Setor Elétrico Brasileiro Cenários de Crescimento e Requisitos para a Retomada de Investimentos Elaboração Apoio 2 3 SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: CRISE E SUAS CAUSAS, CENÁRIOS DE CRESCIMENTO E OS REQUISITOS PARA QUE OCORRAM OS INVESTIMENTOS NECESSÁRIOS Este estudo tem por objetivo traçar um panorama amplo da situação atual do setor elétrico no Brasil, o que se espera desse setor para atender às necessidades dos demais setores, seus problemas e perspectivas, suas necessidades e os impactos que causa na economia brasileira. 8 Conclusões Cenários Futuros e Viab ilização de Investimentos Situação Atual O relatório obedece à seguinte estrutura: 4 Cenários de Demanda 3 A Situação Econômico-Financeira da Distribuição 2 A Estrutura Tarifária 1 A Crise Setorial 5 Investimentos Requeridos 6 Fontes de Recursos • Restabelecimento do Equilíbrio Econômico-Financeiro no Setor • O Papel da Regulação • O Papel do Investimento Privado Apresentação 1. Crise e perspectivas 2. A Estrutura Tarifária 3. A Situação Financeira das Distribuidoras 4. Cenários para a Demanda de Energia Elétrica 5. Os Investimentos Requeridos 6. Fontes de Recursos Para o Setor Elétrico 7. Aspectos Institucionais e a Regulação por Incentivos 8. Conclusões 7 Aspectos Institucionais e Regulação 4 Organização e coordenação deste estudo: Ernesto Moreira Guedes Filho José Márcio Camargo Equipe Técnica: Richard Lee Hochstetler Edward Amadeo Frederico Estrella Valadares Kátia Tiemi Saito Andres Rojas Julio Callegari (*) Consultor em Finanças : Filinto Müller de Almeida Estudo contratado pela Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica (CBIEE). São Paulo, novembro de 2003. (*) Na avaliação financeira, constante dos capítulos 3 e 6, agradecemos aos comentários e sugestões de José Romeu Del Moro Robazzi. 5 ÍNDICE APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................... 8 1. CRISE E PERSPECTIVAS..................................................................................................................... 10 1.1 O RACIONAMENTO EM 2001 ................................................................................................................. 11 DESVIO DA MÉDIA DE LONGO TERMO DA ENERGIA AFLUENTE NATURAL POR SUBSISTEMA ...................... 12 1.1.1 Investimentos insuficientes .......................................................................................................... 13 1.1.2 Falhas na fixação de parâmetros para a operação do sistema.................................................. 17 1.2 A CRISE ATUAL DO SETOR ELÉTRICO .................................................................................................... 19 1.2.1 A queda de rentabilidade do setor .............................................................................................. 19 1.2.2 Incertezas sobre o marco regulatório ......................................................................................... 24 1.3 A EXPANSÃO FUTURA DO SISTEMA ELÉTRICO ...................................................................................... 24 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 26 SUMÁRIO EXECUTIVO ................................................................................................................................. 27 2. A ESTRUTURA TARIFÁRIA................................................................................................................ 29 2.1 A ESTRUTURA TARIFÁRIA BRASILEIRA ................................................................................................. 29 2.1.1 Características gerais.................................................................................................................. 29 TARIFAS DE FORNECIMENTO ...................................................................................................................... 29 2.1.2 As tarifas de transmissão e distribuição ..................................................................................... 32 2.2 ANÁLISE COMPARATIVA DA ESTRUTURA TARIFÁRIA BRASILEIRA ....................................................... 33 2.2.1 Tarifas industriais e residenciais no Brasil e no mundo ............................................................ 33 2.2.2 Renda per capita e tarifas residenciais no Brasil e no mundo................................................... 37 2.3 A EVOLUÇÃO DA TARIFA DE FORNECIMENTO E SUA COMPOSIÇÃO ....................................................... 38 2.4 A TARIFA DE FORNECIMENTO E OS TRIBUTOS ....................................................................................... 42 2.5 PRINCÍPIOS PARA A DEFINIÇÃO DE UMA ESTRUTURA TARIFÁRIA ......................................................... 47 2.6 AS CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DE UMA ESTRUTURA TARIFÁRIA ÓTIMA ............................................. 48 2.6.1 As características do sistema elétrico brasileiro........................................................................ 49 2.6.2 Uma estrutura tarifária ótima para o sistema brasileiro ........................................................... 50 2.7 PREÇO MÉDIO VERSUS PREÇO MARGINAL ............................................................................................. 51 2.8 CONCORRÊNCIA NA COMERCIALIZAÇÃO .............................................................................................. 52 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 53 ANEXO I – EVOLUÇÃO DOS CUSTOS GERENCIÁVEIS E NÃO GERENCIÁVEIS DAS DISTRIBUIDORAS ............ 54 SUMÁRIO EXECUTIVO ................................................................................................................................. 56 3. A SITUAÇÃO FINANCEIRA DAS DISTRIBUIDORAS................................................................... 58 3.1 AMOSTRA DE EMPRESAS ...................................................................................................................... 58 3.2 METODOLOGIA DA ANÁLISE ................................................................................................................ 59 3.3 DESEMPENHO HISTÓRICO DO SISTEMA ................................................................................................. 59 3.3.1 Mercado de Energia Elétrica ...................................................................................................... 59 3.3.2 Indicadores de Desempenho Econômico-Financeiro................................................................. 61 3.3.3 Indicadores de Crédito ................................................................................................................ 62 3.4 PROJEÇÕES PARA O DESEMPENHO DO SISTEMA .................................................................................... 64 3.4.1 Cenários projetados: premissas.................................................................................................. 65 3.4.2 Resultados das projeções do cenário 1 ....................................................................................... 68 3.4.3 Resultados das projeções do cenário 3 ....................................................................................... 71 3.4.4 Resultados das projeções do cenário 5 ....................................................................................... 74 3.4.5 Efeito de um aumento real de 20% nas tarifas em 3 anos.......................................................... 78 3.4.6 Efeito mudança na margem do serviço ....................................................................................... 81 3.4.7 Efeito mudança na conta outros realizáveis ............................................................................... 84 3.4.8 Perda de geração de caixa em função do racionamento............................................................ 87 3.4.9 Necessidades de Rolagem de dívida em cada cenário................................................................ 88 3.5 CONCLUSÕES E SUMÁRIO EXECUTIVO .................................................................................................. 89 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 91 6 4. CENÁRIOS PARA A DEMANDA DE ENERGIA ELÉTRICA........................................................ 92 4.1 CENÁRIOS MACROECONÔMICOS ........................................................................................................... 92 4.1.1 Determinantes do crescimento potencial: oferta de mão-de-obra............................................. 93 4.1.2 Determinantes do crescimento potencial: formação de capital ................................................. 94 4.1.3 Determinantes do crescimento potencial: produtividade........................................................... 98 4.1.4. O cálculo do PIB potencial ...................................................................................................... 101 4.2 DIMENSIONAMENTO DAS NECESSIDADES DE ENERGIA ....................................................................... 104 4.2.1 Histórico e características da demanda.................................................................................... 104 4.2.2 Elasticidades: estimativas para o Brasil................................................................................... 109 4.2.3 Mudanças estruturais: alterações de parâmetros .................................................................... 110 4.2.4 Projeções da demanda: hipóteses sobre preços futuros........................................................... 112 4.3 ESTIMATIVAS DA DEMANDA DE ENERGIA ........................................................................................... 112 DEMANDA DE ENERGIA ELÉTRICA, EM GWH/ANO – CENÁRIO 3............................................................. 115 4.4 CONCLUSÕES ...................................................................................................................................... 115 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 117 ANEXO I – ELASTICIDADES: RESULTADOS DAS ESTIMAÇÕES .................................................................. 118 ANEXO II – ELASTICIDADES: ESTUDOS EXISTENTES ................................................................................ 119 Estudos para o Brasil ......................................................................................................................... 119 Estudos internacionais........................................................................................................................ 119 SUMÁRIO EXECUTIVO ............................................................................................................................... 122 PARÂMETROS PARA A ESTIMAÇÃO DA DEMANDA .................................................................................... 122 5. INVESTIMENTOS REQUERIDOS PARA A EXPANSÃO DO SETOR ELÉTRICO ................ 124 5.1 PREMISSAS BÁSICAS ........................................................................................................................... 124 5.2 CENÁRIOS DE EXPANSÃO DA MATRIZ ENERGÉTICA ............................................................................ 124 5.3 O CUSTO DE CADA TECNOLOGIA ......................................................................................................... 130 5.3.1 Investimentos necessários na Transmissão............................................................................... 132 5.3.2 Investimentos necessários na Distribuição............................................................................... 133 5.4 ESTIMAÇÃO DOS INVESTIMENTOS REQUERIDOS ................................................................................. 133 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 136 ANEXO- EVOLUÇÃO ANUAL DA OFERTA EM CADA CENÁRIO ................................................................. 137 SUMÁRIO EXECUTIVO............................................................................................................................... 139 6. FONTES DE RECURSOS PARA O SETOR ELÉTRICO............................................................... 141 6.1 HISTÓRICO .......................................................................................................................................... 141 6.1.1 O financiamento do setor elétrico entre 1950 e 1990............................................................... 141 6.1.2 A crise fiscal dos anos 90 e a dinâmica das despesas públicas correntes............................... 143 6.1.3 As despesas públicas na área de energia e o papel das estatais.............................................. 146 6.2 AS CONSEQÜÊNCIAS DAS RESTRIÇÕES FINANCEIRAS DO SETOR PÚBLICO .......................................... 148 6.3 AS PRIVATIZAÇÕES E A ATUAÇÃO DO BNDES................................................................................... 149 6.4 ALTERNATIVAS DE FINANCIAMENTO .................................................................................................. 152 6.4.1 Os recursos intra-setoriais ........................................................................................................ 152 GERAÇÃO INTERNA DE RECURSOS COM AUMENTO DO PREÇO DE 20% EM 3 ANOS ................................. 152 GERAÇÃO INTERNA DE RECURSOS COM AUMENTO DO PREÇO DE 20% EM 10 ANOS ............................... 153 6.4.2 Os recursos de Terceiros........................................................................................................... 155 6.5 ESTRUTURA TÍPICA DE FINANCIAMENTO PARA O SETOR .................................................................... 162 6.6 CONCLUSÕES ...................................................................................................................................... 163 SUMÁRIO EXECUTIVO ............................................................................................................................... 166 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 167 ANEXO I – RESULTADOS DAS PRIVATIZAÇÕES....................................................................................... 168 RESULTADOS DAS PRIVATIZAÇÕES DE 1990 A 2002 – US$ BI ................................................................. 168 RESULTADO DAS PRIVATIZAÇÕES POR SETOR E POR EMPRESA DE 1991 A 2002 – US$ MILHÕES ............ 169 ANEXO II – EMPRÉSTIMOS SINDICALIZADOS ......................................................................................... 172 ANEXO III – EMISSÕES DE TÍTULOS PRIVADOS – BANCOS E EMPRESAS................................................. 173 7 7. ASPECTOS INSTITUCIONAIS E A REGULAÇÃO POR INCENTIVOS................................... 175 7.1 CONCEITOS BÁSICOS DA REGULAÇÃO ................................................................................................ 175 7.2 AS CARACTERÍSTICAS DO SETOR ELÉTRICO ........................................................................................ 177 7.3 AS CARACTERÍSTICAS INSTITUCIONAIS DO REGULADOR .................................................................... 178 7.4 O PAPEL DAS AGÊNCIAS REGULATÓRIAS ............................................................................................ 179 7.4.1 Características essenciais: autonomia e credibilidade ............................................................ 180 7.4.2 O processo de concessão........................................................................................................... 181 7.4.3 Regulação e defesa da concorrência......................................................................................... 182 7.5 A AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA ................................................................................. 183 7.6 A REGULAÇÃO DE TARIFAS ................................................................................................................. 185 7.6.1 A regulação por incentivos........................................................................................................ 186 7.6.2 A regulação por comparação.................................................................................................... 187 7.7 O LICENCIAMENTO AMBIENTAL.......................................................................................................... 189 7.7.1 A política nacional do meio ambiente....................................................................................... 190 7.7.2 O processo de licenciamento ambiental.................................................................................... 191 7.7.3 Aprimorando o processo de licenciamento ambiental.............................................................. 192 7.8 A QUESTÃO DAS RESERVAS INDÍGENAS .............................................................................................. 193 7.9 OUTRAS INGERÊNCIAS NA REGULAÇÃO.............................................................................................. 193 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 195 SUMÁRIO EXECUTIVO ............................................................................................................................... 196 8. CONCLUSÕES....................................................................................................................................... 198 8.1 A CRISE E O RACIONAMENTO EM 2001 ............................................................................................... 199 8.2 A ESTRUTURA TARIFÁRIA ................................................................................................................... 199 8.3 A SITUAÇÃO FINANCEIRA DAS DISTRIBUIDORAS E OS IMPACTOS PARA O SISTEMA ............................ 199 8.4 AS NECESSIDADES DE ENERGIA PARA ATENDER AO CRESCIMENTO DA ECONOMIA............................ 201 8.5 AS NECESSIDADES DE INVESTIMENTO NO SETOR ELÉTRICO ............................................................... 202 8.6 OS PROBLEMAS REGULATÓRIOS ......................................................................................................... 203 8.7 PERSPECTIVAS .................................................................................................................................... 203 8 SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: CRISE E SUAS CAUSAS, CENÁRIOS DE CRESCIMENTO E OS REQUISITOS PARA QUE OCORRAM OS INVESTIMENTOS NECESSÁRIOS APRESENTAÇÃO Este estudo tem por objetivo traçar um panorama amplo da situação atual do setor elétrico no Brasil, o que se espera desse setor para atender as necessidades dos demais setores, seus problemas e perspectivas, suas necessidades e os impactos que causa na economia brasileira. Para atender a esses objetivos o trabalho é organizado da seguinte maneira: O capítulo 1 aborda as razões da crise atravessada pelo setor; O capítulo 2 analisa a estrutura tarifária vigente; O capítulo 3 faz um apanhado da evolução e projeções, em vários cenários de crescimento da demanda, da situação econômico-financeira consolidada das distribuidoras, bem como de suas conseqüências para o setor; O capítulo 4 apresenta cenário macroeconômico de longo prazo e as conseqüentes estimativas das necessidades de energia elétrica; O capítulo 5 estima os investimentos necessários no setor em função dessas necessidades de energia; O capítulo 6 analisa a evolução da capacidade financeira do setor público e as possíveis fontes de recursos e as condições para que ocorram os investimentos no setor elétrico; O capítulo 7 aborda a regulação, cuja definição e adequação constituem requisitos básicos para o desenvolvimento do setor; O último capítulo resume as principais conclusões. Em primeiro lugar, e como ponto de partida, o estudo abordará a crise vivenciada pelo setor. Não se trata apenas da escassez de energia que levou ao racionamento em 2001, mas das causas ainda não resolvidas que acarretaram esse racionamento e das seqüelas resultantes, com graves desequilíbrios econômicofinanceiros de grande parte das empresas do setor, de indefinições quanto a novos investimentos e perspectivas de novas crises de energia no futuro. Esse é o tema explorado no capítulo 1 deste trabalho. Em segundo lugar, deverá ser analisada a estrutura tarifária da energia elétrica no Brasil e as questões correlacionadas a este tema. Os preços da energia elétrica no Brasil apresentam diversas peculiaridades: é uma energia comparativamente barata em termos internacionais, mas com subsídios cruzados entre diferentes categorias de consumidores, elevadíssima carga tributária, parcelas da energia gerada com preços em moeda estrangeira, inadimplência elevada em alguns segmentos de consumo etc. Isto é feito no capítulo 2 deste trabalho. Os desequilíbrios econômico-financeiros enfrentados pelas distribuidoras e as possíveis conseqüências para todo o setor são de tal gravidade que justificam sua análise em separado como um grande tema, o que é feito no capítulo 3. Os objetivos são sintetizar de uma forma agregada as dimensões desses desequilíbrios mediante o desenvolvimento de um modelo de agregação e simulação de resultados das empresas. A partir dos resultados agregados e da simulação, são analisadas suas principais causas e as conseqüências tanto para o setor como macroeconômicas, sobretudo no que tange ao investimento direto. Em seguida deverão ser focalizadas as demandas a serem atendidas pelo setor, ou seja, quanto de energia adicional o Brasil necessitará gerar no futuro. Dimensionar essa necessidade requer projetar limites razoáveis para o crescimento da economia brasileira e suas relações com a demanda de energia elétrica. Isto é feito no capítulo 4 deste trabalho. A partir das estimativas das necessidades de energia, obtém-se a necessidade de investimentos no setor, que pode variar de acordo com as fontes de energia a serem utilizadas. Esse é o trabalho desenvolvido no capítulo 5 do estudo. O passo seguinte consiste em identificar as fontes de recursos que poderão ser utilizadas para esses investimentos e, por fim, quais as condições que viabilizam a disponibilidade e a utilização desses recursos, sejam públicos ou privados. Uma avaliação da capacidade financeira do setor público brasileiro está incluída nessa tarefa. Esses são os objetivos do capítulo 6 do estudo. 9 O setor de energia elétrica consiste, na ponta da distribuição, num monopólio natural, ou seja, necessita ser regulado para operar de forma eficiente em uma economia de mercado. A geração no Brasil é predominantemente hidrelétrica e transmitida por um sistema interligado, que necessita também de uma coordenação centralizada entre as usinas para operar de forma eficiente. Por fim, a energia elétrica é um produto com muitas particularidades que o diferenciam totalmente dos demais produtos e que, para ser transacionado em mercado, necessita da construção de instituições e mecanismos relativamente sofisticados. Ou seja, a regulação é um requisito indispensável para o funcionamento do setor elétrico. Deve ser abordado o papel da Aneel, as razões da estrutura institucional adotada e os modelos de regulação de tarifas e seus efeitos em termos de proporcionar incentivos para o investimento e a eficiência. Tudo isto é abordado no capítulo 7. Por fim, o último capítulo consiste na apresentação das principais conclusões decorrentes do trabalho, consolidando e resumindo o que foi apresentado nos capítulos anteriores. Ao final de cada capítulo também são apresentadas as principais conclusões na forma de um sumário executivo. 10 1. CRISE E PERSPECTIVAS O parque gerador brasileiro é composto primordialmente de usinas hidrelétricas, opção esta que decorre da dotação de fontes energéticas no país. A abundância de cursos d’água proporciona ao Brasil uma fonte de energia elétrica de baixo custo. No entanto, essa alta dependência dos recursos hídricos torna o sistema vulnerável às condições hidrológicas. A solução para superar esta vulnerabilidade foi o sobredimensionamento da capacidade instalada do parque hidrelétrico. O parque hidrelétrico brasileiro é sobredimensionado no sentido de que, em média, sua capacidade de geração é muito superior a demanda. Isso não significa que haja investimento em excesso, pois a capacidade excedente é necessária para proporcionar o grau de confiabilidade requerido do sistema predominantemente hidrelétrico. Como pode ser visto no gráfico, na maioria dos anos a energia que pode ser gerada a partir do parque hidrelétrico supera, em muito, a demanda atual. A energia natural afluente é a quantidade de energia que poderia ser gerada das vazões naturais de cada bacia considerando a produtibilidade das hidrelétricas localizadas em cada bacia, não considerando a regularização das vazões pelos reservatórios. A energia natural afluente média do parque hidrelétrico atual é de cerca de 444 TWh/ano, muito superior a demanda atual de 350 TWh/ano (representada pela linha vertical no gráfico abaixo). Função distribuição acumulativa da energia natural afluente 100% probabilidade 80% 60% 40% 20% 0% 0 200 400 600 800 1.000 energia natural afluente (TWh/ano) Fonte: ONS. Elaboração própria. 1 Vários fatores concorriam para a racionalidade desta escolha de um parque gerador predominantemente hidrelétrico. Em primeiro lugar, o Brasil possuía grandes potenciais hidráulicos relativamente baratos e próximos dos centros de consumo. Segundo, havia pouca resistência por parte da sociedade civil organizada à formação de grandes reservatórios (defensoras do meio ambiente, povos ribeirinhos, reservas indígenas, etc). Terceiro, as decisões eram realizadas de forma centralizada pelo Estado, que detinha grande capacidade de financiamento a um baixo custo de capital. A combinação destes três fatores fazia com que o custo de se instalar novas usinas hidrelétricas e grandes reservatórios de regularização da hidrologia fosse relativamente baixo, tornando esta opção economicamente a mais indicada. Gradualmente esse cenário foi se alterando. O regime regulatório de remuneração garantida e as tarifas equalizadas em todo o país significavam que as empresas deficitárias eram subsidiadas pelas empresas superavitárias, eliminando os incentivos à busca de eficiência produtiva. O custo incremental para se atender o crescimento da demanda por energia elétrica aumentava à medida que potenciais hidráulicos cada vez menos rentáveis precisavam ser explorados. Além disso, a oposição de natureza sócio-ambiental à instalação de grandes usinas, principalmente de grandes hidrelétricas, bem como grandes troncos de transmissão em extra-alta tensão, tornava-se cada vez maior. Ocorria também uma gradual redução do 1 A função distribuição acumulativa da energia natural afluente foi construída a partir das séries históricas de vazões do ONS levando em conta a produtibilidade das usinas hidrelétricas constantes no Planejamento Anual da Operação Energética – Ano 2003 do ONS. 11 valor real das tarifas decorrente de taxas crescentes de inflação, comprometendo o equilíbrio econômicofinanceiro das empresas estatais e a capacidade de autofinanciamento do setor. Finalmente, a capacidade de financiamento do Estado foi diminuída, tornando-se necessário atrair investimentos privados. É nesse contexto que o país embarcou num amplo programa de reestruturação do setor, cujo objetivo era, ao mesmo tempo, atrair investimentos privados e diversificar a matriz energética, incluindo maior proporção de usinas termelétricas, cujo custo marginal de produção da energia é maior2, mas cuja exigência de investimento inicial e capital fixo é menor do que das hidrelétricas. 1.1 O racionamento em 2001 Esse tema já foi bastante estudado nos últimos anos de modo que apenas resumiremos as principais conclusões dos estudos a respeito3. Em sistemas elétricos de predominância hídrica, como o brasileiro, um dos maiores desafios é planejar e operar o sistema de modo a se garantir uma oferta contínua de energia. Devido às grandes variações no fluxo de água nos rios, a capacidade de geração pode variar significativamente de ano para ano. Para regularizar a geração, o parque gerador hidrelétrico é complementado por grandes reservatórios, que são operados de forma a regularizar a energia afluente natural4, isto é, a disponibilidade de água a montante das usinas hidrelétricas, e usinas termelétricas “flexíveis” para gerar energia em períodos de hidrologia adversa. Mesmo com grandes reservatórios e usinas termelétricas “flexíveis” não é possível eliminar o risco de ocorrer uma seqüência de anos de hidrologia adversa que acabe por comprometer a capacidade do sistema de suprir a demanda. Por isso, a primeira questão a ser analisada é se a hidrologia nos anos que precederam o racionamento foi suficientemente desfavorável para justificar o racionamento. Como se pode observar no próximo gráfico, a energia afluente natural nos cinco anos anteriores apresentou dois anos de hidrologia desfavorável, 1996 e 1999, além de 2001. A hidrologia nos anos 1998 e 2000 foi próxima a média de longo prazo e em 1997 foi muito favorável. A energia afluente natural em 2001 foi a décima mais baixa dentre os 71 anos de dados, e a energia afluente natural nos anos de 1996 e 1999 corresponde à 29a e 16a mais baixas. No conjunto pode-se dizer que foi uma série de anos de hidrologia bastante adversa. Se a energia afluente natural em 2001 atingisse 85% da média de longo prazo, o racionamento não teria sido necessário. 2 Deve-se ressaltar, no entanto, que a comparação dos custos marginais de produção de usinas termelétricas e hidrelétricas não tem sido feita adequadamente, uma vez que não se leva em conta diversos encargos sistêmicos que são necessários para atender as necessidades de um sistema predominantemente hidrelétrico, especificamente os custos relativos às usinas termelétricas “flexíveis” requeridas para suplementar a geração hidrelétrica e a necessidade de manter uma rede de transmissão mais extensa e robusta (Conta de Consumo de Combustíveis, Encargo de Capacidade Emergencial, Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão, perdas de transmissão, transmissão de Itaipu). 3 Esta seção foi em parte baseada em trabalho já desenvolvido por alguns dos autores deste estudo e publicado em: Guedes E. M., J. M. Camargo e J. P. Ferres (2002). Energia: as razões da crise e como sair dela. São Paulo. Editora Gente. 4 Energia afluente natural é o volume de água que chegaria às hidrelétricas (m3/s), ausente o efeito regularizador dos reservatórios, convertido em unidades de energia elétrica (MWh), considerando o rendimento de cada usina do sistema. 12 Desvio da média de longo termo da energia afluente natural no sistema elétrico brasileiro 100.000 80.108 80.000 60.000 GWh/ano 40.000 20.000 4.984 0 -3.487 -20.000 -40.000 -60.000 -52.934 -80.000 -70.440 -75.998 -100.000 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Fonte: ONS. Elaboração Tendências. Dadas as restrições de transmissão entre os subsistemas, é elucidativo considerar as condições hidrológicas em cada subsistema separadamente, como apresentado no próximo gráfico. As condições hidrológicas no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que corresponde a mais de 60% da capacidade de geração no sistema elétrico brasileiro (incluindo a geração de Itaipu) foram próximas à média. Já no subsistema Sul, a energia afluente foi superior à média de longo prazo. Em contraste, o subsistema Norte e, principalmente, o subsistema Nordeste apresentaram condições hidrológicas bastante adversas. O nível de energia afluente consistentemente abaixo da média de longo prazo no Nordeste levanta a suspeita de que a média de longo prazo já não seja um parâmetro apropriado para se avaliar as condições hidrológicas para os fins de geração elétrica nesse subsistema. Sabe-se que o uso de água para outros fins, como irrigação, aumentou muito na bacia do rio São Francisco nos últimos anos, reduzindo a disponibilidade de água para a geração de energia elétrica. Desvio da média de longo termo da energia afluente natural por subsistema Energia afluente natural no sistema SE/CO Energia afluente natural no sistema S desvio da média de longo termo (%) desvio da média de longo termo (%) 100,0 300,0 80,0 250,0 60,0 200,0 40,0 150,0 20,0 100,0 0,0 50,0 -20,0 0,0 -40,0 -50,0 -60,0 jan-96 -100,0 jan-97 jan-98 jan-99 jan-00 jan-01 jan-96 Energia afluente natural no sistema N jan-98 jan-99 jan-00 jan-01 Energia afluente natural no sistema NE desvio da média de longo termo (%) desvio da média de longo termo (%) 80,0 60,0 60,0 40,0 40,0 20,0 20,0 0,0 0,0 -20,0 -20,0 -40,0 -40,0 -60,0 -60,0 -80,0 jan-96 jan-97 jan-97 jan-98 jan-99 Fonte: ONS. Elaboração Tendências. jan-00 jan-01 -80,0 jan-96 jan-97 jan-98 jan-99 jan-00 jan-01 13 Em média, as condições hidrológicas entre 1996 e 2001 foram desfavoráveis, mas não foram suficientemente desfavoráveis para justificar um racionamento da magnitude do ocorrido em 2001, avaliando pelo critério de confiabilidade adotado no planejamento do sistema. 1.1.1 Investimentos insuficientes Além da insuficiência de chuvas em 2001, a outra grande explicação para o racionamento neste ano foi o desequilíbrio estrutural entre a oferta e demanda no sistema elétrico que se desenvolveu durante a década de 90. Nos anos anteriores a 2001, a expansão da oferta não acompanhou o crescimento da demanda. Para se garantir o suprimento de energia, a quantidade de energia assegurada5 deve ser sempre igual ou superior à carga (desde que a energia assegurada seja apropriadamente dimensionada e que a sociedade esteja disposta a incorrer num determinado nível de risco de racionamento). Desde meados de 1996, a carga superava a energia assegurada do sistema, como pode ser visto no próximo gráfico. Nessas condições, o sistema elétrico torna-se mais vulnerável, passando a depender muito mais de condições hidrológicas favoráveis. Não havendo investimentos suficientes para reverter o quadro, o sistema eventualmente passa a consumir as reservas armazenadas nos reservatórios e a apresentar uma probabilidade de racionamento cada vez mais elevada. Energia assegurada e a carga no sistema elétrico brasileiro 45.000 MW -médios 40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 1990 1991 1992 1993 1994 Energia Assegurada 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Consumo Fonte: Silva e Campagnolo (2001) / Gerasul.6 De fato, podemos constatar que os investimentos no setor elétrico brasileiro foram insuficientes nos últimos anos, sendo de modo geral decrescentes ao longo da década de 90. Depois de registrar valores anuais próximos a US$ 10 bilhões no final dos anos 80, essas inversões recuaram na primeira metade dos anos 90, apresentaram a seguir certa recuperação e voltaram a cair a partir de 1998 com a paralisia nas privatizações, o que gerou insuficiência na atração de investimentos privados. Totalizaram apenas US$ 3 bilhões em 1999. No período de 1990 a 1994, os volumes anuais de inversões, entre US$ 4 bilhões e US$ 7 bilhões, resultaram em acréscimos médios anuais de 1.080 megawatts entre 1990 e 1994 e de 2.200 megawatts desde então, enquanto a necessidade de aumento médio na capacidade instalada ficava em torno de 3.500 megawatts por ano. Essa evolução é mostrada na próxima figura. 5 Energia assegurada é a quantidade de energia que se pode gerar de forma consistente por uma usina, ou seja, de forma sustentável no tempo. A energia assegurada é calculada a partir da energia garantida ofertada pelo parque gerador como um todo. A energia garantida é a quantidade de energia que pode ser gerada com um grau de confiabilidade compatível com o nível de risco aceito pela sociedade (que é balizado pelo custo de déficit adotado no programa de otimização). 6 Silva E. L. e J. M. Campagnolo (2001). Perspectivas e desafios para o mercado de energia elétrica brasileiro. Revista Nexus – Ciência & Tecnologia 17 de junho de 2001. 14 Investimentos Capacidade 1999 40 1998 2,0 1997 45 1996 4,0 1995 50 1994 6,0 1993 55 1992 8,0 1991 60 1990 10,0 1989 65 1988 12,0 1987 70 1986 14,0 1985 Investimentos Investimentos e capacidade instalada (MW) no setor elétrico brasileiro 7 (US$ bi constantes de 2000) Capacidade instalada Fonte: Eletrobrás, MME e UFRJ. Com a falta de investimentos e o consumo crescente, o sistema passou a esgotar os reservatórios além do limite de risco recomendável. A reserva de água prevista para ser usada nas situações de poucas chuvas passou a ser consumida ano a ano, como se observa na próxima figura. Bastou que as condições meteorológicas fossem desfavoráveis para que o governo se visse obrigado a impor medidas de contenção e racionamento do consumo. Energia armazenada no sistema Sudeste/Centro-Oeste (% do nível máximo) % do volume útil dos reservatório do sistema SE/CO 100,00 90,00 80,00 70,00 60,00 50,00 40,00 30,00 20,00 10,00 ja n03 ja n02 ja n01 ja n00 ja n99 ja n98 ja n97 ja n96 ja n95 0,00 Fonte: ONS. A Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica8 concluiu que o racionamento não teria sido necessário se a expansão do parque gerador tivesse seguido o cronograma previsto no Plano 7 A evolução dos investimentos é apresentada com maiores detalhes no capítulo 6. Note-se que os dados apresentados neste gráfico estão em valores constantes (deflacionados). 8 Kelman, J. (coord.) (2001). Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica. Câmara de Gestão da Crise de Energética: 21 de julho de 2001. 15 Decenal de Expansão 1998-2007. Esses planos normalmente não são cumpridos em sua integralidade, mas o atraso das obras de expansão de usinas existentes ou em construção respondeu por uma perda de 16.356 gigawatts-hora (GWh) e a postergação de investimentos em novas usinas respondeu por mais 40.393 GWh (veja a próxima tabela).9 Se essas obras e investimentos previstos no Plano Decenal tivessem sido realizados, a energia gerada por essas usinas até maio de 2001, quando o racionamento foi decretado, reduziria o esgotamento do nível dos reservatórios nesses sistemas em aproximadamente 26 pontos percentuais. O Relatório afirma ainda que cerca de 5.846 GWh de energia poderiam ter sido poupados se os investimentos em transmissão tivessem sido realizados conforme o cronograma previsto, o que elevaria o nível dos reservatórios em mais 15 pontos percentuais. Se os investimentos previstos em novas usinas e linhas de transmissão fossem realizados, o nível dos reservatórios das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste estaria em 73%, em vez dos 32% da capacidade de armazenamento dos reservatórios ocorrido no início de 2001. Perda energética decorrente de atrasos de obras ou postergação de investimentos Usina Energia Entrada Entrada Atraso Perda Agregada Prevista Real (horas) Energética (MW) (GWh) Porto Primavera 1 90,7 31-jul-98 23-jan-99 4.224 383 Porto Primavera 2 90,7 30-set-98 21-mar-99 4.128 374 Porto Primavera 3 90,7 31-dez-98 29-mar-99 2.112 192 Porto Primavera 4 90,7 31-mar-99 29-jan-00 7.296 662 Porto Primavera 5 90,7 30-jun-99 19-abr-00 7.056 640 Porto Primavera 6 90,7 30-set-99 14-jul-00 6.912 627 Porto Primavera 7 90,7 31-dez-99 26-set-00 6.480 588 Porto Primavera 8 90,7 31-mar-00 22-dez-00 6.384 579 Porto Primavera 9 90,7 30-jun-00 9-abr-01 6.792 616 Porto Primavera 10 90,7 30-set-00 5.088 461 Porto Primavera 11 32,8 31-dez-00 2.880 94 Cuiabá I-1 135,0 30-set-98 6-abr-99 4.512 609 Miranda – Unidade 1 117,0 28-fev-98 29-mai-98 2.160 253 Miranda – Unidade 2 63,0 30-abr-98 26-jul-98 2.088 132 Arjona 127,5 31-dez-98 20.424 2.604 Angra II 812,0 30-jun-99 9.288 7.542 97.824 16.356 Total de atrasos Igarapé I-1 216,8 31-dez-99 11.664 2.529 BTP I-1 136,0 31-out-99 13.128 1.785 BTP I-1 136,0 31-out-99 13.128 1.785 C, Grande I 255,0 31-jul-99 15.336 3.911 37,8 28-fev-99 19.008 719 425,0 31-dez-99 11.664 4.957 Igarapava Paulínia 9 21-jul-00 Rio I-1 144,5 28-fev-99 19.008 2.747 Rio I-2 144,5 30-abr-99 17.544 2.535 Igarapé I-2 114,8 31-dez-00 2.880 331 Epaulo 1 382,5 31-jan-00 10.920 4.177 N, Capixaba 127,5 31-jul-00 6.552 835 BTB I-2 136,0 31-ago-00 5.808 790 Rio I-3 59,5 28-fev-00 10.248 610 Rio I-4 59,5 30-abr-00 8.760 521 Rio I-5 204,0 30-jun-00 7.296 1.488 Candiota III 297,5 31-jul-01 - - A estimação da perda energética no relatório é sobre-avaliada pois se supõe que as usinas seriam despachadas com um fator capacidade de 100%. Usinas de geração precisam ser desligadas periodicamente para a realização de manutenção preventiva e consertos. Além disso, o montante de energia que poderia ser gerado das usinas hidrelétricas seria menor dado as condições hidrológicas prevalecentes no período. 16 Usina Energia Entrada Entrada Atraso Perda Agregada Prevista Real (horas) Energética (MW) (GWh) Araucária 377,4 31-jul-00 6.552 Uruguaiana 510,0 30-jun-99 16.080 2.473 8.201 Total de investimentos não realizados 40.393 Total 56.749 Fonte: Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica. Da mesma forma, se as usinas previstas no Programa Prioritário de Termelétricas em 1999 tivessem sido implementadas, o racionamento poderia ter sido evitado, ou, na pior das hipóteses, seria reduzida sua magnitude e duração. As conclusões que se obtêm desses fatos são que: (i) a crise de energia elétrica no Brasil era previsível e provável; (ii) além da hidrologia desfavorável, que sempre pode ocorrer em um sistema predominantemente hídrico, a principal causa da crise foi a insuficiência de investimentos em geração e transmissão. A falta de investimentos, por sua vez, tem uma explicação mais complexa. Nos anos 70 e 80, as obras no setor eram bancadas pelo governo. Mas, ao longo da década de 80, ocorreu um progressivo comprometimento dos sistemas de poupança pública que dominaram a atuação do Estado na década de 70, resultando no esgotamento da capacidade do Estado em manter sua atuação como investidor e produtor. De fato, foi registrada uma poupança pública negativa que, ao contrário do que antes ocorria, drenou recursos do setor privado para alimentar os déficits públicos10. À primeira vista, a falta de energia e a imposição do racionamento indicavam um mercado promissor para novos investimentos, tanto para atender essa demanda emergencial no curto prazo como para garantir o crescimento sustentado da economia. Assim, para a década de 90, o governo planejou um modelo que previa a criação de um mercado competitivo de energia. Porém, atrasos na implementação da reestruturação do setor e indefinições regulatórias levaram os agentes a atrasar obras e a postergar investimentos. O governo não teve capacidade política para implementar o modelo proposto. O avanço do programa passou por várias situações de impasse entre a União e alguns governos estaduais, como, por exemplo, a resistência do governo mineiro em privatizar Furnas. Como conseqüência, o novo modelo acabou não sendo totalmente implementado, principalmente no que se refere à privatização das grandes geradoras estatais. A distribuição foi parcialmente privatizada (61% do mercado consumidor total), mas cerca de 72% da geração permaneceu sob controle do Estado. A reestruturação do setor previa a cisão dos grandes conglomerados estatais, segmentando suas áreas de geração, transmissão e distribuição em empresas distintas. A privatização dessas empresas atrairia novas inversões, que manteriam o volume de investimentos necessários. Potenciais investidores esperavam pela privatização para definir as suas estratégias de entrada no setor. Os repetidos adiamentos do programa de privatização deixavam os investidores potenciais em estado de espera, dado que a definição do destino das empresas de geração atual era peça fundamental para os investidores definirem em que regiões efetuariam os seus investimentos e que tipo de tecnologia seria implementado. Do mesmo modo, o pequeno volume de investimentos que poderia ser feito pelas estatais também era postergado, dado que se esperava a definição de seu novo controlador após a privatização, sendo também impedidas de investirem em função das determinações do Plano Nacional de Desestatização. Outro elemento que afugentou os investidores foi o risco e incerteza decorrentes de indefinições regulatórias. Os investidores em usinas termelétricas a gás natural, por exemplo, não conseguiam fechar contratos bilaterais com as distribuidoras porque essas empresas não recebiam uma sinalização de que poderiam repassar todos os seus custos associados a esses contratos bilaterais aos seus consumidores cativos. O preço do gás natural oriundo da Bolívia era indexado a uma cesta de combustíveis internacionais, de forma que era muito sensível às variações cambiais e ao preço internacional do petróleo. 10 Uma explicação mais detalhada da evolução da poupança pública e da crise do Estado é feita na primeira seção do capítulo 4, em que são desenvolvidos cenários macroeconômicos de longo prazo para a economia brasileira. 17 A regulação permitia o reajuste das tarifas anualmente, mas não permitia a recuperação de perdas (ou ganhos) incorridos nos períodos entre esses reajustes. Isso só foi resolvido em 2001, quando foi permitido recuperar essas diferenças por intermédio de uma “conta gráfica”. Essa foi a principal causa para a postergação dos investimentos em usinas térmicas a gás natural. Finalmente, a insuficiência de investimentos também pode ser parcialmente explicada pela definição inapropriada do nível de energia assegurada das usinas hidrelétricas. As distribuidoras não precisavam buscar outras fontes de geração porque a sua carga já estava 100% coberta pelos Contratos Iniciais. Isso leva a indagação sobre um possível superdimensionamento da energia assegurada das usinas hidrelétricas. A monografia de Kelman (2002)11 sugere que houve tal superdimensionamento. Fazendo várias comparações e considerando os efeitos das restrições na transmissão, da evaporação, da irrigação, da vazão mínima a jusante, Kelman conclui que a energia assegurada agregada estava superestimada em cerca de 3%. A superestimação da energia assegurada dos subsistemas Sudeste/CentroOeste e Nordeste é parcialmente compensada pela subestimação da energia assegurada dos subsistemas Sul e Norte. Uma das razões para a superestimação da energia assegurada é que a energia firme, da qual a energia assegurada é derivada, era calculada considerando que os reservatórios teoricamente poderiam atingir o nível de 0%. Isto representa um erro, pois na realidade o nível mínimo para que as usinas hidrelétricas possam operar é superior a isso: 15% no sistema Nordeste e 10% e no Sudeste/Centro-Oeste. 1.1.2 Falhas na fixação de parâmetros para a operação do sistema Apesar da insuficiência de investimentos ser a principal razão para a necessidade de se promover um racionamento em 2001, houve falhas na fixação dos parâmetros utilizados para a operação do sistema que também contribuíram para a crise. As usinas termelétricas existentes não foram plenamente empregadas durante o período de esgotamento dos reservatórios. No ano anterior ao racionamento, as usinas termelétricas ficaram ociosas mais de 60% do tempo (veja próxima tabela). Isso sugere que, além dos atrasos de obras e da postergação dos investimentos em novas usinas, havia um outro problema de natureza paramétrico-operacional. 11 Kelman, J. (2002). Metodologia de cálculo da energia firme de sistemas hidrelétricos levando em consideração usos múltiplos da água. Brasília: Agência Nacional das Águas. 18 Geração das usinas termelétricas existentes capacidade produção fator (MW) (GWh/ano) carga 1996 3724,0 8745,0 26,8% 1997 3721,2 10199,7 31,3% 1998 3658,5 9621,4 30,0% 1999 4038,5 16276,4 46,0% 2000 6129,5 12 Fonte: ONS (2000). 21007,3 39,1% Esses problemas não decorreram de falhas do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), uma vez que o sistema foi operado rigorosamente dentro das regras de despacho vigentes na época. Simplesmente, alguns dos parâmetros básicos para a operação do sistema foram fixados de forma incorreta. O principal parâmetro subestimado foi o custo do déficit introduzido no sistema utilizado pelo ONS para orientar o despacho, fixado em um valor muito baixo, da ordem de R$ 684,00 por MWh, quando deveria ser várias vezes maior13. Além disso, esse custo foi estabelecido em valor fixo, independentemente da magnitude do déficit, quando na operação do sistema poderia ser uma função crescente dessa magnitude, pois, quanto maior o déficit, maior o seu custo marginal14. Provavelmente, decisões políticas contribuíram para a subestimativa desse valor, pois aumentá-lo significaria aumentar o despacho das térmicas, o que resultaria em aumento de tarifas que teria que ser justificado em função de um risco provável. E se, no futuro, esse risco não se concretizasse, implicaria justificativas adicionais por parte dos administradores e responsáveis pelo sistema. O despacho das usinas é definido considerando-se o custo marginal das usinas, também conhecido como o preço do Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE). O custo marginal das usinas termelétricas é o custo operacional dessas usinas e o custo marginal das usinas hidrelétricas é o custo de oportunidade da água. O custo de oportunidade da água é calculado considerando os custos marginais do sistema atual e futuro, dado o nível de energia armazenada atualmente nos reservatórios. O cálculo do custo de oportunidade da água (também conhecido como o preço-sombra da água) requer vários dados de entrada essenciais, dentre os quais destacam-se: o crescimento da carga, a expansão do parque gerador e o custo de déficit. No cálculo do custo de oportunidade da água, os parâmetros empregados pelo ONS para a expansão do parque gerador e para o custo do déficit eram inapropriados, e ambos contribuíram para a redução do custo marginal do sistema. Além disso, a otimização intertemporal realizada para definir o custo de oportunidade da água é sensível à magnitude e à data de entrada de capacidade de geração adicional. O ONS adotou a data programada de entrada das usinas, mesmo quando se tornava óbvio que as obras de expansão ou instalação de novas usinas seriam adiadas ou mesmo não realizadas. A inclusão dessa capacidade adicional no programa de otimização levava a uma subestimação do risco de déficit futuro e, portanto, a uma redução do custo de oportunidade da água, o que leva as hidrelétricas a serem despachadas no lugar de termelétricas de custo operacional maior. O acompanhamento de obras é responsabilidade da Aneel e exige recursos extensos, além da capacidade desse órgão. Estes fatores permitem concluir que existia uma falha no uso do pacote computacional NEWAVE utilizado para orientar o despacho, com estimativas irrealistas do custo de déficit e do andamento da 12 ONS (2000). Operação do Sistema Interligado Nacional: Dados Relevantes de 2000. Rio de Janeiro: Operador Nacional do Sistema Elétrico. 13 O custo de déficit adotado, de R$684 por megawatt-hora (MWh), equivalia, na época, a US$540/MWh, que foi o custo explícito de déficit estimado pelo Grupo Coordenador Planejamento do Sistema (GCPS) a partir da matriz de insumo-produto da economia brasileira do IBGE em 1975. Desde então o valor não havia sido reajustado apesar da inflação incorrida no período e da desvalorização do Real. Um baixo valor para o custo de déficit tem o efeito de reduzir o custo de déficits futuros e, conseqüentemente, de reduzir o custo de oportunidade da água. 14 Em 2001, esse problema foi contornado com a criação das curvas de aversão ao risco que visam promover o “despacho preventivo de armazenamento” quando os níveis dos reservatórios atingem patamares demasiadamente baixos. 19 expansão do parque gerador e da rede de transmissão que levou a um maior despacho das usinas hidroelétricas, em detrimento das termelétricas. 1.2 A crise atual do setor elétrico Superada a escassez de energia em 2001, o setor apresenta hoje um “excesso de oferta”15, com uma capacidade momentânea de produção superior à demanda e elevação das tarifas para os consumidores, que, no entanto, são baixas e freqüentemente insuficientes para remunerar as distribuidoras e geradoras. As empresas do setor acumulam prejuízo e algumas, sobretudo distribuidoras, enfrentam sérias dificuldades econômico-financeiras. Mas o principal problema é a falta de perspectivas e a insegurança sobre o futuro, que prejudica e paralisa novos investimentos e, assim, propicia nova escassez quando o crescimento do consumo não encontrar correspondência no aumento da oferta. Percebe-se, portanto, que o final do racionamento não marcou o final da crise do setor elétrico brasileiro. A crise permaneceu latente e, para alguns agentes, acentuou-se. As causas dessa crise têm como origem dois problemas básicos: (i) a queda de rentabilidade do setor e (ii) as incertezas sobre o marco regulatório futuro. Esses dois problemas são analisados a seguir. 1.2.1 A queda de rentabilidade do setor A queda de rentabilidade do setor decorre de vários fatores: (a) a queda no consumo, (b) o aumento dos custos associados à crise de suprimento, (c) o nível insatisfatório de reajuste das tarifas e (d) a mudança no regime cambial. a) A queda no consumo O racionamento e demais medidas de contenção do consumo tomadas em 2001 foram muito bem sucedidos em seus objetivos. O resultado foi um decréscimo de 7,9% do consumo de energia elétrica em relação ao ano anterior. Porém, a queda inesperada do consumo é especialmente prejudicial ao setor elétrico porque grande parte dos custos é fixa. Dessa forma, as empresas de geração e de distribuição defrontam-se com uma queda na sua receita, enquanto que as suas despesas são reduzidas numa proporção inferior. É interessante notar, no entanto, que as empresas de transmissão não são afetadas por essas alterações, pois a sua receita independe do volume do consumo de energia. 15 Há um “excesso de oferta” no sentido que as geradoras estão subcontratadas e expostas aos preços baixos do Mercado Atacadista de Energia Elétrica, o que proporciona uma receita insuficiente às geradoras no longo-prazo. Esse “excesso de oferta” não é necessariamente estrutural. As usinas não estão vertendo água e os reservatórios ainda apresentam ampla capacidade de armazenamento. Apesar dos reservatórios apresentarem uma recuperação dos seus níveis, a demanda também está crescendo de forma que não é fácil determinar se se trata de um excesso de oferta estrutural ou conjuntural. Em sistemas predominantemente hidrelétricos é possível haver tanto períodos de racionamento quanto de sobra de energia dependendo das condições hidrológicas e flutuações da demanda, sem que haja uma alteração na estrutura do setor. 20 Consumo de energia elétrica por classe de consumo 30.000 25.000 Outros GWh/mês 20.000 Residencial 15.000 Comercial 10.000 Industrial 5.000 Industrial Comercial Residencial jan/2003 jan/2002 jan/2001 jan/2000 jan/1999 jan/1998 jan/1997 jan/1996 jan/1995 jan/1994 jan/1993 jan/1992 jan/1991 jan/1990 jan/1989 jan/1988 jan/1987 jan/1986 jan/1985 jan/1984 jan/1983 jan/1982 jan/1981 jan/1980 0 Outros Fonte: Eletrobrás. Essa redução forçada da demanda, acompanhada de aumentos de preços finais ao consumidor, alterou o comportamento da demanda de energia no país. Como pode ser observado no gráfico acima, todas as classes de consumo colaboraram para a redução da carga. Para acomodar-se ao racionamento, os consumidores mudaram seus hábitos de consumo de energia, substituíram a energia elétrica por outras fontes, investiram em equipamentos mais eficientes e adotaram métodos mais eficientes de uso da energia elétrica. Assim, o racionamento provocou uma redução permanente no consumo. Após o racionamento o consumo voltou a crescer, mas a partir de um patamar inferior. A queda do consumo é ainda mais significativa quando comparada com a taxa de crescimento esperada antes do racionamento, que balizou as decisões de investimentos dos agentes do setor. No planejamento da operação energética para o ano de 2000, o ONS esperava cargas de 370.767 GWh e 385.974 GWh nos anos 2001 e 2002, respectivamente, 11,8% e 11,1% superiores à carga efetivamente observada.16 A próxima tabela apresenta a progressão da carga própria desde a década de 1980 e a previsão da carga para os anos 2000, 2001 e 2002. Carga Própria do Sistema Interligado Brasileiro carga efetiva GWh/ano 16 taxa de crescimento efetiva carga prevista em 2000 GWh/ano taxa de crescimento desvio da carga efetiva esperada 1982 139.924 - - 1983 149.072 6,5% - - - 1984 166.114 11,4% - - - 1985 183.238 10,3% - - - 1986 197.511 7,8% - - - 1987 204.627 3,6% - - - 1988 216.596 5,8% - - - 1989 227.557 5,1% - - - 1990 230.005 1,1% - - - 1991 242.778 5,6% - - - 1992 246.928 1,7% - - - 1993 259.650 5,2% - - - 1994 271.464 4,6% - - - 1995 288.868 6,4% - - - 1996 303.712 5,1% - - - Parte dessa queda decorre da baixa taxa de crescimento da economia e, principalmente, da estagnação da indústria. 21 1997 322.038 6,0% - - - 1998 334.176 3,8% - - - 1999 343.238 2,7% - - - 2000 360.169 4,9% 354.579 - -1,6% 2001 331.614 -7,9% 370.767 4,6% 11,8% 347.495 4,8% 385.974 4,1% 11,1% 2002 17 Fonte: ONS. Com essa queda permanente no patamar de consumo e condições hidrológicas favoráveis em 2002, o sistema logo passou de uma situação de racionamento a uma situação de “excesso de oferta” no curto prazo. Na primeira semana de março de 2002 os preços de energia de curto prazo do MAE já estavam abaixo dos R$10/MWh e em outubro atingiram o mínimo de R$ 4/MWh. Nesse contexto de “excesso de oferta” foi realizado, em 19 de setembro de 2002, o primeiro leilão de contratos de energia do MAE, que iriam substituir a primeira parcela de Contratos Iniciais que venciam no final do ano de 2002. As geradoras não conseguiram vender toda a sua energia assegurada, o que ocasionou uma queda de sua receita. b) O nível insatisfatório de reajuste das tarifas A rentabilidade das empresas do setor elétrico também foi afetada pela dinâmica de reajuste das tarifas. As tarifas de fornecimento permitem o repasse dos custos de aquisição de energia elétrica anualmente. As tarifas de energia elétrica de Itaipu e de alguns contratos bilaterais são indexadas ao dólar ou ao preço internacional de uma cesta de combustíveis. Com a mudança do regime cambial, esses indexadores apresentaram flutuações muito grandes e as empresas de distribuição defrontaram-se com perdas crescentes no período entre os reajustes anuais. Essas perdas deveriam ser recuperadas no reajuste anual através de uma “conta gráfica” (Conta de Compensação de Valores de Itens da “Parcela A”), mas, em abril de 2003, o Governo postergou a inclusão integral dessa conta gráfica por doze meses 18. Para ilustrar a dimensão desses reajustes, a trajetória de vários índices desde julho de 1994 é apresentada no próximo gráfico. Taxa de câmbio, inflação e preço do petróleo (julho 1994 = 100) 370 320 270 220 170 120 taxa de câmbio (R$/US$) IPC-M IGP-M petróleo tipo Brent (R$) jul/02 nov/02 mar/03 jul/01 nov/01 mar/02 jul/00 nov/00 mar/01 jul/99 nov/99 mar/00 jul/98 nov/98 mar/99 jul/97 nov/97 mar/98 jul/96 nov/96 mar/97 jul/95 nov/95 mar/96 jul/94 nov/94 mar/95 70 Fonte: Banco Central, Fundação Getúlio Vargas e International Petroleum Exchange. Elaboração Tendências. 17 A previsão da carga foi obtida do relatório Planejamento Anual da Operação Energética - Ano 2000 do ONS. 18 A Portaria Interministerial no. 25/2002 criou a Conta de Compensação de Valores de Itens da “Parcela A”. O adiamento do repasse do saldo dessa conta de compensação foi determinado na Portaria Interministerial no. 116/2003. 22 Além disso, a Aneel adotou novos critérios para a definição da base de remuneração e para a estimação dos custos operacionais das empresas que resultaram em reajustes menores do que o esperado pela metodologia anterior. A definição da base de remuneração passou a ser feita pela Aneel utilizando o critério de valor novo de reposição a preço de mercado, enquanto os custos operacionais passaram a ser definidos com base no custo de uma empresa hipotética com as mesmas características (“empresa de referência”). Essas mudanças de metodologia de cálculo para a definição das tarifas resultaram em uma alteração significativa do fluxo de caixa das empresas, contribuindo para o agravamento da crise financeira das empresas de distribuição. c) A mudança no regime cambial Além disso, a mudança de regime cambial também contribuiu para a queda de rentabilidade de muitas das empresas do setor elétrico. Grande parte das privatizações e investimentos das empresas do setor elétrico foi realizada no regime cambial de “mini-bandas” (um tipo de crawling-peg). Nesse regime, o câmbio era administrado sendo mantido dentro de bandas definidas pelo Banco Central. A taxa de câmbio mantinha uma trajetória previsível, com o real num patamar muito mais valorizado em relação ao hoje observado. Em janeiro de 1999, o regime de mini-bandas foi abandonado repentinamente e após uma breve experiência com outro regime administrado foi substituído pelo regime de câmbio flutuante. Essa alteração afetou as empresas de formas diferentes dependendo do padrão de financiamento de cada uma. As empresas altamente alavancadas com dívidas denominadas em moeda estrangeira foram as mais atingidas. (d) O aumento dos custos associados à crise de suprimento A queda no consumo não foi a única causa da perda de rentabilidade das empresas do setor elétrico decorrente da crise de suprimento. Durante o racionamento, as empresas do setor elétrico sofreram uma forte elevação dos seus custos. O principal fator de elevação de “custos” das empresas durante o racionamento foi a exposição aos preços do Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE) que, durante o racionamento, subiu a patamares elevadíssimos, atingindo o preço-teto vigente R$ 684/MWh, como pode ser visto no próximo gráfico. Pelas Regras do MAE as geradoras hidrelétricas teriam que pagar esse preço pela energia contratada não suprida às distribuidoras durante o racionamento. O montante devido pelas geradoras chegou a R$ 18,7 bilhões só em 2001. A maior parte desse montante tratava-se de transferências entre os agentes e não de custos efetivos. Preços do MAE – patamar de carga pesada 800,00 700,00 600,00 R$/MWh 500,00 400,00 300,00 200,00 100,00 Sul Nordeste Norte mar-03 jan-03 nov-02 set-02 jul-02 mai-02 mar-02 jan-02 nov-01 set-01 jul-01 mai-01 mar-01 jan-01 nov-00 set-00 0,00 Sudeste/Centro-Oeste Fonte: MAE. A maior parte desses “custos”, R$ 14.481 milhões, foi abatida pela devolução de 40% das sobras dos Contratos Iniciais e/ou contratos equivalentes durante o período pré-racionamento e 100% das sobras no 23 período do racionamento, conforme determinado pelo Acordo Geral do Setor Elétrico19 e a Resolução Aneel no. 447/2002. Esse abatimento engloba basicamente os encargos que resultam em transferências de renda entre os agentes. Mesmo assim, a exposição residual das geradoras em 2001 ficou em R$ 2,4 bilhões.20 Existem duas outras fontes de elevação de custos na crise de suprimento: (i) os Encargos de Serviços do Sistema e (ii) as exposições negativas líquidas em transações intermercados. Um dos fatores que mais influenciam o nível dos Encargos de Serviços do Sistema (ESS) são os custos incorridos quando ocorrem alterações no despacho ótimo programado. Quando a geração a partir de uma usina de custo operacional menor precisa ser substituída pela geração de uma usina mais cara em função de restrições elétricas, essa usina constrained off é remunerada pela energia que foi impedida de vender no MAE. Da mesma forma, quando uma usina é obrigada a continuar gerando apesar do preço do MAE ser menor que o seu preço, a usina constrained on recebe a diferença entre o seu preço e o preço do MAE. Conforme as Regras de Mercado esses custos são rateados entre todos os agentes do sistema através dos ESS. As restrições elétricas ocorrem com freqüência maior quando o sistema é operado de forma atípica, elevando o ESS. Além disso, devido a escassez de energia, o custo marginal das usinas despachadas para contornar as limitações de transmissão era muito maior do que em anos típicos, o que inflacionou os ESS. As exposições líquidas negativas decorrentes de transações intermercados referem-se às diferenças de preço da energia elétrica de curto prazo em submercados diferentes.21 Quando um agente vende ou compra energia de um submercado a outro, ele fica exposto à diferença de preço entre os dois submercados. As transações entre submercados são contabilizadas como uma venda da energia no submercado exportador e uma compra no submercado importador aos seus respectivos preços. Quando há restrições na transmissão entre submercados, o preço no mercado exportador cai e o preço no submercado importador se eleva. Essa é a forma que o sistema utiliza para racionar as transferências de energia entre submercados quando as transferências líquidas excedem a capacidade de transmissão. Assim como o ESS, as restrições de transmissão entre submercados ocorrem com maior freqüência quando o sistema é operado de forma atípica. O excedente financeiro gerado por essa forma de contabilização é rateado entre as hidrelétricas participantes do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE)22, porém em condições atípicas a exposição negativa entre submercados pode exceder o excedente financeiro, causando um encargo adicional. Custos diversos contabilizados no MAE (em milhões de reais) 2000 2001 2002 Encargos de serviços do sistema não ajustados 113 405 180 Exposição líquida em transações intermercados -46 4.000 4 800 Exposição negativa em transações intermercados 67 11.000 113 7.000 796 135 18.700 1.700 Total 202 23.105 Fonte: MAE. Relatório de Informações ao Público - Análise Anual 2000, 2001 e 2002. 1.884 Excedente financeiro Exposição aos preços do MAE A tabela acima demonstra como cada um desses custos contabilizados pelo MAE se elevaram durante o racionamento. Em 2000, os custos somaram R$ 202 milhões. Já em 2001 e 2002, com a crise de suprimento, esses custos saltaram para R$ 23.105 milhões e R$ 1.884 milhões, respectivamente. 19 Estabelecido por meio da Medida Provisória 14 de 21 de dezembro de 2001, posteriormente convertida na Lei 10.438. 20 Mercado Atacadista de Energia (2001). Relatório de Informações ao Público – Parte IV – Análise Anual. São Paulo: MAE. 21 O sistema elétrico brasileiro era formado de quatro submercados: Norte, Nordeste, Sudeste/CentroOeste e Sul. O Conselho Nacional de Política Energética ordenou a redução dos quatro submercados para dois submercados a ser regulado pela Aneel. A Aneel promoveu a Audiência Pública 28/2002 para receber sugestões e comentários à sua minuta de resolução, mas a redução do número de submercados não chegou a ser implementada. 22 O Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) foi adotado em 1997 para repartir o risco hidrológico entre as usinas hidrelétricas. O MRE desvincula a geração efetiva de cada usina hidrelétrica para fins contábeis. As empresas são atribuídas a sua energia assegurada recebendo mais ou menos somente se a geração agregada das usinas participantes do MRE for superior ou inferior, respectivamente, à energia assegurada agregada do sistema. 24 1.2.2 Incertezas sobre o marco regulatório Um dos fatores que mais acentua a crise é a falta de perspectivas. A maioria das empresas do setor elétrico está passando por uma situação financeira crítica e sem perspectivas de uma solução para os seus problemas no curto prazo. Isso decorre da sinalização dada pelo Governo atual de que não continuará a “revitalização do modelo” iniciada no Governo passado, mas também sem proporcionar informações mais precisas das mudanças que serão introduzidas. O Comitê de Gestão do Setor Elétrico, no Governo passado, sinalizava a resolução destas preocupações através: • da implantação de ofertas de preços no mercado de curto prazo do MAE, o que permitiria aos agentes atuar de forma ativa, refletindo a diversidade de opiniões com relação às previsões de oferta e demanda e o custo do déficit, valores essenciais na definição do custo de oportunidade da água; • da realização de leilões públicos para a venda de energia de serviço público, o que permitiria o acesso em condições de igualdade à “energia velha”; • do aumento da obrigatoriedade de contratação de 85% para 95% do mercado cativo das distribuidoras (carga dos consumidores não-livres); • da substituição do Valor Normativo por mecanismos de licitações de compra de energia; • do realinhamento tarifário e da separação dos serviços de transmissão e distribuição (“fio”) dos serviços de comercialização (contratação, tarifação e cobrança) e do preço da energia (“geração”); • da desverticalização das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização; • da redução dos limites de autocontratação (self-dealing); e • de incentivos à geração termelétrica e flexibilização dos requisitos de take-or-pay no suprimento de gás natural. Em contraste, o Ministério de Minas e Energia (MME) no atual governo sinalizava, em sua proposta inicial, uma ruptura com o modelo vigente, com uma intervenção mais profunda do Estado. Como exemplo dessas propostas iniciais, temos23: • o planejamento determinativo da expansão do parque gerador pelo Estado que promoveria licitações para a construção de novas usinas pelo menor custo; • a extinção do MAE; • a comercialização da energia elétrica por intermédio de um agente central; • tarifas baseadas em um mix de energia “velha” e “nova”; • a remuneração das geradoras de serviço público seria através do pagamento de um encargo de capacidade; e • o fortalecimento das empresas estatais. 1.3 A expansão futura do sistema elétrico No momento existe excesso de oferta de energia no Brasil e provavelmente, para os próximos três anos, a probabilidade de racionamento é baixa (descartando-se a ocorrência de uma hidrologia muito desfavorável, cuja possibilidade não pode ser desconsiderada). No entanto, essa é uma situação temporária e a continuidade na expansão da capacidade do setor elétrico brasileiro é absolutamente imperativa e imprescindível. Para isso, devem ocorrer novos investimentos em novas usinas e linhas de transmissão e os correspondentes investimentos em distribuição. Mais do que qualquer outro setor de infra-estrutura, a insuficiência de capacidade do setor elétrico não apenas impede o crescimento econômico, mas pode acarretar verdadeiros desastres econômicos e sociais se houver súbita falta de energia. A essencialidade do setor e dos investimentos que nele precisam ser realizados não se discute. 23 A proposta do MME para reformulação do setor elétrico está em discussão e sofrendo modificações. 25 Porém, um dos maiores desafios no setor elétrico brasileiro, como nos demais países, é como coordenar a expansão do sistema. No Brasil existe uma série de externalidades que tornam a coordenação do investimento e da operação do setor elétrico um desafio excepcionalmente grande, raramente encontrado em outros países, dada a alta dependência da geração hidrelétrica, o elevado grau de coordenação requerido para otimizar a geração hidrelétrica de usinas em série num mesmo curso d’água e de usinas em diferentes bacias com condições hidrológicas distintas e com um passado de desenvolvimento estatal e centralizado. Além disso, o crescimento no consumo ocorre em taxas mais elevadas do que nos países desenvolvidos e as oscilações nessas taxas são muito maiores, o que aumenta a magnitude e probabilidade de variações imprevistas no consumo e, por conseguinte, torna maior o custo de manter reservas contra essas variações. Por fim, o risco regulatório é muito maior. A presença dessas externalidades significa que, no planejamento da ampliação do parque gerador, é necessário considerar os custos e benefícios para o sistema de cada usina e ampliação da rede de transmissão. Existem diferentes tipos de usinas, cada uma apresentando estruturas de custos e riscos diferentes. Dessas diferenças surgem complementaridades entre as usinas de geração. Por exemplo, usinas com custos variáveis maiores e custos fixos menores são mais apropriadas para atender a demanda de ponta, enquanto as usinas de custo total menor, mas custos fixos maiores (e custos variáveis menores) são mais apropriadas para atender a carga de base (a carga de forma contínua, sem interrupções). Existem complementaridades entre as usinas hidrelétricas e termelétricas. A instalação de usinas termelétricas permite que as usinas hidrelétricas sejam despachadas de forma menos conservadora, aumentando o aproveitamento da energia afluente natural. Quando há poucas termelétricas, as hidrelétricas precisam ser despachadas de forma conservadora para manter energia armazenada nos reservatórios para períodos de condições hidrológicas adversas. Na maior parte do tempo as usinas hidrelétricas dispõem de mais energia natural afluente do que a energia assegurada atribuída a essas usinas. Isso significa que grandes volumes são vertidos (são liberados dos reservatórios sem gerar energia) quando a capacidade máxima de armazenamento dos reservatórios é atingida. Existem externalidades entre as usinas hidrelétricas também. Primeiro, há externalidades entre as usinas hidrelétricas situadas em série no mesmo curso d’água, pois a operação da usina a montante afeta a energia afluente que chega à usina a jusante. Segundo, há externalidades entre usinas hidrelétricas em bacias diferentes, pois o comportamento sazonal e probabilístico da energia afluente natural varia de bacia a bacia. Assim, o risco de déficit é reduzido quando as usinas são operadas de forma coordenada. Existem também externalidades decorrentes da operação interligada em redes de transmissão e distribuição. Limitações da transmissão e contingências podem requerer uma alteração no despacho das usinas geradoras. Como o caminho da corrente elétrica em sistemas de corrente alternada não pode ser programado (a corrente elétrica segue o caminho de menor resistência), a operação num lado da rede pode afetar a operação de outra usina. Isso significa que a expansão do sistema via mercado precisa, necessariamente, de suficiente infra-estrutura institucional para proporcionar a sinalização de mercado adequada para internalizar as externalidades. A outra alternativa é administrar o planejamento de forma centralizada. Existem prós e contras, em ambos os casos. No entanto, dada a situação financeira do Estado brasileiro e sua incapacidade de realizar investimentos da mesma forma que no passado24, o importante é definir e implementar um arranjo adequado para o sistema elétrico brasileiro que atraia investidores privados para garantir a suficiente expansão do parque gerador em tempo hábil. A condição de “excesso de oferta” atual é uma situação passageira, e se a instalação das novas usinas de geração e de expansão da rede de transmissão não for retomada em tempo hábil, o país sofrerá novas restrições de oferta. A implementação desse arranjo exige: • dimensionar as necessidades de expansão do sistema; e • entender os incentivos regulatórios necessários para seu desenvolvimento. Isto será feito nos próximos capítulos. 24 Essa situação será detalhada nos capítulos 4 e 6. 26 Referências Anuatti Neto, F. e R. L. Hochstetler. Brazil’s Electricity Market Design: An Assessment. (Mimeo). São Paulo: Universidade de São Paulo. Araújo, J. L. (2001). A Questão do Investimento no Setor Elétrico Brasileiro: Reforma e Crise. Nova Economia 11(1): 77-96. Guedes, E. M.; J. M. Camargo e J. Ferrés (2002). Energia: as razões da crise e como sair dela. São Paulo: Editora Gente. Kelman, J. (coord.). (2001). Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica. Câmara de Gestão da Crise de Energética: 21 de julho de 2001. Kelman, J. (2002). Metodologia de cálculo da energia firme de sistemas hidrelétricos levando em consideração usos múltiplos da água. Brasília: Agência Nacional de Águas. MAE (2001, 2002 e 2003). Relatório de Informações ao Público Parte IV: Análise Anual 2000, 2001 e 2002. São Paulo: Mercado Atacadista de Energia Elétrica. ONS (2000). Operação do Sistema Interligado Nacional: Dados Relevantes de 2000. Rio de Janeiro: Operador Nacional do Sistema Elétrico. ONS (2000). Planejamento Anual da Operação Energética - Ano 2000. Nacional do Sistema Elétrico. Rio de Janeiro: Operador Pereira, M. (1998). Competition for Contracts in a Hydrothermal System. Course I: Application of Economic Theory in Power System Analysis. Salvador: VI Symposium of Specialists in Electric Operation and Expansion Planning (SEPOPE). Pires, J. C. L.; F. Giambiagi e A. F. Sales (2002). As Perspectivas do Setor Elétrico após o Racionamento. Revista do BNDES 9 (18): 163-204. Sauer, I. (2002). Um Novo Modelo para o Setor Elétrico Brasileiro. São Paulo: Instituto de Eletrotécnica e Energia – Universidade de São Paulo (IEE-USP). Silva, E. L. e J. M. Campagnolo (2001). Perspectivas e desafios para o mercado de energia elétrica brasileiro. Revista Nexus: Ciência & Tecnologia: 17 de junho de 2001. 27 Sumário executivo O Brasil possui abundância de cursos d’água, o que proporciona ao país uma fonte de energia elétrica de baixo custo. A geração hidráulica responde por 95% da capacidade do parque gerador. Isto torna o sistema vulnerável à hidrologia. Esta vulnerabilidade foi equacionada mediante manutenção de elevados níveis de reservas mediante aumento da capacidade instalada. Este cenário foi gradualmente se alterando. O regime regulatório de remuneração garantida e tarifas equalizadas em todo o país eliminavam os incentivos à busca de eficiência produtiva. O custo incremental para atender o crescimento da demanda por energia elétrica aumentava à medida que potenciais hidráulicos menos rentáveis precisavam ser explorados. Passou a haver maior resistência da sociedade civil para a instalação de grandes hidrelétricas. Além disso, a capacidade de financiamento do Estado foi diminuída. Nesse contexto, o setor passou por um amplo programa de reestruturação, cujo objetivo era atrair investimentos privados e diversificar a matriz energética. O racionamento em 2001 Em 2001, as condições hidrológicas foram desfavoráveis. Além dessas condições, que sempre podem afetar um sistema de base hídrica, a principal explicação para o racionamento foi o desequilíbrio estrutural entre oferta e demanda no sistema elétrico. Nos anos anteriores, a expansão da oferta não acompanhou a demanda. Os investimentos anuais em toda a cadeia produtiva do setor (geração, transmissão e distribuição) caíram de cerca de US$ 10 bilhões no final dos anos 80 para US$ 3 bilhões em 1999, em um processo que não foi contínuo. Houve uma queda na primeira metade da década, uma recuperação a partir de 1995 e nova queda quando a privatização ficou paralisada. A falta de investimentos ocorreu devido: (i) à lentidão da reestruturação do setor e incapacidade política de implementar o novo modelo; (ii) às indefinições regulatórias que levaram os agentes a atrasar obras e postergar investimentos; (iii) ao risco e incerteza decorrente dessas indefinições; e (iv) à definição inapropriada do nível de energia assegurada das hidrelétricas (as distribuidoras não precisavam buscar outras fontes de geração porque sua carga já estava 100% coberta pelos Contratos Iniciais). Sem investimentos adequados e o consumo crescente, o sistema passou a esgotar os reservatórios além do limite de risco recomendável. Falhas nas regras fixadas para a operação do sistema também contribuíram para a crise, pois usinas termelétricas existentes não foram plenamente empregadas durante o período de esgotamento dos reservatórios. A atual crise do setor elétrico Atualmente o setor apresenta um “excesso de oferta” e elevação das tarifas para os consumidores. Essas tarifas, no entanto, são freqüentemente insuficientes para remunerar distribuidoras e geradoras. As empresas do setor acumulam prejuízos e algumas enfrentam sérias dificuldades econômico-financeiras. A falta de perspectivas e a insegurança sobre o futuro prejudicam e paralisam novos investimentos. Pode haver escassez futura quando o crescimento do consumo não encontrar correspondência no aumento da oferta. Portanto, o final do racionamento não marcou o final da crise do setor elétrico brasileiro. As causas dessa crise têm como origem dois problemas básicos: (i) a queda de rentabilidade do setor e (ii) as incertezas sobre o marco regulatório. A queda da rentabilidade do setor decorre principalmente: (i) da queda permanente no patamar de consumo após o devido ao racionamento de energia em 2001; (ii) do reajuste de tarifas que não repassou integralmente a “conta gráfica”; (iii) da mudança de critérios para a revisão periódica das tarifas promovida pela Aneel; (iv) da mudança do regime cambial que, além de contribuir para o aumento das tarifas indexadas ao dólar, aumentou o endividamento das empresas que detinham passivos em moeda estrangeira. Poder-se-ia destacar também o aumento dos custos associados à crise de suprimento (exposição ao preço do MAE, encargos de serviços do sistema e exposição líquida em transações intermercados). Em relação às incertezas sobre o marco regulatório futuro, a sinalização do Governo atual é de que não continuará a “revitalização do modelo” iniciada no Governo passado, mas sem definição precisa das mudanças que serão 28 introduzidas. O MME, no atual governo, sinalizou inicialmente uma ruptura com o modelo vigente, propondo um modelo com maior grau de intervenção do Estado, modelo este que ainda está em discussão e desenvolvimento. A expansão futura do sistema elétrico A presença do Estado como regulador é necessária, pois a expansão do sistema exige uma coordenação que permita superar as dificuldades decorrentes das externalidades existentes entre as usinas hidrelétricas, e entre as hidrelétricas e as termelétricas, bem como as decorrentes da operação interligada das usinas e das redes de transmissão e distribuição. Isto significa que no planejamento da ampliação do parque gerador é necessário considerar os custos e benefícios para o sistema de cada usina e ampliação da rede de transmissão considerada. A condição de “excesso de oferta” atual é passageira e, se a instalação de novas usinas de geração e a expansão da rede de transmissão não forem retomadas em nível adequado e em tempo hábil, o país sofrerá novas restrições de oferta. Dada a situação financeira do Estado e sua incapacidade de realizar investimentos da mesma forma que no passado, é importante definir e implementar um arranjo adequado para o sistema elétrico brasileiro que atraia investidores privados. A expansão do sistema via mercado precisa, necessariamente, de suficiente infra-estrutura institucional para proporcionar a sinalização adequada.♦♦ 29 2. A ESTRUTURA TARIFÁRIA Neste capítulo examinamos a estrutura tarifária do setor elétrico brasileiro. Primeiramente, descrevemos a estrutura tarifária atual (as tarifas de fornecimento atualmente oferecidas e as principais classes de consumo) e o processo de abertura das tarifas de fornecimento sendo conduzido pela Aneel. Em seguida comparamos as tarifas de fornecimento vigentes no Brasil com as tarifas praticadas em outros países. Também avaliamos a trajetória do nível das tarifas ao longo do tempo e decompomos a tarifa para observar o comportamento dos diversos componentes que formam a tarifa de fornecimento. Finalmente, analisamos os componentes de custos envolvidos no fornecimento de energia elétrica e a alocação desses custos entre as diversas classes de consumo, à luz da teoria econômica. 2.1 A estrutura tarifária brasileira 2.1.1 Características gerais O Brasil introduziu o conceito de tarifas baseadas em custos marginais na década de 1980. As tarifas de fornecimento hoje vigentes mantêm, com pequenas alterações, a mesma estrutura introduzida naquela época. Hoje, os consumidores do Grupo A, isto é, os consumidores conectados à rede em alta tensão (acima ou igual a 2,3 quilovolts) são cobrados por uma de três tarifas: Azul, Verde ou Convencional. Tarifas de fornecimento Demanda Consumo Grupo A (Acima ou igual a 2,3 kV) - Azul Ponta Ponta estação úmida Fora Ponta Fora ponta estação úmida Ponta estação seca Fora estação seca - Verde Valor único Ponta estação úmida Fora ponta estação úmida Ponta estação seca Fora estação seca - Convencional Valor único Valor único Grupo B (Abaixo de 2,3 kV) - Tarifas cobradas somente pela sua demanda de energia A tarifa Azul é uma tarifa binômia25 horosazonal. Essa tarifa é composta de dois preços para a demanda de potência26: (i) ponta e (ii) fora de ponta; e quatro preços para a energia27: (i) ponta na estação úmida, (ii) fora de ponta na estação úmida, (iii) ponta na estação seca e (iv) fora de ponta na estação seca. A tarifa Verde também tem quatro preços para a energia, mas somente um preço para a demanda de potência. A tarifa Convencional é uma tarifa binomial simples tendo apenas um preço para a demanda de potência e outra pela energia. Consumidores conectados à rede de transmissão ou distribuição em tensões iguais ou superiores a 69 quilovolts (kV) necessariamente são tarifados pela tarifa Azul. A tarifa Verde é opcional para os consumidores do Grupo A em tensões abaixo de 69 kV. As tarifas do Grupo A requerem que os consumidores contratem o nível de demanda de potência. Caso o consumidor ultrapasse esse nível de demanda de potência contratada, o consumidor precisa pagar uma tarifa de ultrapassagem sobre a potência adicional. Já as tarifas do Grupo B, isto é, consumidores em baixa tensão (abaixo de 2,3 quilovolts), são monômias (são cobradas somente pela sua demanda de energia). 25 Uma tarifa binômia é uma tarifa formada de dois componentes: um componente fixo associado a demanda máxima requerida e um componente variável associado à quantidade de energia consumida. 26 A demanda de potência refere-se à capacidade requerida para atender um determinado consumidor. A demanda de potência é a demanda máxima do consumidor num determinado período, medido em kW. 27 A demanda de energia é a quantidade total de energia consumida num determinado período, medido em kWh. 30 As tarifas também são discriminadas por classe de consumo. As principais classes de consumo são as seguintes: Residencial: Endereços residenciais são classificados em três categorias, de acordo com a localização da propriedade ou o nível sócio-econômico do consumidor. A categoria é subdividida em Residencial de Baixa Renda, Rural Agropecuária Residencial e Residencial. As concessionárias utilizam diferentes critérios para eleger quem são os consumidores de baixa renda, beneficiados com tarifas mais baratas. Comercial: O comércio tem um papel de destaque no consumo de energia no país. Em doze meses, de outubro de 1999 até outubro de 2000, o aumento da demanda no segmento comercial foi de 9,4%. No mesmo período, a média nacional ficou em 4,6%. Este crescimento está associado ao aumento do setor de serviços na economia. Industrial: A indústria brasileira foi o primeiro segmento beneficiado com as mudanças no conceito de consumidor estabelecidas pela Aneel. O alto consumo do parque industrial permitiu que boa parte das empresas pudesse ser enquadrada na categoria dos consumidores livres, com direito a escolher seu fornecedor de energia a preços mais competitivos. Consumidor livre: aquele com demanda igual ou superior a 3 MW, atendidos em tensão de 69.000 volts ou mais. No setor de serviços, os shoppings centers estão entre os consumidores livres. Serviço Público: engloba o fornecimento de energia elétrica para motores, máquina e cargas para a operação da rede pública de abastecimento de água, esgotamento sanitário e saneamento básico. E também a energia que movimenta trens e metrôs – desde que sejam linhas exploradas pelos governos estaduais e federal28. Esta classificação utilizada pelas concessionárias de energia elétrica é subdividida em duas subcategorias; uma delas é tração elétrica e a outra é água, saneamento básico e esgoto. As classes de consumo são identificadas pela sua tipologia de carga. As cargas são diferenciadas pela variação da carga ao longo do tempo (fator carga), o grau de coincidência de pico de demanda (a diversidade da carga), as ponderações de sábado e domingo etc. Com isso, é possível identificar como a demanda de cada classe de consumo afeta o sistema como um todo e, conseqüentemente, como devem ser alocados os custos entre essas classes de consumo. No Brasil, a classe residencial é a classe que apresenta a maior modulação (diferença entre as demandas de ponta e fora de ponta). As classes comercial e industrial ligadas na baixa tensão apresentam uma demanda mais plana, representada pelo tipo 4 na próxima figura. 28 O poder público e a iluminação pública constituem classes tarifárias distintas. As razões para essa distinção são várias. Por exemplo, a curva de carga da iluminação pública é muito diferente da carga de motores elétricos utilizados no serviço público. 31 Tipologia de carga de cinco classes de consumo de baixa tensão Fonte: DNAEE (1985). Os investimentos necessários para acomodar o padrão de carga de cada classe de consumo são considerados na definição da tarifa de cada classe de consumo. A próxima tabela apresenta a tarifa média de cada classe de consumo nas quatro regiões. Note que a classe iluminação pública apresenta um preço menor do que a residencial apesar de ambas serem ligadas em baixa tensão. Isto se justifica pela constância da carga da iluminação pública e pelo fato de grande parte da demanda dessa classe ser no período fora de ponta, o que se traduz em custos menores para o sistema. 32 Tarifas médias por classe de consumo (R$/MWh) – fevereiro 2003 Classe de Consumo Norte Nordeste Sudeste Residencial Industrial Comercial Rural Poder Público Iluminação Pública Serviço Público Consumo Próprio 200,93 69,19 186,28 143,82 200,75 118,14 120,88 196,19 173,37 77,6 167,76 105,27 177,67 105,34 99,14 171,21 244,39 109,17 207,11 136,84 203,23 128,89 113,17 94,84 222,33 108,27 190,72 111,38 190,74 117,37 119,68 87,54 Sul Centro-Oeste 207,12 107,62 189,04 136,69 190,59 112,24 106,71 202,01 224,65 100,28 196,62 120,42 194,66 120,09 111,41 106,91 Brasil Tarifa Média Total Fonte: Aneel. 121,19 167,81 153,68 126,25 165,91 154,85 A Aneel está conduzindo um processo de abertura das tarifas de fornecimento, separando cada um dos seus componentes. Essa iniciativa visa promover a concorrência na comercialização de energia elétrica. Para isso, as tarifas de fornecimento estão sendo substituídas por cinco novas tarifas: • a tarifa de energia (TE), • a tarifa de conexão à rede de transmissão, • a tarifa de uso do sistema de transmissão (TUST), • a tarifa de conexão à rede de distribuição, • a tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD). Com isso, os consumidores livres poderão comparar o preço da energia de sua concessionária de distribuição com a de outras comercializadoras de energia mais facilmente, assim como impedir que as concessionárias de distribuição prejudiquem as comercializadoras, que dependem de seus serviços de distribuição, ou os seus consumidores cativos. A definição correta do valor do TUSD é essencial para a neutralidade na comercialização livre da energia. Se a TUSD estiver superestimada, os comercializadores serão prejudicados. Se a TUSD estiver subestimada a concessionária de distribuição será prejudicada. 2.1.2 As tarifas de transmissão e distribuição A tarifa de uso da transmissão é composta de dois componentes: “selo” e “nodal”. O componente selo é um simples rateio de uma parcela do custo do sistema de transmissão (rede básica). A denominação selo decorre do fato que a tarifa é a mesma independentemente da localização dos agentes que utilizam a rede de transmissão. O componente nodal, por outro lado, é diferenciado para cada nó (subestação) da rede de transmissão. O preço em cada nó é calculado considerando a carga retirada e geração injetada em cada nó do sistema e a impedância (resistência) entre cada um dos nós. Assim, a tarifa de geração é menor quanto maior for a carga do nó ou próximo do nó em que é conectada a usina de geração e vice-versa. Essa tarifa proporciona os incentivos locacionais para que os grandes consumidores e investidores em usinas de geração não dependentes de locais específicos se conectem na rede, de forma a minimizar os investimentos requeridos de ampliação e reforço da rede de transmissão. Atualmente, 80% da tarifa é baseada no componente selo e 20% do componente nodal. O componente nodal deveria ter seu peso aumentado na definição da tarifa para proporcionar melhores incentivos para a localização de novas cargas ou usinas de geração no sistema. O componente nodal é pouco estável, sendo alterado pela forma que o sistema é operado e pela sua configuração. Novas formas de estabilizar esse componente da tarifa deveriam ser exploradas como, por exemplo, adotar a média móvel do componente nodal ou estabelecer limites de ajuste do componente nodal em cada período. A tarifa de uso da distribuição ainda está em processo de implementação. Conforme a Resolução Aneel no 286/99, o cálculo da TUSD para os consumidores conectados à rede de distribuição em tensões iguais ou superiores a 69 kV também deverá empregar a metodologia nodal. Para os consumidores conectados às redes de distribuição em tensões inferiores a 69 kV, a TUSD poderá ser definida a partir do custo incremental médio das concessionárias de distribuição. Os consumidores em baixa tensão são menos propensos a alterar a sua localização em decorrência dos custos de distribuição; portanto não é compensador o custo de adotar a metodologia nodal para definir as suas tarifas. Nesses níveis de tensão os investimentos requeridos são de porte menor, não envolvendo os saltos associados às ampliações da rede de transmissão. Portanto, uma extrapolação da média histórica proporciona uma boa indicação dos custos marginais associados à ampliação da rede de distribuição. 33 As tarifas de conexão, tanto à rede de transmissão como à de distribuição, são definidas utilizando uma definição “rasa”, isto é, atribuindo ao consumidor somente os custos associados às instalações requeridas exclusivamente para o seu atendimento. Os custos relativos aos reforços da rede utilizados por todos, mas que são requeridos para atender o novo consumidor, são recuperados através da TUSD. As perdas técnicas associadas à perda decorrente da resistência na transmissão e distribuição de eletricidade são repartidas ex-post entre os consumidores na mesma proporção das perdas medidas entre o seu nó e o “centro de gravidade” do submercado, isto é, o ponto de referência teórico no qual a oferta e demanda agregadas da rede estão em equilíbrio. 2.2 Análise comparativa da estrutura tarifária brasileira Uma avaliação completa da estrutura tarifária ultrapassa os objetivos desse trabalho. Para isso seria necessário uma estimação dos custos marginais do sistema elétrico brasileiro, mensuração dos padrões de consumo etc. Podemos, no entanto, obter uma idéia de quão adequada é a estrutura tarifária brasileira comparando-a com as tarifas vigentes em outros países. 2.2.1 Tarifas industriais e residenciais no Brasil e no mundo O Brasil apresenta-se significativamente melhor colocado por tarifas industriais do que pelas residenciais. Uma comparação das tarifas residenciais e industriais no Brasil com uma amostra de países membros da OECD, por exemplo, sugere que as tarifas brasileiras, como um todo, são relativamente baixas, mas que as tarifas residenciais são caras em relação às tarifas industriais29. Como o principal componente da tarifa de fornecimento é o custo de geração, cada país deveria obter aproximadamente a mesma colocação nas classificações pelas tarifas residenciais e por tarifas industriais. Porém, o fato de no Brasil haver menor densidade e menor consumo per capita implica maiores custos relativos de transmissão e distribuição para o segmento residencial, o que pode explicar em parte essa diferença de colocação. 29 Consideramos dados de 2000, pois para esse ano foi possível obter um maior e mais representativo número de países. Dados mais recentes são disponíveis para poucos países apenas. 34 Comparação de tarifas médias por classe de consumo de países membros da OECD - 2000 Holanda Nova Zelândia Polonia EUA Brasil República Checa Finlândia Irlanda México México Dinamarca Polonia França Hungria Hungria Finlândia Grécia Coréia Chile Suíça Reino Unido Brasil República Checa Turquia Espanha Grécia Alemanha Chile Nova Zelândia Reino Unido Portugal Portugal Coréia França Argentina Holanda EUA Itália Turquia Argentina Itália Espanha Irlanda Alemanha Suíça Dinamarca Japão Japão 0 50 100 150 Tarifa industrial (US$/MWh) 200 0 50 100 150 200 250 Tarifa residencial (US$/MWh) Fontes: CTEM-CCPE / Eletrobras e OECD. Realizando a mesma comparação com países da América Latina, e incluindo também a classe comercial, chega-se à mesma conclusão: as tarifas residenciais e comerciais brasileiras estão caras relativamente às tarifas industriais. 35 Comparação de tarifas médias por classe de consumo na América Latina - 2002 ARGENTINA TRINIDAD Y TOBAGO TRINIDAD Y TOBAGO TRINIDAD Y TOBAGO ARGENTINA ARGENTINA VENEZUELA PARAGUAY PARAGUAY PARAGUAY GUATEMALA VENEZUELA BRASIL PERU BOLIVIA BOLIVIA COLOMBIA GUYANA CHILE BRASIL COSTA RICA URUGUAY CHILE HONDURAS HONDURAS VENEZUELA MEXICO PERU REP. DOMINICANA COLOMBIA GUATEMALA COLOMBIA ECUADOR GUATEMALA GUYANA CHILE COSTA RICA BOLIVIA REP. DOMINICANA CUBA COSTA RICA ECUADOR GUYANA URUGUAY BRASIL ECUADOR CUBA HAITI REP. DOMINICANA HONDURAS PERU PANAMA PANAMA URUGUAY JAMAICA JAMAICA NICARAGUA NICARAGUA MEXICO PANAMA HAITI EL SALVADOR EL SALVADOR SURINAME HAITI CUBA EL SALVADOR NICARAGUA JAMAICA MEXICO SURINAME SURINAME GRENADA BARBADOS BARBADOS BARBADOS GRENADA GRENADA 0 50 100 150 200 250 0 tarifa industrial (US$/MWh) 50 100 150 200 0 250 50 100 150 200 250 tarifa residencial (US$/MWh) tarifa comercial (US$/MWh) Fonte: OLADE. Parte da diferença entre as tarifas residencial, comercial e industrial se explica pelo fato de que a indústria (e, de forma menos contundente, o comércio) apresenta custos de transmissão, distribuição e comercialização menores que a classe residencial. Essa redução de custos decorre do fato de que as classes industrial e comercial apresentam uma proporção maior de grandes consumidores. Os custos de tarifação e cobrança de grandes consumidores tendem a ser menores do que de pequenos consumidores. Grandes consumidores também são conectados diretamente à rede de transmissão ou à rede de distribuição em níveis de tensão mais elevados, dispensando os custos associados às subestações, transformadores e linhas de distribuição em tensão mais baixa. Isto justifica parte do diferencial das tarifas entre as classes de consumo, como pode ser visto na próxima tabela, que discrimina as tarifas por nível de tensão. Tarifa média de fornecimento – 2000 classe/ grupo consumo em GWh tarifa média (R$/MWh) sem ICMS com ICMS 80.739 159,70 205,41 Industrial 107.347 74,79 92,62 Comercial 46.235 136,27 173,79 Demais 40.987 89,26 104,58 133.649 148,80 188,31 1.925 124,23 161,79 71.583 96,35 120,20 3.513 87,83 112,12 8.900 61,19 74,36 47.842 54,36 67,41 7.896 51,17 61,46 TOTAL 275.308 Fonte: ABRADEE. 112,17 141,11 Residencial B AS A4 A3a A3 A2 A1 Essa estrutura tarifária faz sentido no contexto tradicional, no qual a maior parte da energia elétrica advém de grandes usinas geradoras distantes dos centros de consumo. No entanto, no futuro, essa 36 estrutura tarifária terá que ser revista se a participação da “geração distribuída”, isto é, de pequenas usinas de geração interligadas diretamente às redes de distribuição, passar a ser significativa. Nesse caso, a estrutura tarifária atualmente determinada de “cima para baixo”30 possivelmente terá que ser revista, pois a energia elétrica consumida pelos consumidores em baixa tensão não virá necessariamente das usinas interligadas às redes de transmissão e sim, localmente, de usinas conectadas diretamente na rede de distribuição e, possivelmente, em tensões mais baixas. O sistema elétrico brasileiro apresenta uma rede de transmissão muito extensa relativamente aos sistemas de outros países. A magnitude da rede de transmissão dos Estados Unidos, por exemplo, em 1999, somando-se os três sistemas elétricos dos Estados Unidos (Eastern, Western and Texas Interconnect), era de 248.595 quilômetros de linhas em tensões iguais ou superiores a 230 kV para atender um consumo anual de 3.495 terawatts-hora (TWh). Isso corresponde a uma razão de 71,1 quilômetros por terawattshora (km/TWh) consumido anualmente. Em contraste, o sistema elétrico brasileiro detinha 66.954 quilômetros de linhas de transmissão para atender um consumo anual de 344 TWh, o que corresponde a uma razão de 194,6 km/TWh. Isso significa que a extensão da rede de transmissão brasileira corresponde quase ao triplo da rede de transmissão dos Estados Unidos, normalizada pelo volume de energia consumido. Conseqüentemente, a participação dos custos de transmissão na tarifa de fornecimento do Brasil é maior do que no sistema elétrico dos EUA. Extensão da rede de transmissão do Brasil e dos EUA – 1999 nível de tensão (kV) quilômetros de linhas Brasil EUA 230 32.278 123.510 345-440 15.073 79.243 500 15.877 41.895 3.726 3.947 66.954 248.595 600-765 TOTAL Fonte: ONS e EUA/ Department of Energy. A longa extensão da rede de transmissão do sistema elétrico brasileiro decorre primordialmente do fato de que a maior parte da geração advém de hidrelétricas distantes dos centros de consumo. Em contraste, sistemas de predominância termelétrica, como o dos Estados Unidos, tendem a localizar as suas usinas mais próximas dos centros de carga, reduzindo a extensão das redes de transmissão requeridas. Configuração do parque gerador do Brasil e dos EUA - 2001 Brasil EUA Capacidade Participação (GW) (%) Capacidade Participação (GW) (%) Térmelétricas 6.814 9,3% Hidrelétricas 61.900 84,3% 98.881 12,2% Usinas Nucleares 1.966 2,7% 97.860 12,0% Outros 2.754 3,8% 16.103 2,0% Total 73.434 Fonte: EUA/Department of Energy (janeiro de 2001). 599.823 73,8% 812.667 Mesmo considerando esses fatores, a avaliação da Aneel é de que há de fato um subsídio cruzado entre as tarifas residenciais, comerciais e industriais. No processo de abertura das tarifas, a Aneel constatou que a tarifa de energia da classe industrial era menor do que a da classe residencial e estabeleceu um cronograma de cinco anos para realinhar as tarifas, de forma a eliminar o subsídio. Conforme os estudos da Aneel a tarifa média dos consumidores em baixa tensão deveria ser 8% menor e as tarifas em alta tensão deveriam ser elevadas em até 75,2%.31 30 Na construção de “cima para baixo” os consumidores pagam pelos custos de transmissão e distribuição nas tensões maiores ou iguais à tensão em que estão conectados à rede, não arcando com os custos das redes em tensões menores. 31 Nota Técnica no 083/2003/SER/SRD/Aneel. 37 Tarifas com realinhamento TARIFA TARIFA ATUAL total Demanda de ponta (R$/kW) REALINHADA fio Realinhamento energia 16,02 7,99 7,99 0 -50,1% 3,35 1,20 1,2 0 -64,2% Energia de ponta – estação seca (R$/MWh) 91,18 105,78 20,2 85,58 16,0% Energia fora de ponta - estação seca (R$/MWh) 64,52 97,30 11,72 85,58 50,8% Energia de ponta – estação úmida (R$/MWh) 79,73 103,63 18,04 85,59 30,0% Energia fora de ponta - estação úmida (R$/MWh) 54,81 96,05 10,47 85,58 75,2% 262,45 241,44 155,86 85,58 -8,0% Demanda fora de ponta (R$/kW) Baixa tensão (R$/MWh) Fonte: Nota Técnica no 083/2003/SER/SRD/Aneel. 2.2.2 Renda per capita e tarifas residenciais no Brasil e no mundo As tarifas de fornecimento brasileiras são relativamente baixas se comparadas às vigentes em outros países. Parte da explicação para essa baixa tarifa é a dotação de recursos naturais. O Brasil dispõe de muitos potenciais hidráulicos e de baixa densidade demográfica, o que torna muito econômica a exploração de geração de eletricidade a partir de usinas hidrelétricas. Essa dotação é uma vantagem comparativa do Brasil. Entretanto, apesar da tarifa de energia elétrica no Brasil ser baixa em termos absolutos, se comparada à de outros países, levando em consideração o nível do produto per capita dos países envolvidos, a diferença é bem menos significativa. O ponto importante a ser destacado é que, ao se desenvolverem, a demanda por energia aumenta, obrigando os países a explorar fontes cada vez mais caras de energia. Portanto, países com renda per capita menor tendem a ter custos de energia menores que países com renda per capita mais elevada. O próximo gráfico mostra esta relação com clareza, evidenciando a relação positiva entre o grau de desenvolvimento econômico do país (medido pela renda per capita) e o nível das tarifas de fornecimento. Tarifas residenciais e PIB per capita: comparação entre países da OECD - 1998 DINA M A RCA 225 JA Pà O Á USTRIA 200 BÉLGICA tarifa residencial (US$/MWh) A LEM A NHA ITÁ LIA 175 PORTUGA L ESPA NHA 150 SUÍÇA FRA NÇA HOLA NDA 125 IRLA NDA REINO UNIDO 100 BRA SIL GRÉCIA 75 B R A S IL FINL NDIA ESTA DOS UNIDOS TURQUIA 50 NOV A ZEL NDIA HUNGRIA 25 COREIA 0 10.000 20.000 renda per capita (US$) 30.000 40.000 POLÔNIA M ÉX ICO REPÚBLICA TCHECA Fonte: OECD e Banco Mundial. Elaboração: Tendências. Desse ponto de vista, a tarifa média de fornecimento residencial brasileira, ainda que continue abaixo da tendência mundial, não se sobressai. O baixo nível da tarifa de fornecimento brasileiro é compatível com a baixa renda per capita do país. É claro que somente se obterá uma visão clara da dimensão da dotação de recursos energéticos brasileiros à medida que o custo das fontes energéticas remanescentes tornar-se conhecido. 38 2.3 A evolução da tarifa de fornecimento e sua composição Desde início do processo de privatização do setor, a tarifa média de fornecimento de energia elétrica sofreu significativa elevação. Entre 1995 e 2002, a tarifa média (receita por megawatt-hora) aumentou 140,1% e a tarifa residencial aumentou 175,0% em termos nominais. Em termos reais, deflacionando pelo IGP-M, a tarifa média aumentou 20,7% nesse período32. Tarifa de fornecimento média no Brasil 250 R$/MWh 200 150 100 50 0 1995 1996 1997 1998 média 1999 2000 2001 2002 2003 residencial Fonte: Aneel. O consumidor geralmente associa a tarifa de fornecimento ao custo de sua concessionária de distribuição local. A conjunção desses sucessivos aumentos da tarifa de fornecimento, a percepção de que a tarifa de fornecimento destina-se unicamente às distribuidoras e a crise financeira das distribuidoras tem causado perplexidade a muitos consumidores. Um artigo do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) reflete essa perplexidade: “Desde 1995, quando foi iniciado o processo de privatização do setor elétrico, os consumidores vêm sofrendo sucessivos aumentos das tarifas. ...Parece incrível, mas apesar de todos esses aumentos terem acontecido, dentro das atuais circunstâncias, a tendência para as tarifas residenciais é de alta. ...Apesar desses recursos, carreados dos consumidores e da sociedade para as concessionárias de energia elétrica, as distribuidoras continuam afirmando que não têm como investir, pois, ao invés de lucros, registram prejuízos.”33 Há dois fatores que explicam esse aparente paradoxo. O primeiro é que a elevação da tarifa de fornecimento decorreu, em parte, da necessidade de recompor o valor real das tarifas ao seu nível histórico. Como se pode observar no próximo gráfico, a tarifa média de todas as classes de consumo sofreu uma redução nominal, em dólares por megawatt-hora, entre os anos de 1981 e 1986. Essa queda no valor real decorreu de uma prática de reajustes abaixo do nível da inflação, sobretudo no caso das tarifas residenciais. A partir de 1987 as tarifas apresentaram uma recuperação e, gradativamente, as tarifas residenciais foram elevadas em relação às demais classes de consumo, até atingir um patamar superior às demais em 1996, sendo que a diferença entre a tarifa industrial e as tarifas residencial e comercial foi ampliada na década de 1990. 32 33 Computado a partir das tarifas médias reportadas pela Aneel IDEC (2002). “Energia Elétrica: As tarifas estão baixas?”. 39 Trajetória das tarifas médias por classe de consumo 120,00 100,00 US$/MWh 80,00 60,00 40,00 20,00 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 - residencial industrial comercial Fonte: Eletrobras. A partir do final dos anos oitenta, duas mudanças importantes ocorreram no processo de reajuste de tarifa. Primeiro, a tendência à queda do valor em dólares foi revertida. Segundo, ao contrário do que ocorreu no período anterior, as tarifas residenciais passaram a ter reajustes maiores que as tarifas comerciais e estas, acima das industriais. Como resultado, a tendência à convergência das tarifas dos três segmentos do mercado foi revertida a partir de 1986 e, a partir de 1996, as tarifas residenciais passaram a ser as mais elevadas dos três segmentos. O segundo fator que explica o aparente paradoxo é que a maior parte da tarifa de fornecimento não fica com a distribuidora, sendo composta de custos dos segmentos à montante da distribuição, como demonstra a próxima tabela. Composição da tarifa de fornecimento - 2003 R$ bilhões Participação 32,1 47,8% Geração Transmissão 3,1 4,6% Distribuição e Comercialização 12 17,9% Tributos TOTAL Fonte: ABRADEE 19,9 29,7% 67,1 100,0% A maior parte desse aumento das tarifas está relacionada ao aumento do componente de custos não gerenciáveis das distribuidoras, a chamada Parcela A. Para se ter uma noção da evolução destes dois componentes computamos a evolução da Parcela A a partir dos dados disponibilizados pela Aneel na Revisão Tarifária Periódica.34 Este componente teve um aumento real, corrigido pelo IGP-M, de 15,4% entre 1997 e 2002 para a nossa amostra de nove empresas. O aumento nominal foi de 70,1%, enquanto o IGP-M foi de 47,4% no período. Considerando o período mais recente de 1999 a 2002 para o conjunto de 13 distribuidoras de nossa amostra, a Parcela A apresentou um aumento real de 11,2% (38,1% em termos nominais). 34 Os dados utilizados consistem nas informações de um grupo de 13 empresas que passaram pelo processo de reposicionamento tarifário até o momento quando esse documento foi elaborado. As 13 empresas são: AES-Sul, Celpa**, Cemat, Cemig, Coelba, Coelce*, Cosern, CPFL, Elektro**, Eletropaulo*, Energipe, Enersul e RGE. As empresas demarcadas com um asterisco detém informações somente a partir de 1998 e das empresas marcadas com dois asteriscos somente a partir de 1999, as demais desde 1997. 40 A Parcela A é composta pela evolução dos custos que independem de decisões das distribuidoras, chamados custos não-gerenciáveis, referente, sobretudo, à compra de energia elétrica das geradoras. Compreendem, no conjunto, os seguintes custos: (i) energia comprada para revenda convencional e de Itaipu; (ii) Conta Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC); (iii) Quota da Reserva Global de Reversão (RGR); (iv) Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica (TFSEE); (v) Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH); (vi) Encargos pelo uso da rede básica (transmissão); (vii) Transporte de Itaipu; e (viii) Encargos de conexão do sistema de transmissão. A próxima tabela mostra a composição desses encargos para as 13 empresas consideradas na nossa amostra. Os itens mais significativos na composição da Parcela A são os contratos de energia (Contratos Bilaterais, Contratos Iniciais, Energia Própria e Itaipu) compondo 75,3% da Parcela A e os custos de transmissão (Conexão, Rede Básica, Transmissão Nodal, Montantes de Uso do Sistema de Transmissão (MUST) dos Contratos Iniciais, Transporte de Itaipu, MUST de Itaipu) compondo 13,0% da Parcela A. Destaca-se ainda a Conta de Consumo de Combustíveis que compõe 6,0% da Parcela A e a Conta de Desenvolvimento Energético que compõe 3,3% da Parcela A. Composição da Parcela A - 2003 R$ Compensação Financeira Participação 560.532 0,0% Conexão 310.685.645 1,9% Conta de Consumo de Combustíveis – CCC 993.038.131 6,0% Conta de Desenvolvimento Energético – CDE 542.013.863 3,3% Contrato de Uso do Sistema de Distribuição - CUSD Contribuição Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos – CFURH MUST dos Contratos Iniciais Operador Nacional do Sistema – ONS Rede Básica 37.106.269 0,2% 535.621 0,0% 127.088.434 0,8% 1.438.286 0,0% 1.508.835.615 9,1% 316.079.522 1,9% Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica – TFSEE 52.983.057 0,3% Transmissão NODAL 40.675.381 0,2% Transporte de Itaipu 155.867.904 0,9% Reserva Global de Reversão – RGR MUST de Itaipu 17.163.982 0,1% Contratos Bilaterais 2.281.306.280 13,7% Contratos Iniciais 5.097.005.197 30,7% ENERGIA A CONTRATAR GERAÇÃO PRÓPRIA ITAIPU Total Fonte: Aneel (amostra de 13 empresas). 88.342.697 0,5% 1.194.505.656 7,2% 3.857.607.714 23,2% 16.622.839.786 100,0% Já os custos de distribuição e comercialização, ou seja, os custos gerenciáveis das distribuidoras, denominados de Parcela B, tiveram uma redução real de 24,5% (aumento nominal de 11,3%) para o subconjunto de nove empresas da nossa amostra que operaram entre 1997 e 2002. O conjunto total de 13 empresas da nossa amostra apresentou uma redução real da Parcela B de 33,7% (redução nominal de 17,7%) entre 1999 e 2002. A Parcela B corresponde aos custos que dependem essencialmente da eficácia da gestão empresarial das distribuidoras, chamados custos gerenciáveis, a saber: (i) pessoal, (ii) materiais, (iii) serviços de terceiros, (iv) outras despesas e (v) remuneração. Utilizando dados da Aneel referentes à revisão tarifária de 13 distribuidoras, a participação apenas da Parcela A na receita total de fornecimento cresceu um terço nos últimos quatro anos, passando de 46,3% em 1998 para 62% em 2002, conforme visto no próximo gráfico. Para algumas empresas, como a Elektro e a Eletropaulo, essa participação chega a 75%, como detalhado no Anexo I deste capítulo (que apresenta os dados da Aneel e a metodologia de agregação utilizada nos cálculos). 41 Evolução da participação das Parcelas A e B nas receitas de fornecimento das distribuidoras 100% 80% 60% 40% 20% 0% 1998 1999 2000 Parcela A 2001 2002 Parcela B Fonte: Aneel. Elaboração: Tendências. Esse descompasso entre as Parcelas A e B da tarifa de fornecimento decorre principalmente do incremento do custo da geração e transmissão. A Parcela A é composta basicamente dos custos de geração e transmissão. Os três componentes referentes à geração são: energia comprada convencional, Itaipu e Conta de Consumo de Combustíveis (CCC). Esses componentes se elevaram em parte pela alta do custo internacional dos derivados do petróleo, pela desvalorização cambial que elevou a tarifa de energia de Itaipu (que é indexada ao dólar) e pelo início do processo de migração de um regime de preços baseados no custo médio de geração para um regime de custos marginais, iniciado no governo passado. Na geração destaca-se a elevação dos custos da energia de Itaipu. Dado que Itaipu é um empreendimento binacional e possui uma elevada proporção de dívidas em moeda estrangeira, a sua tarifa é indexada ao dólar. Com a forte desvalorização do real nos últimos anos, a tarifa de suprimento de Itaipu sofreu um aumento muito superior à inflação, como pode ser visto no próximo gráfico. Essa elevação tem um peso muito elevado sobre as tarifas de fornecimento das distribuidoras regiões Sul e Sudeste, pois Itaipu responde por 28% do fornecimento dos sistemas Sul, Sudeste e Centro-Oeste (em 2002). Destaca-se ainda que a compra da energia de Itaipu é mandatória. No caso das cinco empresas consideradas na nossa amostra, o custo da energia de Itaipu aumentou 33,7% entre 1998 e 2002 em termos reais (corrigidos pelo IGP-M). O custo da energia de Itaipu e a inflação (índice 1998=100) 260 240 220 200 180 160 140 120 100 1998 1999 Itaipu - DRP 2000 2001 2002 IGP-M Fonte: ABRADEE (Amostra de cinco empresas: AES-Sul, Cerj, CPFL, Enersul e Light). Os custos referentes à transmissão também contribuíram mais do que proporcionalmente para a elevação da tarifa de fornecimento. Os dois principais componentes dos custos de transmissão são a 42 tarifa de uso do sistema de transmissão (rede básica) e os encargos de conexão ao sistema de transmissão. A elevação dos custos de transmissão decorre dos investimentos maciços na expansão e reforço da malha de transmissão nos últimos anos35. O aumento real da Parcela A em relação à redução real da Parcela B tem efeitos importantes sobre a distribuição dos ganhos no setor. A Parcela A corresponde aos custos não gerenciáveis pelas empresas distribuidoras e está, em grande parte, relacionada ao pagamento por aumentos dos custos de geração e transmissão. Como 70% da geração e 90% da transmissão continuam em mãos do Estado (Furnas, Itaipu, Chesf, Eletronorte etc.), este aumento das tarifas correspondente à Parcela A foi, na verdade, em grande parte apropriado por empresas estatais36. Por outro lado, a Parcela B cobre os custos gerenciáveis e a remuneração das distribuidoras, que foram em grande parte privatizadas ao longo deste período. Esta parcela das tarifas sofreu uma redução em termos reais de 24,5% ao longo dos últimos seis anos. Portanto, o processo de reajuste das tarifas de energia elétrica ao longo destes últimos anos significou que a remuneração real das distribuidoras se reduziu. Isto equivale dizer que o custo decorrente do aumento real das tarifas foi pago pelos consumidores em geral, residencial, comercial e industrial, e foi primordialmente apropriado pelas empresas geradoras e pelas empresas transmissoras, em sua maioria estatais, e pelo governo via tributos, que também aumentaram no período. 2.4 A tarifa de fornecimento e os tributos Um componente adicional que explica uma parte muito importante das tarifas de fornecimento de energia no Brasil é representado pelos impostos. Além do ICMS, que aparece explicitamente na conta do consumidor, deve-se acrescentar o PIS/PASEP e a COFINS. Além destes tributos, incide também sobre a geração hidroelétrica a compensação financeira pela utilização dos recursos hídricos e a taxa de uso de bem público. Esses tributos coletados nos primeiros elos da cadeia produtiva são ineficientes (com a exceção da taxa de uso de bem público, que extrai a renda inframarginal das usinas) pois levam os agentes a empregar menos energia elétrica do que seria socialmente ótimo. Essa redução do consumo decorrente dos impostos resulta em um peso morto, diminuindo o bem-estar da sociedade. Além disso, a incidência desses tributos sobre os segmentos de transmissão e distribuição amplia o diferencial entre as tarifas de alta e baixa tensão. O próximo gráfico ilustra o efeito de um tributo sobre o bem-estar social. Um imposto de magnitude t tem o efeito de deslocar a curva de oferta para a esquerda, de O para O+t. A tributação tem o efeito de elevar o preço de equilíbrio de p0 para pt, enquanto a quantidade comercializada reduz-se de q0 para qt. O tributo causa uma perda de excedente do consumidor igual a área A+B e uma perda do excedente do produtor igual a área C+D. A receita obtida com o tributo é representada pela área A+C. A área B+D corresponde à perda de bem-estar da sociedade como um todo, decorrente da tributação. 35 Desde a criação da Aneel em dezembro de 1997 até o final de 2002, foram licitados e contratados 7.826 quilômetros de linhas de transmissão, somando cerca de R$ 4,1 bilhões em investimentos. 36 Participações privada e estatal da geração e transmissão conforme levantamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento. 43 O efeito da tributação sobre o bem-estar social P O+t O t pt p0 A B C D t D qt q0 Q Dado o caráter essencial da energia elétrica, seja como insumo ou como bem de consumo final, muitos países buscam minimizar a incidência de impostos sobre o setor elétrico. A carga tributária imposta ao setor elétrico numa amostra de cidades ao redor do mundo pesquisadas por Yamada (2002) é em média de 6,9%, como apresentado na próxima tabela. Tarifas de fornecimento residencial e tributação (US$/MWh) - 2002 País/Cidade Tarifa Tributos % Tributos 187,55 9,11 4,9% New York, NY 194,70 11,78 6,0% Chicago, IL 133,89 6,28 4,7% Dallas, TX 101,14 7,71 7,6% London 106,81 5,09 4,8% East Anglia (British Gas) 118,75 5,65 4,8% Suffolk (Eastern Energy) 98,17 4,67 4,8% Power Gen 92,00 4,38 4,8% Essen 141,79 19,56 13,8% Karlsruhe 134,13 18,50 13,8% 115,37 6,01 5,2% 129,48 8,98 6,9% JAPÃO Tóquio ESTADOS UNIDOS REINO UNIDO ALEMANHA FRANÇA Paris MÉDIA Fonte: Yamada (2002). Outra pesquisa conduzida pela Hydro Québec em 1998, para uma amostra de cidades no Canadá e nos Estados Unidos, indica uma carga tributária média sobre a tarifa de fornecimento de 9,3%. 44 Tarifas de fornecimento residencial e tributação (US$/MWh) - 1998 País/Cidade tarifa tributos % tributos Montreal, QC 48,49 4,21 8,7% Charlottetown, PE 70,43 6,58 9,3% 9,3% CANADÁ Edmonton, AB 56,18 5,25 Halifax, NS 75,53 6,57 8,7% Moncton, NB 68,82 5,98 8,7% Ottawa, ON 54,99 5,14 9,4% Regina SK 67,29 5,73 8,5% St. John's, NF 66,52 5,79 8,7% Toronto, ON 69,03 6,45 9,3% Vancouver, BC 47,16 4,28 9,1% Winnipeg, MB 48,00 4,12 8,6% Boston, MA 111,58 11,16 10,0% Chicago, IL 104,11 9,57 9,2% Detroit, MI 105,51 9,68 9,2% Houston, TX 84,33 8,35 9,9% Miami, FL 84,54 7,45 8,8% Nashville, TN 63,65 6,37 10,0% New York, NY 156,93 13,98 8,9% Portland, OR 62,74 6,16 9,8% 116,34 11,61 10,0% 41,22 4,12 10,0% 76,35 7,07 9,3% ESTADOS UNIDOS San Francisco, CA Seattle, WA MÉDIA Fonte: Hydro Québec (1998). A carga tributária que incide sobre o setor elétrico brasileiro é muito superior à prevalecente em outros países. O fato de que a energia é um bem essencial, tanto para os consumidores quanto com insumo para a produção, não parece sensibilizar o legislador brasileiro quanto à importância de manter baixo o nível de impostos sobre a energia elétrica. No total, esses tributos correspondem a 29,7% da receita do setor37, sendo que cerca de 2% dos tributos destinam-se aos municípios, 69% aos estados e 30% à União. Projeção da divisão dos tributos em 2003 R$ bilhões Municípios Estados União Total Fonte: ABRADEE percentual 0,3 1,5% 13,7 68,8% 5,9 29,6% 19,9 100,0% Esta questão da tributação é particularmente delicada pois o principal tributo que incide sobre o setor elétrico é o ICMS, que corresponde a mais de um quarto da tarifa de fornecimento. Entretanto, por ser a principal fonte de receita tributária dos estados, este é um tributo extremamente difícil de ser reduzido. Em 2002, o ICMS foi responsável por 87,2% da arrecadação nos estados38. Além disso, o ICMS é o principal tributo sobre o qual os estados dispõem de controle para aumentar a sua receita. Isso explica porque a arrecadação pelo ICMS tem aumentado nos últimos anos, apesar da guerra fiscal entre os estados: em 1998 a participação do ICMS na arrecadação dos estados era 1,6 pontos percentuais menor. 37 38 Fonte: ABRADEE. Secretaria da Receita Federal (2003). 45 Parcela do ICMS na tarifa de fornecimento 27,0% 26,0% 25,0% 24,0% 23,0% 22,0% 1996 1997 1998 1999 2000 Fonte: ABRADEE. Somente a incidência de ICMS sobre o setor elétrico corresponde a cerca de 9,4% do montante arrecadado pelos estados, sendo que, em alguns estados (como Rio de Janeiro) chega a atingir níveis próximos a 15%, como demonstra a próxima tabela. Parcela do ICMS oriundo do setor elétrico em cada estado (R$ mil de dezembro de 2002 corrigido pelo IGP-DI) UF Acre Arrecadação total Energia elétrica Participação 189.872 - 0,0% Amazonas 2.274.656 54.962 2,4% Pará 2.004.092 177.069 8,8% 0,0% Rondônia 715.728 - Roraima 144.757 10.900 7,5% Amapá 161.573 5.486 3,4% Tocantins 485.124 42.591 8,8% Total Norte 5.980.061 291.012 4,9% Maranhão 1.101.771 93.720 8,5% 635.836 58.690 9,2% Ceará 2.787.686 242.382 8,7% Rio Grande do Norte 1.185.197 91.958 7,8% Paraíba 1.081.754 94.638 8,7% Pernambuco 3.297.760 290.224 8,8% 797.207 36.131 4,5% Piauí Alagoas Sergipe 784.852 82.640 10,5% 5.993.087 493.598 8,2% Total Nordeste 17.666.971 1.483.986 8,4% Minas Gerais 11.123.404 1.361.327 12,2% Espírito Santo 2.781.521 285.710 10,3% Rio de Janeiro 12.192.798 1.752.199 14,4% São Paulo 43.396.277 3.269.464 7,5% Total Sudeste 69.494.000 6.668.696 9,6% Bahia Paraná 6.736.804 854.524 12,7% Santa Catarina 4.505.840 572.132 12,7% 8.648.564 887.103 10,3% 19.891.208 2.313.759 11,6% Rio Grande do Sul Total Sul 46 Distrito Federal 2.103.655 152.831 7,3% Goiás 3.519.570 382.645 10,9% Mato Grosso do Sul 2.170.285 161.794 7,5% Mato Grosso 1.542.438 53.112 3,4% Total Centro-Oeste 9.314.401 750.382 8,1% 122.346.642 11.507.835 9,4% Brasil Fonte: CONFAZ / BNDES (2003). As alíquotas de ICMS tendem a ser elevadas por pelo menos três razões importantes: • Primeiro, porque este é um imposto de fácil arrecadação e difícil sonegação. Mesmo quando há inadimplência por parte do consumidor, o Estado arrecada da distribuidora (inclusive quando o inadimplente é o próprio Estado). • Segundo, porque, em conjunto com o petróleo, o ICMS sobre energia elétrica é recolhido pelo estado consumidor e não pelo estado produtor, ao contrário do ICMS sobre os outros produtos, que é recolhido pelo estado produtor. Como resultado, a redução do ICMS sobre energia não pode ser utilizada diretamente como instrumento de guerra fiscal entre os estados, pois o ICMS teria que ser reduzido para todos os produtores. Em conseqüência, a alíquota do ICMS sobre energia acaba sendo utilizado como compensação nesta disputa. O estado reduz o ICMS sobre o bem final cuja produção deseja atrair e aumenta o imposto sobre energia, para compensar a perda de receita do incentivo fiscal concedido. • Terceiro, porque é uma fonte de recursos relativamente estável mesmo em períodos de recessão. Esta prática está em total desacordo com a melhor prática tributária. Teoricamente, a melhor estrutura tributária é aquela que tributa os bens de consumo final. A tributação de fatores de produção, como a eletricidade, é uma péssima forma de arrecadação, pois ela encarece os insumos usados pelos produtores reduzindo a produção e, conseqüentemente, a geração de riqueza. A estrutura tributária brasileira atual decorre do fato de que o critério preponderante na definição dos tributos é o combate à sonegação e à evasão fiscal. Por isso, a estrutura tributária brasileira é pouco eficiente e proporciona um desafio adicional ao desenvolvimento econômico do país. Infelizmente, um aprimoramento significativo do sistema tributário brasileiro provavelmente demandará um prazo longo, com os avanços no curto prazo sendo provavelmente graduais. Sem a quebra da rigidez do gasto público imposta pelos gastos vinculativos constitucionais, torna-se muito difícil eliminar os impostos mais ineficientes. A queda de receita com a eliminação desses tributos implicaria a volta da instabilidade macroeconômica, pois a arrecadação seria insuficiente para cobrir sequer as despesas obrigatórias dos governos, hoje na casa dos 33% do PIB. A reforma tributária em tramitação no Congresso limita-se a uma melhoria do ICMS, mediante a eliminação do caos das 27 legislações estaduais e das inúmeras de alíquotas explícitas ou implícitas do tributo. Entretanto, ela cria um importante espaço para a busca de redução das alíquotas de ICMS sobre energia. Pela reforma, o Senado Federal definirá cinco níveis de alíquotas que serão efetivas para todo o território nacional, e o CONFAZ (Conselho de Secretários de Fazenda dos Estados) deverá definir os produtos que estarão sujeitos a cada alíquota. É neste segundo momento, na definição de que produtos deverão estar sujeitos a que alíquotas, que se pode conseguir uma redução da carga tributária sobre a energia elétrica. O ponto importante é conseguir convencer a população e os governantes de que energia é um bem essencial, que deve ser universalizado e cujo custo é fundamental para a composição do orçamento familiar, além de ser um importante componente de custo para todos os bens finais. Desta forma, a energia deveria ser tratada como um bem essencial, justificando que ela seja enquadrada entre aqueles produtos com baixas alíquotas de impostos, compensando a diferença em outros bens finais. Esta é uma condição essencial para a universalização do serviço, além de aumentar a competitividade da economia brasileira. 47 2.5 Princípios para a definição de uma estrutura tarifária A estrutura tarifária se refere à forma pela qual os custos totais incorridos no provimento de bens e serviços são repartidos entre consumidores. Três princípios fundamentais orientam a definição da estrutura tarifária ótima: (i) Neutralidade; (ii) Igualdade; e (iii) Eficiência. O princípio da neutralidade se refere a quão bem as tarifas refletem os custos do bem ou serviço ofertado. O princípio da igualdade considera se as tarifas são iguais para consumidores com características de consumo semelhantes. O princípio da eficiência refere-se à sinalização que as tarifas proporcionam para induzir os consumidores a racionalizarem o seu consumo, de modo que os investimentos requeridos para se atender à demanda sejam minimizados. Felizmente, esses três objetivos não são conflitantes. Podem ser simultaneamente satisfeitos adotando-se uma estrutura tarifária que reflita os custos marginais de produção e transporte de energia elétrica. Os custos marginais são os custos adicionais requeridos para se fornecer mais energia elétrica a um determinado consumidor ou, alternativamente, os custos que seriam evitados caso um determinado consumidor reduzisse a sua demanda de energia elétrica. Uma estrutura tarifária baseada em custos marginais reflete de forma fidedigna o efeito que alterações no padrão de consumo tem sobre o custo total do sistema, o que proporciona ao consumidor a informação necessária para a tomada de decisão de consumo que propicia a maximização do bem-estar social. A determinação dos custos marginais associados ao fornecimento de energia elétrica a cada consumidor não é uma tarefa fácil, pois o fornecimento é realizado de forma integrada por uma infra-estrutura compartilhada. Geralmente, há custos associados ao fornecimento de energia elétrica que, apesar de indispensáveis, não podem ser diretamente atribuídos a um determinado grupo de consumidores ou a um serviço específico prestado. Nesses casos é necessário adotar alguma forma de rateio desses custos. É preciso reconhecer, portanto, que a definição de uma estrutura tarifária sempre envolve um certo grau de arbitrariedade. O importante é definir critérios razoáveis e aplicá-los de forma consistente. Uma opção é alocar esse resíduo (custos que não podem ser diretamente atribuídos aos consumidores) na mesma proporção que os custos marginais mensuráveis39. A estrutura tarifária pode ser desenhada de forma a refletir somente o custo marginal de curto prazo. Essa estrutura teria a vantagem de ser baseada somente nos custos correntes mensuráveis. Porém, ela resultaria numa trajetória de preços muito volátil no tempo, como ilustrado no próximo gráfico. Outra alternativa é basear a estrutura tarifária nos custos marginais de curto e longo prazos. O custo marginal de longo prazo reflete o custo estimado de expansão do sistema. Acrescentando o componente de custo marginal de longo prazo suaviza-se a trajetória dos preços ao longo do tempo. Assim, os custos associados aos investimentos para a ampliação da capacidade do sistema, que ocorrem de forma descontínua, podem ser distribuídos no tempo, eliminando-se os picos, correspondentes aos intervalos a, b e d no próximo gráfico, que ocorreriam caso a tarifa fosse baseada unicamente no custo marginal de curto prazo. Nesses intervalos o custo marginal aumenta significativamente por causa dos custos associados aos investimentos na expansão do sistema. 39 Bonbright (1961). 48 Custo total e custo marginal de um sistema elétrico em expansão Fonte: DNAEE (1985). Alguns desvios dos custos marginais são necessários para que a receita total seja suficiente para recuperar o custo total das empresas. Como os custos do setor apresentam ganhos de escala e escopo, os custos marginais freqüentemente são menores que o custo médio das empresas. Logo, as tarifas baseadas em custos marginais precisam ser complementadas para recuperar os custos fixos das empresas. Esse déficit geralmente é recuperado adotando-se tarifas com duas partes, uma parte fixa que cobre os custos fixos da empresa e uma parte que depende do consumo de energia pelo consumidor40. Na prática, entretanto, a estrutura tarifária implementada pelas empresas raramente reflete plenamente seus custos marginais. Apesar do conceito de tarifas baseadas em custos marginais já ser discutido em meios acadêmicos (liderados por Dupuit e Hotelling) desde a década de 1930, a primeira empresa de energia elétrica a adotar uma estrutura tarifária baseada em custos marginais foi a Electricité de France (EDF) em 1957.41 Isso se deve a uma restrição com a qual as empresas se defrontam: a necessidade de minimizar a complexidade das tarifas. Os custos de implementação, medição e cobrança da estrutura tarifária ótima freqüentemente são proibitivos. Essa restrição torna necessária a simplificação da estrutura tarifária para se reduzir os custos de operacionalização das tarifas. Além desses desvios dos custos marginais apresentados acima, a estrutura tarifária muitas vezes é ajustada para atender demandas de ordem social, política ou financeira. 2.6 As características básicas de uma estrutura tarifária ótima Para se definir a estrutura tarifária ótima é necessário levar em conta as características do sistema elétrico e identificar quais são os principais determinantes dos custos do sistema na margem. Precisa-se identificar os principais aspectos responsáveis pela alteração dos custos operacionais (o custo marginal de curto prazo) e as principais restrições do sistema para os quais investimentos adicionais (o custo marginal de longo prazo) seriam necessários para comportar o crescimento da demanda. A estrutura tarifária deve ser concebida considerando-se cada uma dessas dimensões de custo. 40 41 São chamadas de tarifas binomiais, que incluem uma cobrança fixa por capacidade requerida (demanda de potência, kW), além da cobrança por consumo (demanda de energia, kWh). Nelson, J. R. (1963). 49 2.6.1 As características do sistema elétrico brasileiro O parque gerador brasileiro é predominantemente hidrelétrico. Mais de 90% da eletricidade consumida no Brasil é gerada por hidrelétricas. Essas hidrelétricas freqüentemente estão localizadas longe dos centros de carga, requerendo linhas de transmissão de alta tensão para transportar a energia. Conseqüentemente, a rede de transmissão brasileira apresenta uma proporção mais elevada de linhas de alta tensão de longa extensão que outros sistemas elétricos, nos quais o parque gerador é dominado por termelétricas relativamente próximas aos centros de carga. Isso significa que a rede de transmissão é um fator de restrição muito relevante na determinação do custo marginal de operação do sistema elétrico brasileiro. A capacidade de geração de uma hidrelétrica depende de três fatores: a potência instalada, a energia natural afluente e o volume de energia armazenada. O primeiro fator refere-se à capacidade das turbinas e geradores instalados na usina, o segundo fator depende do regime fluvial do rio no qual a usina se encontra, e o terceiro da quantidade de água armazenada no(s) reservatório(s) a montante da hidrelétrica. As hidrelétricas geralmente são dimensionadas com uma potência instalada elevada com relação à energia afluente para permitir que a usina seja operada com mais flexibilidade.42 Assim, a potência instalada do parque gerador não é um fator limitante na maior parte do tempo. A principal limitação de uma hidrelétrica é a disponibilidade de água a montante das turbinas, que depende do regime fluvial do rio, que, por sua vez, pode ser alterado através de reservatórios. O uso de reservatórios permite a suavização do regime fluvial ao longo do tempo. O sistema elétrico brasileiro é dotado de reservatórios de grande porte, que permitem a suavização do fluxo de água dos rios, não só ao longo do período seco e úmido do ano, mas, também, de um ano para o outro. Em outras palavras, os reservatórios permitem a regularização completa do componente sazonal e uma suavização parcial do componente aleatório. Para exemplificar a magnitude dos reservatórios brasileiros, apresenta-se na próxima figura uma simulação do volume armazenado no reservatório de Furnas entre 1931 e 2001. O reservatório de Furnas é o quarto maior do Brasil, com um volume útil de 17.217 hm3. Normalmente, somente cerca de um quarto do volume útil do reservatório de Furnas tem sido utilizado para regularizar a oferta de energia ao longo do ciclo fluvial anual, tendo o volume de armazenamento remanescente do reservatório servido para situações excepcionais, como, por exemplo, vários anos seguidos de hidrologia desfavorável (como no período de 1952 a 1956). Simulação histórica do nível do reservatório de Furnas (1931-2001) Essas características implicam que o custo marginal de curto prazo de geração de energia elétrica não varia muito ao longo do dia, como ocorre em sistemas de predominância termelétrica, nos quais o pico de demanda precisa ser atendido por usinas termelétricas de custo operacional maior. Dados os grandes reservatórios do parque gerador brasileiro, a sazonalidade do regime fluvial ao longo do ano também não altera significativamente o custo marginal de curto prazo de geração de energia elétrica (desde que não seja um ano de hidrologia muito adversa). O custo marginal de curto prazo de geração pode, no entanto, permanecer por grandes e prolongados períodos em patamares elevados quando ocorre 42 O parque gerador hidrelétrico brasileiro tipicamente opera com um fator carga em torno de 50%, conforme Araújo, J. L. (2001). 50 uma seqüência de anos de hidrologia adversa. De modo semelhante, quando a demanda aproxima-se ou supera a capacidade de oferta de energia assegurada, o custo marginal de curto prazo eleva-se, pois se passa a incorrer nos custos de expansão do sistema. Em suma, o parque gerador brasileiro não é limitado pela sua capacidade instalada (potência) e, sim, pela energia disponível (energia afluente). 2.6.2 Uma estrutura tarifária ótima para o sistema brasileiro Dadas as características do sistema elétrico brasileiro, o preço de geração de energia elétrica não requer, em condições normais, uma diferenciação horosazonal muito significativa em condições normais. Porém, essas condições podem ser alteradas subitamente por contingências nas redes de transmissão ou distribuição ou nas usinas geradoras. No médio prazo, o custo marginal pode ser alterado pelas condições hidrológicas. E, no longo prazo, o custo marginal pode ser alterado à medida que a carga aumenta, ocasionando um desequilíbrio entre a capacidade da oferta de energia assegurada e a demanda. Isso significa que o custo marginal de geração de energia elétrica não apresenta um padrão de variação horosazonal previsível. Assim, o custo marginal de geração não pode ser muito bem representado por tarifas horosazonais. Em contraste com o que ocorre com o parque gerador, a transmissão e distribuição são limitadas pela capacidade. As redes de transmissão e distribuição são utilizadas próximas de seu limite diariamente quando a carga atinge o seu pico diário. Nesses momentos o custo marginal de curto prazo das redes de transmissão e distribuição eleva-se acentuadamente. No período seco, os limites das redes de transmissão e distribuição são ainda mais restritivos porque o sistema é operado de forma atípica, isto é, o despacho das usinas hidrelétricas precisa ser alterado para lidar com as condições hidrológicas, aumentando a geração das hidrelétricas que apresentam um volume maior de energia armazenada e reduzindo a geração das hidrelétricas com um volume menor de energia armazenada. Isso significa que as tarifas de transmissão e distribuição são melhor representadas por tarifas horosazonais distintas. Outro fator relevante na determinação das tarifas é o perfil de consumo de cada classe de consumo. A tipologia da carga de cada consumidor, a diversidade de carga entre os usuários da mesma classe e a quantidade de energia reativa demandada são outros fatores muito importantes na determinação do custo marginal do sistema para atender cada classe de consumo. Uma curva de carga que apresenta grandes variações no nível de consumo ao longo do dia requer investimentos maiores para atender a demanda de potência requerida pela classe de consumo. Uma classe de consumo com curvas de carga diversificadas, isto é, em que os picos de demanda dos consumidores não coincidem na mesma hora, apresenta uma demanda de potência menor do que se todos tivessem um perfil de consumo idêntico. A próxima figura apresenta a tipologia de carga agregada cumulativa para cada nível de tensão: alta tensão (AT), média tensão (MT) e baixa tensão (BT). A carga plana na alta tensão implica custos menores para o sistema do que uma carga da mesma magnitude com a tipologia de carga semelhante a da média e baixa tensões, que apresentam uma variabilidade maior. 51 A composição da curva de carga do sistema elétrico brasileiro Fonte: DNAEE (1985). Finalmente, alguns equipamentos, como motores industriais ou instalações e máquinas com grandes transformadores, requerem uma elevada quantia de energia reativa. Para manter a estabilidade da corrente elétrica é necessário uma potência maior ou a instalação de capacitores para lidar com essas grandes demandas de energia reativa, o que acarreta custos adicionais. 2.7 Preço médio versus preço marginal As tarifas de energia no Brasil sempre foram baseadas no custo médio de geração no passado. Cada usina de serviço público era remunerada pelo seu custo de serviço e o componente referente à geração das tarifas de fornecimento era baseado no custo médio de geração total do sistema interligado (e, de certo modo, dos sistemas isolados também, já que o combustível das usinas termelétricas dos sistemas isolados é subsidiado pela Conta Consumo de Combustível cobrada de todos os consumidores). No modelo vigente, que estava em processo de implementação no governo passado, toda a energia seria comercializada ao preço de mercado. Esse preço tenderia a convergir no longo prazo para o custo marginal de expansão do sistema. Isso facilitaria a concorrência, ao possibilitar que toda a energia fosse vendida ao mesmo preço, permitindo uma concorrência direta entre todos os geradores. A renda inframarginal, decorrente das usinas que dispõem de custos abaixo do custo marginal de longo prazo, seria apropriada pelo poder concedente nos leilões de concessões. No caso das hidrelétricas, essa renda seria retirada através do pagamento da Taxa de Uso de Bem Público. Além disso, como discutido na seção anterior, o custo marginal proporciona a sinalização correta para a tomada de decisões dos agentes. O custo marginal de expansão reflete o custo de aumentar a produção de energia. O custo de geração médio é menor do que o custo marginal de expansão, pois os potenciais hidrelétricos mais econômicos são explorados primeiro, de forma que o custo das novas usinas se torna maior do que o das já instaladas. Ao definir a tarifa de fornecimento de energia com base no custo médio da geração, os consumidores não tomam conhecimento do verdadeiro custo do aumento ou da redução do seu consumo de energia elétrica. Isso distorce as suas decisões de ampliação do consumo e de opções de fontes energéticas no longo prazo. Com a suspensão do programa de privatizações das geradoras, a extração da renda inframarginal das estatais ficou comprometida, pois não havia um mecanismo previsto para tal. Isso prejudicava a concorrência entre os agentes, pois as estatais detinham os potenciais hidráulicos mais rentáveis e detinham amplo poder de mercado. Para mitigar esse problema foram instituídos os leilões de energia de serviço público federal para comercializar essa energia de forma neutra e transparente. Outra dificuldade na transição para o novo modelo foi a previsão do custo marginal de longo prazo do sistema. As distribuidoras temiam fechar contratos bilaterais dado a incerteza quanto a possibilidade de se 52 repassar esses custos para os seus consumidores. Também se preocupavam com o repasse de energia contratada de empresas do mesmo grupo econômico da distribuidora a preços elevados. Para reduzir essa insegurança, a Aneel criou o Valor Normativo (valor máximo para o preço da energia contratada livremente pelos agentes que poderia ser repassada para os clientes cativos). Com isso a Aneel pretendia ancorar as expectativas e facilitar a livre contratação. No entanto, esse instrumento tornou-se mais uma fonte de incerteza para os investidores. A regulamentação do Valor Normativo (VN) e de seus critérios de indexação foi alterada diversas vezes, ampliando as incertezas dos investidores. Na revitalização do modelo esse problema seria sanado através da instituição de leilões de compra e venda de energia. Uma das diretrizes do Ministério de Minas e Energia para o setor elétrico foi a volta à definição dos preços de energia com base no custo médio. A vantagem da adoção do custo médio sobre o custo marginal é a modicidade tarifária. O custo de geração médio é menor do que o custo marginal de expansão, pois os potenciais hidrelétricos mais econômicos são explorados primeiro, de forma que o custo das novas usinas se torna maior do que o das já instaladas. A desvantagem é a sinalização de preços proporcionada pelos custos médios. Além disso, essa proposta prejudica a concorrência e os investidores privados que já investiram no setor, adquirindo ou instalando novas usinas hidrelétricas a título de concessão onerosa ou instalando usinas termelétricas (produtores independentes). Na verdade a modicidade tarifária é um falso benefício do modelo proposto, pois o custo do sistema é igual, independente da forma adotada para definir a tarifa. Quase toda a diferença entre as tarifas baseadas no custo marginal e as tarifas baseadas no custo médio é compensada pela arrecadação da tarifa de uso de bem público, obtida nos leilões dos aproveitamentos hidrelétricos. Se essas receitas fossem utilizadas para abater o preço final da tarifa de fornecimento, o nível da tarifa de energia seria muito próximo ao existente adotando-se o custo médio. O preço marginal tem a vantagem, entretanto, de sinalizar melhor o custo de alterações do consumo de energia elétrica na margem e de facilitar a concorrência na geração ao levar todas as geradoras a concorrerem umas com as outras (com a exceção das fontes de energia alternativa que ainda não são competitivas). Na medida em que a motivação para a modicidade tarifária é proteger os consumidores de baixa renda, seria melhor implementar políticas distributivas que beneficiariam somente os mais pobres em vez de subsídios generalizados para o setor. Uma alternativa para promover a modicidade tarifária seria ratear a energia estatal entre todos os agentes do setor (a exemplo do que ocorre com a energia de Itaipu) ao seu custo médio, permitindo que a energia dos produtores independentes e a expansão do sistema fosse vendida ao preço de mercado. Assim, os agentes que já realizaram investimentos não seriam prejudicados e promover-se-ia a modicidade tarifária. 2.8 Concorrência na comercialização A melhor solução para mitigar o risco de contratação de energia a preços elevados seria o acirramento da concorrência no segmento de comercialização da energia. Para isso é fundamental o estímulo aos consumidores livres. Os consumidores cativos seriam beneficiados pela concorrência na comercialização desde que não fosse permitida uma discriminação no preço do componente energia das tarifas dos consumidores livres e cativos. Isso aumentaria a elasticidade-preço da demanda pela energia ofertada pelas distribuidoras, induzindo-as à contratação de energia elétrica ao menor custo. Ressaltamos que é imprescindível que a TUSD seja absolutamente neutra para que possa haver concorrência em termos de igualdade na comercialização. No modelo proposto pelo MME, a comercialização livre seria marginalizada com a maior parte da energia sendo intermediada pelo Administrador de Contratos de Energia Elétrica. Essa centralização prejudicaria a participação de produtores independentes e comercializadores, pois reduziria a liquidez do mercado ao ponto de inviabilizá-lo, deixando os produtores independentes com investimentos encalhados. Uma forma de incorporar as usinas dos produtores independentes seria permitir que eles participassem das “licitações de parcela do consumo de energia previsto” concorrendo com as novas usinas de geração. Se a energia das estatais fosse comercializada de forma neutra ou rateada, como sugerido na seção anterior, o ambiente de livre contratação seria preservado, criando condições de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos produtores independentes atuais e promovendo a concorrência no setor. A figura dos comercializadores também seria preservada nesse caso, permitindo uma contestação da atuação do Administrador de Contratos de Energia Elétrica. 53 Referências Aneel (2002). Nota Técnica no 036/2002/SRD/SRE/Aneel. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica. Aneel (2003). Nota Técnica no 083/2003-SRE/SRD/Aneel. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica. Araújo, J. L. (2001). A Questão do Investimento no Setor Elétrico Brasileiro: Reforma e Crise. Nova Economia 11(1): 77-96. BNDES (2003). Termômetro do ICMS Setorial. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. (Disponível na internet: http://federativo.bndes.gov.br/Destaques/termosem.htm) Bonbright, J. C. (1963). Fully Distributed Costs in Utility Rate Making. American Economic Review 51(2): 305-12. Coopers & Lybrand (1997). Working Paper B9: Metodologia de tarifação de transmissão e distribuição. Rio de Janeiro: Eletrobras. DNAEE (1985). Nova Tarifa de Energia Elétrica: metodologia e aplicação. Brasília: Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica. Hydro Québec (1998). Comparison of Electricity Prices in Major North American Cities. Montreal: Hydro Québec. Kelman, J. (coord.) (2001). Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica. Câmara de Gestão da Crise de Energética: 21 de julho de 2001. Nelson, J. R. (1963). Pratical Applications of Marginal Cost Pricing in The Public Utility Field. American Economic Review 53(2): 474-81. Secretaria da Receita Federal (2003). Carga Tributária no Brasil – 2002. Brasília: Ministério da Fazenda. Yamada, T. (2002). International Comparison of Electric Service Tariffs. Tokyo: Institute of Energy Economics, Japan. 54 Anexo I – Evolução dos custos gerenciáveis e não gerenciáveis das distribuidoras Os dados seguintes foram extraídos de documentos da Aneel referentes às revisões tarifárias de 13 distribuidoras ocorridas até o momento em que esse documento foi elaborado. Compreendem as principais distribuidoras em operação no país. Parcela A (% da receita) Distribuidora Abr/97 - Mar/98 Abr/98 - Mar/99 Abr/99 - Mar/00 Abr/00 - Mar/01 Abr/01 - Mar/02 AES Sul Celpa (1) 56,60% 54,88% 56,72% 63,18% 63,75% - - 42,57% 44,39% 49,47% Cemat 46,78% 50,16% 46,34% 53,32% 54,19% Cemig 45,04% 37,98% 38,08% 49,07% 48,96% Coelba 41,14% 41,11% 40,11% 46,04% 47,14% 40,36% 61,79% 40,26% 54,30% Coelce Cosern 41,68% 69,38% 41,61% 59,25% 60,78% CPFL 68,77% 47,19% 52,42% 50,48% 51,76% Elektro (1) - - 59,88% 61,93% 75,56% Eletropaulo (2) - 55,92% 57,35% 61,63% 74,83% Energipe 46,84% 47,23% 49,75% 64,50% 65,84% Enersul 45,87% 46,24% 47,26% 61,11% 61,82% RGE Média ponderada pelo tamanho do mercado das distribuidoras (1) Período considerado: Agosto a Julho (2) Período considerado: Julho a Junho Fonte: Aneel 53,47% 55,06% 54,44% 60,09% 62,00% 46,33% 48,33% 49,54% 54,62% 61,96% Participação no mercado da amostra de 13 empresas com revisão tarifária já ocorrida Distribuidora Abr/97 - Mar/98 Abr/98 - Mar/99 Abr/99 - Mar/00 Abr/00 - Mar/01 Abr/01 - Mar/02 7,55% 5,14% 4,85% 4,90% 5,51% - - 2,58% 2,59% 2,76% Cemat 3,07% 2,22% 2,04% 2,15% 2,26% Cemig 44,27% 28,23% 25,13% 25,32% 25,44% Coelba 10,66% 7,27% 6,33% 6,58% 6,20% Coelce - 4,40% 4,01% 4,01% 3,97% AES Sul Celpa Cosern CPFL 2,93% 2,10% 1,89% 1,87% 1,90% 22,65% 14,92% 13,52% 13,57% 13,60% Elektro - - 7,63% 7,38% 7,34% Eletropaulo - 28,29% 25,31% 24,72% 23,32% Energipe 1,89% 1,35% 1,20% 1,20% 1,23% Enersul 3,08% 2,01% 1,81% 1,87% 2,04% RGE 3,90% 4,06% 3,71% 3,83% 4,43% Total (13 empresas) 100,00% Fonte: Aneel. Elaboração: Tendências. 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% Evolução da participação das Parcelas A e B nas receitas de fornecimento das distribuidoras Parcela A Parcela B 1998 46,3% 53,7% 1999 48,3% 51,7% 2000 49,5% 50,5% 2001 54,6% 45,4% 2002 Fonte: Aneel. Elaboração: Tendências. 62,0% 38,0% 55 Esses dados permitem fazer um exercício visando recalcular os custos gerenciáveis e não-gerenciáveis das distribuidoras, considerando os impostos incidentes sobre a parcela B como custos não-gerenciáveis. Para o cálculo desses impostos, considerou-se a carga tributária do setor estimada pela ABRADEE, de 29,7%. Assim, para a amostra de 13 concessionárias acima consideradas, temos a seguinte evolução de custos43. 1998 Evolução da participação dos custos gerenciáveis e não-gerenciáveis, incluindo todos os impostos, nas receitas de fornecimento das distribuidoras Impostos incidentes Total de custos não Total de custos Parcela A Parcela B sobre a Parcela B gerenciáveis (Parcela gerenciáveis (Parcela A + impostos sobre B) B – impostos sobre B) 46,3% 53,7% 15,94% 62,3% 37,7% 1999 48,3% 51,7% 15,35% 63,7% 36,3% 2000 49,5% 50,5% 14,99% 64,5% 35,5% 2001 54,6% 45,4% 13,48% 68,1% 31,9% 2002 62,0% 38,0% 11,30% 73,3% 26,7% Fonte: Aneel e ABRADEE. Elaboração: Tendências. 43 Nos cálculos, os impostos incidentes sobre a Parcela B foram excluídos dessa parcela e somados à Parcela A para se obter o total efetivo de custos não-gerenciáveis. 56 Sumário executivo Neste capítulo examinamos a estrutura tarifária do setor elétrico brasileiro. Avaliamos o nível das tarifas como um todo e em seguida analisamos os componentes de custos envolvidos e sua alocação entre as diversas classes de consumo. A estrutura tarifária brasileira As tarifas de fornecimento hoje vigentes mantêm, com pequenas alterações, a mesma estrutura introduzida na década de 80. Os consumidores do Grupo A (consumidores conectados à rede em alta tensão) são tarifados por uma das seguintes tarifas: Azul, Verde ou Convencional. Essas tarifas requerem que os consumidores contratem o nível de demanda de potência. Já as tarifas do grupo B (consumidores de baixa tensão) são cobradas somente pela sua demanda de energia. Adicionalmente, as tarifas são discriminadas por classe de consumo. As principais são: (i) residencial; (ii) comercial; (iii) industrial; (iv) consumidor livre; e (v) serviço público. A Aneel está conduzindo um processo de abertura das tarifas de fornecimento, separando cada um dos seus componentes: (i) tarifa de energia, (ii) tarifa de conexão à rede de transmissão, (iii) tarifa de uso do sistema de transmissão, (iv) tarifa de conexão à rede de distribuição e (v) tarifa de uso da rede de distribuição. A definição correta do custo de cada componente, principalmente dos custos associados à distribuição, é essencial para promover a concorrência na comercialização de energia elétrica em condições de igualdade. Tarifas no Brasil e no mundo As tarifas residenciais de fornecimento brasileiras são baixas se comparadas às vigentes em outros países, mas quando se leva em consideração a renda per capita, são compatíveis com a baixa renda do país. As tarifas industriais são relativamente mais baixas que nos países desenvolvidos e nas principais economias emergentes da América Latina, sobretudo para os setores eletrointensivos. Na avaliação da Aneel, há subsídio cruzado entre as tarifas residenciais e comerciais em benefício das indústrias. Evolução recente Entre 1995 e 2002, a tarifa média de fornecimento de energia elétrica aumentou 140% em termos nominais e a residencial 175%. Em termos reais, deflacionando pelo IGP-M, a tarifa média aumentou 20,7% nesse período. O aumento real das tarifas está diretamente relacionado ao aumento do componente de custos não-gerenciáveis (Parcela A) das distribuidoras. Entre 1997 e 2002, a Parcela A de uma amostra de nove empresas apresentou um aumento real de 15,4% Os principais responsáveis pela elevação da Parcela A foram a energia de Itaipu, que é indexada ao dólar, e os encargos de conexão e uso do sistema de transmissão, sistema que sofreu uma ampla expansão nos últimos anos. Os custos gerenciáveis das distribuidoras (Parcela B) sofreram reajustes muito menores. Entre 1997 e 2002, a Parcela B de uma amostra de nove distribuidoras teve uma redução em termos reais de 24,5%. Isto significa que o aumento das tarifas foi apropriado sobretudo pelas empresas geradoras e empresas transmissoras, em sua maioria estatais, e pelo governo através dos tributos. A tarifa de fornecimento e os tributos A carga tributária que incide sobre o setor elétrico brasileiro é muito superior à prevalecente em outros países. Os tributos correspondem no total a cerca de 30% da tarifa de fornecimento, sendo que o principal tributo é o ICMS. Somente a incidência de ICMS sobre o setor elétrico corresponde a 9,4% do montante de ICMS arrecadado pelos estados. Teoricamente, a melhor estrutura tributária é aquela que tributa os bens de consumo final. A tributação de fatores de produção encarece os insumos usados pelos produtores, reduzindo a produção e, conseqüentemente, a geração de riqueza. Além disso, a energia deveria ser tratada como um bem essencial, enquadrada entre aqueles produtos com baixas alíquotas de impostos. Esta seria uma condição essencial para a universalização do serviço, além de aumentar a competitividade da economia brasileira. Princípios de uma estrutura tarifária A estrutura tarifária se refere à forma pela qual os custos totais incorridos no provimento de bens e serviços são repartidos entre consumidores. Três princípios fundamentais orientam a definição da estrutura tarifária ótima: (i) neutralidade, que se refere a quão bem as tarifas refletem os custos do bem ou serviço ofertado; (ii) igualdade, que considera tarifas iguais para consumidores com características de consumo semelhantes; e 57 (iii) eficiência, que se refere à sinalização que as tarifas proporcionam para induzir os consumidores a racionalizar o seu consumo. Uma estrutura tarifária ótima Para se definir a estrutura tarifária ótima é necessário levar em conta as características do sistema elétrico e identificar quais são os principais determinantes dos custos do sistema na margem. É necessário identificar os principais aspectos responsáveis pela alteração dos custos operacionais (o custo marginal de curto prazo) e as principais restrições do sistema para os investimentos adicionais necessários para comportar o crescimento da demanda (o custo marginal de longo prazo). Como o parque gerador brasileiro não é limitado pela sua capacidade instalada (potência) e sim pela energia disponível (energia afluente), o preço da geração de energia elétrica não requer, em condições normais, uma diferenciação horosazonal muito significativa, com o custo marginal não apresentando padrão de variação horosazonal previsível. Como a transmissão e a distribuição estão limitadas pela sua capacidade, as tarifas destas devem levar em conta fatores horosazonais. Essas condições podem ser alteradas por contingências nas redes de transmissão ou distribuição ou nas usinas geradoras. No médio prazo o custo marginal pode ser alterado pelas condições hidrológicas. E no longo prazo o custo marginal pode ser alterado à medida que a carga aumenta, ocasionando um desequilíbrio entre a capacidade de oferta de energia assegurada e a demanda. Outros fatores relevantes da determinação das tarifas referem-se ao perfil de consumo de cada classe de consumo e à demanda de energia reativa para os quais são necessárias maior potência ou a instalação de capacitores, o que acarreta custos adicionais. Preço médio versus preço marginal O custo marginal de expansão do setor elétrico brasileiro tende a ser crescente porque os potenciais hidrelétricos mais econômicos tendem a ser desenvolvidos primeiro. No Brasil a energia tradicionalmente foi vendida ao preço médio. À luz da teoria econômica, o custo marginal de expansão proporciona uma sinalização melhor aos agentes, pois ela reflete o custo de expandir ou reduzir o consumo total de energia elétrica. Concorrência na comercialização A melhor forma de prevenir a prática da contratação de energia a preços elevados é o acirramento da concorrência na comercialização. Destaca-se aqui a importância dos consumidores livres na promoção dessa concorrência. Uma forma de manter a concorrência na comercialização no novo modelo seria ratear a energia estatal ou comercializar a energia estatal separadamente de forma neutra e permitir concorrência entre os produtores independentes e os ofertantes de energia nova. Isso proporcionaria côndições de manutenção do equilíbrio econômicofinanceiro dos produtores indepen-dentes atuais e promoveria a concorrência no setor.♦♦ 58 3. A SITUAÇÃO FINANCEIRA DAS DISTRIBUIDORAS O objetivo deste capítulo é analisar a situação financeira das distribuidoras de energia elétrica de maneira agregada, mensurando o impacto financeiro conjunto das dificuldades enfrentadas pelas empresas do setor. O estudo não tem por objetivo englobar a totalidade das empresas, sendo focado em um subconjunto de empresas que representam cerca de dois terços do mercado de distribuição de energia. Optou-se, neste trabalho, por analisar com detalhes apenas as distribuidoras, pois há menor disponibilidade de dados públicos para as geradoras. Isto não significa que a situação das geradoras também não mereça atenção ou não seja igualmente importante. 3.1 Amostra de Empresas A tabela abaixo mostra as 20 maiores distribuidoras de energia elétrica por participação no mercado brasileiro. Este grupo atende 83,1% do mercado brasileiro de distribuição. Empresa Distribuição de Energia Elétrica – 20 maiores concessionárias Participação de mercado 31/3/2003 (%) CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais Participação acumulada (%) 10,5 10,5 ELETROPAULO Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A 9,8 20,2 CPFL Paulista Companhia Paulista de Força e Luz 9,7 29,9 LIGHT Light Serviços de Eletricidade S/A. 5,9 35,8 COPEL Companhia Paranaense de Energia 5,3 41,1 ELETRONORTE Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A 4,8 45,9 CELESC Centrais Elétricas Santa Catarina S/A 3,9 49,8 COELBA Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia 3,2 53,0 ELEKTRO Elektro Eletricidade e Serviços S/A. 3,1 56,1 BANDEIRANTE Energia S/A. 3,0 59,1 CPFL Companhia Piratininga de Força e Luz 3,0 62,1 EEVP Empresa de Eletricidade Vale Paranapanema S/A 2,8 64,9 CERJ Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro 2,7 67,6 CAIUÁ Serviços de Eletricidade S/A 2,6 70,3 ESCELSA Espírito Santo Centrais Elétricas S/A. 2,6 72,8 CHESF Companhia Hidro Elétrica do São Francisco 2,2 75,0 AES-SUL Distribuidora Gaúcha de Energia S/A. 2,2 77,2 CELPE Companhia Energética de Pernambuco 2,1 79,3 CELG Companhia Energética de Goiás 2,0 CEEE Companhia Estadual de Energia Elétrica 1,8 Fonte: Aneel, 2003, “Participações Percentuais no Mercado de Distribuição - Referência: abril/2002 a março/2003” 81,3 83,1 Dentre as empresas listadas acima escolhemos 12 companhias para a análise financeira. A escolha foi balizada por critérios de participação de mercado, característica do sócio controlador e importância estratégica. Estas empresas estão listadas a seguir. Juntas correspondem a 61,7 % do mercado de energia elétrica, com R$ 38,1 bilhões de faturamento bruto e 180.980.593 MWh fornecidos em 2002. Entre as companhias encontramos três estatais, CEMIG, CELESC e COPEL, sendo as demais empresas privadas. Das nove empresas privadas da lista, oito foram privatizadas no processo de desestatização recente e uma, a Caiuá, controla empresas recentemente privatizadas. 59 Empresas incluídas na análise financeira Participação de Participação mercado 31/3/2003 acumulada (%) (%) Empresa CEMIG AES ELETROPAULO Metropolitana Tipo de Empresa 10,5 10,5 Economia mista 9,8 20,2 Privada CPFL 9,7 29,9 Privada LIGHT 5,9 35,8 Privada COPEL 5,3 41,1 Economia mista CELESC 3,9 45,0 Economia mista COELBA 3,2 48,2 Privada ELEKTRO 3,1 51,3 Privada BANDEIRANTE 3,0 54,3 Privada CAIUÁ 2,6 57,0 Privada ESCELSA 2,6 59,6 Privada AES-SUL 2,2 61,7 Privada 3.2 Metodologia da Análise Para a análise das empresas foi adotada a seguinte metodologia: cada empresa teve seus dados econômico-financeiros históricos modelados para explicitar indicadores tradicionais de resultado operacional, financeiro, e de situação patrimonial. As demonstrações financeiras de todas as empresas foram então agregadas por soma simples em uma empresa virtual (“Sistema”) que representa a participação de mercado das empresas escolhidas. A partir das demonstrações financeiras do Sistema, projetou-se o resultado até o ano de 2012, com base em premissas que serão explicitadas em cada cenário. Não foram realizadas projeções individuais por empresa. Entendemos que o intuito desta análise não é discutir as situações financeiras de cada empresa em particular, mas sim identificar as necessidades financeiras do conjunto de distribuidoras e seu impacto macroeconômico. As fontes dos demonstrativos financeiros foram primariamente as demonstrações anuais publicadas pela CVM, com informações adicionais fornecidas, caso a caso, pelas empresas. 3.3 Desempenho histórico do Sistema 3.3.1 Mercado de Energia Elétrica Mostramos agora alguns indicadores de desempenho do Sistema nos últimos anos. Podemos ver que a tendência de aumento consistente de consumo e faturamento foi bastante atingida pela crise energética de 2001-2002. Vemos também que a tarifa média continuou apresentando crescimento em termos nominais, mesmo considerando os efeitos do racionamento, muito embora em um ritmo menor que nos anos anteriores. Vendas do Sistema 1997 Receita - R$ mil Crescimento Vendas - MWh 1998 1999 2000 2001 2002 1 t 03 16.539.678 20.331.605 23.582.917 30.694.279 37.399.901 38.080.289 23% 16% 30% 22% 2% 9.990.110 5% 183.808.463 175.549.632 177.239.145 206.190.391 187.787.414 180.980.593 45.082.600 Crescimento Tarifas-médias - R$ / MWh Crescimento Fonte: CVM; Elaboração Tendências. 89 -4% 1% 16% -9% -4% 0% 111 127 141 166 191 212 25% 14% 11% 18% 15% 11% 60 As próximas figuras representam graficamente os números da tabela acima. A evolução do fornecimento de energia em MWh mostra que para o Sistema houve uma queda agregada de consumo, nos dois anos, de 13%. Supondo o crescimento anual médio esperado de 3,4% ao ano, nestes dois anos a queda de consumo em relação ao potencial foi de pouco mais de 20%. Receita do Sistema 40.000.000 30% 35.000.000 25% R$ mil 30.000.000 20% 25.000.000 20.000.000 15% 15.000.000 10% 10.000.000 5% 5.000.000 0 0% 1997 1998 1999 2000 2001 receita - R$ mil 2002 1T03 crescimento Fonte: CVM; Elaboração: Tendências. O dado anualizado do 1º trimestre de 2003 para o fornecimento de energia mostra que no trimestre houve crescimento zero de consumo em relação à média de consumo do ano anterior. O volume de vendas, no entanto, mostra crescimento por volta de 5%, refletindo os aumentos médios nominais de tarifas. As tarifas médias, mostradas no próximo gráfico, indicam crescimento robusto no período, proporcionado pelos reajustes de tarifas em função do IGP-M, índice que captou parte da forte depreciação cambial entre 1998 e 2002. Energia fornecida pelo Sistema 20% 250.000.000 15% 200.000.000 MWh 10% 150.000.000 5% 100.000.000 0% -5% 50.000.000 -10% 0 -15% 1997 1998 1999 2000 vendas - MWh 2001 2002 1T03 crescimento Fonte: CVM; Elaboração Tendências. O ritmo de crescimento das tarifas, no entanto, mostra decréscimo no primeiro trimestre de 2003. Esta evolução será fortemente influenciada nos próximos meses pelas revisões tarifárias que já vêm ocorrendo a partir do início do ano, mas que ainda não se refletiram no desempenho do primeiro trimestre. 61 R$ / MWh Tarifa média do Sistema 250 25% 200 20% 150 15% 100 10% 50 5% 0 0% 1997 1998 1999 2000 2001 2002 tarifas-médias - R$ / MWh 1T03 crescimento Fonte: CVM; Elaboração Tendências. A queda no ritmo de crescimento das tarifas nominais médias no primeiro trimestre é influenciada pela vigência de tarifas determinadas pelo reajuste tarifário do ano anterior. 3.3.2 Indicadores de Desempenho Econômico-Financeiro Vemos a seguir os indicadores de desempenho financeiro do Sistema. Os impactos das desvalorizações de 1999 e 2002 na margem líquida e o impacto do racionamento de 2001-2002 na margem do serviço em 2002 estão evidentes. Enquanto as desvalorizações da moeda local afetaram o resultado final, mas não o resultado da atividade em 1999, em 2002 o efeito combinado da queda de demanda por energia e da desvalorização cambial acabou por afetar a margem do serviço também. A Rentabilidade sobre o Patrimônio de 28,3% negativos em 2002 mostra as severas perdas para os acionistas nessas empresas. Desempenho Financeiro do Sistema Lucro da atividade 44 EBITDA Lucro líquido da controladora Distribuição de resultados PATRIMÔNIO LÍQUIDO 1997 1998 1999 2000 1.458.289 2.141.795 1.154.620 810.341 2.972.875 4.207.034 1.160.034 1.174.190 2.687.988 4.380.218 (432.873) 760.246 3.716.513 5.861.450 833.349 998.304 2002 1 t 03 5.567.795 2.432.684 7.779.545 4.462.391 860.921 (7.513.369) 732.586 330.191 2001 592.906 1.191.277 (2.903) 4.079 21.549.616 25.268.837 27.761.317 27.709.893 24.396.629 19.035.117 19.028.285 % 1997 1998 1999 2000 2001 2002 1 t 03 Margem do serviço 12,1 13,9 10,8 12,1 14,9 6,4 5,9 Margem do EBITDA 17,8 19,6 17,6 19,1 20,8 11,7 11,9 9,6 5,4 (1,7) 2,7 2,3 (19,7) (0,03) 5,7 4,8 (1,5) 3,1 3,7 (28,3) (0,02) 4,0 4,9 2,7 3,7 3,1 1,2 0,02 Margem líquida Taxa de retorno do capital próprio Taxa de distribuição Fonte: CVM; Elaboração: Tendências. As distribuições na forma de dividendos - importante indicador em um negócio que tradicionalmente opera com níveis altos de alavancagem, margens baixas e crescimento estável, porém relativamente modesto - chegaram a 5% do Patrimônio em 1998, mas declinaram consistentemente chegando a pífios 1,2% em 2002. É claro que este dividendo esteve concentrado nas empresas com melhores resultados, enquanto que as empresas com maiores perdas, que levaram o desempenho do Sistema a um nível tão negativo em 2002, não distribuíram resultados aos seus acionistas. 44 EBITDA – Earnings before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization, ou LAJIDA – Lucro antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização. 62 O baixo nível de distribuição de dividendos é preocupante também no cenário atual, porque as operadoras são controladas por empresas holdings que não têm ativos outros que não as operadoras e que também estão endividadas, seja com suas controladoras, seja em empréstimos bancários. Estas holdings dependem do fluxo de dividendos para fazer frente ao serviço de suas dívidas. Vemos a seguir a representação gráfica dos números da tabela acima. Podemos ver que, apesar de resultado crescente na atividade e na margem EBITDA, o resultado, até 2001 e com exceção de 1999, permanece modestamente declinante. R$ mil Resultado Financeiro do Sistema 10.000.000 8.000.000 6.000.000 4.000.000 2.000.000 0 (2.000.000) (4.000.000) (6.000.000) (8.000.000) (10.000.000) 1997 1998 Lucro da atividade 1999 2000 2001 2002 1T03 EBITDA Lucro líquido da controladora Distribuição de resultados Fonte: CVM; Elaboração: Tendências. Como podemos observar no próximo gráfico, o retorno ao acionista dos investimentos estratégicos em distribuição de energia no Brasil tem sido, na média, medíocre. Margens Financeiras do Sistema 30 20 Margem do serviço 0 Margem do EBITDA % 10 -10 Margem líquida -20 Taxa de retorno do capital próprio -30 Taxa de distribuição -40 1997 1998 1999 2000 2001 2002 1T03 Fonte: CVM; Elaboração: Tendências. A manutenção da Margem EBITDA em níveis de 10% tem efeito negativo na capacidade do Sistema de honrar os vencimentos de dívida. 3.3.3 Indicadores de Crédito Mostramos a seguir alguns indicadores tradicionais de crédito e endividamento para o Sistema. 63 Indicadores de endividamento e crédito do Sistema 1997 1998 1999 2000 2001 2002 1 t 03 Endividamento - % Financeiro líquido geral45 10,9 37,0 49,9 54,7 77,3 139,9 137,0 1,15 1,26 1,18 1,13 1,30 1,67 1,67 0,13 0,31 0,35 0,38 0,47 0,58 0,57 Estrutura Grau de imobilização de recursos Endividamento / Ativo Total 46 47 Indicadores de Crédito Dívida / Ebitda 1,88 2,52 3,44 2,90 2,64 6,30 5,85 Ebitda / Despesa Financeira 3,69 2,38 0,81 1,42 1,00 0,26 0,73 (0,60) 0,55 0,27 0,78 0,69 0,13 0,73 48 Ebitda-Capex / Despesa Financeira Fonte: CVM; Elaboração: Tendências. Podemos ver que a alavancagem financeira do sistema em 2002 foi fortemente elevada em função do endividamento externo das empresas e da desvalorização cambial. Este indicador se situava em níveis em torno de 40% em 1999 e 2000. O custo financeiro de um endividamento desta ordem, próximo a 60% do capital, tem se demonstrado insustentável diante do resultado financeiro do Sistema em 2002. Indicadores de endividamento do Sistema 1,8 1,6 1,4 1,2 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 financeiro líquido geral grau de imobilização de recursos Endividamento / Ativo Total 1997 1998 1999 2000 2001 2002 1T03 Fonte: CVM; Elaboração: Tendências. O endividamento apresentado em 1999 e 2000, entre 30% e 40%, demonstra uma estrutura de capital mais condizente com o nível de volatilidade nas condições do mercado brasileiro de energia elétrica. Os indicadores de crédito mostram que a capacidade de pagamento do Sistema se deteriorou rapidamente em 2002. Neste indicador temos dois efeitos: primeiro, o aumento do endividamento em função da desvalorização da moeda; e segundo, em função da diminuição das margens ocasionada pela diminuição do consumo e prorrogações de alterações nas tarifas. Podemos ver também que usando o EBITDA como proxy para a geração de caixa, em 2002, a geração de caixa do Sistema foi suficiente para cobrir apenas 26% das despesas financeiras. Considerando o reinvestimento em aquisição de imobilizado, este índice chegou a apenas 13%. Estes indicadores mostram que, para o atual nível de geração de caixa das empresas, o nível de endividamento é excessivo. 45 46 47 48 (Endividamento de curto prazo + endividamento de longo prazo - disponibilidades – aplicações financeiras de longo prazo) / Patrimônio líquido. Imobilizado / Patrimônio líquido. (Endividamento + Exigibilidades de Longo Prazo – disponibilidades) / (total de ativos – disponibilidades). CAPEX – Capital Expenditures, ou aquisição de imobilizado. 64 Indicadores de Crédito do Sistema 7,00 6,00 5,00 4,00 3,00 2,00 1,00 (1,00) 1997 1998 1999 2000 Dívida / EBITDA 2001 2002 1T03 Ebitda/Despesa Financeira Ebitda-Capex/Despesa Financeira Fonte: CVM; Elaboração: Tendências. Entre 1997 e 2001, o Sistema apresentou taxas de aquisição de imobilizado que excederam R$ 2,5 bilhões ao ano, sendo que em 1998 atingiram R$ 3,3 bilhões. Este indicador mostra os novos investimentos para manutenção e expansão do sistema de distribuição. A atual situação de geração de caixa pode inviabilizar a manutenção dos mesmos níveis de investimentos, o que pode deteriorar o nível dos serviços prestados pelas concessionárias. Aquisição de Imobilizado do Sistema – R$ mil 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2.490.264 3.227.630 2.951.444 2.649.642 2.421.453 2.274.289 Fonte: CVM; Elaboração: Tendências. 3.4 Projeções para o desempenho do Sistema Nesta seção analisaremos as projeções para o desempenho econômico-financeiro do sistema com base nos cenários desenvolvidos para a demanda de energia no capítulo 4. Nosso cenário básico é o cenário 1, de crescimento moderado do PIB (3,4% ao ano em média). Este cenário será complementado pelos cenários 3 e 5. O cenário 3 é de um crescimento mais acelerado do produto (4,5% ao ano), enquanto que o cenário 5 é de crescimento mais lento (2,4% ao ano). Será demonstrado também um cenário retroativo com relação aos desempenhos de 2001 e 2002, tentando dimensionar qual seria a situação econômicofinanceira do sistema hoje se não houvesse ocorrido a crise do setor na forma como ocorreu nos últimos dois anos. Por fim, três cenários alternativos ao cenário 1 serão mostrados. O primeiro envolve uma não realização dos recebimentos da CVA49. O segundo envolve uma possível evolução favorável dos custos 49 A Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da "Parcela A" - CVA - foi criada pela Portaria Interministerial nº 25, de 24 de janeiro de 2002. É destinada a registrar as variações, ocorridas no período entre reajustes tarifários, dos valores dos seguintes itens de custo da "Parcela A", de que tratam os contratos de concessão de distribuição de energia elétrica: I - tarifa de repasse de potência proveniente de Itaipu Binacional II - tarifa de transporte de energia elétrica proveniente de Itaipu Binacional; III - quota de recolhimento à Conta de Consumo de Combustíveis - CCC; IV - tarifa de uso das instalações de transmissão integrantes da rede básica; V - compensação financeira pela utilização dos recursos hídricos; e VI - encargos de serviços de sistema - ESS. O saldo da CVA é definido como o somatório das diferenças, positivas ou negativas, entre o valor do item na data do último reajuste tarifário da concessionária de distribuição de energia elétrica e o valor do referido item na data de pagamento, acrescida da respectiva remuneração financeira. O saldo relativo a 65 gerenciáveis abaixo da inflação. O terceiro supõe um aumento de 20% das tarifas acima da inflação nos três primeiros anos da projeção. 3.4.1 Cenários projetados: premissas As premissas do modelo são relacionadas a seguir: 1. Vendas: projeções abertas por classe de consumidor, industrial, comercial e residencial, em função das projeções macroeconômicas para o PIB. A projeção para o item ‘outras receitas’ guarda uma relação linear de 120% com o crescimento do PIB. Adotamos esta premissa, pois é amplamente reconhecido que a demanda por energia é mais volátil que o crescimento do PIB, ou seja, em anos de crescimento, cresce mais que o PIB, e em anos de retração, a demanda se retrai mais que a queda do PIB. Cenário Crescimento médio da demanda PIB 2. Industrial Total 3,4% 5.1% 4.5% 5.5% 5.1% 3 Alto crescimento 4,5% 6.0% 5.3% 7.3% 6.4% 5 Baixo crescimento 2,3% 4.2% 3.7% 3.7% 3.8% Tarifas médias: a tarifa nominal para cada classe de consumidor será reajustada em função dos nossos cenários, que envolvem premissas de reajuste para a tarifa real, e a expectativa de variação do IGP-M. 2003 2004 2005 2006 2007 1- Médio crescimento IGP-M 9,30 7,20 8,30 6,20 5,30 PIB real: 3,4% Tarifa 14,20 7,20 8,30 6,20 5,30 3 - Alto crescimento IGP-M 8,80 7,50 8,20 6,30 5,50 PIB real: 4,5% Tarifa 14,20 7,50 8,20 6,30 5,50 5 - Baixo crescimento IGP-M 9,30 23,70 19,50 12,30 4,10 PIB real: 2,3% Tarifa 14,20 23,70 19,50 12,30 4,10 Deduções da Receita Bruta: PIS, Cofins, ICMS e outras deduções da receita bruta foram estimadas como percentuais da receita bruta. Estes percentuais foram derivados de valores históricos. A CCC (Cota sobre consumo de combustível) foi estimada da mesma maneira. A RGR foi estimada como uma relação fixa com a evolução do ativo imobilizado. Conta 4. Comercial 1 Médio crescimento Cenário 3. Residencial % PIS/Cofins 3,8 ICMS 18,7 CCC 4,2 Outras deduções 1,7 RGR 1,5 Referência Receita bruta Imobilizado Despesas Líquidas da Atividade: Adotamos como premissa que despesas de pessoal, com materiais e com serviços de terceiros vão crescer ao mesmo ritmo da inflação, ou seja, crescerão em função do IGP-M projetado50. O custo da energia elétrica e outras despesas foram estimados cada item da CVA é contabilizado pela concessionária de distribuição de energia elétrica, em conta específica para efeito de compensação no índice de reajuste tarifário subseqüente. 50 É uma hipótese conservadora, pois entendemos que ganhos de produtividade são possíveis. Estes itens incluem os custos integrantes do que se convencionou chamar de Parcela B, ou custos gerenciáveis. A Aneel monitora estes custos, embutindo estimativas do Fator X, ou seja, da estimativa dos ganhos de produtividade possíveis para as empresas individualmente, que são consideradas nas revisões tarifárias periódicas. Para incluir este conceito na análise, vamos realizar uma variante do cenário básico em que 66 com base em um percentual fixo com relação ao volume de receita líquida e bruta, respectivamente. Conta % Pessoal - Material - Serviços Energia Elétrica Outras despesas 40 Caindo progressivamente de 8% a 5% (valor histórico) Referência Crescimento anual igual ao IGP-M projetado Vendas líquidas Vendas brutas 5. Imposto de Renda e Contribuição Sobre o Lucro Líquido: alíquotas legais aplicadas com redutor de 1/3 por conta de planejamento tributário. 6. Contas patrimoniais ativas: 7. a. Clientes: com base em um ano de 360 dias, o prazo médio de recebimento dos clientes subiu de 53 dias em 1997, para 73 dias em 2002. No primeiro trimestre de 2003 o indicador se situou em 68 dias, mas é afetado por sazonalidade. Portanto, adotamos o prazo médio de 70 dias para todos os anos da projeção. b. Estoques de Manutenção: função do crescimento das despesas com material, porém tem se mostrado praticamente estável no período 1997-2002. Adotamos a premissa de atualizar o crescimento do estoque a uma taxa de 1/5 do crescimento das despesas com material. c. Outros realizáveis de curto prazo: de 1997 a 2001 esta conta variou entre 5% e 6% das vendas, mas se elevou até 12% em 2002. A nossa projeção adota a premissa de retorno ao patamar histórico de 6% entre 2003 e 2006. d. Outros realizáveis de longo prazo: de 1997 a 2000 esta conta variou entre 25% e 30% da receita bruta. Adotamos como premissa o retorno gradual a estes patamares, refletidos nos percentuais de 42%, 38%, 34%, 30% e 30% da receita bruta entre 2003 e 2007. 51 Contas patrimoniais passivas: a. Fornecedores: a premissa para esta conta é um reajuste igual à variação das despesas operacionais entre as quais o custo de energia elétrica é a mais importante. b. Impostos e taxas indiretos: esta conta, entre 2000 e 2002, foi equivalente a 40 dias de pagamentos de deduções sobre a receita bruta. Mantivemos esta premissa. c. Salários, encargos sociais e outras obrigações trabalhistas: mesma variação embutida na premissa despesas com pessoal. d. CSLL e IRPJ de longo prazo: supusemos uma realização (transferência para curto prazo) de 5% por período nesta conta. adotaremos uma premissa de redução nos custos gerenciáveis de 1,5% ao ano para o período projetado, ou seja, os custos gerenciáveis serão corrigidos pelo IGP-M menos 1,5% ao ano. 51 Estas contas, Outros realizáveis a curto e longo prazo, incluem a postergação dos recebimentos em função do não repasse da CVA, ou Conta de Variação da Parcela A. Entendemos que este é um movimento temporário e que, eventualmente, estes repasses acontecerão. É claro que esta redução paulatina de ativos realizáveis implica uma maior geração de caixa para o Sistema. Como este é um item que depende de decisões políticas em última instância, incluímos uma análise do cenário básico em que não ocorre a realização destes recebíveis, ou seja, estas contas de ativo permanecem com seus níveis de 2002 por todo o horizonte da projeção. Entendemos que este cenário é relevante, pois este ano uma portaria ministerial impediu e postergou o repasse da CVA para as tarifas, gerando custos financeiros para as distribuidoras e perdas para os acionistas. Não podemos nos esquecer que a remuneração do ativo, pela taxa Selic, não é suficiente para cobrir as perdas financeiras, mesmo quando há um empréstimo ponte, pois estes são remunerados a Selic + spread. 67 e. Outras exigibilidades de curto prazo: esta conta é estável em torno de 5% do total de ativos do ano anterior, e foi mantida esta premissa. f. Outras exigibilidades de longo prazo: esta conta oscila em torno de 20% do total de ativos. Assumimos como premissa repetir os 21% de 2002 em 2003, 20,5% para 2004 e 20% daí em diante. 8. Investimentos - resultados de participações: para esta conta de resultado supusemos uma evolução anual equivalente a 20% do crescimento do resultado do serviço para o Sistema. 9. Imobilizado - aquisição de imobilizado e depreciação a. Depreciação: adotamos a média de depreciação de 5,7% sobre o ativo imobilizado entre 2000 e 2002 como premissa. b. Aquisição de imobilizado (capital expenditures ou ‘CAPEX’): entre 1997 e 2001 a relação entre CAPEX e depreciação do ano anterior caiu de 4,72 para 1,13, refletindo o investimento em recomposição de ativos após a privatização. Supondo que no longo prazo esta relação tende a 1, com a aquisição de imobilizado repondo a depreciação, adotamos a seguinte série para a relação entre 2003 e 2007: 1,08; 1,06; 1,04; 1,02 e 1. 10. Diferido – amortização: assumimos como premissa a amortização de 10% do diferido por período. 11. Participações minoritárias: adotamos arbitrariamente 2% de participações minoritárias. Este indicador é bastante volátil, porém apresenta valores não nulos mesmo quando o resultado agregado é deficitário. Portanto adotamos um percentual baixo, não nulo, como premissa. 12. Patrimônio líquido: a. Integralização: não há integralizações de capital previstas. b. Taxa de distribuição de resultados: estatutária, 25% do resultado, quando positivo, com ajustes em função do fluxo de caixa livre do período. Se há fluxo de caixa livre, há distribuição. Se há déficit de fluxo de caixa, ocorrem empréstimos de curto prazo e não há distribuições. 13. Aplicações e Empréstimos: a. Taxa Selic: cenários de longo prazo. Cenário 2.003 2.004 2.005 2.006 2.007 1. Médio crescimento 24,00 19,40 17,80 16,80 15,80 3. Alto crescimento 23,60 16,70 14,90 13,60 12,30 5. Baixo crescimento 24,00 21,40 26,50 25,30 22,50 b. Spread do Sistema: adotamos 15% da Selic de spread para os primeiros dois anos, em função das rolagens e reestruturações de dívida que vem ocorrendo, e 10% da Selic para os anos seguintes. c. Necessidades de Rolagem: colocamos no modelo do Sistema os vencimentos de principal para os próximos anos, reportados pelas companhias em suas demonstrações financeiras, de forma agregada. O modelo foi construído para apontar a necessidade de rolagem levando em conta os vencimentos programados. Os vencimentos agregados programados são: 2003 Total de Vencimentos de Principal 8.134.578 2004 4.466.659 2005 2.912.938 2006 1.904.286 2007 2.895.154 Após 2007 9.026.427 Fonte: CVM Em função dos vencimentos de dívida previstos para os próximos anos, no cenário base há fluxos de caixa deficitários para os primeiros três anos de projeção, nos seguintes volumes: 2003 Déficit de Fluxo de Caixa Elaboração: Tendências. 2004 2005 2006 13.243.720 7.358.026 5.707.253 1.158.823 2007 2008 2009 0 271.844 3.286.157 68 O modelo automaticamente transfere para empréstimos de curto prazo todo fluxo de caixa deficitário. Neste modelo, não há diferença de custo entre empréstimos de curto e longo prazo. Portanto não há, a princípio, diferença em acúmulo de endividamento de curto e longo prazo. No entanto, para evitar a ocorrência de dívida negativa, no ano de 2007, forçamos a captação de longo prazo de 100% do déficit de fluxo de caixa. Este é um ajuste para evitar uma anomalia apenas, não afetando as conclusões do modelo, principalmente nos primeiros anos de projeção. 3.4.2 Resultados das projeções do cenário 1 Mostramos na próxima tabela o resultado do mercado de energia elétrica para o Sistema. Estes números seguem a tendência de crescimento que será discutida no capítulo 4, portanto não há comentários a respeito. Projeções do mercado para o Sistema – cenário 1 2002 Receita - R$ mil 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 38.080.289 44.874.216 50.115.137 56.542.198 62.679.601 68.961.124 75.462.364 82.411.568 90.056.704 Crescimento Vendas – GWh Crescimento Tarifas-médias - R$ / MWh Crescimento 1,8% 180.981 17,8% 189.363 11,7% 198.912 12,8% 208.947 10,9% 219.494 10,0% 230.579 9,4% 242.229 9,2% 254.474 9,3% 267.345 -3,6% 4,6% 5,0% 5,0% 5,0% 5,1% 5,1% 5,1% 5,1% 190,6 217,6 233,1 252,4 267,8 281,9 294,7 307,1 320,2 14,8% 14,2% 7,1% 8,2% 6,1% 5,2% 4,5% 4,2% 4,2% Elaboração: Tendências A figura mostra as tarifas médias projetadas. O reajuste da tarifa de 2003 foi obtido a partir dos reposicionamentos tarifários autorizados pela ANEEL em 2003.52 Para os demais anos, foi utilizada a variação esperada do IGP-M. Podemos ver um crescimento a taxas decrescentes das tarifas, refletindo a menor expectativa de inflação dos períodos subseqüentes. 52 Segundo 13 revisões tarifárias já concedidas, a revisão tarifária total média ponderada pela participação de mercado de cada uma delas foi de 23,5%. AES Coelba Cosern Coelce Sul 31,5 % 19,6 % 26,0 % 42,0 % 27,4 % 16,1 % 31,5 % 11,5 % 31,3 % Cemig CPFL Cemat Enersul RGE Energipe Elektro Celpa 35,2 % 27,9% 27,1% Eletro Média: Paulo 9,62% 23,53% O impacto destes reajustes sobre os balanços das empresas, através das tarifas médias projetadas para o ano, depende da data de cada reajuste pois este aumento incide apenas sobre as receitas após o reajuste. Uma ponderação adicional foi adotada de acordo com o número de meses sob os quais incide o reajuste e obteve-se um reajuste para a tarifa média projetada de 14,2% em 2003. Devemos observar que, seguindo o cronograma da ANEEL, até a finalização deste relatório, apenas 6 empresas dentre as 20 maiores obtiveram recomposição tarifária em 2003. Adicionalmente, conforme é possível perceber na tabela acima, estes reajustes apresentaram variações substanciais entre as diversas empresas. 69 R$ / MWh Tarifas médias projetadas para o Sistema – cenário 1 350.0 16% 300.0 14% 250.0 12% 10% 200.0 8% 150.0 6% 100.0 4% 50.0 2% 0.0 0% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 tarifas-médias - R$ / MWh 2009 2010 crescimento Elaboração: Tendências A seguir mostramos os resultados econômico-financeiros do Sistema para o período. A projeção do resultado mostra que a margem do serviço retorna gradualmente aos níveis de 2001, elevando também gradualmente a margem EBITDA para cerca de 19% no final do período. Pelas premissas embutidas no modelo, apenas em 2010 haveria distribuição de resultados, pois o Sistema apresentaria prejuízo ainda até 2005, retornando ao lucro apenas em 2006. Ou seja, mesmo com elevação da margem EBITDA para níveis pré-crise do setor, a lucratividade e o retorno do acionista continuarão baixos. Neste cenário, com um crescimento moderado da economia, a margem do serviço e a margem EBITDA se mantêm em níveis abaixo daqueles anteriores à crise. Nesta situação, deverão ocorrer dificuldades para lidar com o endividamento e melhorar o retorno ao acionista, bem como deverão ser observadas limitações em relação à capacidade de aquisição de imobilizado em níveis equivalentes à depreciação. Conforme ressaltado, a distribuição de dividendos só ocorre a partir de 2010 e em patamar pouco acima do ocorrido para 1998 e 2000, por exemplo. Apesar dos resultados bastante positivos em termos de retorno do capital próprio de 2008 em diante, não podemos nos esquecer que estas taxas acontecerão relativas a um patrimônio líquido bastante diminuído, pois neste período o patrimônio líquido destas empresas atingirá os mesmos níveis (nominais) observados em 1999 e 2000. Resultado financeiro projetado para o Sistema – cenário 1 2002 2003 2004 2005 2006 2009 2010 10.065.67 11.370.17 12.812.42 1 5 7 11.164.64 12.649.69 14.084.06 15.663.41 9.783.655 8 8 1 1 (1.658.62 292.615 2.213.746 3.614.063 5.068.278 4) 0 0 0 0 0 11.105.45 11.398.07 13.611.82 17.225.88 22.294.16 9 4 0 3 1 14.439.68 4 17.435.37 3 Lucro da atividade 2.432.684 5.245.410 6.223.528 7.443.406 8.704.727 EBITDA 4.462.391 7.358.987 8.448.564 (7.513.36 (3.894.27 (2.376.76 9) 1) 3) Distribuição de resultados 330.191 0 0 19.035.11 15.140.84 12.764.08 PATRIMÔNIO LÍQUIDO 7 6 3 Lucro líquido controladora 2007 2008 6.917.039 1.086.729 28.124.47 1 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Margem do serviço 6,4 11,7 12,4 13,2 13,9 14,6 15,1 15,5 16,0 Margem do EBITDA 11,7 16,4 16,9 17,3 17,8 18,3 18,7 19,0 19,4 Margem líquida (19,7) (8,9) (4,8) (3,0) 0,5 3,3 4,9 6,3 7,8 Retorno do capital próprio (28,3) (20,5) (15,7) (13,0) 2,6 19,4 26,6 29,4 32,6 1,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 5,1 % Taxa de distribuição Elaboração: Tendências Podemos concluir então que, se observadas as premissas do modelo, apenas a partir de 2008 o sistema atingirá um nível saudável de rentabilidade, e mesmo assim continuará a amortizar o pesado nível de endividamento observado em 2003 e 2004. 70 Projeção Financeira para o Sistema – cenário 1 20.000.000 R$ mil 15.000.000 10.000.000 5.000.000 0 (5.000.000) (10.000.000) 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Lucro da atividade EBITDA Lucro líquido da controladora Distribuição de resultados Elaboração: Tendências Projeção de Margens Financeiras do Sistema - Cenário 1 40 30 Margem do serviço 20 Margem do EBITDA 10 Margem líquida % 0 Taxa de retorno do capital próprio -10 -20 Taxa de distribuição -30 -40 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Elaboração: Tendências O modelo não prevê uma readequação da estrutura de capital ao longo do tempo. Mas é claro que isto pode e deve ocorrer quando o Sistema atingir níveis adequados de rentabilidade e relação dívida/capital próprio. Os indicadores de crédito também mostram uma melhora lenta no cenário 1, de crescimento moderado da economia. Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – cenário 1 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Endividamento - % Financeiro líquido geral 1,40 2,10 2,71 3,37 3,22 2,72 2,05 1,45 0,98 1,67 2,11 2,50 2,87 2,79 2,33 1,83 1,41 1,11 0,58 0,64 0,67 0,68 0,67 0,65 0,61 0,55 0,48 Estrutura Grau de imobilização de recursos Endividamento / Ativo Total Indicadores de Crédito Dívida / EBITDA 6,30 4,51 4,27 3,98 3,42 3,04 2,61 2,15 1,91 Ebitda/Despesa Financeira 0,26 0,68 0,83 0,92 1,11 1,40 1,63 1,93 2,34 Ebitda-Capex/Despesa Financeira 0,13 0,49 0,64 0,72 0,90 1,16 1,36 1,62 1,99 Elaboração: Tendências Na projeção com base nas premissas apresentadas para o cenário 1, vemos que os indicadores de crédito retornam a níveis viáveis apenas em 2007 e, com reduções mais substanciais apenas em 2008 e 2009. Ou seja, nas premissas apresentadas, não vemos a situação como confortável ao longo dos próximos três anos, pois, muito embora o endividamento atinja 4,3 vezes o EBITDA em 2004, 71 decrescendo para 3 vezes o EBITDA em 2007, este indicador não leva em conta outras exigibilidades de longo prazo que têm volume significativo para o sistema. Projeção de Endividamento do Sistema – cenário 1 4,00 3,50 3,00 financeiro líquido geral 2,50 2,00 grau de imobilização de recursos 1,50 1,00 Endividamento / Ativo Total 0,50 0,00 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Elaboração: Tendências Projeção de indicadores de crédito do Sistema – cenário 1 7,00 6,00 Dívida / EBITDA 5,00 4,00 Ebitda/Despesa Financeira 3,00 EbitdaCapex/Despesa Financeira 2,00 1,00 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Elaboração: Tendências Outra observação a ser feita é que o Sistema manteve, nos anos anteriores a 2002 volumes de aquisição de imobilizado muito superiores à depreciação, porém os índices de endividamento não estavam críticos. Com uma crise de endividamento que ocorre hoje, é improvável que o ritmo de aquisição de imobilizado continue. 3.4.3 Resultados das projeções do cenário 3 Vemos a seguir as projeções para o mercado do Sistema no cenário 3, de alto crescimento da economia. Comparando com as projeções do cenário 1, vemos que as vendas crescem a um ritmo mais rápido. Lembrando que o Sistema é alavancado, com alto custo de capital, na margem a diferença de faturamento afeta diretamente a saúde financeira. 72 Projeções do mercado para o Sistema – cenário 3 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 38.080.28 45.295.83 51.272.19 58.443.60 65.577.07 73.103.51 80.767.18 88.896.23 97.727.37 9 5 5 6 6 9 5 4 4 1,8% 18,9% 13,2% 14,0% 12,2% 11,5% 10,5% 10,1% 9,9% receita - R$ mil Crescimento Vendas - GWh 180.981 -3,6% Crescimento tarifas-médias - R$ / MWh Crescimento 191.512 5,8% 203.810 6,4% 216.913 6,4% 230.874 6,4% 245.750 6,4% 261.603 6,5% 278.496 6,5% 296.500 6,5% 190,6 217,4 233,2 251,8 267,2 281,3 293,1 303,9 314,5 14,8% 14,1% 7,3% 8,0% 6,1% 5,3% 4,2% 3,7% 3,5% Elaboração: Tendências O crescimento da demanda em nível mais alto representa R$ 1,7 bilhão acumulados de EBITDA em quatro anos, sendo cerca de R$ 770 milhões apenas em 2006. Até 2010, esta diferença acumulada atinge R$ 8,1 bilhões e expressa a sensibilidade dos resultados ao crescimento da demanda. R$ / MWh Tarifas médias projetadas para o Sistema – cenário 3 350,0 16% 300,0 14% 250,0 12% 10% 200,0 8% 150,0 6% 100,0 4% 50,0 2% 0,0 0% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 tarifas-médias - R$ / MWh 2008 2009 2010 crescimento Elaboração: Tendências As margens operacionais aumentam significativamente, reforçando o quão sensível o sistema é ao nível de demanda por energia, um resultado bastante normal para uma operação alavancada e com alto grau de imobilização. Resultado financeiro projetado para o Sistema – cenário 3 2002 2003 Lucro da atividade 2.432.684 5.378.030 EBITDA 4.462.391 7.491.607 (7.513.36 (3.474.98 9) 5) Distribuição de resultados 330.191 0 19.035.11 15.560.13 PATRIMÔNIO LÍQUIDO 7 2 Lucro líquido controladora % 2004 2005 2006 2009 2010 11.169.18 12.797.42 14.583.74 6.533.567 7.957.627 9.481.625 4 5 4 10.297.87 11.941.54 13.753.21 15.511.31 17.434.72 8.758.603 6 6 2 1 8 (1.180.82 274.304 2.223.433 4.694.410 6.729.278 8.888.856 7) 0 0 201.249 0 658.491 228.405 14.379.30 14.653.60 16.675.79 21.370.20 27.440.98 36.101.43 4 8 1 1 8 9 2007 2008 16.574.15 2 19.569.84 2 11.373.61 8 2.158.937 45.316.12 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Margem do serviço 6,4 11,9 12,7 13,6 14,5 15,3 15,8 16,4 17,0 Margem do EBITDA 11,7 16,5 17,1 17,6 18,2 18,8 19,2 19,6 20,0 Margem líquida (19,7) (7,8) (2,4) 0,5 3,5 6,6 8,5 10,2 11,9 Retorno do capital próprio (28,3) (18,3) (7,6) 1,9 15,4 28,2 32,5 32,7 33,5 1,2 0,0 0,0 0,0 1,4 0,0 3,2 0,8 6,4 Taxa de distribuição Elaboração: Tendências Podemos ver que a rentabilidade é bem melhor neste cenário. Já em 2006 recomeçam as distribuições, a níveis contudo abaixo de 4% do patrimônio líquido. Apenas em 2010 a taxa de distribuição retorna a patamar semelhante ao observado em 1998. 73 Projeção Financeira para o Sistema – cenário 3 25.000.000 20.000.000 R$ mil 15.000.000 10.000.000 5.000.000 0 (5.000.000) (10.000.000) 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Lucro da atividade EBITDA Lucro líquido da controladora Distribuição de resultados Elaboração: Tendências A rentabilidade total ao acionista sobe acima de 20% já em 2007, quando atinge 28,2%. O Sistema, neste cenário, apresenta reduções de patrimônio líquido somente até 2004, recuperando-se em seguida. Note-se, entretanto, que o patrimônio líquido do sistema em 2008 é ainda inferior ao valor pré-crise do racionamento. Projeção de Margens Financeiras do Sistema - Cenário 3 40 30 Margem do serviço 20 Margem do EBITDA % 10 Margem líquida 0 Taxa de retorno do capital próprio -10 -20 Taxa de distribuição -30 -40 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Elaboração: Tendências De um modo geral, o melhor cenário de demanda permite uma recuperação mais rápida do Sistema, com indicadores de crédito retornando a níveis confortáveis já em 2005, e uma recuperação da capacidade de investir em imobilizado com recursos próprios somente em 2006. Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – cenário 3 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 1,40 2,03 2,33 2,36 1,91 1,41 0,93 0,52 0,22 Grau de imobilização de recursos 1,67 2,05 2,22 2,17 1,91 1,48 1,15 0,87 0,69 Endividamento / Ativo Total 0,58 0,63 0,65 0,64 0,60 0,55 0,48 0,40 0,30 Dívida / EBITDA 6,30 4,41 4,00 3,50 2,86 2,35 1,96 1,37 1,21 Ebitda/Despesa Financeira 0,26 0,71 0,96 1,13 1,49 2,04 2,67 3,37 4,86 Ebitda-Capex/Despesa Financeira 0,13 0,52 0,74 0,91 1,23 1,71 2,27 2,89 4,21 Endividamento - % Financeiro líquido geral Estrutura Indicadores de Crédito Elaboração: Tendências 74 De um modo geral, o Sistema é bastante dependente da recuperação da demanda. Este cenário de maior demanda permite o ganho de um ano no prazo de recuperação da situação financeira de 2002, em relação ao tempo que seria necessário caso o cenário 1 se confirmasse. Projeção de Endividamento do Sistema – cenário 3 2,50 2,00 financeiro líquido geral 1,50 grau de imobilização de recursos 1,00 0,50 Endividamento / Ativo Total 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 0,00 Elaboração: Tendências No longo prazo, o ganho de tempo para uma situação bastante saudável é de dois anos em relação ao que é possível no cenário 1. E o nível de distribuições retorna a um patamar que permite também algum fôlego às controladoras. Projeção de indicadores de crédito do Sistema – cenário 3 7,00 6,00 Dívida / EBITDA 5,00 4,00 Ebitda/Despesa Financeira 3,00 EbitdaCapex/Despesa Financeira 2,00 1,00 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Elaboração: Tendências Conforme é possível perceber pelo gráfico acima, no cenário 3, o decréscimo da relação Dívida/EBITDA ocorre de forma mais acelerada que no cenário 1 e a relação EBITDA/Despesa Financeira atinge valores próximos a 2 já em 2007 (2009 no cenário 1), denotando uma maior capacidade de investimento do Sistema no cenário atual. 3.4.4 Resultados das projeções do cenário 5 Nosso cenário 5 é o cenário de baixo nível de crescimento da economia e da demanda por energia elétrica. Nele o crescimento de demanda por energia elétrica é menor que 3% ao ano, conforme mostrado na próxima tabela. 75 Projeções do mercado para o Sistema – cenário 5 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 103.726.96 2 6,4% 7,5% 232.511 241.074 Receita-R$ mil 38.080.289 44.454.668 56.090.899 68.726.266 79.528.720 85.670.914 90.731.311 96.496.231 Crescimento Vendas-GWh 1,8% 180.981 Crescimento Tarifas-médias R$ / MWh Crescimento 16,7% 187.223 26,2% 194.098 22,5% 201.229 15,7% 208.626 7,7% 216.298 5,9% 224.256 -3,6% 3,4% 3,7% 3,7% 3,7% 3,7% 3,7% 3,7% 3,7% 190,6 217,9 269,7 322,6 362,6 377,7 386,4 396,7 411,8 14,8% 14,3% 23,8% 19,6% 12,4% 4,2% 2,3% 2,7% 3,8% Elaboração: Tendências A alta sensibilidade a variações no nível de demanda, associada a um cenário macroeconômico mais instável, resulta em um cenário com prejuízos e endividamento crescente, não sustentável a longo prazo. Tarifas médias projetadas para o Sistema – cenário 5 25% 450,0 400,0 20% R$ / MWh 350,0 300,0 15% 250,0 200,0 10% 150,0 100,0 5% 50,0 0,0 0% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 tarifas-médias - R$ / MWh 2008 2009 2010 crescimento Elaboração: Tendências Muito embora o EBITDA nominal neste cenário cresça marginalmente, o baixo crescimento da economia está associado a um nível de taxas de juros bem mais alto, o que provoca prejuízos recorrentes ao Sistema ao longo da década. O patrimônio líquido do Sistema se torna negativo em 2005. Apesar de mostrarmos aqui os mesmos dados apresentados para os outros cenários, entendemos que este é um exercício teórico que não se realizará devido às magnitudes de prejuízos e redução do valor das empresas envolvidas. 2002 Lucro da atividade EBITDA Lucro líquido controladora Distribuição de resultados PATRIMÔNIO LÍQUIDO % Margem do serviço Margem do EBITDA Margem líquida Retorno do capital próprio Taxa de distribuição Resultado financeiro projetado para o Sistema – cenário 5 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2.432.684 5.137.753 6.890.669 8.936.554 10.873.781 12.225.203 13.261.485 14.454.632 15.938.620 4.462.391 7.251.329 9.115.705 11.276.803 13.333.701 14.809.230 15.975.371 17.305.616 18.934.310 (7.513.369) (3.993.995) (9.171.647) (13.839.116) (13.805.370) (8.380.509) (6.082.678) (5.203.180) (5.555.133) 0 0 0 0 0 330.191 0 0 0 19.035.117 15.041.122 5.869.475 (7.969.641) (21.775.010) (30.155.519) (36.238.197) (41.441.377) (46.996.510) 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 6,4 11,6 12,3 13,0 13,7 14,3 14,6 15,0 15,4 11,7 16,3 16,3 16,4 16,8 17,3 17,6 17,9 18,3 (19,7) (9,2) (16,7) (20,5) (17,7) (10,0) (6,8) (5,5) (5,5) (28,3) (21,0) (61,0) (235,8) - - - - - 1,2 0,0 0,0 0,0 - - - - - Elaboração: Tendências 76 Se as premissas de crescimento da demanda e de taxas de juros deste cenário se tornarem realidade, as reestruturações de empresas no setor se tornarão freqüentes, com negociações duras que envolverão perdas não só para os acionistas, mas também para os financiadores. R$ mil Projeção Financeira para o Sistema – cenário 5 25.000.000 20.000.000 15.000.000 10.000.000 5.000.000 0 (5.000.000) (10.000.000) (15.000.000) (20.000.000) 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Lucro da atividade EBITDA Lucro líquido da controladora Distribuição de resultados Elaboração: Tendências Neste cenário, a atual configuração estratégica do setor se altera em menos de três anos, quando as perdas para os acionistas se tornarão insustentáveis. 25 20 0 15 10 -50 5 0 -5 -100 Margem do serviço Margem do EBITDA Margem líquida 2010 2009 2008 2007 -250 2006 Taxa de retorno do capital próprio 2005 -200 -20 -25 2004 Taxa de distribuição 2003 -150 -10 -15 2002 % Projeção de Margens Financeiras do Sistema - Cenário 5 Elaboração: Tendências Obviamente acreditamos que as empresas não entrarão em colapso, mas é certo que este cenário é desastroso em termos de perda de credibilidade e de confiança de investidores no setor. Este cenário também impediria o posterior envolvimento do investidor privado no esforço de aumento da geração de energia, dado que os compradores de energia estariam em situação desastrosa de liquidez, o que tornaria os PPAs necessários em estruturas de Project Finance sem valor como garantias. 77 Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – cenário 5 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Endividamento - % 2009 2010 1,40 2,10 7,59 (7,68) (3,45) (2,85) (2,58) (2,44) (2,32) 1,67 2,12 5,43 (4,00) (1,46) (1,05) (0,87) (0,76) (0,66) 0,58 0,64 0,76 0,91 1,06 1,14 1,19 1,23 1,26 6,30 4,56 5,05 5,56 5,75 5,90 5,96 5,92 5,84 0,26 0,67 0,52 0,45 0,49 0,65 0,74 0,79 0,80 0,13 0,48 0,40 0,37 0,41 0,55 0,63 0,68 0,69 Financeiro líquido geral Estrutura Grau de imobilização de recursos Endividamento / Ativo Total Indicadores de Crédito Dívida / EBITDA Ebitda/Despesa Financeira Ebitda-Capex/Despesa Financeira Elaboração: Tendências O próximo gráfico faz sentido apenas para os primeiros dois anos de projeção, quando o patrimônio líquido do Sistema ainda é positivo. Podemos ver a rápida deterioração dos indicadores. O índice de endividamento financeiro líquido atinge 7,59 em 2004, associado a um alto grau de imobilização dos recursos (5,43). Projeção de Endividamento do Sistema – cenário 5 10,00 8,00 6,00 4,00 financeiro líquido geral 2,00 0,00 (2,00) grau de imobilização de recursos (4,00) (6,00) Endividamento / Ativo Total 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 (8,00) (10,00) Elaboração: Tendências Vemos a seguir que os indicadores de crédito permanecem em níveis desconfortáveis ao longo da década. A geração de caixa é insuficiente para fazer frente aos pagamentos de despesas financeiras, ocorrendo crescimento contínuo da relação Dívida/EBITDA. O indicador de EBITDA/Despesa financeira, apesar de crescente, atinge seu valor máximo em 2010 (0,80). Novamente, devemos enfatizar que se as premissas deste cenário se realizarem, as empresas provavelmente passarão por processos de reestruturação, e a nova estrutura de capital será muito menos alavancada. 78 Projeção de indicadores de crédito do Sistema – cenário 5 7,00 6,00 Dívida / EBITDA 5,00 4,00 Ebitda/Despesa Financeira 3,00 2,00 EbitdaCapex/Despesa Financeira 1,00 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 - Elaboração: Tendências As projeções apenas mostram que o nível de incerteza gerado por uma implementação incompleta de um modelo para o setor, qualquer que ele seja, tornará mais caro o custo de capital, pois estruturas alavancadas não serão viáveis. Na evolução histórica do Sistema, vimos que a instabilidade macroeconômica de 2002, aliada ao problema intrínseco ao setor que foi o racionamento, acabou por transformar uma estrutura de capital que foi viável até o ano 2000 em uma estrutura inviável. Os problemas macroeconômicos brasileiros não eram previstos na época em que as estruturas de capital foram idealizadas, e esta estrutura evoluiu para uma situação crítica hoje. 3.4.5 Efeito de um aumento real de 20% nas tarifas em 3 anos O cenário básico apresentado (cenário 1), aquele que consideramos o mais provável, indica que o Sistema deverá ser submetido nos próximos anos à continuidade de um processo de deterioração das condições de rentabilidade e dos indicadores de crédito. Sob aquelas premissas, deverá ocorrer uma combinação de dificuldade de geração de recursos próprios com a necessidade de amortização de encargos financeiros. Deste modo, será restrita a capacidade do sistema de gerar recursos para a expansão e manutenção da infra-estrutura existente, conforme demonstrado através dos indicadores de geração de caixa.53 Considerando-se que não se vislumbra o cenário de crescimento acelerado da demanda, que poderia melhorar a performance do Sistema em um prazo mais curto, desenvolvemos um cenário alternativo no qual ocorre um aumento real das tarifas de 20% distribuído ao longo de 2003 a 2005. Adotamos a premissa de um reajuste nominal de 20% em 2003, com reajustes acima da variação do IGP-M nos dois anos subseqüentes. Vemos na próxima tabela as projeções para o mercado do Sistema neste cenário. O aumento do valor real das tarifas nos primeiros três anos da projeção apresenta impactos na evolução das receitas, que crescem a um ritmo mais rápido. Projeções do mercado para o Sistema – aumento do valor real das tarifas em 20% 2002 Receita - R$ mil Crescimento Vendas - GWh Crescimento Tarifas-médias - R$ / MWh Crescimento 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 38.080.28 46.967.09 54.686.08 64.372.89 71.410.43 78.613.28 86.062.35 94.019.30 102.768.2 9 3 8 0 9 3 0 9 69 1,8% 23,3% 16,4% 17,7% 10,9% 10,1% 9,5% 9,2% 9,3% 180.981 189.363 198.912 208.947 219.494 230.579 242.229 254.474 267.345 -3,6% 4,6% 5,0% 5,0% 5,0% 5,1% 5,1% 5,1% 5,1% 190,6 228,7 256,1 289,8 307,6 323,7 338,4 352,8 367,7 14,8% 20,0% 12,0% 13,2% 6,1% 5,2% 4,5% 4,2% 4,2% Elaboração: Tendências 53 Em especial o indicador (EBITDA – CAPEX) / Despesa financeira, que só retorna a um patamar acima de 1 em 2006. 79 O crescimento da receita em nível mais alto representa R$ 6,1 bilhões adicionais acumulados de EBITDA em quatro anos. Apenas no ano de 2006, este diferencial atinge cerca de R$ 2,3 bilhões. Percebe-se, nitidamente, um efeito positivo de aumento nas margens e da rentabilidade do Sistema. Resultado financeiro projetado para o Sistema – aumento do valor real das tarifas em 20% 2002 2003 Lucro da atividade 2.432.684 5.782.450 EBITDA 4.462.391 7.896.026 (7.513.36 (3.396.80 9) 7) Distribuição de resultados 330.191 0 19.035.11 15.638.31 PATRIMÔNIO LÍQUIDO 7 0 Lucro líquido controladora 2004 2005 2006 2007 2008 11.010.57 12.638.97 14.196.16 7.407.877 9.491.942 1 0 8 11.832.19 13.470.49 15.222.99 16.910.05 9.632.913 1 2 7 4 (1.370.53 294.278 2.183.164 4.711.877 6.630.211 4) 0 0 350.530 0 638.152 14.267.77 14.562.05 16.394.68 21.106.56 27.098.62 6 4 8 6 4 2007 2008 2010 2002 2003 2004 2005 Margem do serviço 6,4 12,3 13,5 14,7 15,4 16,1 16,5 16,9 17,3 Margem do EBITDA 11,7 16,8 17,6 18,4 18,9 19,4 19,6 20,0 20,3 % 2006 2009 15.907.09 17.828.63 1 1 18.758.07 20.824.32 5 0 11.424.22 8.782.098 4 204.702 2.173.623 35.676.02 44.926.62 0 1 2009 2010 Margem líquida (19,7) (7,4) (2,6) 0,5 3,1 6,1 7,9 9,5 11,3 Retorno do capital próprio (28,3) (17,8) (8,8) 2,1 15,4 28,7 32,4 32,7 34,1 1,2 0,0 0,0 0,0 2,5 0,0 3,1 0,8 6,5 Taxa de distribuição Elaboração: Tendências Já em 2005, as controladoras, de forma agregada, passam a apresentar lucros nos seus balanços e, pelas premissas do modelo, poderiam efetuar distribuições de dividendos em 2006. No cenário 1, isso só ocorre em 2010. Todavia, apesar do aumento progressivo do retorno do capital próprio, apenas em 2010 a taxa de distribuição retorna a um patamar semelhante ao observado no final da década passada. Projeção Financeira para o Sistema – aumento do valor real das tarifas em 20% 25.000.000 20.000.000 R$ mil 15.000.000 10.000.000 5.000.000 0 (5.000.000) (10.000.000) 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Lucro da atividade Lucro líquido da controladora EBITDA Distribuição de resultados Elaboração: Tendências Este cenário apresenta-se como mais favorável que o cenário 1, permitindo uma recuperação financeira mais rápida das empresas, um menor nível de endividamento, com indicadores de crédito retornando a níveis confortáveis já em 2006. De um modo geral, o melhor cenário de crescimento das receitas permite uma recuperação mais rápida do Sistema. Contudo, cabe ressaltar que, mesmo no caso de um aumento real das tarifas da ordem de 20%, associado a um crescimento moderado da demanda, os recursos disponíveis para investimentos não devem crescer substancialmente. Uma recuperação da capacidade de investir em imobilizado com recursos próprios deverá ocorrer somente em 2006. Isso ocorre porque a relação Dívida/EBITDA só deverá reduzir-se a níveis mais satisfatórios por volta deste período e será quando a relação entre a geração de caixa após os gastos de capital deverá ser capaz de cobrir as despesas financeiras. 80 Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – aumento do valor real das tarifas em 20% 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 1,40 2,08 2,46 2,54 2,05 1,51 1,01 0,58 0,26 Grau de imobilização de recursos 1,67 2,04 2,24 2,19 1,94 1,50 1,16 0,88 0,70 Endividamento / Ativo Total 0,58 0,64 0,65 0,65 0,61 0,56 0,49 0,42 0,32 Endividamento - % Financeiro líquido geral Estrutura Indicadores de Crédito Dívida / EBITDA 6,30 4,30 3,80 3,25 2,71 2,28 1,93 1,40 1,25 Ebitda/Despesa Financeira 0,26 0,73 0,93 1,09 1,36 1,77 2,17 2,60 3,58 Ebitda-Capex/Despesa Financeira 0,13 0,54 0,74 0,90 1,14 1,51 1,87 2,25 3,13 Elaboração: Tendências De todo modo, este cenário permite o ganho de um ano no prazo de recuperação da situação financeira de 2002, em relação ao tempo que seria necessário caso o cenário 1 se confirmasse. Além disso, observar-se-ia a redução do risco de financiamento do Sistema por parte dos agentes financeiros (capital de terceiros). O próximo gráfico compara a trajetória do indicador de endividamento financeiro líquido para este cenário com os demais. Sob este aspecto, o aumento nas tarifas apresenta impactos semelhantes ao do cenário que prevê crescimento mais acelerado da demanda. Projeções de Endividamento Financeiro Líquido do Sistema sob diferentes cenários 3,00 2,50 2,00 financeiro líquido geral 1,50 1,00 0,50 Endividamento / Ativo Total 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 0,00 grau de imobilização de recursos Elaboração: Tendências As projeções dos indicadores de crédito do Sistema são apresentadas no próximo gráfico. 81 Projeção de indicadores de crédito do Sistema – aumento do valor real das tarifas em 20% 7,00 6,00 Dívida / EBITDA 5,00 4,00 Ebitda/Despesa Financeira 3,00 EbitdaCapex/Despesa Financeira 2,00 1,00 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Elaboração: Tendências Neste cenário, o decréscimo da relação Dívida/EBITDA ocorre de forma mais acelerada que no cenário 1 e a relação EBITDA/Despesa Financeira atinge valores próximos a 2 já em 2008 (2009 no cenário 1). No longo prazo, a rentabilidade total ao acionista sobe acima de 20%, atingindo 28,7% já em 2007. O Sistema, neste cenário, apresenta reduções de patrimônio líquido somente até 2004, recuperando-se em seguida. O gráfico a seguir compara a evolução do patrimônio líquido do Sistema para os cenários apresentados. Note-se a progressiva redução do valor patrimonial das empresas a partir de 2001. Essa tendência deverá continuar pelos próximos anos para todos os cenários, mas sua reversão será mais rápida caso ocorram as premissas dos cenários 3 (crescimento acelerado da demanda) e do cenário de aumento real das tarifas. Na hipótese mais otimista, apenas em 2008 o patrimônio líquido do Sistema retorna – em valores nominais – ao patamar que precede a crise de 2001. Isso denota claramente os efeitos de longo prazo deste choque sobre a rentabilidade acumulada das empresas. Evolução do Patrimônio Líquido do Sistema – R$ Milhões 50.000 45.000 40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 Cenário 1 Cenário 3 Cenário 5 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 0 IGP-M + 20% (2003-2005) Elaboração: Tendências 3.4.6 Efeito mudança na margem do serviço Este cenário foi incluído para simular uma situação de melhora da margem operacional através de ganhos nos custos gerenciáveis, ou parcela B, os custos que estão sob o controle da gerência das empresas que 82 fazem parte do Sistema. Adotamos arbitrariamente uma redução de 1,5% nos reajustes anuais dos custos com pessoal, materiais e serviços de terceiros. Os resultados são mostrados na próxima tabela: Resultado financeiro projetado para o Sistema – mudança de margem Lucro da atividade EBITDA Lucro líquido controladora Distribuição de resultados PATRIMÔNIO LÍQUIDO 2002 2003 2004 2005 2009 2010 2.432.684 5.318.703 6.381.107 7.697.577 9.063.850 10.537.211 11.960.338 13.527.905 15.288.663 4.462.391 7.432.279 8.606.143 10.037.827 11.523.770 13.121.238 14.674.225 16.378.889 18.284.352 (7.513.369) (3.815.497) (2.192.821) (1.330.048) % 330.191 0 19.035.117 15.219.620 2002 2003 0 2005 2007 767.517 2.805.837 0 0 0 13.026.799 11.696.750 2004 2006 12.464.268 15.270.105 2006 2008 4.398.725 6.023.934 124.064 0 1.390.549 19.544.767 25.568.701 32.316.254 2007 2008 2009 8.138.101 2010 Margem do serviço 6,4 11,9 12,7 13,6 14,5 15,3 15,8 16,4 17,0 Margem do EBITDA 11,7 16,6 17,2 17,8 18,4 19,0 19,4 19,9 20,3 (19,7) (8,7) (4,5) (2,4) 1,2 4,2 5,9 7,5 9,2 (28,3) (20,0) (14,4) (10,2) 6,6 22,5 29,0 30,8 33,7 1,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,8 0,0 5,8 Margem líquida Retorno do capital próprio Taxa de distribuição Elaboração: Tendências Percebemos que há um ganho de EBITDA na operação de aproximadamente R$ 850 milhões acumulados até 2006. Na situação patrimonial, temos R$ 1.060 milhões a mais de patrimônio líquido e R$ 950 milhões a menos de dívida. Diante de um estoque de R$ 38 bilhões de endividamento em 2006, este é um ganho bastante pequeno em termos relativos. Projeção Financeira para o Sistema – mudança de margem 20.000.000 15.000.000 R$ mil 10.000.000 5.000.000 0 (5.000.000) (10.000.000) 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Lucro da atividade Lucro líquido da controladora EBITDA Distribuição de resultados Elaboração: Tendências Este é um resultado bastante natural em função de a maior parte dos custos da operação serem não gerenciáveis. 83 Projeção de Margens Financeiras do Sistema - mudança de margem 40 30 Margem do serviço 20 Margem do EBITDA 10 Margem líquida % 0 Taxa de retorno do capital próprio -10 -20 Taxa de distribuição -30 -40 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Elaboração: Tendências Os indicadores de performance são marginalmente melhores que os obtidos no nosso cenário básico de crescimento moderado da economia. Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – mudança de margem 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Endividamento - % Financeiro líquido geral 1,40 2,08 2,64 3,16 2,87 2,32 1,69 1,13 0,71 Estrutura Grau de imobilização de recursos 1,67 2,10 2,45 2,72 2,55 2,07 1,61 1,23 0,97 Endividamento / Ativo Total 0,58 0,64 0,66 0,68 0,66 0,63 0,58 0,52 0,44 Indicadores de Crédito Dívida / EBITDA 6,30 4,46 4,17 3,83 3,23 2,82 2,38 1,89 1,67 Ebitda/Despesa Financeira 0,26 0,69 0,85 0,95 1,16 1,49 1,77 2,12 2,68 Ebitda-Capex/Despesa Financeira 0,13 0,50 0,65 0,75 0,95 1,24 1,49 1,80 2,30 Elaboração: Tendências Podemos ver então que, mesmo em um cenário de redução constante dos custos gerenciáveis em termos reais, a melhora da situação financeira das empresas é pequena com relação ao nosso cenário básico. Projeção de Endividamento do Sistema – mudança de margem 3,50 3,00 2,50 2,00 1,50 1,00 0,50 grau de imobilização de recursos Endividamento / Ativo Total 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 0,00 financeiro líquido geral Elaboração: Tendências Como no cenário 1, o Sistema retorna a níveis confortáveis de endividamento apenas em 2007, quando a relação entre dívida e patrimônio líquido fica declinante e tendendo para um valor menor que 1. O endividamento retorna para o patamar de 50% dos ativos totais apenas em 2009. 84 Os indicadores de liquidez mostram a retomada da capacidade de investimento em função da geração de caixa com uma certa margem de segurança apenas em 2007, quando o indicador (EBITDACAPEX)/Despesa Financeira atinge 1,24. Projeção de indicadores de crédito do Sistema – mudança de margem 7,00 6,00 Dívida / EBITDA 5,00 4,00 Ebitda/Despesa Financeira 3,00 2,00 EbitdaCapex/Despesa Financeira 1,00 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 - Elaboração: Tendências Esta projeção mostra que ganhos de eficiência nos custos gerenciáveis representam uma melhora marginal na situação financeira das empresas do Sistema, devido à pouca importância relativa destes custos nos custos totais da operação. 3.4.7 Efeito mudança na conta outros realizáveis Este cenário envolve a mudança da premissa da conta outros realizáveis de longo e curto prazo. Estas contas contêm os recebimentos futuros de reajustes por conta da CVA, conta que controla as variações de custos não gerenciáveis a serem repostos em reajustes de tarifas futuros. No início deste ano, uma portaria ministerial54 postergou por 1 ano o repasse dos saldos destas contas, repasse este que será parcelado em dois anos. O saldo será corrigido pela taxa Selic do período. Recentemente, para remediar a redução de geração de caixa por conta desta portaria, foi indicado que o BNDES colocaria à disposição das distribuidoras R$ 1,9 bilhões de reais em empréstimos com o propósito específico de cobrir a diferença gerada pela portaria55. Entendemos que este é um mecanismo que causa perdas às empresas. Isto ocorre porque o BNDES não colocará os recursos à disposição das empresas por taxas equivalentes apenas à Selic do período, mas cobrará um spread por isto, que será de até 1,5% a.a.56 O diferencial afeta o resultado líquido das empresas ou, mais especificamente, diminui o resultado líquido e o retorno ao acionista. O cenário envolve a manutenção das contas outros realizáveis a ‘curto e a longo prazo’ nos mesmos patamares de 2002, ou seja, estes recebimentos nunca se realizam. Este cenário hipotético tem o intuito de mostrar como o repasse integral dos custos não gerenciáveis é importante para as empresas, com um efeito muito mais significativo que a melhora de margem em função da redução dos custos gerenciáveis. Resultado financeiro projetado para o Sistema – sem CVA Lucro da atividade EBITDA Lucro líquido controladora Distribuição de resultados PATRIMÔNIO 54 2002 2003 2004 2005 2.432.684 5.245.410 6.223.528 7.443.406 4.462.391 7.358.987 8.448.564 9.783.655 11.164.648 12.649.698 14.084.061 15.663.411 17.435.373 (7.513.369) (3.894.271) (2.567.320) (2.727.397) (1.562.790) 330.191 0 2007 2008 2009 2010 (151.405) 1.061.168 2.112.459 3.352.097 0 0 0 0 0 0 0 19.035.117 15.140.846 12.573.525 9.846.129 8.283.338 8.131.934 Portaria Interministerial n.º 116, de 4 de abril de 2003. Gazeta Mercantil, 6 de agosto de 2003. 56 Medida Provisória n.º 127, de 4 de agosto de 2003. 55 2006 8.704.727 10.065.671 11.370.175 12.812.427 14.439.684 9.193.102 11.305.561 14.657.658 85 LÍQUIDO % 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Margem do serviço 6,4 11,7 12,4 13,2 13,9 14,6 15,1 15,5 2010 16,0 Margem do EBITDA 11,7 16,4 16,9 17,3 17,8 18,3 18,7 19,0 19,4 Margem líquida Retorno do capital próprio Taxa de distribuição (19,7) (8,9) (5,2) (4,9) (2,5) (0,2) 1,4 2,6 3,8 (28,3) (20,5) (17,0) (21,7) (15,9) (1,8) 13,0 23,0 29,6 1,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Elaboração: Tendências Projeção Financeira para o Sistema – sem CVA 20.000.000 15.000.000 R$ mil 10.000.000 5.000.000 0 (5.000.000) Lucro da atividade 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 (10.000.000) EBITDA Lucro líquido da controladora Distribuição de resultados Elaboração: Tendências Vemos na tabela e gráfico acima que mesmo com a recuperação da margem do serviço e da margem EBITDA do Sistema, o fluxo de caixa perdido pela não realização da CVA provoca uma perda de performance significativa. Projeção de Margens Financeiras do Sistema - sem CVA 40 Margem do serviço 30 20 Margem do EBITDA % 10 0 Margem líquida -10 Taxa de retorno do capital próprio -20 -30 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 -40 Taxa de distribuição Elaboração: Tendências O retorno do capital próprio demora a se recuperar e, neste cenário, não ocorre distribuição de dividendos no horizonte de previsão (até 2010). Neste ano, a margem líquida situa-se em 3,8%, valor bastante inferior aos 7,8% do cenário 1. 86 Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – sem CVA 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Endividamento - % Financeiro líquido geral 1,40 2,10 3,01 4,49 5,84 6,30 5,77 4,77 3,68 Grau de imobilização de recursos 1,67 2,11 2,54 3,24 3,84 3,89 3,43 2,78 2,13 Endividamento / Ativo Total 0,58 0,64 0,68 0,72 0,74 0,74 0,73 0,71 0,69 3,17 Estrutura Indicadores de Crédito Dívida / EBITDA 6,30 4,51 4,65 4,67 4,46 4,17 3,87 3,54 Ebitda/Despesa Financeira 0,26 0,68 0,83 0,84 0,95 1,08 1,19 1,30 1,43 Ebitda-Capex/Despesa Financeira 0,13 0,49 0,64 0,67 0,77 0,89 0,99 1,10 1,21 Elaboração: Tendências O endividamento do Sistema, que no cenário 1 chegava a R$ 38,0 bilhões em 2006, neste cenário chega a R$ 50,0 bilhões no mesmo período, e continua alto e crescente, estabilizando-se apenas a partir de 2009. No cenário 1 original, 2007 já era um ano no qual notava-se tendência de redução do endividamento. Adicionalmente, a título de comparação com o cenário 1, o patrimônio líquido do Sistema atinge R$ 14,6 bilhões em 2010 (R$ 28,1 bilhões no cenário básico). A alta relação entre o endividamento e o ativo total - entre 0,74 e 0,69 de 2006 a 2010 contra 0,67 a 0,48 para o cenário 1 - reflete o impacto dessas premissas sobre a lucratividade das empresas. Projeção de Endividamento do Sistema – sem CVA 7,00 6,00 5,00 financeiro líquido geral 4,00 grau de imobilização de recursos Endividamento / Ativo Total 3,00 2,00 1,00 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 0,00 Elaboração: Tendências Este cenário significa um aumento do período de ‘stress’ financeiro para as empresas de cerca de três anos. Ou seja, no cenário original, o Sistema já em 2006 dava sinais de maior saúde financeira, enquanto neste cenário apenas em 2009 isto ocorre. 87 Projeção de indicadores de crédito do Sistema – sem CVA 7,00 6,00 Dívida / EBITDA 5,00 4,00 Ebitda/Despesa Financeira 3,00 2,00 EbitdaCapex/Despesa Financeira 1,00 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 - Elaboração: Tendências A recuperação também é mais lenta, como podemos ver na projeção dos indicadores de crédito acima. Apenas em 2009 o Sistema adquire a capacidade de financiar seus investimentos a partir da geração de caixa somente. Podemos ver então que o não repasse de CVA às distribuidoras tem efeitos muito significativos. Isto ocorre porque o setor de eletricidade é caracterizado por empresas com significativa participação de capital de terceiros na sua estrutura, que operam com margem operacional relativamente baixa e que portanto sofrem choques de financiamento com variações bruscas na sua receita. Como o ambiente brasileiro tem se mostrado pouco previsível, é natural que uma estrutura de capital menos alavancada seja ótima. Ao mesmo tempo, as empresas que já se encontram alavancadas demonstram uma grande sensibilidade a variações na geração de caixa. Em particular, a defasagem da CVA é uma distorção que deverá ser evitada. 3.4.8 Perda de geração de caixa em função do racionamento Fizemos o seguinte teste: comparamos o desempenho de 2001 e 2002 com uma evolução de demanda semelhante a que teria ocorrido se nossas premissas de longo prazo para o cenário 1 de crescimento moderado tivessem ocorrido nestes anos. As mudanças estão sumarizadas na próxima tabela: Simulação do efeito do racionamento Ano 2000 2001 2002 Variação % 2000-2002 Mercado (MWh) 206.190.391 187.787.414 180.980.593 Vendas (R$ mil) 30.694.279 37.399.901 38.080.289 24,1 EBITDA (R$ mil) 5.861.450 7.767.669 3.911.713 -33,3 EBITDA Acumulado 5.861.450 13.629.119 17.540.831 - 2,90 2,49 7,49 206.190.391 216.601.939 227.544.554 10,4 Com racionamento: Dívida/EBITDA -12,2 Sem racionamento: Mercado (MWh) Vendas R$ mil 30.694.279 39.889.077 47.881.942 56,0 EBITDA (R$ mil) 5.861.450 9.326.555 8.592.268 46,6 EBITDA Acumulado 5.861.450 2,90 15.188.005 2,20 23.780.273 3,27 - Dívida/EBITDA Elaboração: Tendências Podemos ver na simulação que o racionamento gerou uma perda de EBITDA de R$ 6,2 bilhões para o Sistema. Considerando que o Sistema responde por 61,7% do mercado, extrapolando temos uma perda de aproximadamente R$ 10,1 bilhões para todas as distribuidoras. 88 Ainda, sem o racionamento, o Endividamento sobre EBITDA do sistema já em 2003 estaria em 2,4 (não mostrado na tabela). Portanto, apesar da desvalorização cambial, sem o racionamento o Sistema se recuperaria das perdas financeiras em apenas um ano. Aliás, foi exatamente o que ocorreu em 19992000. Após a desvalorização de 1999, como o consumo se elevou em 2000, o Sistema elevou temporariamente sua relação Endividamento / EBITDA para 3,44. Em seguida, esta relação caiu para 2,9 em 2000 e 2,49 em 2001. Esta simulação mostra que a situação das empresas foi gravemente afetada pelo racionamento, e que a sua estrutura de capital estava adequada para os níveis de demanda previstos antes do racionamento, pois mesmo diante da forte desvalorização cambial em 2002, o sistema voltaria a níveis razoáveis de endividamento já em 2003, e não apenas em 2006 como diagnosticamos agora no nosso cenário base. 3.4.9 Necessidades de Rolagem de dívida em cada cenário Mostramos a seguir as necessidades de rolagens de dívida do Sistema nos três cenários da nossa avaliação/projeção. R$ mil Cenário 2003 2004 7.358.026 2005 1 – Demanda Moderada 13.243.720 5.707.253 2 – Demanda Aquecida 13.063.750 6.427.261 3.932.284 3 – Demanda Fraca 13.101.792 17.421.837 19.523.768 Os números falam por si. A diferença de necessidade de rolagem para o Sistema entre um cenário de demanda crescendo a 5,1% ao ano e um cenário de demanda crescendo a 3,8% ao ano é brutal. Em se tratando de um sistema com alto grau de imobilização e de alto custo de capital, pequenas variações na demanda projetada equivalem a diferenças muito grandes de geração de caixa que acabam por desestabilizar o sistema. A diferença de necessidade de rolagem entre o cenário base e o cenário de baixa demanda chega a R$ 23,7 bilhões nos três anos. Esta cifra representa um volume maior de exposição do sistema financeiro ao Sistema que poderia estar sendo utilizado para suportar novos investimentos, e não para alongar o endividamento preexistente, sem contrapartida de aumento do imobilizado. Em contrapartida, o cenário de demanda aquecida representa um ganho de apenas R$ 2,9 bilhões nos três anos, com relação ao cenário base. 89 3.5 Conclusões e sumário executivo Neste capítulo analisamos a situação do setor de distribuição de energia elétrica brasileiro. A metodologia adotada agregou as demonstrações financeiras de doze das maiores distribuidoras de energia (que controlavam 61,7% do mercado de distribuição em 31 de março de 2003) e projetou seus resultados financeiros por dez anos, à luz de algumas premissas. No período de 1997, quando se iniciaram as privatizações, até 2001, essas empresas investiram acima de R$ 2,5 bilhões anuais, recursos estes não suportados apenas pela sua geração de caixa, o que é evidente pelo fato de o indicador (EBITDA-CAPEX) / Despesa Financeira ser menor que um por todo o período. Em outras palavras, as empresas se alavancaram para cumprir cronogramas de investimentos. Mesmo considerando o nível de investimentos necessários realizados, o endividamento do sistema até 2001 encontrava-se em níveis tidos como confortáveis. Naquele momento o indicador agregado de Endividamento/ EBITDA não era significativamente superior a três. O impacto da desvalorização cambial de 2002, aliada à redução da margem operacional em função da perda permanente do mercado de energia, em comparação com a expectativa anterior de crescimento, prejudicou gravemente a situação financeira das empresas, elevando o endividamento a insustentáveis 6 vezes o EBITDA em 2002 e início de 2003. O cenário mais provável para o setor nos próximos anos (PIB crescendo 3,4% ao ano em média) envolve pesados volumes de rolagens de dívida. A premissa de um crescimento anual projetado da demanda de 5,1% ao ano ao longo da década permitirá um equilíbrio do setor somente após 2006. Até lá as empresas conviverão com uma posição de inferioridade com relação aos bancos financiadores, pois o nível de endividamento é alto e o ambiente operacional tem se mostrado pouco previsível. O cenário de alto crescimento do PIB (4,5% a.a. em média) e da demanda acelera a recuperação, trazendo para 2005 o momento em que o setor atingirá uma situação financeira saudável. O cenário de baixo crescimento do PIB (2,3% a.a. em média) e da demanda significa pesadas perdas para os controladores atuais, pois leva a uma situação de patrimônio negativo das empresas já em 2005. Este cenário é desastroso porque a queda na atividade estará associada a níveis mais altos de juros e mais incerteza e volatilidade na produção econômica. Um cenário alternativo de aumento real das tarifas de 20% distribuído entre 2003 e 2005 – aliado a um crescimento moderado da demanda – mostra um comportamento dos indicadores financeiros do Sistema semelhante ao cenário de alto crescimento do PIB. O crescimento mais rápido das receitas afeta positivamente a lucratividade das empresas, permitindo uma recuperação financeira mais rápida, um menor nível de endividamento e indicadores de crédito retornando a níveis confortáveis já em 2005. De modo geral, este cenário permite o ganho de um ano no prazo de recuperação. Apesar de também não propiciar uma recuperação expressiva da capacidade destas empresas efetuarem investimentos vultosos em capital fixo, este cenário representa uma redução do risco de financiamento do Sistema por parte dos agentes financeiros (capital de terceiros). Ganhos de eficiência das empresas nos itens da Parcela B geram melhoras de resultado perceptíveis, porém incapazes de mudar significativamente a saúde financeira das empresas. Isto ocorre porque em 2002 custos e deduções que independem de decisões gerenciais da empresa responderam por 67% da receita bruta das 12 distribuidoras analisadas, enquanto que os itens gerenciáveis constituíram apenas 24% da receita bruta. Ou seja, ganhos consideráveis de eficiência geram pouco efeito no resultado final. A hipótese de não transformação em caixa dos saldos da CVA é extremamente danosa às distribuidoras. A manipulação desta conta, segundo as premissas deste estudo, pode levar a perdas de geração de caixa que elevam o endividamento das 12 distribuidoras em até R$ 12 bilhões em 2006, ou seja, R$ 3 bilhões anuais. Além do mais, as decisões de postergação do repasse dos saldos da CVA em março deste ano por meio da Portaria 116, depois confirmada pela Medida Provisória 127/03, resulta em perdas para as empresas e seus acionistas, pois o ativo relativo a este realizável vai ser reajustado à taxa Selic, enquanto que o saldo devedor do socorro do BNDES será reajustado à taxa Selic + 1,5% ao ano. As perdas de EBITDA com o racionamento foram de R$ 6,2 bilhões para as distribuidoras analisadas e estimamos que de R$ 10,1 bilhões para o conjunto total de distribuidoras. O déficit de fluxo de caixa das doze distribuidoras no nosso cenário mais provável entre 2003 e 2005 é de: 90 2003 R$ mil 13.243.720 2004 2005 7.358.026 5.707.253 Estes valores envolvem as necessidades de financiamento em função dos juros devidos e dos vencimentos de principal declarados pelas companhias nas suas demonstrações financeiras constantes na CVM, relativas ao ano 2002. O setor de distribuição encontra-se em situação financeira delicada e financiando-se no curto prazo com o sistema bancário, hipótese embutida nos modelos projetados neste estudo. A incerteza com relação ao marco regulatório tem mantido investidores de mais longo prazo fora do financiamento às distribuidoras. As distribuidoras são uma importante fonte de liquidez para todo o setor de energia elétrica. O financiamento bancário que tem sido dado no curto prazo às distribuidoras envolve a garantia dos recebíveis relativos às contas de fornecimento de energia elétrica ao público. O percentual de recebíveis dados em garantia a empréstimos é limitado por lei e regulado pela Aneel. Projetamos para o ano de 2004, em nosso cenário base, uma receita em torno de R$ 49 bilhões, conta clientes de R$ 9,0 bilhões no final do período, juros de R$ 10 bilhões, amortizações de dívida de R$ 14 bilhões, e um endividamento do Sistema de R$ 36 bilhões no final do período. Considerando que é prática de mercado ter em garantia pelo menos 6 meses de serviço da dívida, o que nesta projeção equivale a R$ 12 bilhões, vemos que nem mesmo 100% dos recebíveis (o que não é permitido por lei) serão suficientes para garantir os contratos. Portanto, de maneira agregada, enquanto o endividamento do setor não cair a níveis mais razoáveis, o que no cenário base acontece em 2007, haverá dificuldade de garantir projetos novos, dentre outros fatores, porque os recebíveis do Sistema estarão comprometidos com as rolagens das dívidas atuais.♦♦ 91 Referências Aneel, 2003. “Participações Percentuais no Mercado de Distribuição - Referência: abril/2002 a março/2003”, http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/Distribuicao_ 1trim_03.pdf. CVM, 2003. DFP de 31/12/2002 e ITR de 31/3/2003 das doze distribuidoras analisadas. 92 4. CENÁRIOS PARA A DEMANDA DE ENERGIA ELÉTRICA O objetivo deste capítulo é a construção de cenários de demanda para a energia elétrica no Brasil ao longo dos próximos dez anos. Tais cenários serão usados como balizadores para a estimação da necessidade de investimentos no setor. O desenvolvimento e ampliação da capacidade do setor elétrico pressupõem um fluxo contínuo de investimentos. No dimensionamento desse fluxo, é necessário estimar o comportamento futuro, no longo prazo, da demanda. Para isso, o primeiro passo consiste em definir cenários macroeconômicos de crescimento da economia e a correlação desse crescimento com a demanda por energia. Ademais, por se tratar da análise da demanda por um bem, além da evolução da renda, deve ser considerada a evolução futura dos preços como um dos fatores que afetam a demanda por energia elétrica. Esta é a abordagem tradicional nas avaliações de crescimento da demanda por energia elétrica e, em linhas gerais, é mantida neste trabalho. Historicamente, a expansão da produção e consumo de energia no Brasil – e nas economias modernas – ocorre em taxas muito superiores ao crescimento do produto e da renda. Em parte isso ocorre devido a mudanças graduais decorrentes de processos de urbanização e incorporação crescente da utilização de aparelhos movidos a energia elétrica. Esses fatores podem ser considerados “componentes autônomos” na determinação da demanda, ou seja, fatores que, apesar de dependerem da renda e da evolução dos preços, dependem mais fortemente de outros processos ligados, como a modernização da economia e as inovações à urbanização. Desta forma, nas subseções seguintes, primeiramente são analisados os determinantes do crescimento econômico, comparando-se as fontes de crescimento e avaliando-se os cenários prováveis de aumento na renda decorrentes do comportamento futuro previsto para estes fatores. Em seguida, são discutidas as hipóteses básicas quanto à evolução dos preços da energia elétrica e projetados, a partir das relações esperadas com essas variáveis, cenários para a demanda de energia. Cabe ressaltar, entretanto, que essas hipóteses precisam ser qualificadas, salientando-se principalmente as limitações impostas aos modelos decorrentes das alterações à luz das transformações observadas na sociedade ao longo das últimas décadas que não podem ser extrapoladas para o período subseqüente. 4.1 Cenários macroeconômicos No desenvolvimento de cenários macroeconômicos para a evolução da renda, no âmbito do dimensionamento futuro da demanda por energia elétrica (e, conseqüentemente, dos investimentos necessários), é forçoso estimar uma taxa de crescimento médio da economia ao longo de um período extenso. Neste caso, as taxas de crescimento específicas a cada ano têm menor importância, dado que o planejamento do setor é de longo prazo e os acréscimos de capacidade instalada ocorrem em grandes saltos. Portanto, é necessário avaliar a taxa de crescimento do produto potencial, ou seja, a taxa de crescimento da oferta de bens e serviços que a economia tende a apresentar que não gera desequilíbrios econômicos tais como pressões inflacionárias e desequilíbrios de balanço de pagamentos. De outra forma, trata-se de uma taxa de crescimento de equilíbrio sustentável de longo prazo, para a qual a economia converge na ausência de choques. Do ponto de vista metodológico, iremos analisar os condicionantes estruturais do crescimento da economia, formular hipóteses para o comportamento destas variáveis e, utilizando um modelo econômico, estimar a taxa de crescimento potencial do PIB. Na confecção de cenários de longo prazo, há variáveis que podem ser consideradas “dadas” para o período relevante de análise. Mesmo que se alterem nesse período, sua mudança é lenta o suficiente a ponto de não ter efeito relevante sobre as projeções. Em um cenário de crescimento para uma década, destacam-se três conjuntos de variáveis estruturais: (i) a evolução sócio-demográfica; (ii) a taxa de poupança agregada; e (iii) a produtividade total dos fatores. A queda na taxa de crescimento da população impõe um limite ao crescimento do PIB potencial total, pois reduz o crescimento do volume disponível de um dos fatores de produção, o trabalho. O mesmo ocorre com a taxa de poupança agregada que é o principal fator determinante do estoque de capital da economia. Por outro lado, o aumento da produtividade total dos fatores permite que, para uma mesma quantidade de fatores de produção, seja produzido um volume maior de bens e serviços. Os condicionantes históricos destes fatores são discutidos a seguir com ênfase em suas perspectivas e respectivos impactos sobre a taxa de crescimento do produto potencial. 93 4.1.1 Determinantes do crescimento potencial: oferta de mão-de-obra Durante os anos 60, a população brasileira se expandia a um ritmo típico de país subdesenvolvido, com taxas de crescimento em torno de 3% ao ano. Ao longo das décadas de 70 e 80, o ritmo de crescimento demográfico caiu para taxas abaixo de 2% ao ano e para 1,32% ao ano em 2000. Essa queda deve prosseguir, conforme as estimativas do IBGE, que projeta taxas de 1,04% ao ano em 2010 e 0,17% ao ano em 2050. Houve também uma queda drástica da taxa de fertilidade de 5,6 para 2,3 filhos por mulher fértil. Cabe notar que atualmente estamos próximos da taxa de fertilidade que estabiliza a população, que é de 2,2 filhos por mulher fértil. Simultaneamente, isso afetou a evolução do contingente da população em idade de trabalhar, bem como o tamanho relativo desse contingente em função da maior presença da mulher no mercado de trabalho. Paralelamente à redução da taxa de crescimento populacional, ocorreu uma alteração da distribuição da população. O Brasil também se tornou predominantemente urbano, com a população residindo no campo tornando-se cada vez mais minoritária. De 55% em 1960, caiu para 32% em 1980, para 20% em 1998 e para 19% em 2000. Por sua vez, é cada vez maior a participação do setor terciário no emprego, quando anteriormente a liderança da classe operária brasileira estava no setor industrial. Adicionalmente, associado a essas alterações demográficas e às melhorias das condições de saúde da população, observa-se atualmente – e projeta-se para o futuro – o aumento da participação da população idosa na pirâmide etária. Consistente com a redução na taxa de crescimento vegetativo da população e com o envelhecimento progressivo da população, haverá uma redução gradual nos próximos anos da taxa de crescimento da população economicamente ativa (PEA)57. A próxima tabela mostra as projeções do IPEA para a evolução da PEA urbana. População economicamente ativa – estimativas IPEA Data 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 Fonte: IPEA (PEA) - urbana - projeção 63.418.686 64.774.700 66.092.931 67.371.894 68.609.680 69.805.574 70.959.832 72.072.944 73.145.537 74.178.483 75.173.158 76.130.394 77.051.040 77.935.395 78.783.758 79.596.013 80.371.587 81.109.195 81.807.482 82.464.742 83.079.488 Taxa Crescimento 2,14% 2,04% 1,94% 1,84% 1,74% 1,65% 1,57% 1,49% 1,41% 1,34% 1,27% 1,21% 1,15% 1,09% 1,03% 0,97% 0,92% 0,86% 0,80% 0,75% Para efeito das projeções de crescimento econômico, trabalhamos com uma taxa de crescimento da População Economicamente Ativa (PEA) da ordem de 1,5%, conforme estimativas elaboradas pelo IPEA para a próxima década. Esta é a estimativa que pode ser feita com maior precisão, dado que o crescimento da população ativa depende, em grande parte, de fatores demográficos cuja evolução passada já é conhecida. 57 A população economicamente ativa (PEA) corresponde ao conjunto de pessoas com idade igual ou superior a 14 anos que estão ocupadas ou desocupadas. Os desempregados estão incluídos na PEA e a oscilação na taxa de desemprego constitui uma utilização de capacidade que afeta o PIB efetivo, mas não o PIB potencial 94 4.1.2 Determinantes do crescimento potencial: formação de capital O estoque de capital é o segundo fator de produção relevante considerado para o crescimento econômico. O aumento do estoque de capital é resultado da capacidade de investimentos públicos e da vontade e dos estímulos ao investimento privado. Por sua vez, a fonte de financiamento destes investimentos é a poupança agregada, que subdivide-se em poupança doméstica – setor privado e setor público – e financiamentos obtidos externamente à economia. A taxa de poupança agregada no Brasil é historicamente baixa em relação a países em desenvolvimento com elevada taxa de crescimento econômico, notadamente os países asiáticos. A taxa média de poupança dos países com elevado crescimento na Ásia (Coréia, Hong Kong, Cingapura, Taiwan, Indonésia, Malásia e Tailândia), mostrada na próxima tabela, fica em torno de 32%, enquanto no Brasil, como se observa no gráfico seguinte, é inferior a 20%. Poupança e investimento em países em desenvolvimento na Ásia: 1960-92 - em % do PIB Poupança interna bruta Investimento interno bruto 1960 1970 1980 1985 1992 1960 1970 1980 1985 Hong Kong 6% 25% 31% 27% 34% 18% 21% 36% 21% Coréia do Sul 1% 15% 23% 31% 35% 11% 25% 31% 30% Cingapura -3% 21% 38% 42% 46% 11% 39% 45% 43% Taiwan 13% 26% 33% 31% 28% 20% 26% 34% 18% Indonésia 8% 11% 29% 26% 36% 8% 14% 21% 23% Malásia 27% 22% 31% 35% 30% 14% 21% 28% 34% Filipinas 16% 20% 25% 13% 15% 16% 20% 31% 16% Tailândia 14% 22% 21% 19% 34% 16% 26% 27% 23% Fontes: James et alli (1989) e Abegglen (2002), p. 9. (dados referentes a 1992). 1992 31% 24% 40% 24% 35% 36% 22% 36% Taxa de poupança no Brasil (%) 30,00 25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 - Interna Externa 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 1975 1974 1973 1972 1971 1970 (5,00) Total Fonte: IBGE A desigualdade de renda, o acúmulo de necessidades insatisfeitas de consumo das famílias de renda mais baixa, a elevada mobilidade social e a assimilação de novos padrões culturais e de consumo pelas novas classes médias, muitas vezes espelhados em exemplos de países desenvolvidos, são características da sociedade brasileira. A combinação desses fatores faz com que o brasileiro tenha uma baixa propensão a poupar, ou seja, que a participação da poupança privada no PIB seja baixa. Além disso, a instabilidade e a insegurança econômicas, também históricas, desestimulam a poupança e reforçam a propensão a consumir. No passado, a poupança forçada e as transferências de renda associadas ao processo inflacionário foram fatores que alimentaram expressivamente a formação de poupança agregada no Brasil. A queda da inflação a partir da segunda metade dos anos 90, ao eliminar o imposto inflacionário – um mecanismo que retirava 95 renda sobretudo dos mais pobres – e elevar substancialmente o acesso ao crédito às famílias, contribuiu para a redução da poupança58. Cabe ressaltar que algumas dessas características históricas relevantes têm sofrido alterações nos períodos mais recentes. A decisão de poupança é efetuada a cada instante do tempo pelo indivíduo comparando-se as oportunidades presentes e futuras de aplicação de seus recursos. De acordo com alterações na rentabilidade esperada desses investimentos, o indivíduo opta por um maior nível de consumo (menos poupança) em detrimento do consumo futuro. Neste sentido, o sistema de incentivos que vigorou nas últimas décadas para o setor privado não era adequado para o provimento de poupança de longo prazo. Por exemplo, o sistema de previdência social, organizado na forma de repartição simples ao invés de um sistema baseado na capitalização, permitia aos indivíduos a aposentadoria sem a adequada contrapartida em termos de contribuição para o sistema ao longo de sua vida produtiva, reduzindo o incentivo à poupança. As alterações em curso neste sistema, apesar de ainda embrionárias – como a instituição de um período mínimo relativamente alto de contribuição para aposentadoria e valores de benefícios compatíveis com as contribuições individuais – devem alterar o sistema de incentivos com impactos positivos sobre as taxas de poupança doméstica.59 O envelhecimento da população discutido na subseção anterior provoca não apenas a redução da taxa de crescimento da PEA, como destacado acima, mas também promove impactos sobre a taxa de poupança agregada. Do ponto de vista do indivíduo, a poupança está associada às fases da vida. Presume-se que os indivíduos poupem quando são jovens e principalmente adultos, acumulando um patrimônio que será consumido quando sua renda corrente for mais reduzida (velhice). O aumento da proporção de idosos implica que uma parcela maior da população vai estar em uma fase da vida em que estará consumindo toda a sua renda corrente e parte das economias acumuladas ao longo de seu período produtivo. Efetivamente, isso provoca uma tendência à redução da taxa de poupança agregada da sociedade. A ponderação dos efeitos positivos e negativos acima permite admitir uma elevação da poupança privada ao longo da próxima década quando comparada aos valores observados ao longo da década de 90. Importante também para a poupança total é a participação do setor público. Nos países asiáticos a poupança do setor público tem sido, em média, 7% do PIB. No Brasil, na década de 90, como se observa na tabela a seguir, a poupança do setor público como proporção do PIB tem sido negativa. Já a taxa de poupança do setor privado no Brasil, que variou entre 19% e 22% entre 1995 e 2000 é cerca de 5 pontos percentuais inferior àquela observada nos países asiáticos. Mesmo com a taxa de poupança do setor privado de 20% no Brasil, se o setor público poupasse o mesmo que nos países asiáticos, a taxa de poupança doméstica chegaria à casa dos 27%. Poupança - % do PIB 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Doméstica Pública Privada Externa 19,5% -3,0% 22,4% 2,8% 17,8% -1,0% 18,8% 3,1% 17,4% -1,6% 18,9% 4,1% 16,8% -3,9% 20,7% 4,3% 15,4% -5,8% 21,3% 4,7% 17,3% -1,6% 18,9% 4,2% 16,6% -0,5% 17,2% 4,5% 18,0% n.d. n.d. 0,7% Total Fonte: IBGE 22,3% 20,9% 21,5% 21,1% 20,2% 21,5% 21,2% 18,7% 58 Como notam Fábio Giambiagi e Ana Cláudia Além, "no período 1994/97 observou-se uma tendência ao aumento da propensão a consumir da economia como um todo, o que, a longo prazo, poderá comprometer o potencial de crescimento da economia."[Além e Giambiagi, 1997]. 59 Conforme Demirguç e Schwarz (1999), evidências internacionais indicam que a criação de planos de poupança obrigatórios, por exemplo, reduz a poupança voluntária dos indivíduos de alta renda, mas gera poupança adicional entre os indivíduos de baixa renda. Isto sugere que reformas previdenciárias que substituam sistemas de repartição simples por sistemas capitalizados terão efeitos sobre a poupança nacional mais pronunciados em países em desenvolvimento do que em países desenvolvidos. Reformas da previdência que promovam a expansão do regime de capitalização podem proporcionar, a médio prazo, maiores taxas de poupança doméstica. Cândido Júnior (1998) indica que a reforma previdenciária no Chile, que transformou o sistema de repartição em capitalização (com adesão compulsória), promoveu o crescimento da poupança previdenciária média dos trabalhadores de 1,6% do PIB, entre 1980 e 1984, para 3,3%, no período de 1990 a 1994. 96 Além disso, no passado, a poupança do setor público tinha peso significativo. Durante os anos 70, a taxa média de poupança do governo (que é a soma do superávit nominal com o investimento público) havia alcançado 5,9% do PIB, com o máximo de 7,04% em 1974. Representava um terço da poupança doméstica. Entre 1981 e 1985, esse número tornou-se negativo em -2,2% do PIB. Houve uma pequena recuperação a seguir, com a poupança governamental atingindo 3,3% do PIB no período 1986-90 e 1,8% entre 1991-95. Na segunda metade dos 90, como se observou acima, foi negativa. A nova Constituição, promulgada em 1988, ampliou muito o consumo do setor público que resultou em pressões deficitárias crescentes e de caráter estrutural. Como resultado, o Estado passou a contribuir direta ou indiretamente para a queda na poupança agregada. Diretamente, com déficits. Indiretamente, porque esses déficits continuados produzem aumento da dívida pública, induzindo a desconfiança quanto à capacidade de pagamento do setor público e o crescimento do serviço da dívida (juros). Além disso, o Estado passou a consumir uma parcela maior de recursos, o que é evidenciado pelo aumento da carga tributária média de 25% nos anos 70 e 80 para os 28% a 29% nos anos 90 até os 31,6% em 2000, 33,4% em 2001 e cerca de 36% em 2002. Por outro lado, a partir de 2000, com a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, foram criados e aprimorados parâmetros e instrumentos que disciplinam os gastos públicos, com efeitos mais marcantes em nível sub-nacional (estados e municípios). A imposição de limites ao endividamento destes entes federativos em conjunto com a necessidade de pagamento das dívidas anteriormente contraídas permite admitir a possibilidade de um aumento da poupança (ou redução da despoupança) do setor público nos próximos anos. O terceiro componente da poupança agregada, a poupança externa, representa a absorção líquida de recursos do exterior.60 Conforme apresentado na tabela acima, a poupança externa foi uma importante fonte de financiamento para a economia brasileira ao longo da segunda metade da década de 90, atingindo o montante de 4,5% do PIB em 2000. Isto garantiu uma relativa estabilidade da poupança agregada face ao declínio da poupança doméstica. Em linhas gerais, estes valores elevados de financiamento externo estão associados à combinação de condições favoráveis de liquidez dos mercados de capitais internacionais e reformas liberalizantes nos países em desenvolvimento, que atraíram capitais tanto via investimentos diretos quanto privatizações. Estas condições, entretanto, não tendem a se repetir no período para o qual efetua-se esta projeção. A rigor, está ocorrendo, no momento, uma redução da poupança externa, em função das mudanças de preços relativos gerados pela desvalorização real da taxa de câmbio, projetando inclusive um valor negativo para 2003. No longo prazo, é razoável admitir valores positivos de poupança externa compatíveis com as novas condições de financiamento externo. Admitimos que a poupança externa no período considerado será positiva, mas em níveis inferiores aos da segunda metade da década de 90. Conforme salientado anteriormente, existe uma associação estreita entre os níveis de poupança e de investimentos da sociedade. O próximo gráfico mostra a evolução da taxa de investimento, isto é, da relação entre o investimento bruto (em máquinas e equipamentos, construção residencial e não-residencial e acumulação de estoques) e PIB desde 1980. A taxa cai de 24% para cerca de 16% no final da década de 80, atinge seu ponto mais baixo em 1993 (pouco menos que 14%) e a partir daí recupera-se lentamente para atingir um patamar médio entre 16% e 17% na segunda metade dos anos 90. 60 A poupança externa é equivalente ao déficit em transações correntes do país, ou seja, ao valor líquido entre exportações e importações de bens e serviços. Admite-se que quando as importações de bens e serviços superam as exportações há a transferência de consumo do resto do mundo para o país, ou seja, há uma transferência de poupança externa para o país. 97 Taxa de investimento (% do PIB), IPEA 26,0 24,0 22,0 20,0 18,0 16,0 14,0 Taxa de investimento (% PIB) 2001 T1 1998 T1 1995 T1 1992 T1 1989 T1 1986 T1 1983 T1 1980 T1 12,0 12 por. Méd. Móv. (Taxa de investimento (% PIB)) Fonte: IPEA. Elaboração: Tendências. O gráfico a seguir apresenta a taxa de crescimento do estoque líquido (da depreciação) do capital fixo total e em máquinas e equipamentos e do PIB. Na década de 70, o estoque de capital crescia a uma taxa média entre 10% e 15%, caindo a partir daí para atingir a casa dos 2,0% na década de 90. Crescimento do estoque de capital e do PIB (% ao ano) 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 Capital fixo - estoque líquido - máquinas e equipamentos Capital fixo - estoque líquido - total 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 1975 1974 1973 1972 1971 1970 -5,0 PIB Fonte: IPEA. Elaboração: Tendências. Considerando-se a baixa taxa de poupança privada e pública e os limites para a captação adicional de poupança externa, conclui-se que nos próximos anos dificilmente a taxa de poupança agregada será superior à média dos últimos anos. Entretanto, dadas as mudanças no sistema de incentivos, existe a possibilidade de níveis de poupança interna mais elevados. Trabalhamos, portanto, com uma margem entre 18% e 24% (valor mais provável de 21%) para a poupança agregada61 e taxas de crescimento anual do estoque de máquinas e equipamentos entre 1% e 4% (valor mais provável de 2,5%).62 61 A poupança agregada média no Brasil atingiu 20,9% entre 1995 e 2002. Para efeito do cálculo da relação entre investimentos e aumento de estoque de capital, foi suposta uma relação entre capital líquido em máquinas e equipamentos e PIB de 0,5 e supusemos como dados no 62 98 4.1.3 Determinantes do crescimento potencial: produtividade O que determina o potencial de crescimento de um país é, por um lado, o aumento do estoque de fatores de produção – capital (investimentos) e população economicamente ativa (PEA) – e por outro, o aumento da produtividade dos fatores, que é função de inovações tecnológicas, educação e treinamento da mão-de-obra (capital humano), bem como da modernização de métodos gerenciais e de produção aumentando a eficiência no processo produtivo como um todo. O próximo gráfico mostra a taxa de crescimento do PIB total (dado original e média móvel decenal) e do PIB per capita entre 1950 e 2000. Evidentemente, qualquer periodização para examinar esses dados seria arbitrária. Uma, por exemplo, dividiria os cinqüenta anos em duas partes: até 1980 e depois. Nesse caso, vemos que a taxa de crescimento total média no primeiro sub-período encontra-se na casa dos 7,4% e o per capita na casa dos 4,4%. Entre 1980 e 2000 (inclusive), a economia cresce à taxa média de 2,35% e a renda per capita cresce em torno de 0,6% ao ano. Taxa anual de crescimento do PIB 15 13 11 9 7 5 3 1 -1 -3 Total Per capita 2000 1990 1980 1970 1960 1950 -5 10 por. Méd. Móv. (Total ) Fonte: IBGE Se compararmos as décadas de 70, 80 e 90 as diferenças são ainda mais marcantes. Na década de 70, o PIB total cresce 8,63% (per capita de 5,99%), na de 80 cresce 1,59% (-0,37%) e na de 90, 2,65% (0,99%). Há, portanto, uma forte queda entre as décadas de 70 e de 80 e uma leve recuperação na década seguinte. Uma análise dos determinantes do crescimento potencial do PIB entre as décadas de 50 e 90 ajuda a entender as mudanças. A próxima tabela mostra uma decomposição do crescimento do PIB63. período a depreciação do capital em máquinas e equipamentos (10% do PIB) e o investimento residencial bruto em 6%. Com base nessas hipóteses, tem-se a seguinte relação entre a taxa de poupança bruta (dK/Y) e a taxa de acumulação líquida de capital em máquinas e equipamentos (dKL/KL): dK/Y = 0,16 + 2* dKL/KL 63 Na tabela os autores estimam a produtividade total diminuindo a taxa de crescimento dos fatores trabalho e capital do crescimento do PIB. O conceito de produtividade total dos fatores assim estimado refere-se ao chamado “resíduo de Solow”. 99 Taxas anuais de crescimento do PIB, da mão-de-obra, do capital não residencial e da produtividade dos fatores (médias para os períodos) Crescimento médio anual 1970-80 1980-91 1991-2000 PIB 8,72% 1,54% 2,65% Mão-de-obra 3,72% 2,47% 0,03% Capital não residencial 13,54% 5,17% 2,21% Produtividade total dos fatores 0,09% -2,28% 1,73% Fonte: Bacha e Bonelli (2001). Enquanto na década de 70 a principal característica foi o crescimento do estoque de capital – o mais elevado desde a década de 50 – com baixo crescimento da produtividade, a década de 90 foi marcada por maior crescimento da produtividade e menor crescimento do estoque de capital. As décadas de 60 e 70 no Brasil correspondem, grosso modo, às décadas de 60 a 90 dos países asiáticos (Cingapura, Coréia, Hong Kong) em que as altas taxas de crescimento estão muito fortemente determinadas pelo crescimento do estoque de capital. Os anos 90 mostraram uma inflexão no comportamento da produtividade. A abertura comercial da economia, iniciada em 1991, foi um passo importantíssimo para aumento do potencial de crescimento do país. Esse movimento foi reforçado com o fim da hiperinflação a partir do Plano Real, permitindo que os preços voltassem a sinalizar adequadamente as opções de alocação de recursos, aumentando a eficiência no seu uso. Desta forma, assistiu-se a um vigoroso aumento da produtividade, principalmente na indústria de transformação. Foi um efeito once for all, indicando uma descontinuidade entre 1993 e 1996. Mas a partir de então ocorreu uma evolução contínua, a taxas mais moderadas, indicando que prosseguem os processos de introdução e absorção de novas técnicas. Esses fatos são evidenciados na tabela e gráfico a seguir, que apresentam recentes reestimativas de crescimento do PIB e da produtividade feitas por Regis Bonelli no IPEA64. Capital, PEA e PIB Potencial: Taxas Anuais de Crescimento (1990/2000) Anos Var PIB real Var K(uso) Var P ocup PTF Var K estoque Var PEA PIB POT 1990 -4,18% -4,34% -2,00% -1,01% 2,28% 3,13% 1,70% 1991 1,03% 0,33% 0,77% 0,48% 1,74% 1,18% 1,95% 1992 -0,54% -1,28% 0,37% -0,09% 1,70% 1,18% 1,35% 1993 4,92% 4,59% 0,64% 2,31% 2,13% 1,45% 4,10% 1994 5,85% 5,92% 1,30% 2,24% 2,53% 2,23% 4,62% 1995 4,22% 4,35% 1,36% 1,37% 2,58% 2,23% 3,78% 1996 2,66% 2,88% -2,39% 2,42% 2,68% -0,75% 3,38% 3,96% 1997 3,27% 3,52% 0,58% 1,22% 2,71% 2,78% 1998 0,22% -0,10% -1,79% 1,17% 2,13% 2,35% 3,41% 1999 0,79% 0,08% -1,11% 1,31% 1,74% 1,75% 3,05% 2000 4,46% 3,65% 1,40% 1,93% 1,67% 1,75% 3,64% 24,67% 20,88% -0,97% 14,13% 26,65% 21,00% 40,98% 2,02% 1,74% -0,09% 1,21% 2,17% 1,75% 3,17% 30,11% 26,37% 1,05% 15,29% 23,83% 17,33% 38,62% Acumulado Média Acum. 91-00 Média 91-00 2,65% 2,37% 0,10% 1,43% 2,16% 1,61% 3,32% K = capital, P ocup = população ocupada, PTF = produtividade total dos fatores, PIB POT = Produto Interno Bruto Potencial. Fonte: Bonelli (2001). 64 Outras fontes confirmam o mesmo movimento. Silva Filho (2001), em estudo do Banco Central do Brasil, mostra queda da produtividade na década de 80 e o mesmo salto em meados dos anos 90: “após 1992 a tendência de queda foi revertida. No período 1980-1992, a PTF (produtividade total dos fatores) caiu, em média, 0,7% ao ano, enquanto no período 1993-2000 houve crescimento médio de 0,9%”. Ferreira e Rossi, citados por Teixeira da Silva, “encontraram evidências, mas apenas para a indústria de transformação, de que a PTF caiu na segunda metade dos anos 80, e que a tendência de queda foi revertida na década de 90”. 100 Taxa de crescimento da produtividade total dos fatores 3,00% 2,50% 2,00% 1,50% 1,00% 0,50% 0,00% -0,50% -1,00% -1,50% 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fonte: Bonelli (2001). Esse aumento da produtividade na economia brasileira foi ampliado por dois fatores: primeiro, observou-se a obsolescência rápida de muitas empresas, o que representou uma destruição de capacidade instalada65; segundo, o país beneficiou-se de investimentos em infra-estrutura, iniciados nos anos 70 e completados nas décadas seguintes e que só então tiveram aproveitamento pleno. Evidentemente, a questão básica para se pensar o futuro do crescimento econômico diz respeito à continuidade e ritmo da expansão da produtividade. As novas tecnologias na informática e nas comunicações, que têm tido um papel importante no aumento da produtividade das economias desenvolvidas, também cumprem esse papel no Brasil. O Brasil pode se beneficiar desse processo até mais do que os países líderes, justamente por se encontrar mais atrasado e poder saltar etapas e evitar as tecnologias menos promissoras (efeito conhecido como leapfrogging). Por outro lado, parte significativa do capital humano no Brasil não está adequada às novas tecnologias e métodos de produção, por conta das desigualdades de oportunidades e de renda, bem como uma longa história de investimentos pouco eficazes na educação. O baixo nível de educação médio da população reduz a capacidade de assimilação de novas tecnologias e impõe um teto ao crescimento da produtividade. As políticas governamentais cumprem um papel importante no estímulo da produtividade, como foi o caso da abertura, ou desestímulo, como foi o caso da reserva de mercado para computadores66. Reformas estruturais fundamentais para proporcionar um maior dinamismo da produção e dos investimentos, bem como o aumento da poupança, por meio da reforma da previdência, trabalhista e tributária, ainda estão sendo conduzidas. Entre essas iniciativas, uma reforma nas relações trabalhistas, com a ampliação da desregulamentação da forma de negociação entre trabalhadores e empresas e a formação de salários pode ser uma mola propulsora dos ganhos de produtividade à medida que permite um maior espaço de negociações entre trabalhadores e empresas, viabilizando, desta forma, contratos mais eficientes e mais investimento em treinamento e qualificação entre os agentes. Um fator que tende a reduzir a produtividade é a deterioração ou esgotamento da capacidade da infra-estrutura. Um exemplo desse fato foi a crise de energia em 2001, mas encontramos exemplos, com efeitos menos agudos mas igualmente comprometedores da capacidade de crescimento, em quase todos os setores, como é o caso da piora da infra-estrutura de rodovias, aeroportos e transportes urbanos ou dos maiores investimentos e gastos requeridos com segurança. Nesse sentido, é necessária uma qualificação em relação aos impactos das políticas públicas regulatórias sobre os investimentos privados e seus impactos sobre o crescimento da produtividade. A absorção de novas tecnologias é uma condição importante para o aumento de produtividade. Neste sentido, políticas 65 Num primeiro momento, os novos investimentos não trouxeram um aumento da capacidade produtiva do país, mas sim uma reposição do capital destruído pela transição, reduzindo o estoque do fator capital, o que significa maior produto por capital, ou seja, maior produtividade. 66 Que nos anos 80 dificultou e encareceu o acesso de toda a economia nacional às novas tecnologias justamente no momento de maior dinamismo e mudanças nesse setor. 101 regulatórias que dificultam a absorção tecnológica por parte da sociedade tendem a reduzir os ganhos de produtividade. Lembrando-se que os expressivos ganhos de produtividade recentes nos países desenvolvidos estiveram relacionados a processos que aliam avanços na área de informática ao desenvolvimento das telecomunicações, políticas regulatórias que reduzem o incentivo aos investimentos nesse último setor podem ter impactos bastante negativos sobre o crescimento da produtividade. Atualmente a incerteza sobre o marco regulatório existente no setor elétrico se estende também ao setor de telecomunicações. À medida que essa incerteza pode obstaculizar a consolidação e ampliação de investimentos já realizados, é possível a ocorrência de uma expansão sub-ótima da infra-estrutura de telecomunicações com a redução da absorção de novas tecnologias. Como conseqüência, ocorre um crescimento menos robusto da produtividade. Para efeito dos cenários a serem considerados nesse estudo, uma hipótese prudente é supor que a produtividade se mantenha crescendo no mesmo ritmo dos anos 90. Há uma tendência de redução motivada pela não repetição de movimentos como a abertura e a estabilização, além da deterioração da infraestrutura e da piora do sistema tributário, mas que são contrabalançados: • pelo maior ritmo do progresso técnico derivado das novas tecnologias da informação; • pela inexistência da grave crise do início dos anos 90, que deprimiu a produtividade média desse período; • pela melhoria do sistema educacional; e • pela continuidade de iniciativas do governo que induzam aumentos de produtividade em toda a economia. Por outro lado, não se contempla nenhum retrocesso grave nas iniciativas que resultaram nos aumentos de produtividade, ou seja, reversões das privatizações ou da abertura ou volta da hiperinflação. Mais ainda, não se imagina possível a repetição do protecionismo ou do incentivo a indústrias pouco eficientes e competitivas ou uma má alocação de investimentos causada por uma inadequada intervenção governamental como ocorreu nos anos 80, em que a produtividade manteve-se em queda. O avanço das reformas estruturais mencionadas acima é um possível e provável fator de ampliação dos ganhos de produtividade. Assim, no cenário básico, a produtividade entre 2001 e 2010 é um fator neutro na variação das taxas de crescimento potencial em relação aos anos 90 (apesar de ser altamente positiva em relação aos períodos anteriores que examinamos). A taxa de crescimento da Produtividade Total dos Fatores (PTF) não deve aumentar, em média, mais que a taxa observada nos últimos anos da década de 90, pois não se repetirão os grandes ganhos resultantes da abertura, estabilização e privatizações. Por outro lado, não se imagina retrocesso nesses processos e continua existindo uma progressiva incorporação de novas tecnologias. Trabalhamos com uma margem entre 1,0% e 1,8% para o crescimento da PTF, com valor mais provável de 1,4%, que é a média verificada entre 1991 e 2000, conforme as estimativas de Bonelli (2001). 4.1.4. O cálculo do PIB potencial Com base nas premissas apresentadas anteriormente e determinadas hipóteses quanto à função de produção agregada e seus parâmetros 67, a taxa de crescimento potencial é dada por: Crescimento potencial (%) = %PTF + 0,45* %E + 0,55*%K Onde: %X significa o crescimento percentual da variável X; E = emprego; e K = capital em máquinas e equipamentos. Supusemos uma função de produção do tipo Y = A Eα KL1-α onde Y= produto, A= constante, E = emprego e KL = capital em máquinas e equipamentos. Com base em estimações de Bacha e Bonelli (2001), tomamos (1-α) = 0,55. 67 102 Em outras palavras, o crescimento potencial é dado pelo aumento do fator capital, com um peso de 55%, pelo aumento no fator trabalho, com um peso de 45% e pelo aumento da produtividade total dos fatores, que afeta ambos os fatores. Dadas as margens fixadas acima para o crescimento da PTF e do capital, temos as seguintes possibilidades para o crescimento médio do PIB potencial nos próximos anos: Crescimento anual do PIB (%) em função da variação anual da PTF e do estoque de capital produtivo %PTF = %PTF = %PTF = %PTF = 1,0% 1,2% 1,4% 1,6% %K = 1% (S/Y = 18%) 2,3 2,5 2,7 2,9 %K = 2% (S/Y = 20%) 2,7 2,9 3,1 3,4 %K = 2,5% (S/Y = 21%) 3,0 3,2 3,4 3,6 %K = 3% (S/Y = 22%) 3,2 3,4 3,6 3,8 %K = 4% (S/Y = 24%) 3,6 3,8 4,1 4,3 K = capital, S/Y = poupança /renda, PTF = produtividade total dos fatores. %PTF = 1,8% 3,1 3,6 3,8 4,0 4,5 Para efeito dos cenários neste estudo, partimos do pressuposto, portanto, que o crescimento potencial médio nos próximos cinco a dez anos será da ordem de 3,4%, no ponto central do intervalo considerado mais provável e factível68. Caso o crescimento efetivo fosse, em média, igual ao potencial, em dez anos a economia cresceria em torno de 37%, contra uma taxa de crescimento efetiva na década de 90 da ordem de 29%.69 A taxa de crescimento potencial pode ser superior a 3,4% em média se: (i) as taxas agregadas de poupança (e investimento) crescer(em) acima dos 21% como resultado de um aumento da poupança (investimento) do setor público ou de mudanças estruturais (tal como uma reforma da previdência ou avanços no mercado de capitais) que estimulem a poupança privada; e (ii) a taxa de crescimento da produtividade aumentar acima dos 1,4% em resposta a efeitos positivos (e subestimados por nós) da difusão de novas tecnologias e meios de transmissão de informações ou a um crescimento mais rápido do nível de educação médio da força de trabalho. A próxima tabela apresenta um conjunto mais extenso de possibilidades de crescimento do PIB potencial em função de várias hipóteses de variação anual do estoque de capital produtivo e da PTF, dado um crescimento médio da PEA de 1,5% ao ano. Nesse contexto, fica evidente que taxas de crescimento anuais como as verificadas nos anos 70, e mostradas no canto direito inferior da tabela, são praticamente impossíveis: exigiriam mudanças gigantescas na capacidade de investimento da economia e aumento contínuo da produtividade superior a 2% ao ano por mais de dez anos seguidos. A área do intervalo mais provável, conforme as premissas adotadas, aparece sombreada. 68 Bacha e Bonelli, em seu estudo, trabalham com as seguintes hipóteses: crescimento da PEA (1,5%), relação produto capital (0,5), investimento líquido não residencial como proporção do PIB (4%) e crescimento da PTF (2%) para chegar a uma estimação de crescimento do produto potencial da ordem de 3,8%. 69 Entre 1991 e 2000, a taxa média de crescimento efetiva do PIB no Brasil foi de cerca de 78% do PIB potencial, o que se explica pela alta instabilidade do período, sobretudo na primeira metade da década, mas também com três grandes crises internacionais afetando os países emergentes na segunda metade. Em um cenário tendencial, a diferença entre o PIB potencial e o efetivo tenderá a ser menor entre 2004 e 2013. 103 Crescimento anual do PIB em função da variação anual da PTF e do estoque de capital produtivo Variação anual da Produtividade Total dos Fatores (PTF) 2,99% 0,0% Variação anual do estoque de capital produtivo 0,00% 0,8% 0,25% 0,9% 0,50% 1,0% 0,75% 1,2% 1,00% 1,3% 1,25% 1,4% 1,50% 1,5% 1,75% 1,6% 2,00% 1,7% 2,25% 1,8% 2,50% 1,9% 2,75% 2,1% 3,00% 2,2% 3,25% 2,3% 3,50% 2,4% 4,00% 2,6% 4,50% 2,8% 5,00% 3,1% 5,50% 3,3% 6,00% 3,5% 6,50% 3,7% 7,00% 3,9% 7,50% 4,2% 8,00% 4,4% 8,50% 4,6% 9,00% 4,8% 9,50% 5,0% 10,00% 5,2% Elaboração Tendências. 0,8% 1,0% 1,1% 1,2% 1,3% 1,4% 1,5% 1,6% 1,7% 1,8% 1,9% 2,0% 1,6% 1,7% 1,9% 2,0% 2,1% 2,2% 2,3% 2,4% 2,5% 2,7% 2,8% 2,9% 3,0% 3,1% 3,2% 3,4% 3,7% 3,9% 4,1% 4,3% 4,6% 4,8% 5,0% 5,2% 5,4% 5,6% 5,9% 6,1% 1,8% 1,9% 2,1% 2,2% 2,3% 2,4% 2,5% 2,6% 2,7% 2,9% 3,0% 3,1% 3,2% 3,3% 3,4% 3,6% 3,9% 4,1% 4,3% 4,5% 4,8% 5,0% 5,2% 5,4% 5,6% 5,9% 6,1% 6,3% 1,9% 2,0% 2,2% 2,3% 2,4% 2,5% 2,6% 2,7% 2,8% 3,0% 3,1% 3,2% 3,3% 3,4% 3,5% 3,7% 4,0% 4,2% 4,4% 4,6% 4,9% 5,1% 5,3% 5,5% 5,7% 6,0% 6,2% 6,4% 2,0% 2,1% 2,3% 2,4% 2,5% 2,6% 2,7% 2,8% 2,9% 3,1% 3,2% 3,3% 3,4% 3,5% 3,6% 3,8% 4,1% 4,3% 4,5% 4,7% 5,0% 5,2% 5,4% 5,6% 5,8% 6,1% 6,3% 6,5% 2,1% 2,2% 2,4% 2,5% 2,6% 2,7% 2,8% 2,9% 3,0% 3,2% 3,3% 3,4% 3,5% 3,6% 3,7% 4,0% 4,2% 4,4% 4,6% 4,8% 5,1% 5,3% 5,5% 5,7% 6,0% 6,2% 6,4% 6,6% 2,2% 2,3% 2,5% 2,6% 2,7% 2,8% 2,9% 3,0% 3,1% 3,3% 3,4% 3,5% 3,6% 3,7% 3,8% 4,1% 4,3% 4,5% 4,7% 4,9% 5,2% 5,4% 5,6% 5,8% 6,1% 6,3% 6,5% 6,7% 2,3% 2,4% 2,6% 2,7% 2,8% 2,9% 3,0% 3,1% 3,3% 3,4% 3,5% 3,6% 3,7% 3,8% 3,9% 4,2% 4,4% 4,6% 4,8% 5,1% 5,3% 5,5% 5,7% 5,9% 6,2% 6,4% 6,6% 6,8% 2,4% 2,6% 2,7% 2,8% 2,9% 3,0% 3,1% 3,2% 3,4% 3,5% 3,6% 3,7% 3,8% 3,9% 4,0% 4,3% 4,5% 4,7% 4,9% 5,2% 5,4% 5,6% 5,8% 6,0% 6,3% 6,5% 6,7% 6,9% 2,5% 2,7% 2,8% 2,9% 3,0% 3,1% 3,2% 3,3% 3,5% 3,6% 3,7% 3,8% 3,9% 4,0% 4,1% 4,4% 4,6% 4,8% 5,0% 5,3% 5,5% 5,7% 5,9% 6,1% 6,4% 6,6% 6,8% 7,0% 2,6% 2,8% 2,9% 3,0% 3,1% 3,2% 3,3% 3,4% 3,6% 3,7% 3,8% 3,9% 4,0% 4,1% 4,2% 4,5% 4,7% 4,9% 5,1% 5,4% 5,6% 5,8% 6,0% 6,3% 6,5% 6,7% 6,9% 7,1% 2,7% 2,9% 3,0% 3,1% 3,2% 3,3% 3,4% 3,5% 3,7% 3,8% 3,9% 4,0% 4,1% 4,2% 4,3% 4,6% 4,8% 5,0% 5,2% 5,5% 5,7% 5,9% 6,1% 6,4% 6,6% 6,8% 7,0% 7,2% 2,8% 3,0% 3,1% 3,2% 3,3% 3,4% 3,5% 3,6% 3,8% 3,9% 4,0% 4,1% 4,2% 4,3% 4,4% 4,7% 4,9% 5,1% 5,3% 5,6% 5,8% 6,0% 6,2% 6,5% 6,7% 6,9% 7,1% 7,3% A taxa de crescimento potencial pode ser inferior a 3,4% ao ano se, por exemplo: (i) houver redução da poupança abaixo de 21% do PIB, seja porque o superávit primário do setor público se reduziu, seja porque houve uma redução da poupança externa em razão de mudanças no contexto internacional ou na capacidade do Brasil manter-se um devedor confiável; ou (ii) houver crescimento da produtividade total dos fatores abaixo dos 1,4%, seja porque o grau de exposição de produtores brasileiros à competição externa diminuiu, seja porque o ritmo de crescimento do nível educacional da força de trabalho caiu. O cenário de referência, ao qual atribuímos maior probabilidade de ocorrência, prevê crescimento médio anual do PIB de 3,4% ao ano. Como alternativa, apresentamos duas possibilidades: • A primeira, otimista, contempla um cenário em que um conjunto de reformas e uma adequada gestão econômica conduzem a um maior aumento de produtividade e a uma maior formação de poupança interna, resultando em um crescimento médio de 4,5% ao ano; • A segunda, pessimista, contempla uma repetição do desempenho médio da economia brasileira nas duas últimas décadas, com um crescimento médio de 2,3% ao ano. Representa um crescimento inferior ao desejável e possível da economia brasileira, mas deve ser considerado frente ao histórico recente da economia brasileira. A elaboração de cenários alternativos justifica-se diante dos impactos significativos que estas opções podem ter sobre a viabilidade e conveniência da adoção de diferentes modelos para o setor elétrico. A realização da hipótese otimista implica a ampliação dos investimentos requeridos para a adequada operação do sistema compatível com riscos aceitáveis de racionamento da demanda. Nesse caso, o montante de recursos adicionais necessários para a criação da oferta de energia pode alterar a configuração mais eficiente do modelo para o setor. Por exemplo, devido às restrições de recursos para 104 investimentos do setor público, não é razoável admitir que a expansão do sistema elétrico, em um cenário de expressivo crescimento da demanda, seja factível exclusivamente através de investimentos estatais. Por outro lado, a frustração do crescimento esperado (cenário pessimista) pode levar a perdas importantes de bem-estar para a sociedade caso a expansão do setor se mantenha dimensionada para uma situação de maior crescimento. Esse problema é visível, por exemplo, na hipótese de adoção de um modelo determinativo e pouco flexível para o setor elétrico. Excesso de investimentos no setor elétrico significa redirecionar, de forma ineficiente, recursos de outros setores nos quais esses seriam melhor aproveitados para um setor cuja produção potencial não será absorvida integralmente pela sociedade. Portanto, a organização do setor através do modelo indicativo pode resultar em maior grau de eficiência econômica. À medida que os agentes têm percepção de eventuais excessos de oferta, reduzem o montante de investimentos, compatibilizando-o com a expectativa de patamares mais baixos de preços no futuro. Permite-se, portanto, uma alocação mais eficiente dos recursos econômicos. Note-se que as taxas de crescimento adotadas em nosso cenário não se alinham com algumas projeções de demanda comumente elaboradas no passado para o setor elétrico. Isso ocorre porque estes estudos, em geral, superestimam a variação do PIB, extrapolando para o futuro as taxas de crescimento aceleradas de décadas passadas, quando as condições estruturais vigentes na economia brasileira eram muito distintas. A tabela acima mostra que taxas de crescimento acima de 4,5% são factíveis apenas em cenários nos quais combinam-se crescimento da produtividade e investimentos que não são razoáveis de se admitir para os próximos dez anos. 4.2 Dimensionamento das necessidades de energia Nesta seção, a partir dos cenários de crescimento médio da economia, iremos analisar a correlação entre evolução do PIB e consumo de energia elétrica, considerando também a elasticidade-preço do consumo de energia. O setor elétrico tem uma longa tradição de planejamento a longo prazo. No entanto, as projeções de evolução da demanda normalmente apresentam dois tipos de problemas: • Em primeiro lugar, superestimam o crescimento do PIB, utilizando comportamentos passados que dificilmente se repetirão nos próximos anos, como visto na seção 4.1. • Em segundo lugar, essas estimativas mantêm a mesma proporção de consumo de energia em relação à renda antes verificada, desconsiderando que a produção de energia elétrica dos novos empreendimentos deverá ter um custo de geração superior ao verificado no passado70. Dado que um bem econômico normalmente tem uma elasticidade-preço, o aumento do preço relativo deverá resultar em um crescimento do consumo em relação a PIB proporcionalmente menor do que o verificado no passado. A seguir, são discutidos os condicionantes da demanda de energia no Brasil e sua evolução histórica, com ênfase nos aspectos que afetam as previsões neste mercado. Em seguida, são avaliados alguns estudos existentes sobre a elasticidade-renda e a elasticidade-preço da demanda pelo produto. Dado o caráter contraditório e não-conclusivo da comparação destas informações, um modelo econométrico próprio é estimado para estes parâmetros. Esse modelo incorpora algumas das características da evolução da demanda obtidas através da análise histórica. Após algumas qualificações, os resultados da estimação são utilizados para o dimensionamento da demanda para o período 2003-2012. 4.2.1 Histórico e características da demanda A demanda de energia elétrica apresentou um comportamento pouco regular entre 1963 e 2001. O enorme crescimento nesse período esteve associado, em grande medida, à situação econômica do período, mas também a mudanças estruturais no padrão de consumo de toda a sociedade. Neste sentido, é possível observar tanto períodos de intenso crescimento como períodos de queda e/ou de grandes oscilações. 70 Isto porque as fontes mais baratas foram as primeiras a ser exploradas no passado e estão esgotadas. As novas fontes de energia, sejam quedas d’água ou termelétricas, terão custo por unidade de energia gerada mais elevado, encarecendo o preço médio da energia no país. 105 Foram identificados quatro períodos distintos que resumem o que ocorreu entre 1963 e 2001. Até 1986, no período identificado como “Milagre”71, a demanda de energia elétrica apresentou um crescimento muito acentuado. Esta enorme expansão foi proporcionada principalmente pelo chamado “milagre econômico” na década de 70, com elevados investimentos em indústrias eletrointensivas e com forte crescimento autônomo nas parcelas residenciais e comerciais, dado pela popularização de eletrodomésticos e produtos eletrônicos e pelo processo acentuado de urbanização que caracterizou boa parte do período (incluindo a quase universalização no fornecimento de energia elétrica). Assim, a demanda de energia passou de 34,5 mil GWh em 1969 para 178,2 mil GWh em 1986. Esse crescimento da demanda foi atendido pelos pesados investimentos estatais em infra-estrutura realizados na época, que foi também uma das características do período. Evolução da demanda de energia elétrica (1963 a 2002) – em Mil GWh “Pós - Racionamento” 2,4% “Real” 5,2% ªª 350 300 “Planos” 3,0% ªª 250 “Racionamento” -8,0% 200 150 “Milagre” 9,4% ªª 100 50 1999 1993 1987 1981 1975 1969 1963 0 Fonte: Ipea No período seguinte, de 1987 a 1994, a demanda de energia elétrica sofreu grandes oscilações no seu consumo. Em 1987, o consumo de energia elétrica ficou praticamente estável em relação ao ano anterior, sendo que nos anos posteriores sucederam-se anos de crescimento acentuado seguidos de anos de forte queda, em linha com as grandes flutuações na economia ocasionadas pelos vários planos mal sucedidos de combate à inflação. Essa instabilidade seguiu-se até 1992, quando se registra um período de maior ortodoxia na condução da economia que, se por um lado foi incapaz de reativar a economia e combater a inflação, permitiu ao menos uma certa constância no crescimento da demanda de energia, ainda em patamares pífios. O saldo desse período de estagflação foi um crescimento modesto da demanda de energia, em torno de 3% ao ano, puxado sobretudo pelo consumo residencial. De 1995 a 2000, a demanda de energia elétrica apresentou um crescimento mais expressivo, proporcionado principalmente pelo Plano Real. A expansão do consumo de duráveis, proporcionada pela estabilização da economia, garantiu o crescimento da demanda mesmo com as crises econômicas de 98-99. Nesse intervalo, o crescimento saltou para a casa de 5,2% ao ano, com um pico de quase 8% no melhor dos anos desse período. Em 2001, devido à falta de capacidade do setor elétrico em atender a demanda existente no país, foi implantado o racionamento de energia em algumas regiões, que resultou em um decréscimo de 8,0% do consumo de energia elétrica em relação ao ano anterior. Essa restrição forçada da demanda, acompanhada de aumentos significativos de preços, alterou hábitos de consumo de energia em todos os setores da economia, o que permite antecipar um novo regime para o comportamento da demanda de energia no país. Em 2002, o consumo total de energia expande-se apenas 2,4% em comparação ao ano anterior, com ênfase na redução do consumo residencial (queda de 5,2%). 71 O “milagre econômico”, como ficou conhecido o período de elevadas taxas de crescimento apresentadas pelo Brasil nos anos 60 e 70, durante o regime militar, encerrou-se, de forma clara, em 1979 com a segunda crise do petróleo. A denominação de “milagre” que damos aqui para o consumo de energia elétrica identifica um período de crescimento elevado, mas se estendendo vários anos após encerrado o “milagre econômico” propriamente dito. 106 Consumo de energia no Brasil – % médio ao ano Participação "Milagre" "Planos" "Real" "Racionamento" "Pós Racionamento" atual 1964-1986 1987-1994 1995-2000 2001 2002 100% 9,4% 3,0% 5,2% -8,0% 2,4% Residencial 42% 9,1% 5,8% 6,9% -8,8% -5,2% Comercial 15% 8,5% 4,8% 8,6% -6,8% 1,8% Industrial 43% 9,9% 0,8% 3,5% -7,0% 3,9% Eletrointensivos 27% Fonte: Ipea, BNDES, BEN. n.d. 2,3% 2,6% -7,5% n.d. Consumo Total 4.2.1.1 Setor industrial Atualmente o setor industrial representa cerca de 43% do consumo total de energia elétrica. Essa demanda evoluiu de forma muito mais próxima do comportamento geral da economia que nos demais segmentos de mercado. Na indústria, são menos relevantes as mudanças “autônomas” da demanda – não relacionadas diretamente ao nível de atividade da economia. No entanto, a sensibilidade do setor a mudanças de preços e da demanda agregada é muito maior e mais rápida que nos demais segmentos, motivo pelo qual os grandes períodos acima destacados não coincidem exatamente com as mudanças de comportamento no setor industrial. Até 1980, os anos do milagre econômico propriamente dito, registrou-se um forte crescimento da demanda, associado à acelerada industrialização do país, aos enormes investimentos em infra-estrutura e à substituição do petróleo na matriz energética brasileira. Com o esgotamento desse processo de crescimento acelerado – a partir da crise de 1981 – a demanda passou a apresentar um crescimento mais modesto, voltando a registrar crescimentos mais vultosos apenas entre 1985 a 1987 (primeiros anos do governo Sarney). Evolução da demanda de energia elétrica na indústria (1963 a 2002) – em Mil GWh 140 “Planos” 120 “Real” 3,5% ªª “Pós -Racionamento” 3,9% 0,8% ªª 100 80 “Racionamento” -7,0% “Milagre” 9,9% ªª 60 40 20 0 1963 1967 1971 1975 1979 1983 1987 1991 1995 1999 Fonte: Ipea. De 1987 a 1993 o crescimento da demanda de energia elétrica da indústria sofreu grandes oscilações, principalmente devido à instabilidade econômica da época e, posteriormente, devido à abertura comercial, que resultou no fechamento de várias indústrias. No Plano Real a demanda voltou a apresentar um crescimento mais expressivo, mas abaixo dos outros setores da economia. Como em todos os setores, em 2001 observa-se queda de 7,0% no consumo devido ao racionamento. Em 2002, o consumo expande-se 3,9%. 107 4.2.1.2 Setor comercial A participação do setor comercial no consumo total atinge 15% atualmente. A demanda de energia deste segmento apresentou um crescimento contínuo até 1987, chegando neste ano a um consumo de 20,6 mil GWh (11,4% do total). Em todo esse período, o crescimento médio da demanda de energia no comércio (8,5% ao ano) havia sido inferior ao da indústria (9,9% ao ano), motivo pelo qual o consumo do comércio representava naquele momento apenas 1/5 do consumo industrial. No período de 1987 a 1994 também registraram-se sensíveis oscilações no consumo desse setor, mas em proporções bem menores se comparadas ao setor industrial. Na média do período, o que se observou foi uma reversão do processo, com um crescimento médio do consumo no comércio significativamente superior ao da indústria. Já durante o Plano Real a demanda de energia elétrica do comércio apresentou um grande crescimento, mantendo a tendência de expansão acima dos níveis da indústria. Enquanto a demanda de energia no setor industrial cresceu somente 3,5% ao ano de 1995 a 2000, o setor comercial ampliou seu consumo em 8,6% ao ano. Evolução da demanda de energia elétrica no comércio (1963 a 2002) – em Mil GWh “Real” 8,6% ªª 50 40 “Planos” 4,8% ªª 30 20 “Pós -Racionamento” 1,8% “Racionamento” -6,8% “Milagre” 8,5% ªª 10 1999 1995 1991 1987 1983 1979 1975 1971 1967 1963 0 Fonte: Ipea 4.2.1.3 Setor residencial Atualmente, o consumo residencial representa cerca de 42% do consumo total de energia elétrica. Este segmento é o que apresenta o menor vínculo com o crescimento da economia no curto prazo. Ao longo das últimas quatro décadas, uma série de fatores “autônomos” à atividade econômica provocou uma enorme alta no consumo residencial no país. Entre estes fatores, podemos enumerar a expansão da rede de eletrificação, que hoje alcança mais de 90% dos domicílios do país, e o desenvolvimento, barateamento e difusão de produtos elétricos e eletro-eletrônicos de consumo doméstico. Até 1987, o crescimento da demanda residencial de energia foi bastante acentuado (9,1% ao ano), acima do verificado no setor comercial. No final desse período, a demanda alcançou 38,3 mil GWh (21,3% do consumo total). Esse crescimento está vinculado sobretudo à eletrificação de boa parte do país e à disseminação da “primeira onda” de equipamentos eletro-eletrônicos de consumo – rádio, televisão, geladeira, chuveiro elétrico, máquinas de lavar etc. Assim como ocorreu em toda a economia, o período entre 1987 e 1994 foi marcado por fortes oscilações na demanda residencial de energia. Neste período, a despeito das oscilações da economia, o processo de abertura econômica permitiu a entrada da “segunda onda” de eletro-eletrônicos – videocassetes, computadores, CD players, freezers, ar-condicionado, aquecedores elétricos etc. – o que elevou a necessidade de energia dos domicílios do país. O saldo desse processo foi um crescimento da demanda residencial bem acima da média da economia e dos demais setores. Com o Plano Real, e o conseqüente choque de oferta e de crédito, ocorreu a “universalização” de vários dos produtos eletroeletrônicos da primeira e segunda onda. Milhões de lares que estavam marginalizados do consumo de duráveis passaram a demandar muito mais energia em seus lares, elevando o consumo residencial em 49,7% no período de 1994 a 2000. 108 Com o racionamento em 2001, o consumo de energia elétrica do setor residencial caiu 8,8% em relação ao ano anterior. Este setor foi o que apresentou a maior queda, em virtude das ambiciosas e bem sucedidas metas de economia estabelecidas pelo governo nas regiões Sudeste e Nordeste. Esta retração no consumo apresenta continuidade no período seguinte. Em 2002, o consumo residencial apresenta redução de 5,2% quando comparado ao ano anterior. Esta persistência indica a alteração do comportamento dos consumidores devido à elevação das tarifas e efeitos da substituição de aparelhos elétricos em direção a dispositivos mais eficientes do ponto de vista energético, a partir do racionamento. Este efeito é mais perceptível quando são isolados os efeitos diretos do racionamento. Comparando-se os primeiros semestres dos anos de 2001 e 2002, há uma redução de aproximadamente 20% no consumo. Evolução da demanda de energia elétrica residencial (1963 a 2002) – em Mil GWh “Real” 6,9% ªª 90 80 70 “Planos” 5,8% ªª 60 50 40 “Racionamento” -8,8% “Milagre” 9,1% ªª 30 “Pós -Racionamento” -5,2% 20 10 1999 1995 1991 1987 1983 1979 1975 1971 1967 1963 0 Fonte: Ipeadata 4.2.1.4 Eletrointensivos Os setores eletrointensivos da indústria tiveram sua “construção” principalmente nos anos do “milagre econômico”. Embora não haja estatísticas disponíveis quanto à evolução desses setores do consumo industrial para antes de 1985, estes certamente foram um dos principais fatores a puxar a demanda industrial entre 1960 e 1985. Mesmo nos anos que se sucederam, durante os sucessivos planos econômicos que tinham por objetivo controlar a inflação, a demanda dos eletrointensivos manteve boas taxas de crescimento. Apenas com o choque monetário do plano Collor, em 1990, é que estes setores acusaram o forte impacto (menor que nos demais setores da economia), mas ainda assim recuperando-se nos anos seguintes e retomando as mesmas taxas de crescimento anteriores até 1993. De 1993 a 2000, a demanda de energia elétrica apresentou uma relativa estabilidade, com crescimento anual médio de 0,8% ao ano. Este menor crescimento decorre principalmente da substituição das fontes de energia no setor. A participação neste período caiu de 24% para 22% da demanda total de energia. Boa parte da demanda de produtos dos setores eletrointensivos tem como destino o mercado internacional. Nesse período, os anos em que houve um aquecimento da demanda interna foram sempre anos em que o câmbio esteve mais valorizado. Nesse contexto, estes setores apenas realocaram produtos do mercado externo para o mercado interno. Na situação contrária, exceto por 1990, ocorria o oposto. Essa regularidade se manteve em boa medida durante o período do Real, sendo interrompida em 2001 em virtude do racionamento de energia. O saldo desse movimento foi um crescimento acumulado, entre 1990 e 2000, de 19,2%, seguido de uma queda de 4,5% por causa do racionamento. 109 Evolução da demanda de energia elétrica dos setores eletrointensivos (1985 a 2001) – em mil GWh “Real” 0,8% ªª 85 80 “Planos” 3,2% ªª 75 “Racionamento” -4,5% 70 65 60 55 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 50 Fonte: Balanço Energético Nacional, 2000. 4.2.2 Elasticidades: estimativas para o Brasil Conforme visto acima, a dinâmica de oferta e demanda de energia elétrica foi marcada por distintos “períodos” ao longo das últimas quatro décadas. No último ano, em virtude do racionamento de energia e de seus efeitos determinantes sobre a atividade econômica, a dinâmica de oferta e demanda de energia elétrica no Brasil ganhou importância. Ainda assim, apesar dessa relevância, existem poucos trabalhos aplicados sobre o tema. Neste trabalho, foi realizada a estimação dos parâmetros de elasticidade da demanda por energia elétrica para os três diferentes grupos de consumo (industrial, comercial residencial) e para o consumo total agregado. Para estimar as elasticidades de cada grupo i (segmento do consumo), foi usada a seguinte equação: log(Ci ,t ) = α i + β i , 0t + β i ,1 log( PIBt ) + β i , 2 log( Pi ,t ) Onde, Ci,t = consumo de energia elétrica do grupo i no período t PIBt = PIB no período t Pi,t = preço da energia elétrica para o grupo i no período t αi = constante para o grupo i ßi,0 = tendência linear (consumo autônomo) ßi,1 = elasticidade-renda para o grupo i ßi,2 = elasticidade-preço para o grupo i Esta equação tem a vantagem de medir a sensibilidade do comportamento da demanda de energia elétrica (variável exógena) a mudanças na renda e no preço (variáveis endógenas), separando efeitos que estejam relacionados a outros fatores (sobretudo o consumo “autônomo” que, como visto, teve um papel fundamental na evolução passada da demanda), cujo efeito é dado pelo parâmetro ßi,072. 72 A estimação foi realizada a partir de dados anuais que compreendem o período de 1974 a 1998. A utilização de dados anuais em contraposição a dados mensais ou trimestrais faz com que os parâmetros estimados possam ser considerados elasticidades de longo prazo. 110 Os resultados estimados para elasticidade do consumo de energia elétrica brasileira no período analisado são comparados na próxima tabela73: Estimativas da elasticidade do consumo de energia - Consumo Brasil Total Residencial Comercial Elasticidade-Renda 1,124 0,770 0,669 1,682 Elasticidade-Preço -0,096 -0,036 0,046 -0,108 4,44% 0,00% 2,52% 5,04% Tendência (ao ano) Fontes: Eletrobrás, IBGE, FGV e MME. Estimativas Tendências Industrial Em linhas gerais, é possível notar que o consumo total de energia elétrica possui uma elasticidade-renda próxima à unidade e uma elasticidade-preço bastante reduzida. Adicionalmente, os movimentos autônomos que afetam o consumo de energia representaram um crescimento da demanda de aproximadamente 2,5% anual. Os resultados completos da estimação para todos os segmentos de consumo (coeficientes, significância estatística e capacidade explicativa dos modelos) são apresentados no Anexo I. A estimação por classe de consumo indica a existência de variações importantes nos parâmetros entre as diversas categorias, em decorrência das dinâmicas diferenciadas de incorporação de novos consumidores e substituição de equipamentos. Entretanto, a baixa elasticidade-preço é comum a todas as classes de consumo devido ao grau de essencialidade do produto em um país em desenvolvimento, de tal forma que o preço tem um peso secundário na decisão de consumo dos agentes. O principal fator que afeta a demanda de energia industrial é o crescimento da produção e da renda e não há impacto do componente autônomo sobre a demanda.74 Nas classes residencial e comercial, ao contrário, o componente autônomo representa o principal fator de variação da demanda de energia elétrica. No primeiro caso, isso ocorre principalmente devido ao processo de incorporação de novos consumidores e difusão de aparelhos eletrodomésticos efetivado ao longo do período da estimação. No segundo, a modernização do setor com o surgimento e disseminação de grandes centros de compras e hipermercados e aumento do grau de terceirização da economia podem ser elencados como fatores determinantes da intensidade encontrada para o parâmetro. As mudanças de hábitos de consumo da população (compras noturnas, por exemplo) acentuaram esta tendência. 75 A elasticidade-preço positiva encontrada para a classe comercial, indicando elevação do consumo associada a aumento de preços, reflete uma distorção do processo de estimação decorrente da redução do valor real das tarifas ao longo da década de 80 seguida de posterior recomposição. Este valor será desconsiderado para efeito das projeções. Quando analisados à luz dos aspectos históricos ponderados anteriormente, os resultados obtidos são bastante satisfatórios sob o aspecto qualitativo. 4.2.3 Mudanças estruturais: alterações de parâmetros A estimação dos parâmetros do modelo econométrico foi realizada para um período marcado por uma seqüência de alterações estruturais na economia brasileira e por um comportamento diferenciado do próprio consumo de energia, o que efetivamente motiva a divisão do período nas fases apresentadas anteriormente. A utilização desses parâmetros, em um cenário no qual algumas dessas mudanças estruturais não devem voltar a acontecer com a intensidade do passado e podem ser delineadas alterações na sociedade de outra natureza, deve ser feita ajustando-os para estas novas condições. 73 Os cálculos das elasticidades foram implementados partindo-se de séries anuais de consumo e preços construídas a partir dos dados divulgados pela Eletrobrás. Os dados de consumo de energia iniciam-se em 1963 e estão disponíveis até 2002 para o consumo total e para os segmentos de consumo industrial, comercial e residencial. Já as séries de preços de energia elétrica são mais curtas, estando disponíveis apenas para o período entre 1974 e 1998. As séries de preços são divulgadas pela Eletrobrás em dólares e foram, em seguida, convertidas em moeda corrente e deflacionadas pelo IGP-DI, que melhor representa os custos médios da economia. Para calcular a elasticidade-renda foi adotado Produto Interno Bruto real divulgado pelo IBGE. 74 O coeficiente estimado é numericamente próximo de zero e, do ponto de vista estatístico, pode ser considerado nulo. 75 Aparelhos com menor consumo de energia não eram um grande atrativo nas lojas de eletrodomésticos. Assim como no comércio, poucas vezes se levava em conta o custo da iluminação no lay out de um ponto comercial. 111 Em linhas gerais, é possível esboçar uma redução na taxa de crescimento “autônoma” da demanda, concomitante a uma elevação nas elasticidades-renda e preço para as diversas categorias de consumo. Em primeiro lugar, o acréscimo previsto da elasticidade-preço da demanda decorre principalmente do aumento do preço da energia elétrica vis-à-vis os demais preços da economia. Quando isso ocorre, empresas e os consumidores residenciais tornam-se mais suscetíveis à redução do consumo frente a novas elevações de tarifas. O emprego de recursos em outras aplicações alternativas se torna mais atrativo devido à alteração dos preços relativos.76 Portanto, para todos os segmentos de consumo, o valor da elasticidade-preço foi elevado. Em segundo lugar, é também razoável supor um incremento na elasticidade-renda para todas as categorias de consumo. Os estudos internacionais apresentados no Anexo II indicam uma associação positiva entre o nível de desenvolvimento econômico e o patamar da elasticidade-renda da demanda em países em desenvolvimento. Portanto, à exceção do segmento industrial, os parâmetros de elasticidaderenda adotados para as projeções foram elevados em aproximadamente 10% em relação aos estimados no modelo econométrico. A alteração mais importante, em paralelo ao aumento nas elasticidades, deve ocorrer no consumo autônomo, o fator mais relevante na ampliação do consumo nas últimas décadas. Para todos os segmentos analisados, é possível admitir um declínio do crescimento autônomo da demanda por energia, com especial destaque para o segmento residencial. A continuidade da ampliação do número de eletrodomésticos esperada para a próxima década devido à incorporação de novos consumidores ao mercado deve ter como contrapartida a substituição gradual do estoque atual de eletrodomésticos por aparelhos que consomem menos energia. Também se espera uma substituição do uso de energia elétrica para fins térmicos, do qual destaca-se a substituição de chuveiros elétricos por aquecedores a gás natural, gás liquefeito de petróleo (GLP) ou solares. Em paralelo, não prevemos mudança importante na taxa anual de crescimento da rede residencial de energia elétrica. Em primeiro lugar, existe uma estabilidade esperada no ritmo de constituição de famílias em relação à década passada. Ademais, não é esperado um impacto significativo sobre o sistema dos programas de universalização. Segundo a Aneel, aproximadamente 2,5 milhões de domicílios brasileiros – cerca de 11 milhões de habitantes – não têm acesso à energia elétrica, sendo que o índice geral de domicílios atendidos atinge atualmente a marca de 94,5%. A Agência estima que o programa de universalização, regulamentado pela Resolução 233/2003, beneficiará cerca de 1,7 milhões de habitantes em 2004. Aproximadamente 4 mil municípios estariam universalizados até o final de 2008, e cerca de 7 milhões de habitantes, que hoje não têm acesso à energia, teriam atendimento pleno. Essa expansão não deve causar impacto adicional expressivo sobre a demanda considerando-se que o maior contingente de famílias incorporadas sob este critério compreende famílias de baixa-renda, com consumo próximo aos valores mínimos. No segmento comercial esperamos uma redução no ritmo de eletrificação de novos estabelecimentos em relação à década passada devido à redução do ritmo da disseminação de instalações comerciais mais modernas. Portanto, com a redução do crescimento autônomo, a expansão do consumo deve depender relativamente mais fortemente do aumento da renda. Levando-se em consideração os fatores expostos acima, adotamos uma redução de 50% na taxa de crescimento autônomo da demanda para todas as classes de consumo. Por outro lado, o segmento industrial deve ser o menos afetado pelo racionamento do ponto de vista estrutural. O consumo de energia elétrica neste setor recuperou-se mais rapidamente após a restrição forçada no consumo aproximando-se, já em 2002, dos patamares pré-racionamento. No longo prazo, entretanto, a maior disponibilidade de fontes alternativas de energia – como o gás natural – deve contribuir para uma redução do crescimento autônomo para esse segmento. Entretanto, de modo conservador e levando-se em consideração que o parâmetro estimado é estatisticamente nulo, optamos por não alterar a taxa de crescimento autônomo para esse segmento, mantendo-a igual a zero. A tabela a seguir apresenta os parâmetros utilizados para efeito das projeções de demanda de energia, levando-se em consideração as alterações previstas no comportamento dos agentes mencionadas acima: 76 No caso das empresas, por exemplo, isso ocorre através da substituição da energia elétrica por outras fontes de energia como o gás natural e pela adoção de processos mais eficientes no uso da energia. Consumidores residenciais também podem optar por outras fontes e igualmente adotar equipamentos mais eficientes. 112 Parâmetros projetados de elasticidade do consumo de energia – Brasil (2003-20012) Total Residencial Comercial Industrial Elasticidade-Renda 1,200 0,847 0,736 1,682 Elasticidade-Preço -0,134 -0,150 -0,120 -0,119 1,26% 2,52% 2,22% 0,00% Tendência (ao ano) Fontes: Eletrobrás, IBGE, FGV e MME. Estimativas Tendências 4.2.4 Projeções da demanda: hipóteses sobre preços futuros De acordo com o modelo de previsão explicitado na seção anterior, o dimensionamento da demanda futura exige a projeção do crescimento da renda e dos preços da energia para cada categoria de consumo.77 Alguns fatores devem afetar os preços da energia elétrica para as várias classes de consumidores tanto no futuro imediato quanto ao longo de todo o período coberto por esta projeção. Do ponto de vista imediato, o efeito das perdas das empresas com o racionamento em 2001 deve sobreporse ao excesso de oferta de energia, havendo um repasse destas perdas para as tarifas. No médio e longo prazo, um outro fator que deveria contribuir para a elevação dos preços médios da energia é a redução de fontes mais baratas de expansão do sistema hidráulico que ocorre gradualmente com o aproveitamento em primeiro lugar das fontes mais rentáveis do ponto de vista técnico. Este efeito se destaca em um modelo de desenvolvimento do sistema elétrico no qual a variável relevante para a definição da tarifa é o preço de mercado. Na medida que a demanda exigisse a expansão do parque gerador, a tendência seria uma elevação do preço de mercado até atingir o custo marginal de produção. As propostas iniciais do novo modelo, decorrentes da possibilidade de alteração no marco regulatório no novo governo, estavam baseadas em contratos de longo prazo entre geradoras e distribuidoras, através de um pool, o que tenderia a diluir os custos mais altos da incorporação de novas fontes de energia com usinas antigas em potenciais hidráulicos mais econômicos e cujos investimentos já foram amortizados. No modelo proposto pelo Ministério das Minas e Energia a concessão de novas usinas hidrelétricas não seria por concessão onerosa, mas por licitação de menor preço. Essa proposta poderá sofrer alteração, mas neste cenário a variável relevante para definição do preço tende a ser o custo médio de geração. As implicações dessa alteração foram consideradas no capítulo 2 sobre a estrutura tarifária. Nosso cenário de referência para os preços projetados da energia elétrica para estimação da demanda supõe a continuidade da recuperação de preços e elevação das tarifas de energia para todos os segmentos de consumo. Como hipótese básica, antecipa-se a continuidade desta tendência para os próximos três anos sendo seguida por uma estabilização dos preços para os anos seguintes. Devido às incertezas existentes quanto ao marco regulatório, efetuamos dois cenários de preços para efeitos de projeções. No cenário de referência, estimamos que os preços da energia devem ser majorados, em termos reais, em cerca de 20% nos próximos três anos. No segundo cenário, esse percentual é distribuído ao longo do período de projeção, o que significa um crescimento de 3,42% ao ano nas tarifas. 4.3 Estimativas da demanda de energia A partir dos cenários de renda e preços e definição dos parâmetros de elasticidades e consumos autônomos, a projeção da demanda de energia elétrica foi realizada para as categorias de consumo individualmente, bem como para a demanda total. A combinação das hipóteses de crescimento do PIB (3,4% e 4,5% ao ano) e o aumento das tarifas (incremento de 20% distribuído ao longo de três ou dez anos) resultam em 5 cenários distintos. A tabela a seguir sintetiza a composição dos cinco cenários. 77 A princípio, existe uma circularidade envolvida nesta projeção pois o preço de mercado futuro depende do próprio comportamento da demanda a cada período do tempo, que é exatamente a variável que aqui se pretende estimar. A solução para este problema envolve a definição de uma hipótese inicial a respeito da evolução dos preços da energia e sua utilização para a projeção da demanda. Com os resultados obtidos para o cenário da oferta de energia é possível, em seguida, avaliar a compatibilidade entre os pressupostos adotados e os resultados que podem ser obtidos através da comparação entre os cenários propostos de demanda e consumo de energia elétrica. 113 Composição dos cenários para demanda de energia Crescimento do PIB (ao ano) Prazo de elevação das tarifas 3,40% 4,50% 2,30% 3 anos Cenário 1 Cenário 3 - 10 anos Cenário 2 Cenário 4 Cenário 5 No cenário de referência (Cenário 1), por exemplo, há crescimento do PIB de 3,4% ao ano combinado ao crescimento de 20% nas tarifas de energia distribuídos ao longo de 2003 a 2005, seguido da estabilidade dos preços. Nesse panorama, projeta-se uma demanda total de energia de aproximadamente 477 mil GWh em 2012 (290 mil GWh em 2002), o que representa uma taxa de crescimento médio de cerca de 5,09% ao ano. A demanda atinge o patamar mais alto no Cenário 3 (540 mil GWh em 2012), devido ao maior ritmo de crescimento do produto e da renda. Notar que esse patamar de demanda representa um acréscimo de 13,3% na necessidade de energia ao final do período em relação ao cenário de referência. O cenário 5, de menor crescimento econômico, é o que resulta em menor crescimento da demanda. Para essa hipótese de baixo crescimento do PIB, não se fez uma contrapartida de um cenário de incremento mais acelerado das tarifas, pois isso se faria desnecessário em virtude do esgotamento mais lento das fontes de menor preço. A próxima figura apresenta a evolução da demanda de energia em cada um dos cinco cenários, com as figuras seguintes apresentando a demanda por segmento (residencial, industrial e comercial) Os resultados numéricos detalhados em cada cenário são apresentados nas tabelas a seguir. Demanda de Energia Elétrica Total por Cenários, em GWh/ano 650.000 550.000 450.000 350.000 250.000 150.000 Observado Cenário 3 Cenário 1 Cenário 4 Cenário 2 Cenário 5 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 50.000 114 Demanda de Energia Elétrica Residencial por Cenários, em GWh/ano 140.000 130.000 120.000 110.000 100.000 90.000 80.000 70.000 60.000 Observado Cenário 3 Cenário 1 Cenário 4 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 50.000 Cenário 2 Cenário 5 Demanda de Energia Elétrica Comercial por Cenários, em GWh/ano Observado Cenário 3 Cenário 1 Cenário 4 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 80.000 75.000 70.000 65.000 60.000 55.000 50.000 45.000 40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 Cenário 2 Cenário 5 Demanda de Energia Elétrica Industrial por Cenários, em GWh/ano 280.000 240.000 200.000 160.000 120.000 Observado Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3 Cenário 4 Cenário 5 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 80.000 115 Demanda de Energia Elétrica, em GWh/ano - Cenário 1 (Cresc. PIB = 3,4% ao ano e Aumento de Preços de 20% em 3 anos) Taxa Média de Crescimento da 2002 2012 Demanda (% ao ano) Total Residencial 290.285 476.795 5,09% 72.656 119.662 5,12% Comercial 45.260 70.269 4,50% Industrial 127.435 217.587 5,50% Demanda de Energia Elétrica, em GWh/ano - Cenário 2 (Cresc. PIB = 3,4% e Aumento de Preços de 20% em 10 anos) Taxa Média de Crescimento 2002 2012 da Demanda (% ao ano) Total 290.285 477.069 5,09% Residencial 72.656 119.740 5,12% Comercial 45.260 70.305 4,50% Industrial 127.435 217.696 5,50% Demanda de Energia Elétrica, em GWh/ano – Cenário 3 (Cresc. PIB = 4,5% e Aumento de Preços de 20% em 3 anos) Taxa Média de Crescimento 2002 2012 da Demanda (% ao ano) Total 290.285 540.186 Residencial 72.656 130.698 6,41% 6,05% Comercial 45.260 75.909 5,31% Industrial 127.435 258.910 7,35% Demanda de Energia Elétrica, em GWh/ano - Cenário 4 (Cresc. PIB = 4,5% e Aumento de Preços de 20% em 10 anos) Taxa Média de Crescimento 2002 2012 da Demanda (% ao ano) Total Residencial 290.285 540.493 6,41% 72.656 130.782 6,05% Comercial 45.260 75.948 5,31% Industrial 127.435 259.037 7,35% Demanda de Energia Elétrica, em GWh/ano - Cenário 5 (Cresc. PIB = 2,3% e Aumento de Preços de 20% em 10 anos) Taxa Média de Crescimento 2002 2012 da Demanda (% ao ano) Total Residencial 290.285 420.424 3,77% 72.656 109.545 4,19% Comercial 45.260 65.042 3,69% Industrial 127.435 182.390 3,65% 4.4 Conclusões Entre 2003 e 2012, o crescimento da demanda total de energia é bastante distinto nos cinco cenários desenvolvidos, variando entre 44,8% no cenário de menor crescimento até 86,2% no de maior crescimento. As projeções de demanda de energia para o segmento industrial, que é a mais sensível a taxas de crescimento da economia, variam ainda mais, situando-se entre 43,1% e 103,3%. A síntese dos resultados acumulados em cada cenário é apresentada na próxima tabela: 116 Crescimento acumulado da demanda de energia entre 2002 e 2013 em cada cenário Cenários 1 2 3 4 5 Total 64,3% 64,3% 86,1% 86,2% 44,8% Residencial 64,7% 64,8% 79,9% 80,0% 50,8% Comercial 55,3% 55,3% 67,7% 67,8% 43,7% Industrial 70,7% 70,8% 103,2% 103,3% 43,1% A demanda mostrou-se sensível às variações do crescimento da economia, mas relativamente pouco afetada pelas hipóteses de aumento de preços. Os cinco cenários apresentados não cobrem todas as possibilidades. Cenários de maior crescimento têm baixa probabilidade e dificilmente poderiam ser viabilizados, dadas as limitações estruturais da economia brasileira analisadas ao longo deste capítulo. Não haveria justificativa econômica em superdimensionar o crescimento alocando recursos escassos para atender a uma demanda de energia que não concretizar-se-ia. No entanto, cenários de menor crescimento e, conseqüentemente, menor demanda de energia são perfeitamente factíveis. Na verdade, poderiam, por exemplo, simplesmente representar a repetição do padrão médio recente de crescimento da economia brasileira Qualquer grande crise, sem adequada reação, da qual também existem inúmeros exemplos nas últimas décadas, poderia igualmente implicar menores taxas de crescimento. O próprio não atendimento da demanda de energia poderia resultar em um desses cenários. Tais cenários de menor demanda, no entanto, não foram desenvolvidos, pois implicam imaginar uma situação de crescimento muito inferior à desejada e julgada possível na economia brasileira. Não haveria muito sentido em desenvolver um trabalho de planejamento e dimensionamento do setor elétrico brasileiro no longo prazo para um crescimento inferior ao desejado e possível. O próprio cenário 5 já representa um extremo, repetindo um padrão de crescimento que apesar de ter sido o efetivamente verificado desde o início dos anos 80, não é o desejado pela sociedade brasileira. 117 Referências Abegglen, James C., 2000. "Sea Change, Pacific Asia as the new world industrial center", Simon & Schuster Inc, New York. Além, Ana Claúdia e Giambiagi, Fabio, 1997. “Aumento do Investimento: O Desafio de Elevar a Poupança Privada no Brasil”. Revista BNDES 8, Rio de Janeiro. Andrade, Thompson A., Lobão, Waldir J.A., 1997. “Elasticidade renda e preço da demanda residencial de energia elétrica no Brasil”. Texto para Discussão Nº 489, IPEA, Rio de Janeiro. Bacha, E. e Bonelli, R. 2001. “Crescimento e produtividade no Brasil: o que nos diz o registro de longo prazo”, MIMEO, IPEA. Boneli, Regis (2001), “Produtividade Total dos Fatores (PTF) e Produto Potencial da Economia Brasileira: Uma Nota”, Boletim Conjuntural 53, IPEA, Abril. 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New York. 118 Anexo I – Elasticidades: Resultados das Estimações Demanda de Energia Elétrica Total – Resultados Econométricos Variável Dependente: LOG(QT) Método: Mínimos Quadrados Amostra: 1974 1998 Observações incluídas: 25 após ajustes dos pontos extremos Variáveis Coeficiente Erro Padrão Estatística t P-value C TENDÊNCIA LINEAR LOG(PIB) LOG(PT) D88 4.638120 0.025214 1.124040 -0.095594 -0.173303 1.178477 0.006562 0.223419 0.032115 0.061870 3.935691 3.842204 5.031085 -2.976591 -2.801097 0.0008 0.0010 0.0001 0.0075 0.0110 R-quadrado 0.986644 Estatística F 369.3513 R-quadrado Ajustado 0.983972 Prob( Estatística F) 0.000000 Onde, QT = Consumo Total de Energia Brasil PT = Preço da Energia Total Brasil D88 = Variável dummy para o ano de 1988 Demanda de Energia Elétrica Comercial – Resultados Econométricos Variável Dependente: LOG(QC) Método: Mínimos Quadrados Amostra: 1974 1998 Observações incluídas: 25 após ajustes dos pontos extremos Variáveis Coeficiente Erro Padrão Estatística t P-value C TENDÊNCIA LINEAR LOG(PIB) LOG(PC) D88 4.774740 0.044375 0.669394 0.046288 -0.185168 0.941357 0.005355 0.178520 0.027506 0.049323 5.072188 8.286891 3.749691 1.682854 -3.754162 0.0001 0.0000 0.0013 0.1080 0.0012 R-quadrado 0.991274 Estatística F 568.0247 R-quadrado Ajustado 0.989529 Prob( Estatística F) 0.000000 Onde, QC = Consumo Comercial de Energia Brasil PC = Preço da Energia Comercial Brasil D88 = Variável dummy para o ano de 1988 Demanda de Energia Elétrica Industrial – Resultados Econométricos Variável Dependente: LOG(QI) Método: Mínimos Quadrados Amostra: 1974 1998 Observações incluídas: 25 após ajustes dos pontos extremos Variáveis Coeficiente Erro Padrão Estatística t P-value C TENDÊNCIA LINEAR LOG(PIB) LOG(PI) 1.219054 -0.000134 1.682158 -0.108027 1.781182 0.010173 0.338599 0.054594 0.684407 -0.013218 4.967988 -1.978739 0.5012 0.9896 0.0001 0.0611 R-quadrado 0.956327 Estatística F 153.2822 R-quadrado Ajustado 0.950088 Prob( Estatística F) 0.000000 Onde, QI = Consumo Industrial de Energia Brasil PI = Preço da Energia Industrial Brasil Demanda de Energia Elétrica Residencial – Resultados Econométricos Variável Dependente: LOG(QR) Método: Mínimos Quadrados Amostra: 1974 1998 Observações incluídas: 25 após ajustes dos pontos extremos Variáveis Coeficiente Erro Padrão Estatística t P-value C TENDÊNCIA LINEAR LOG(PIB) LOG(PR) D88 4.654874 0.050400 0.769758 -0.036409 -0.213071 1.005256 0.005440 0.189729 0.021857 0.052019 4.630536 9.263950 4.057148 -1.665809 -4.096013 0.0002 0.0000 0.0006 0.1113 0.0006 R-quadrado 0.993578 Estatística F R-quadrado Ajustado 0.992294 Prob( Estatística F) Onde, QR = Consumo Residencial de Energia Brasil PR = Preço da Energia Residencial Brasil D88 = Variável dummy para o ano de 1988 773.6008 0.000000 119 Anexo II – Elasticidades: estudos existentes Estudos para o Brasil Neste anexo analisaremos especificamente três trabalhos de maior expressão que tratam de mensurar as elasticidades da demanda de energia. Estes três estudos apresentam diferentes métodos para cálculo de elasticidade e, também, resultados bastante distintos. O trabalho do IPEA (1997), utilizando dados de 1970 a 1995, apresenta resultados de elasticidade-renda e preço da demanda somente para o consumo residencial de energia. A partir de três diferentes métodos de estimação os autores chegam a resultados parecidos, garantindo robustez nos resultados. Sintetizando os resultados, o estudo aponta para uma elasticidade-renda de 0,21 e uma elasticidade-preço de –0,06. Também foi estimada uma elasticidade-preço cruzada, com relação aos preços dos eletrodomésticos, de –0,17. O trabalho do MME (1999) analisa a elasticidade-renda para o consumo total de energia elétrica utilizando dados de 1970 a 1999. O texto explicita a forma de cálculo das elasticidades sugerindo uma análise incipiente baseada na correlação entre taxas médias de crescimento do PIB e do consumo de energia elétrica. São encontrados resultados de elasticidades-renda para diferentes períodos de tempo que não coincidem com resultados dos demais trabalhos ou com comparativos internacionais. Para o período de 1970/99 a elasticidade-renda foi de 1,79, para 1992/97 de 1,23 e para 1997 de 2,0. Desta forma, classificamos esses resultados como pouco confiáveis. O trabalho da FGV (2001) foi divulgado depois do anúncio do racionamento de energia elétrica pelo governo brasileiro. Apesar de focar suas atenções em um segmento específico da demanda (eletrointensivos), o estudo apresenta diversas medidas de elasticidade. Utilizando dados de 1994 a 1998, através de um painel regional de consumo de energia elétrica, os autores calculam elasticidades para o consumo total, industrial, comercial e residencial de energia, usando como parâmetros renda e nível de emprego. Para o consumo total de energia, a elasticidade-renda encontrada foi de 0,66 e a elasticidadeemprego (nível de emprego) foi de 1,59. Considerando apenas o consumo industrial, a elasticidade-renda encontrada foi de 1,03 e a elasticidade-emprego industrial de 1,09. Para o consumo comercial a elasticidade-renda foi de 0,89 e a elasticidade-emprego comercial de 0,93. Para o consumo residencial, apenas elasticidade em relação à massa salarial foi calculada, sendo seu valor de 0,63. A tabela seguinte compara os resultados dos três trabalhos: Resultados das mensurações de elasticidade da demanda de energia (a) IPEA MME FGV 1970-1995 1970-1999 1994-1998 Anual Anual Mensal Elasticidade-renda 0,21 1,79 0,66 Elasticidade-preço -0,06 n.e. n.e. n.e. n.e. 1,59 Período Elasticidade-emprego Elasticidade-preço cruzada -0,17 n.e. n.e. (a) Metodologias não comparáveis; (b) n.e. = não estimado. Fontes: FGV, MME e IPEA. Estudos internacionais Na medida em que os trabalhos locais não são conclusivos, a consistência das estimativas próprias pode ser testada a partir de evidências internacionais. Três trabalhos distintos foram utilizados para este fim. Ishiguro e Takamasa (1995), em trabalho elaborado pelo Banco Mundial, estudam o comportamento da demanda de energia nos países asiáticos (“tigres” da primeira e segunda geração) e obtêm resultados bastante heterogêneos. Notar que nesse trabalho não foi adotada uma tendência linear como a presente nas estimativas da Tendências para o Brasil. 120 Elasticidade-preço e renda para demanda de eletricidade – sem constante Setor Industrial Renda Brasil (Tendências) 1,68 China 0,68 Indonésia 3,16 Malásia 0,86 Filipinas 1,09 Coréia 0,9 Taiwan, China 0,58 Tailândia 1,18 N.E. = não estimado. N.S. = não significante. Fontes: IECCP, Banco Mundial. Preço -0,11 N.E. N.S. -0,48 N.S. -0,39 -0,37 N.S. Haas e Schipper (1998), estudam o papel das melhorias irreversíveis de eficiência na demanda residencial de energia elétrica nos países da OCDE no período entre 1970 e 1993. O modelo adotado difere daquele que utilizamos neste trabalho, motivo pelo qual os resultados não são diretamente comparáveis. Em linhas gerais, os autores sugerem um modelo econométrico loglinear com um componente autoregressivo (consumo de energia no período anterior). Ln(Et ) = C +α ln(Pt ) + β ln(Y t ) + γ ln(HDDt ) + δ ln(Et−1 ) Onde: Et é o consumo de energia residencial no período; C é a constante; α é a elasticidade-preço absoluto da demanda; Pt é o preço em valor real no período; β é a elasticidade-renda da demanda em nível absoluto; Yt é o nível de renda privada; γ é a elasticidade da demanda de energia em relação ao clima; HDDt é o número de dias quentes no ano (foi desconsiderado para o Brasil); δ é a influência do consumo em t-1 no consumo presente; A título comparativo, o modelo sugerido pelos autores foi estimado utilizando os dados brasileiros. Os resultados são consistentes com as diferenças entre o Brasil e o conjunto de países coberto pelo estudo original. A elasticidade-renda para a demanda residencial atinge 0,563, acima da média dos países desenvolvidos. A sensibilidade a preço é inferior a dos países desenvolvidos (-0,02 para o Brasil, ante – 0,10 para a maior parte dos países da OCDE), refletindo estágios diferentes de desenvolvimento. Estimação das elasticidades-preço e renda no período de 1973 a 1993 Constante Elasticidade-preço Elasticidade-renda 0,56 Brasil (Tendências) -0,68 -0,02 EUA 2,44 -0,09 0,12 Japão 1,17 -0,10 0,53 Suécia 2,30 -0,11 NS Alemanha -2,74 -0,09 0,27 Reino Unido -0,54 -0,11 0,33 Dinamarca 0,13 -0,22 NS Noruega -0,26 NS 0,50 França 5,52 MS 0,31 Áustria -4,28 -0,21 Itália 5,70 NS Fonte. Haas e Schipper (1998), IBGE, Eletrobrás e MME. Elaboração: Tendências. 0,70 0,21 121 A aplicação do modelo ao consumo total conduz a resultados mais condizentes com o esperado. A elasticidade-renda encontrada foi de 0,648 e a elasticidade-preço de -0,058. Por fim, as Nações Unidas (United Nations, 1998) elaborou estudos sobre a elasticidade atual e prospectiva da demanda por região do planeta. Este estudo não é comparável com qualquer trabalho aqui já realizado, mas permite medir a convergência internacional a determinados padrões de consumo e, principalmente, a atual distância das diferentes regiões. O Brasil, como visto, apresenta um padrão de elasticidade-renda próximo ao dos países em desenvolvimento. Notar que na próxima tabela fica clara a significativa diferença entre as elasticidadesrenda dos países em desenvolvimento (entre 1,0 e 1,2 na média dos períodos entre 1970 e 2000) e os países desenvolvidos (na casa de 0,6). Elasticidade-renda por região, 1970 a 2020. Região 19701975 19751980 19801985 19851990 19901995 19952000 20002005 Industrializados 0,74 0,69 0,03 0,55 0,84 0,83 0,54 União Soviética/E. Oriental 1,27 2,89 1,39 0,39 0,68 0,55 0,43 Em desenvolvimento 0,98 0,94 1,77 1,33 1,17 0,89 0,79 0,73 Ásia 1,03 0,71 0,81 0,66 0,88 0,84 China 0,88 0,63 0,48 0,51 0,51 0,6 0,59 Países asiáticos sem China 1,21 0,95 1,05 0,84 1,22 1,03 0,83 0,95 0,94 0,69 0,69 0,85 0,92 0,75 Total Mundo Fonte: International Outlook 1998 Nesse sentido, os números internacionais parecem corroborar nossas estimativas e as hipóteses subseqüentes de redução na elasticidade-renda adotadas. 122 Sumário executivo Este capítulo constrói cenários de demanda de energia elétrica para o Brasil ao longo dos próximos dez anos visando balizar a estimação da necessidade de investimentos no setor. Foram construídos cenários macroeconômicos e analisada a correlação do crescimento da economia com a demanda por energia, considerando a evolução futura dos preços de energia. Cenários Macroeconômicos O cenário macroeconômico ao qual atribuímos maior probabilidade de ocorrência prevê crescimento médio do PIB de 3,4% ao ano entre 2003 e 2013. Foram feitos dois cenários alternativos. O otimista considera que reformas estruturais e uma adequada gestão econômica conduzem a uma maior formação de poupança interna, resultando em um crescimento médio de 4,5% ao ano. O pessimista admite um crescimento médio de 2,3% ao ano, similar ao verificado nos últimos vinte anos. Cenários de crescimento ainda menor e, conseqüentemente, de menor demanda de energia são factíveis. Não foram desenvolvidos, pois implicam imaginar uma situação de crescimento muito inferior à desejada e julgada possível na economia brasileira. O cenário pessimista trabalha com taxas de crescimento abaixo do desejado e possível, mas é importante ter uma projeção realista do consumo de energia, pois uma estimativa exagerada da demanda implica sobreinvestimento, com desperdício de recursos escassos e perda de bem-estar da sociedade. No modelo que está se delineando para o setor, alicerçado em contratos de longo prazo de venda garantida de energia, a demanda aquém da prevista pode representar substanciais transferências de renda entre os agentes econômicos. Cenários de preços de energia O enorme crescimento do consumo de energia no Brasil entre 1963 e 2001 esteve associado à situação econômica do período e a mudanças estruturais no padrão de consumo da população. Em 2001, o racionamento de energia e os aumentos significativos de preços alteraram os hábitos de consumo de energia em todos os setores. A estimação das elasticidades renda e preço levou em consideração alterações previstas no comportamento dos agentes. Prevê-se um aumento da elasticidade-preço devido ao aumento das tarifas, um aumento da elasticidade-renda, aproximando-se do comportamento internacional dos países em desenvolvimento, e uma redução do consumo autônomo (consumo autônomo representa a parcela que, no modelo econométrico de estimação, não depende da renda ou dos preços e é equivalente à tendência). As elasticidades e os resultados estimados são os seguintes: Parâmetros para a estimação da demanda Estimado Projetado Elasticidade-Renda 1,124 1,200 Elasticidade-Preço -0,096 -0,134 Tendência (ao ano) 2,25% 1,26% Supõe-se ainda a continuidade da recuperação de preços e elevação das tarifas de energia para todos os segmentos de consumo, mas com duas hipóteses para o ritmo de aumento: distribuído ao longo do período de projeção (10 anos) ou em apenas 3 anos. Cenários de demanda de energia Os dois cenários de preços combinados com os cenários macroeconômicos básico e otimista resultam em quatro cenários de demanda de energia. Uma quinta alternativa combina o cenário macroeconômico pessimista com a hipótese de crescimento das tarifas mais suave. As premissas são sintetizadas a seguir: Cen. Premissas de cada cenário Crescimento médio Aumento de preços anual do PIB da energia 1 2 3 4 5 3,4% 3,4% 4,5% 4,5% 2,3% 20% em 03 anos 20% em 10 anos 20% em 03 anos 20% em 10 anos 20% em 10 anos Os resultados estimados para a demanda de energia no período de dez anos são apresentados nas tabelas a seguir. Crescimento médio anual da demanda de energia entre 2002 e 2013 em cada cenário Cenários 1 Total Residencial Comercial Industrial 5,09% 5,12% 4,50% 5,50% 2 5,09% 5,12% 4,50% 5,50% 3 6,41% 6,05% 5,31% 7,35% 4 6,41% 6,05% 5,31% 7,35% 5 3,77% 4,19% 3,69% 3,65% 123 Crescimento acumulado da demanda de energia entre 2002 e 2013 em cada cenário Cenários 1 Total Residencial Comercial Industrial 64,3% 64,7% 55,3% 70,7% 2 3 4 64,3% 86,1% 86,2% 64,8% 79,9% 80,0% 55,3% 67,7% 67,8% 70,8% 103,2% 103,3% 5 44,8% 50,8% 43,7% 43,1% Como se observa, a demanda de energia é sensível às várias hipóteses de crescimento da economia, mas com os resultados ao final de dez anos sendo pouco sensíveis à trajetória dos preços.♦♦ 124 5. INVESTIMENTOS REQUERIDOS PARA A EXPANSÃO DO SETOR ELÉTRICO Neste capítulo dimensionamos o volume de investimentos requeridos no setor elétrico. Para estimar os investimentos, precisa-se estabelecer premissas para três aspectos fundamentais: • a projeção de demanda; • a composição de novas usinas; e • o custo de instalação de cada tipo de usina. As premissas referentes à evolução da demanda foram explicitadas e exploradas no capítulo anterior. A seguir, as premissas referentes à composição das novas usinas e seus custos serão explicitadas e exploradas para estimar o montante de investimentos necessários para que o setor elétrico esteja apto a atender às necessidades da sociedade nos próximos dez anos. Como o objetivo é obter estimativas de custos de investimentos por MW instalado e não confrontar precisamente os custos de várias alternativas, optamos por uma estimação conservadora dos investimentos requeridos. Assim, consideramos um cenário de crescimento de demanda por energia elétrica moderado e adotamos estimativas conservadoras para o custo de instalação das novas usinas, sobretudo as hidrelétricas, sem considerar os custos financeiros incorridos durante o período de instalação das usinas. Em seguida serão exploradas as principais fontes de recursos disponíveis para financiar esses empreendimentos. 5.1 Premissas básicas O dimensionamento dos investimentos requeridos será desenvolvido considerando uma matriz de seis cenários. Estes cenários resultam da combinação de três cenários de evolução da demanda e dois cenários para a composição das novas usinas. Dado o longo período de tempo requerido para a instalação de novas usinas, o planejamento da expansão do setor elétrico de curto a médio prazo (1-3 anos) precisa contemplar os cenários de crescimento mais otimistas, para garantir que o setor elétrico não venha a tornar-se um gargalo para o crescimento econômico caso haja um boom de crescimento extraordinário. Por outro lado, é necessário também ser cauteloso para não onerar demasiadamente o consumidor promovendo a expansão do sistema elétrico de forma desnecessária. Tendo isso em mente, dimensionamos o volume de investimentos requeridos tanto para a demanda de energia estimada no cenário de referência, o Cenário 1; como também para o otimista, o Cenário 3; e o cenário pessimista, o Cenário 5. Apesar de considerarmos os Cenários 3 e 5 menos prováveis, eles não deixam de ser factíveis e a sua ocorrência precisa ser considerada. Cenários de projeção da demanda de energia elétrica Demanda CENÁRIO 1 projeção de referência CENÁRIO 3 projeção alta CENÁRIO 5 projeção baixa Com relação aos cenários para a matriz energética consideramos duas opções para a expansão do parque gerador, levando em conta diferentes ritmos de desenvolvimento do Programa de Incentivo a Fontes Alternativas (Proinfa) e diferentes proporções de expansão hidrelétrica versus termelétricas. Além da demanda de energia elétrica, para dimensionar os investimentos necessários, também é preciso definir a matriz energética desejada e o custo de instalação de cada tipo de usina contemplado. 5.2 Cenários de expansão da matriz energética A definição da matriz energética depende de uma série de fatores: • o custo relativo de cada fonte energética; • os riscos e as incertezas associados a cada fonte energética; • o estímulo ao desenvolvimento tecnológico etc. Dados esses múltiplos critérios, a definição da matriz energética requer uma análise interdisciplinar. Dois fatores são muito importantes na definição dessa matriz. O primeiro é o Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa); o segundo é a competitividade das novas usinas hidrelétricas e termelétricas para suprir o remanescente do crescimento da demanda projetada. 125 No passado as usinas hidrelétricas eram as mais competitivas, dada a dotação de recursos energéticos no Brasil. Recentemente, as termelétricas estão tornando-se mais competitivas devido a avanços tecnológicos que as tornaram termodinamicamente mais eficientes; à maior disponibilidade de gás natural em decorrência da descoberta de novas fontes e o seu transporte pela instalação de gasodutos; e o progressivo esgotamento dos potenciais hidrelétricos de aproveitamento mais econômico. O Proinfa foi constituído pela Lei 10.438/02 com o objetivo de incentivar a instalação de usinas de geração elétrica de fontes alternativas, mais especificamente de pequenas centrais hidrelétricas (PCH), usinas eólicas e usinas de biomassa. Prevê duas fases. A primeira visa promover a instalação de 3.300 MW de usinas das fontes alternativas até 30 de dezembro de 2006. A segunda fase visa promover a instalação de usinas a partir de fontes alternativas, de forma que em 20 anos 10% da energia do país seja gerada de fontes alternativas. Trata-se de um programa bastante ambicioso, que tornará as fontes alternativas uma das principais fontes da energia nova. Considerando o nosso cenário de referência para a evolução da demanda, a realização da Fase I do Proinfa significaria que cerca de 20% da capacidade a ser instalada entre 2003 e 2006 seria de fontes alternativas. Para viabilizar as fontes alternativas, a Lei prevê que a Eletrobrás proverá contratos de compra dessa energia, pelo prazo de 15 anos, ao “valor econômico correspondente à tecnologia específica de cada fonte”, valor este a ser definido pelo Ministério de Minas e Energia. Os custos referentes a esses contratos serão então rateados entre todas as classes de consumidores. Com relação à composição das usinas convencionais, a maior parte da carga deverá ser suprida provavelmente por novas hidrelétricas. Uma das boas surpresas da reforma do setor elétrico foi a redução do custo e tempo de instalação de novas usinas hidrelétricas pelo setor privado. Esse ganho de eficiência tornou a geração hidrelétrica mais competitiva, se bem que parte dessa competitividade tem sido atribuída à construção apenas de usinas a fio d’água (sem reservatório) e à falta de sinalização econômica adequada na alocação dos custos de transmissão e de perdas. A maior parte da expansão do parque gerador hidrelétrico em curso situa-se nas bacias hidrográficas do Rio Tocantins, Rio Uruguai, Rio Paraná e Atlântico Leste (veja a próxima tabela). Nos próximos anos, a expansão do parque gerador hidrelétrico tenderá a se deslocar para regiões mais distantes dos grandes centros de consumo, principalmente para a região Norte, onde se encontra a maior parte dos potenciais hidrelétricos ainda não desenvolvidos. A exploração desses potenciais exigiria a construção de grandes troncos de transmissão para o transporte da energia para os centros de carga. Exemplos de projetos nessa direção são os propostos pela Eletronorte e Furnas, respectivamente, para a construção da usina de Belo Monte, no Rio Xingu, Pará, e das usinas Jirau e Santo Antônio no Rio Madeira, em Rondônia. A viabilidade econômica desses projetos, quando acrescidos os custos de transmissão e as incertezas, sobretudo as decorrentes das distâncias e das questões ambientais, ainda precisaria ser analisada, o que fica além do escopo deste trabalho78. Expansão do parque gerador hidrelétrico (MW) Rio Amazonas Rio Tocantins Atlântico Norte/Nordeste Rio São Francisco Construção Ampliação Concedida Projeto Autorização TOTAL 248,10 2,65 - 153,20 84,09 488,04 1.333,20 4.125,00 - 9,80 16,06 5.484,06 1,50 - - 11,20 25,10 37,80 105,00 2,02 - 8,22 25,00 140,24 Atlântico Leste 660,00 12,40 793,00 267,52 392,46 2.125,38 Rio Paraná 823,29 1.418,85 406,36 107,68 112,44 2.868,62 Rio Uruguai 2.590,00 - 1.000,00 15,04 46,65 3.651,69 129,20 - 45,00 376,75 96,50 647,45 TOTAL 5.890,29 5.560,92 Fonte: Aneel (2002). Atlas de Energia Elétrica do Brasil. 2.244,36 949,41 798,30 15.443,28 Atlântico Sudeste 78 Além disso, sua construção deslocaria outros projetos competitivos, cuja viabilidade de construção pela iniciativa privada é muito maior, por pelo menos uma década. A escassez de recursos e a dificuldade de atrair investimentos privados para investimentos desse porte e risco concentrado são fatores adicionais que deveriam ser levados em conta na análise de viabilidade de tais projetos. 126 As novas usinas hidrelétricas em construção, concedidas e em projeto apresentam uma capacidade de armazenamento relativamente pequena. Isso reduz significativamente o custo, o impacto social e ambiental, e o tempo de instalação das novas usinas. Por outro lado, eleva a suscetibilidade e dependência do sistema hidrelétrico das condições hidrológicas. A capacidade de armazenamento do parque gerador brasileiro no passado era suficiente para promover uma regularização entre anos de hidrologia favorável e adversa. No futuro próximo, dada a adição prevista relativamente pequena de reservatórios, a capacidade de armazenamento do parque hidrelétrico será suficiente somente para promover a regularização anual ou até menos do que isso (caso do projeto de Belo Monte, por exemplo). Isso significa que a relação da energia assegurada com a capacidade instalada do parque gerador hidrelétrico terá que ser reduzida ou que usinas de complementação terão que ser instaladas para compensar a perda de capacidade de geração das hidrelétricas em períodos de hidrologia adversa, o que reduzirá significativamente a competitividade da geração hidrelétrica. Em outras palavras, a geração de energia hidráulica está ficando relativamente mais cara, ou seja, a competitividade dessa energia tende a diminuir. O potencial hidráulico do país é enorme. Como pode ser visto no próximo gráfico, a maior parte dos potenciais hidrelétricos do país ainda não foram explorados. No entanto, a maior parte desse potencial encontra-se em regiões distantes dos centros de carga e poderá enfrentar sérias restrições ambientais. Isso significa que a opção pela geração hidrelétrica ou termelétrica será feita primordialmente por restrições ambientais e econômicas, e não pelo esgotamento físico dos potenciais hidrelétricos. Potencial hidrelétrico estimado e aproveitado (MW) em cada bacia hidrográfica Altântico Norte/Nordeste Atlântico Sudeste Rio Uruguai Atlântico Leste Rio São Francisco Rio Tocantins Rio Paraná potencial estimado disponível 120000 100000 80000 60000 40000 20000 0 Rio Amazonas potencial aproveitado Fonte: Aneel (2002). Atlas de Energia Elétrica do Brasil. As usinas termelétricas apresentam diversas vantagens para a obtenção de investimentos e de financiamento privado. São mais simples de financiar, no sentido de que se trata de uma tecnologia mais padronizada que pode ser instalada num período de tempo menor e mais previsível do que as usinas hidrelétricas. A proporção de custos variáveis das usinas termelétricas também é maior, o que significa que as necessidades de financiamento são menores, pois que uma proporção maior dos custos é incorrida somente quando as usinas são operadas. Apesar dessa vantagem, a competitividade das termelétricas depende, entre outros, de um fator básico: o desenvolvimento do mercado de gás natural. Atualmente o preço do gás natural é indexado a uma cesta de combustíveis transacionadas no mercado internacional (cotados em dólar) e regido por contratos de preço fixo, com compromissos de pagamento parcialmente independentes da quantidade de gás consumido e transportado (70% de take-or-pay e 95% de ship-or-pay). Esta é uma restrição significativa para a expansão termelétrica em um sistema predominantemente hidrelétrico. Desta forma, no curto prazo, a participação das usinas termelétricas deverá ser limitada às usinas iniciadas ou com equipamentos comprados, em decorrência do Programa Prioritário de Termelétricas promovido no governo passado. Ao longo do tempo a competitividade relativa da geração termelétrica aumentará à medida que os aproveitamentos hidrelétricos mais econômicos e ambientalmente viáveis forem se esgotando, além do que o aumento da participação de 127 usinas hidrelétricas sem reservatório deverá sinalizar no médio prazo a necessidade de uma complementação termelétrica adicional para reduzir a dependência nas condições hidrológicas. Se, no entanto, as condições do mercado de gás forem alteradas, seja por uma renegociação do contrato do gás boliviano, seja pela ampliação da participação do gás natural produzido no país, as termelétricas poderão desempenhar um papel mais importante na expansão do parque gerador nos próximos anos, com uma participação crescente aproximando-se da metade de toda a nova capacidade. Outra questão a ser analisada no caso da geração termelétrica, e que poderia aumentar sua competitividade, seria a isenção da cobrança de encargos requeridos para atender necessidades do parque hidrelétrico. A energia gerada pelas termelétricas (não integrantes da Conta Consumo de Combustíveis) também é, como a das hidrelétricas, onerada pelo Encargo de Capacidade de Emergência (ECE), pela Conta de Consumo de Combustíveis (CCC)79, pelo componente selo da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), e pela falta de uma alocação adequada das perdas na transmissão. Como esses encargos e tarifas cobrem custos sistêmicos decorrentes do fato de a matriz energética ser primordialmente hidrelétrica, existem questionamentos quanto a cobrança desses encargos também para a parcela de energia gerada pelas termelétricas. A capacidade de produção das usinas termelétricas não depende das condições hidrológicas. Portanto a sua energia não deveria ser onerada pelo ECE e pela CCC, que são utilizadas para sustentar os custos fixo (capacidade) e variável (combustível) de usinas mantidas para complementar as usinas hidrelétricas em caso de hidrologia adversa. A energia gerada pelas usinas termelétricas também deveria receber um tratamento diferenciado com relação aos custos decorrentes da transmissão, pois elas estão situadas próximo aos centros de carga. A maior parte da rede de transmissão é necessária para transportar a energia das hidrelétricas, que se situam longe dos centros de carga, e para permitir o intercâmbio de energia entre as regiões, de modo a aproveitar a diversidade hidrológica entre regiões. O atual sistema de rateio do custo de transmissão não fornece uma adequada sinalização das vantagens locacionais das térmicas, no que tange ao custo de transmissão, em relação às hidrelétricas. Se a energia das usinas termelétricas fosse desonerada desses custos ocasionados pelo parque hidrelétrico, seria mais competitiva. A expansão do parque gerador termelétrico sofreu uma série de retrocessos nos últimos anos. Alguns fatores importantes que prejudicaram esse desenvolvimento foram a elevação dos preços do petróleo e seus derivados e a desvalorização do real. Atualmente a expansão do parque gerador termelétrico resume-se a um resquício do Plano Prioritário de Termelétricas, iniciado pelo governo passado. As usinas do Grupo A estão em operação ou em fase avançada de instalação. Já as usinas dos Grupos B e C estão em regime de espera, e poderão ou não ser instaladas, dependendo dos rumos dados ao setor elétrico (vide próxima tabela). 79 Note-se que o ECE e a CCC são subsídios pagos pelo sistema para a existência e disponibilidade de geração térmica de segurança, ou seja, são montantes recebidos pelas térmicas existentes para “firmar” a geração hidrelétrica ou de termelétricas nos sistemas isolados. Com a exceção das termelétricas a carvão, as novas termelétricas interligadas ao sistema integrado não são beneficiadas pela CCC e não estão sujeitas a riscos hidrológicos que exigem capacidade excedente de segurança. 128 Termelétricas do Plano Prioritário de Termelétricas Usina Grupo A Arjona Potência Data prevista MW de entrada 5168 120 dez-01 63 dez-01 Canoas 160 dez-02 Eletrobolt 350 dez-01 Juiz de Fora 103 mar-02 Macaé Merchant 870 mar-02 Termobahia 190 dez-02 Termoceará 270 mar-02 Fafen 54 dez-01 Ibirité 240 set-03 Termopernambuco 500 dez-03 Araucária 480 dez-02 Nova Piratininga 400 mai-02 Norte Fluminense 778 mai-03 Três Lagoas 240 dez-02 350 dez-02 Arjona (ampliação) Camaçari Grupo B 1343 Termo-Rio 1036 jan-03 Fortaleza 307 dez-03 Grupo C Corumbá 940 90 jun-03 Santa Cruz 350 jun-03 Paracambi 500 dez-04 TOTAL Fonte: CCPE, outubro de 2002. 7451 No dimensionamento dos investimentos requeridos não levamos em conta a necessidade de instalação de usinas para atender à demanda de potência. Supusemos que a expansão por usinas hidrelétricas será suficientemente grande e que o seu fator-capacidade permanecerá no patamar de 55%, de forma que a demanda de potência será plenamente atendida à medida que o parque gerador for suficiente para atender o consumo anual de energia elétrica. Esse trabalho não contempla a opção de expansão do parque nuclear. Apesar de os equipamentos para Angra III já terem sido comprados, o custo de construção da usina ainda seria muito grande e os custos futuros de armazenamento do lixo atômico e de desmonte da usina ao final de sua vida útil são muito elevados, além do que o prazo de construção é bastante longo. A partir dessas considerações, construímos dois cenários para a matriz energética. No Cenário A consideramos que o Proinfa é implementado com sucesso, superando a meta de instalação de um total de 3.300 MW em pequenas centrais hidrelétricas, usinas eólicas ou de biomassa até 2006 e, a partir de 2007, seguindo um crescimento exponencial que leve a uma participação de 10% até 2023 (conforme as estimativas do CCPE – Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão). A composição da potência instalada dos três tipos de usinas usada neste cenário foi a mesma adotada pelo CCPE no Plano Decenal 2003-2012. O resíduo do crescimento da demanda, não atendido pelas fontes alternativas financiadas pelo Proinfa, será atendido por usinas hidrelétricas e termelétricas. Neste cenário supusemos que a composição de usinas hidrelétricas e termelétricas seria de 80% hidrelétricas e 20% termelétricas. Essa proporção aproxima-se da proporção adotada no “Mercado de Referência - Cenário de Oferta B” do Plano Decenal. 129 DEMANDA A matriz de cenários considerados MATRIZ ENERGÉTICA CENÁRIO A Proinfa Fase I: implementado Fase II: implementado Composição da expansão hidro: 80% térmico: 20% CENÁRIO B Proinfa Fase I: 80% implementado Fase II: abandonado Composição da expansão hidro: 55% térmico: 45% CENÁRIO 1 demanda de referência CENÁRIO 1A CENÁRIO 1B CENÁRIO 3 demanda alta CENÁRIO 3A CENÁRIO 3B CENÁRIO 5 demanda baixa CENÁRIO 5A CENÁRIO 5B No Cenário B supõe-se que o Proinfa sofrerá atrasos e dificuldades de implementação, de forma que a potência instalada em pequenas centrais hidrelétricas, usinas eólicas ou de biomassa até 2006 seja de apenas 80% da meta prevista na Lei 10.438 e que a segunda fase seja abandonada.80 A composição da potência instalada dos três tipos de usinas contempladas no Proinfa foi a mesma adotada pelo CCPE no Plano Decenal 2003-2012. Supõe-se que o remanescente da capacidade instalada necessária para atender à demanda é satisfeita pela instalação de grandes usinas hidrelétricas e termelétricas, na proporção de 55% e 45%, respectivamente, para o Cenário B. Essa proporção é próxima ao do “Mercado de Referência – Cenário de Oferta A” do Plano Decenal 2003-12 do CCPE. 80 Implicitamente esse cenário supõe que o artigo 3o da Lei 10.438 que define a meta para 2006 seria revogado ou revisto para uma meta menor. É uma suposição razoável, dado o elevado custo dessas “fontes alternativas” previstas no Proinfa. 130 Cenário A: Proinfa plenamente implementado Capacidade instalada (MW) PCH Biomassa Eólica TOTAL 2002 1.740 2.275 22 4.037 2003 410 81 232 723 2004 238 421 17 676 2005 169 318 250 737 2006 391 280 601 1.272 2007 153 153 153 459 2008 164 164 164 492 2009 177 177 177 531 2010 191 191 191 573 2011 207 207 207 621 2012 223 223 223 669 TOTAL 2.323 2.215 2.215 6.753 Por ano 232 222 222 675 Cenário B: Proinfa parcialmente implementado Capacidade instalada (MW) PCH Biomassa Eólica TOTAL 2002 1.740 2.275 22 4.037 2003 318 63 180 560 2004 184 326 13 524 2005 131 246 194 571 2006 303 217 466 985 2007 - 2008 - 2009 - 2010 - 2011 - 2012 - TOTAL 936 852 852 2.640 Por ano 94 85 85 264 A definição dos Cenários A e B visa apresentar uma matriz energética de alto e outra de baixo custo de instalação. Como as fontes alternativas geralmente envolvem custos de instalação maiores do que as hidrelétricas, e essas, por sua vez, têm custos maiores do que as usinas termelétricas, o Cenário A requer investimentos maiores do que o Cenário B. Deve-se ressaltar que não foi objeto deste trabalho definir qual seria a expansão ótima do sistema, o que poderia ser feito, por exemplo, considerando o trade-off entre aumento de custos e redução dos riscos de racionamento. 5.3 O custo de cada tecnologia Uma vez definida a matriz energética é necessário estimar o custo de instalação de cada tipo de usina para se calcular os investimentos requeridos. Não consideramos os custos financeiros incorridos durante o período de instalação das usinas. Os parâmetros adotados na nossa avaliação são apresentados na próxima tabela. Além do custo de instalação é necessário se conhecer o fator-capacidade de cada usina, isto é, a taxa de utilização de cada usina. Usinas eólicas e hidrelétricas, por exemplo, apresentam um baixo fator capacidade pois a sua produção é limitada pela disponibilidade de vento, no caso das usinas eólicas, e de água, no caso das hidrelétricas. O fator capacidade das usinas termelétricas (geralmente referido como sendo o fator de disponibilidade máxima) é limitado primordialmente pelo tempo necessário para a realização da manutenção das turbinas. As usinas de biomassa, principalmente as do setor sucroalcooleiro, são limitadas pela disponibilidade sazonal de seu combustível, o bagaço de cana-de-açúcar, que depende da colheita da cana. 131 Custo de instalação e fator capacidade de usinas fator custo de capacidade Instalação (R$/MW) Hidrelétrica 55,0% 2.600.000 Termelétrica 88,0% 1.800.000 PCH 55,0% 2.600.000 Biomassa 85,0% 2.500.000 Eólica 40,0% 3.000.000 Esses valores são condizentes com os utilizados por especialistas do setor. No entanto, deve-se ressaltar, em especial para a implantação de hidrelétricas, que esses números representam estimativas situadas próximas aos valores inferiores da distribuição dos custos de instalação de novos empreendimentos. Por exemplo, para estimar o preço de geração de longo prazo, o Relatório de Progresso Nº 2 do Comitê de Revitalização do Setor Elétrico (Documento de Apoio K) supõe um custo de instalação de usinas hidrelétricas de US$ 700/kW operando com um fator-capacidade de 60%, e um custo de instalação de US$ 600/kW para uma usina termelétrica a gás natural operando com um fator capacidade de 93%. Em estudo realizado por Umbria (2002) para prever os preços futuros de energia, os valores adotados foram semelhantes: R$ 1.500 e R$ 1.600 por quilowatt (quando a cotação do câmbio estava no patamar de R$ 2,30/US$) para usinas hidrelétricas e PCHs, e US$ 600/kW para usinas termelétricas a gás natural com potência superior a 240MW. O fator-capacidade adotado foi de 55% para as hidrelétricas e 88% para as termelétricas. O estudo de viabilidade realizado por FURNAS e ELETRONORTE para a implantação de duas hidrelétricas no Rio Madeira proporciona mais outro parâmetro de comparação. O fator capacidade das duas usinas seria de cerca de 60%, a um custo de 1.337 R$/kW para as hidrelétricas, e de 3.209 R$/kW considerando os custos de expansão da rede de transmissão. Como já ressaltado, esses custos precisariam ser analisados levando em conta várias incertezas existentes quanto à viabilidade econômica desses projetos, inclusive porque sua construção deslocaria outros projetos competitivos por pelo menos uma década. Custos de hidrelétricas e transmissão – Rio Madeira e Belo Monte investimento potência energia firme Fator investimento investimento (mil R$) MW MW-médios capacidade (R$/Kw) (R$/kW-médio) Hidrelétricas 10.000.000 7.480 4.470 59,8% 1.337 2.237 Incluindo a transmissão 14.000.000 3.209 5.369 Rio Madeira Belo Monte Hidrelétricas 3.700.000 Incluindo a transmissão 8.570.000 Fonte: FURNAS / ELETRONORTE. 11.182 4.675 41,8% 331 791 766 1.833 Fica evidente na tabela acima, comparando as estimativas para Belo Monte e Rio Madeira, que existe uma grande variação nos custos de investimento por KW das hidrelétricas. Essa dificuldade de estimar custos constitui inclusive um dos problemas do investimento em hidrelétricas. Cada empreendimento apresenta características distintas e, conseqüentemente, custos distintos. Preferimos adotar uma estimativa conservadora para esse custo, considerando um patamar baixo para as hidrelétricas. Seria perfeitamente admissível considerar custos maiores para as hidrelétricas, mas provavelmente nesses casos predominaria a lógica econômica e haveria uma alteração no mix de fontes a serem utilizadas, com maior proporção de investimentos em termelétricas, que são mais baratos, mantendo assim provavelmente em patamar similar a necessidade global de recursos por capacidade instalada. Com relação ao custo de instalação das fontes alternativas, adotamos valores próximos aos adotados pelo Ministério de Minas e Energia na audiência pública sobre a definição do Valor Econômico da Tecnologia Específica da Fonte (VETEF). 132 Custo de instalação de fontes alternativas fator capacidade Biomassa R$/kW US$/kW 2.533,25* 844,42 Biogás 86% 2.371,40 790,47 Setor arrozeiro 85% 2.803,70 934,57 1.054,53 85% 3.163,60 44-58% 1.794,30 598,10 34-44% 3.061,20 1.020,40 56% PCH 2.620,90 Fonte: MME. (*) Nota: média dos quatro tipos de usinas de biomassa. 873,63 Setor madereiro Setor sucroalcooleiro Eólica É importante ressaltar a diferença entre o custo de instalação e o custo total da energia elétrica. Quanto menor for o fator capacidade de um determinado tipo de usina, maior será a potência instalada requerida para atender um determinado consumo anual (MWh/ano). Assim, apesar de o custo de instalação em reais (cotados em R$ 3/US$ por kW) das usinas hidrelétricas ser relativamente próximo ao custo de instalação das usinas termelétricas, o investimento em hidrelétricas requerido para atender uma determinada quantia de energia será significativamente maior do que se essa energia fosse atendida por uma termelétrica. A explicação está no fator capacidade mais elevado das termelétricas. Além disso o tempo de instalação de uma usina hidrelétrica é maior do que de uma termelétrica, o que implica maior custo financeiro (esses custos não foram considerados na nossa estimativa). O custo da energia também diverge do custo de instalação pois os diversos tipos de usinas apresentam diferentes custos variáveis. As usinas termelétricas requerem um investimento inicial menor para atender uma determinada carga, mas o seu custo por megawatt-hora tende a ser mais elevado devido aos seus custos operacionais maiores em função, primordialmente, do custo do combustível. 5.3.1 Investimentos necessários na Transmissão Os custos dos investimentos requeridos em transmissão foram estimados separadamente para a reposição dos equipamentos existentes e para a expansão do sistema. Para estimar os investimentos na reposição de equipamentos, aplicamos uma taxa de reposição sobre o valor da base de remuneração das linhas de transmissão existentes. A taxa de reposição adotada foi de 3,5% e representa um valor médio das taxas anuais de depreciação dos bens vinculados à concessão do serviço público de energia elétrica, em particular no que se refere à transmissão.81 O cômputo da base de remuneração levou em consideração dois componentes: (i) um custo por megavolt-ampère (que supusemos ser igual a potência instalada, MW) referente à reposição de subestações (transformadores, capacitores e outros equipamentos), α e (ii) um custo por quilômetro de linha instalado, β. Baset = α m + β d , onde m representa a potência instalada em 2003, de acordo com o Cenário de Oferta B (79.597 MW) e d expressa a extensão das linhas de transmissão existentes ao final de 2002 (174,8 mil km).82 Os parâmetros α e β foram estimados considerando-se os investimentos do Plano de Ampliações e Reforços na Rede Básica Período 2004 a 2006 do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O primeiro atinge cerca de R$ 152.000/MW e o segundo foi estimado em aproximadamente R$ 136.000/km de linha. O valor dos investimentos requeridos na expansão da transmissão também é uma função dos dois componentes utilizados para estimar os investimentos incorridos na reposição de ativos da rede básica: (i) o parâmetro α e (ii) o parâmetro β. Neste caso, entretanto, ajustamos os parâmetros para refletir o custo por MW-médio. Supusemos que a demanda de potência (potência máxima) é o dobro da demanda média anual. Assim, o parâmetro α estimado anteriormente é multiplicado por dois para refletir o custo por MW-médio. Para o parâmetro β estabelecemos dois valores: um para as termelétricas e outro para as hidrelétricas. Primeiro estimamos o custo por quilômetro de linha instalado por MW-médio, R$ 215,6 81 82 Resolução ANEEL No. 44, de 17 de março de 1999. Boletim Síntese SIESE 2002. 133 mil/MW-médio (obtido a partir da estimativa da quilometragem média de linhas de transmissão requerida para aumentar a oferta em 1 MW-médio conforme o Plano Decenal 2003-2012 multiplicado pelo custo por quilômetro de linhas estimado anteriormente). Como as usinas termelétricas são instaladas relativamente próximas aos centros de carga, o número de quilômetros de linhas requerido para a instalação de novas termelétricas é significativamente inferior aos requeridos para a ligação de usinas hidrelétricas. Assim, alocamos 90% do custo associado às linhas de transmissão às usinas hidrelétricas e o restante para as usinas termelétricas. Dimensionamos a necessidade de investimentos em expansão da transmissão em R$ 184.544/MW-médio para a carga atendida por termelétricas e R$ 567.348/MW-médio para a carga atendida por hidrelétricas. 5.3.2 Investimentos necessários na Distribuição Para dimensionar as necessidades de investimentos das distribuidoras, consideramos tanto as necessidades de financiamento para atender o aumento da carga projetada quanto os investimentos requeridos para a reposição de equipamentos obsoletos ou que se aproximam do final de sua vida útil. Para dimensionar o primeiro componente adotamos um custo marginal de longo prazo de R$ 15.000 por MW, o que equivale a R$ 30.000 por MW-médio, supondo que a demanda de potência é o dobro da demanda média. Esse valor situa-se entre os valores de R$ 17.190/MW e R$ 13.710/MW estimados no estudo de Oliveira, C. et alli.(2002) para uma carga em média tensão adotando, respectivamente, a metodologia Lei Quantidade de Oferta (LQO) e Custo Incremental Médio de Longo Prazo (CIMLP). Ambas as metodologias são amplamente aceitas no mercado. A LQO baseia-se em custos históricos, enquanto o CIMLP baseia-se no fluxo de caixa descontado, considerando os investimentos específicos requeridos no período contemplado. Já os investimentos requeridos para a reposição de equipamentos obsoletos e no final de sua vida útil foram calculados a partir de uma estimativa da base de remuneração regulatória. Para definir a base de remuneração regulatória agregada, somamos a base de remuneração das 13 distribuidoras que tiveram revisão tarifária este ano. Considerando a participação dessas empresas no atendimento da carga agregada, obtivemos a base de remuneração regulatória estimada para todas as distribuidoras. Supusemos que cerca de 7% desse valor precisa ser reposto a cada ano. A taxa de depreciação utilizada no setor geralmente situa-se entre 4 e 6%. Entretanto, dada a defasagem de investimentos passados e as metas de aprimoramento da qualidade estipuladas pela Aneel, julgamos que uma taxa de 7% ao ano proporciona uma estimativa mais apropriada das necessidades de financiamento das distribuidoras para o decênio 2003-12. 5.4 Estimação dos investimentos requeridos A partir dessas premissas podemos estimar os investimentos requeridos a cada ano no setor elétrico. Os resultados para os seis cenários contemplados são apresentados no próximo gráfico. Projeção dos investimentos requeridos 40.000 35.000 milhões de R$ 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 CENÁRIO 1B CENÁRIO 1A CENÁRIO 3B CENÁRIO 3A CENÁRIO 5B CENÁRIO 5A 134 Se fôssemos definir um único cenário de referência optaríamos pela projeção dada pelo Cenário 3A para os primeiros três anos, e pela projeção do Cenário 1B para os demais anos (projeção em negrito na próxima tabela). Assim, tomaríamos a posição conservadora (do ponto de vista de minimizar o risco de racionamento) de planejar a expansão do setor contemplando a possibilidade de uma taxa de crescimento otimista no curto prazo. Para períodos maiores haveria tempo de se ajustar a expansão para acomodar taxas de crescimento acima do esperado, dispensando a necessidade de se adotar premissas de crescimento sobrestimadas. Dimensionamento dos investimentos nos seis cenários considerados Demanda [MW-médios] Cenário Investimento [R$ milhões] 1B 1A Demanda [MW-médios] Investimento [R$ milhões] 3B 3A Demanda [MW-médios] Investimento [R$ milhões] 5B 5A 2003 1.491 14.436 16.249 1.929 17.147 19.688 1.250 12.943 14.355 2004 1.558 14.180 15.739 2.041 17.171 19.532 1.298 12.563 13.688 2005 1.629 14.962 16.789 2.160 18.255 20.965 1.347 13.214 14.572 2006 2.019 17.544 19.707 2.615 21.237 24.391 1.397 13.689 14.817 2007 2.127 18.587 21.343 2.789 22.692 26.549 1.450 14.390 16.020 2008 2.241 19.291 22.180 2.975 23.843 27.953 1.505 14.730 16.394 2009 2.360 20.033 23.054 3.173 25.071 29.444 1.562 15.082 16.774 2010 2.487 20.814 23.974 3.385 26.381 31.034 1.621 15.447 17.166 2011 2.619 21.637 24.936 3.610 27.778 32.725 1.682 15.826 17.565 2012 2.759 22.504 25.953 3.850 29.269 34.533 1.745 16.219 17.982 TOTAL média anual 21.291 183.990 209.924 28.528 228.844 266.815 14.856 144.103 159.333 2.129 18.399 2.853 22.884 26.681 1.486 14.410 15.933 20.992 Neste Cenário de Referência o investimento médio requerido seria de R$20.060 milhões por ano para atender um crescimento anual de 2.274 MW-médios ao longo do decênio contemplado. Deste montante cerca de 68% corresponde aos investimentos na geração, 15% na transmissão e 17% na distribuição. 135 Cenário de referência (3A/1B) DEMANDA MW-médios INVESTIMENTO TOTAL geração transmissão distribuição R$ milhões R$ milhões R$ milhões R$ milhões 2003 1.929 19.688 13.281 2.979 3.428 2004 2.041 19.532 13.067 3.034 3.431 2005 2.160 20.965 14.438 3.092 3.435 2006 2.019 17.544 11.283 2.830 3.431 2007 2.127 18.587 12.281 2.873 3.434 2008 2.241 19.291 12.937 2.918 3.437 2009 2.360 20.033 13.627 2.965 3.441 2010 2.487 20.814 14.355 3.015 3.445 2011 2.619 21.637 15.122 3.067 3.449 2012 2.759 22.504 15.929 3.122 3.453 22.742 200.597 136.321 29.894 34.382 2.274 20.060 13.632 2.989 3.438 TOTAL média anual É relevante observar a importância de o sistema estar preparado tanto para um crescimento elevado nos primeiros 3 anos como para uma demanda menor no futuro. Uma superestimação da demanda pode acarretar enormes prejuízos ao consumidor. Se, por exemplo, o sistema fosse planejado para atender o Cenário 3 e a evolução do consumo efetiva fosse equivalente à do Cenário 5, a tarifa dos consumidores seria onerada anualmente em cerca de R$ 8 a 11 bilhões por novos investimentos desnecessários. Contudo, é importante relembrar que as estimativas da necessidade de investimentos do setor, apresentadas para o próximo decênio, devem ser consideradas conservadoras devido aos seguintes pressupostos adotados: (i) taxas moderadas de crescimento da demanda, (ii) custo de instalação de novas hidrelétricas próximo ao piso das estimativas disponíveis para os novos empreendimentos e (iii) desconsideração dos custos financeiros ao longo do período de construção das novas usinas. 136 Referências Banco Mundial (1996). Estimating Construction Costs and Schedules: Experience with Power Generation Projects in Developing Countries. World Bank Technical Papers No. 325 (Energy Series). Washington: The World Bank. Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos (2002). Plano Decenal de Expansão 2003-2012. Sumário Executivo. Brasília: Ministério de Minas e Energia. Ferreira, P. C. e T. G. Malliagros (1999). Investimentos, Fontes de Financiamento e Evolução do Setor de Infra-estrutura no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. Oliveira, C. et alli. (2002). Desenvolvimento de metodologia para cálculo de custos marginais em redes de média e baixa tensão. Salvador: XV Seminário Nacional de Distribuição de Energia Elétrica – SENDI 2002. Umbria, F. (2002). Modelo de previsão de preços futuros de energia. Curitiba: Tradener. Pacheco, C. W. (1999). Função Financeira da Eletrobrás. Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pego, B., Cândido, J. O, e Pereira, F (1999). Investimento e Financiamento de Infra-Estrutura no Brasil: 1990/2002. Brasília. IPEA – Texto para discussão nº 680. 137 ANEXO- Evolução anual da oferta em cada cenário CENÁRIO 1B capacidade instalada (MW) hidrelétricas energia firme (MW-médios) termelétricas hidrelétricas termelétricas 2003 2.166 692 1.191 609 2004 2.136 683 1.175 601 2005 2.309 738 1.270 649 2006 2.695 861 1.482 758 2007 3.868 1.236 2.127 1.088 2008 4.074 1.302 2.241 1.146 2009 4.292 1.372 2.360 1.207 2010 4.521 1.445 2.487 1.272 2011 4.762 1.522 2.619 1.339 2012 5.017 1.603 2.759 1.411 TOTAL 35.839 11.454 19.711 10.080 por ano 3.584 1.145 1.971 1.008 CENÁRIO 1A capacidade instalada (MW) energia firme (MW-médios) hidrelétricas termelétricas 2003 2.920 285 hidrelétricas 1.606 termelétricas 251 2004 2.811 275 1.546 242 2005 3.082 301 1.695 265 2006 3.507 342 1.929 301 2007 4.897 478 2.694 421 2008 5.145 502 2.830 442 2009 5.400 527 2.970 464 2010 5.667 553 3.117 487 2011 5.942 580 3.268 511 2012 6.235 609 3.429 536 TOTAL 45.606 4.454 25.083 3.919 por ano 4.561 445 2.508 392 CENÁRIO 3B capacidade instalada (MW) hidrelétricas termelétricas energia firme (MW-médios) hidrelétricas termelétricas 2003 2.962 947 1.629 2004 3.013 963 1.657 833 847 2005 3.274 1.047 1.801 921 2006 3.778 1.208 2.078 1.063 2007 5.072 1.621 2.789 1.426 2008 5.409 1.729 2.975 1.521 2009 5.770 1.844 3.173 1.623 2010 6.154 1.967 3.385 1.731 2011 6.564 2.098 3.610 1.846 2012 7.001 2.237 3.850 1.969 TOTAL 48.996 15.659 26.948 13.780 por ano 4.900 1.566 2.695 1.378 138 CENÁRIO 3A capacidade instalada (MW) hidrelétricas energia firme (MW-médios) termelétricas hidrelétricas termelétricas 2003 4.077 398 2.242 350 2004 4.087 399 2.248 351 2005 4.487 438 2.468 386 2006 5.082 496 2.795 437 2007 6.648 649 3.657 571 2008 7.087 692 3.898 609 2009 7.550 737 4.152 649 2010 8.042 785 4.423 691 2011 8.562 836 4.709 736 2012 9.121 891 5.017 784 TOTAL 64.744 6.323 35.609 5.564 por ano 6.474 632 3.561 556 CENÁRIO 5B capacidade instalada (MW) energia firme (MW-médios) hidrelétricas termelétricas hidrelétricas termelétricas 2003 1.728 552 951 486 2004 1.661 531 914 467 2005 1.796 574 988 505 2006 1.564 500 860 440 2007 2.637 843 1.450 742 2008 2.736 874 1.505 770 2009 2.839 907 1.562 799 2010 2.946 942 1.621 829 2011 3.058 977 1.682 860 2012 3.173 1.014 1.745 892 TOTAL 24.139 7.715 13.276 6.789 por ano 2.414 771 1.328 679 CENÁRIO 5A capacidade instalada (MW) energia firme (MW-médios) hidrelétricas termelétricas hidrelétricas termelétricas 2003 2.283 223 1.256 196 2004 2.121 207 1.167 182 2005 2.336 228 1.285 201 2006 1.862 182 1.024 160 2007 3.107 303 1.709 267 2008 3.199 312 1.759 275 2009 3.287 321 1.808 283 2010 3.377 330 1.857 290 2011 3.462 338 1.904 298 2012 3.554 347 1.955 305 TOTAL 28.587 2.792 15.723 2.457 por ano 2.859 279 1.572 246 139 Sumário Executivo usinas eólicas e usinas de biomassa – depende do ritmo de desenvolvimento do Proinfa (Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica). A primeira fase desse programa prevê a instalação de 3.300 MW dessas fontes até o final de 2006 (20% da capacidade a ser instalada entre 2003 e 2006). A segunda fase tem como objetivo fazer com que, em 20 anos, 10% da geração de energia do país seja obtida a partir de fontes alternativas. Para os cenários referentes à matriz energética, consideramos duas opções para a expansão do parque gerador, levando em conta diferentes ritmos de desenvolvimento do Proinfa e diferentes proporções de expansão das hidrelétricas e termelétricas. Não adotamos a opção de expansão do parque nuclear. O Cenário A considera que o Proinfa é implementado com sucesso e que a composição do parque gerador entre hidrelétricas e termelétricas será na proporção de 80% e 20% respectivamente. O cenário B supõe que implantação do Proinfa será limitada a 80% da meta na primeira fase com o abandono da fase subseqüente. O remanescente das necessidades é satisfeito pela instalação de usinas hidrelétricas e termelétricas, na proporção de 55% e 45%, respectivamente. As relações entre os cenários de crescimento da demanda e da oferta são indicadas a seguir. DEMANDA O objetivo deste capítulo é dimensionar o volume de investimentos requeridos no setor elétrico. Para tanto, é necessário estabelecer premissas para a evolução da demanda (o que foi feito no capítulo 4), a composição da oferta entre hidrelétricas, termelétricas e demais tipos e o custo de instalação de cada tipo de usina. O dimensionamento do volume adequado de investimentos leva em consideração dois aspectos. Primeiro, o setor não pode se transformar em um gargalo ao crescimento econômico, devendo contemplar os cenários de crescimentos mais otimistas. Segundo, o volume de investimentos não deve ser excessivo, desviando recursos escassos de investimentos mais relevantes para a sociedade. Para a projeção da demanda de energia foram considerados três cenários de crescimento da demanda definidos no capítulo 4: (i) cenário 1 (cenário de referência), (ii) cenário 3 (otimista) e (iii) cenário 5 (pessimista). A composição da oferta leva em consideração cenários para a expansão da matriz energética, ou seja, como será distribuída a expansão do parque gerador entre as fontes de geração hidrelétrica, termelétrica e alternativas. Historicamente, a geração hidrelétrica foi mais competitiva devido à dotação de recursos energéticos no Brasil. Os avanços tecnológicos, a maior disponibilidade de gás natural e o progressivo esgotamento de potenciais hidrelétricos com aproveitamento mais barato e existência de restrições ambientais vêm aumentando a competitividade das termelétricas. A maior parte dos potenciais hidráulicos encontra-se localizada em regiões distantes dos centros de carga. Isso significa que a sua exploração está associada à construção de grandes troncos de transmissão para o transporte da energia para os centros de carga. Além disso, as novas usinas hidrelétricas apresentam baixa capacidade de armazenamento. Isso reduz os custos de instalação mas torna necessárias termelétricas de complementação ou mais hidrelétricas para fazer frente a períodos de hidrologia adversa. A relação de competitividade entre esses dois tipos de energia é também afetada pelas vantagens das usinas termelétricas na obtenção de financiamentos privados, associadas ao menor montante de investimentos necessário devido ao menor risco de projeto e à maior proporção de custos variáveis. O desenvolvimento das fontes alternativas de energia – pequenas centrais elétricas (PCH’s), A matriz de oferta considerada MATRIZ ENERGÉTICA CENÁRIO A CENÁRIO B Proinfa: Fase I: Proinfa:Fase I: 80% implementado; Fase implementado; Fase II: implementado II: abandonado Composição hidro: Composição hidro: 80%, térmica: 20% 55%, térmica: 45% CENÁRIO 1 CENÁRIO 1ª CENÁRIO 1B Demanda de referência CENÁRIO 3 CENÁRIO 3ª CENÁRIO 3B Demanda alta CENÁRIO 5 Demanda CENÁRIO 5ª CENÁRIO 5B baixa O montante de investimentos requeridos é também função dos custos de instalação de cada tipo de usina e das necessidades de investimento em transmissão e distribuição. Os parâmetros adotados para os custos de instalação – excluídos os custos financeiros incorridos ao longo do período das obras – são apresentados a seguir. 140 fator capacidade custo de Instalação (R$/MW) Hidrelétrica 55,0% 2.600.000 Termelétrica 88,0% 1.800.000 PCH 55,0% 2.600.000 Biomassa 85,0% 2.500.000 Eólica 40,0% 3.000.000 Deve-se ressaltar, em especial para a implantação de hidrelétricas, que foram adotadas premissas conservadoras, ou seja, esses números situam-se próximos aos valores inferiores da distribuição dos custos de instalação de novos empreendimentos. Seria perfeitamente admissível considerar custos maiores para as hidrelétricas, mas provavelmente nesses casos predominaria a lógica econômica e haveria uma alteração no mix de fontes a serem utilizadas, com maior proporção de investimentos em termelétricas, mantendo assim em patamar similar a necessidade global de recursos por capacidade instalada. O investimento em transmissão é composto por dispêndios na reposição de equipamentos obsoletos ou em final de vida útil e expansão de novas linhas. O primeiro é obtido aplicando-se uma taxa de reposição dos equipamentos – equivalente a 3,5% – a uma base remuneratória definida a partir dos ativos existentes no sistema de transmissão. O segundo é função dos custos de implantação de novas linhas de transmissão obtidos a partir dos parâmetros indicativos do Plano Decenal 2003-2012 e o Plano de Ampliações e Reforços na Rede Básica Período 2004 a 2006 do ONS (R$ 184.544/MW-médio para a carga atendida por termelétricas e R$ 567.348/MW-médio para a carga atendida por hidrelétricas). Os custos de distribuição foram dimensionados considerando-se (i) o aumento de carga projetada e (ii) os investimentos para reposição de equipamentos obsoletos ou que se aproximam do final da vida útil. O custo marginal de longo prazo (R$ 30.000/MW-médio) foi o parâmetro adotado para o primeiro componente. O segundo parâmetro representa uma taxa de reposição de 7% sobre o valor estimado da base de remuneração regulatória para todas as distribuidoras. Este percentual é superior à taxa de depreciação usual no segmento (4% a 6%) devido à defasagem de investimentos passados e metas de aprimoramento de qualidade. O próximo gráfico expressa os investimentos necessários estimados em geração, transmissão e distribuição para os seis cenários apresentados. Investimentos requeridos (R$ de 2003) 40.000 35.000 30.000 milhões de R$ Custo de instalação e fator capacidade 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 CENÁRIO 1B CENÁRIO 1A CENÁRIO 3B CENÁRIO 3A CENÁRIO 5B CENÁRIO 5A A opção de um único cenário de referência seria dada pela projeção do Cenário 3A para os primeiros 3 anos e pela projeção do Cenário 1B para os demais anos. Neste caso, tomaríamos a opção conservadora de planejar a expansão do setor contemplando a possibilidade de uma taxa de crescimento otimista no curto prazo. Para períodos maiores haveria tempo de se ajustar a expansão para acomodar taxas de crescimento acima do esperado, dispensando a necessidade de se adotar premissas de crescimento sobreestimadas., Neste cenário, o investimento médio requerido seria de R$ 20.060 milhões por ano para atender um crescimento anual de 2.274 MW médios ao longo do decênio contemplado. Deste montante, 68% refere-se a investimentos na geração e 15% e 17% na transmissão e distribuição, respectivamente. As estimativas da necessidade de investimentos do setor apresentadas acima devem ser comsideradas conservadoras devido aos seguintes pressupostos adotados: (i) taxas moderadas de crescimento da demanda, (ii) custo de instalação de novas hidrelétricas próximo ao piso das estimativas disponíveis para os novos empreendimentos e (iii) desconsideração dos custos financeiros ao longo do período de construção das novas usinas.♦♦ 141 6. FONTES DE RECURSOS PARA O SETOR ELÉTRICO Neste capítulo faremos uma análise quantitativa e qualitativa das possíveis fontes de financiamento para os investimentos necessários ao setor elétrico estimados anteriormente. Será feita uma breve análise histórica das fontes de financiamento do setor, com suas implicações para o momento atual. Em seguida, as várias fontes tradicionais de investimentos para projetos de infra-estrutura serão discutidas, em aspectos quantitativos e qualitativos. 6.1 Histórico O setor de energia elétrica de um modo geral depende de investimentos em ativos imobilizados de longa maturação e normalmente irreversíveis. É o caso clássico das usinas hidrelétricas e linhas de transmissão e distribuição. Mesmo se considerarmos usinas termelétricas, onde os ativos podem ser constituídos mais rapidamente e, dentro de certos parâmetros, reutilizados, ainda assim os investimentos são de volume considerável e de difícil desmobilização. O histórico do financiamento do setor elétrico brasileiro gira então em torno de mecanismos de financiamento de longo prazo, conforme veremos a seguir. O desenvolvimento do setor elétrico no Brasil nas últimas décadas não pode ser dissociado das reformas estruturais que se fizeram necessárias em face aos problemas econômicos no Brasil e no mundo que ocorreram na esteira da crise do petróleo nos anos 80. As conseqüências dos problemas econômicos brasileiros nos anos 80 e 90 para o setor são amplas e variadas, mas para o problema específico do financiamento do setor chamamos a atenção para dois condicionantes principais: a perda de capacidade de poupança e investimento do Estado brasileiro e a falta estrutural de poupança privada de longo prazo na economia brasileira. 6.1.1 O financiamento do setor elétrico entre 1950 e 1990 Na segunda metade do século XX, o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil se deu com uma atuação crescente do poder público. Entre 1951 e 1953 houve uma diminuição da oferta de energia elétrica, causada pela diminuição dos incentivos ao setor privado, que via sua rentabilidade diminuída em função da inflação crescente e defasagem tarifária. Iniciativas para aumentar os recursos disponíveis para o setor incluíram a criação em 1954 do Fundo Federal de Eletrificação (FFE), para prover financiamento a instalações de produção, transmissão de distribuição de energia elétrica, bem como fomentar a indústria de material elétrico. Foi também criado neste período o imposto único sobre energia elétrica (IUEE), cobrado pela União sobre o consumo de energia elétrica. Assim, ao longo dos anos 50, o setor público foi o maior responsável pelos novos investimentos do setor. Em 1962, ano da criação da Eletrobrás, o setor privado ainda tinha controle de 64% da capacidade geradora de energia elétrica. Mas em 1964 iniciou-se a estatização, com a compra pela Eletrobrás do controle das empresas pertencentes a AMFORP (American and Foreign Power Company Inc.), que detinham 12% da capacidade instalada no país. A empresa canadense Light, do Rio de Janeiro, também foi adquirida. A alegação para estes movimentos era a falta de investimentos, que estava deteriorando a base de capital. Assim, por volta de 1980, o setor elétrico brasileiro era majoritariamente estatal. O grupo Eletrobrás englobava na área de geração quatro grandes controladas: Eletronorte, Chesf, Furnas e Eletrosul. Na área de distribuição, a estatal detinha participações acionárias em diversas empresas estaduais, situação decorrente de sua atuação primariamente como financiadora, complementando com empréstimos, financiamentos e participações societárias as decisões de investimentos tomadas pelas concessionárias estaduais. Com a estatização, o sistema voltou-se para fontes internas de financiamento, lançando mão de diversos mecanismos tributários vinculados, além dos próprios resultados operacionais das empresas. Além do já citado IUEE, estes mecanismos englobavam empréstimos compulsórios e a RGR (Reserva Global de Reversão – mecanismo de financiamento intra-setorial). O empréstimo compulsório foi criado pela lei 4.156 de 28 de novembro de 1962, e tratava-se de uma obrigação da Eletrobrás resgatável em 10 anos, pagando juros de 12% ao ano. Estas obrigações eram distribuídas aos consumidores como um adicional à conta de energia elétrica. A RGR foi criada para constituir um fundo que permitiria ao governo federal (poder concedente) dispor de recursos caso fosse necessário ressarcir uma concessionária pela reversão de bens e instalações do serviço ao final do período da concessão. A administração deste fundo foi conferida à Eletrobrás em 1971, cujo emprego se daria na forma de empréstimos às concessionárias de energia elétrica para melhorias e expansão do serviço. 142 Dados da Eletrobrás mostram que no período de 1970 a 1983 a RGR, o IUEE e o empréstimo compulsório conseguiram financiar 32,6% dos investimentos do setor, mesmo com uma queda de sua importância relativa a partir de 1976. Até 1975 a importância destes mecanismos era muito maior. Fontes de Financiamento do Setor Elétrico na década de 70 Recursos Disponíveis para Investimentos Ano Próprios 1 Terceiros Participação de Investimento e Serviço da Dívida % Investimento % Serviço Dívida 2 1970 50,0 50,0 75,83 14,02 1971 48,3 51,7 78,80 14,88 1972 57,9 42,1 75,43 14,44 1973 59,3 40,7 77,23 14,51 1974 56,0 44,0 77,97 14,45 1975 51,8 48,2 74,57 14,90 1976 44,0 56,0 77,14 13,92 1977 35,3 64,7 76,53 16,18 1978 23,2 76,8 72,73 19,60 1979 2,5 97,5 65,38 28,45 1980 (0,7) 100,7 54,40 32,93 1981 13,4 86,6 53,54 31,00 1982 (4,9) 104,9 54,13 37,53 1983 (32,5) 132,5 48,07 49,35 1 Menos o Serviço da Dívida 2 Serviço da Dívida Interna e Externa Fonte: Balanço de Fontes e Usos de Recursos 1970/1984 – Eletrobrás / Malliagros No período entre 1966 e 1975, a arrecadação tarifária conseguiu prover recursos para os investimentos no setor. Em 1974, o IUEE, a RGR e o empréstimo compulsório proveram 60% dos recursos para investimentos do setor elétrico. Naquele ano empréstimos e financiamentos do exterior supriram apenas 17% dos recursos. Investimentos correspondiam a 78% do total de destinos, e apenas 14,5% ao serviço de dívida (9% para dívida em moeda estrangeira). O ano de 1976 marca uma mudança significativa no perfil de financiamento do setor. A partir deste ano, verificou-se uma queda no valor real das tarifas e um aumento no financiamento externo. Em 1980, a tarifa média era 41% inferior à praticada em 1975. Em 1980, 100% dos investimentos eram cobertos por recursos de terceiros. Em 1977, iniciou-se a captação de recursos externos a taxas flutuantes, em grandes volumes, para financiar as obras das grandes hidrelétricas. Com o aperto monetário no início dos anos 80, parcela crescente dos recursos obtidos passou a ser destinada ao serviço da dívida, em detrimento dos investimentos. Em 1983, praticamente metade dos recursos obtidos foram utilizados para serviço da dívida, incluindo novos empréstimos. O fechamento do mercado de empréstimos bancários externos trouxe dificuldades ao setor, levando à assunção da dívida pelo Tesouro Nacional. Ao longo do restante dos anos 80, o financiamento do setor continuou dependendo do Tesouro e das fontes setoriais. Mas a Constituição de 1988 alterou as regras dos mecanismos de financiamento tributários. O IUEE foi extinto, sendo substituído pelo ICMS, um imposto estadual não vinculado, cujos recursos foram redirecionados para outras necessidades dos estados. A RGR passou a ser recolhida apenas quando a empresa alcançasse a remuneração legal (10 a 12% sobre o ativo em serviço). O empréstimo compulsório teve sua arrecadação comprometida pelas isenções concedidas à maioria dos agentes. A geração interna de caixa das empresas foi severamente afetada pela incidência de impostos tais como Imposto de Renda, cuja alíquota subiu de 6% para 40%, acrescido de Imposto de Renda Estadual, Cofins, PIS/Pasep, além da compensação financeira a estados e municípios pela utilização de recursos hídricos (6% do valor da energia gerada). Com este cenário de endividamento externo, a situação financeira da Eletrobrás continuou precária. Em 1989, 85% das aplicações de recursos da empresa se destinavam ao serviço de dívida. Entre 1987 e 1989, a Eletrobrás utilizou-se de empréstimos ponte do Banco do Brasil para quitar financiamentos externos, empréstimos ponte estes, por sua vez, quitados com a utilização dos créditos da conta de resultados a 143 compensar (CRC), originada da defasagem tarifária imposta depois de 1975. As concessionárias estaduais também utilizaram créditos de CRC para amortização de financiamentos externos. 6.1.2 A crise fiscal dos anos 90 e a dinâmica das despesas públicas correntes As possibilidades de financiamento do setor elétrico brasileiro iriam se alterar radicalmente nos anos 90. O setor público brasileiro passou por grave crise nos anos 80 ao arcar tanto com a explosão do endividamento externo quanto com o descontrole de algumas despesas internas. A Constituição de 1988 trouxe novas complicações fiscais a um ambiente já bastante instável, marcado por tentativas mal sucedidas de controle da inflação. Na verdade, a inflação passou a ser o mecanismo por meio do qual os desequilíbrios fiscais eram “superados”, ou melhor dizendo, camuflados. Com a abertura da economia no início da década de noventa e a partir da estabilização de preços trazida pelo Plano Real (1994), a economia brasileira passou por mudanças significativas e tornou-se necessário um ajuste efetivo nas contas públicas. Logo após 1994, o superávit primário do setor público (que reflete a diferença entre despesas e receitas correntes, excluindo juros) reduziu-se subitamente, como mostrado na próxima figura. De um superávit primário superior à 5% do PIB em 1994, registrou-se em 1995 superávit de 0,3% do PIB e em 1996 um pequeno déficit. A redução do superávit primário do setor público era conseqüência tanto do pior resultado do governo central como dos estados e municípios. Tal queda do superávit primário, associada à elevação de algumas despesas, contrastava com a forte elevação do endividamento público que era impulsionado pelo crescimento dos juros reais após a estabilização. Resultado Primário do Setor Público (% do PIB) 20 01 19 99 19 97 19 95 19 93 19 91 19 89 19 87 19 85 6,0% 5,0% 4,0% 3,0% 2,0% 1,0% 0,0% -1,0% -2,0% Fonte: Bacen. Algumas despesas cresceram em decorrência de decisões que foram tomadas em anos anteriores e eliminaram grande parte da margem de manobra dos governantes. Caso típico são as despesas previdenciárias do INSS que, a partir de 1988, quando a Constituição incluiu grande massa de beneficiários do setor rural, reduziu seu superávit paulatinamente até passar a gerar déficits sucessivos na segunda metade dos anos 90, conforme gráfico a seguir. Apenas por conta dessa mudança nos resultados da previdência, o governo central, que contava com mais de 2% do PIB de receitas líquidas dos INSS, passou a gastar mais de 1% do PIB para cobrir o déficit do sistema, mesmo após a reforma efetuada em 1998. Mudanças no quadro demográfico e decisões sobre o reajuste do salário mínimo também ajudam a explicar as mudanças nessas despesas. 144 Saldo da Previdência Social (INSS) - acumulado 12 meses - % do PIB jan/02 jan/00 jan/98 jan/96 jan/94 jan/92 jan/90 jan/88 jan/86 3,0% 2,5% 2,0% 1,5% 1,0% 0,5% 0,0% -0,5% -1,0% -1,5% Fonte: Ministério da Previdência e Assistência Social. Outras despesas obrigatórias da União que cresceram de forma expressiva foram as despesas com pessoal e encargos sociais (incluindo despesas com servidores aposentados). Da mesma forma, tais despesas restringiram o espaço para despesas discricionárias do governo federal, ainda mais em um contexto em que a ampliação do superávit primário passou a ser essencial para a preservação da estabilidade macroeconômica. As despesas com pessoal da União que, em meados da década de 90, atingiam pouco mais de 3% do PIB, consolidaram-se em patamar superior a 5% do PIB no final da década de 90, como apresentado a seguir. Gastos da União com Pessoal, em % do PIB 20 02 20 00 19 98 19 96 19 94 19 92 19 90 19 88 19 86 6,0% 5,5% 5,0% 4,5% 4,0% 3,5% 3,0% 2,5% 2,0% Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. As despesas com os servidores inativos explicam boa parte desta dinâmica e justificam a preocupação do atual governo em aprovar a reforma previdenciária para o funcionalismo público. 145 Comprometimento da União com pagamento de pessoal e encargos, previdência, juros reais e superávit primário, em % do PIB Primário 20 02 20 01 20 00 19 99 19 98 19 97 19 96 19 95 19 94 19 93 19 92 19 91 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% Juro Real, Pessoal e Previdência Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional e Bacen. Elaboração Tendências. Portanto, as despesas incomprimíveis da União foram ampliando-se paulatinamente durante a década de 90, tornando mais difícil a administração orçamentária. Assim, as despesas com pessoal e encargos, previdência, juros reais e o superávit primário que, no início da década, se limitavam à 6% do PIB, ficaram próximas à 12% do PIB no final da década de 90 e início desta década. Em meados dos anos 90, a União relaxou na política fiscal, praticamente não gerando superávits primários. Contudo, essa situação era insustentável, pois com a elevação dos juros reais e a ausência de superávit primário, a dívida pública cresceu em trajetória explosiva. Após 1998, a União voltou a gerar superávits primários consideráveis (parte clara do gráfico acima) ainda que isso tenha ocorrido por meio de uma elevação substancial da carga tributária, já que não havia a inflação para reduzir as despesas em termos reais. A conseqüência da elevação das despesas obrigatórias com pessoal e gastos previdenciários, juntamente com a necessidade de geração de expressivos superávits primários sem o auxílio da inflação, foi a simultânea elevação da carga tributária e a contenção relativa de despesas de caráter discricionário. Isso pode ser visto mais claramente nos dados consolidados de despesas de custeio e investimentos, que incluem além das despesas usuais com a manutenção da máquina pública, despesas com subsídios e subvenções, e investimentos. Tais despesas são aquelas mais facilmente controladas pelo governo, pois não são vinculadas a receitas e normalmente são as primeiras a serem cortadas em momentos de dificuldades orçamentárias. Assim, em meados da década de 80, as despesas com custeio e investimento da União ainda atingiam cerca de 6% do PIB, mas encolheram rapidamente até ficar abaixo de 2% do PIB no início da década de 90, como visto na próxima figura. No decorrer da década, esses gastos apresentaram certa recuperação, mas mantiveram-se muito abaixo do patamar registrado até meados da década de 80. 146 Despesas com custeio e investimento, em % do PIB 7,0% 6,0% 5,0% 4,0% 3,0% 2,0% 1,0% 20 00 19 98 19 96 19 94 19 92 19 90 19 88 19 86 0,0% Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. A recuperação das despesas do grupo de custeio e investimento na segunda metade da década de 90, na verdade, representou em grande medida uma recuperação das despesas de custeio. Os investimentos continuaram por toda a década em valores inferiores a 1% do PIB. Mesmo com a elevação da carga tributária da União ao longo do período, que foi de 10,1% do PIB em 1991, para 15,8% do PIB em 2001, a proporção dos gastos com pessoal, previdência e juros, mais o superávit primário sobre as receitas retidas pela União, cresceu de 60% em 1991-93, para 95% em 200001 como mostra o próximo gráfico: Comprometimento da receita tributária federal, em % 140% 120% 100% 80% 60% 40% 20% Pessoal, previdência, primário e juros reais 20 01 20 00 19 99 19 98 19 97 19 96 19 95 19 94 19 93 19 92 19 91 0% Investimento Custeio Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, Bacen e IBGE. Elaboração Tendências. Ainda que não se disponha de dados consolidados para os estados brasileiros desde a década de 80, sabese que o panorama descrito para as despesas da União é também válido para os estados e municípios. Após o acordo de renegociação da dívida dos governos regionais com a União (1997), a necessidade de controle de despesas e geração de superávits primários nos estados tornou-se mais premente, haja vista as garantias que a União obteve ao colocar os recursos dos fundos de participação de estados e municípios como colateral dos empréstimos concedidos. O controle de despesas nos estados e, portanto, a contenção de investimentos, tornou-se mais estrutural após o final da década de 90. 6.1.3 As despesas públicas na área de energia e o papel das estatais O quadro geral acima descrito sobre a contenção de despesas discricionárias e, particularmente, dos investimentos públicos desde o final da década de 80 impactou diretamente as despesas com energia. 147 As despesas da União com “Energia e Recursos Minerais” mostram clara retração na segunda metade dos anos 80, ficando em patamar bastante reduzido durante toda a década de 90 como mostra a figura a seguir. Despesas da União na área de Energia (como % do PIB e das % das despesas totais da União) % do PIB 1,0% % das desp. totais 10,0% 8,0% 0,6% 6,0% 0,4% 4,0% 0,2% 2,0% 0,0% 0,0% 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 02 0,8% % do PIB % das depesas totais * Até 1999 responde por despesas da área de energia e recursos minerais. Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Contudo, não eram as despesas da União ou dos estados que sustentavam os investimentos do setor, mas sim os investimentos das empresas estatais. Diferentemente de demais setores (com o Petróleo e Telecomunicações) o setor de energia contava com investimentos expressivos das estatais estaduais e não apenas o das federais. Na década de 80, os investimentos das estatais estaduais representaram cerca de 40% dos investimentos de todas as estatais. As empresas estatais foram instrumento essencial para execução dos planos de investimento dos governos federal e estaduais. Foram particularmente importantes para a captação de recursos no exterior desde o final da década de 70. Tanto os investimentos das estatais federais quanto das estaduais sofreram forte redução a partir do final da década de oitenta como ilustra o próximo gráfico. De um patamar de US$ 8 bilhões ao ano de investimentos de empresas estatais do setor (federais e estaduais), a década de 90 inicia-se com investimentos de US$ 4 bilhões. Investimentos das empresas estatais do setor elétrico, US$ mi de 1992 10,0 8,0 6,0 4,0 2,0 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 81 19 80 0,0 Obs.: Inclui estatais federais e estaduais. Fonte: Fundap. Essas empresas tiveram suas finanças fortemente afetadas pela crise externa na década de 80. Ao não poderem recorrer ao financiamento integral de suas dívidas externas, as estatais passaram a depender de forma crescente de recursos orçamentários que, como apontamos, também eram escassos. Isso permitiu que os investimentos das estatais sustentassem, em parte, alguma medida na década de 80, pois era crucial finalizar projetos em estágio avançado que foram iniciados no final da década de setenta. 148 Na década de 90, tornaram-se mais claros os conflitos entre as demandas das empresas estatais por investimento e as exigências de ajustes orçamentários. A conseqüência foi a manutenção de níveis bastante deprimidos de investimentos. Utilizando os dados do Sistema Eletrobrás, apresentados no próximo gráfico, fica claro que após a queda do início da década de 90 os investimentos estatais no setor elétrico não se recuperaram. Investimentos da Eletrobrás, US$ bilhões correntes 7 ,0 6 ,0 5 ,0 4 ,0 3 ,0 2 ,0 1 ,0 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 0 ,0 Fonte: Ministério do Planejamento. 6.2 As conseqüências das restrições financeiras do setor público A situação atual das finanças públicas impõe a necessidade da manutenção de ajuste das despesas discricionárias. Na União, as despesas obrigatórias ampliaram-se de forma expressiva, particularmente aquelas ligadas a despesas previdenciárias. Ademais, o compromisso e a necessidade de um superávit primário maior, de forma a manter a credibilidade no pagamento da dívida, impõe sérias limitações à expansão dos investimentos. Tal situação é mais séria em função do consenso em torno da impossibilidade de se ampliar a carga tributária, ou seja, o ajuste precisa efetivamente ser feito nas despesas públicas. O andamento atual da reforma previdenciária é positivo e atenua o crescimento das despesas obrigatórias, mas não libera recursos para investimentos. Os governos estaduais, por sua vez, dispõem de limitada liberdade para ampliar suas despesas, pois suas obrigações com o Tesouro Nacional são bastante restritivas e esses governos também estão pressionados por volumes elevados de despesas obrigatórias com pessoal, previdência e custeio, de forma que dificilmente terão liberdade para impulsionar os investimentos em seus estados. Em síntese, o cenário do setor público como um todo no início dos anos 90 era desanimador. As conseqüências do aumento de despesas públicas obrigatórias gerado pela Constituição de 1988, a falta de equacionamento da dívida externa e o recrudescimento inflacionário a despeito das várias tentativas de estabilização levaram a uma redução drástica do financiamento de terceiros nos investimentos em infraestrutura. Em 1992, 90,8% dos investimentos das estatais federais de infra-estrutura foram financiados por recursos próprios. Operações de crédito para financiamento destas empresas se limitaram a 10,1 % do total em 1989 e 3,4% em 1992. Esta situação foi também influenciada pelo contínuo contingenciamento de crédito às estatais exercido pelo Banco Central sobre o sistema financeiro. Toda essa situação, embora benéfica para a saúde do setor público e do sistema financeiro, acabou tendo efeito adverso no financiamento do setor elétrico, então praticamente todo estatal, como mostrado no próximo quadro. 149 Evolução das Fontes de Financiamentos das Empresas Estatais Federais 1980/1998 Em porcentagem Receita 1980 1985 1989 1992 1995 1997 1998 1 Operacional 70,50 66,10 82,50 90,80 71,80 59,30 61,20 Operações de Crédito 18,40 21,50 10,10 3,40 11,40 16,30 22,60 Não Operacional 3,30 6,50 2,70 1,90 0,80 0,10 0,10 Tesouro 3,20 5,90 4,70 0,70 1,30 1,80 0,80 4,60 0,00 0,00 3,20 14,70 22,50 15,30 Outros 2 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 1 2 1998: Dados preliminares, Recursos para aumento de patrimônio líquido, controladora e outras estatais Fonte: BNDES. 100,0 Pode-se perceber que, a partir de 1995, a capacidade de financiamento do sistema estatal melhorou com relação ao início da década. As operações de crédito voltaram a ser significativas, atingindo 22,6% das fontes em 1998. Também houve um esforço de capitalização das empresas, com reforço do patrimônio líquido atingindo volumes significativos de até 22,5% do total em 1997. A partir de 1995, muitas empresas foram privatizadas e a prática de financiamento via Project Finance passou a ser mais freqüente, com participação bastante significativa do BNDES, como veremos a seguir. 6.3 As privatizações e a atuação do BNDES Diante da conjuntura econômica, da situação financeira do Estado e das necessidades específicas do setor, definiu-se, em meados dos anos 90, uma estratégia para o setor que, entre outras medidas, envolvia a privatização do sistema Eletrobrás, com o desmembramento entre empresas de distribuição, transmissão e geração de energia elétrica, e a instituição de um agente regulador, a Aneel. A privatização do setor elétrico brasileiro está inserida no contexto da adoção de privatizações como orientação de reforma do Estado, e tornou-se possível com a instituição do Programa Nacional de Desestatização – PND, com a Lei 8.031 de 12/4/1990. O programa tomou dimensões amplas ao longo da década de 1990. De 1990 a 2002 foram alienadas empresas que, entre receitas de privatização e assunção de dívida, representaram a transferência de US$ 105 bilhões para o Estado brasileiro. A evolução anual das transferências e as privatizações por empresa são apresentadas no Anexo I. O período completo pode ser desmembrado em dois sub-períodos distintos, 1990 a 1994 e 1995 a 2002. No período de 1990 a 1994, foram privatizadas principalmente empresas do setor siderúrgico e petroquímico, com forte participação do capital nacional e utilização de moedas de privatização (várias modalidades de dívida pública em mercado). No período seguinte, o processo de desestatização se aprofundou. A formação do Conselho Nacional de Desestatização sinalizou a maior ênfase conferida ao processo pelo Governo. As empresas de serviços públicos foram inseridas no processo, incluindo empresas dos setores de telecomunicações, energia elétrica, serviços financeiros e transportes. A participação do capital estrangeiro neste período ascendeu a 53% do total. As receitas de privatização também se aceleraram, sendo que os maiores volumes foram atingidos nos anos de 1997 e 1998, com US$ 27,7 bilhões e US$ 37,5 bilhões respectivamente. Neste período houve forte participação do capital estrangeiro no volume das receitas de privatização. Este volume chegou a US$ 41.737 bilhões, ou 53% do total. As privatizações no setor elétrico ocorreram entre 1996 e 1998, sendo que houve uma em 1995, a da Escelsa, e três privatizações de distribuidoras de menor porte em 2000, Celpe, Cemar e Saelpa. Não houve privatizações em 1999, na esteira da desvalorização cambial. Listamos na próxima tabela as privatizações do setor. As receitas de privatização por setor estão na tabela seguinte e, finalmente mostramos um quadro com os ingressos de investimentos diretos relativos a privatizações do setor. 150 Privatizações do setor elétrico Empresa Data Receita US$ Milhões Âmbito PND Escelsa (distribuidora) 11/07/95 519 Light (distribuidora) 21/05/96 2.509 Gerasul (geradora) 15/09/98 880 Total 3.908 Programas Estaduais – Geradoras Cachoeira Dourada 05/09/97 714 CESP Paranapanema 28/07/99 682 CESP Tietê 27/10/99 472 Total 1.868 Programas Estaduais - Distribuidoras Cerj 20/11/96 587 Coelba 31/07/97 1.598 CEEE-Norte-NE 21/10/97 1.486 CEEE-Centro Oeste 21/07/97 1.372 CPFL 05/11/97 2.731 Enersul 19/11/97 565 Cemat 27/11/97 353 Energipe 03/12/97 520 Cosern 12/12/97 606 Coelce 02/04/98 868 Eletropaulo Metropolitana 15/04/98 1.777 Celpa 09/07/98 388 Elektro 16/07/98 1.273 EBE 17/09/98 860 Celpe 17/02/00 1.004 Cemar 15/06/00 289 Saelpa 30/11/00 185 Total 16.462 Total Setor Elétrico Fonte: BNDES. 22.238 As privatizações no Brasil, tanto em nível federal como estadual, chegaram a um total de US$ 105,3 bilhões. Deste total, US$ 87,2 bilhões foram receitas de privatização e US$ 18,1 bilhões foram dívidas assumidas pelos novos controladores. O setor elétrico participou com US$ 29.748 milhões, sendo US$ 7.510 milhões de assunção de dívidas. Participação Setorial na Privatização Setor Participação no volume financeiro de privatizações US$ 105.3 bilhões Telecomunicações 31,1% Energia Elétrica 28,3% Siderurgia 7,8% Mineração 8,3% Petróleo e Gás 6,7% Financeiro 6,0% Petroquímico 3,5% Transportes 2,2% Decreto 1.068 0,7% Outros Fonte: BNDES 5,4% 151 Do total de receitas de privatização do setor, US$ 8.479 milhões foram na forma de investimento estrangeiro direto para as privatizações. Investimento Estrangeiro Direto para Privatização do Setor Elétrico US$ milhões Demais privatizações 1996 1.760,0 Demais privatizações 1997 3.079,0 Cia. de Energia Elétrica do Ceará (Coelce) 1998 Abr 1.926,6 Cesp – Parapanema 1999 Ago 710,0 Cesp –Tietê 1999 Nov 310,2 Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) 2000 Fev 158,0 240,0 Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) 2000 Jun Companhia Energética do Maranhão (Cemar) 2000 Jun 168,0 Companhia Energética do Maranhão (Cemar) 2000 Total Setor elétrico Fonte: Banco Central do Brasil – Indicadores Econômicos 16/07/2003. Jul 127,0 8 478,8 Considerando que o total de receitas de privatização do setor elétrico foi de US$ 22.238 milhões, vemos que 38,1% foram na forma de capital de risco de investidores estratégicos estrangeiros. O restante foi proporcionado por investidores estratégicos nacionais e recursos de fundos de pensão e do BNDES. Participação por tipo de investidor no total das privatizações US$ milhões Tipo de Investidor Receita de Venda % Investidor Estrangeiro 41.737 53,1% Empresas Nacionais 20.777 26,4% Setor Financeiro Nacional 5.158 6,6% Pessoas Físicas 6.316 8,0% 4.626 78.614 5,9% Entidades de Previdência Privada Total Fonte: BNDES Com as privatizações que ocorreram a partir de 1995, o financiamento do setor por instituições de crédito, anteriormente impossibilitado pelo contingenciamento de crédito ao setor público, passou a ser possível. A atuação do BNDES no período mostra a retomada da participação deste tipo de recurso a partir de 1995. No período 1995-2000, os desembolsos anuais médios do BNDES, em projetos de energia elétrica, desconsiderando o financiamento a privatizações, foram de R$ 900 milhões. Ao todo, nos seis anos, o BNDES desembolsou R$ 5,7 bilhões. Foram 42% dos investimentos, R$ 13,4 bilhões, realizados com o seu apoio neste período. O próximo quadro mostra os detalhes anuais. Participação do BNDES em projetos R$ milhões Ano Operações Contratadas Investimento Total Participação BNDES 1995 1.148 1.479 77,6% 1996 1.003 3.062 32,7% 1997 108 214 50,5% 1998 1.065 1.886 56,5% 1999 1.337 3.001 44,6% 2000 1.048 3.766 27,8% 5.709 13.408 42,6% Foram excluídas operações de antecipação de recursos a estados por conta de privatização e operações especiais (leilões) Fonte: BNDES 152 6.4 Alternativas de financiamento Frente à evolução dos acontecimentos, o setor defronta-se hoje com um conjunto potencialmente amplo de alternativas para seu financiamento. As fontes mais óbvias são constituídas pelos investidores estratégicos, empresas de energia do Brasil e empresas transnacionais ativas no setor, com know-how operacional. Além disso, devemos considerar as fontes complementares de recursos. Em seu conjunto, as possíveis fontes de financiamento do setor são: 1. 2. Recursos intra-setoriais a. Geração interna b. RGR, CDE e ECE Recursos de Terceiros a. BNDES b. Bancos Comerciais c. Mercado de capitais local d. Mercado de capitais internacional e. Export Credit Agencies f. Organizações Multilaterais 6.4.1 Os recursos intra-setoriais a. Geração Interna das Empresas A geração interna de recursos das empresas de geração depende da forma de remuneração dessas empresas. Se a remuneração das geradoras for baseada no seu custo, conforme a proposta inicial do novo modelo do Ministério de Minas e Energia (MME), as empresas de geração não seriam capazes de gerar recursos para o investimento, pois as suas receitas seriam suficientes somente para cobrir os seus custos operacionais e amortecer os investimentos já realizados. Por outro lado, no modelo vigente, se toda a energia fosse vendida ao preço de mercado, o preço tenderia a convergir ao custo marginal de expansão. Nesse caso, se não houvesse restrições fiscais, além de restrições legais, o setor geraria um fluxo de recursos que poderia ser empregado em sua expansão. Nas próximas tabelas apresentamos uma estimativa da geração de recursos esperada considerando um aumento do preço da energia em 20% em 3 anos, como no nosso cenário de referência (Capítulo 4) e com um aumento de 20% em 10 anos, supondo que o preço corrente da geração é de R$ 81/MWh, que equivale a cerca de US$ 27/MWh, e uma capacidade de suprimento atual de cerca de 300 GWh/ano. Geração interna de recursos com aumento do preço de 20% em 3 anos preço (R$) geração de recursos (R$ milhões) 2003 86,08 1.521 2004 91,47 3.137 2005 97,20 4.855 2006 97,20 4.855 2007 97,20 4.855 2008 97,20 4.855 2009 97,20 4.855 2010 97,20 4.855 2011 97,20 4.855 2012 97,20 4.855 Média 4.350 153 Geração interna de recursos com aumento do preço de 20% em 10 anos preço (R$) geração de recursos milhões) 2003 82,49 2004 84,01 902 2005 85,55 1.365 2006 87,13 1.836 2007 88,73 2.317 2008 90,36 2.806 2009 92,03 3.304 2010 93,72 3.812 2011 95,44 4.329 2012 97,20 4.855 (R$ 447 Média 2.597 No modelo vigente esses recursos seriam captados através do pagamento da Taxa de Uso de Bem Público, no caso das geradoras hidrelétricas privadas licitadas a título de concessão onerosa e seriam destinados à Conta de Desenvolvimento Energético. No caso das geradoras estatais esses recursos seriam captados dos dividendos pagos ao acionista majoritário das geradoras estatais, a União, e seriam destinados ao Fundo de Dividendos das Empresas Federais.83 Não consideramos essa fonte de recursos disponível para investimentos por dois motivos. Primeiro, porque o modelo proposto pelo MME eliminaria essa fonte de recursos. Segundo, porque esses recursos já têm destinação prevista. A Conta de Desenvolvimento Energético deve ser empregada no desenvolvimento de fontes alternativas de energia e o Fundo de Dividendos das Empresas Estatais centraliza recursos que “seriam destinados a beneficiar diretamente os consumidores”. 84 Adicionalmente, o setor público como um todo apresenta graves restrições fiscais e apresenta baixa disponibilidade de recursos para investimentos como um todo, como analisado na primeira seção deste capítulo. A geração de recursos pelas estatais contribui para o superávit primário e para a estabilização da relação dívida/PIB. Analisamos a capacidade de investimento das empresas distribuidoras em conexão com a análise financeira detalhada do Capítulo 3. Vemos na próxima tabela as projeções relevantes para o conjunto de doze distribuidoras que respondem por 61,7% do mercado de energia elétrica brasileiro, em 31 de março de 2003, segundo a Aneel. Sua receita advém diretamente das tarifas reguladas pela Aneel e determinações do Ministério de Minas e Energia e seu principal custo, o da energia elétrica, é o principal parâmetro de investimento para as novas geradoras. Segundo as premissas adotadas em nosso cenário base, de crescimento moderado da demanda, detalhado no capítulo 4, e cuja repercussão para as empresas do setor foram analisadas no capítulo 3, as empresas distribuidoras poderiam gerar os valores de Ebitda apresentados a seguir: Geração e demanda de recursos das empresas de distribuição– cenário base 85 EBITDA Despesa Financeira Capex 86 Fluxo de Caixa Fluxo de Caixa + Capex 83 2003 2004 7.358.987 8.448.564 2005 2006 2007 2008 2009 2010 9.783.655 11.164.648 12.649.698 14.084.061 15.663.411 17.435.373 10.825.016 10.169.668 10.655.838 10.048.676 9.007.150 8.636.740 8.124.319 7.442.364 2.138.439 2.216.180 2.340.287 2.470.146 2.607.244 (13.243.720) (7.358.026) (5.707.253) (1.158.823) (0) (271.844) (3.286.157) 4.346.918 2.068.442 6.954.161 2.010.991 1.982.026 2.060.548 (11.235.401) (5.376.000) (3.646.706) 979.616 2.216.180 (816.011) Relatório de Progresso No. 3. Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico e Lei 10.439. Relatório de Progresso No. 3. Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico, seção 3.5. 85 EBITDA – Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization, ou LAJIDA, Lucro antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização. 86 Capex – Capital Expenditures, ou aquisição de imobilizado. 84 154 Vemos que o Ebitda sobe de maneira consistente no período. No entanto, este número tem que ser visto com cuidado, pois principalmente nos anos de 2003 a 2006, o pesado endividamento do setor está sendo reequilibrado, como vemos pelo volume de despesas financeiras projetadas. No Capítulo 3, os investimentos projetados em aquisição de imobilizado supõem que o ritmo de investimentos não diminuirá mesmo consideradas as dificuldades financeiras pelas quais passam as distribuidoras no momento atual, e que imaginamos perdurará até 2006. A hipótese de manutenção do nível de Capex só é possível caso as distribuidoras continuem a rolar parte de suas despesas financeiras entre 2003 e 2006 não sendo, portanto, possível admitir que estas empresas terão capacidade de geração de recursos para efetuar investimentos. Os valores de fluxo de caixas nos quais não são incluídos os dispêndios pressupostos com gastos de capital expressam as sobras de caixa caso fosse adotada a premissa de ausência de gastos de capital e fornecem, anualmente, os montantes de recursos disponíveis para a realização de investimentos. A partir de 2006, em tese, haverá recursos para reinvestimentos. Porém devemos considerar que estes recursos deverão ainda cobrir distribuições aos acionistas87. Portanto, até o final da década, a geração de caixa das distribuidoras estará comprometida. Considerando as projeções acima, referentes a 61,7% do mercado, vemos que não haverá capacidade do conjunto total de distribuidoras para aquisições de imobilizado. Os resultados do fluxo de caixa, deduzidos os gastos de capital, apontam para um déficit de caixa médio anual de cerca de R$ 1,8 bilhões para o conjunto das distribuidoras entre 2003 e 2010. A hipótese de que o ritmo de investimentos não diminuirá mesmo em face às dificuldades financeiras ainda demandará do setor financeiro suporte às rolagens de aproximadamente R$ 26,4 bilhões entre 2003 e 2005 (entre crédito e debêntures, além de recursos do BNDES). b. RGR e CDE e ECE Analisamos também três fontes de recursos internas ao sistema de energia elétrica: (i) a Reserva Global de Reversão (RGR), (ii) Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e (iii) Encargo de Capacidade Emergencial (ECE) ou “seguro apagão”. Estes recursos são “carimbados”, ou seja, têm sua aplicação direcionada obrigatoriamente. No entanto, o CDE é reconhecidamente uma fonte para desenvolvimento de alternativas de geração de energia, e o ECE tem sua utilização atual (prevista para término no médio prazo) direcionada para o acréscimo de capacidade geradora térmica. A RGR tem finalidade específica, porém, por ser um fundo de recursos a ser utilizado no longo prazo, pode constituir uma fonte de recursos de terceiros no âmbito da expansão da capacidade de geração de energia elétrica. RGR A RGR, como foi dito anteriormente, foi criada com a finalidade de constituir um fundo para garantir ao governo federal os recursos necessários nos casos de indenização do concessionário quando da reversão dos bens e instalações do serviço ao fim do prazo de concessão. Em 2002, através da Lei 10.438, sua cobrança foi prorrogada até dezembro de 2010. Nos últimos anos, a RGR arrecadou aproximadamente R$ 1 bilhão por ano. Seu emprego se dá na forma de empréstimos a concessionários de serviços públicos de energia elétrica para expandir e melhorar esses serviços. Em 2002, as aplicações foram de R$ 1,3 bilhão, volume muito superior ao observado em 2001, que foi de R$ 608,6 milhões. Reserva Global de Reversão (RGR) - R$ Milhões Ingressos Aplicações Fonte: Eletrobrás. 2000 2001 2002 1.102,7 1.151,5 1.231,8 939,2 608,6 1.384,7 87 Os acionistas diretos das distribuidoras em vários casos são empresas holdings que também são alavancadas e têm endividamentos a reduzir. Ver o capítulo 3 para mais detalhes. 155 CDE A CDE foi criada pela Lei 10.438/02 com o objetivo de garantir o desenvolvimento energético do país, seja pela diversificação da matriz energética, seja pela criação de mecanismos de promoção da universalização dos serviços de energia elétrica. A CDE tem como fontes: (i) o recolhimento proveniente da antiga CCC para os sistemas interligados (já incluída na tarifa); (ii) os pagamentos pelo uso de bem público (relacionados às licitações de novos aproveitamentos hidrelétricos); (iii) os recolhimentos de multas aplicadas pela Aneel aos agentes do setor. Espera-se que o valor médio dos recursos recolhidos à CDE seja de R$ 1,6 bilhão ao ano nos próximos 10 anos. A utilização desses recursos deverá ser direcionada para estimular a universalização dos serviços, para o pagamento dos agentes produtores de energia elétrica a partir de fontes eólica, térmica a gás natural, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas, para crédito complementar aos produtores de energia renovável na etapa 2 do Proinfa, para pagamento dos custos das instalações de transporte de gás natural nos estados onde, até o final de 2002, não existia o fornecimento a gás natural canalizado, e para pagamento ao produtor de carvão mineral nacional de parcela do custo deste combustível pelo ONS ou que utilizem tecnologia limpa de geração. Utilização dos recursos da CDE 2500 2000 Recolhimento Recolhimentoanual anualmédio médio da daCDE CDE 1500 1000 Infra-estrutura transporte gás natural venda a consumidor final Universalização 2024 2023 2022 2021 2020 2019 2018 2017 2016 2015 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 0 2003 500 Pagamento carvão nacional Proinfa - Etapa 2 Pagamento CDE após operação Fonte: APMPE ECE A ECE também foi criada pela Lei n° 10.438/02. O encargo de capacidade emergencial, ou “seguro apagão”, tem como objetivo a manutenção de usinas emergenciais disponíveis para gerar energia elétrica em caso de ameaça ao abastecimento. Sua cobrança é efetuada mensalmente nas contas de energia e é administrada pela Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial (CBEE), empresa criada pelo governo para contratar a energia emergencial das usinas. Os recursos são utilizados para pagar o aluguel das usinas emergenciais que foram contratadas para serem acionadas em épocas de crise de energia. Este encargo tem um caráter emergencial, somente para cobrir os custos dessas usinas. O fim da cobrança deverá ser em 30 de junho de 2006, data prevista para a extinção da CBEE. O valor total do seguro é de R$ 1,4 bilhão por ano. 6.4.2 Os recursos de Terceiros a. BNDES O BNDES é o grande provedor de recursos de longo prazo em moeda local. Praticamente toda operação de Project Finance no Brasil conta com a sua participação. Os projetos de energia elétrica são tratados no 156 BNDES dentro da Área de Infra-estrutura (AIE), no Departamento de Energia Elétrica (DEENE). Outros departamentos da área são Gás, Petróleo, Cogeração e Outras Fontes de Energia (DEGAP), Telecomunicações (DETEL), Transportes e Logística (DELOG) e Renda Variável (DEREV). A atual carteira de projetos da AIE está demonstrada na próxima tabela: Projetos da Área de Infra-Estrutura do BNDES Departamentos nº de projetos Participação BNDES R$ Milhões Investimento Total DEENE 116 15.202 31.282 DEGAP 65 7.318 18.916 DELOG 76 6.201 14.297 DETEL 41 6.908 33.636 298 35.629 98.131 Total AIE Operações com carta consulta, enquadradas, em análise, aprovadas e contratadas em fase de desembolso Não inclui operações do Programa Emergencial Fonte: BNDES A carteira de projetos do DEENE e do DEGAP é mostrada a seguir: Carteira de Projetos - DEENE e DEGAP R$ Milhões Estágio nº Projetos Financiamento Investimento Total Contratada 67 7.494.797 Aprovada 12 1.354.746 2.518.783 Em análise 31 5.440.030 15.834.110 Enquadrada 22 2.448.101 4.482.656 C/Consulta 37 3.625.569 6.261.790 Perspectiva 12 2.197.153 3.088.149 181 22.560.396 50.175.145 Total 17.989.657 Não incluídas operações do Programa Emergencial das Distribuidoras Fonte: BNDES O BNDES preferencialmente trabalha com agentes repassadores (bancos comerciais e múltiplos). A remuneração tipicamente é TJLP ou Cesta de moedas + spread básico + spread do agente. Os níveis típicos de spread básico vão de 1% a 3% a.a. e o spread do agente pode variar até 4.625% a.a., dependendo do risco de crédito. Geralmente há um período de carência dos pagamentos do principal até 6 meses após o início da operação, quando os pagamentos são trimestrais apenas para os juros. Após o período de carência, os pagamentos de juros e amortizações são usualmente mensais. Instrumentos de garantia em geral contam com hipoteca de instalações, alienação fiduciária de equipamentos, e vinculação/caução de recebíveis do projeto. Garantias adicionais tais como fundo de amortização e conta reserva (com liquidez para o serviço de dívida de curtíssimo prazo) podem também ser requeridas. Em adição à carteira de projetos, o BNDES tem outros dois programas com exposição ao setor: os financiamentos a privatizações e o programa de recomposição tarifária extraordinária (RTE). Segundo o DEENE, a exposição em cada um desses programas, em julho de 2003 era de R$ 7 bilhões. Ao todo a exposição do BNDES ao setor equivalia a R$ 21 bilhões nos três programas (projetos, privatizações e RTE). b. Bancos Comerciais Os bancos comerciais brasileiros dispõem de escassos recursos de longo prazo em moeda local. Tradicionalmente, os bancos que possuem operações de atacado fornecendo crédito corporativo atuam como consultores financeiros em projetos e repassam recursos do BNDES de longo prazo. Os bancos comerciais estrangeiros com operação local tendem a operar na mesma linha de atuação dos bancos comerciais brasileiros, dependendo de sua musculatura local. De um modo geral acabam atuando 157 com a sua carteira de clientes corporativos da matriz no país de origem. Os bancos estrangeiros de grande porte que adquiriram casas bancárias preexistentes e possuem maior escala operam conforme os bancos comerciais locais. Os bancos de menor porte, mesmo que disponham de representação de banco comercial local, atuam como escritórios de negócios e suas operações são geralmente implementadas como empréstimos externos. Tanto os bancos locais como os estrangeiros com presença local são bastante ativos em financiamento ao comércio exterior e em empréstimos corporativos sindicalizados. As carteiras de comércio exterior, denominadas em dólares e com prazos geralmente de poucos meses a dois anos de prazo, podem ser alocadas para os bancos comerciais no Brasil ou para suas subsidiárias offshore. Ao longo de 2002, o crédito desta modalidade, as chamadas “linhas comerciais”, sofreu forte contração em função da crise brasileira. Os bancos estrangeiros, tradicionais provedores de funding para estas operações, sofreram com inadimplementos comerciais na crise Argentina, e reduziram conseqüentemente suas exposições ao Brasil, provocando também uma forte subida dos spreads nestas operações. Atualmente, esta modalidade de crédito ainda não recuperou os volumes de final de 2001. Em julho de 2003, embora os spreads tenham caído a níveis mais próximos aos patamares históricos, os volumes ainda se encontram reduzidos e os prazos não estão superando um ano para o crédito corporativo clean, sem garantias adicionais. O mercado de empréstimos corporativos sindicalizados encontra-se bastante retraído desde o terceiro trimestre de 2002. As poucas operações que têm sido levadas a mercado com sucesso envolvem nomes de primeira linha e pacotes extensos de garantias, geralmente com recebíveis de exportação ou fluxos externos estruturados em companhia de propósito especial off-shore. A Petrobrás optou por captar nesta modalidade no início do ano, mesmo tendo acesso ao mercado de capitais. O Anexo II mostra as operações divulgadas pela imprensa especializada este ano. De qualquer forma, empréstimos corporativos desta modalidade geralmente têm prazos abaixo de 7 anos, o que não é o mais adequado para o setor de energia elétrica onde os projetos são de longo prazo. Os grandes bancos comerciais que operam no Brasil, bem como seus pares europeus, asiáticos e norteamericanos, não estão ainda em condições de atuarem no mercado de infra-estrutura provendo funding em moeda local de longo prazo. Apenas cerca de seis instituições estão em condições de fornecer crédito corporativo com funding próprio para prazos de 4 ou 5 anos, no máximo. A forma possível e necessária para a participação destas instituições financeiras é na função de consultores financeiros de project finance, estruturando as várias alternativas de financiamento possíveis e repassando recursos de outros organismos. Os bancos podem repassar recursos do BNDES para esses tipos de projetos, em moeda local, assumindo o risco comercial. Podem também repassar recursos de bancos estrangeiros com garantia de riscos políticos e de conversibilidade por ECAs (Export Credit Agencies) dos países de exportadores de equipamentos para os projetos, também assumindo o risco comercial. c. Mercado de capitais local Ao longo de 2002 e primeiro semestre de 2003, o mercado de capitais apresentou grande retração em relação ao último semestre de 2001. Além das incertezas eleitorais ao longo do ano, a polêmica marcação a mercado dos papéis de renda fixa detidas por fundos (especificamente a LFT- Letra Financeiro do Tesouro Nacional) e o aperto da política monetária praticamente inviabilizaram novas emissões. Emissões de debêntures públicas, normalmente restritas a bons nomes de crédito, tornaram-se praticamente inviáveis. A deterioração de crédito das empresas brasileiras, em função da desvalorização cambial e do aumento da taxa Selic, também contribuiu para o fechamento deste mercado. Historicamente, o mercado de títulos privados brasileiro, tanto de renda fixa como de renda variável, tem enfrentado desafios consideráveis para crescer, em função das altas taxas de juros nominais de títulos públicos (percebidos como de risco de crédito zero), de mecanismos de governança corporativa ainda em desenvolvimento, da falta de mercado secundário (influenciado negativamente entre outras coisas por tributos como a CPMF) etc. O mercado primário de emissão de ações teve seu auge em 1996, com R$ 9,172 bilhões registrados na CVM. Este movimento teve relação com as privatizações de empresas estatais e outras reformas pró-mercado implementadas pelo governo na época. Desde então o mercado de renda variável tem mostrado redução tanto em emissões primárias quanto em volume de mercado secundário. As razões para tal redução são muitas, como o fechamento de empresas abertas em função das reestruturações societárias pós-privatização, os programas de ADRs que “exportam” atividade secundária de mercado para as bolsas norte-americanas, a retração de investimentos de portfólio em 158 mercados emergentes por parte de investidores institucionais estrangeiros na esteira das crises asiática, russa, argentina e brasileira, etc. A tabela seguinte mostra os volumes de títulos registrados na CVM desde 1995. Vemos que todas as modalidades tiveram drástica redução em 2003. Registro de títulos CVM – 1995-2003 (R$ milhões) Ano Ações Debêntures Notas Promissórias 1995 1.935,25 6.883,37 1.116,68 1996 9.171,90 8.395,47 499,35 1997 3.908,90 7.517,80 5.022,10 1998 4.112,10 9.657,40 12.904,90 1999 2.749,44 6.676,38 8.044,00 2000 1.410,16 8.748,00 7.590,70 2001 1.353,30 15.162,13 5.266,24 2002 1.050,44 14.635,60 3.875,92 2003 79,99 2.078,40 1.075,29 25.771,48 79.754,55 45.395,18 Total Fonte: CVM Segundo o SND – Sistema Nacional de Debêntures, desde 1988 o volume de emissões de debêntures destinado a empresas de prestação de serviços públicos, categoria em que se classificam os serviços de fornecimento de energia elétrica, correspondeu a 22,19% do total em dólares, ou US$ 15.175 milhões. A tabela seguinte mostra os volumes de debêntures emitidas desde 1988 por setor de atividade, em dólares americanos. O volume registrado de debêntures, oscilando entre seis e nove bilhões de reais anuais entre 1995 e 2000, acelerou-se em 2001 e 2002 em função da necessidade do setor privado de captar recursos em reais para compor seu endividamento, dado que a adoção do câmbio flutuante em 1999 acrescentou uma fonte de incerteza e volatilidade à opção pela captação externa. Ramo de Atividades dos Emissores - 1988 - 2003 Volume Registrado em US$ milhões Percentual Finanças 19.164 28,02 Serviços Públicos 15.175 22,19 Emp. De Adm. e Participações 14.739 21,55 Metalúrgico 4.369 6,39 Química 2.990 4,37 Papel e Celulose 2.370 3,47 Ramo de Atividade Comércio 2.364 3,46 Minerais 1.655 2,42 Construção e Engenharia 903 1,32 Transportes 876 1,28 3.789 5,53 Outros Ramos Total 68.393 100,00 (*) 23/7/2003 Fonte: SND Após a adoção do regime de taxas de câmbio flutuante tem ocorrido um movimento de redução do passivo externo privado, onde as empresas buscam a redução do passivo em dólares emitindo debêntures ou tomando crédito bancário em reais e remetendo recursos para quitar suas obrigações. O BNDES tem provido seletivamente recursos de longo prazo para empresas realizarem este tipo de operação, nos casos em que já há uma exposição à companhia. Em outros casos em que a demanda existente é por recursos de curto e médio prazo os bancos comerciais têm provido estes recursos, geralmente indexados ao CDI + “spread de risco”. 159 Um exemplo deste tipo de operação encontra-se na emissão de debêntures de dois anos de prazo da Telemar, anunciada em 23/7/2003, de R$ 150 milhões com custo de 109,5% do CDI. Esta operação foi efetivamente a primeira emissão a mercado do ano, e ficou quatro vezes oversubscribed segundo o líder da emissão, o Itaú BBA. A finalidade da operação foi levantar recursos para o pagamento de um empréstimo sindicalizado de US$ 75 milhões da companhia vencendo naquele mês. As incertezas com relação ao novo governo e o aperto na política monetária levaram a uma redução drástica nas emissões de valores mobiliários e no volume de crédito concedido em reais desde meados de 2002. Espera-se que o mercado reaja e não fique paralisado em face da manutenção de políticas macroeconômicas saudáveis. No entanto, mesmo se as emissões de debêntures atingirem os patamares de 2001, com emissões anuais de R$ 15 bilhões, e considerando que o setor de energia elétrica possa receber 50% das emissões históricas de concessionárias de serviços públicos, ou seja, metade de 22,2%, estima-se um volume de recursos sendo aplicados ao financiamento do setor de energia elétrica de R$ 1,6 bilhão, considerando a tendência histórica de maneira otimista. Mesmo que esta seja uma estimativa grosseira, há ainda um enorme déficit de recursos para o financiamento do setor nos próximos anos, pois nem todo financiamento às empresas do setor será utilizado para novos investimentos. Aliás, é possível que as distribuidoras utilizem-se deste mercado para rolar suas dívidas e equilibrar suas estruturas de capital ao longo de 2003 e 2004. d. Mercado de capitais internacional O mercado de capitais internacional para o Brasil no primeiro semestre de 2002 apresentou uma boa taxa de rolagem, acima dos vencimentos para o período. No entanto, as emissões estão concentradas em nomes de primeira linha de setores específicos. Tradicionais emissoras como Petrobrás e Vale do Rio Doce, com volumes significativos de suas receitas em dólares, e bancos de primeira linha caracterizaram o perfil do emissor de títulos em dólares neste período. Empresas exportadoras do setor siderúrgico também acessaram o mercado no primeiro semestre. A lista de emissões do período é mostrada no Anexo III. Apesar do bom volume de emissões, o mercado de capitais internacional ainda não se recuperou do processo de aversão ao risco iniciada em 2002. A alta liquidez internacional e o baixo retorno dos títulos do tesouro americano pela maior parte do primeiro semestre levaram investidores a buscar os retornos mais altos dos mercados emergentes, mas focando em nomes tradicionais de primeira linha. E boa parte da demanda neste período, em particular para o Brasil, deveu-se à demanda de private banking para títulos. Os investidores institucionais encontram-se ainda bastante retraídos. Este perfil de investidores retornando ao mercado torna mais limitada a disponibilidade de recursos para emissões de mais longo prazo e em volumes maiores. Em adição ao comentário sobre o perfil de investidores que demandaram papéis brasileiros no primeiro semestre de 2003, em julho o yield do treasury bond de 30 anos dos EUA subiu vigorosamente, em níveis similares ao crash do mercado de renda fixa norte-americano de 1994. Este movimento está ligado a expectativas do mercado com relação ao desempenho fiscal ruim do Tesouro Norte-americano e das expectativas com relação à atuação não ortodoxa do FOMC (Federal Open Market Commitee) na definição da política monetária, conforme sugerido em discursos de Alan Greenspan (FOMC governor), mas que até hoje não se materializaram. Este movimento, totalmente exógeno aos mercados emergentes, teve como conseqüência a elevação do retorno dos títulos do tesouro norte-americano de longo prazo, aumentando a sua atratividade em relação aos títulos de mercados emergentes. Finalmente, emissões corporativas de empresas com a maior parte de suas receitas em moeda local foram poucas, a saber Sabesp, Telemar e Braskem. O setor elétrico não foi contemplado com emissões no período, dada a situação financeira não ideal das grandes empresas do setor. e. Export Credit Agencies - ECAs As agências de crédito à exportação de países desenvolvidos podem suportar com funding e garantias a parcela dos investimentos previstos para o setor elétrico referente a importação de equipamentos. Entre estas instituições podemos encontrar: US Eximbank / OPIC (Overseas Private Investment Corporation) JBIC (Japan Bank for International Cooperation) Hermes / KfW (Kreditanstalt für Wiederaufbau) NEXI (Nippon Export Insurance) SACE (instituto per i Servizi Assicurativi del Commercio Estero) 160 Estas instituições trabalham com diversas estruturas financeiras, geralmente garantindo o risco político e de conversibilidade do empréstimo, e uma parte do risco comercial. De um modo geral, estas instituições demandam a garantia do risco comercial por um banco comercial local, e/ou outro banco comercial no país de origem. US Eximbank, NEXI, SACE e Hermes atuam garantindo o risco político e parte do risco comercial da operação para o provedor de fundos, geralmente um banco comercial do mesmo país. A estrutura pode ou não exigir a garantia de risco comercial de um banco local (local significa país destino dos investimentos). É comum que estas instituições tenham limite apenas para os bancos locais privados de primeira linha, o que restringe o volume de recursos disponíveis para esta modalidade, uma vez que estes bancos devam ter limites para os clientes importadores que podem estar ou não tomados por outras operações. OPIC, JBIC e KfW são instituições governamentais que provêm fundos para as operações de exportações de produtos de seus países de origem. No entanto, a atuação delas não está restrita a trade finance. O JBIC, anteriormente Japan Export Import Bank, evoluiu de um agente de financiamento de comércio internacional para uma agência de produtos financeiros mais abrangentes, atuando como uma organização multilateral algumas vezes. A operação realizada com a Embraer em 2003 demonstra esta forma de atuação. O financiamento disponibilizado não tinha como condição a importação de equipamentos japoneses desde que os preços de compra fossem a preços de mercados competitivos. As ECAs terão certamente condições de participar dos esforços de investimentos do Brasil em geração de energia. No entanto, com exceção provável do JBIC e OPIC, os volumes de crédito disponíveis estão sujeitos às importações de equipamentos planejadas. Ainda, os volumes concedidos terão também restrições relativas às exposições dos bancos comerciais repassadores de recursos, que podem ter seus limites tomados junto àquelas instituições. f. Organizações Multilaterais Organizações multilaterais apóiam projetos de infra-estrutura em países de economia emergente como uma função precípua. Os objetivos gerais são financiamento de grandes projetos de infra-estrutura, estímulo ao mercado de capitais, reforço de marco regulatório, reformas no setor público etc. A forma de atuação geralmente envolve mecanismos de mitigação do risco de investimentos privados em projetos de risco percebido mais elevado, funcionando como agentes catalisadores de investimentos privados nestas economias. Especificamente para o financiamento de projetos de infra-estrutura, estas organizações promovem financiamentos no formato A/B Loans. Nestas estruturas a agência multilateral figura como lender-ofrecord pelo volume total do financiamento, e os bancos privados participantes figuram como provedores de recursos para a operação, sob a chamada umbrella da instituição multilateral. A estrutura, além de prover isenção de impostos, mitiga os riscos de conversão de moedas associados aos investimentos em países de economia emergente, pois as instituições multilaterais apresentam um de facto status de credor preferencial. Particularmente o IFC e o BID não apresentam casos de inadimplência por crise de conversibilidade ou reestruturação de dívida externa no país de operação do devedor privado em seu histórico desde a formação destas instituições. Na crise da Argentina em 2001/2002 houve casos de inadimplemento comercial, ou seja, o inadimplemento foi causado por problemas de liquidez e patrimoniais na empresa devedora. Embora esteja claro para os bancos participantes que a umbrella da agência multilateral representa uma mitigação de risco em crises de conversibilidade no país destino dos recursos (por exemplo centralização de câmbio por deficiência de reservas em moeda forte) os episódios na Argentina deixaram claro que o risco comercial não pode ser mitigado pela estrutura. a. Banco Mundial/IFC (International Finance Corporation) Historicamente o Banco Mundial e a IFC têm apoiado projetos do setor de energia no Brasil. O Banco Mundial apóia projetos do setor público nos níveis federal, estadual e municipal. Já a IFC suporta financeiramente projetos e empresas do setor privado. O Banco Mundial em 2002 proveu dois financiamentos junto à República do Brasil condicionados à continuação das reformas no setor elétrico iniciadas em 1995, buscando promover a participação do setor privado nos novos investimentos necessários ao setor. Estes financiamentos, todavia, foram diretamente ao Tesouro, para financiar a necessidade global de recursos da República, e não eram condicionados a nenhum projeto específico no setor elétrico. 161 O Banco Mundial tem participado também de projetos de incremento de infra-estrutura em regiões carentes do Nordeste Brasileiro, em nível estadual. Estes projetos englobam iniciativas que vão de saneamento básico a disponibilidade de energia elétrica, mas são de pequeno volume e focados em regiões carentes. A tendência recente dos projetos do Banco Mundial indica que seria uma alteração bastante significativa na sua forma de atuação se a instituição viesse a financiar grandes projetos de infra-estrutura em geração de energia, patrocinados diretamente pelo setor público. A IFC, por sua vez, na linha de financiamento a projetos privados, atuou recentemente em três oportunidades no Brasil: 1. Termelétrica Macaé. Um projeto de US$ 656 milhões, envolvendo um A/B Loan de US$ 350 milhões e 4 anos de prazo, sendo US$ 275 milhões na parcela B a ser provida por bancos internacionais. O principal investidor privado é a El Paso Corporation. Levado a mercado em 2002, este projeto conta com a participação da OPIC (Overseas Private Investment Corporation), uma agência governamental norte-americana, em US$ 200 milhões, reduzindo as necessidades de recursos de bancos privados para a faixa de US$ 60 milhões. 2. Termo Fortaleza. Um projeto de US$ 250 milhões, com um A/B Loan de US$ 175 milhões e 10 a 12 anos de prazo, sendo US$ 112,5 milhões de bancos privados. O Project Sponsor é a Endesa S/A. A planta está em construção e o pacote de financiamento está sendo levado a mercado. 3. CPFL Energia. Um empréstimo corporativo de US$ 40 milhões para promover a reestruturação do grupo CPFL. O objetivo declarado do financiamento é promover a reestruturação do controle acionário, que envolve Votorantin, Bradesco, Camargo Corrêa e alguns dos principais fundos de pensão atuando no Brasil. A estratégia adotada é promover uma melhora nos processos de governança corporativa da empresa e permitir um IPO tanto no Novo Mercado da Bovespa como na NYSE (New York Stock Exchange). A IFC, mesmo estando ativa em projetos termelétricos brasileiros como demonstrado acima, tem interesses estratégicos de atuação bastante diversificados entre vários países e setores econômicos. Sua disponibilidade de recursos para um determinado setor e um único país é limitada pela sua política interna de diversificação e pela exposição ao país. Adicionalmente, a sua capacidade de auxiliar no financiamento do setor elétrico brasileiro está bastante associada ao desempenho do mercado internacional de empréstimos sindicalizados para projetos na América Latina. Este mercado encontra-se bastante prejudicado pela percepção negativa de risco de investimento nos países da região. Esta percepção de risco é derivada de incertezas com relação ao marco regulatório no Brasil, à situação econômica na Argentina e à turbulência política na Venezuela. Na região, México e Chile são os países que estão conseguindo manter a percepção de riscos de investimentos em um nível que permite a continuidade dos investimentos. Por fim, o ambiente regulatório nos países de economia desenvolvida com relação à exposição dos bancos comerciais a projetos de infra-estrutura tende a se tornar mais rígido. O Comitê de Basiléia deve incrementar as exigências de capital e provisionamento para novos projetos, o que diminui o apetite dos bancos para este tipo de financiamento. Portanto, considerações de capacidade, ambiente regulatório e conjuntura de mercado impedem uma participação mais efetiva da IFC nos investimentos em geração de energia no Brasil no curto e médio prazo. b. BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) O principal canal de participação do BID para financiamento de projetos de energia elétrica é o seu departamento do setor privado (PRI), criado em 1994. Um papel complementar é executado pela IIC (Inter-American Investment Corporation), o braço para pequenas e médias empresas do BID. O BID participou de nove empréstimos e seis financiamentos FUMIN (Fundo Multilateral de Investimentos) no Brasil em 2002, totalizando US$ 690,4 milhões. Nenhum dos nove empréstimos foi de iniciativa do PRI, e nenhum no setor de energia. Os dois últimos projetos do PRI para o setor de energia foram aprovados em 2001, conforme os seguintes detalhes: 1. Termo Bahia. Projeto de US$ 243,6 milhões patrocinado pela Petrobrás e ABB Equity Ventures, sendo o A-Loan de US$ 57.8 milhões e o B-Loan de bancos privados de US$ 115,6 milhões, aprovado em novembro de 2001. 162 2. Termo Pernambuco. Projeto de US$ 403,5 milhões, patrocinado pela CELPE (Grupo Guaraniana), sendo o A-Loan de US$ 42,4 milhões e o B-Loan de US$ 150 milhões, aprovado em dezembro de 2001. Anteriormente, em 2000, o BID também participou de outros projetos, a saber: as usinas hidrelétricas Cana Brava e Dona Francisca, o projeto térmico Energia Norte e uma garantia de riscos de conversibilidade para um empréstimo sindicalizado para a CPFL, recursos para financiar as despesas de capital da distribuidora. Após a lacuna de 2002, quando nenhum projeto foi realizado no setor, há dois projetos propostos no setor, NovaTrans Energia e Termo Norte Fase II, e um financiamento proposto para prover recursos para o programa de investimentos da Bandeirante Energia S/A. A Nova Trans, que totaliza investimentos de US$ 403 milhões, é planejada para ter um A/B Loan de US$ 80 milhões, capital próprio da EnelPower S.p.a. em torno de US$ 110 milhões e o restante será disponibilizado por bancos locais repassando recursos de longo prazo do BNDES. E a Termo Norte Fase II, que é um projeto da El Paso Energy International, envolve custos de US$ 230 milhões, sendo US$ 46 milhões de capital próprio, um A-Loan de US$ 56 milhões, um B-Loan de US$ 72 milhões e US$ 56 milhões de repasses do BNDES. O PRI do BID tem como instrumentos de atuação os A/B Loans, garantia parcial de risco de crédito e garantia parcial de riscos políticos. As condições gerais de financiamento do BID para A Loans são: Participação do setor privado em mais de 50% do projeto. Participação de até US$ 75 milhões ou 25% dos custos do projeto Amortização flexível em até 20 anos Juros de mercado. A garantia de riscos de crédito em moeda local tem a finalidade de permitir o alongamento dos prazos dos empréstimos, promovendo uma melhoria de risco de crédito de papéis em moeda local para serem tomados por investidores institucionais. Os limites são semelhantes ao do A- Loan, e o risco coberto é de 25% do projeto até US$ 75 milhões. A garantia de riscos políticos do BID cobre riscos de quebra de contratos e expropriação de fundos pelo governo, além de riscos de proibição de transferência e conversibilidade de fundos pela autoridade monetária local. O BID proporcionou nos últimos três anos aproximadamente US$ 9 bilhões em investimentos. Destes, participou diretamente com US$ 3,5 bilhões em A/B Loans e garantias. Mantida essa média anual e supondo que o Brasil possa receber de 20% a 25% dos novos projetos do BID, estamos falando em A/B Loans e garantias no valor de cerca de US$ 300 milhões anuais. 6.5 Estrutura típica de financiamento para o setor Imaginamos como estrutura típica para o setor, tanto em projetos de termelétricas quanto de hidrelétricas, projetos de US$ 200 a US$ 600 milhões. Nestes projetos, a distribuição de fontes muito provavelmente deveria contemplar 30-40% de recursos próprios, 0-40% de recursos sindicalizados com apoio de uma agência multilateral, 10-30% de recursos em financiamento de importação, 20-50% em repasses de recursos do BNDES. Não devemos esquecer que a participação dos bancos comerciais brasileiros se fará por intermédio do repasse de recursos para importação de equipamentos ou através de repasses de recursos do BNDES de longo prazo. Não antevemos a participação de fundos na estrutura de projetos em construção. Em estrutura típica de Project Finance, os riscos associados ao projeto não atendem, em princípio, aos requisitos destes investidores. Depois de concluído o projeto, com a companhia operando, fundos abertos, fundos de pensão e previdência fechados podem vir a participar com a estrutura de capital de longo prazo. No entanto, isto só será possível com o marco regulatório definido e com contratos de longo prazo para o fornecimento de energia sem expectativa de quebra. Para a fase atual do mercado, o passado recente não indica que estruturas de capital alavancadas sejam recomendáveis. Participações de terceiros no capital de empresas geradoras deveriam limitar-se a 40-50% do capital no máximo, como regra prática, pois oscilações da demanda são bastante possíveis no curto e médio prazo. Como vimos no capítulo 3, a capacidade de geração de caixa das empresas distribuidoras do setor é muito sensível às variações da demanda por eletricidade. Estruturas com participação excessiva de capital de terceiros podem não se sustentar se houver uma queda da demanda por energia, mesmo que de pequena monta. As geradoras têm como garantia aos seus 163 financiamentos tomados com o sistema financeiro os contratos de longo prazo assinados com as distribuidoras. Portanto, seus recebíveis têm o nível de risco do crédito das distribuidoras. Os fundos abertos, fundos de pensão e de previdência fechados podem ser persuadidos a participar de projetos de construção de unidades geradoras com garantias corporativas dos acionistas patrocinadores destes projetos. No entanto, esta opção elimina a vantagem básica da estrutura de project finance, que é o empreendimento se auto-financiar. Além do mais, esta opção também onera o endividamento dos acionistas dos novos empreendimentos. Algumas empresas podem se ver excluídas de novas oportunidades de investimento lucrativas pelo fato de seus balanços estarem com uma carga de endividamento percebida como excessiva pelos financiadores. Devido às dificuldades que os fundos abertos e fundos de pensão e previdência fechados têm de participar de projetos em construção, é de extrema importância para o setor de energia elétrica que a situação de crédito junto aos bancos comerciais seja saudável. Isto ocorre porque mesmo sem poder prover funding diretamente aos projetos devido ao custo de oportunidade, os bancos comerciais repassam recursos ou do BNDES ou de instituições de financiamento de comércio exterior de outros países. Estas participações podem facilmente chegar a 60% do montante de investimentos dos projetos. Outro detalhe importante dos novos projetos em estrutura de project finance é que normalmente os contratos de longa duração com as distribuidoras são dados em garantia das operações de financiamento. Ou seja, o credit rating desta garantia segue o credit rating da distribuidora compradora. De um modo geral, distribuidoras em situação financeira precária prejudicam projetos, mesmo que o empreendedor acionista do projeto tenha um rating muito melhor. Na prática, se a oportunidade de negócio for realmente única, o empreendedor pode ser levado a tocar o projeto mesmo com uma estrutura de capital pouco alavancada. Isto pode ser ótimo para o projeto, mas no geral encarece o custo da energia. Isto porque é de conhecimento geral que em energia elétrica o custo do capital é determinante no custo por MW instalado, o que influi no custo final da tarifa. Em uma situação de menos stress financeiro, o custo de capital total fica menor com estruturas de capital com mais dívida. Isto leva a tarifas menores entre a geração e a distribuição. Se os empreendedores forem obrigados a desenvolver projetos com pouca dívida, o custo do capital total subirá, e com ele a tarifa. 6.6 Conclusões Fizemos uma análise das possíveis fontes de recursos para o financiamento da expansão do setor de energia elétrica brasileiro, levando em consideração o esgotamento da capacidade financeira do setor público e, desta forma, analisando as fontes internas ao setor e fontes de terceiros. Como fontes internas analisamos geração de caixa das empresas distribuidoras e encargos do sistema. Como fontes externas analisamos mercado de capitais, bancos comerciais, instituições oficiais de crédito e organizações multilaterais. Antes de fazer um resumo quantitativo, devemos fazer uma observação com relação à classificação das fontes de recursos. Embora tenhamos tratado de mercado de capitais, BNDES e bancos comerciais separadamente, é preciso ter em mente que boa parte da atuação dos bancos comerciais em financiamentos de longo prazo ocorre pelo repasse de recursos do BNDES. O mesmo ocorre com o mercado de capitais. Boa parte dos registros de debêntures na CVM envolvem debêntures para a carteira do BNDES e/ou para a carteira de bancos comerciais com funding de recursos do BNDES. Portanto, em tese as fontes de recursos de longo prazo para investimentos em infra-estrutura, além do capital próprio, reduzem-se ao mercado de capitais, principalmente o externo, a bancos comerciais estrangeiros e aos recursos do BNDES. Tanto os recursos do BNDES como os recursos de bancos comerciais tradicionalmente são repassados por bancos comerciais brasileiros. Portanto, o financiamento ao setor passa necessariamente pelo aumento da exposição dos bancos comerciais às empresas de energia. Como vimos, o mercado de capitais internacional está limitado a emissões de empresas do setor financeiro e a emissões de empresas tradicionais exportadoras. O setor elétrico tem como característica receita estritamente em reais, ou seja, o endividamento externo envolve um risco de variação de moeda. Embora o mercado financeiro brasileiro permita o efetivo hedge da operação em moeda estrangeira, esta troca encarece o financiamento. Além disso, a participação do mercado internacional de títulos não se fará diretamente nos projetos, mas sim com financiamentos às empresas de energia. O mesmo pode ser dito do mercado de capitais local. Embora emissões de debêntures possam ocorrer para financiamento de projetos, é improvável que estas debêntures sejam lançadas a mercado, ou para a carteira de fundos abertos e fundos de pensão e previdência privados. Estes fundos têm requisitos de 164 qualidade de crédito nos títulos em carteira, tais como ratings de agências de crédito e níveis diferenciados de disclosure. Antevemos somente debêntures privadas como possibilidades de financiamento a projetos. Debêntures privadas são instrumentos de emissão simplificada que têm investidor definido, com disposição de manter o papel pela sua maturidade. São, portanto, instrumentos de crédito diferenciado. Alguns fundos de pensão e previdência fechados podem ser persuadidos a participar de investimentos adquirindo debêntures privadas, mas este tratamento será caso a caso, principalmente pela proximidade do fundo à empresa liderando o projeto, e sempre em volumes pequenos. O orçamento do BNDES para 2003 envolve desembolsos de R$ 6,7 bilhões para projetos de energia elétrica, e adicionais R$ 1,4 bilhão para o programa emergencial das distribuidoras. Isto equivale a quase um quarto do orçamento total do banco, em torno de R$ 35 bilhões. É um volume mais significativo que a média dos anos 1995 a 2000, quando os desembolsos médios para o setor ficaram em R$ 900 milhões. No entanto, até julho de 2003 apenas R$ 1,3 bilhão havia sido desembolsado. Em um quadro de troca de administração, uma certa lentidão nos processos em andamento é um resultado esperado. Em 23/6/2003 o BNDES tinha R$ 3,8 bilhões em operações de financiamento aprovadas e enquadradas, em 34 projetos para o setor elétrico. Estes projetos equivalem a investimentos de aproximadamente R$ 7 bilhões. Outros 31 projetos envolvendo investimentos de R$ 15,8 bilhões e financiamento de R$ 5,4 bilhões estavam em análise. Portanto, é possível que a meta de investimentos no ano seja atingida. Mas é improvável que o nível de desembolsos a um mesmo setor continue tomando 25% do orçamento do banco como uma regra geral para os próximos anos. A exposição do BNDES ao setor, como já dito anteriormente, está em torno de R$ 21 bilhões, R$ 7 bilhões em projetos, R$ 7 bilhões em financiamentos a privatizações e R$ 7 bilhões no RTE (Recuperação Tarifária Extraordinária). O BNDES declarou a intenção de reduzir os financiamentos a privatizações e o RTE e aumentar o financiamento a projetos. No entanto, na medida em que as distribuidoras necessitam de rolagens de R$ 14 bilhões em 2003 e R$ 8 bilhões em 2004, como vimos no capítulo 3, é improvável que o BNDES consiga redirecionar sua exposição ao setor exclusivamente para projetos. Ainda, a rolagem de operações diminui o total disponível no orçamento do banco para novos desembolsos. Portanto, supondo, de maneira otimista, que o BNDES consiga manter um nível de 10% de seus desembolsos para o setor elétrico, estamos falando de R$ 4 bilhões médios ao ano até 2010. A RGR e o CDE agregam R$ 2,6 bilhões ao ano de recursos disponíveis para financiamento, muito embora o R$ 1,6 bilhão da CDE seja “carimbado”, ou seja, será obrigatoriamente direcionado para projetos alternativos e não para grandes projetos tradicionais de hidrelétricas e termoelétricas. Estes valores são consistentes com o histórico de investimentos de pouco mais de US$ 1 bilhão por ano da Eletrobrás. Até certo ponto, o sistema Eletrobrás sofre do mesmo problema do BNDES. Parte de seus créditos são junto às distribuidoras, que os estarão rolando ao longo dos próximos dois anos e meio. Portanto, a capacidade para novos investimentos está limitada. Uma possível alternativa seria prorrogar o ECE, com outra finalidade, o que traria R$ 1,4 bilhão a mais de fontes de recursos para o setor. Portanto podemos ver que o sistema de financiamento público ao setor elétrico consegue, realisticamente, prover de R$ 7 a 8 bilhões anuais de recursos para novos projetos. Entre as instituições multilaterais, o BID tem demonstrado bastante apetite para projetos de energia, podendo participar com mais R$ 1 bilhão por ano. Portanto, havendo apetite por parte dos empreendedores estratégicos do setor, o sistema oficial de crédito mais as agências multilaterais podem prover recursos de terceiros na ordem de R$ 9 bilhões por ano, em uma primeira estimativa e com uma perspectiva ligeiramente otimista. Estes números agregados deixam claro que a realidade da segunda metade da década de 90 continua, ou seja, mesmo no setor elétrico há necessidade de investimento privado para complementar as necessidades de aumento da capacidade de geração. A ausência de marco regulatório definido afeta a demanda por financiamentos, ou seja, o investidor estratégico está receoso de planejar novos investimentos em função de indefinições de políticas para o setor. Defendemos a opinião de que distribuidoras financeiramente saudáveis são importantes para atrair os investidores de mercado de capitais para suas estruturas de capital, provendo recursos de longo prazo. Uma melhora na situação das distribuidoras permitiria o alongamento de seus passivos via mercado de capitais, e em paralelo a redução da exposição dos bancos comerciais a estas empresas, liberando linhas para novos projetos em estrutura de project finance. Os recursos de longo prazo do 165 BNDES e os recursos gerenciados pela Eletrobrás complementariam os recursos dos investidores estratégicos no aumento da capacidade de geração. Ao término da fase de construção, as empresas detentoras dos ativos de geração poderiam igualmente alongar seus passivos via mercado de capitais. 166 Sumário executivo Serão necessários investimentos no setor elétrico da ordem de R$ 20,0 bilhões anuais para a próxima década, conforme o nosso cenário de referência. Desse total, cerca de R$ 13,6 bilhões devem ser investidos na geração de energia, R$ 3,4 bilhões na distribuição e R$ 3,0 bilhões na transmissão. As possíveis fontes de financiamento são: (i) Recursos intra-setoriais: geração interna, RGR, CDE e ECE; (ii) Recursos de terceiros: BNDES, bancos comerciais, mercado de capitais local, mercado de capitais internacional, Export Credit Agencies e Organizações Multilaterais. Fontes de financiamento Recursos R$ bilhões RGR CDE ECE BNDES Org. Multilaterais 1,0 1,6 1,4 4,0 1,0 Total 9,0 O sistema de financiamento público e as agências multilaterais conseguem prover recursos da ordem de R$ 9 bilhões anuais. As projeções econômico-financeiras das empresas distribuidoras indicam que não haverá geração interna de recursos do setor para a realização de investimentos. Haveria uma necessidade de cerca de R$ 6 bilhões a serem financiados pelo setor privado. Se o modelo vigente fosse mantido, com a energia sendo comercializada ao preço de mercado, o preço tenderia a convergir ao custo marginal de expansão do sistema gerando recursos adicionais na ordem de 2 a R$ 4 bilhões por ano dependendo da taxa de elevação do preço de mercado (20% em 3 anos ou 20% em 10 anos). Esses recursos potenciais não são contemplados na estimação das fontes de financiamento disponíveis para a expansão, dado que no novo modelo proposto pelo Ministério de Minas e Energia as geradoras seriam remuneradas pelo custo de serviço e no modelo vigente a maior parte desses recursos seria destinado a beneficiar os consumidores. Devido à ausência de um marco regulatório definido, a atração de investimentos privados constitui a principal dificuldade para que os investimentos necessários sejam realizados. ♦♦ 167 Referências BNDES (2001). O apoio do BNDES ao Setor Elétrico. Informe Infra-Estrutura nº 57. Castro, D. (2003). Apresentação do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento no Infra GTDC 2003. São Paulo. BID. Cavalcanti, J. C. (2003). Financiamento ao Setor Elétrico – A visão do banco de fomento brasileiro. BNDES. Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos (2002). Plano Decenal de Expansão 2003-2012. Sumário Executivo. Brasília: Ministério de Minas e Energia. Ferreira, P. C. e T. G. Malliagros (1999). Investimentos, Fontes de Financiamento e Evolução do Setor de Infra-estrutura no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. Gomes, A., Abarca, C., Faria, E. e Fernandes, H. (2002). BNDES 50 anos – Histórias Setoriais – O Setor Elétrico. Rio de Janeiro. BNDES. Pacheco, C. W. (1999). Função Financeira da Eletrobrás. Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pego, B., Cândido, J. O, e Pereira, F (1999). Investimento e Financiamento de Infra-Estrutura no Brasil: 1990/2002. Brasília. IPEA – Texto para discussão nº 680. Umbria, F. (2002). Modelo de previsão de preços futuros de energia. Curitiba: Tradener. 168 ANEXO I – Resultados das privatizações Resultados das privatizações de 1990 a 2002 – US$ bi Ano US$ bi 1991 2,0 1992 3,4 1993 4,2 1994 2,3 1995 1,6 1996 6,5 1997 27,7 1998 37,5 1999 4,5 2000 10,7 2001 2,9 2002 Fonte: BNDES 2,0 Resultados das privatizações de 1990 a 2002 – US$ bi 37,5 40,0 35,0 27,7 30,0 25,0 20,0 15,0 10,7 10,0 5,0 2,0 3,4 4,2 6,5 2,3 1,6 4,5 2,9 2,0 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: BNDES 169 Resultado das privatizações por setor e por empresa de 1991 a 2002 – US$ milhões Setores/Empresa Data da oferta Indústria Receita de venda 19.066 Petroquímica 2.699 Petroflex 10/04/1992 234 Copesul 15/05/1992 862 Álcalis 15/07/1992 81 PQU 24/01/1994 287 Nitriflex 06/08/1992 26 Polisul 11/09/1992 57 PPH 29/09/1992 59 CBE 03/12/1992 11 Poliolefinas 13/03/1993 87 Oxiteno 15/09/1993 54 Acrinor 12/08/1994 12 Coperbo 16/08/1994 26 Ciquine 17/08/1994 24 Polialden 17/08/1994 17 Politeno 18/08/1994 45 Copene 15/08/1995 271 CPC 29/09/1995 100 Salgema 05/10/1995 139 CQR 05/10/1995 2 Nitrocarbono 05/12/1995 30 Pronor 05/12/1995 64 CBP 05/12/1995 0 Polipropileno 01/02/1996 81 Koppol 01/02/1996 3 Deten 22/05/1996 12 Polibrasil 27/08/1996 99 EDN 26/09/1996 Petróleo Petrobrás 17 4.840 08/2000 e 07/2001 Mineração 4.840 10.764 Usiminas 24/10/1991 Cosinor 14/11/1991 1.941 15 Piratini 14/02/1992 107 CST 16/07/1992 354 Acesita 22/10/1992 465 CSN 02/04/1993 1.495 Cosipa 20/08/1993 586 Açominas 10/09/1993 599 Caraíba 28/07/1994 6 05/1997 e 03/2002 5.196 12/08/1992 182 CVRD Fertilizantes Fosfértil 419 Goiasfértil 08/10/1992 13 Ultrafértil 24/06/1993 206 Indag 23/01/1992 7 Arafértil 15/04/1994 11 Outros 344 Celma 01/11/1991 91 Mafersa 11/11/1991 49 170 Setores/Empresa Data da oferta Receita de venda Embraer 07/12/1994 192 SNBP 14/01/1992 Infra-estrutura/Serviços 12 63.280 Instituições Financeiras 6.329 Meridional 04/12/1997 240 Banespa 20/11/2000 3.604 BEG 04/12/2001 269 BEA 24/01/2002 77 Credireal 07/08/1997 112 Banerj 26/06/1997 289 Cia. União de Seguros Gerais 20/11/1997 45 Bemge 14/09/1998 494 Bandepe 17/11/1998 153 Beneb 22/06/1999 147 Banestado 17/10/2000 869 Paraiban 08/11/2001 Energia Elétrica 29 22.238 Cachoeira Dourada 05/09/1997 714 CESP Paranapanema 28/07/1999 682 CESP Tietê 27/10/1999 472 Escelsa 11/07/1995 519 Light 21/05/1996 2.509 Gerasul 15/09/1998 880 Cerj 20/11/1996 587 Coelba 31/07/2003 1.598 CEEE-Norte-NE 21/10/1997 1.486 CEEE-Centro-Oeste 21/07/1997 1.372 CPFL 05/11/1997 2.731 Enersul 19/11/1997 565 Cemat 27/11/1997 353 Energip 03/12/1997 520 Cosern 12/12/1997 606 Coelce 02/04/1998 868 Eletropaulo Metropolitana 15/04/1998 1.777 Celpa 09/07/1998 388 Elektro 16/07/1998 1.273 EBE 17/09/1998 860 Celpe 17/02/2000 1.004 Cemar 15/06/2000 289 Saelpa 30/11/2000 185 Transporte Ferroviário 1.963 Oeste 05/05/1996 63 Centro-Leste 14/06/1996 316 Sudeste 20/09/1996 871 Tereza Cristina 22/11/1996 18 Sul 13/12/1996 208 Nordeste 18/07/1998 15 Paulista 10/11/1998 206 Ferroeste 10/12/1996 25 Flumitrens 15/07/1998 240 12/1997 262 Transporte Metroviário Metrô-Rio Transporte Marítimo 262 29 171 Setores/Empresa Data da oferta Receita de venda 01/02/1998 29 01/10/1998 67 CODESP - Porto de Santos 17/09/1997 251 CDRJ - Porto de Sepetiba 03/09/1998 79 CDRJ - Porto do Rio 03/11/1998 27 Conerj Terminal de Ônibus Terminal Garagem Menezes Côrtes 67 Portuário 421 CDRJ - Porto de Angra dos Reis 05/11/1998 8 CODESA - Cais de Capuaba 06/05/1998 26 CODESA - Cais de Paul 17/09/1997 9 CODEBA - Porto de Salvador 21/12/1999 21 CEG 14/07/1997 430 Riogás 14/07/1997 146 Gás 2.005 Comgás 14/04/1999 988 Gás Noroeste-SP 09/11/1999 143 Gás Sul-SP 26/04/2000 298 06/2000 106 Saneamento Manaus Saneamento 106 Telecomunicações 29.811 Telefonia Celular (Bandas B+C+E) 29/07/1998 9.428 Telesp 29/07/1998 4.967 Tele Centro Sul 29/07/1998 1.778 Tele Norte Leste 29/07/1998 2.949 Embratel 29/07/1998 2.276 Telesp Celular 29/07/1998 3.082 Tele Sudeste Celular 29/07/1998 1.168 Telemig Celular 29/07/1998 649 Tele Celular Sul 29/07/1998 601 Tele Nordeste Celular 29/07/1998 567 Tele Leste Celular 29/07/1998 368 Tele Centro-Oeste Celular 29/07/1998 378 Tele Norte Celular 29/07/1998 161 Oferta aos empregados 29/07/1998 293 Região I (Tele Norte-Leste) 15/01/1999 46 Região II (Tele Centro-Sul) 27/08/1999 0 Região III (Telesp) 23/04/1999 41 Região IV (Embratel) 15/01/1999 42 CRT 01/06/1998 1.018 06/1999 50 Informática Datamec Participações Minoritárias Federais Estaduais 50 4.481 753 3.728 Dívidas transferidas 18.076 Obs.: Há uma pequena diferença no total das receitas das privatizações de 1991 a 1994 em relação ao total.. Fonte: BNDES. 172 ANEXO II – Empréstimos sindicalizados Valor (US$ milhões) Cupom (% ao ano) Rentabilidade (% ao ano) 09/jun/03 Sadia 55 prépagto X libor + 2,12 12 - - 10/jun/03 Bradesco 190 USCP libor + 2,0 12 17/jun/03 17/jun/04 13/jun/03 Unibanco 225 securitização libor + 4,25 ou 6,15% 6 anos 13/jun/03 15/jul/09 10/jun/03 Votorantim 50 prépagto X libor + 3,5 36 - - 23/jun/03 Açominas/Gerdau 33 prépagto X libor+4,25 15 jul-03 out-05 14/jul/03 Data anúncio Emissor Prazo (meses) Data Data Liquidação Vencimento 02/jul/03 CSN 142 securitização 7,280% 7 anos 14/jul/03 02/jul/03 Embraer 200 emp. sindical. libor + 2,97 7 anos - - 02/jul/03 Visanet 500 securitização 5,96% 8 anos 10/jul/03 15/jun/11 03/jul/03 Itau Europa (em euros) 170 emp. sindical. Euribor+0,60 36 24/jul/03 22/jul/06 15/jul/03 Açominas/Gerdau 105 securitização 7,370% 7 anos - - 16/jul/03 Itaú 150 securitização libor + 0,63 5 anos 23/jul/03 23/set/08 16/jul/03 Itaú 50 securitização libor + 0,05 8 23/jul/03 23/mar/04 4,48% 10 anos 28/jul/03 CVRD 250 securitização Fonte: Imprensa especializada. Elaboração: Tendências. 173 ANEXO III – Emissões de títulos privados – Bancos e empresas Valor (US$ milhões) Cupom (% ao ano) 07/jan/03 Bradesco 250 6,250% 6,375% 9 14/jan/03 14/out/03 09/jan/03 ABN AMRO 100 6,625% 6,650% 11 23/jan/03 23/dez/03 09/jan/03 Safra 200 6,875% 7,000% 6 16/jan/03 16/jul/03 10/jan/03 Unibanco 100 6,875% 7,000% 12 16/jan/03 16/jan/04 Data anúncio Emissor Rentabilidade (% ao ano) Prazo (meses) Data Liquidação Data Vencimento 10/jan/03 Itaú 200 6,250% 6,375% 11 17/jan/03 17/dez/03 10/jan/03 Votorantim 150 7,000% 7,250% 11 16/jan/03 11/dez/03 21/jan/03 BBA 25 6,500% 6,750% 11 23/jan/03 23/dez/03 23/dez/03 23/jan/03 ABN AMRO 50 6,625% 6,650% 11 23/jan/03 23/jan/03 Banco do Brasil 100 6,250% 6,375% 12 28/jan/03 28/jan/04 24/jan/03 Unibanco 54 6,750% 6,800% 6 03/fev/03 04/ago/03 03/fev/03 Bradesco 75 6,000% 6,250% 6 12/fev/03 12/ago/03 19/ago/03 05/fev/03 Votorantim 55 6,750% 6,850% 6 19/fev/03 05/fev/03 BankBoston 75 7,500% 7,500% 9 12/fev/03 23/nov/03 06/fev/03 Itaú 65 6,000% 6,150% 6 20/fev/03 19/ago/03 07/fev/03 Bradesco 150 5,750% 5,800% 10 19/fev/03 19/dez/03 13/fev/03 Banespa 50 7,250% 7,250% 12 20/fev/03 20/fev/04 18/fev/03 Unibanco 100 6,000% 6,050% 9 26/fev/03 26/nov/03 19/fev/03 ABN AMRO 50 6,750% - 18 27/fev/03 27/ago/04 27/fev/03 CSN 85 9,500% 9,750% 12 05/mar/03 05/mar/04 11/mar/03 Banco do Brasil 120 7,260% 7,260% 7 anos 17/mar/03 15/mar/10 12/mar/03 Unibanco 125 5,000% 5,120% 6 17/mar/03 17/set/03 14/mar/03 Safra 250 6,625% 6,750% 9 31/mar/03 02/dez/03 21/mar/03 ABN AMRO 150 5,625% 5,700% 9 31/mar/03 31/dez/03 24/mar/03 Petrobrás 400 9,000% - 5 anos 31/mar/03 01/abr/08 26/mar/03 Banco Modal 6 8,750% 8,75% 6 26/mar/03 26/set/03 26/mar/03 Banco Modal 17 10,000% 10,00% 12 26/mar/03 26/mar/04 31/dez/03 28/mar/03 Banespa 125 6,250% 6,350% 9 04/abr/03 02/abr/03 Votorantim 200 6,250% 6,500% 12 08/abr/03 02/abr/04 03/abr/03 ABN AMOR 100 5,625% - 9 10/abr/03 31/dez/03 04/abr/03 Abril 10 12,000% 12,000% 8 10/abr/03 19/dez/03 07/abr/03 Bradesco 250 5,000% 5,500% 14 15/abr/03 02/jul/04 08/abr/03 Bradesco 107 5,125% 5,375% 8 16/abr/03 16/dez/03 10/abr/03 Unibanco 100 5,000% 5,250% 12 17/abr/03 16/abr/04 10/abr/03 CSN 75 9,750% 10,000% 24 23/abr/03 22/abr/05 11/abr/03 BNP Paribas 50 5,250% 5,350% 8 23/abr/03 23/dez/03 16/abr/03 Banco do Brasil 75 6,750% 6,750% 24 25/abr/03 25/abr/05 16/abr/03 BBA Itaú 100 5,250% 5,300% 12 08/mai/03 07/mai/04 17/abr/03 Banespa 50 6,250% 6,500% 18 24/abr/03 25/out/04 24/abr/03 Banif Primus 23 4,125% 4,125% 24 09/mai/03 09/mai/05 29/abr/03 Unibanco 75 5,625% 5,850% 18 06/mai/03 05/nov/04 30/abr/03 Bradesco 75 5,250% 5,250% 18 15/mai/03 16/nov/04 01/mai/03 Votorantim 80 7,250% 7,500% 30 09/mai/03 09/nov/05 07/mai/03 Banco BMG 25 8,500% 9,000% 12 21/mai/03 13/mai/04 09/mai/03 Unibanco 80 5,375% 5,625% 12 19/mai/03 19/mai/04 13/mai/03 Petrobrás 550 6,436% 6,436% 12 anos 21/mai/03 01/jun/15 13/mai/03 Itaú 150 5,000% 5,050% 18 28/mai/03 29/nov/04 14/mai/03 Petrobrás (securitização) 200 3,748% 3,748% 10 anos 21/mai/03 01/jun/13 174 Data anúncio Emissor Valor (US$ milhões) Cupom (% ao ano) Rentabilidade (% ao ano) Prazo (meses) Data Liquidação Data Vencimento 29/mai/06 14/mai/03 Safra 85 7,500% 7,625% 36 22/mai/03 14/mai/03 ABN AMRO 75 5,000% 5,100% 14 28/mai/03 28/jul/04 14/mai/03 Banif Primus 20 6,000% 6,000% 12 16/mai/03 10/mai/04 29/mai/03 CSN 100 6,850% 6,950% 12 05/jun/03 04/jun/04 02/jun/03 Banco BMG 15 7,500% 7,850% 12 12/jun/03 03/jun/04 03/jun/03 Bradesco 150 4,750% 4,800% 18 17/jun/03 20/dez/04 04/jun/03 Votorantim 180 6,000% 6,250% 24 17/jun/03 17/jun/05 05/jun/03 Banespa 125 6,250% 5,750% 18 17/jun/03 25/out/04 06/jun/03 Telesp Celular (TSPC) 150 6,750% 6,875% 18 24/jun/03 22/dez/04 11/jun/03 Usiminas 75 6,750% 6,875% 12 01/jul/03 30/jun/04 11/jun/03 BankBoston 75 6,000% 6,375% 24 17/jun/03 17/jun/05 11/jun/03 Safra 75 5,625% 5,750% 24 20/jun/03 20/jun/05 13/jun/03 Sabesp 225 12,000% 12,000% 5 anos 20/jun/03 20/jun/08 16/jun/03 CSN 150 7,875% 8,000% 24 25/jun/03 07/jul/05 27/jun/03 Petrobrás 500 9,125% 9,250% 10 anos 02/jul/03 02/jul/13 27/jun/03 BB (em euros) 173 4,500% 4,630% 12 07/jul/03 07/jul/04 07/jul/03 Unibanco 125 4,000% 4,000% 18 21/jul/03 21/jan/05 08/jul/03 BankBoston 65 5,625% 5,750% 30 15/jul/03 20/dez/05 11/jul/03 Braskem 75 10,500% 10,500% 12 16/jul/03 16/jul/04 11/jul/03 Votorantim 250 5,750% 5,875% 24 28/jul/03 28/jul/05 17/jul/03 Itaú BBA 100 4,750% 4,800% 24 28/jul/03 28/jul/05 15/jul/03 Bicbanco 10 6,000% 6,500% 12 21/jul/03 15/jul/04 22/jul/03 Santander/Banespa 50 5,125% 5,375% 24 29/jul/03 29/jul/05 21/jul/03 Ipiranga 135 7,875% Fonte: Imprensa Especializada. Elaboração: Tendências. 7,875% 60 01/ago/03 01/ago/08 175 7. ASPECTOS INSTITUCIONAIS E A REGULAÇÃO POR INCENTIVOS 7.1 Conceitos básicos da regulação A regulação está no centro das atividades do governo em diferentes áreas: serviços financeiros, definição dos direitos dos consumidores, proteção ao meio ambiente, produção e distribuição de serviços de utilidade pública etc. De um ponto de vista mais geral, podemos dizer que o caráter ou o tipo de regulação adotado em uma economia define em que ponto entre a total nacionalização dos meios de produção e a livre atuação dos mecanismos de mercado cada sociedade está disposta a se colocar. Neste sentido, o estudo do processo regulatório é, ao mesmo tempo, uma questão econômica, política e legal. A demanda por regulação decorre da observação generalizada de que os dois extremos do espectro, estatização total dos meios de produção e livre funcionamento dos mercados, geram problemas de ineficiência na alocação de recursos e uma distribuição não desejada, do ponto de vista da sociedade, do excedente gerado. Como resultado, mecanismos de regulação que sejam capazes de fazer com que os objetivos da sociedade, sejam de eficiência sejam de distribuição, sejam atingidos ou aproximados, precisam ser desenhados e implementados. Um dos principais resultados da teoria econômica é que, na ausência de imperfeições de mercado, o livre funcionamento do mercado leva a uma situação de eficiência, no sentido de que é impossível melhorar a situação de algum dos agentes sem piorar a situação de outro (eficiência no sentido de Pareto). Neste sentido, o mercado é um mecanismo de regulação passível de gerar eficiência, mas tem pouco a dizer sobre a distribuição dos resultados entre os agentes envolvidos. Uma situação na qual um agente se apropria de todo o excedente gerado é tão eficiente quanto uma situação na qual o excedente é igualmente distribuído entre todos os agentes. Do ponto de vista puramente teórico, a questão da distribuição do excedente é considerada o campo preferencial da taxação, enquanto a questão da eficiência deve ser resolvida pela regulação. Entretanto, como veremos neste capítulo, do ponto de vista prático, a estrutura da regulação tem importante influência sobre os dois fenômenos. Vista sob esta ótica, a regulação se justifica quando não estão presentes as condições necessárias para que o livre funcionamento dos mercados gere eficiência. Nestes casos, justifica-se a introdução de mecanismos regulatórios que consigam produzir um comportamento dos agentes econômicos envolvidos que melhore o funcionamento do mercado, no sentido de gerar mais eficiência. Existem quatro situações nas quais o funcionamento do mercado é incapaz de gerar eficiência: 1. Competição imperfeita – uma das condições necessárias para que o funcionamento dos mercados produza uma alocação eficiente de recursos, no sentido definido acima, é que os produtores sejam tomadores e não formadores de preços. Ou seja, que os produtores não consigam, isoladamente ou em grupos, afetar os preços que cobram por seus próprios produtos. Entretanto, existem determinadas circunstâncias nas quais o próprio funcionamento do mercado pode gerar concentração da atividade econômica em um ou poucos agentes. Como resultado, estes agentes acabam tendo poder de determinar os preços a serem por eles cobrados no mercado. Uma situação na qual este resultado é particularmente importante ocorre em setores nos quais a tecnologia apresenta fortes economias de escala, ou seja, o custo unitário de produzir o bem diminui à medida que o nível de produção aumenta. Nestes casos, quanto maior o volume de produção da firma menor o custo unitário de produção e, dado o tamanho do mercado, uma única firma seria capaz de produzir a menor custo que muitas firmas. Se, concomitantemente, a tecnologia é tal que os custos a serem incorridos para entrar no mercado são elevados e não podem ser transferidos para a produção de outros bens, produz-se uma situação na qual, uma vez estabelecida, a empresa poderá explorar seu poder de mercado cobrando um preço acima daquele que produza eficiência (um preço que iguale o custo marginal de produção) e, ainda assim, evitar a entrada de novos competidores. Por outro lado, se o mercado for atendido por várias empresas, o custo unitário de produção do bem ou serviço será maior do que se apenas uma empresa o fizer e as economias de escala que caracterizam a tecnologia não seriam apropriadas pela sociedade. Nestes setores, a regulação é fundamental para evitar que o exercício de poder de mercado por parte dos produtores gere um nível de produção e de excedente menor do que o nível eficiente, ou para que a sociedade consiga se apropriar dos retornos de escala da tecnologia. 176 2. Informação imperfeita – se deixados livres para funcionar, os mercados geram preços e níveis de produção eficientes se houver informação perfeita entre os agentes. Ou seja, é necessário que todos os agentes envolvidos tenham todas as informações necessárias para tomar suas decisões e que todos saibam que todos têm informações. Na medida em que alguns agentes tenham mais informações do que outros, ou que os conjuntos de informações de diferentes agentes sejam diferentes entre si (assimetria de informações), cria-se a possibilidade de comportamentos estratégicos por parte dos agentes, permitindo que estes manipulem as informações que somente eles possuem, em benefício próprio. Nestes casos, existe quase sempre espaço para que uma intervenção regulatória melhore a posição de todos os agentes na economia. Em geral, isto decorre do fato de o custo da obtenção da informação para os agentes individuais ser maior do que para o regulador. 3. Externalidades – um terceiro fator importante que torna o resultado do funcionamento dos mercados ineficiente é a existência de externalidades significativas, ou seja, situações nas quais o comportamento de um dos agentes afeta a produção ou o bem estar de outro (poluição, por exemplo) sem que essa situação afete preços ou interfira no mercado desse bem. Neste caso, a regulação pode ser utilizada para melhorar o desempenho dos mercados onde existem externalidades. Sem dúvida, os agentes individualmente podem se associar com o objetivo de resolver o problema da externalidade, tornando a regulação desnecessária. Porém, em muitos casos, isto implica custos elevados para os agentes individuais que têm que enfrentar um problema de free rider88 para se organizarem. Diante de situações como estas é, em geral, menos custoso que um regulador seja encarregado de realizar esta tarefa. 4. Bens Públicos – um quarto fator é a presença de bens públicos. Estes últimos são definidos como bens ou serviços que apresentam dois atributos. O primeiro é o de serem bens não rivais, isto é, seu custo marginal de suprimento para um consumidor adicional é igual a zero. O segundo é o de serem não exclusivos, isto é, a natureza do bem ou serviço não permite excluir uma parcela expressiva de consumidores. A regulação pode ser realizada por comando ou por incentivos. Na regulação por comando, o regulador ordena que o regulado se comporte de uma determinada forma e verifica, a posteriori, se este comportamento foi realizado. Na regulação por incentivos, o objetivo do regulador é desenhar mecanismos capazes de gerar incentivos para que o regulado revele suas informações e, com isto, ao maximizar seu lucro, comportarem-se de forma a atingir os objetivos perseguidos pelo regulador. A questão da assimetria de informações é fundamental para justificar a escolha dos mecanismos de regulação. Caso as informações fossem perfeitas, seria indiferente que tipo de mecanismo de regulação seria utilizado. Qualquer mecanismo geraria o mesmo resultado. Bastaria ao regulador ordenar que o agente se comportasse de uma determinada forma e depois verificar se o comando foi obedecido. Neste caso, seria indiferente, do ponto de vista do resultado econômico, se a economia funcionasse com total estatização dos meios de produção, e que a regulação fosse totalmente por comando, deixando o mercado funcionar livremente, ou se mecanismos de regulação específicos fossem adotados para alguns setores e não para outros. Na verdade, neste caso, faria pouco sentido falar em regulação por incentivos. Entretanto, caso as informações sejam imperfeitamente distribuídas, os mecanismos de regulação não são indiferentes, do ponto de vista do resultado econômico por eles gerado. Neste caso, como o conjunto de informações das empresas, por exemplo, é diferente daquelas que possui o regulador e o custo de obtenção destas informações é elevado para o regulador, a escolha entre diferentes tipos de mecanismos de regulação, se por comando ou por incentivos, torna-se extremamente relevante para o resultado do processo econômico. É então necessário que o desenho dos mecanismos de regulação seja capaz de induzir os agentes a revelarem suas informações privadas para que a regulação produza os resultados desejados. O formato da regulação se torna fundamental. Conhecer a distribuição da informação entre o regulador e o regulado é de particular importância para que o mecanismo seja desenhado de forma a obter o comportamento desejado pelo regulador. Existe um outro aspecto que torna o uso de regulação por incentivos desejável: os incentivos à inovação tecnológica. Neste caso trata-se de uma imperfeição decorrente do desconhecimento, tanto da empresa como do regulador, com relação às inovações possíveis. A regulação por incentivos proporciona à empresa a possibilidade de auferir lucros extraordinários caso ela consiga, através de inovações tecnológicas, reduzir os seus custos. Assim, a empresa regulada terá o estímulo necessário para inovar, resultando em possíveis ganhos de bem-estar à sociedade no longo prazo. 88 O problema do free rider é a situação na qual agentes individuais não contribuem para o provimento de um bem público (ou redução de uma externalidade negativa) na expectativa de que outros o proverão. 177 7.2 As características do setor elétrico A geração de serviços de utilidade pública, eletricidade, telecomunicações, água, saneamento etc., apresenta, na maior parte dos casos, as características enunciadas nos parágrafos anteriores que justificam a adoção de regulação. Em geral, são setores com grandes economias de escala, onde as informações disponíveis para um grupo de agentes (as empresas) são diferentes das informações disponíveis para outros grupos (o regulador ou os consumidores) e, na maior parte das vezes, geram externalidades. Por esta razão, a regulação é uma característica destes setores em todos os países do mundo. Além dessas características, a energia elétrica apresenta uma série de peculiaridades. Em todo o mundo a energia elétrica é comercializada de forma diferente que a maioria dos bens, dado que essas peculiaridades impõem um grau de coordenação e comprometimento de longo prazo não necessário para a produção e comercialização da maioria dos outros bens. A energia elétrica é um bem: (i) essencial e sua demanda é inelástica no curto prazo, ou seja, a quantidade demandada varia pouco em relação à variação do preço; (ii) não armazenável em sua forma pura; (iii) com características de bem público na transmissão e distribuição; (iv) tecnicamente não discriminável e cujos fluxos não podem ser guiados através das redes de transmissão e distribuição; (v) que conta com mercados cativos na ponta consumidora; (vi) tecnicamente não discriminável e não regulável pelo lado da oferta, ou seja, é muito difícil para um pequeno consumidor optar por este ou aquele fornecedor de energia. Por estas características, a energia elétrica configura-se como um bem peculiar que exige uma infra-estrutura institucional e regulamentação detalhada para ordenar a sua comercialização, com a participação do Estado como regulador e como planejador. É assim no mundo todo. Os segmentos de transmissão e distribuição de energia elétrica caracterizam-se por ser um monopólio natural, ou seja, não passível de competição. Isso ocorre porque os custos são minimizados quando esses serviços são prestados por um único agente. A atuação de vários agentes numa mesma rota de transmissão ou área de distribuição resultaria numa redundância de linhas de transmissão e distribuição, o que elevaria o custo, independentemente do grau de rivalidade existente entre as empresas. Tal redundância evitaria que a sociedade se apropriasse das economias de escala existentes nestas atividades. A operação é otimizada com o uso compartilhado das redes, o que requer um elevado grau de coordenação, que seria mais difícil de se obter se as empresas detentoras das redes de transmissão e distribuição concorressem entre si. O fato de no Brasil as usinas, em geral, estarem distantes dos centros consumidores e darem cobertura mútua quanto às variações de hidrologia local aumenta a importância do extenso sistema interligado de transmissão. O grau de coordenação requerido na operação do setor elétrico brasileiro é maior do que na maioria dos países, pois a geração no Brasil é predominantemente realizada por usinas hidrelétricas de grande porte (cerca de 95% da energia gerada) espalhadas por uma vasta área geográfica interligada. Para aproveitar as complementaridades decorrentes da diversidade hidrológica entre as bacias é necessário que o planejamento e a operação do sistema sejam coordenados. O uso da água precisa ser maximizado de forma conjunta em todas as usinas de uma bacia hidrográfica, independentemente de essas usinas pertencerem a diferentes proprietários89. Para possibilitar a entrada e concorrência nos segmentos de geração e comercialização de energia elétrica é necessário que o uso das redes de transmissão e distribuição seja disponibilizado para todos os agentes de forma não discriminatória. Para isso, é necessário que os procedimentos de obtenção de acesso às redes de transmissão e distribuição e as tarifas de uso das redes sejam estabelecidos a partir de critérios previamente conhecidos. Outra característica do setor elétrico é que uma proporção muito elevada dos custos é composta de custos fixos. A maior parte dos custos é incorrida quando as usinas de geração e as redes de transmissão e distribuição são instaladas; os custos marginais de curto prazo (custos operacionais) são relativamente baixos. Em outras palavras, é muito caro instalar uma usina de geração e colocar as redes de transmissão e distribuição para funcionar, mas é relativamente barato fazê-lo para fornecer a energia elétrica após a sua inauguração e dentro de sua capacidade instalada. Além disso, esses ativos são muito específicos, não existindo, em geral, usos alternativos, o que significa que esses investimentos são irreversíveis. Essas características põem as empresas e investidores do setor elétrico numa situação de extrema vulnerabilidade, pois é necessário ter-se um alto grau de confiança de que após o investimento a 89 Existem avaliações de que, no Brasil, a operação integrada acresce 22% à disponibilidade de energia do parque gerador em relação ao que se teria se cada usina operasse isoladamente. 178 remuneração recebida será suficiente para recuperar todo o investimento inicial e o custo de oportunidade do capital. 7.3 As características institucionais do regulador As características do setor elétrico apontadas acima sugerem que este deve ser regulado. Porém, uma vez decidido que um (ou vários) setor(es) deve(m) ser regulado(s), três aspectos são de grande importância no desenho da regulação: a) quais as características institucionais do regulador; b) qual o processo através do qual a empresa que irá gerar o serviço será escolhida (a concessão); c) como determinar as tarifas a serem pagas pelos usuários destes serviços. O poder regulador é uma prerrogativa da sociedade como um todo e a questão básica é: quais características devem ser exigidas da(s) instituição(ões) que será(ão) responsável(is) pelo desenho e implementação da regulação de tal forma que os objetivos desejados pela sociedade tenham a maior probabilidade de serem efetivamente atingidos. Obviamente, estas características irão depender dos objetivos a serem perseguidos pelo regulador. Os principais objetivos da regulação são gerar uma quantidade de investimentos adequada para atender à demanda pelo serviço, em termos de qualidade e quantidade, eficiência produtiva e uma distribuição do excedente gerado entre consumidores e produtores que seja considerada “justa” pela sociedade. Um candidato que, a princípio, pareceria natural para exercer o papel de regulador em uma sociedade democrática é o governo. Isto porque, tendo sido eleito pelo voto dos cidadãos, representa a vontade da maioria destes cidadãos e, portanto, tem a representatividade e a legitimidade necessárias para que as regulações dele emanadas sejam seguidas. Entretanto, como veremos a seguir, exatamente porque, em qualquer democracia, os mandatos dos governos são relativamente curtos, sua estrutura de incentivos é incompatível com a estrutura de incentivos necessária para gerar investimentos em setores cujo retorno do capital investido se dá no longo prazo, como nos setores de infra-estrutura. Como um dos principais objetivos do regulador é gerar uma oferta do bem ou serviço (em quantidade e qualidade) que seja compatível com a demanda e que a produção seja realizada ao menor custo e vendida ao menor preço possíveis, atingir estes objetivos exige investimentos. Se a estrutura de incentivos do governo não for capaz de induzir estes investimentos, a sociedade terá que conviver com escassez na oferta do serviço, seja em termos de quantidade ou qualidade. A incompatibilidade entre a estrutura de incentivos do governo e a realização de investimentos pelas empresas decorre das próprias características tecnológicas dos setores de serviços de utilidade pública e da impossibilidade de se desenhar contratos completos. Estes setores se caracterizam por elevadas necessidades de investimentos com longos prazos de maturação e, uma vez instalados, não poderem ser deslocados para a produção de outros bens ou serviços ao longo de sua vida útil. Sendo assim, o investimento somente será realizado se a empresa tiver segurança de que os contratos assinados quando de sua realização, inclusive no que se refere à determinação das tarifas, serão cumpridos. Somente assim, as empresas teriam certeza de que os custos variáveis de produção serão cobertos e a remuneração do capital investido será compatível com a taxa de retorno vigente no mercado, no longo prazo, dado o risco específico da atividade econômica. Por outro lado, uma vez realizado o investimento, como o capital investido não é transferível para a produção de outros bens ou serviços sem custos relevantes para a empresa, se os contratos forem mudados pelo regulador de tal forma que a remuneração do capital investido seja inferior a taxa de retorno do mercado, cobrindo apenas os custos variáveis de produção, não seria racional por parte da empresa parar de produzir o serviço. Se ela o fizer, não apenas não conseguirá remunerar seu capital, mas também, desde que a taxa de retorno não seja negativa, estará aumentando seu prejuízo. Dadas estas características da tecnologia, o desenho dos contratos deve ser tal que minimize a probabilidade de o regulador utilizar o fato de o investidor não poder se desfazer de seu investimento, caso o retorno por ele gerado não seja adequado em relação à taxa de retorno do mercado. É impossível desenhar contratos completos, que consigam prever todas as situações que possam vir a ocorrer ao longo de sua vigência. Sendo assim, qualquer contrato de longo prazo deve apresentar cláusulas que o torne passível de revisão, diante de situações imprevistas ou diante de reavaliações periódicas pré-determinadas. Se o horizonte do regulador for de curto prazo, aumenta a probabilidade de 179 que, ao fazer estas revisões, o regulador favoreça os resultados de curto prazo e não remunere o capital investido. O resultado é um aumento do risco do investimento, do custo de capital para a empresa e uma redução do investimento. O ponto importante é que, como os contratos não são completos e, portanto, sempre têm cláusulas prevendo revisões diante de situações imprevistas, uma vez realizado o investimento, o regulado fica “refém” do regulador. Diante disto, para reduzir a incerteza e o custo do capital, o regulador tem que ser “confiável” para o regulado, ao longo do período de maturação do investimento, no sentido de que o regulador não irá utilizar a condição de “refém” para mudar as condições iniciais do contrato em detrimento do regulado. Um exemplo deste tipo de situação ocorre nas revisões das tarifas dos serviços de utilidade pública. Se a avaliação pública do regulador estiver inversamente relacionada aos preços cobrados pelo serviço e se o horizonte do regulador for de curto prazo, ou seja, se o desempenho de curto prazo dominar a atuação do regulador, as empresas não terão segurança de que as revisões contratuais irão determinar tarifas compatíveis com a adequada remuneração do capital investido. Este aumento de incerteza eleva o custo do capital e reduz o volume de investimentos realizados. Como os governos têm horizonte de curto prazo, caso a função de regulador seja por eles assumida, a tentação para se apropriar da remuneração do capital é muito alta. Como as empresas percebem esta estrutura de incentivos, elas não investem. Como o investimento é fundamental para garantir que a oferta do bem ou serviço, em termos de quantidade e qualidade, seja adequada à demanda, o desafio é que o desenho institucional conseguirá atingir este (e os outros) objetivo(s) enunciados acima. Os parágrafos acima sugerem que uma das características do regulador é ter um horizonte de longo prazo, para que as incertezas sejam reduzidas e os investimentos ocorram em quantidade adequada. Porém, este é apenas um lado da relação, a proteção dos investimentos das empresas. O outro lado é a proteção dos consumidores da possibilidade de abusos de poder de mercado pela empresa. Do ponto de vista do consumidor (e, na maior parte das vezes, do governo), para um mesmo nível de qualidade do serviço, quanto menor a tarifa maior seu bem estar. Do ponto de vista da firma, ao contrário, dada a qualidade do serviço, quanto mais próxima do nível de monopólio estiver a tarifa, maior seu lucro. A função do regulador é exatamente compatibilizar os interesses destes agentes. Note que o risco descrito acima está relacionado, principalmente, ao processo de revisão dos contratos de concessão dos serviços de utilidade pública e menos à concessão propriamente dita. Isto porque os contratos de concessão são definidos antes que esta se realize. Todas as cláusulas dos contratos são conhecidas, assim como o regulador. Portanto, o preço pago pela concessão da exploração do serviço reflete os termos do contrato e as características institucionais do regulador. Dadas as outras condições, quanto mais favoráveis (desfavoráveis) às empresas e quanto mais longo (mais curto) for o horizonte do regulador, maiores (menores) serão os preços obtidos pela concessão. No caso da revisão dos contratos, o capital já foi investido e, portanto, as empresas estão “reféns” do regulador. Neste sentido, o pior cenário do ponto de vista dos investidores e, portanto, do ponto de vista do volume de investimentos, é que as características institucionais do regulador sejam mudadas ao longo do período do contrato, no sentido de reduzir o compromisso de garantir a remuneração do capital investido pela empresa. Mudanças deste tipo aumentam a incerteza e têm um efeito ainda mais perverso sobre possíveis investimentos futuros. Nesta questão, estabilidade de regras é fundamental. 7.4 O papel das agências regulatórias A atuação da regulação é necessária onde existam falhas de mercados, ou seja, quando os mercados não fornecem sinais suficientes para garantir escolhas adequadas que levem ao equilíbrio entre ofertantes e demandantes. A tradição em países que adotam sistemas regulatórios que não têm caráter impositivo é delegar esta tarefa às chamadas agências reguladoras autônomas. Estas agências têm características institucionais específicas, que evitam riscos como: oportunismo político, “captura” por um dos agentes interessados no processo de regulação, desvio do interesse público, propensão à discricionariedade, tendência ao inchaço das agências etc. Em geral, seus diretores são indicados pelo poder executivo e aprovados pelo legislativo, não sendo passíveis de demissão durante o período de mandato, exceto em situações especiais. Os mandatos dos diretores não coincidem com os mandatos dos governantes e não são coincidentes entre si. Com isto, as diretorias das agências são compostas por membros indicados por diferentes governos. Por outro lado, respondem pela sua atuação diretamente diante do Poder Legislativo. Têm quadros técnicos especializados, carreiras bem definidas e 180 independência financeira. Os diretores são técnicos reconhecidamente competentes, sendo em alguns casos, mas não exclusivamente, funcionários de carreira da própria agência. Com este desenho, as agências se tornam instituições de Estado e não de governo. Este desenho institucional favorece uma atuação autônoma em relação ao governo, às empresas e aos consumidores e possibilita a tomada de decisões segundo um horizonte de longo prazo. Apesar de ser impossível garantir que tais agências não serão “capturadas” por um dos agentes envolvidos no processo regulatório, esta estrutura tem por objetivo minimizar a probabilidade de que isto ocorra. Sua função é incentivar investimentos necessários ao desenvolvimento econômico, promover o bemestar da sociedade e propiciar a eficiência econômica. A regulação busca reproduzir as condições de competição para que os consumidores tenham acesso aos produtos e serviços com a qualidade e níveis de preços que obteriam em um ambiente competitivo. A ação regulatória costuma se concentrar em três pontos: preços, qualidade e condições de entrada e saída. O maior desafio das agências regulatórias é encontrar o ponto de equilíbrio que viabiliza um retorno justo aos investidores de um lado (e, portanto, a operação e o investimento das empresas) e o excedente do consumidor, de outro, na forma de disponibilidade de bens e serviços de qualidade, a preços razoáveis. É importante destacar que o retorno dos investidores e o excedente do consumidor não devem ser vistos como objetivos conflitantes. No longo prazo, esses dois objetivos se confundem, e ambos promovem o bem-estar social. É importante lembrar que o investimento visa beneficiar o consumidor futuro, reduzindo o custo de serviço e melhorando a qualidade do serviço futuro. Também é importante lembrar que o investidor, em última instância, nada mais é que um consumidor que opta por postergar parte do seu consumo presente por um consumo maior no futuro. 7.4.1 Características essenciais: autonomia e credibilidade A qualidade do desenho institucional é condição essencial para que a agência regulatória cumpra seus objetivos com eficiência e eficácia. A principal característica de uma agência regulatória é a sua autonomia, que tem um papel decisivo para atrair investimentos privados. Segundo Mannheimer: “a premissa básica para a própria existência e aceitação de um órgão regulador é a sua independência”90. No setor elétrico, devido à existência de altos custos fixos, na maioria irreversíveis, e à necessidade de investimentos de longa maturação, é imprescindível a autonomia da agência regulatória. Isto porque o poder concedente tem grande incentivo para não honrar seus compromissos contratuais firmados antes do investimento, pois, uma vez realizados, o poder concedente pode se apropriar dos lucros do investidor, rompendo ou alterando os termos do contrato (reajustando suas tarifas para baixo, por exemplo). O investidor, diante dessas circunstâncias, não tem alternativa senão continuar fornecendo o serviço a fim de recuperar pelo menos parte do seu investimento. Esse comportamento é vantajoso para o poder concedente e os consumidores no curto prazo. No longo prazo, entretanto, o comportamento oportunista do governo prejudica os consumidores, pois reduz a credibilidade necessária para a atração de novos investimentos requeridos para a expansão e renovação do parque gerador e das redes de transmissão e distribuição. O resultado é um encarecimento do serviço ou uma redução da qualidade e da oferta do serviço no longo prazo. Apesar desse comportamento oportunista ser prejudicial no longo prazo, a extração da renda do investidor é repetidamente observada em todo o mundo, e o Brasil não é uma exceção. A história brasileira está repleta de casos de comportamento oportunista pelo governo: moratórias no pagamento da dívida pública, confiscos, repressão das tarifas reguladas, congelamentos de preços, manipulação de indexadores, quebra de contratos, desrespeito aos direitos de propriedade, mudanças arbitrárias de regras etc. O governo é muito suscetível ao ciclo político, que tende a priorizar os interesses de curto prazo (1-4 anos) em detrimento dos interesses de longo prazo. Por outro lado, a agência também deve manter um certo distanciamento dos agentes do setor para evitar ser capturada pelas empresas reguladas. Assim, as ações da agência deverão ser guiadas pelas especificidades setoriais, resistentes às influências de grupos de pressão e afastadas das implicações macroeconômicas de forma a: (i) reduzir os riscos dos investidores – reticentes em negociar com o poder concedente em razão das incertezas inerentes à relações com o governo, e (ii) permitir o efetivo cumprimento da missão regulatória, contribuindo para a promoção da eficiência econômica e do bemestar social. 90 Mannheimer, S. (1998). Agências estaduais reguladoras de serviços públicos. Revista Forense 343(setembro): 221-36. 181 Para que as agências regulatórias tenham a autonomia e credibilidade necessárias, vários elementos básicos precisam ser atendidos: (i) a escolha dos dirigentes da agência regulatória deve ser pautada pela notória capacidade e especialização técnica; (ii) os dirigentes devem ter mandatos fixos, estando protegidos do risco de demissões imotivadas; (iii) a agência regulatória deve ter independência financeira e gerencial, sendo as suas receitas compostas por recursos orçamentários próprios, provenientes de taxas de fiscalização cobradas das empresas reguladas. (iv) efetiva autoridade das decisões da agência na mediação e na arbitragem de eventuais conflitos entre consumidores, empresas e governo nas áreas de sua competência, sem correr riscos de questionamentos junto a outras instâncias dos poderes constituídos, salvo por ilegalidade; (v) transparência no processo decisório para garantir a isenção e legitimidade social da atuação independente da agência. 7.4.2 O processo de concessão O segundo aspecto importante no processo regulatório consiste na definição do mecanismo pelo qual será determinado o preço a ser pago pela(s) empresa(s) pelo direito de exploração do serviço de utilidade pública ao longo do período do contrato ou, no caso de privatização de empresa já existente, do mecanismo de determinação do preço de venda da empresa estatal. A imposição de barreiras à entrada de competidores nos setores produtores de serviços de utilidade pública traz à tona duas questões importantes: primeiro, como escolher a(s) empresa(s) que irá(ão) produzir o serviço e, segundo, como evitar que a(s) empresa(s) escolhida(s) se aproveite(m) da ausência real e potencial de concorrência para explorar seu poder de mercado. Note que, neste caso, como existe apenas uma empresa (ou poucas empresas) gerando o serviço, não existe concorrência efetiva e, como a entrada é restringida, não existe concorrência potencial de possíveis entrantes. Existem duas formas alternativas de escolher a empresa que terá o direito de explorar o serviço91: (i) pelo maior preço pago por esse direito ou (ii) pela menor tarifa cobrada dos consumidores. Em ambos os casos o resultado será o mesmo do ponto de vista de eficiência, desde que a estrutura das tarifas seja adequada, mas distinto do ponto de vista de quem se apropria do excedente gerado. Supondo-se a existência de um número suficientemente grande de interessados em explorar o serviço e que seja impossível uma coalizão entre eles, se a concessão for realizada através de um leilão no qual vence a empresa que oferecer pagar ao governo o maior preço pelo direito de explorar o serviço, a concorrência entre as empresas candidatas irá fazer com que o preço pago pela concessão será tal que todo o excedente gerado acima daquele suficiente para que a taxa de retorno do investimento realizado seja igual à taxa de retorno deste mesmo investimento em outros setores com características similares em termos de risco, prazo etc., seja transferida para o poder concedente. Supondo que, uma vez realizada a concessão, a tarifa cobrada pelo serviço seja linear, a empresa ao maximizar seu lucro irá cobrar o preço de monopólio. A empresa receberá a taxa de retorno de mercado que inclui a reposição do capital investido na compra da concessão e que foi apropriado pelo concessionário. Portanto, quem efetivamente paga a concessão são os usuários do serviço, que pagam para a sociedade como um todo, o direito de usá-lo. Em outras palavras, ocorre uma transferência de renda dos usuários do serviço para a sociedade como um todo. Note que, neste caso, se a concessão significa privatização de uma empresa estatal, ou a concessão de um serviço no qual tenha ocorrido algum investimento do Estado no passado, o consumidor estaria repondo para a sociedade o investimento por ela realizado na empresa estatal. Como, neste caso, a tarifa paga será o preço de monopólio, o resultado não será eficiente do ponto de vista alocativo, havendo perda de bem-estar social em relação à situação na qual a concorrência entre empresas igualasse o preço ao custo marginal de produção. Para evitar esta ineficiência, a solução é a adoção de tarifa não linear, por exemplo, uma tarifa em duas partes, com uma parte fixa e outra 91 Note que, além da questão da licitação da concessão, existe uma questão adicional, que não será tratada neste trabalho, que se refere à estrutura do leilão de concessão. 182 dependendo do consumo. Uma tarifa de duas partes significa que a empresa está discriminando preços com base na quantidade consumida pelo consumidor. Um resultado teórico importante é que, para que uma tarifa não linear gere um resultado eficiente, ela deve ser tal que sua parte fixa seja igual ao total de capital investido pela empresa mais o excedente do consumidor gerado. Neste caso, o preço a ser cobrado na parte variável da tarifa irá igualar o custo marginal de produção (ver Baron, 1989). Entretanto, apesar de uma tarifa como esta ser eficiente, em termos de alocação de recursos todo o excedente será apropriado pela empresa regulada. Como é quase sempre politicamente impossível implementar tais tarifas, os reguladores tendem a se contentar com uma estrutura de tarifas que promova uma alocação o mais eficiente possível. Assim, nas licitações o governo geralmente estabelece um preço-teto para a tarifa a ser definida pela concessionária. A segunda possibilidade seria escolher vencedor da licitação a empresa que se propuser a gerar o serviço cobrando por ele a menor tarifa. Também neste caso, desde que haja um número suficiente de competidores no leilão da concessão e não haja coalizão entre eles, vencerá a firma que oferecer uma tarifa que gere uma taxa de retorno similar àquela que seria obtida se o investimento fosse realizado em um empreendimento similar, em termos de risco, prazo etc, ao que está sendo concedido. Novamente, a taxa de retorno seria a taxa de retorno de mercado (ver Demsetz, 1968). Porém, existe uma diferença no que se refere a quem se apropria do excedente gerado. Neste caso, o excedente gerado seria apropriado pelos consumidores do serviço. A escolha de que processo de licitação deve ser adotado depende dos objetivos da concessão. Ambas as formas de licitação extraem a renda extraordinária do produtor (da empresa concessionária). O que diferencia as duas formas de licitação é que no primeiro caso é o governo que se apropria do excedente enquanto, no segundo caso, é o consumidor que se apropria do excedente. Se o objetivo for apenas atingir um ponto o mais eficiente possível, é indiferente o método de concessão adotado, pois a definição de tarifa não linear induz a empresa a produzir no ponto mais eficiente possível. Porém, se além da eficiência, o poder concedente tiver objetivos distributivos, a discussão sobre a escolha do processo irá depender de qual é a função objetivo do poder concedente no que toca à distribuição dos ganhos gerados. Por exemplo, se uma das razões para fazer a concessão é reduzir a dívida pública, a licitação pelo maior preço ofertado é mais indicada. Neste caso, se os recursos forem efetivamente utilizados para reduzir a dívida, toda a sociedade é favorecida. Da mesma forma, se o processo inclui a privatização de uma empresa estatal ou de algum ativo do Estado, o método do maior preço repõe os gastos de investimentos realizados pela sociedade naquela atividade, reposição esta financiada pelos consumidores do serviço privatizado, enquanto o método da menor tarifa permite que os consumidores se apropriem dos investimentos realizados privadamente. Por outro lado, se o objetivo é maximizar o excedente do consumidor, dadas suas preferências e seu nível de renda, o método de menor tarifa é o mais indicado. 7.4.3 Regulação e defesa da concorrência Outro aspecto fundamental no desenho institucional das agências regulatórias é a sua interação com os órgãos de defesa da concorrência. Segundo Salgado (2003), as agências reguladoras atualmente cumprem o duplo papel de estruturar mercados onde antes só havia a atuação estatal e de garantir que esses mercados se pautem por regras predefinidas, na qual na concorrência é sempre o parâmetro que guia a atuação legal das agências em ambas as funções. Oliveira (2001) proporciona um arcabouço para delimitar o espaço de atuação da agência reguladora e dos órgãos de defesa da concorrência em setores regulados. Quatro arranjos institucionais são examinados: (i) competência exclusiva da agência regulatória setorial; (ii) competências complementares, definindo áreas de atuação exclusiva da agência regulatória e da agência de defesa da concorrência; (iii) competências sobrepostas; e (iv) competência exclusiva da agência de defesa da concorrência. Considerando a flexibilidade institucional, a presença de economias de escala ou escopo nas atividades regulatórias e de análise concorrencial, os custos burocráticos de transação, o risco de captura e o potencial de conflito judicial, pode-se definir qual é o arranjo institucional mais apropriado. Quando existem grandes economias de escala e escopo na regulação, altos custos burocráticos de transação e grande potencial de conflito jurisdicional, é melhor atribuir a competência do setor totalmente à agência regulatória ou ao órgão de defesa da concorrência, dependendo se o setor requer mais regulação técnica ou concorrencial, respectivamente. Por outro lado, se a flexibilidade institucional for importante e o risco de captura for elevado, competências concorrentes ou complementares entre a agência reguladora e o órgão de defesa da concorrência constituem o arranjo institucional mais adequado, sendo o segundo mais adequado se houver um grande potencial de conflito jurisdicional. A próxima tabela resume as virtudes 183 (indicadas pelo sinal positivo, “+”) e as limitações (indicadas pelo sinal negativo “–”) de cada arranjo institucional à luz dos cinco critérios mencionados. Critérios para a escolha de configuração institucional ótima CONFIGURAÇÃO FLEXIBILIDADE INSTITUCIONA L ECONOMIAS DE ESCALA E ESCOPO CUSTOS DE RISCO DE TRANSAÇÃO CAPTURA CONFLITO JURISDICION AL Regulação setorial - + + - + Competências concorrenciais + - - + - Competências complementares + - - + + Regulação antitruste + + + - + INSTITUCIONAL ÓTIMA Fonte: Oliveira (2001). 7.5 A Agência Nacional de Energia Elétrica No Brasil a questão da credibilidade é especialmente importante devido ao legado de repetidos planos econômicos que promoveram o rompimento de contratos, a redução do valor real das tarifas provocadas pelos reajustes abaixo do nível da inflação etc. O elemento chave para se obter a credibilidade necessária é o estabelecimento de uma agência regulatória realmente autônoma, livre das pressões para o atendimento dos interesses de curto prazo. Assim, é necessário que os investidores tenham confiança de que os contratos não serão rompidos, ou seja, de que o governo não irá arbitrariamente interferir no processo regulatório tentando, por exemplo, reduzir tarifas antes de uma eleição ou para controlar a inflação. Quando as regras não são cumpridas os investidores perdem a confiança e não entram neste mercado e, conseqüentemente, ocorre um menor desenvolvimento econômico. A criação desta Agência insere-se na revisão do papel do Estado na economia brasileira ocorrida na década de 90. A operação dos setores de infra-estrutura, antes efetuada pelo Estado, foi substituída pela iniciativa privada, o que resultou numa reestruturação desses setores. Essas mudanças exigiram o desenvolvimento de novos marcos regulatórios. Como conseqüência, foi criado um novo aparato institucional, formado por agências regulatórias de serviços públicos recém-privatizados e órgãos de defesa da concorrência. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, foi criada em 1996 pela Lei 9.427. As atribuições legais da Aneel são: (i) regular e fiscalizar a geração, a transmissão, a distribuição e a comercialização da energia elétrica, atendendo reclamações de agentes e consumidores com equilíbrio entre as partes e em beneficio da sociedade; (ii) mediar os conflitos de interesses entre os agentes do setor elétrico e entre estes e os consumidores; (iii) conceder, permitir e autorizar instalações e serviços de energia; (iv) garantir tarifas justas; (v) zelar pela qualidade do serviço; (vi) exigir investimentos; (vii) estimular a competição entre os operadores; e (viii) assegurar a universalização dos serviços. A Aneel foi criada como uma autarquia especial, com autonomia gerencial e financeira, competência para normatizar questões técnicas e autonomia decisória garantida pelos mandatos fixos de sua diretoria, cuja formação fundamentaria a qualidade técnica e a neutralidade das decisões. Uma avaliação do desenho institucional da Aneel e de sua implementação, à luz das características desejadas de uma agência regulatória delineadas anteriormente, indica que o desenho da Aneel satisfaz a maior parte das características desejadas, mas existem alguns aspectos que precisam ser aprimorados. A próxima tabela apresenta, de forma resumida, como o desenho institucional da Aneel visa atender às diversas características desejadas de uma agência regulatória. 184 Principais características da Aneel Autonomia Autarquia especial; Delegação normativa por meio de resoluções; Poder de arbitragem; Orçamento próprio. Estabilidade Mandato fixo de 4 anos; Mandato não coincidente; Critérios rígidos de exoneração de diretores. Transparência Minutas de resoluções submetidas a audiências públicas; Atos de investidura no cargo submetidos ao Legislativo; Critérios rígidos de exoneração de diretores; Ouvidor (ombudsman); Contrato de gestão. Especialização Quadro técnico especializado. Cooperação institucional Agências estaduais; Secretaria do Direito Econômico (SDE). As principais falhas do desenho institucional são: • a inflexibilidade na política de recursos humanos da Agência, que dificulta a contratação e retenção de pessoal qualificado; • a baixa transparência do processo de tramitação e decisão dentro da Aneel. Esse problema poderia ser minimizado introduzindo-se um processo decisório formal no qual as decisões da Aneel fossem realizadas por votação dos diretores, em reunião aberta, com exposição de motivos, para proporcionar o máximo de transparência;92 • a multiplicidade de fóruns nos quais os agentes podem apelar das decisões da Aneel, que também contribui para prorrogar as incertezas quanto à validade das decisões da Agência. Para minimizar esse problema dever-se-ia definir um único fórum especializado ao qual todas as apelações às decisões da Aneel seriam submetidas; • o processo de prestação de contas da Agência é pouco eficaz. O processo de avaliação e aprimoramento da Agência deveria concentrar-se na função da Agência, tendo em vistas possíveis alterações na legislação que regulamenta sua atuação, tendo-se muito cuidado para não ferir a independência da Aneel no processo. Levando em consideração a necessidade de independência da Agência, a prestação de contas das decisões tomadas deveria se fazer não ao Executivo, mas sim perante comissões especializadas do Legislativo, de preferência, do Senado. Assim, a legislação que regulamenta a atuação da Agência poderia ser aprimorada ao longo do tempo. Com relação ao desempenho da Aneel, destacam-se alguns episódios de interferência do governo que ferem o princípio de autonomia da Agência: • a criação da Câmara de Gestão da Crise de Energia para intervir no setor, por ocasião do racionamento implementado em 2001; • o contingenciamento dos recursos financeiros da Agência, em 2003; • a determinação de não repasse da variação cambial para as tarifas em 2003. Adicionalmente, as Revisões Tarifárias Periódicas das Distribuidoras, promovidas pela própria Aneel, apresentaram várias alterações, como a criação da “empresa de referência” e a alteração de Base de Remuneração, alterações que afetam negativamente o fluxo de caixa das distribuidoras. São exemplos de intervenções, e no último exemplo, de incertezas quanto ao comportamento do regulador, que prejudicaram a credibilidade do marco regulatório brasileiro em relação ao grau de autonomia da agência regulatória. 92 A Aneel já aprimorou muito a transparência da agência através da implementação de audiências públicas, nas quais as minutas de resoluções são apresentadas para receber críticas e sugestões e são feitos relatórios das contribuições. 185 7.6 A regulação de tarifas A Aneel segmenta a receita requerida de cada distribuidora através de dois componentes: (i) a “Parcela A”, que consiste nos custos não gerenciáveis da distribuidora, isto é, os custos dos elos a montante da distribuição, que são repassados ao consumidor; e (ii) a “Parcela B”, que consiste nos custos gerenciáveis da distribuidora. A Parcela B é regulada pela Aneel sob o regime de preço-teto e da regulação por comparação. O regime de preço-teto consiste na fixação de uma tarifa (o preço) para a energia fornecida pela distribuidora por um prazo fixo. A tarifa deve ser fixada num nível que proporcione à distribuidora uma receita suficiente para cobrir os investimentos requeridos, os custos operacionais e o amortecimento dos investimentos passados. No período entre revisões tarifárias (também referido como reposicionamento tarifário), a tarifa é mantida fixa sendo reajustada somente por um indexador pré-definido para preservar o seu valor real. Além disso, a tarifa pode ser ajustada pelo “fator X” definido pelo regulador, que visa compartilhar parte dos ganhos (ou perdas) de eficiência esperados no período com o consumidor. Na revisão tarifária o preço de cada distribuidora é revisto levando-se em conta a “receita requerida”, isto é, a receita necessária para cobrir “custos eficientes de operação e remunerar adequadamente os investimentos incorridos com prudência”. A receita requerida é estimada levando-se em conta um estudo comparativo de todas as empresas de distribuição, de acordo com os princípios de “regulação por comparação”. Para determinar a receita requerida quatro componentes precisam ser calculados: (i) a base de remuneração, (ii) o custo do capital, (iii) os custos operacionais e (iv) os novos investimentos requeridos. A base de remuneração é definida a partir do valor novo de reposição dos ativos dedicados à prestação do serviço regulado da empresa calculado pelo método de “avaliação patrimonial a valor de mercado”. Os ativos são depreciados mediante a aplicação de taxas definidas no Manual de Contabilidade do Serviço Público de Energia Elétrica. Por esse critério, a contabilização dos ativos é baseada no custo corrente de substitui-los por outros bens que efetuem os mesmos serviços e tenham a mesma capacidade dos ativos existentes. Os efeitos de inovações tecnológicas não são diretamente considerados. Conforme a Nota Técnica no 30/2003/SRE/Aneel, a base desse valor será comparada com “referenciais construídos pela Aneel” 93, com vistas a “evitar que o consumidor remunere ativos cujo valor exceda o necessário para a prestação do serviço”. A base de remuneração é composta de cinco componentes: ativo imobilizado em serviço, almoxarifado de operação, ativo diferido, obrigações especiais e capital de giro. O custo de capital da empresa é calculado utilizando-se o custo médio ponderado do capital próprio e de terceiros. A Aneel arbitra a estrutura de capital que ela considera ser razoável. O custo do capital de terceiros é auferido adicionando-se à taxa livre de risco os prêmios de risco compatíveis com o risco de crédito da empresa regulada. O custo de capital próprio é determinado utilizando-se a metodologia CAPM (capital assets pricing model). O CAPM estima a taxa de retorno do capital próprio adequada para o nível de risco associado à determinada atividade econômica. Nesse modelo se estabelece uma relação linear entre a rentabilidade e a taxa de risco das diversas opções de investimento, de acordo com a seguinte fórmula: R = Rf + β (Rm – Rf) + Ro, onde: R é a taxa de retorno adequada para a remuneração da atividade em questão; Rf é o retorno de um ativo sem risco (tipicamente medido pelo rendimento dos títulos do Tesouro dos EUA); β é a medida de até que ponto os ganhos se deslocam com o mercado constituído por uma combinação de todos as opções de investimento, cada um ponderado por sua participação; (Rm – Rf) é a diferença entre o retorno esperado da carteira de mercado e a taxa livre de risco (prêmio de risco). 93 Apesar de a Nota Técnica 030/2003/SER/Aneel fazer referência à regulação por comparação (“referenciais construídos pela Aneel”) na determinação da base de remuneração, a metodologia delineada na Resolução Aneel 493/2002 não faz menção ao uso de estudos comparativos. A Resolução concentra-se na definição de critérios e procedimentos para a avaliação da base de remuneração das concessionárias por empresas avaliadoras independentes. 186 O termo Ro foi acrescentado à fórmula tradicional para incorporar outros riscos (o risco país, o risco regulatório etc.). O prêmio de risco de mercado, (Rm – Rf), é calculado a partir da diferença entre o rendimento médio de um conjunto de empresas e o rendimento médio dos títulos do governo. O coeficiente β ajusta o risco do mercado como um todo ao risco do negócio em questão. Esse coeficiente geralmente é estimado através de uma regressão simples entre o rendimento do negócio específico e do mercado como um todo. Devido à dimensão e estabilidade da economia dos EUA e à disponibilidade de dados, geralmente esse cálculo é realizado para a economia americana e depois ajustado para o país em questão adicionando o risco país e outros que possam ser relevantes, Ro. Para estimar os custos operacionais da empresa, a Aneel adota o conceito do custo de uma “empresa de referência”. Para isso, a Aneel aufere o custo operacional que seria incorrido por uma empresa eficiente baseando-se nos custos de empresas atuando em áreas de concessão com as mesmas características geográficas (tais como: a participação de consumidores ligados em cada nível de tensão; a densidade demográfica; as características do relevo etc). Esse é um dos aspectos mais controversos do regime regulatório adotado pela Aneel. 7.6.1 A regulação por incentivos O regime de preço-teto é uma prática moderna de regulação por incentivos que vem sendo crescentemente empregado em todo mundo. A regulação por incentivos proporciona duas vantagens básicas, em contraposição com a regulação pelo custo de serviço: (i) a introdução de uma estrutura de incentivos permite à empresa regulada buscar a eficiência; e (ii) a possibilidade de conduzir uma regulação menos intrusiva. A introdução de uma estrutura de incentivos é considerada um elemento muito importante, tendo em vista problemas clássicos dos setores regulados como o sobreinvestimento (efeito Averch-Johnson), a baixa inovação tecnológica e a adaptação lenta às novas condições de mercado. Uma estrutura de incentivos deve mitigar esses problemas, promovendo grandes benefícios sociais no longo prazo. Da mesma forma, a adoção de uma forma de regulação menos intrusiva possibilita a redução do custo de regulação e a redução de possíveis distorções provocadas pelo regime regulatório. Tais efeitos são importantes tendo em vista a assimetria de informações entre as empresas reguladas e a agência reguladora, o que limita o seu poder de intervenção. Na prática, a implementação do regime de preço-teto tem sido mais difícil e controversa do que se esperava. Os principais problemas têm sido (i) a definição do fator X e (ii) a definição da tarifa inicial após cada evento de Revisão Periódica. O regime de preço-teto deveria ser mais importante do que o fator X, pois a introdução de uma estrutura de incentivos induz os agentes a buscarem ganhos de eficiência. Uma empresa “acomodada”, entretanto, poderá encarar o regime de preço-teto mais como uma restrição do que um incentivo. Neste caso, a introdução de um redutor do preço-teto, através do fator X, pode ser um instrumento importante para forçar as empresas acomodadas a otimizar as suas operações para aumentar a sua eficiência. É difícil estimar qual é o ganho de eficiência plausível para uma determinada empresa, o que torna a definição do fator X muito polêmica. Dois aspectos devem ser considerados na definição do fator X. Primeiramente, o regulador deve buscar identificar até que ponto os ganhos de eficiência das distribuidoras decorrem do dispêndio de esforço ou da adoção de melhores tecnologias. No primeiro caso os ganhos de eficiência só ocorrem à medida que há um dispêndio de esforço acima do normal. Já no segundo caso, os ganhos de eficiência são permanentes. Em ambos os casos é necessário recompensar a iniciativa, pois, no primeiro caso, se não houver uma recompensa pelo esforço despendido, os agentes se acomodarão, voltando à produtividade normal; e, no segundo caso, a obtenção de ganhos de eficiência decorre de investimentos em novos equipamentos, ou da introdução de novas formas de organização, técnicas ou processos que envolvem custos de implementação e precisam ser remunerados. Em muitos casos, esses esforços ou investimentos são intangíveis, isto é, não são quantificáveis contabilmente, o que torna praticamente impossível o monitoramento desses esforços e investimentos pelo regulador. Para que haja um incentivo para se promover novos ganhos de eficiência é necessário que parte dos ganhos de eficiência seja apropriada pela empresa. Em segundo lugar, o regulador deve adotar critérios objetivos e previsíveis para a definição do fator X. Se a definição do fator X for muito arbitrária, ela resultará numa elevação do risco regulatório prejudicando novos investimentos no setor. Tendo em vista que os intervalos entre as revisões tarifárias no Brasil são relativamente curtos (4 a 5 anos), seria mais apropriado utilizar o fator X de forma defasada de modo a repassar os ganhos de eficiência já alcançados de forma gradual no 187 período seguinte. Isso proporcionaria um retorno maior para as empresas que conseguissem aumentar a eficiência de suas operações e reduziria a arbitrariedade na definição do fator X. O fator X poderia ser baseado nos ganhos de eficiência da própria empresa ou em ganhos de eficiência factíveis à empresa, dada a experiência de outras empresas do setor em condições similares. A metodologia de definição do fator X utilizada pela Aneel adota três componentes: (i) a estimativa dos ganhos de produtividade da distribuidora no período tarifário; (ii) o prêmio ou penalidade associada à satisfação do cliente da distribuidora; e (iii) o reajuste com base na inflação a partir de uma média ponderada de custos reajustados pelo IGP-M e pelo IPCA (os custos referentes aos “materiais e equipes” são reajustados pelo IGP-M e os custos referentes à “mão-de-obra” são reajustados pelo IPCA). O componente baseado na estimativa dos ganhos de produtividade da distribuidora é calculado utilizandose o método de fluxo de caixa descontado para estabelecer os ganhos de produtividade esperados no período tarifário considerado. Os ganhos esperados são definidos utilizando-se o conceito de empresa de referência. Os ganhos de produtividade que superarem os previstos serão apropriados pela empresa durante o período tarifário. Na definição de ganhos de produtividade são considerados o número de clientes, o montante de energia vendido, o crescimento do PIB, os investimentos a serem realizados pela distribuidora, os custos operacionais eficientes, a depreciação e o imposto de renda. A parte mais controversa dessa metodologia para a definição do fator X é o componente determinado pelo grau de satisfação do cliente. A definição é baseada no Índice Aneel de Satisfação do Consumidor (IASC), obtido através de pesquisas de opinião. Trata-se de um critério baseado na percepção dos clientes, que é subjetiva e depende das expectativas e da experiência passada dos clientes, além de fatores conjunturais como campanhas políticas ou de imprensa94. Além disso, a metodologia é comparativa, variando conforme a posição relativa das empresas. O terceiro componente do fator X é uma forma de alterar o indexador das empresas que fere os termos do Contrato de Concessão. A dificuldade de se definir a tarifa inicial para o período tarifário não é um problema novo. Esse problema sempre existiu. Trata-se do problema de superar a assimetria de informações para definir qual é o nível adequado para a tarifa. O regime de preço-teto visa reduzir esse problema fixando a tarifa por períodos de tempo maiores, minimizando assim a necessidade de revisões tarifárias. Devido às alterações nas condições de mercado e dos custos das empresas, é necessário, de tempos em tempos, reavaliar o nível das tarifas de modo que elas reflitam as condições correntes. A instabilidade macroeconômica histórica no Brasil faz com que as revisões tarifárias sejam mais importantes e freqüentes do que em países mais estáveis. A definição da base de remuneração é um dos aspectos mais controversos na regulação de tarifas. A estratégia mais promissora para superar o problema da assimetria de informação é a regulação por comparação, desde que certos princípios sejam respeitados, conforme próximo tópico. A regulação por comparação pode proporcionar uma estrutura de incentivos ainda mais forte para induzir a empresa a adotar melhores práticas e reduzir os seus custos. 7.6.2 A regulação por comparação Como mencionado anteriormente, a regulação por comparação é utilizada explicitamente para se estabelecer o custo operacional e, possivelmente, a base de remuneração das concessionárias na determinação da receita requerida da concessionária. Apesar de não ser explicitamente apresentada como regulação por comparação, todos os componentes da tarifa são de alguma forma balizados pela regulação por comparação. A metodologia CAPM utilizada para determinar o custo do capital é baseada num estudo comparativo do custo de captação de empresas de nível de risco semelhante. A definição do custo dos investimentos requeridos também é elaborada comparando-se o custo de outras empresas no setor ou os preços dos principais insumos praticados pelos fornecedores no mercado da concessionária. 94 Um exemplo de distorções comuns em avaliações de imprensa costuma ser a publicação do ranking de empresas que sofrem reclamações de consumidores, classificado por número absoluto de reclamações. Empresas que prestam serviços universais, como energia elétrica, têm grande chance de aparecerem nos primeiros lugares desses rankings, pois mesmo tendo uma percentagem muito pequena de clientes insatisfeitos, o número final é elevado. E a publicação de tais avaliações não científicas pode induzir a resultados distorcidos em pesquisas de opinião. 188 A regulação por comparação visa proporcionar à agência regulatória uma forma de contornar a assimetria de informações. No regime de custo de serviço, o regulador define a tarifa a partir das informações fornecidas pela empresa regulada. Essas informações podem ser auditadas para verificar a sua veracidade, mas a agência regulatória não dispõe de um mecanismo muito eficaz para determinar se a empresa está sendo bem administrada. Comparando os custos de uma empresa com a de outras – ajustados para as características da área de concessão considerada – pode-se obter uma estimativa do que poderia ser o custo da empresa se ela fosse gerenciada de forma diferente. Isso pode ser feito utilizando modelos econométricos. No Reino Unido, por exemplo, os custos operacionais são estimados a partir de uma regressão considerando o número de consumidores, quantidade de energia elétrica comercializada e a extensão da rede de distribuição. Assim, pode-se estimar o custo da empresa incorporando informações de outras empresas e estabelecer o mínimo custo factível. A regulação por comparação é um complemento natural do regime de preço-teto, pois ela proporciona uma forma de se definir as tarifas que beneficiam as empresas mais eficientes e penalizam as empresas menos eficientes. A aplicação desta metodologia não é simples e está sujeita a erros. Em todo o mundo a adoção da regulação por comparação tem sido controversa e difícil. Por isso, é importante que o regulador seja cauteloso na sua implementação para não comprometer o desempenho do setor no longo prazo. Se a adoção dessa metodologia resultar em tarifas demasiadamente baixas, o desempenho das empresas poderá ser afetado de forma significativa, comprometendo os investimentos futuros no setor. Para minimizar o risco de inviabilizar uma empresa regulada ao fixar uma tarifa mais baixa é importante adotar alguns cuidados: (i) estabelecer critérios objetivos, transparentes e constantes ao longo do tempo, (ii) estabelecer prazos razoáveis para as empresas se adequarem aos padrões mais eficientes e (iii) permitir que os parâmetros adotados para a “empresa de referência” estabelecidos pela Aneel sejam contestados pelas empresas. A falta de critérios objetivos foi um dos problemas enfrentados no Chile, por exemplo. Nesse país, a metodologia adotada para definir os custos da empresa de referência é estabelecida pelas empresas de consultoria empregadas para auxiliar na definição dos custos das empresas. Essa diversidade de metodologias resultou em divergências principalmente quanto à definição de custos administrativos, o que levou a discrepâncias crescentes e à contestação do processo no judiciário. A consistência dos critérios ao longo do tempo também é essencial. A agência regulatória da Inglaterra, o Ofgem, optou por manter inalterada a metodologia de definição da base de remuneração das empresas de distribuição para minimizar o risco regulatório, mesmo considerando que a definição em vigor permitia ineficiências95. Esse é um aspecto importante a ser considerado pela Aneel, pois por mais distorcida que seja a base de remuneração das empresas estabelecida no passado, as privatizações foram realizadas considerando-se esse regime regulatório nos seus estudos de fluxo de caixa. Quando os custos estimados para a empresa de referência são muito inferiores aos da empresa regulada é necessário proporcionar um prazo suficientemente longo para que a empresa possa se adequar aos padrões mais eficientes. Além disso, ganhos de eficiência podem requerer mais investimentos, elevando o custo no curto prazo. Adicionalmente, para evitar erros decorrentes da omissão de fatores específicos da empresa regulada, é importante permitir que a empresa apresente uma justificativa quando ela alegar que seus custos são mais elevados do que a receita requerida calculada pelo regulador. O Ofgem, por exemplo, requer que a empresa revise a sua estimativa de custos, ou que apresente uma justificativa para seus custos, quando estes são elevados em relação ao resto do mercado. Ainda, consultores independentes são contratados para proporcionar uma terceira avaliação dos custos da empresa. Dadas as dificuldades enfrentadas na implementação da regulação por comparação e os erros constatados, as agências regulatórias seriam prudentes em empregar a regulação por comparação com muita cautela. As agências regulatórias não devem desprezar o fato de que a estimação de custos das empresas a partir do conceito de “empresa de referência” pode resultar em graves erros com custos elevados para a sociedade no longo prazo. Dado o elevado do custo de capital no Brasil e a elevada participação dos custos fixos no setor elétrico, talvez fosse o caso de se minimizar a discricionariedade da agência regulatória nos reajustes tarifários periódicos, não se desviando muito da base de remuneração e custos operacionais efetivos das empresas. Neste caso, mesmo que as tarifas resultantes fossem mais elevadas, no longo prazo as tarifas poderiam ser 95 Weyman-Jones (2001), p. 244. 189 menores devido à redução do risco do investidor, o que reduziria o custo do capital e otimizaria as decisões de investimento. 7.7 O licenciamento ambiental Outro elemento de fundamental importância para garantir a realização de investimentos no setor elétrico é o estabelecimento de um processo de licenciamento ambiental eficiente. Investimentos na expansão do sistema elétrico precisam ser aprovados pelos órgãos de defesa do meio ambiente. No âmbito federal essa tarefa é delegada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama). Muitos estados e municípios também possuem órgãos de licenciamento ambiental. O licenciamento ambiental é de grande importância para se avaliar os impactos de cada projeto sobre o meio ambiente e para estabelecer condições para mitigar ou compensar os efeitos sobre o meio ambiente. Por outro lado, à medida que o processo de licenciamento e os critérios empregados se tornam imprevisíveis, o risco dos empreendimentos no setor elétrico aumenta, elevando o custo dos investimentos e provocando atrasos na sua implementação. Por isso, é essencial que esse processo seja regido de forma tempestiva, seguindo rigorosamente critérios pré-estabelecidos, sem interferências políticas. Infelizmente não é isso o que se observa. O licenciamento ambiental não é realizado de forma tempestiva, os critérios de avaliação não são consistentes e observam-se flagrantes interferências nos órgãos estaduais de licenciamento ambiental. Os atrasos na instalação de novas usinas de geração elétrica ocorrem principalmente em função das dificuldades e da demora na obtenção de licenciamento ambiental. Por exemplo, nos seis meses anteriores à redação deste relatório, duas usinas – a usina hidrelétrica de Itapebi e a usina termelétrica de Três Lagoas – sofreram atrasos na data de entrada em operação devido à não obtenção da licença de operação96. O próximo gráfico apresenta o resumo geral dos novos empreendimentos de geração compilados pela Aneel. Somente um terço das novas usinas planejadas para entrar em operação nos cinco anos contemplados deverão seguir o cronograma original. Cerca de 40% sofrerá atrasos e mais de 25% das usinas estão praticamente inviabilizadas. Esse último dado é o mais assustador. Considerando que cerca de um quarto dos projetos estão sendo inviabilizados, torna-se muito difícil planejar a expansão do parque gerador. Parte desses empreendimentos foi inviabilizada pela não obtenção de licenças ambientais. Por exemplo, em junho de 2003, a concessão da hidrelétrica de Santa Isabel, no rio Araguaia, foi devolvida devido a dificuldades na obtenção da licença ambiental. Segundo o consórcio formado por BHP, Billiton, Alcoa, Vale do Rio Doce, Votorantim e Camargo Corrêa, a devolução deve-se ao fato de que o Ibama considera que o rio Araguaia deve permanecer “virgem” em geração de energia.97 Isso indica que os critérios de licenciamento ambiental precisam ser melhor explicitados para que os empreendedores não percam tempo e dinheiro desenvolvendo projetos ambientalmente inviáveis ou muito problemáticos. Andamento de novas usinas concedidas e autorizadas (MW) 16000 14000 12000 10000 8000 6000 4000 2000 0 2003 2004 sem impedimentos 2005 2006 existem impedimentos 2007 graves problemas Fonte: Aneel, 15/06/2003. 96 Essa situação tem, recentemente, dificultado inúmeros empreendimentos, e não apenas hidrelétricas. São muitos os exemplos ocorridos na construção ou ampliação de estradas, ou, ainda, no próprio setor elétrico, gasodutos para alimentar termelétricas ou uso de água para resfriamento. 97 O Valor, 24/06/2003. 190 Os noticiários apresentam casos flagrantes de interferência política nos órgãos de licenciamento ambiental estaduais. Por exemplo, a Governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Garotinho, afirmou que a licença ambiental para a construção de um oleoduto ligando a Bacia de Campos (RJ) a Guarema (SP) não será concedida. Nas palavras da Governadora: “Não será dada a licença ambiental. Queremos que o petróleo que produzimos seja processado no estado.” A obstrução do licenciamento ambiental do gasoduto visa forçar a Petrobras a construir uma nova refinaria no estado do Rio de Janeiro para aumentar a receita fiscal do estado98. Obviamente, essa resistência à concessão de licença ambiental para o oleoduto não decorre de critérios ambientais, pois o impacto ambiental de uma refinaria seria maior do que o do oleoduto. Trata-se de um nítido exemplo de que a atuação do órgão ambiental é subordinada e manipulada pelo governo estadual para fins não relacionados ao meio ambiente. Outro exemplo é proporcionado pelo Instituto Ambiental do Paraná, que suspendeu o processo de licenciamento ambiental de 20 pequenas centrais hidrelétricas no estado por ordem do governador Roberto Requião, alegando que a decisão de desenvolvimento dos recursos energéticos dos rios no estado é competência exclusiva do Governador99. Independente do mérito do argumento, a interferência direta através do órgão de licenciamento ambiental do estado demonstra que esse órgão é totalmente subordinado ao governo do estado. Essa relação prejudica a análise técnica no licenciamento ambiental, tornando-a um processo de natureza primordialmente política. Um exemplo similar desse tipo de atitude foi noticiado pela Gazeta Mercantil em 19/08/2003, que reproduzia o comunicado da Vale do Rio Doce informando que “o Pará descumpre os dispositivos constitucionais por agir além da sua competência”. Tal afirmação refere-se a dispositivo aprovado na semana anterior pela Assembléia Legislativa daquele estado que criava a figura do “poluidor-pagador”, cujo objetivo é cobrar indenização de 10% pelos danos causados ao meio ambiente em decorrência da exploração de recursos minerais. Segundo a Vale, a medida causa surpresa, pois a "Constituição já determina ao minerador que recupere a área degradada". Evidenciou-se, na verdade, que o estado do Pará quis retaliar a Vale, pelo fato de a mineradora escolher o Maranhão e não o Pará para instalar seu pólo siderúrgico. O processo de escolha do local mais apropriado para a instalação da indústria foi resultado de uma guerra fiscal entre os dois estados envolvidos. Como o Maranhão ofereceu mais vantagens aos investidores, o governo do Pará está partindo para a retaliação pelo encarecimento do principal insumo da nova siderúrgica. 7.7.1 A política nacional do meio ambiente Conforme a Lei 6.938/81, a Política Nacional de Meio Ambiente tem como objetivo: “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental, propícia à vida, visando assegurar, no país, condições de desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da vida humana”. Note que a lei define o objetivo da política ambiental em termos desenvolvimentistas e não como algo que se contrapõe ao desenvolvimento. Nesse sentido, o licenciamento ambiental não deve ser um entrave ao investimento e sim um orientador do investimento. A missão do Ibama é delineada em 14 objetivos: (i) reduzir os efeitos prejudiciais e prevenir acidentes decorrentes da utilização de agentes e produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como seus resíduos; (ii) promover a adoção de medidas de controle de produção, utilização, comercialização, movimentação e destinação de substâncias químicas e resíduos potencialmente perigosos; (iii) executar o controle e a fiscalização ambiental nos âmbitos regional e nacional; (iv) intervir nos processos de desenvolvimento geradores de significativo impacto ambiental, nos âmbitos regional e nacional; (v) monitorar as transformações do meio ambiente e dos recursos naturais; (vi) executar ações de gestão, proteção e controle da qualidade dos recursos hídricos; (vii) manter a integridade das áreas de preservação permanentes e das reservas legais; (viii) ordenar o uso dos recursos pesqueiros em águas sob domínio da União; (ix) ordenar o uso dos recursos florestais nacionais; (x) monitorar o estado de conservação dos ecossistemas, das espécies e do patrimônio genético natural, visando à ampliação da representação ecológica; (xi) executar ações de proteção e de manejo de espécies da fauna e da flora brasileiras; (xii) promover a pesquisa, a difusão e o desenvolvimento técnico-científico voltados para a gestão ambiental; (xiii) promover o acesso e o uso sustentado dos recursos naturais e (xiv) desenvolver estudos analíticos, prospectivos e situacionais verificando tendências e cenários, com vistas ao planejamento ambiental. Apesar de os órgãos ambientais geralmente serem vistos como exercendo um papel antidesenvolvimentista (“negativo”), a lista de objetivos apresentada acima define a missão do Ibama em termos primordialmente desenvolvimentistas (“positivo”). Os verbos utilizados nessa lista refletem essa 98 99 Gazeta Mercantil 27/06/2003. Gazeta do Povo 17/06/2003. 191 visão pró-ativa. Dos 14 verbos utilizados, sete são positivos (promover, desenvolver e executar), quatro são neutros (manter e ordenar) e três negativos (manter, intervir e reduzir), da perspectiva desenvolvimentista. Para que o Ibama possa de fato cumprir a sua missão é importante que a instituição passe a atuar de forma mais pró-ativa em vez de reativa. Isto requer que a instituição atue de forma mais previsível para que os próprios empreendedores possam internalizar a análise ambiental, isto é, que os empreendedores possam fazer a sua própria avaliação da viabilidade ambiental do projeto. 7.7.2 O processo de licenciamento ambiental A Lei 7.804/89 atribui ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) a competência para o licenciamento de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional (que afete, no todo ou em parte, o território de dois ou mais estados). A Resolução CONAMA 237/97 estabelece os princípios para a descentralização do processo de licenciamento ambiental. No processo, é considerado o exame técnico realizado pelos órgãos ambientais dos estados e municípios em que o empreendimento se localizar, requer-se uma certidão da Prefeitura Municipal declarando que o local e o tipo de atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo e, quando necessário, a autorização de supressão de vegetação (regido pelo Código Florestal, Lei 4.771/65) e a outorga para o uso da água, emitidas pelos órgãos competentes. O licenciamento ambiental é o ato administrativo pelo qual o Ibama estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor na localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos utilizadores de recursos naturais, potencialmente poluidores ou que possam causar degradação ambiental. O processo de licenciamento ambiental apresenta três etapas básicas: (i) a Licença Prévia, (ii) a Licença de Instalação e (iii) a Licença de Operação. Cada etapa visa avaliar diferentes aspectos do projeto. A Licença Prévia (LP) estabelece as condições para a viabilidade ambiental do empreendimento em suas fases de planejamento e concepção. O objetivo é incluir a análise ambiental na concepção do projeto a fim de minimizar o impacto ambiental. Para a obtenção da LP é necessário realizar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o correspondente Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA).100 O EIA e RIMA devem ser elaborados por profissionais legalmente habilitados e devem seguir as diretrizes e abranger todos os aspectos estabelecidos no Termo de Referência fornecido pelo Ibama para o projeto. A LP define as condicionantes para que o projeto seja aprovado. A Licença de Instalação (LI) precede o efetivo início de implantação do empreendimento. Ela é expedida após a análise das especificações do projeto executivo do empreendimento e da apresentação dos planos, programas e projetos a serem implementados em conformidade com as condicionantes definidas na LP. A última etapa é a obtenção da Licença de Operação (LO), que autoriza o início da operação do empreendimento. A LO é expedida após a verificação de que todas as condicionantes constantes na LP e LI foram atendidas e que os equipamentos de controle de poluição estão em funcionamento. Os prazos para a emissão de cada licença dependem da modalidade da licença e das normas federais e estaduais vigentes, mas não deve exceder 6 meses ou 12 meses quando um EIA/RIMA e audiências públicas forem requeridos. A contagem do prazo é suspensa durante a elaboração de complementações e esclarecimentos pelo empreendedor. Conforme a Resolução CONAMA 001/86, os seguintes empreendimentos no setor elétrico são considerados de significativo impacto ambiental e, portanto, requerem licenciamento ambiental: usinas nucleares, usinas de geração com uma potência superior a 10 MW, linhas de transmissão em voltagem acima de 230 kV. O quadro seguinte apresenta o processo de concessão de aproveitamentos hidrelétricos e mostra em que estágio cada uma das etapas de licenciamento ambiental ocorre. 100 Para projetos de pequeno impacto ambiental o EIA e RIMA não são necessários. 192 Processo de concessão de aproveitamentos hidrelétricos Aprovação Estudos de Viabilidade LICITAÇÃO Outorga Potencial Contrato de Concessão Aprovação Projeto Básico Aprovação Estudos de Inventário INVENTÁRIO Início Operação Comercial VIABILIDADE LP Licença Prévia PROJETO BÁSICO PROJETO EXECUTIVO / OPERAÇÃO CONSTRUÇÃO LI Licença de Instalação LO Licença de Operação Renovação Fonte: Aneel. Empreendimentos que provoquem perda de biodiversidade e de recursos naturais terão que pagar uma taxa de compensação ambiental cujo valor será definido pelo Ibama, e será proporcional aos custos totais previstos para a implantação do empreendimento. Os recursos obtidos com essa compensação são destinados à implantação e manutenção de unidades de conservação tais como: estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, monumentos naturais e refúgios de vida silvestre. Além dessa compensação, conforme o Decreto 95.733/88, os projetos de médio e grande porte, executados total ou parcialmente com recursos federais, com “efeitos negativos de natureza ambiental, cultural e social”, deverão destinar no mínimo 1% do orçamento do projeto para a prevenção ou correção desses efeitos. Em 2001, conforme determinado pela Câmara de Gestão da Crise do Setor Elétrico, foi estabelecido um procedimento de licenciamento simplificado para os empreendimentos necessários ao incremento da oferta de energia elétrica com pequeno potencial de impacto ambiental. Os prazos e procedimentos a serem seguidos para esses empreendimentos estão delineados na Resolução CONAMA 279/01. Para esses empreendimentos um Relatório Ambiental Simplificado (RAS) e um Relatório Detalhado dos Programas Ambientais (RDPA) substituem o EIA e o RIMA. 7.7.3 Aprimorando o processo de licenciamento ambiental Para que o licenciamento ambiental seja eficiente é importante que o processo e os critérios de análise sejam sistematizados e padronizados. A sistematização e padronização também são importantes para que a análise ambiental seja mais previsível e possa ser internalizada pelos empreendedores. Essa tarefa é especialmente desafiadora porque o processo de licenciamento ambiental é descentralizado, envolvendo dezenas de órgãos ambientais em todos os estados. Da mesma forma, é necessário investir na capacitação do pessoal e na instrumentalização, racionalização e desburocratização dos órgãos ambientais para dar mais agilidade ao processo de licenciamento ambiental. O processo de licenciamento ambiental também pode ser aprimorado através de especialização e de iniciativas pró-ativas. Esforços neste sentido incluem (i) a elaboração de guias e manuais específicos para orientar a análise ambiental de projetos em determinadas áreas, (ii) a formação de equipes especializadas, e (iii) uma interação estreita no planejamento da matriz energética realizado no âmbito do Conselho Nacional de Política Energética. O Ibama tem feito esforços neste sentido, tais como: (i) a criação do Centro de Licenciamento Ambiental Federal; (ii) a elaboração de manuais e guias, dentre os quais destacam-se o Guia de Procedimentos do Licenciamento Ambiental Federal, o Manual de Procedimentos do Licenciamento Ambiental Federal e outros três manuais setoriais em elaboração (Energia, Mineração e Transportes); (iii) o programa de capacitação e treinamento que tem oferecido cursos de nivelamento do conhecimento técnico e treinamentos para técnicos do Ibama, outros órgãos ambientais e para a sociedade e (iii) a implementação do Sistema de Licenciamento Ambiental Federal (SISLIC), um serviço de cadastramento de dados e 193 informações on line, que permite o acompanhamento de todos os processos de licenciamento ambiental federal. Dentre esses esforços destaca-se o Centro de Licenciamento Ambiental Federal (CELAF). O objetivo do CELAF é criar um centro gerador e disseminador de conhecimento nas áreas de avaliação de impacto ambiental e promoção do planejamento ambiental estratégico. O CELAF deverá gerenciar estudos temáticos, proporcionar suporte técnico e jurídico aos núcleos de acompanhamento do licenciamento ambiental em cada um dos estados e servir de elo de integração institucional entre os diversos órgãos ambientais. Esse Centro deverá desempenhar um papel muito importante no aprimoramento do processo de licenciamento ambiental. 7.8 A questão das reservas indígenas Tendo em vista que boa parte do potencial hídrico inventariado do país encontra-se na Amazônia Legal, um aspecto importante quando se analisa o potencial hídrico do país é o que se refere ao território indígena. Na região, as reservas indígenas cobrem uma parte considerável do território, incluindo áreas possivelmente alagadas quando da construção de usinas hidrelétricas. A legislação que rege tais territórios é específica, sendo que os procedimentos legais para desapropriação e remoção de indígenas, por exemplo, não são similares aos do restante do país. Cabe à União legislar sobre essas reservas. Os índios têm a posse permanente de seus territórios, incluindo o “usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes”101. O aproveitamento dos recursos hídricos – incluindo o potencial energético – em terras indígenas só pode ser efetivado com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas e assegurada sua participação nos resultados econômicos. Não se aplica às terras indígenas, por exemplo, as funções de ordem econômica do Estado de fiscalização, planejamento e estimulo à atividade econômica. A Lei 6.001, de 19/12/1973, estabelece o estatuto do índio. Em seu artigo 20, listam-se as ocasiões nas quais o Estado brasileiro pode vir a intervir em áreas indígenas, entre as quais destacamos o item d do parágrafo 1º: “para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional”. No entanto, apenas em caso de interesse nacional poderá ser efetuada a intervenção em reservas indígenas que, conforme o parágrafo 2º, pode inclusive contemplar a remoção da população indígena da área. Mas essa remoção poder-se-á configurar apenas sob condições específicas, conforme o artigo 20, parágrafo 3º, reproduzido a seguir: “Artigo 20, § 3º. Somente caberá remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas.” Na medida em que o critério de interesse nacional é bastante subjetivo, e poderá ser definido apenas pelo Estado e, mais ainda, o critério de “todo impossível ou desaconselhável” necessário para a remoção dessas populações, a exploração de boa parte do potencial hídrico do país apresenta um risco elevado e de difícil avaliação. 7.9 Outras ingerências na regulação As questões ambientais e indígenas, a autonomia das agências, os reajustes de tarifas e os índices aplicados e várias outras questões também podem sofrer interferência do Poder Judiciário. São freqüentes as intervenções de juízes em diversas instâncias que buscam alterar regras regulatórias em inúmeros setores. Mesmo o corte de energia por inadimplência de consumidores tem sofrido objeções da Justiça, o que inviabiliza, em alguns casos, o retorno dos investimentos. Um caso particular na construção de hidrelétricas é representado pelo auto-intitulado Movimento dos Afetados por Barragens (MAB). Suas ações, independentemente de suas justificativas, efetivamente terminam por acrescentar incerteza aos resultados de um investimento, pois podem ocasionar atrasos imprevistos na construção de hidrelétricas. Além disso, movimentações desse tipo, por vezes, acarretam uma incerteza adicional quanto ao número de pessoas a serem realocadas nas áreas inundadas quando há construção de barragens: esse número, em função de movimentos mobilizantes e da atração que podem representar, pode ser alterado rapidamente após o anúncio da construção de um determinado projeto. Por fim, o risco de interferências puramente políticas, sem outra racionalidade que não a lógica política de obter popularidade e votos no curto prazo, independentemente dos custos ou de quem 101 Constituição Federal. Artigo 231, § 2º. 194 arca com esses custos, também afeta o setor. Um recente exemplo pode ser encontrado nas seguintes declarações do governador do Paraná, conforme reportado pela Agência Estado em 22/08/2003: Curitiba, 22 - O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), anunciou hoje, em entrevistas à Rádio CBN e à Rede Paranaense de Comunicação, retransmissora da Globo, em Curitiba, que estão sendo ultimados os preparativos para dar energia de graça a quem consome até 100 quilowatt-hora por mês, uma promessa de campanha. "O pessoal do mercado se desespere agora, corte os pulsos, sangre a jugular, porque nós não vamos cobrar energia de pessoas pobres", afirmou, no Texas, nos Estados Unidos, onde está analisando o setor energético norte-americano. Ele disse que espera iniciar o programa ainda este ano. O anúncio de Requião ocorre dois dias depois dele ter desautorizado o reajuste de 15,27% na tarifa de energia elétrica da Companhia Paranaense de Energia (Copel), decisão que provocou acentuada queda no valor das ações da empresa. Segundo Requião, a sua decisão, em junho, de não conceder aumento autorizado de 25,27%, transformando-o em desconto para quem paga em dia, ajuda na saúde financeira da Copel, pois diminui a inadimplência, em torno de R$ 160 milhões, e a empresa cumpre sua função social. "Imagina se o estado do Paraná, com um governo como o nosso, vai se submeter ao desejo de ganância de meia dúzia de sócios privados", disse o governador. "A Copel foi construída com dinheiro do Paraná, está apresentando excelente lucro (R$266,1 milhões no primeiro semestre), mas ela não vai sangrar o povo do Paraná e as nossas empresas em vida." Segundo ele, o comunicado à CVM foi um "erro" da diretoria da Copel não avalizado pelo presidente, Paulo Pimentel, que o acompanha na viagem. Requião afirmou que as tarifas só serão reajustadas quando for "absolutamente necessário", sendo precedido de explicações. "A Copel não é um cassino, onde se eleva o custo da energia ao máximo possível." O governador entende que a decisão de não cobrar tarifa de famílias com gasto de até 100 kw/h é "extremamente acertada, compatível com tudo o que existe no mundo, com administração inteligente de energia elétrica". Segundo o governador, serão beneficiadas cerca de 700 mil pessoas, reunidas em 200 mil habitações. Em sua avaliação, custa mais caro para o estado manter uma casa pobre sem energia elétrica, visto que há excesso, do que abrir mão dessa conta, em razão dos gastos com atendimento de saúde, principalmente em regiões onde o frio é intenso. "Vamos zerar a energia abaixo de 100 quilowatt e vamos ter lucro com a melhor empresa de energia do Brasil sem especulação de mercado", acentuou. (Evandro Fadel). Tal medida, se efetivamente implementada, constituiria um subsídio, que pode ser perfeitamente justificável tanto do ponto de vista social como econômico, como parece ser indicado no último dos parágrafos citados, compensando os custos com externalidades positivas para o restante da sociedade. Porém, o fato de tal subsídio ser concedido internamente na concessionária, mesmo sendo essa uma empresa de economia mista, sem explicitação de custos e responsáveis pelo seu pagamento, irá gerar incerteza e intranqüilidade que podem afastar o investidor. Constitui um forte exemplo de arbitrariedade e falta de regras regulatórias que protejam investimentos. Um requisito para que o mercado funcione e haja concorrência é o estímulo à existência de agentes que possam, de um lado, optar livremente por consumir energia de uma ou outra geradora (e mecanismos que permitam essa transação), e de outro que possam ofertar energia também livremente. Nesse contexto, chama atenção outra medida recente que se caracteriza como ingerência na regulação. Trata-se do Decreto 4.767 que permite às empresas estatais aditarem seus contratos iniciais, aparentemente excluindo as empresas privadas de fazerem o mesmo ou equivalentes. Sendo esse o caso, estar-se-ia criando uma reserva de mercado, impedindo que os produtores independentes concorram com as estatais na oferta de energia. São medidas como estas, feitas de forma repentina e inesperada, que alteram de forma significativa as regras do setor, que devem ser evitadas. Esse procedimento contrasta-se com o processo de elaboração de resoluções da Aneel que publica uma minuta de todas resoluções normativas propostas e promove audiências públicas para receber críticas e comentários antes de sua implementação. 195 Referências Aneel/SRE (2003a). Nota Técnica No. 030/2003. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica. Aneel/SFF/SRE (2003b). Nota Técnica No. 178/2003. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica. Aneel/SRE/SFF (2002a). Nota Técnica No. 148/2002. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica. Aneel/SRE (2002b). Nota Técnica No. 326/2002. (Audiência Pública No. 023/2002). Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica. Baron, /D. (1989) Design of Regulatory Mechanisms and Institutions, em R. Schmalensee e R.Willig, Handbook of Industrial Organization, cap. 24, Noth-Holland. Bernstein, J. e D. Sappington (1998). Setting the X Factor in Price Cap Regulation Plans. NBER Working Paper 6622. Cambridge: National Bureau of Economic Research. 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Sua função é incentivar os investimentos necessários, promover o bem-estar da sociedade e propiciar a eficiência econômica. Para que a agência regulatória cumpra seus objetivos, a qualidade do desenho institucional é essencial. Autonomia e credibilidade são princípios fundamentais. Em setores com altos custos fixos e longa maturação de investimentos, o poder concedente tem incentivo para não honrar seus compromissos contratuais firmados antes do investimento, rompendo ou alterando os termos com o objetivo de favorecer a si próprio e os consumidores no curto prazo, mas prejudicando os consumidores futuros. Em relação à concessão, dependendo dos objetivos, há duas formas de escolher a empresa que terá o direito de explorar o serviço: (i) pelo maior preço pago por esse direito ou (ii) pela menor tarifa cobrada dos consumidores. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) foi criada em 1996, como uma autarquia especial, com autonomia gerencial e financeira, competência para normatizar questões técnicas e autonomia decisória garantida por mandatos fixos de sua diretoria. As principais falhas no desenho institucional da Aneel são: (i) inflexibilidade na política de recursos humanos; (ii) baixa transparência do processo de tramitação e decisão; (iii) multiplicidade de fóruns nos quais os agentes podem apelar de suas decisões (Judiciário, entre outros); (iv) a baixa eficácia no processo de prestação de contas da Aneel. Em relação à regulação de tarifas, a Aneel segmenta a receita requerida de cada distribuidora em: (i) “Parcela A”, que consiste nos custos não gerenciáveis da distribuidora e (ii) “Parcela B”, composta pelos custos gerenciáveis. A “Parcela B” é regulada pela Aneel sob o regime de preço-teto e da regulação por comparação. O regime de preço-teto é uma prática de regulação por incentivos que proporciona duas vantagens básicas, em contraposição com a regulação pelo custo de serviço: (i) uma estrutura de incentivos que pode permitir à regulada buscar a eficiência, (ii) a regulação pode ser conduzida de forma menos intrusiva. Na prática, a implementação deste regime tem sido mais difícil e controversa do que se esperava. Os principais problemas têm sido (i) a definição do fator X (ganhos de produtividade) e (ii) a definição da tarifa inicial (reposicionamento tarifário) nos eventos de Revisão Tarifária Periódica que requer a definição de quatro componentes básicos: (i) a base de remuneração, (ii) o custo do capital, (iii) os custos operacionais e (iv) os novos investimentos requeridos. A regulação por comparação é utilizada explicitamente para se estabelecer o custo operacional e, possivelmente, a base de remuneração das concessionárias na determinação da receita requerida da concessionária. Visa proporcionar à agência regulatória uma forma de contornar a assimetria de informações. É um complemento natural do regime de preço-teto, pois proporciona uma definição de tarifas que beneficia as empresas mais eficientes e penaliza as menos eficientes. Dadas as dificuldades enfrentadas na implementação da regulação por comparação, as agências regulatórias seriam prudentes em empregar a regulação por comparação com muita cautela. As agências regulatórias não devem desprezar o fato de que a estimação de custos das empresas a partir do conceito de “empresa de referência” pode resultar em graves erros com custos elevados para a sociedade no longo prazo. Dado o elevado do custo de capital no Brasil e a elevada participação dos custos fixos no setor elétrico, talvez fosse o caso de se minimizar a discricionariedade da agência regulatória nos reajustes tarifários periódicos, não se desviando muito da base de remuneração e custos operacionais efetivos das empresas. Neste caso, mesmo que as tarifas resultantes fossem mais elevadas, no longo prazo as tarifas poderiam ser menores devido à redução do risco do investidor, o que reduziria o custo do capital e otimizaria as decisões de investimento. Uma das causas dos atrasos na instalação de novas usinas elétricas são as dificuldades e demora no licenciamento ambiental. A redução das incertezas vinculadas a esse processo constituiria importante melhora na regulação. 197 Como boa parte do potencial hídrico inventariado no país encontra-se na Amazônia, um aspecto regulatório importante diz respeito à legislação que rege os territórios indígenas. É uma legislação específica que, associada a uma interpretação freqüentemente ideológica e emocional, traz grandes incertezas para investimentos em hidrelétricas nessa região. Por fim, ingerências com objetivos meramente políticos não podem ser descartadas como fator de incerteza regulatória, tendo acontecido recentemente em alguns estados brasileiros, tanto no setor elétrico como em outros. Um exemplo particular desse tipo de ingerência é o Decreto 4.767 que permite as empresas estatais aditarem seus contratos iniciais, aparentemente excluindo as empresas privadas de fazerem o mesmo ou equivalentes. Sendo esse o caso, estarse-ia criando uma reserva de mercado, impedindo que os produtores independentes concorram com as estatais na oferta de energia, contrariando mais um fundamento necessário ao bom funcionamento do mercado de energia elétrica: o estímulo ao produtor independente e ao consumidor livre. ♦♦ 198 8. CONCLUSÕES Superada a escassez de energia em 2001, o setor elétrico brasileiro apresenta hoje um “excesso de oferta”102, com uma capacidade momentânea de produção superior à demanda e elevação das tarifas para os consumidores, que, atualmente, ainda são insuficientes para remunerar os custos das distribuidoras e das geradoras. As empresas do setor acumulam prejuízos e algumas, sobretudo distribuidoras, enfrentam sérias dificuldades econômico-financeiras. Mas o principal problema é a falta de perspectivas e a insegurança sobre o futuro, que prejudica e paralisa novos investimentos e, assim, causará nova escassez quando o crescimento do consumo não encontrar correspondência no aumento da oferta. O modelo anterior sob o qual se desenvolveu o setor elétrico brasileiro, totalmente estatal, não é mais viável. Como mostra uma análise da evolução das receitas e despesas do setor público feita na primeira metade do Capítulo 6, o Estado brasileiro, assim como ocorre em praticamente todos os países do mundo, não têm as mesmas condições fiscais que permitiram nesse setor, e em muitos outros, sua quase exclusiva atuação no passado. As fontes de recursos estatais para o financiamento de projetos no setor concentramse no BNDES e em fundos específicos do setor e podem totalizar, supondo hipóteses otimistas de destinação de recursos do BNDES ao setor, um máximo de R$ 8 bilhões anuais. Poderiam ser somados a esses valores mais R$ 1 bilhão por ano provenientes de organismos de crédito multilaterais, mas o total obtido de R$ 9 bilhões/ano representa menos da metade do volume de recursos necessários (conforme as estimativas desenvolvidas no Capítulo 5) para viabilização dos investimentos que precisarão ser realizados no setor em função do crescimento projetado para a economia brasileira. Em função desses números, evidencia-se que o setor elétrico precisa das empresas privadas e do seu investimento. Por ser um setor essencial, sem o qual não é possível o moderno desenvolvimento econômico, o Setor Elétrico Brasileiro pode, por isso mesmo, ser muito atrativo para o capital privado. A existência de regulação adequada é fator indispensável para a atratividade do setor elétrico, pois este apresenta muitas das características que impedem que a operação através de um mercado totalmente livre gere resultados ótimos do ponto de vista social. A energia elétrica é: (i) essencial e sua demanda é inelástica no curto prazo, ou seja, a quantidade demandada varia pouco em relação à variação do preço; (ii) não armazenável em sua forma pura; (iii) com características de bem público na transmissão e distribuição; (iv) tecnicamente não discriminável e cujos fluxos não podem ser guiados através das redes de transmissão e distribuição; (v) que conta com mercados cativos na ponta consumidora. Por estas características, a energia elétrica configura-se como um bem peculiar que exige uma infra-estrutura institucional e regulamentação detalhada para ordenar a sua produção e comercialização, com a participação do Estado como regulador. É assim no mundo todo. Dadas essas características, para que o setor funcione adequadamente em uma economia de mercado, ou seja, para que a produção e distribuição de energia sejam feitas com a máxima eficiência (menor custo e maior segurança) e, ao mesmo tempo, para que aconteça a atração do investimento privado, são necessárias regras estáveis, sólidas e que incentivem esses investimentos. Em síntese, a definição de um quadro regulatório adequado é a principal questão a ser resolvida no setor elétrico brasileiro. A existência de um arcabouço regulatório e institucional coerente e estável é fundamental para o funcionamento e para a continuidade dos investimentos no setor, de forma compatível com o nível necessário ao atendimento das necessidades da economia e sociedade brasileiras. Os princípios básicos necessários para a definição desse quadro regulatório são plenamente conhecidos e analisados pela teoria econômica. O setor precisa ser regulado por um conjunto de leis e normas (“Resoluções”) coerentes com aqueles objetivos maiores de eficiência (modicidade tarifária) e segurança de abastecimento (atração de investimentos). É indispensável uma agência autônoma, com credibilidade e tecnicamente capacitada, capaz de atuar com segurança e neutralidade em meio aos interesses específicos de governos, consumidores ou agentes do mercado. Além disso, um dos pilares de um modelo eficiente para o setor é a existência de agentes com liberdade de atuação no mercado, liberdade definida como a possibilidade de efetuar decisões econômicas e comerciais que reflitam os incentivos gerados pelo sistema de preços. Assim, a regulação precisa garantir a existência de agentes com liberdade de atuação no mercado, ou seja, produtores independentes de energia e consumidores livres. Nada disso constitui novidade. No entanto, a implementação dessa regulação é trabalhosa e tecnicamente sofisticada, dada a complexidade do sistema elétrico brasileiro e suas peculiaridades, que não são encontradas em praticamente nenhum outro país. As dificuldades para que se tenha uma regulação 102 Há um “excesso de oferta” no sentido que as geradoras estão subcontratadas e expostas aos preços baixos do Mercado Atacadista de Energia Elétrica, o que proporciona uma receita insuficiente às geradoras no longo prazo. 199 eficiente são ainda aumentadas pelo fato de que sua formulação legal está fortemente sujeita a influências políticas que não necessariamente apontam na direção daqueles objetivos principais. Por último, a regulação do setor está também fortemente relacionada e dependente da participação de outras instâncias regulatórias, como meio-ambiente e gás natural, e não apenas do setor elétrico. Outra questão fundamental a ser resolvida é a atual e grave crise econômico-financeira de muitas empresas do setor, tanto a maioria das distribuidoras como as geradoras. É, de certa forma, uma questão teoricamente mais difícil que o re-desenho de um novo quadro regulatório, pois envolve inúmeros agentes, exigindo negociação, criatividade e reconhecimento de perdas em um processo cujo caminho não está definido a priori. No contexto de uma grave crise econômico-financeira do setor, a definição de regras ótimas para os investimentos futuros, sem solucionar os problemas existentes, não é suficiente para garantir o direcionamento de novos recursos para este setor. A manutenção da fragilidade das empresas do setor significa que estas não poderão efetuar investimentos e não poderão atuar solidamente como agentes estáveis, prejudicando toda a cadeia produtiva do setor. Essas são as principais conclusões deste estudo. Além de uma extensa revisão da literatura econômica sobre regulação e sua aplicação ao setor elétrico, no Brasil e no exterior, essas conclusões foram fundamentadas: (i) por uma ampla análise do setor no Brasil e dos fatos recentes que o afetaram; (ii) por projeções macroeconômicas sobre o desempenho global da economia e das necessidades de energia decorrentes; (iii) por uma análise da estrutura tarifária; e (iv) por uma análise agregada da situação das empresas do setor, com foco nas distribuidoras, que se constituem no principal canal de entrada de recursos no setor, as quais se encontram em grande parte, no momento, em uma situação econômico-financeira delicada. Cada uma dessas análises gerou um conjunto de conclusões, sintetizadas a seguir. 8.1 A crise e o racionamento em 2001 As condições hidrológicas foram desfavoráveis em 2001. Além dessa situação, que sempre pode ocorrer em um sistema de base hídrica, os riscos foram ampliados por um crescente desequilíbrio estrutural entre oferta e demanda, que ocorreu devido a redução de investimentos no setor, tornando o aumento de capacidade insuficiente para acompanhar o aumento da demanda Os investimentos anuais no setor eram, deflacionados para valores constantes de 2000, de cerca de US$ 10 bilhões no final dos anos 80. Caíram na primeira metade da década de 90, recuperaram-se parcialmente entre 1995 e 1998 e, com a interrupção da privatização do setor, caíram para US$ 3 bilhões em 1999, fazendo com que a expansão da oferta de energia não acompanhasse a demanda. Como examinado no Capítulo 1, os investimentos em termelétricas, que poderiam ter evitado o racionamento, também foram efetuados em ritmo insuficiente devido, entre outros fatores, a incompatibilidades na regulação do gás e da energia elétrica. Falhas nas regras fixadas para a operação do sistema também prejudicaram a racionalização da oferta, pois as usinas termelétricas existentes não foram plenamente empregadas durante o período de esgotamento dos reservatórios. O resultado foi a necessidade do racionamento. Apesar de haverem sido construídas usinas térmicas ou hidrelétricas em quantidade suficiente para evitar o racionamento, a queda de consumo que se seguiu foi de tal ordem que atualmente o setor apresenta um “excesso de oferta”. Outro efeito devastador da redução de mercado é que, apesar de sua elevação, as tarifas para os consumidores são freqüentemente insuficientes para remunerar distribuidoras e geradoras. As empresas do setor acumulam prejuízos e algumas enfrentam sérias dificuldades econômicofinanceiras. As desvalorizações cambiais agravaram esse quadro para as empresas com passivos em moeda estrangeira. Essa situação é detalhada no Capítulo 3 em um modelo econômico-financeiro que agrega, a título exemplificativo, as principais empresas de distribuição. A condição de sobra de energia atual é passageira. Se a instalação de novas usinas e a expansão das redes de transmissão e distribuição não for retomada em nível adequado e em tempo hábil, o país poderá sofrer novas restrições de oferta dentro de três ou quatro anos. 200 É importante observar que, apesar de transitória, a sobra de energia das geradoras suscita efeitos permanentes sobre a capacidade dessas empresas efetuarem novos investimentos. Os prejuízos gerados por esse choque incorporam-se de forma permanente à lucratividade acumulada e liquidez das empresas. Políticas destinadas a mitigar o efeito danoso dessas sobras sobre a saúde econômico-financeira do setor propiciam maior capacidade de investimento tanto dessas empresas como de outras que para investir dependerão da saúde econômico-financeira das demais empresas do setor. 8.2 A estrutura tarifária Como analisado no Capítulo 2, as tarifas de fornecimento hoje vigentes mantêm, com pequenas alterações, a mesma estrutura introduzida na década de 80. Comparadas às vigentes em outros países, a tarifa média brasileira é baixa. A comparação internacional também sugere que a tarifa industrial no Brasil é desproporcionalmente baixa comparada com a tarifa média residencial. Isto significa dizer que o consumidor residencial no Brasil subsidia o consumidor industrial. Entre 1995 e 2002, a tarifa média de fornecimento de energia elétrica aumentou 140% em termos nominais e a residencial 175%. Em termos reais, deflacionados pelo IGP-M, a tarifa média aumentou 20,7% no mesmo período. Este aumento está diretamente relacionado ao aumento do componente de custos não-gerenciáveis (Parcela A) das distribuidoras. A Parcela A de uma amostra de nove empresas do setor apresentou um aumento real de 15,4% entre 1999 e 2002. A elevação é explicada principalmente pelo aumento dos custos da energia de Itaipu, decorrente da desvalorização cambial, e do aumento dos encargos de transmissão. Esse aumento foi apropriado, sobretudo, pelas empresas geradoras e empresas transmissoras, em sua maioria estatais, e também pelo governo através dos tributos. Já as distribuidoras, predominantemente privadas, sofreram reajustes menores. A Parcela B, que representa os custos gerenciáveis das distribuidoras, ou seja, todos aqueles custos necessários para sua operação, seus investimentos, pagamento dos empréstimos e remuneração dos acionistas, para uma amostra de nove empresas apresentou uma redução real de 24,5% entre 1997 e 2002. A carga tributária que incide sobre o setor elétrico brasileiro é muito superior à prevalecente em outros países, pois dado o caráter essencial da energia elétrica, seja como insumo ou como bem de consumo final, muitos países, coerentemente com o objetivo da eficiência, buscam minimizar a incidência de impostos sobre o setor elétrico. Os tributos correspondem, no total, a cerca de 30% da tarifa de fornecimento. O principal tributo é o ICMS e somente sua arrecadação sobre o setor elétrico corresponde a 9,4% do montante de ICMS arrecadado pelos estados. Esses tributos cobrados de insumos básicos são ineficientes, pois levam os agentes a empregar menos energia elétrica do que seria socialmente ótimo. Na definição de uma estrutura tarifária ótima, deve-se levar em conta o fato de que o preço da geração de energia elétrica não requer, em condições normais, uma diferenciação horosazonal. Dado o fator de carga baixo da maioria das usinas de geração, o seu custo marginal de geração normalmente não apresenta variações horosazonais significativas. No médio prazo, o custo marginal de geração pode ser alterado pelas condições hidrológicas. E, no longo prazo, o custo marginal pode ser alterado à medida que a carga aumenta, ocasionando um desequilíbrio entre a capacidade de oferta de energia assegurada e a demanda. Já as tarifas de transmissão e distribuição devem levar em conta fatores horosazonais, pois diariamente a carga do sistema aproxima-se dos limites de capacidade da transmissão e distribuição. Além disso, fatores como perfil de consumo de cada classe de consumo e a demanda de energia reativa acarretam custos adicionais, e devem ser considerados na determinação das tarifas. 8.3 A situação financeira das distribuidoras e os impactos para o sistema A vitalidade e potencial de crescimento do setor também dependem de suas empresas. É conhecido o fato de que grande parte das empresas do setor elétrico no Brasil enfrenta dificuldades econômico-financeiras. Dada a gravidade e as conseqüências dessa situação, optamos por analisar com maiores detalhes a situação econômico-financeira das distribuidoras de energia. Isto foi feito no Capítulo 3 mediante o desenvolvimento de um modelo de agregação e simulação de resultados das empresas, considerando premissas de comportamento futuro. Optou-se, neste trabalho, por analisar com detalhes apenas as distribuidoras, pois há menor disponibilidade de dados públicos para as geradoras. Isto não significa que a situação das geradoras também não mereça atenção ou não seja igualmente importante. A análise realizada mostra que, de 1997 a 2001, as distribuidoras empreenderam um grande esforço de recuperação de investimentos, investindo um volume de recursos acima de R$ 2,5 bilhões anuais. Mesmo considerando o nível de investimentos necessários realizados, o endividamento do sistema até 2001 encontrava-se em níveis tidos como confortáveis. Em 2002, a situação financeira das empresas foi 201 gravemente prejudicada devido ao impacto da desvalorização cambial e à redução da margem operacional em função da perda permanente do mercado de energia após o racionamento. Na primeira simulação, o cenário mais provável para o setor nos próximos anos, que pressupõe um crescimento anual projetado da demanda de cerca de 5,1% ao ano ao longo da década, incorpora as revisões tarifárias das distribuidoras ocorridas em 2003 e assume que as tarifas serão reajustadas, nos anos vindouros, de acordo com a variação do IGP-M (premissa otimista considerando-se freqüentes manifestações contrárias de autoridades do Governo e até do Judiciário, apesar de seu uso estar previsto nos contratos de concessão). Como os números para os próximos anos envolvem pesados volumes de vencimentos e rolagens de dívidas das empresas do setor, a geração de recursos propiciada por essas premissas permitirá um equilíbrio do setor somente após 2006. O déficit de fluxo de caixa das doze distribuidoras no nosso cenário mais provável é de cerca de R$ 13 bilhões em 2003, R$ 7 bilhões em 2004 e R$ 6 bilhões em 2005. Em um cenário de menor crescimento, a situação tende a permanecer grave. Projetamos que, já em 2005, o patrimônio líquido do Sistema será negativo e continuará a ocorrer contínua deterioração dos indicadores de crédito dessas empresas. Ganhos adicionais de eficiência das empresas nos itens da Parcela B, em relação aos previstos e já compensados na determinação do fator X de reajuste das tarifas, geram melhoras de resultado perceptíveis, porém incapazes de mudar significativamente a saúde financeira das empresas em qualquer cenário factível. O cenário de crescimento acelerado da demanda (6,4% ao ano) diminui em um ano o prazo necessário para o retorno do equilíbrio econômico-financeiro das empresas do setor bem como apresenta uma melhoria dos indicadores de crédito ao longo do período, em relação ao cenário básico. Um cenário alternativo de aumento real das tarifas de 20% distribuído entre 2003 e 2005 mostra um comportamento dos indicadores financeiros do Sistema semelhante ao cenário de alto crescimento da demanda. A ampliação da lucratividade das empresas permite uma recuperação financeira mais rápida e indicadores de crédito retornando a níveis confortáveis já em 2005. Apesar de também não propiciar uma recuperação expressiva da capacidade destas empresas efetuarem investimentos vultosos em capital fixo, este cenário representa uma redução do risco de financiamento do Sistema por parte dos agentes financeiros (capital de terceiros). Analisamos também a hipótese de não transformação em caixa dos saldos da Conta de Compensação da Variação de Itens da Parcela A (CVA), que se mostra extremamente danosa às distribuidoras. A manipulação desta conta, segundo as premissas deste estudo, pode levar a perdas de geração de caixa que elevam o endividamento das 12 distribuidoras em até R$ 12 bilhões em 2006, ou seja, quase R$ 3 bilhões anuais. Além do mais, a decisão de postergação do repasse dos saldos da CVA em março deste ano resulta em perdas para as empresas e seus acionistas. Enquanto o endividamento do setor não cair a níveis mais razoáveis, o que no cenário mais provável acontece somente em 2007, haverá dificuldade de garantir projetos novos, simplesmente porque os recebíveis das empresas estarão comprometidos com as rolagens das dívidas atuais. Como as distribuidoras são os agentes que efetivamente recebem os recursos do consumidor final e os repassam ao restante da cadeia, essa situação compromete a solidez financeira de todo o sistema. 8.4 As necessidades de energia para atender ao crescimento da economia Para dimensionar as necessidades de crescimento do setor, o Capítulo 4 em sua parte inicial desenvolveu um modelo macroeconômico visando projetar o crescimento da economia e estimou econometricamente as relações entre o tamanho e crescimento da economia e as necessidades de energia elétrica. Os cenários macroeconômicos propostos levam em consideração, dentre outros fatores, os limites ao crescimento do PIB potencial na próxima década, a saber: a taxa de crescimento da População Economicamente Ativa, a taxa de poupança e o crescimento da produtividade. Combinando-se diferentes hipóteses quanto a esses fatores foram definidos três cenários. O primeiro, o cenário básico e considerado mais provável, prevê uma taxa de crescimento potencial de 3,4% ao ano. O segundo cenário (crescimento baixo) indica uma taxa de crescimento do PIB de 2,5% ao ano. Por fim, o terceiro cenário é um cenário de crescimento acelerado no qual a taxa de crescimento anual do PIB se eleva a 4,5%. Os cenários adotados de crescimento do PIB implicam diferentes taxas de crescimento da demanda: 5,1% para o cenário básico, 6,4% para o cenário de alto crescimento e 3,7% para o cenário de baixo crescimento. Definidos os cenários para a expansão da economia, adotou-se um cenário de referência para o crescimento da demanda nos próximos 10 anos. Trata-se de um cenário prudente que mescla um 202 crescimento anual da economia de 4,5% nos primeiros três anos (cenário de crescimento acelerado) e 3,4% nos seguintes (cenário de crescimento moderado). Estas hipóteses garantem uma posição prudente de planejar a expansão do setor contemplando a possibilidade de uma taxa de crescimento otimista no curto prazo sendo que, para períodos maiores, haveria tempo de se ajustar a expansão para acomodar taxas de crescimento acima do esperado. 8.5 As necessidades de investimento no setor elétrico A estimação dos valores requeridos de investimentos em capital fixo, destinados a fazer frente ao crescimento da demanda previsto neste cenário de referência e à conservação da infra-estrutura existente, foi desenvolvida no Capítulo 5. Partindo dos cenários de demanda, as estimativas incorporam premissas quanto à composição da matriz energética, custos de manutenção dos ativos existentes (transmissão e distribuição) e custos de instalação de novas usinas hidrelétricas, termelétricas e de fontes alternativas de energia. Dadas essas hipóteses e cenários, o investimento médio requerido para atender um aumento anual da oferta de energia de 2.274 MW médios ao longo do próximo decênio (cenário de referência) foi estimado em R$ 20,1 bilhões por ano, sendo R$ 13,6 bilhões em geração, R$ 3,0 bilhões em transmissão e R$ 3,4 bilhões em distribuição. Esse número poderia ser menor (R$ 14,4 bilhões no total) em um cenário de crescimento menos intenso (2,5% médios ao ano). E poderia ser maior (R$ 26,7 bilhões), em um cenário de crescimento mais exuberante (4,5% ao ano) e plena implementação do Programa de Incentivo a Fontes Alternativas (Proinfa) – que inclui investimentos muito menos eficientes em termos de capacidade de geração. As possíveis fontes de financiamento para esses investimentos, analisadas e dimensionadas no Capítulo 6, são: (i) recursos intra-setoriais: geração interna, subsídios intrasetoriais (RGR, CDE e ECE) e (ii) recursos de terceiros: BNDES, bancos comerciais, mercado de capitais local, mercado de capitais internacional, Export Credit Agencies e Organizações Multilaterais. As fontes de recursos estatais para o financiamento de projetos no setor concentram-se no BNDES e em fundos específicos do setor como a RGR, o CDE e o ECE. Atualmente, a exposição do BNDES ao setor é alta, em torno de R$ 21 bilhões. O montante de desembolsos para o setor, previsto no orçamento de 2003 da instituição, atinge quase um quarto do orçamento total do banco, o que representa uma situação extraordinária e limita os recursos do orçamento do banco para outros setores. Supondo, de maneira otimista, que o BNDES consiga manter um nível de 10% de seus desembolsos para o setor elétrico, estimamos a destinação de recursos de cerca de R$ 4 bilhões médios ao ano até 2010. A RGR e o CDE agregam R$ 2,6 bilhões ao ano de recursos disponíveis para financiamento. O ECE poderia agregar mais R$ 1,4 bilhões anuais a esse montante. Estes recursos têm sua aplicação direcionada obrigatoriamente a algumas aplicações. Os recursos do ECE, por exemplo, serão obrigatoriamente direcionados para projetos alternativos e não para grandes projetos tradicionais de hidrelétricas e termoelétricas. O sistema de financiamento público ao setor elétrico consegue, realisticamente, prover até R$ 8 bilhões anuais de recursos para novos projetos. Outra possível fonte de recursos públicos é a atuação de organismos de crédito multilaterais. Haveria espaço para que os recursos oriundos destas instituições atingissem mais de R$ 1 bilhão por ano. Desta forma, o sistema de financiamento público conjuntamente com as agências multilaterais conseguem prover recursos da ordem de R$ 9 bilhões anuais. As dificuldades econômico-financeiras por que passam as distribuidoras de energia, decorrentes principalmente da crise do racionamento, indicam que este segmento não deve representar uma fonte de geração de recursos para a realização destas inversões, em especial nos próximos anos que serão marcados por pesados vencimentos de dívidas dessas empresas. O Capítulo 6 analisou também o setor público como um todo, mostrando que, ao contrário do que acontecia nas décadas de 60 e 70, atualmente o Estado brasileiro não tem mais condições fiscais para realizar investimentos e assim prover recursos para o setor. Na União e nos estados, as despesas obrigatórias ampliaram-se de forma expressiva e as possibilidades de ampliar o endividamento são restritas. Muito pelo contrário, o esforço que se faz necessário é evitar o aumento da relação dívida/PIB mediante a obtenção de superávits primários. Consensualmente, também é claro que não se pode aumentar ainda mais a carga tributária. A conclusão a que se chega é que o desenvolvimento do setor depende em grande parte da atração de investimentos privados 203 8.6 Os problemas regulatórios A principal dificuldade para que os investimentos necessários sejam realizados é a falta de perspectivas e a insegurança sobre o futuro devido à ausência de um marco regulatório definido. Sem essas condições, não existe suficiente disposição e atração do capital privado para investir no setor. Para que uma agência regulatória cumpra seus objetivos, a qualidade do desenho institucional é essencial. A teoria econômica, conforme analisado no Capítulo 7, indica que autonomia e credibilidade são princípios fundamentais. Isto porque em setores com altos custos fixos e longa maturação de investimentos, o poder concedente tem incentivo para não honrar seus compromissos contratuais firmados antes do investimento, rompendo ou alterando os termos com o objetivo de favorecer aos consumidores no curto prazo, mas prejudicando os consumidores futuros, afastando investidores privados. As principais falhas no desenho institucional da Aneel são: (i) inflexibilidade na política de recursos humanos; (ii) baixa transparência do processo de tramitação e decisão; (iii) multiplicidade de fóruns nos quais os agentes podem apelar de suas decisões; (iv) a ineficácia do processo de prestação de contas da Agência perante a sociedade; (v) a redução da autonomia da agência na forma da dependência de recursos orçamentários. Efetivamente, esses recursos são propostos e liberados pelo Executivo, que pode utilizar estas faculdades como mecanismo de pressão sobre a agência. Devido às dificuldades enfrentadas na implementação da regulação por comparação, seria prudente que as agências regulatórias empregassem esta modalidade de regulação com muita cautela, pois não se deve desprezar o fato de que a estimação de custos das empresas a partir do conceito de “empresa de referência” pode resultar em graves erros, com custos elevados para a sociedade no longo prazo. Além disso, talvez fosse o caso de se minimizar a discricionariedade da agência regulatória nos reajustes tarifários periódicos, não se desviando muito da base de remuneração e custos operacionais efetivos das empresas, dado o elevado custo de capital no Brasil e a elevada participação dos custos fixos no setor elétrico. Neste caso, mesmo que as tarifas resultantes fossem mais elevadas, no longo prazo poderiam ser menores devido à redução do risco do investidor, o que reduziria o custo do capital e otimizaria as decisões de investimento. Outra dificuldade para os investimentos são os riscos de atrasos decorrentes da dificuldade e demora no licenciamento ambiental. A redução das incertezas vinculadas a esse processo constituiria importante melhora na regulação. Como boa parte do potencial hídrico inventariado no país encontra-se na Amazônia, outro aspecto regulatório importante diz respeito à legislação que rege os territórios indígenas. É uma legislação específica que, associada a uma interpretação freqüentemente ideológica e emocional e à intervenção de organizações estrangeiras, traz grandes incertezas para investimentos em hidrelétricas nessa região. Por fim, ingerências com objetivos meramente políticos não podem ser descartadas como fator de incerteza regulatória. Vários eventos que comprovam esse risco de ingerência política têm acontecido recentemente em alguns estados brasileiros, tanto no setor elétrico como em outros. 8.7 Perspectivas Por fim, à luz do que foi sintetizado nos parágrafos anteriores deste capítulo, cabe uma breve consideração sobre as perspectivas do setor. Apesar de seu tamanho, sofisticação e eficiência, vimos que o futuro do sistema elétrico brasileiro causa preocupações. O setor precisa continuar crescendo e investindo para atender à economia, mas após vários anos de crise e indefinição, ainda não se consolidaram as condições necessárias para que isso aconteça. As dificuldades que as empresas do setor enfrentam poderiam ser encaradas como episódicas, superáveis face ao potencial de crescimento que existe para uma atividade tão essencial. Porém, a inconstância e a indefinição da regulação ainda prevalecem, impedindo que as intenções de investimentos privados existentes se materializem no volume indispensável para o setor. É sempre bom lembrar que o incentivo e a atração do investidor são importantes, mas têm maior relevância ainda no Brasil, onde o capital é um recurso relativamente mais escasso e caro comparado a outros países. A solução dessa situação de crise passa por um desenvolvimento e consolidação da regulação. O setor elétrico é complexo, permeado por detalhes técnicos e por características específicas que, muitas vezes, são encontradas unicamente no Brasil. Porém, enquanto os detalhes dessa regulação são complexos, os princípios que devem orientar seu desenvolvimento podem ser sintetizados em poucas palavras. O setor, como acontece normalmente com toda a infra-estrutura, tem um horizonte de planejamento de longo prazo. Por isso, a regulação deve oferecer segurança, tanto para o consumidor, de que haverá energia 204 suficiente e ao menor custo possível, como para o investidor, de que seus investimentos serão reconhecidos e terão retorno. A regulação deve proporcionar aos agentes segurança, mas também competição, incentivando tanto a busca das formas mais eficientes de produzir e distribuir a energia como o repasse dessas eficiências à sociedade. Em síntese, a situação atual do setor ainda é de crise e incerteza, mas existe um caminho muito claro para a solução dos problemas. Requer trabalho, atenção a inúmeros detalhes e, sobretudo, a preservação dos princípios de uma regulação estável que incentive os investimentos, a eficiência e a competição. ♦♦♦ Para obtenção do livro com o texto integral do estudo, entre em contato com: Eliana Marcon Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica [email protected] www.cbiee.com.br