um problema relevante e do caráter específico dessa problemática, bem
como devido ao fato da Psicologia da Educação e da Didática Geral não responderem
bem as novas questões postas. Assim, estudos relacionando à aprendizagem dos
conteúdos científicos específicos mostraram-se importantes, uma vez que esses
possuem características próprias que condicionam o processo de ensino-aprendizagem.
A Didática das Ciências passa a ter um corpus próprio com a finalidade de investigar os
problemas inerentes ao processo de ensino e aprendizagem das ciências, embora ainda
mantenha uma estreita relação com a Psicologia, a Sociologia, a História e a Filosofia
da Ciência (CACHAPUZ et al, 2005).
As investigações no campo da Didática das Ciências se intensificaram a partir da
segunda metade do século XX, havendo ênfase em estudos relacionados a mudanças
curriculares. Esses novos currículos buscavam promover uma aprendizagem mais
conceitual, relacionando a teoria à prática; a atualização dos conteúdos a ensinar; e a
elaboração de novos materiais e recursos didáticos. Os museus de ciências interativos
também começaram a surgir, buscando aproximar a população em geral do
conhecimento científico e despertar o interesse pela ciência. Como consequência dessa
intensa atividade, surgem novos meios de divulgação das pesquisas na área, como o
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Journal Research in Science Education, em 1964 e a Enseñanza de las Ciencias, em
1983 (SANMARTÍ, 2002).
O número de pesquisadores e pesquisas na área cresceu de maneira bastante
significativa, o que permitiu a consolidação de novas linhas de pesquisa. Cachapuz et al
(2005) apontam algumas linhas de investigação na Didática das Ciências, como as
pesquisas abordando as “concepções alternativas”, que colocaram em dúvida a eficácia
do ensino por transmissão, mostrando que o ato de ensinar ciências não é uma atividade
tão simples quanto era considerado. Também sinalizam as pesquisas que versam sobre a
resolução de problemas e as práticas de laboratórios, investigando tanto questões
teóricas, quanto práticas. O currículo, o processo de avaliação, a formação inicial e
continuada dos professores, a construção e a avaliação de materiais didáticos, as
relações Ciência/Tecnologia/Sociedade e o papel da linguagem e da comunicação no
ensino e aprendizagem das Ciências também foram e ainda são temáticas bastante
investigadas pela Didática das Ciências.
Sanmartí (2002) também aponta algumas linhas de investigação na Didática das
Ciências, como: revisão dos objetivos e conteúdos curriculares em uma perspectiva de
uma ciência mais integrada e próxima do cotidiano dos alunos; construção de modelos
explicativos de fenômenos, que constitui no processo de modelização; papel da
linguagem e da comunicação, enfatizando a aprendizagem como uma construção social;
revisão do conceito de avaliação; diversificação dos recursos de ensino, sinalizando a
importância do uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação; valorização da
autonomia do aluno em sua aprendizagem; elaboração e análise de propostas de
formação de professores, orientadas a promover mudanças sobre sua concepção de
ciências, de ensino e de aprendizagem; e valorização da aprendizagem como um
processo em longo prazo.
Vale salientar que algumas dessas temáticas são abordadas de maneira integrada,
possibilitando uma visão mais geral dos problemas relacionados ao ensino e
aprendizagem das ciências e a percepção de que esses aspectos estão interconectados,
de maneira que há uma interferência mútua entre eles.
No desenvolvimento da Didática das Ciências outro ponto a destacar, que está
interligado às linhas de investigação que vêm sendo desenvolvidas e consolidadas no
Ensino das Ciências, constitui a emergência do paradigma construtivista. A psicologia
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piagetiana e a ausubeliana e os impactos das novas correntes filosóficas, como as
desenvolvidas por Thomas Kuhn, Stephen Toulmin e Imre Lakatos, influenciaram a
emergência desse novo paradigma. Assim, alguns princípios começaram a ser
considerados, como as ideias prévias dos alunos em relação ao conceito a ser estudado.
Outro ponto importante constitui modificações na compreensão do processo de
construção dos conceitos, enfatizando que as teorias científicas não constituem a
realidade, mas buscam explicá-la. Os erros dos alunos passaram a ser valorizados, sendo
esses considerados como uma etapa do processo de ensino e aprendizagem.
A construção social do conhecimento, através, principalmente, dos estudos de
Vygotsky, também se faz presente como aporte teórico em várias pesquisas na área da
Didática das Ciências. Assim, passa-se a valorizar as interações entre o professor e o
aluno e entre os próprios alunos no processo de construção do conhecimento, bem como
com a cultura, considerando que o conhecimento se constrói socialmente e se expressa
mentalmente (GEHLEN; DELIZOICOV, 2009).
Observa-se que as pesquisas recentes no campo da Didática das Ciências, sob o ponto
de vista de aprendizagem de conceitos, buscam apresentar novos modelos didáticos e
novas propostas de ensino, sendo essas incorporadas aos resultados de pesquisa sobre as
dificuldades apresentadas pelos alunos para promover uma aprendizagem mais efetiva e
significativa. Dessa forma, buscamos discutir neste artigo aspectos da Teoria da
Atividade de Leontiev, que considera a atividade humana como o processo que medeia
à relação entre o sujeito e o objeto da atividade, e da Teoria de Assimilação das Ações
Mentais por Etapas, que busca explicar o processo de internalização da atividade
externa. Consideramos relevante uma discussão a respeito dos principais aspectos que
caracterizam essas duas teorias, uma vez que abrem possibilidades de fundamentar
novas propostas de ensino e aprendizagem visando à construção de conceitos científicos
e, também, pelo fato de serem ainda pouco difundidas no Brasil (NÚÑEZ, 2009),
embora se observe nos últimos anos um crescimento no número de trabalhos que
fundamentaram a sua pesquisa a partir dessas perspectivas.
A Construção de Conceitos Científicos e a Teoria da Atividade
A Teoria da Atividade busca ampliar e desenvolver a Teoria Histórico-Cultural de
Vygotsky, tendo como principal pesquisador Leontiev (1985, 2004). Centra seus
estudos na atividade humana, considerando que é através da atividade que o sujeito se
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relaciona com o mundo, convertendo, assim, a atividade como objeto da psicologia. A
análise da Teoria da Atividade de Leontiev possibilita uma melhor compreensão dos
processos de assimilação de conceitos científicos no contexto escolar, integrando
elementos trazidos por Vygotsky.
Leontiev (1985) considera que a atividade é o processo que medeia à relação entre o ser
humano e a realidade a ser transformada por ele, apontando que a relação sujeito e
objeto é sempre mediatizada, conforme estabelecido por Vygotsky, tendo como
característica principal seu caráter objetal. Em relação ao processo de formação de
conceitos científicos, impõe como condição a definição do tipo de atividade necessária
para sua formação, uma vez que não é qualquer atividade que desencadeia o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores do indivíduo e que o sujeito da
ação tenha uma participação ativa durante esse processo.
Atividade, ação e operação são consideradas os componentes principais da Teoria da
Atividade, possibilitando a relação entre o sujeito, o meio e o objeto da ação. Para que a
atividade aconteça é essencial que haja uma necessidade, de forma que toda atividade
está relacionada a um motivo, estreitamente relacionado com o objeto da atividade.
Leontiev considera que a realização da atividade ocorre através de ações, tendo cada
uma delas objetivos a alcançar. As diversas maneiras em que uma ação pode ser
realizada são denominadas de operações, que estão relacionadas com as condições de
realização da ação. Podemos considerar que um sujeito está em atividade quando os
objetivos de suas ações estão relacionados com o motivo de sua atividade. Essa relação
entre os componentes principais da atividade e suas características está representada na
figura 01.
Verifica-se que Teoria da Atividade constitui-se como um importante recurso
metodológico para o planejamento de estratégias de ensino, uma vez que considera que
no processo de aprendizagem de conceitos científicos o sujeito deve desenvolver ações
apropriadas que se apresentam, inicialmente, na forma de ações externas para,
posteriormente, serem internalizadas. Destaca-se, assim, o papel da atividade na
compreensão da formação das funções psicológicas superiores.
Apresentamos no quadro 01, uma Sequência de Ensino-Aprendizagem, visando a
construção de conceitos relacionados aos estados “indecisos” da matéria, delineada a
partir dos elementos da estrutura invariante considerados por Leontiev.
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Um novo enfoque na formação de conceitos, na perspectiva da Teoria da Atividade, nos
leva a privilegiar as ações relacionadas com sua formação. Observamos, assim, na
sequência delineada no quadro 01, as ações que os sujeitos deverão desenvolver, bem
como o objeto de cada atividade. Buscamos, ao estruturar essa sequência, a definição do
conceito científico a partir do conjunto de propriedades necessárias e suficientes que
entram em sua definição (VYGOTSKY, 2007; 2009). Dessa forma, partimos de um
aspecto mais geral para um mais específico, o vidro, considerando importante tanto a
construção da definição do conceito científico, no caso do conceito de estado da
matéria, particularmente, dos estados “indecisos” da matéria, como a sua aplicação na
solução de tarefas.
Consideramos que os alunos como sujeitos da ação, a relevância do objeto de
aprendizagem, os objetivos das atividades e ações e o sistema de operações são aspectos
que podem se constituir como critérios para estruturar sequências de ensinoaprendizagem, bem como permitem, após o seu desenvolvimento, a análise das ações
realizadas em sala de aula visando a construção de conceitos científicos.
Sinalizamos, assim, que a Teoria da Atividade de Leontiev se apresenta como um
recurso metodológico de grande importância para o planejamento de estratégias de
ensino.
A Construção de Conceitos Científicos e a Teoria da Assimilação das Ações
Mentais por Etapas
Leontiev reconhece nos trabalhos de Vygotsky que a atividade externa é reflexo da
atividade interna, porém não explica como ocorre essa transformação do plano material
(interpsicológico) para o plano mental (intrapsicológico). Dessa forma, a explicação dos
processos de internalização não foi fornecida pela Teoria da Atividade, sendo, tratada
por Galperin na Teoria de Assimilação das Ações Mentais por Etapas, que se integra de
forma dialética às teorias propostas por Vygotsky e Leontiev.
A partir das críticas realizadas aos modelos de ensino vigentes, modelo de ensino
tradicional e modelo de ensino aberto, Galperin busca elaborar um novo modelo de
ensino, denominado Teaching Through a Step-by-Step Formation of Mental Actions and
Concepts, baseado nos processos de formação de conceitos científicos estabelecidos na
Teoria Histórico-Cultural e considerando outros princípios em relação à organização do
processo de ensino-aprendizagem, tais como: o conhecimento a ser assimilado e a
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habilidade a ser apreendida como o ponto de partida para a ação; seleção e organização
de atividades adequadas ao potencial do aluno, possibilitando um trabalho situado na
Zona de Desenvolvimento Proximal e considerando as etapas intermediárias
correspondentes aos diversos estágios do processo de formação dos conceitos
científicos; elaboração da sequência de apresentação das atividades de forma a
possibilitar ao aluno alcançar êxito na solução do problema imediatamente; e elaboração
de situações-problemas correlacionadas entre si, direcionando o aluno à pesquisa dos
aspectos gerais do conceito investigado (REZENDE e VALDES, 2006).
Dessa forma, o modelo de ensino estabelecido por Galperin considera o aluno como um
ser ativo no processo de apreensão do conhecimento em que a prática é o elemento
principal da aprendizagem, desde que esteja alicerçada por uma Base Orientadora da
Ação, que direciona uma escolha consciente de uma dentre diversas possibilidades de
ação. O aluno compreende o significado operacional do conceito, buscando e
experimentando a sua utilidade na resolução dos problemas, ao invés de memorizar
fórmulas e resolver exercícios de maneira mecânica, ou seja, sem compreender o que se
realiza. Assim, o aluno deve não apenas aprender a fazer, mas também saber explicar
como e porque está agindo de determinada maneira.
A essência da teoria de Galperin consiste em inicialmente encontrar a forma adequada
da ação, em seguida, encontrar a forma material de representação da ação e, por fim,
transformar a ação externa em ação interna (NÚÑEZ, 2009). Esse processo de
transformação ocorre em cinco etapas (etapa motivacional, etapa de estabelecimento da
base orientadora da ação, etapa de formação da ação no plano material ou materializado,
etapa de formação da ação no plano da linguagem externa e etapa de formação da ação
no plano mental), que constituem as etapas de assimilação da ação mental, conforme
resumidamente descritas a seguir.
* Etapa motivacional – constitui a etapa inicial, na qual não há nenhum tipo de ação a
ser executada e tem como objetivo preparar os alunos para assimilarem os novos
conhecimentos.
* Etapa do estabelecimento da Base Orientadora da Ação (BOA) – a BOA constitui o
modelo da atividade, o projeto de ação, situando-se entre o sujeito e o objeto da ação e
tendo como principal objetivo mediar à relação entre a ação e a resolução da situaçãoproblema. São estabelecidos alguns conceitos operacionais que irão nortear a tomada de
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decisão sobre como executar a ação, conduzindo o aluno a testar a sua aplicação em
diversas situações.
* Etapa de formação da ação no plano material ou materializado – nessa etapa o aluno
começa a realizar a ação no plano externo, de forma detalhada. O aluno deve realizar as
ações utilizando como apoio os esquemas da BOA e o professor tem a tarefa de
controlar o cumprimento de cada uma das operações. Enquanto a atividade é realizada
devem ser propiciados momentos de reflexão e de discussão.
* Etapa de formação da ação no plano da linguagem externa – os elementos da ação são
representados na forma verbal, não sendo mais utilizados apoios externos. O aluno não
tem acesso aos objetos ou a suas representações, e sim aos sistemas simbólicos que os
representam. Assim, o aluno deve operar com signos, refletindo e estabelecendo
conexões completas e resolvendo tarefas teóricas complexas. Dessa forma, a linguagem
passa a ser considerada o instrumento de relação do sujeito com o objeto da ação,
possibilitando a formação do processo de abstração e de generalização, conforme
estabelecido por Vygotsky (1989).
* Etapa de formação da ação no plano mental – nessa última etapa do processo de
assimilação da ação mental, a linguagem se transforma em função mental interna. Os
traços essenciais dos conceitos devem ser expressos sob a forma de signos, fomentando
o processo de interiorização da atividade externa em interna.
A fim de ilustrar a aplicação das etapas estabelecidas por Galperin em uma atividade
concreta, nos baseamos em um exemplo/problema trazido por Sanmartí (2002) para a
aprendizagem do conceito de ser vivo, conforme pode ser observado no quadro 02.
Associado ao problema com base no qual estruturamos as cinco etapas da teoria de
Glaperin, Sanmartí (2002) apresenta uma Base Orientadora da Ação (BOA), elaborada
pelo grupo-classe, conforme pode ser observado no quadro 03. A mesma teve como
objetivo fazer com que os alunos pensassem sobre as características que definem um ser
vivo. A BOA foi então aplicada com a finalidade de justificar se um fungo é um ser
vivo ou não, a partir das reflexões realizadas durante a atividade, devendo, em seguida,
ser aplicada em diversas situações distintas.
Temos, então, que a BOA é um instrumento de grande utilidade que permite
sistematizações e tomada de consciência dos modelos construídos. Deve ser formada
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por conceitos que estão no nível de capacidade de compreensão dos alunos, possuindo
um caráter operacional. Dessa forma, o aluno em vez de trabalhar utilizando o método
de tentativa e erro, se apoia nas características necessárias que definem o conceito e, ao
utilizar o esquema da BOA, deve ser capaz de encontrar a melhor forma possível de
ação, convertendo em realidade as suas potencialidades.
Assim, o desenvolvimento da atividade exposta por Sanmartí (2002) deve propiciar a
construção do conceito de ser vivo, através da qual o aluno deve ser capaz de aplicar o
conceito assimilado em novas situações, como: O fogo é um ser vivo? E uma mariposa?
E um relógio? E as bactérias de um iogurte? Nesse processo, as ideias vão se
automatizando, possibilitando, também, um alto grau de generalização. Dessa forma, de
acordo com Galperin (1986), o desenvolvimento das etapas deve estar orientado não só
para a definição do conceito a ser assimilado, mas também para a sua aplicação, sendo o
caminho para a formação de generalizações e abstrações.
Vale salientar que o processo de assimilação através das etapas estabelecidas por
Galperin provoca mudanças na forma da ação, mas não no seu conteúdo. Assim, a ação
deve passar de um plano material para um plano mental, havendo um aumento
progressivo no grau de generalização. Também, deve deixar de ser compartilhada para
ser independente e ser executada de maneira mais reduzida, sendo, assim, uma via para
a internalização da atividade externa em processos mentais do pensamento.
Algumas Considerações
Através desse estudo foi possível evidenciar alguns elementos, de ambas as teorias
abordadas, para a proposição de novas propostas didáticas para o ensino de ciências.
Observamos que, a Base Orientadora da Ação (BOA) é uma ferramenta que pode
auxiliar o aluno na resolução de problemas, possibilitando a representação das possíveis
estratégias e operações para a realização de uma tarefa. Galperin também aponta que a
BOA possibilita a antecipação e o planejamento da atividade, sendo possível a
representação adequada do plano de ação.
A capacidade de autorregulação dos objetivos da aprendizagem, dos planos de ação e
dos critérios de avaliação é favorecida, uma vez que, de acordo com Leontiev, a
atividade é um processo realizado em função de um objetivo consciente, relacionado
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com o objeto da aprendizagem, de forma que o sujeito está em atividade quando o
motivo de sua atividade coincide com os objetivos de suas ações.
Ressaltamos, assim, algumas contribuições da Teoria da Atividade de Leontiev e da
Teoria de Assimilação das Ações Mentais por Etapas, que se integram de maneira
dialética à Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky, buscando fundamentar a
aprendizagem. Relacionar os conceitos vygotskianos às novas contribuições de
Leontiev e de Galperin, utilizando essas inter-relações durante o processo de ensino e
aprendizagem parece ser um viés em ascensão na Didática das Ciências.
A partir desse artigo, pretendemos aprofundar nosso estudo quanto à aplicação e
avaliação das Teorias da Atividade e da Assimilação Mental por Etapas no Ensino de
Ciências, buscando analisar pesquisas que utilizem essas teorias como referenciais
teóricos e metodológicos, bem como propor novas situações de ensino. Dessa forma,
sinalizamos a importância de investigações que tomem por base os referenciais teóricos
apresentados para uma melhor compreensão do planejamento de atividades de ensino
visando a construção de conceitos científicos no Ensino de Ciências.
Referências Bibliográficas
CACHAPUZ, A., GIL-PEREZ, D., CARVALHO, A.M.P., VILCHES, A. (ORG.).
A necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez, 2005.
GALPERIN, P. Y. Sobre o método de formación por etapas de las acciones
intelectuales: em La antologia de La psiclogia y de las edades. La Habana: Editorial
Pueblo y Educación, 1986.
GEHLEN, S. T.; DELIZOICOV, D. O papel do problema em atividades didático
pedagógicas no ensino de ciências. VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação
e Ciências. Florianópolis-SC, 2009.
LEONTIEV, A. Actividad, Conciencia y Personalidad. Habana: Editorial Pueblo y
Educación, 1985.
LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Centauro, 2004.
NÚÑEZ, I. B. Vigotski, Leontiev e Galperin: formação de conceitos e princípios
didáticos. Brasília: Liber Livro, 2009.
REZENDE, A.; VALDES, H. Galperin: implicações educacionais da teoria de formação
das ações mentais por estágios. Educação Sociedade, Campinas, v. 27, n. 97, p. 12051232, set./dez. 2006.
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SANMARTÍ, N. Didáctica de las ciências em la educación secundaria obligatoria.
Madrid: Sintesis Educación, 2002.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Trad. Jeferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 1989.
_____________. A Formação Social da Mente. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
_____________. A Construção do Pensamento e da Linguagem. 2 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2009.
Anexos
FIGURA 01: Esquema representando a estrutura da atividade humana.
Ações
• Necessidade /
Motivo
• Objetivos
• Condições
Operações
Atividade
QUADRO 01: Sequência de ensino-aprendizagem estruturada a partir de alguns elementos da Teoria da
Atividade (RODRIGUES; FERREIRA, 2011).
SISTEMAS DE
ATIVIDADE
SUJEITO
OBJETO
OBJETIVOS
OPERAÇÕES
(AÇÕES)
Apresentação e análise de
Visualização;
Contextualizar a temática
imagens relacionadas aos
Discussão.
Estados da
investigada;
estados da matéria.
matéria.
Levantar as concepções
Estudo dirigido sobre os estados
Resolução de
prévias dos alunos.
da matéria.
questões.
Destacar as propriedades
múltiplas dos objetos,
Discussão;
Discussão sobre os aspectos
utilizando a observação, a
Estados
Observação;
descrição, a comparação e
macroscópicos e microscópicos
Descrição;
“indecisos” da
da matéria, a partir da análise de
a diferenciação;
Alunos
matéria.
Comparação;
diferentes materiais.
Determinar as propriedades
Diferenciação.
necessárias e suficientes do
objeto.
Estruturar concepções dos
Conceito
alunos sobre Transição
Transição
Vítrea;
Realização do
Atividade experimental sobre
Vítrea;
Estabelecer relação entre os experimento;
Transição Vítrea
Estados
estados “indecisos” da
Identificação.
“indecisos” da
matéria e o objeto
matéria.
analisado, através da
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Apresentação e discussão do
vídeo: “De onde vem o vidro?”
Leitura e discussão do texto:
“Vidros: da Idade da Pedra à
Atualidade”.
Apresentação e análise de
imagens relacionadas a diversas
aplicações do vidro.
Estudo dos
vidros;
Estados
“indecisos” da
matéria.
identificação das
propriedades necessárias e
suficiente.
Contextualizar a temática
estudada dentro da história,
da ciência e da tecnologia;
Relacionar a temática
investigada com a sua
importância na sociedade
moderna;
Caracterizar o vidro quanto
aos estados da matéria,
através da identificação das
propriedades necessárias e
suficientes.
Visualização;
Leitura do
texto;
Discussão.
QUADRO 02: Etapas na formação do conceito de ser vivo.
Etapas
Motivacional
Plano Materializado
Plano da Linguagem
Externa
Plano Mental
Atividades
Algumas questões são levantadas,
Os alunos observam como os fungos
como: O que vemos é um ser
“invadem” um pedaço de pão ou de
vivo ou não? Como podemos
queijo.
saber se um fungo é um ser vivo?
Os alunos observam como os
alimentos mudam seu aspecto e
suas propriedades quando o
fungo se desenvolve, reconhecem
Elaboração de novas experiências.
com uma lupa ou com um
microscópio e identificam em que
condições se desenvolvem
melhor.
A professora interage com os alunos
para “dar sentido científico” à
experiência. Promove a interação entre
Os alunos são estimulados a
os alunos, de forma que discutam as
falarem utilizando ideias
distintas percepções do que foi
relacionadas com a reprodução,
vivenciado e que comparem suas
nutrição, relação e teoria celular.
concepções com o que está exposto no
livro texto e com as ideias construídas
pela ciência.
Os alunos escrevem, fazem
esquemas e desenhos sobre suas
Nesse processo, os alunos organizam
concepções acerca a temática
suas ideias e estruturas, possibilitando a
estudada. Em seguida, devem
abstração e generalização.
aplicar o conceito apreendido a
outras situações possíveis.
QUADRO 03: Base Orientadora da Ação – Atividade Ser Vivo
Todos os seres vivos
Base de Orientação
Trocam matéria e energia com o meio
Modificam o meio
Relacionam-se com o meio
Provem de outros seres vivos
Podem reproduzir
São formados por células
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