XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 A DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS E A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA ATIVIDADE E DA TEORIA DA ASSIMILAÇÃO DAS AÇÕES MENTAIS POR ETAPAS Gizella Menezes Rodrigues Universidade Federal Rural de Pernambuco / PPGEC Escola de Aprendizes-Marinheiros de Pernambuco Suzane Bezerra de França Universidade Federal Rural de Pernambuco / PPGEC RESUMO Esse artigo tem como objetivo discutir abordagens teóricas e metodológicas que possam fundamentar novas propostas de ensino e aprendizagem visando a construção de conceitos científicos e que vêm sendo incorporadas na Didática das Ciências. Particularmente, a Teoria da Atividade, de Leontiev, que considera a atividade humana como o processo que medeia a relação entre o sujeito e o objeto da atividade, e a Teoria de Assimilação das Ações Mentais por Etapas, de Galperin, que busca explicar o processo de internalização da atividade externa. Apresenta, inicialmente, uma breve explanação a cerca da evolução e consolidação da Didática das Ciências como um novo campo de conhecimento, bem como as linhas de pesquisa mais investigadas nessa área. Descreve, também, uma sequência de ensino-aprendizagem visando à construção de conceitos relacionados aos estados da matéria, delineada a partir dos elementos da estrutura invariante considerados na Teoria da Atividade, bem como uma proposta de atividade para a aprendizagem do conceito de ser vivo, a partir das etapas de assimilação da ação mental estabelecidas por Galperin. O presente estudo apontou que as teorias abordadas se apresentam como possibilidades para o processo de construção de conceitos científicos, sendo, assim, recursos teóricos e metodológicos de grande importância para o planejamento de estratégias de ensino. Essas priorizam a organização dos alunos em grupo e os momentos de discussão, favorecendo uma participação mais ativa dos sujeitos envolvidos no processo. Com o prosseguimento da pesquisa, pretende-se o aprofundamento do estudo quanto à aplicação e avaliação das teorias em questão, bem como a proposição de novas situações de ensino. Palavras-chave: Didática das Ciências; Teoria da Atividade; Teoria da Assimilação das Ações Mentais por Etapas; Construção de Conceitos. Introdução A discussão a respeito da importância da Didática das Ciências como um campo de investigação ocorreu a partir dos novos desafios e necessidades da educação científica. A alfabetização científica para todos os cidadãos passou a ser extremamente relevante, uma vez que a sociedade do século XX exigia novos profissionais, esses com conhecimentos na área de ciências. Assim, novas demandas sociais de uma melhor formação científica para a população em geral, impulsionaram a investigação de novas Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004346 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 propostas curriculares para o Ensino de Ciências, bem como novas propostas para o seu ensino e aprendizagem. Enquanto verifica-se a importância de uma educação científica para todos, eram observadas as dificuldades que fazem parte desse processo, como o fracasso escolar e a rejeição por parte dos alunos em relação ao estudo das ciências. Ensinar Ciências passou a ser concebido, então, como uma atividade mais complexa, devido a diversos fatores. As mudanças sociais, ao exigir cidadãos cada vez mais autônomos, críticos e conscientes dos problemas globais, com uma formação científica e tecnológica, impôs que mudanças fossem feitas na política educativa. Outro fator importante está relacionado à epistemologia das Ciências, uma vez que se observava uma mudança de paradigma ao ir de encontro à lógica positivista, considerando, assim, o caráter evolutivo e teórico da Ciência. Dessa forma, um problema importante para a Didática das Ciências constitui a definição dos conteúdos a ensinar que estivessem em consonância com as necessidades da educação científica do século XX, e principalmente, do século XXI (SANMARTÍ, 2002). A Didática das Ciências ganha fôlego enquanto campo de conhecimento devido à existência de um problema relevante e do caráter específico dessa problemática, bem como devido ao fato da Psicologia da Educação e da Didática Geral não responderem bem as novas questões postas. Assim, estudos relacionando à aprendizagem dos conteúdos científicos específicos mostraram-se importantes, uma vez que esses possuem características próprias que condicionam o processo de ensino-aprendizagem. A Didática das Ciências passa a ter um corpus próprio com a finalidade de investigar os problemas inerentes ao processo de ensino e aprendizagem das ciências, embora ainda mantenha uma estreita relação com a Psicologia, a Sociologia, a História e a Filosofia da Ciência (CACHAPUZ et al, 2005). As investigações no campo da Didática das Ciências se intensificaram a partir da segunda metade do século XX, havendo ênfase em estudos relacionados a mudanças curriculares. Esses novos currículos buscavam promover uma aprendizagem mais conceitual, relacionando a teoria à prática; a atualização dos conteúdos a ensinar; e a elaboração de novos materiais e recursos didáticos. Os museus de ciências interativos também começaram a surgir, buscando aproximar a população em geral do conhecimento científico e despertar o interesse pela ciência. Como consequência dessa intensa atividade, surgem novos meios de divulgação das pesquisas na área, como o Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004347 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 Journal Research in Science Education, em 1964 e a Enseñanza de las Ciencias, em 1983 (SANMARTÍ, 2002). O número de pesquisadores e pesquisas na área cresceu de maneira bastante significativa, o que permitiu a consolidação de novas linhas de pesquisa. Cachapuz et al (2005) apontam algumas linhas de investigação na Didática das Ciências, como as pesquisas abordando as “concepções alternativas”, que colocaram em dúvida a eficácia do ensino por transmissão, mostrando que o ato de ensinar ciências não é uma atividade tão simples quanto era considerado. Também sinalizam as pesquisas que versam sobre a resolução de problemas e as práticas de laboratórios, investigando tanto questões teóricas, quanto práticas. O currículo, o processo de avaliação, a formação inicial e continuada dos professores, a construção e a avaliação de materiais didáticos, as relações Ciência/Tecnologia/Sociedade e o papel da linguagem e da comunicação no ensino e aprendizagem das Ciências também foram e ainda são temáticas bastante investigadas pela Didática das Ciências. Sanmartí (2002) também aponta algumas linhas de investigação na Didática das Ciências, como: revisão dos objetivos e conteúdos curriculares em uma perspectiva de uma ciência mais integrada e próxima do cotidiano dos alunos; construção de modelos explicativos de fenômenos, que constitui no processo de modelização; papel da linguagem e da comunicação, enfatizando a aprendizagem como uma construção social; revisão do conceito de avaliação; diversificação dos recursos de ensino, sinalizando a importância do uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação; valorização da autonomia do aluno em sua aprendizagem; elaboração e análise de propostas de formação de professores, orientadas a promover mudanças sobre sua concepção de ciências, de ensino e de aprendizagem; e valorização da aprendizagem como um processo em longo prazo. Vale salientar que algumas dessas temáticas são abordadas de maneira integrada, possibilitando uma visão mais geral dos problemas relacionados ao ensino e aprendizagem das ciências e a percepção de que esses aspectos estão interconectados, de maneira que há uma interferência mútua entre eles. No desenvolvimento da Didática das Ciências outro ponto a destacar, que está interligado às linhas de investigação que vêm sendo desenvolvidas e consolidadas no Ensino das Ciências, constitui a emergência do paradigma construtivista. A psicologia Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004348 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 piagetiana e a ausubeliana e os impactos das novas correntes filosóficas, como as desenvolvidas por Thomas Kuhn, Stephen Toulmin e Imre Lakatos, influenciaram a emergência desse novo paradigma. Assim, alguns princípios começaram a ser considerados, como as ideias prévias dos alunos em relação ao conceito a ser estudado. Outro ponto importante constitui modificações na compreensão do processo de construção dos conceitos, enfatizando que as teorias científicas não constituem a realidade, mas buscam explicá-la. Os erros dos alunos passaram a ser valorizados, sendo esses considerados como uma etapa do processo de ensino e aprendizagem. A construção social do conhecimento, através, principalmente, dos estudos de Vygotsky, também se faz presente como aporte teórico em várias pesquisas na área da Didática das Ciências. Assim, passa-se a valorizar as interações entre o professor e o aluno e entre os próprios alunos no processo de construção do conhecimento, bem como com a cultura, considerando que o conhecimento se constrói socialmente e se expressa mentalmente (GEHLEN; DELIZOICOV, 2009). Observa-se que as pesquisas recentes no campo da Didática das Ciências, sob o ponto de vista de aprendizagem de conceitos, buscam apresentar novos modelos didáticos e novas propostas de ensino, sendo essas incorporadas aos resultados de pesquisa sobre as dificuldades apresentadas pelos alunos para promover uma aprendizagem mais efetiva e significativa. Dessa forma, buscamos discutir neste artigo aspectos da Teoria da Atividade de Leontiev, que considera a atividade humana como o processo que medeia à relação entre o sujeito e o objeto da atividade, e da Teoria de Assimilação das Ações Mentais por Etapas, que busca explicar o processo de internalização da atividade externa. Consideramos relevante uma discussão a respeito dos principais aspectos que caracterizam essas duas teorias, uma vez que abrem possibilidades de fundamentar novas propostas de ensino e aprendizagem visando à construção de conceitos científicos e, também, pelo fato de serem ainda pouco difundidas no Brasil (NÚÑEZ, 2009), embora se observe nos últimos anos um crescimento no número de trabalhos que fundamentaram a sua pesquisa a partir dessas perspectivas. A Construção de Conceitos Científicos e a Teoria da Atividade A Teoria da Atividade busca ampliar e desenvolver a Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky, tendo como principal pesquisador Leontiev (1985, 2004). Centra seus estudos na atividade humana, considerando que é através da atividade que o sujeito se Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004349 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 relaciona com o mundo, convertendo, assim, a atividade como objeto da psicologia. A análise da Teoria da Atividade de Leontiev possibilita uma melhor compreensão dos processos de assimilação de conceitos científicos no contexto escolar, integrando elementos trazidos por Vygotsky. Leontiev (1985) considera que a atividade é o processo que medeia à relação entre o ser humano e a realidade a ser transformada por ele, apontando que a relação sujeito e objeto é sempre mediatizada, conforme estabelecido por Vygotsky, tendo como característica principal seu caráter objetal. Em relação ao processo de formação de conceitos científicos, impõe como condição a definição do tipo de atividade necessária para sua formação, uma vez que não é qualquer atividade que desencadeia o desenvolvimento das funções psicológicas superiores do indivíduo e que o sujeito da ação tenha uma participação ativa durante esse processo. Atividade, ação e operação são consideradas os componentes principais da Teoria da Atividade, possibilitando a relação entre o sujeito, o meio e o objeto da ação. Para que a atividade aconteça é essencial que haja uma necessidade, de forma que toda atividade está relacionada a um motivo, estreitamente relacionado com o objeto da atividade. Leontiev considera que a realização da atividade ocorre através de ações, tendo cada uma delas objetivos a alcançar. As diversas maneiras em que uma ação pode ser realizada são denominadas de operações, que estão relacionadas com as condições de realização da ação. Podemos considerar que um sujeito está em atividade quando os objetivos de suas ações estão relacionados com o motivo de sua atividade. Essa relação entre os componentes principais da atividade e suas características está representada na figura 01. Verifica-se que Teoria da Atividade constitui-se como um importante recurso metodológico para o planejamento de estratégias de ensino, uma vez que considera que no processo de aprendizagem de conceitos científicos o sujeito deve desenvolver ações apropriadas que se apresentam, inicialmente, na forma de ações externas para, posteriormente, serem internalizadas. Destaca-se, assim, o papel da atividade na compreensão da formação das funções psicológicas superiores. Apresentamos no quadro 01, uma Sequência de Ensino-Aprendizagem, visando a construção de conceitos relacionados aos estados “indecisos” da matéria, delineada a partir dos elementos da estrutura invariante considerados por Leontiev. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004350 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 Um novo enfoque na formação de conceitos, na perspectiva da Teoria da Atividade, nos leva a privilegiar as ações relacionadas com sua formação. Observamos, assim, na sequência delineada no quadro 01, as ações que os sujeitos deverão desenvolver, bem como o objeto de cada atividade. Buscamos, ao estruturar essa sequência, a definição do conceito científico a partir do conjunto de propriedades necessárias e suficientes que entram em sua definição (VYGOTSKY, 2007; 2009). Dessa forma, partimos de um aspecto mais geral para um mais específico, o vidro, considerando importante tanto a construção da definição do conceito científico, no caso do conceito de estado da matéria, particularmente, dos estados “indecisos” da matéria, como a sua aplicação na solução de tarefas. Consideramos que os alunos como sujeitos da ação, a relevância do objeto de aprendizagem, os objetivos das atividades e ações e o sistema de operações são aspectos que podem se constituir como critérios para estruturar sequências de ensinoaprendizagem, bem como permitem, após o seu desenvolvimento, a análise das ações realizadas em sala de aula visando a construção de conceitos científicos. Sinalizamos, assim, que a Teoria da Atividade de Leontiev se apresenta como um recurso metodológico de grande importância para o planejamento de estratégias de ensino. A Construção de Conceitos Científicos e a Teoria da Assimilação das Ações Mentais por Etapas Leontiev reconhece nos trabalhos de Vygotsky que a atividade externa é reflexo da atividade interna, porém não explica como ocorre essa transformação do plano material (interpsicológico) para o plano mental (intrapsicológico). Dessa forma, a explicação dos processos de internalização não foi fornecida pela Teoria da Atividade, sendo, tratada por Galperin na Teoria de Assimilação das Ações Mentais por Etapas, que se integra de forma dialética às teorias propostas por Vygotsky e Leontiev. A partir das críticas realizadas aos modelos de ensino vigentes, modelo de ensino tradicional e modelo de ensino aberto, Galperin busca elaborar um novo modelo de ensino, denominado Teaching Through a Step-by-Step Formation of Mental Actions and Concepts, baseado nos processos de formação de conceitos científicos estabelecidos na Teoria Histórico-Cultural e considerando outros princípios em relação à organização do processo de ensino-aprendizagem, tais como: o conhecimento a ser assimilado e a Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004351 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 habilidade a ser apreendida como o ponto de partida para a ação; seleção e organização de atividades adequadas ao potencial do aluno, possibilitando um trabalho situado na Zona de Desenvolvimento Proximal e considerando as etapas intermediárias correspondentes aos diversos estágios do processo de formação dos conceitos científicos; elaboração da sequência de apresentação das atividades de forma a possibilitar ao aluno alcançar êxito na solução do problema imediatamente; e elaboração de situações-problemas correlacionadas entre si, direcionando o aluno à pesquisa dos aspectos gerais do conceito investigado (REZENDE e VALDES, 2006). Dessa forma, o modelo de ensino estabelecido por Galperin considera o aluno como um ser ativo no processo de apreensão do conhecimento em que a prática é o elemento principal da aprendizagem, desde que esteja alicerçada por uma Base Orientadora da Ação, que direciona uma escolha consciente de uma dentre diversas possibilidades de ação. O aluno compreende o significado operacional do conceito, buscando e experimentando a sua utilidade na resolução dos problemas, ao invés de memorizar fórmulas e resolver exercícios de maneira mecânica, ou seja, sem compreender o que se realiza. Assim, o aluno deve não apenas aprender a fazer, mas também saber explicar como e porque está agindo de determinada maneira. A essência da teoria de Galperin consiste em inicialmente encontrar a forma adequada da ação, em seguida, encontrar a forma material de representação da ação e, por fim, transformar a ação externa em ação interna (NÚÑEZ, 2009). Esse processo de transformação ocorre em cinco etapas (etapa motivacional, etapa de estabelecimento da base orientadora da ação, etapa de formação da ação no plano material ou materializado, etapa de formação da ação no plano da linguagem externa e etapa de formação da ação no plano mental), que constituem as etapas de assimilação da ação mental, conforme resumidamente descritas a seguir. * Etapa motivacional – constitui a etapa inicial, na qual não há nenhum tipo de ação a ser executada e tem como objetivo preparar os alunos para assimilarem os novos conhecimentos. * Etapa do estabelecimento da Base Orientadora da Ação (BOA) – a BOA constitui o modelo da atividade, o projeto de ação, situando-se entre o sujeito e o objeto da ação e tendo como principal objetivo mediar à relação entre a ação e a resolução da situaçãoproblema. São estabelecidos alguns conceitos operacionais que irão nortear a tomada de Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004352 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 decisão sobre como executar a ação, conduzindo o aluno a testar a sua aplicação em diversas situações. * Etapa de formação da ação no plano material ou materializado – nessa etapa o aluno começa a realizar a ação no plano externo, de forma detalhada. O aluno deve realizar as ações utilizando como apoio os esquemas da BOA e o professor tem a tarefa de controlar o cumprimento de cada uma das operações. Enquanto a atividade é realizada devem ser propiciados momentos de reflexão e de discussão. * Etapa de formação da ação no plano da linguagem externa – os elementos da ação são representados na forma verbal, não sendo mais utilizados apoios externos. O aluno não tem acesso aos objetos ou a suas representações, e sim aos sistemas simbólicos que os representam. Assim, o aluno deve operar com signos, refletindo e estabelecendo conexões completas e resolvendo tarefas teóricas complexas. Dessa forma, a linguagem passa a ser considerada o instrumento de relação do sujeito com o objeto da ação, possibilitando a formação do processo de abstração e de generalização, conforme estabelecido por Vygotsky (1989). * Etapa de formação da ação no plano mental – nessa última etapa do processo de assimilação da ação mental, a linguagem se transforma em função mental interna. Os traços essenciais dos conceitos devem ser expressos sob a forma de signos, fomentando o processo de interiorização da atividade externa em interna. A fim de ilustrar a aplicação das etapas estabelecidas por Galperin em uma atividade concreta, nos baseamos em um exemplo/problema trazido por Sanmartí (2002) para a aprendizagem do conceito de ser vivo, conforme pode ser observado no quadro 02. Associado ao problema com base no qual estruturamos as cinco etapas da teoria de Glaperin, Sanmartí (2002) apresenta uma Base Orientadora da Ação (BOA), elaborada pelo grupo-classe, conforme pode ser observado no quadro 03. A mesma teve como objetivo fazer com que os alunos pensassem sobre as características que definem um ser vivo. A BOA foi então aplicada com a finalidade de justificar se um fungo é um ser vivo ou não, a partir das reflexões realizadas durante a atividade, devendo, em seguida, ser aplicada em diversas situações distintas. Temos, então, que a BOA é um instrumento de grande utilidade que permite sistematizações e tomada de consciência dos modelos construídos. Deve ser formada Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004353 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 por conceitos que estão no nível de capacidade de compreensão dos alunos, possuindo um caráter operacional. Dessa forma, o aluno em vez de trabalhar utilizando o método de tentativa e erro, se apoia nas características necessárias que definem o conceito e, ao utilizar o esquema da BOA, deve ser capaz de encontrar a melhor forma possível de ação, convertendo em realidade as suas potencialidades. Assim, o desenvolvimento da atividade exposta por Sanmartí (2002) deve propiciar a construção do conceito de ser vivo, através da qual o aluno deve ser capaz de aplicar o conceito assimilado em novas situações, como: O fogo é um ser vivo? E uma mariposa? E um relógio? E as bactérias de um iogurte? Nesse processo, as ideias vão se automatizando, possibilitando, também, um alto grau de generalização. Dessa forma, de acordo com Galperin (1986), o desenvolvimento das etapas deve estar orientado não só para a definição do conceito a ser assimilado, mas também para a sua aplicação, sendo o caminho para a formação de generalizações e abstrações. Vale salientar que o processo de assimilação através das etapas estabelecidas por Galperin provoca mudanças na forma da ação, mas não no seu conteúdo. Assim, a ação deve passar de um plano material para um plano mental, havendo um aumento progressivo no grau de generalização. Também, deve deixar de ser compartilhada para ser independente e ser executada de maneira mais reduzida, sendo, assim, uma via para a internalização da atividade externa em processos mentais do pensamento. Algumas Considerações Através desse estudo foi possível evidenciar alguns elementos, de ambas as teorias abordadas, para a proposição de novas propostas didáticas para o ensino de ciências. Observamos que, a Base Orientadora da Ação (BOA) é uma ferramenta que pode auxiliar o aluno na resolução de problemas, possibilitando a representação das possíveis estratégias e operações para a realização de uma tarefa. Galperin também aponta que a BOA possibilita a antecipação e o planejamento da atividade, sendo possível a representação adequada do plano de ação. A capacidade de autorregulação dos objetivos da aprendizagem, dos planos de ação e dos critérios de avaliação é favorecida, uma vez que, de acordo com Leontiev, a atividade é um processo realizado em função de um objetivo consciente, relacionado Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004354 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 com o objeto da aprendizagem, de forma que o sujeito está em atividade quando o motivo de sua atividade coincide com os objetivos de suas ações. Ressaltamos, assim, algumas contribuições da Teoria da Atividade de Leontiev e da Teoria de Assimilação das Ações Mentais por Etapas, que se integram de maneira dialética à Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky, buscando fundamentar a aprendizagem. Relacionar os conceitos vygotskianos às novas contribuições de Leontiev e de Galperin, utilizando essas inter-relações durante o processo de ensino e aprendizagem parece ser um viés em ascensão na Didática das Ciências. A partir desse artigo, pretendemos aprofundar nosso estudo quanto à aplicação e avaliação das Teorias da Atividade e da Assimilação Mental por Etapas no Ensino de Ciências, buscando analisar pesquisas que utilizem essas teorias como referenciais teóricos e metodológicos, bem como propor novas situações de ensino. Dessa forma, sinalizamos a importância de investigações que tomem por base os referenciais teóricos apresentados para uma melhor compreensão do planejamento de atividades de ensino visando a construção de conceitos científicos no Ensino de Ciências. Referências Bibliográficas CACHAPUZ, A., GIL-PEREZ, D., CARVALHO, A.M.P., VILCHES, A. (ORG.). A necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez, 2005. GALPERIN, P. Y. Sobre o método de formación por etapas de las acciones intelectuales: em La antologia de La psiclogia y de las edades. La Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1986. GEHLEN, S. T.; DELIZOICOV, D. O papel do problema em atividades didático pedagógicas no ensino de ciências. VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação e Ciências. Florianópolis-SC, 2009. LEONTIEV, A. Actividad, Conciencia y Personalidad. Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1985. LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Centauro, 2004. NÚÑEZ, I. B. Vigotski, Leontiev e Galperin: formação de conceitos e princípios didáticos. Brasília: Liber Livro, 2009. REZENDE, A.; VALDES, H. Galperin: implicações educacionais da teoria de formação das ações mentais por estágios. Educação Sociedade, Campinas, v. 27, n. 97, p. 12051232, set./dez. 2006. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004355 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 11 SANMARTÍ, N. Didáctica de las ciências em la educación secundaria obligatoria. Madrid: Sintesis Educación, 2002. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Trad. Jeferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1989. _____________. A Formação Social da Mente. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. _____________. A Construção do Pensamento e da Linguagem. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Anexos FIGURA 01: Esquema representando a estrutura da atividade humana. Ações • Necessidade / Motivo • Objetivos • Condições Operações Atividade QUADRO 01: Sequência de ensino-aprendizagem estruturada a partir de alguns elementos da Teoria da Atividade (RODRIGUES; FERREIRA, 2011). SISTEMAS DE ATIVIDADE SUJEITO OBJETO OBJETIVOS OPERAÇÕES (AÇÕES) Apresentação e análise de Visualização; Contextualizar a temática imagens relacionadas aos Discussão. Estados da investigada; estados da matéria. matéria. Levantar as concepções Estudo dirigido sobre os estados Resolução de prévias dos alunos. da matéria. questões. Destacar as propriedades múltiplas dos objetos, Discussão; Discussão sobre os aspectos utilizando a observação, a Estados Observação; descrição, a comparação e macroscópicos e microscópicos Descrição; “indecisos” da da matéria, a partir da análise de a diferenciação; Alunos matéria. Comparação; diferentes materiais. Determinar as propriedades Diferenciação. necessárias e suficientes do objeto. Estruturar concepções dos Conceito alunos sobre Transição Transição Vítrea; Realização do Atividade experimental sobre Vítrea; Estabelecer relação entre os experimento; Transição Vítrea Estados estados “indecisos” da Identificação. “indecisos” da matéria e o objeto matéria. analisado, através da Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004356 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 12 Apresentação e discussão do vídeo: “De onde vem o vidro?” Leitura e discussão do texto: “Vidros: da Idade da Pedra à Atualidade”. Apresentação e análise de imagens relacionadas a diversas aplicações do vidro. Estudo dos vidros; Estados “indecisos” da matéria. identificação das propriedades necessárias e suficiente. Contextualizar a temática estudada dentro da história, da ciência e da tecnologia; Relacionar a temática investigada com a sua importância na sociedade moderna; Caracterizar o vidro quanto aos estados da matéria, através da identificação das propriedades necessárias e suficientes. Visualização; Leitura do texto; Discussão. QUADRO 02: Etapas na formação do conceito de ser vivo. Etapas Motivacional Plano Materializado Plano da Linguagem Externa Plano Mental Atividades Algumas questões são levantadas, Os alunos observam como os fungos como: O que vemos é um ser “invadem” um pedaço de pão ou de vivo ou não? Como podemos queijo. saber se um fungo é um ser vivo? Os alunos observam como os alimentos mudam seu aspecto e suas propriedades quando o fungo se desenvolve, reconhecem Elaboração de novas experiências. com uma lupa ou com um microscópio e identificam em que condições se desenvolvem melhor. A professora interage com os alunos para “dar sentido científico” à experiência. Promove a interação entre Os alunos são estimulados a os alunos, de forma que discutam as falarem utilizando ideias distintas percepções do que foi relacionadas com a reprodução, vivenciado e que comparem suas nutrição, relação e teoria celular. concepções com o que está exposto no livro texto e com as ideias construídas pela ciência. Os alunos escrevem, fazem esquemas e desenhos sobre suas Nesse processo, os alunos organizam concepções acerca a temática suas ideias e estruturas, possibilitando a estudada. Em seguida, devem abstração e generalização. aplicar o conceito apreendido a outras situações possíveis. QUADRO 03: Base Orientadora da Ação – Atividade Ser Vivo Todos os seres vivos Base de Orientação Trocam matéria e energia com o meio Modificam o meio Relacionam-se com o meio Provem de outros seres vivos Podem reproduzir São formados por células Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.004357