MST E EDUCAÇÃO NO CAMPO

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MST E EDUCAÇÃO NO CAMPO: TRANSFORMAÇÃO OU REPRODUÇÃO?
Ana Tereza Ferreira Rocha¹, Horácio A. Sant’Ana Júnior²(orientador)
¹Universidade Federal do Maranhão/Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, R.09, Qd. 14,
Cs.19, Cohatrac V,São Luís-MA, [email protected].
² Universidade Federal do Maranhão/Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Av. dos
Portugueses s/n sala 06 CEB velho, Campus Universitário do Bacanga, São Luís-MA, [email protected]
Resumo - Este trabalho consiste numa tentativa de entender a ênfase que o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra dá a educação e principalmente a escolarização em assentamentos. Utiliza-se
dois documentos básicos do Movimento: ”Por uma Educação Básica no Campo” (1998)e “Princípios da
Educação no MST” (1999), que são analisados com o método de analise documental sobre a luz de dois
autores da Sociologia: Bourdieu & Passeron (1975) e Durkheim (1978). Objetiva-se saber se a educação
nos assentamentos do MST reproduz ou não a cultura dominante, ou ainda, se apresenta tendência para
isso. Conclui-se que há uma inculcação de valores que mantêm uma relação de forças com a cultura
dominante, contribuindo pra a reprodução da educação em si mesma, de forma que não há reprodução e
sim, adequação.
Palavras-chave: educação no campo, transformação, reprodução, adequação.
Área do Conhecimento: VII Ciências Humanas
Introdução
A idéia de fazer um trabalho que tentasse
entender como se dava a educação em um
assentamento do Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra - MST não é recente. Surgiu desde o
primeiro contato que tive com o movimento, em
1999 até a realização de pequenos trabalhos de
assessoria em assentamentos. Foi nestas
atividades em 2002, que despertei a curiosidade
sobre a ênfase que o movimento dá a educação e
principalmente a escolarização. Foram slogans do
tipo: “por uma educação que não reproduza os
valores dominantes”, “por uma revolução
educacional”, “educação para transformação
social”, “conscientizar para libertar”, que me
inquietaram.
É importante ressaltar que, embora as
provocações para construção deste trabalho
tenham vindo de situações empíricas, aqui tentarei
apenas problematizar algumas questões que
surgiram após a leitura das cartilhas produzidas
pelo movimento a luz de teóricos como Bourdieu &
Passeron (1975) e Durkheim (1978).
Materiais e Métodos
Em 1987, foi formalizado o setor de educação
do MST, a ele coube pensar com criatividade as
alternativas para a educação no campo, uma
forma específica de ensinar as crianças, jovens e
adultos a participarem da elaboração do novo
projeto do mundo camponês. Tal iniciativa resultou
no que eles chamam de “Pedagogia da Terra”.
Com a criação deste setor houve necessidade
de elaborar um texto que servisse de referência ao
modelo pedagógico que o MST pretendia
construir, assim surgiu texto o texto-base do
movimento: Por uma Educação Básica no Campo.
Dois anos depois teve início o primeiro curso de
magistério voltado às escolas de assentamentos e
neles foram elaboradas inúmeras cartilhas,
posteriormente chamadas de Cadernos de
Educação, sendo que uma delas, a nº 08, voltada
para os Princípios da Educação no MST.
Esses dois textos constituem o principal
material utilizado na construção deste trabalho.
Para melhor compreendê-los utilizei duas obras
clássicas da Sociologia que tratam da questão
educacional em relação a sociedade na qual estão
inseridos: A Reprodução de Bourdieu & Passeron
(1975) e Educação e Sociologia de Durkheim
(1978). Do primeiro utilizei principalmente as
categorias “arbitrário cultural”, “violência simbólica”
e “reprodução social”, enquanto que com o
segundo compartilhei a idéia de que a educação é
um fator de socialização do homem a fim de tornálo cidadão, bem como a idéia de que esse mesmo
homem é coagido pelo sistema educacional
vigente.
O método empregado neste trabalho é a
análise
documental
dos
textos
acima
mencionados.
Resultados
De
forma
geral,
a
educação
nos
assentamentos do MST não reprodução a cultura
dominante, mas aponta uma certa tendência para
isso, principalmente no que diz respeito às
estruturas das relações de força. As estruturas de
classe permanecem as mesmas, de forma que a
utilização do sistema de ensino dominante
assegura seu monopólio.
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Discussão
Com 20 anos de atuação, o MST investe
continuamente na alfabetização e na formação
escolar de jovens e adultos em assentamentos e
acampamentos. O movimento sempre coloca a
educação entre suas prioridades, com projetos de
educação infantil, ensino fundamental e ensino
médio,
passando
pelos
cursos
técnico–
profissionalizantes e chegando à universidade,
além de constantes cursos de formação para
militância. Todas essas etapas apresentam como
principal característica serem uma educação
específica para o campo, “pois além da conquista
da terra para trabalhar, produzir e viver com
dignidade há necessidade de obter novos
conhecimentos teóricos da população da roça”
(SANTOS, 2003. p.46).
Antes de continuar, cabe esclarecer a
utilização da expressão educação do campo e não
mais educação no meio rural. Essa é uma
tentativa de incluir nesta nova denominação
reflexões sobre o sentido do trabalho camponês,
desmistificando-o. Há uma tentativa de fazer com
que o camponês não seja considerado um mero
instrumento de produção, apontando que o
homem do campo pode transformar a realidade
com seu trabalho.
Temos então o principal objetivo de uma
educação básica no campo: “ajudar a relocar o
rural na agenda política do país e a educação que
a ele se vincula” (Por uma Educação Básica do
Campo, 1998, p.22). Ainda neste texto-base, é
clara a noção de que a educação do campo tem
que ser específica e diferenciada, ou melhor,
alternativa.
Apesar da ênfase dada á escolarização, esta
não é toda a educação, a educação básica
(infantil, fundamental e média) não significa o
fechamento a inúmeras experiências significativas
e não-formais. O aspecto não-formal da educação
é fundamental, pois é através dele que nasce
formulações sobre a escola do campo, além de ser
um espaço privilegiado para a ação das “gerações
adultas sobre aquelas não ainda amadurecidas
para a vida social” (Durkheim, 1978, p.10).
“Em uma sociedade há tantos sistemas de
educação especiais quanto sejam os meios
diferentes que ela comporte” (Durkheim, 1978,
p.09) e cada um desses sistemas constrói um tipo
ideal de homem e é em torno deste ideal que se
encontra o eixo do processo educativo. Processo
através do qual as pessoas se inserem numa
determinada sociedade, por isso está sempre
ligada a um determinado projeto político e uma
concepção de mundo. O horizonte educacional do
MST não esconde seu compromisso: “um
processo pedagógico que se assume como
político, ou seja, que se vincula organicamente
com os processos sociais que visam à
transformação da sociedade atual e a construção,
desde já, de uma nova ordem social, cujos pilares
principais sejam a justiça, a radicalidade
democrática e os valores humanistas e socialistas”
(Princípios da Educação no MST, 1999, p.04).
Dentro dessa perspectiva, o sistema
educacional do MST “se preocupa em preparar o
homem para a vida social, ou seja, formar
cidadão” (Durkheim, 1978, p.16). Com esse
objetivo, o MST formula seus princípios e suas
diretrizes de ação no Programa de Reforma
Agrária.
Enquanto uma ação pedagógica (AP), dentre
as várias existentes em uma dada formação
social, o sistema educacional do MST é tomado
como específico e diferenciado, mas, como isso se
dá? Diferenciado, pois os camponeses buscam
uma educação que seja adequada às formas de
vida nos assentamentos e que seja voltada para o
trabalho e a cooperação, com base nos princípios
humanistas e socialistas. Específico, pois não se
assume como um resíduo do sistema educacional
urbano, “não é interessante copiar modelos
importados de escolas que não contribuem para a
compreensão de nossa realidade” (Por uma
Educação Básica no Campo, 1998, p.62).
A educação básica do MST é a mesma
educação básica do sistema dominante: educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio,
diferindo em alguns aspectos, principalmente o
cultural. Nas escolas dos assentamentos aprendese a cultura e os costumes camponeses, acreditase que a educação está organicamente vinculada
à cultura, assim como a política e a economia,
entendendo-a “por tudo aquilo que as pessoas, os
grupos e as sociedades produzem para
representar ou expressar o seu jeito de viver, de
entender e de sonhar o mundo” (Princípios da
Educação no MST, 1999, p.19).
Como a ação pedagógica do MST visa à
transformação social se possui tendência a
reproduzir a estrutura dominante? A metodologia
pedagógica do movimento aponta uma possível
explicação. Nela há uma combinação inseparável
entre processo de ensino e capacitação, “quem
ensina é o educador, quem capacita é uma
atividade objetiva, ou seja, um tipo de situação
objetiva que provoca as pessoas a aprender para
reagir diante de um problema concreto que lhe
cria” (Princípios da Educação no MST, 1999,
p.12). Os dois processos são considerados
importantes, pois dão conta de diferentes
dimensões, ora se valoriza um, ora outro. Na
capacitação valoriza-se a realidade do camponês
como princípio lógico e prático.
Neste sentido, a ação pedagógica não é
considerada reprodutora do sistema dominante,
pois a “educação é para o trabalho e pelo trabalho
(...) criando sujeitos de ação, que são
principalmente,
trabalhadores.
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Trabalhadores/trabalhadoras militantes, portadores
de uma cultura da mudança e de um projeto de
transformação” (Princípios da Educação no MST,
1999, p.16). Mas, para que ocorra esta
transformação é indispensável que se aplique
conteúdos formativos socialmente úteis, que são
produzidos socialmente e incorporados de
interesses sociais e posições políticas.
Aqui reside um poder de violência
simbólica, pois há imposição de significações
como legítimas e “ruptura com toda representação
espontânea” (Bourdieu, 1975, p.13). Para
Bourdieu, não há ação pedagógica não violenta,
mas de que forma o MST exerce uma educação
violenta, se prega a radicalidade democrática e a
metodologia de ação pedagógica do movimento
tem
dois
princípios
que
aparentemente
contradizem essa afirmativa: gestão democrática e
auto-organização dos estudantes?
Ainda em Bourdieu “toda AP é uma
violência simbólica enquanto imposição, por um
poder arbitrário de um arbitrário cultural” (p.20). A
primeiro momento, essa frase parece não fazer
sentido em relação à educação no MST e chega
até a instaurar um paradoxo: se os conteúdos são
escolhidos
pelos
camponeses
de
forma
democrática, conforme suas realidade, como
então, existe imposição? O poder arbitrário
exercido
pela
educação
é
praticamente
imperceptível e por isso mesmo simbólico, de
forma que, sem ser notado é até mais eficiente
que o arbitrário da força física.
O poder arbitrário é responsável pela
imposição e inculcação do arbitrário cultural, ou
seja, os conteúdos que são escolhidos pelo grupo
como significantes e dignos de serem ensinados
às gerações mais novas são de certa forma
imposta. Esse poder de violência simbólica só
exerce sua função pedagógica “quando são dadas
as condições sociais de imposição e inculcação”
(Bourdieu, 1975, p.22) e tais condições são
próprias de cada formação social em suas
especificidades.
Aparentemente, os indivíduos que formam
um assentamento fazem as “opções” do que deve
ou não ser aprendido em suas escolas, mas em
algum momento essa foi uma opção que ninguém
fez. Por isso, é tão arbitrário como qualquer outro.
Tão arbitrário que só “revelam sua necessidade
assim que são ligadas as condições sociais de seu
aparecimento e de suas perpetuação. Isto é,
condições sociais de sua produção e reprodução”
(Bourdieu, 1975, p.23).
A educação do MST se assume sempre
como uma prática política, à medida que está em
um processo de transformação e não conservação
social, por isso “tem a ver com o jogo de forças
sociais que disputam o poder no conjunto da
sociedade” (Princípios da Educação no MST,
1999, p.17). Cada sociedade, por mais que tenha
várias ações pedagógicas distintas, uma sempre é
dominante e mantêm uma relação de força com as
outras, revelando forte tendência a impor como
legitimas a que “exprime mais completamente os
interesses objetivos dos grupos ou classes
dominantes” (Bourdieu, 1975, p.24).
Conclusão
Na base da produção de saber em escolas de
assentamentos do MST, há inculcação de valores,
ou seja, um arbitrário cultural, que só é sustentado
por um poder arbitrário, que se mantêm numa
relação constante de forças, resultando na
violência simbólica, que impõe as significações
como legitimas, dessa forma assegurando sua
reprodução.
A educação do MST, enquanto um
sistema educacional preocupou-se em manter
uma relação de forças mais ou menos igualitária
com o sistema dominante, utilizando-o e
readequando-o a sua realidade, a fim de não
reproduzi-lo. Mas acaba na armadilha de ser
reprodutora de si mesma, revelando a “função de
reprodução social da reprodução cultural”
(Bourdieu, 1975, p.25). A transformação social se
dá para melhoria na qualidade de vida de homens
e mulheres do campo e a educação torna-se um
meio para isso, mas não há, de fato,
transformação do sistema educacional, há sim,
adequações.
Referências
[1] SANTOS, S. A. Ensino de todos os níveis, uma
prioridade permanente. IN: Revista SEM TERRA.
Ano V, nº 20, jul/set, 2003
[2] POR UMA EDUCAÇÃO BÁSICA NO CAMPO:
TEXTO-BASE. IN: I Conferência Nacional.
Brasília, 1998.
[3] DURKHEIM, É. Educação e Sociologia. Editora
Melhoramentos: são Paulo, 1978.
[4] PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO NO MST. IN:
Cadernos da Educação nº 08. São Paulo, 1999.
[5] BOURDIEU, P & PASSERON, J. A
Reprodução – elementos para uma teoria do
sistema de ensino. Francisco Alves Editora
S/A: Rio de Janeiro, 1975.
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