Setor Elétrico Brasileiro

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Setor Elétrico Brasileiro
Cenários de Crescimento
e Requisitos para a
Retomada de Investimentos
Elaboração
Apoio
2
3
SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: CRISE E SUAS CAUSAS, CENÁRIOS DE CRESCIMENTO E OS REQUISITOS
PARA QUE OCORRAM OS INVESTIMENTOS NECESSÁRIOS
Este estudo tem por objetivo traçar um panorama amplo da situação atual do setor elétrico no Brasil, o que
se espera desse setor para atender às necessidades dos demais setores, seus problemas e perspectivas, suas
necessidades e os impactos que causa na economia brasileira.
8
Conclusões
Cenários Futuros
e Viab ilização de
Investimentos
Situação Atual
O relatório obedece à seguinte estrutura:
4
Cenários de
Demanda
3
A Situação
Econômico-Financeira
da Distribuição
2
A Estrutura
Tarifária
1
A Crise Setorial
5
Investimentos
Requeridos
6
Fontes de
Recursos
• Restabelecimento do Equilíbrio Econômico-Financeiro no Setor
• O Papel da Regulação
• O Papel do Investimento Privado
Apresentação
1.
Crise e perspectivas
2.
A Estrutura Tarifária
3.
A Situação Financeira das Distribuidoras
4.
Cenários para a Demanda de Energia Elétrica
5.
Os Investimentos Requeridos
6.
Fontes de Recursos Para o Setor Elétrico
7.
Aspectos Institucionais e a Regulação por
Incentivos
8.
Conclusões
7
Aspectos
Institucionais
e Regulação
4
Organização e coordenação deste estudo:
‰
Ernesto Moreira Guedes Filho
‰
José Márcio Camargo
Equipe Técnica:
‰
Richard Lee Hochstetler
‰
Edward Amadeo
‰
Frederico Estrella Valadares
‰
Kátia Tiemi Saito
‰
Andres Rojas
‰
Julio Callegari
(*)
Consultor em Finanças :
‰
Filinto Müller de Almeida
Estudo contratado pela Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica (CBIEE).
São Paulo, novembro de 2003.
(*)
Na avaliação financeira, constante dos capítulos 3 e 6, agradecemos aos comentários e sugestões de José
Romeu Del Moro Robazzi.
5
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................... 8
1. CRISE E PERSPECTIVAS..................................................................................................................... 10
1.1 O RACIONAMENTO EM 2001 ................................................................................................................. 11
DESVIO DA MÉDIA DE LONGO TERMO DA ENERGIA AFLUENTE NATURAL POR SUBSISTEMA ...................... 12
1.1.1 Investimentos insuficientes .......................................................................................................... 13
1.1.2 Falhas na fixação de parâmetros para a operação do sistema.................................................. 17
1.2 A CRISE ATUAL DO SETOR ELÉTRICO .................................................................................................... 19
1.2.1 A queda de rentabilidade do setor .............................................................................................. 19
1.2.2 Incertezas sobre o marco regulatório ......................................................................................... 24
1.3 A EXPANSÃO FUTURA DO SISTEMA ELÉTRICO ...................................................................................... 24
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 26
SUMÁRIO EXECUTIVO ................................................................................................................................. 27
2. A ESTRUTURA TARIFÁRIA................................................................................................................ 29
2.1 A ESTRUTURA TARIFÁRIA BRASILEIRA ................................................................................................. 29
2.1.1 Características gerais.................................................................................................................. 29
TARIFAS DE FORNECIMENTO ...................................................................................................................... 29
2.1.2 As tarifas de transmissão e distribuição ..................................................................................... 32
2.2 ANÁLISE COMPARATIVA DA ESTRUTURA TARIFÁRIA BRASILEIRA ....................................................... 33
2.2.1 Tarifas industriais e residenciais no Brasil e no mundo ............................................................ 33
2.2.2 Renda per capita e tarifas residenciais no Brasil e no mundo................................................... 37
2.3 A EVOLUÇÃO DA TARIFA DE FORNECIMENTO E SUA COMPOSIÇÃO ....................................................... 38
2.4 A TARIFA DE FORNECIMENTO E OS TRIBUTOS ....................................................................................... 42
2.5 PRINCÍPIOS PARA A DEFINIÇÃO DE UMA ESTRUTURA TARIFÁRIA ......................................................... 47
2.6 AS CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DE UMA ESTRUTURA TARIFÁRIA ÓTIMA ............................................. 48
2.6.1 As características do sistema elétrico brasileiro........................................................................ 49
2.6.2 Uma estrutura tarifária ótima para o sistema brasileiro ........................................................... 50
2.7 PREÇO MÉDIO VERSUS PREÇO MARGINAL ............................................................................................. 51
2.8 CONCORRÊNCIA NA COMERCIALIZAÇÃO .............................................................................................. 52
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 53
ANEXO I – EVOLUÇÃO DOS CUSTOS GERENCIÁVEIS E NÃO GERENCIÁVEIS DAS DISTRIBUIDORAS ............ 54
SUMÁRIO EXECUTIVO ................................................................................................................................. 56
3. A SITUAÇÃO FINANCEIRA DAS DISTRIBUIDORAS................................................................... 58
3.1 AMOSTRA DE EMPRESAS ...................................................................................................................... 58
3.2 METODOLOGIA DA ANÁLISE ................................................................................................................ 59
3.3 DESEMPENHO HISTÓRICO DO SISTEMA ................................................................................................. 59
3.3.1 Mercado de Energia Elétrica ...................................................................................................... 59
3.3.2 Indicadores de Desempenho Econômico-Financeiro................................................................. 61
3.3.3 Indicadores de Crédito ................................................................................................................ 62
3.4 PROJEÇÕES PARA O DESEMPENHO DO SISTEMA .................................................................................... 64
3.4.1 Cenários projetados: premissas.................................................................................................. 65
3.4.2 Resultados das projeções do cenário 1 ....................................................................................... 68
3.4.3 Resultados das projeções do cenário 3 ....................................................................................... 71
3.4.4 Resultados das projeções do cenário 5 ....................................................................................... 74
3.4.5 Efeito de um aumento real de 20% nas tarifas em 3 anos.......................................................... 78
3.4.6 Efeito mudança na margem do serviço ....................................................................................... 81
3.4.7 Efeito mudança na conta outros realizáveis ............................................................................... 84
3.4.8 Perda de geração de caixa em função do racionamento............................................................ 87
3.4.9 Necessidades de Rolagem de dívida em cada cenário................................................................ 88
3.5 CONCLUSÕES E SUMÁRIO EXECUTIVO .................................................................................................. 89
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 91
6
4. CENÁRIOS PARA A DEMANDA DE ENERGIA ELÉTRICA........................................................ 92
4.1 CENÁRIOS MACROECONÔMICOS ........................................................................................................... 92
4.1.1 Determinantes do crescimento potencial: oferta de mão-de-obra............................................. 93
4.1.2 Determinantes do crescimento potencial: formação de capital ................................................. 94
4.1.3 Determinantes do crescimento potencial: produtividade........................................................... 98
4.1.4. O cálculo do PIB potencial ...................................................................................................... 101
4.2 DIMENSIONAMENTO DAS NECESSIDADES DE ENERGIA ....................................................................... 104
4.2.1 Histórico e características da demanda.................................................................................... 104
4.2.2 Elasticidades: estimativas para o Brasil................................................................................... 109
4.2.3 Mudanças estruturais: alterações de parâmetros .................................................................... 110
4.2.4 Projeções da demanda: hipóteses sobre preços futuros........................................................... 112
4.3 ESTIMATIVAS DA DEMANDA DE ENERGIA ........................................................................................... 112
DEMANDA DE ENERGIA ELÉTRICA, EM GWH/ANO – CENÁRIO 3............................................................. 115
4.4 CONCLUSÕES ...................................................................................................................................... 115
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 117
ANEXO I – ELASTICIDADES: RESULTADOS DAS ESTIMAÇÕES .................................................................. 118
ANEXO II – ELASTICIDADES: ESTUDOS EXISTENTES ................................................................................ 119
Estudos para o Brasil ......................................................................................................................... 119
Estudos internacionais........................................................................................................................ 119
SUMÁRIO EXECUTIVO ............................................................................................................................... 122
PARÂMETROS PARA A ESTIMAÇÃO DA DEMANDA .................................................................................... 122
5. INVESTIMENTOS REQUERIDOS PARA A EXPANSÃO DO SETOR ELÉTRICO ................ 124
5.1 PREMISSAS BÁSICAS ........................................................................................................................... 124
5.2 CENÁRIOS DE EXPANSÃO DA MATRIZ ENERGÉTICA ............................................................................ 124
5.3 O CUSTO DE CADA TECNOLOGIA ......................................................................................................... 130
5.3.1 Investimentos necessários na Transmissão............................................................................... 132
5.3.2 Investimentos necessários na Distribuição............................................................................... 133
5.4 ESTIMAÇÃO DOS INVESTIMENTOS REQUERIDOS ................................................................................. 133
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 136
ANEXO- EVOLUÇÃO ANUAL DA OFERTA EM CADA CENÁRIO ................................................................. 137
SUMÁRIO EXECUTIVO............................................................................................................................... 139
6. FONTES DE RECURSOS PARA O SETOR ELÉTRICO............................................................... 141
6.1 HISTÓRICO .......................................................................................................................................... 141
6.1.1 O financiamento do setor elétrico entre 1950 e 1990............................................................... 141
6.1.2 A crise fiscal dos anos 90 e a dinâmica das despesas públicas correntes............................... 143
6.1.3 As despesas públicas na área de energia e o papel das estatais.............................................. 146
6.2 AS CONSEQÜÊNCIAS DAS RESTRIÇÕES FINANCEIRAS DO SETOR PÚBLICO .......................................... 148
6.3 AS PRIVATIZAÇÕES E A ATUAÇÃO DO BNDES................................................................................... 149
6.4 ALTERNATIVAS DE FINANCIAMENTO .................................................................................................. 152
6.4.1 Os recursos intra-setoriais ........................................................................................................ 152
GERAÇÃO INTERNA DE RECURSOS COM AUMENTO DO PREÇO DE 20% EM 3 ANOS ................................. 152
GERAÇÃO INTERNA DE RECURSOS COM AUMENTO DO PREÇO DE 20% EM 10 ANOS ............................... 153
6.4.2 Os recursos de Terceiros........................................................................................................... 155
6.5 ESTRUTURA TÍPICA DE FINANCIAMENTO PARA O SETOR .................................................................... 162
6.6 CONCLUSÕES ...................................................................................................................................... 163
SUMÁRIO EXECUTIVO ............................................................................................................................... 166
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 167
ANEXO I – RESULTADOS DAS PRIVATIZAÇÕES....................................................................................... 168
RESULTADOS DAS PRIVATIZAÇÕES DE 1990 A 2002 – US$ BI ................................................................. 168
RESULTADO DAS PRIVATIZAÇÕES POR SETOR E POR EMPRESA DE 1991 A 2002 – US$ MILHÕES ............ 169
ANEXO II – EMPRÉSTIMOS SINDICALIZADOS ......................................................................................... 172
ANEXO III – EMISSÕES DE TÍTULOS PRIVADOS – BANCOS E EMPRESAS................................................. 173
7
7. ASPECTOS INSTITUCIONAIS E A REGULAÇÃO POR INCENTIVOS................................... 175
7.1 CONCEITOS BÁSICOS DA REGULAÇÃO ................................................................................................ 175
7.2 AS CARACTERÍSTICAS DO SETOR ELÉTRICO ........................................................................................ 177
7.3 AS CARACTERÍSTICAS INSTITUCIONAIS DO REGULADOR .................................................................... 178
7.4 O PAPEL DAS AGÊNCIAS REGULATÓRIAS ............................................................................................ 179
7.4.1 Características essenciais: autonomia e credibilidade ............................................................ 180
7.4.2 O processo de concessão........................................................................................................... 181
7.4.3 Regulação e defesa da concorrência......................................................................................... 182
7.5 A AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA ................................................................................. 183
7.6 A REGULAÇÃO DE TARIFAS ................................................................................................................. 185
7.6.1 A regulação por incentivos........................................................................................................ 186
7.6.2 A regulação por comparação.................................................................................................... 187
7.7 O LICENCIAMENTO AMBIENTAL.......................................................................................................... 189
7.7.1 A política nacional do meio ambiente....................................................................................... 190
7.7.2 O processo de licenciamento ambiental.................................................................................... 191
7.7.3 Aprimorando o processo de licenciamento ambiental.............................................................. 192
7.8 A QUESTÃO DAS RESERVAS INDÍGENAS .............................................................................................. 193
7.9 OUTRAS INGERÊNCIAS NA REGULAÇÃO.............................................................................................. 193
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 195
SUMÁRIO EXECUTIVO ............................................................................................................................... 196
8. CONCLUSÕES....................................................................................................................................... 198
8.1 A CRISE E O RACIONAMENTO EM 2001 ............................................................................................... 199
8.2 A ESTRUTURA TARIFÁRIA ................................................................................................................... 199
8.3 A SITUAÇÃO FINANCEIRA DAS DISTRIBUIDORAS E OS IMPACTOS PARA O SISTEMA ............................ 199
8.4 AS NECESSIDADES DE ENERGIA PARA ATENDER AO CRESCIMENTO DA ECONOMIA............................ 201
8.5 AS NECESSIDADES DE INVESTIMENTO NO SETOR ELÉTRICO ............................................................... 202
8.6 OS PROBLEMAS REGULATÓRIOS ......................................................................................................... 203
8.7 PERSPECTIVAS .................................................................................................................................... 203
8
SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: CRISE E SUAS CAUSAS, CENÁRIOS DE CRESCIMENTO E OS REQUISITOS
PARA QUE OCORRAM OS INVESTIMENTOS NECESSÁRIOS
APRESENTAÇÃO
Este estudo tem por objetivo traçar um panorama amplo da situação atual do setor elétrico no Brasil, o que
se espera desse setor para atender as necessidades dos demais setores, seus problemas e perspectivas, suas
necessidades e os impactos que causa na economia brasileira. Para atender a esses objetivos o trabalho é
organizado da seguinte maneira:
‰
O capítulo 1 aborda as razões da crise atravessada pelo setor;
‰
O capítulo 2 analisa a estrutura tarifária vigente;
‰
O capítulo 3 faz um apanhado da evolução e projeções, em vários cenários de
crescimento da demanda, da situação econômico-financeira consolidada das
distribuidoras, bem como de suas conseqüências para o setor;
‰
O capítulo 4 apresenta cenário macroeconômico de longo prazo e as conseqüentes
estimativas das necessidades de energia elétrica;
‰
O capítulo 5 estima os investimentos necessários no setor em função dessas necessidades
de energia;
‰
O capítulo 6 analisa a evolução da capacidade financeira do setor público e as possíveis
fontes de recursos e as condições para que ocorram os investimentos no setor elétrico;
‰
O capítulo 7 aborda a regulação, cuja definição e adequação constituem requisitos
básicos para o desenvolvimento do setor;
‰
O último capítulo resume as principais conclusões.
Em primeiro lugar, e como ponto de partida, o estudo abordará a crise vivenciada pelo setor. Não se trata
apenas da escassez de energia que levou ao racionamento em 2001, mas das causas ainda não resolvidas
que acarretaram esse racionamento e das seqüelas resultantes, com graves desequilíbrios econômicofinanceiros de grande parte das empresas do setor, de indefinições quanto a novos investimentos e
perspectivas de novas crises de energia no futuro. Esse é o tema explorado no capítulo 1 deste trabalho.
Em segundo lugar, deverá ser analisada a estrutura tarifária da energia elétrica no Brasil e as questões
correlacionadas a este tema. Os preços da energia elétrica no Brasil apresentam diversas peculiaridades: é
uma energia comparativamente barata em termos internacionais, mas com subsídios cruzados entre
diferentes categorias de consumidores, elevadíssima carga tributária, parcelas da energia gerada com
preços em moeda estrangeira, inadimplência elevada em alguns segmentos de consumo etc. Isto é feito no
capítulo 2 deste trabalho.
Os desequilíbrios econômico-financeiros enfrentados pelas distribuidoras e as possíveis conseqüências
para todo o setor são de tal gravidade que justificam sua análise em separado como um grande tema, o que
é feito no capítulo 3. Os objetivos são sintetizar de uma forma agregada as dimensões desses
desequilíbrios mediante o desenvolvimento de um modelo de agregação e simulação de resultados das
empresas. A partir dos resultados agregados e da simulação, são analisadas suas principais causas e as
conseqüências tanto para o setor como macroeconômicas, sobretudo no que tange ao investimento direto.
Em seguida deverão ser focalizadas as demandas a serem atendidas pelo setor, ou seja, quanto de
energia adicional o Brasil necessitará gerar no futuro. Dimensionar essa necessidade requer projetar
limites razoáveis para o crescimento da economia brasileira e suas relações com a demanda de energia
elétrica. Isto é feito no capítulo 4 deste trabalho.
A partir das estimativas das necessidades de energia, obtém-se a necessidade de investimentos no setor,
que pode variar de acordo com as fontes de energia a serem utilizadas. Esse é o trabalho desenvolvido no
capítulo 5 do estudo.
O passo seguinte consiste em identificar as fontes de recursos que poderão ser utilizadas para esses
investimentos e, por fim, quais as condições que viabilizam a disponibilidade e a utilização desses
recursos, sejam públicos ou privados. Uma avaliação da capacidade financeira do setor público brasileiro
está incluída nessa tarefa. Esses são os objetivos do capítulo 6 do estudo.
9
O setor de energia elétrica consiste, na ponta da distribuição, num monopólio natural, ou seja, necessita ser
regulado para operar de forma eficiente em uma economia de mercado. A geração no Brasil é
predominantemente hidrelétrica e transmitida por um sistema interligado, que necessita também de uma
coordenação centralizada entre as usinas para operar de forma eficiente. Por fim, a energia elétrica é um
produto com muitas particularidades que o diferenciam totalmente dos demais produtos e que, para ser
transacionado em mercado, necessita da construção de instituições e mecanismos relativamente
sofisticados. Ou seja, a regulação é um requisito indispensável para o funcionamento do setor elétrico.
Deve ser abordado o papel da Aneel, as razões da estrutura institucional adotada e os modelos de
regulação de tarifas e seus efeitos em termos de proporcionar incentivos para o investimento e a eficiência.
Tudo isto é abordado no capítulo 7.
Por fim, o último capítulo consiste na apresentação das principais conclusões decorrentes do trabalho,
consolidando e resumindo o que foi apresentado nos capítulos anteriores.
Ao final de cada capítulo também são apresentadas as principais conclusões na forma de um sumário
executivo.
10
1. CRISE E PERSPECTIVAS
O parque gerador brasileiro é composto primordialmente de usinas hidrelétricas, opção esta que decorre da
dotação de fontes energéticas no país. A abundância de cursos d’água proporciona ao Brasil uma fonte de
energia elétrica de baixo custo. No entanto, essa alta dependência dos recursos hídricos torna o sistema
vulnerável às condições hidrológicas.
A solução para superar esta vulnerabilidade foi o sobredimensionamento da capacidade instalada do
parque hidrelétrico. O parque hidrelétrico brasileiro é sobredimensionado no sentido de que, em média,
sua capacidade de geração é muito superior a demanda. Isso não significa que haja investimento em
excesso, pois a capacidade excedente é necessária para proporcionar o grau de confiabilidade requerido do
sistema predominantemente hidrelétrico. Como pode ser visto no gráfico, na maioria dos anos a energia
que pode ser gerada a partir do parque hidrelétrico supera, em muito, a demanda atual. A energia natural
afluente é a quantidade de energia que poderia ser gerada das vazões naturais de cada bacia considerando a
produtibilidade das hidrelétricas localizadas em cada bacia, não considerando a regularização das vazões
pelos reservatórios. A energia natural afluente média do parque hidrelétrico atual é de cerca de 444
TWh/ano, muito superior a demanda atual de 350 TWh/ano (representada pela linha vertical no gráfico
abaixo).
Função distribuição acumulativa da energia natural afluente
100%
probabilidade
80%
60%
40%
20%
0%
0
200
400
600
800
1.000
energia natural afluente (TWh/ano)
Fonte: ONS. Elaboração própria.
1
Vários fatores concorriam para a racionalidade desta escolha de um parque gerador predominantemente
hidrelétrico. Em primeiro lugar, o Brasil possuía grandes potenciais hidráulicos relativamente baratos e
próximos dos centros de consumo. Segundo, havia pouca resistência por parte da sociedade civil
organizada à formação de grandes reservatórios (defensoras do meio ambiente, povos ribeirinhos, reservas
indígenas, etc). Terceiro, as decisões eram realizadas de forma centralizada pelo Estado, que detinha
grande capacidade de financiamento a um baixo custo de capital.
A combinação destes três fatores fazia com que o custo de se instalar novas usinas hidrelétricas e grandes
reservatórios de regularização da hidrologia fosse relativamente baixo, tornando esta opção
economicamente a mais indicada.
Gradualmente esse cenário foi se alterando. O regime regulatório de remuneração garantida e as tarifas
equalizadas em todo o país significavam que as empresas deficitárias eram subsidiadas pelas empresas
superavitárias, eliminando os incentivos à busca de eficiência produtiva. O custo incremental para se
atender o crescimento da demanda por energia elétrica aumentava à medida que potenciais hidráulicos
cada vez menos rentáveis precisavam ser explorados. Além disso, a oposição de natureza sócio-ambiental
à instalação de grandes usinas, principalmente de grandes hidrelétricas, bem como grandes troncos de
transmissão em extra-alta tensão, tornava-se cada vez maior. Ocorria também uma gradual redução do
1
A função distribuição acumulativa da energia natural afluente foi construída a partir das séries históricas
de vazões do ONS levando em conta a produtibilidade das usinas hidrelétricas constantes no Planejamento
Anual da Operação Energética – Ano 2003 do ONS.
11
valor real das tarifas decorrente de taxas crescentes de inflação, comprometendo o equilíbrio econômicofinanceiro das empresas estatais e a capacidade de autofinanciamento do setor. Finalmente, a capacidade
de financiamento do Estado foi diminuída, tornando-se necessário atrair investimentos privados.
É nesse contexto que o país embarcou num amplo programa de reestruturação do setor, cujo objetivo era,
ao mesmo tempo, atrair investimentos privados e diversificar a matriz energética, incluindo maior
proporção de usinas termelétricas, cujo custo marginal de produção da energia é maior2, mas cuja
exigência de investimento inicial e capital fixo é menor do que das hidrelétricas.
1.1 O racionamento em 2001
Esse tema já foi bastante estudado nos últimos anos de modo que apenas resumiremos as principais
conclusões dos estudos a respeito3.
Em sistemas elétricos de predominância hídrica, como o brasileiro, um dos maiores desafios é planejar e
operar o sistema de modo a se garantir uma oferta contínua de energia. Devido às grandes variações no
fluxo de água nos rios, a capacidade de geração pode variar significativamente de ano para ano. Para
regularizar a geração, o parque gerador hidrelétrico é complementado por grandes reservatórios, que são
operados de forma a regularizar a energia afluente natural4, isto é, a disponibilidade de água a montante
das usinas hidrelétricas, e usinas termelétricas “flexíveis” para gerar energia em períodos de hidrologia
adversa.
Mesmo com grandes reservatórios e usinas termelétricas “flexíveis” não é possível eliminar o risco de
ocorrer uma seqüência de anos de hidrologia adversa que acabe por comprometer a capacidade do sistema
de suprir a demanda. Por isso, a primeira questão a ser analisada é se a hidrologia nos anos que
precederam o racionamento foi suficientemente desfavorável para justificar o racionamento.
Como se pode observar no próximo gráfico, a energia afluente natural nos cinco anos anteriores
apresentou dois anos de hidrologia desfavorável, 1996 e 1999, além de 2001. A hidrologia nos anos 1998
e 2000 foi próxima a média de longo prazo e em 1997 foi muito favorável. A energia afluente natural em
2001 foi a décima mais baixa dentre os 71 anos de dados, e a energia afluente natural nos anos de 1996 e
1999 corresponde à 29a e 16a mais baixas. No conjunto pode-se dizer que foi uma série de anos de
hidrologia bastante adversa. Se a energia afluente natural em 2001 atingisse 85% da média de longo
prazo, o racionamento não teria sido necessário.
2
Deve-se ressaltar, no entanto, que a comparação dos custos marginais de produção de usinas
termelétricas e hidrelétricas não tem sido feita adequadamente, uma vez que não se leva em conta diversos
encargos sistêmicos que são necessários para atender as necessidades de um sistema predominantemente
hidrelétrico, especificamente os custos relativos às usinas termelétricas “flexíveis” requeridas para
suplementar a geração hidrelétrica e a necessidade de manter uma rede de transmissão mais extensa e
robusta (Conta de Consumo de Combustíveis, Encargo de Capacidade Emergencial, Tarifa de Uso do
Sistema de Transmissão, perdas de transmissão, transmissão de Itaipu).
3
Esta seção foi em parte baseada em trabalho já desenvolvido por alguns dos autores deste estudo e
publicado em: Guedes E. M., J. M. Camargo e J. P. Ferres (2002). Energia: as razões da crise e como sair
dela. São Paulo. Editora Gente.
4
Energia afluente natural é o volume de água que chegaria às hidrelétricas (m3/s), ausente o efeito
regularizador dos reservatórios, convertido em unidades de energia elétrica (MWh), considerando o
rendimento de cada usina do sistema.
12
Desvio da média de longo termo da energia
afluente natural no sistema elétrico brasileiro
100.000
80.108
80.000
60.000
GWh/ano
40.000
20.000
4.984
0
-3.487
-20.000
-40.000
-60.000
-52.934
-80.000
-70.440
-75.998
-100.000
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Fonte: ONS. Elaboração Tendências.
Dadas as restrições de transmissão entre os subsistemas, é elucidativo considerar as condições
hidrológicas em cada subsistema separadamente, como apresentado no próximo gráfico. As condições
hidrológicas no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que corresponde a mais de 60% da capacidade de
geração no sistema elétrico brasileiro (incluindo a geração de Itaipu) foram próximas à média. Já no
subsistema Sul, a energia afluente foi superior à média de longo prazo. Em contraste, o subsistema Norte
e, principalmente, o subsistema Nordeste apresentaram condições hidrológicas bastante adversas. O nível
de energia afluente consistentemente abaixo da média de longo prazo no Nordeste levanta a suspeita
de que a média de longo prazo já não seja um parâmetro apropriado para se avaliar as condições
hidrológicas para os fins de geração elétrica nesse subsistema. Sabe-se que o uso de água para outros
fins, como irrigação, aumentou muito na bacia do rio São Francisco nos últimos anos, reduzindo a
disponibilidade de água para a geração de energia elétrica.
Desvio da média de longo termo da energia afluente natural por subsistema
Energia afluente natural
no sistema SE/CO
Energia afluente natural
no sistema S
desvio da média de longo termo (%)
desvio da média de longo termo (%)
100,0
300,0
80,0
250,0
60,0
200,0
40,0
150,0
20,0
100,0
0,0
50,0
-20,0
0,0
-40,0
-50,0
-60,0
jan-96
-100,0
jan-97
jan-98
jan-99
jan-00
jan-01
jan-96
Energia afluente natural
no sistema N
jan-98
jan-99
jan-00
jan-01
Energia afluente natural
no sistema NE
desvio da média de longo termo (%)
desvio da média de longo termo (%)
80,0
60,0
60,0
40,0
40,0
20,0
20,0
0,0
0,0
-20,0
-20,0
-40,0
-40,0
-60,0
-60,0
-80,0
jan-96
jan-97
jan-97
jan-98
jan-99
Fonte: ONS. Elaboração Tendências.
jan-00
jan-01
-80,0
jan-96
jan-97
jan-98
jan-99
jan-00
jan-01
13
Em média, as condições hidrológicas entre 1996 e 2001 foram desfavoráveis, mas não foram
suficientemente desfavoráveis para justificar um racionamento da magnitude do ocorrido em 2001,
avaliando pelo critério de confiabilidade adotado no planejamento do sistema.
1.1.1 Investimentos insuficientes
Além da insuficiência de chuvas em 2001, a outra grande explicação para o racionamento neste ano foi o
desequilíbrio estrutural entre a oferta e demanda no sistema elétrico que se desenvolveu durante a década
de 90. Nos anos anteriores a 2001, a expansão da oferta não acompanhou o crescimento da demanda. Para
se garantir o suprimento de energia, a quantidade de energia assegurada5 deve ser sempre igual ou superior
à carga (desde que a energia assegurada seja apropriadamente dimensionada e que a sociedade esteja
disposta a incorrer num determinado nível de risco de racionamento). Desde meados de 1996, a carga
superava a energia assegurada do sistema, como pode ser visto no próximo gráfico. Nessas condições, o
sistema elétrico torna-se mais vulnerável, passando a depender muito mais de condições hidrológicas
favoráveis. Não havendo investimentos suficientes para reverter o quadro, o sistema eventualmente passa
a consumir as reservas armazenadas nos reservatórios e a apresentar uma probabilidade de racionamento
cada vez mais elevada.
Energia assegurada e a carga no sistema elétrico brasileiro
45.000
MW -médios
40.000
35.000
30.000
25.000
20.000
1990
1991
1992
1993
1994
Energia Assegurada
1995
1996
1997
1998
1999
2000
Consumo
Fonte: Silva e Campagnolo (2001) / Gerasul.6
De fato, podemos constatar que os investimentos no setor elétrico brasileiro foram insuficientes nos
últimos anos, sendo de modo geral decrescentes ao longo da década de 90. Depois de registrar valores
anuais próximos a US$ 10 bilhões no final dos anos 80, essas inversões recuaram na primeira metade dos
anos 90, apresentaram a seguir certa recuperação e voltaram a cair a partir de 1998 com a paralisia nas
privatizações, o que gerou insuficiência na atração de investimentos privados. Totalizaram apenas US$ 3
bilhões em 1999. No período de 1990 a 1994, os volumes anuais de inversões, entre US$ 4 bilhões e US$
7 bilhões, resultaram em acréscimos médios anuais de 1.080 megawatts entre 1990 e 1994 e de 2.200
megawatts desde então, enquanto a necessidade de aumento médio na capacidade instalada ficava em
torno de 3.500 megawatts por ano. Essa evolução é mostrada na próxima figura.
5
Energia assegurada é a quantidade de energia que se pode gerar de forma consistente por uma usina, ou
seja, de forma sustentável no tempo. A energia assegurada é calculada a partir da energia garantida
ofertada pelo parque gerador como um todo. A energia garantida é a quantidade de energia que pode ser
gerada com um grau de confiabilidade compatível com o nível de risco aceito pela sociedade (que é
balizado pelo custo de déficit adotado no programa de otimização).
6
Silva E. L. e J. M. Campagnolo (2001). Perspectivas e desafios para o mercado de energia elétrica
brasileiro. Revista Nexus – Ciência & Tecnologia 17 de junho de 2001.
14
Investimentos
Capacidade
1999
40
1998
2,0
1997
45
1996
4,0
1995
50
1994
6,0
1993
55
1992
8,0
1991
60
1990
10,0
1989
65
1988
12,0
1987
70
1986
14,0
1985
Investimentos
Investimentos e capacidade instalada (MW) no setor elétrico brasileiro
7
(US$ bi constantes de 2000)
Capacidade instalada
Fonte: Eletrobrás, MME e UFRJ.
Com a falta de investimentos e o consumo crescente, o sistema passou a esgotar os reservatórios
além do limite de risco recomendável. A reserva de água prevista para ser usada nas situações de poucas
chuvas passou a ser consumida ano a ano, como se observa na próxima figura. Bastou que as condições
meteorológicas fossem desfavoráveis para que o governo se visse obrigado a impor medidas de contenção
e racionamento do consumo.
Energia armazenada no sistema Sudeste/Centro-Oeste (% do nível máximo)
% do volume útil dos reservatório
do sistema SE/CO
100,00
90,00
80,00
70,00
60,00
50,00
40,00
30,00
20,00
10,00
ja
n03
ja
n02
ja
n01
ja
n00
ja
n99
ja
n98
ja
n97
ja
n96
ja
n95
0,00
Fonte: ONS.
A Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica8 concluiu que o racionamento não
teria sido necessário se a expansão do parque gerador tivesse seguido o cronograma previsto no Plano
7
A evolução dos investimentos é apresentada com maiores detalhes no capítulo 6. Note-se que os dados
apresentados neste gráfico estão em valores constantes (deflacionados).
8
Kelman, J. (coord.) (2001). Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia
Elétrica. Câmara de Gestão da Crise de Energética: 21 de julho de 2001.
15
Decenal de Expansão 1998-2007. Esses planos normalmente não são cumpridos em sua integralidade, mas
o atraso das obras de expansão de usinas existentes ou em construção respondeu por uma perda de 16.356
gigawatts-hora (GWh) e a postergação de investimentos em novas usinas respondeu por mais 40.393 GWh
(veja a próxima tabela).9 Se essas obras e investimentos previstos no Plano Decenal tivessem sido
realizados, a energia gerada por essas usinas até maio de 2001, quando o racionamento foi
decretado, reduziria o esgotamento do nível dos reservatórios nesses sistemas em aproximadamente
26 pontos percentuais. O Relatório afirma ainda que cerca de 5.846 GWh de energia poderiam ter sido
poupados se os investimentos em transmissão tivessem sido realizados conforme o cronograma previsto, o
que elevaria o nível dos reservatórios em mais 15 pontos percentuais. Se os investimentos previstos em
novas usinas e linhas de transmissão fossem realizados, o nível dos reservatórios das regiões Sudeste,
Centro-Oeste e Nordeste estaria em 73%, em vez dos 32% da capacidade de armazenamento dos
reservatórios ocorrido no início de 2001.
Perda energética decorrente de atrasos de obras ou postergação de investimentos
Usina
Energia
Entrada
Entrada
Atraso
Perda
Agregada
Prevista
Real
(horas)
Energética
(MW)
(GWh)
Porto Primavera 1
90,7
31-jul-98
23-jan-99
4.224
383
Porto Primavera 2
90,7
30-set-98
21-mar-99
4.128
374
Porto Primavera 3
90,7
31-dez-98
29-mar-99
2.112
192
Porto Primavera 4
90,7
31-mar-99
29-jan-00
7.296
662
Porto Primavera 5
90,7
30-jun-99
19-abr-00
7.056
640
Porto Primavera 6
90,7
30-set-99
14-jul-00
6.912
627
Porto Primavera 7
90,7
31-dez-99
26-set-00
6.480
588
Porto Primavera 8
90,7
31-mar-00
22-dez-00
6.384
579
Porto Primavera 9
90,7
30-jun-00
9-abr-01
6.792
616
Porto Primavera 10
90,7
30-set-00
5.088
461
Porto Primavera 11
32,8
31-dez-00
2.880
94
Cuiabá I-1
135,0
30-set-98
6-abr-99
4.512
609
Miranda – Unidade 1
117,0
28-fev-98
29-mai-98
2.160
253
Miranda – Unidade 2
63,0
30-abr-98
26-jul-98
2.088
132
Arjona
127,5
31-dez-98
20.424
2.604
Angra II
812,0
30-jun-99
9.288
7.542
97.824
16.356
Total de atrasos
Igarapé I-1
216,8
31-dez-99
11.664
2.529
BTP I-1
136,0
31-out-99
13.128
1.785
BTP I-1
136,0
31-out-99
13.128
1.785
C, Grande I
255,0
31-jul-99
15.336
3.911
37,8
28-fev-99
19.008
719
425,0
31-dez-99
11.664
4.957
Igarapava
Paulínia
9
21-jul-00
Rio I-1
144,5
28-fev-99
19.008
2.747
Rio I-2
144,5
30-abr-99
17.544
2.535
Igarapé I-2
114,8
31-dez-00
2.880
331
Epaulo 1
382,5
31-jan-00
10.920
4.177
N, Capixaba
127,5
31-jul-00
6.552
835
BTB I-2
136,0
31-ago-00
5.808
790
Rio I-3
59,5
28-fev-00
10.248
610
Rio I-4
59,5
30-abr-00
8.760
521
Rio I-5
204,0
30-jun-00
7.296
1.488
Candiota III
297,5
31-jul-01
-
-
A estimação da perda energética no relatório é sobre-avaliada pois se supõe que as usinas seriam
despachadas com um fator capacidade de 100%. Usinas de geração precisam ser desligadas
periodicamente para a realização de manutenção preventiva e consertos. Além disso, o montante de
energia que poderia ser gerado das usinas hidrelétricas seria menor dado as condições hidrológicas
prevalecentes no período.
16
Usina
Energia
Entrada
Entrada
Atraso
Perda
Agregada
Prevista
Real
(horas)
Energética
(MW)
(GWh)
Araucária
377,4
31-jul-00
6.552
Uruguaiana
510,0
30-jun-99
16.080
2.473
8.201
Total de investimentos não realizados
40.393
Total
56.749
Fonte: Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica.
Da mesma forma, se as usinas previstas no Programa Prioritário de Termelétricas em 1999 tivessem
sido implementadas, o racionamento poderia ter sido evitado, ou, na pior das hipóteses, seria
reduzida sua magnitude e duração.
As conclusões que se obtêm desses fatos são que: (i) a crise de energia elétrica no Brasil era
previsível e provável; (ii) além da hidrologia desfavorável, que sempre pode ocorrer em um sistema
predominantemente hídrico, a principal causa da crise foi a insuficiência de investimentos em
geração e transmissão.
A falta de investimentos, por sua vez, tem uma explicação mais complexa. Nos anos 70 e 80, as obras
no setor eram bancadas pelo governo. Mas, ao longo da década de 80, ocorreu um progressivo
comprometimento dos sistemas de poupança pública que dominaram a atuação do Estado na década de 70,
resultando no esgotamento da capacidade do Estado em manter sua atuação como investidor e produtor.
De fato, foi registrada uma poupança pública negativa que, ao contrário do que antes ocorria, drenou
recursos do setor privado para alimentar os déficits públicos10.
À primeira vista, a falta de energia e a imposição do racionamento indicavam um mercado promissor para
novos investimentos, tanto para atender essa demanda emergencial no curto prazo como para garantir o
crescimento sustentado da economia. Assim, para a década de 90, o governo planejou um modelo que
previa a criação de um mercado competitivo de energia.
Porém, atrasos na implementação da reestruturação do setor e indefinições regulatórias levaram os
agentes a atrasar obras e a postergar investimentos.
O governo não teve capacidade política para implementar o modelo proposto. O avanço do programa
passou por várias situações de impasse entre a União e alguns governos estaduais, como, por exemplo, a
resistência do governo mineiro em privatizar Furnas. Como conseqüência, o novo modelo acabou não
sendo totalmente implementado, principalmente no que se refere à privatização das grandes geradoras
estatais. A distribuição foi parcialmente privatizada (61% do mercado consumidor total), mas cerca
de 72% da geração permaneceu sob controle do Estado.
A reestruturação do setor previa a cisão dos grandes conglomerados estatais, segmentando suas áreas de
geração, transmissão e distribuição em empresas distintas. A privatização dessas empresas atrairia novas
inversões, que manteriam o volume de investimentos necessários. Potenciais investidores esperavam pela
privatização para definir as suas estratégias de entrada no setor. Os repetidos adiamentos do programa de
privatização deixavam os investidores potenciais em estado de espera, dado que a definição do destino das
empresas de geração atual era peça fundamental para os investidores definirem em que regiões efetuariam
os seus investimentos e que tipo de tecnologia seria implementado. Do mesmo modo, o pequeno volume
de investimentos que poderia ser feito pelas estatais também era postergado, dado que se esperava a
definição de seu novo controlador após a privatização, sendo também impedidas de investirem em função
das determinações do Plano Nacional de Desestatização.
Outro elemento que afugentou os investidores foi o risco e incerteza decorrentes de indefinições
regulatórias. Os investidores em usinas termelétricas a gás natural, por exemplo, não conseguiam fechar
contratos bilaterais com as distribuidoras porque essas empresas não recebiam uma sinalização de que
poderiam repassar todos os seus custos associados a esses contratos bilaterais aos seus consumidores
cativos. O preço do gás natural oriundo da Bolívia era indexado a uma cesta de combustíveis
internacionais, de forma que era muito sensível às variações cambiais e ao preço internacional do petróleo.
10
Uma explicação mais detalhada da evolução da poupança pública e da crise do Estado é feita na
primeira seção do capítulo 4, em que são desenvolvidos cenários macroeconômicos de longo prazo para a
economia brasileira.
17
A regulação permitia o reajuste das tarifas anualmente, mas não permitia a recuperação de perdas (ou
ganhos) incorridos nos períodos entre esses reajustes. Isso só foi resolvido em 2001, quando foi permitido
recuperar essas diferenças por intermédio de uma “conta gráfica”. Essa foi a principal causa para a
postergação dos investimentos em usinas térmicas a gás natural.
Finalmente, a insuficiência de investimentos também pode ser parcialmente explicada pela definição
inapropriada do nível de energia assegurada das usinas hidrelétricas. As distribuidoras não precisavam
buscar outras fontes de geração porque a sua carga já estava 100% coberta pelos Contratos Iniciais. Isso
leva a indagação sobre um possível superdimensionamento da energia assegurada das usinas
hidrelétricas. A monografia de Kelman (2002)11 sugere que houve tal superdimensionamento.
Fazendo várias comparações e considerando os efeitos das restrições na transmissão, da evaporação, da
irrigação, da vazão mínima a jusante, Kelman conclui que a energia assegurada agregada estava
superestimada em cerca de 3%. A superestimação da energia assegurada dos subsistemas Sudeste/CentroOeste e Nordeste é parcialmente compensada pela subestimação da energia assegurada dos subsistemas
Sul e Norte.
Uma das razões para a superestimação da energia assegurada é que a energia firme, da qual a energia
assegurada é derivada, era calculada considerando que os reservatórios teoricamente poderiam atingir o
nível de 0%. Isto representa um erro, pois na realidade o nível mínimo para que as usinas hidrelétricas
possam operar é superior a isso: 15% no sistema Nordeste e 10% e no Sudeste/Centro-Oeste.
1.1.2 Falhas na fixação de parâmetros para a operação do sistema
Apesar da insuficiência de investimentos ser a principal razão para a necessidade de se promover um
racionamento em 2001, houve falhas na fixação dos parâmetros utilizados para a operação do sistema que
também contribuíram para a crise.
As usinas termelétricas existentes não foram plenamente empregadas durante o período de esgotamento
dos reservatórios. No ano anterior ao racionamento, as usinas termelétricas ficaram ociosas mais de 60%
do tempo (veja próxima tabela). Isso sugere que, além dos atrasos de obras e da postergação dos
investimentos em novas usinas, havia um outro problema de natureza paramétrico-operacional.
11
Kelman, J. (2002). Metodologia de cálculo da energia firme de sistemas hidrelétricos levando em
consideração usos múltiplos da água. Brasília: Agência Nacional das Águas.
18
Geração das usinas termelétricas existentes
capacidade
produção
fator
(MW)
(GWh/ano)
carga
1996
3724,0
8745,0
26,8%
1997
3721,2
10199,7
31,3%
1998
3658,5
9621,4
30,0%
1999
4038,5
16276,4
46,0%
2000
6129,5
12
Fonte: ONS (2000).
21007,3
39,1%
Esses problemas não decorreram de falhas do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), uma vez que
o sistema foi operado rigorosamente dentro das regras de despacho vigentes na época. Simplesmente,
alguns dos parâmetros básicos para a operação do sistema foram fixados de forma incorreta.
O principal parâmetro subestimado foi o custo do déficit introduzido no sistema utilizado pelo ONS
para orientar o despacho, fixado em um valor muito baixo, da ordem de R$ 684,00 por MWh,
quando deveria ser várias vezes maior13. Além disso, esse custo foi estabelecido em valor fixo,
independentemente da magnitude do déficit, quando na operação do sistema poderia ser uma função
crescente dessa magnitude, pois, quanto maior o déficit, maior o seu custo marginal14. Provavelmente,
decisões políticas contribuíram para a subestimativa desse valor, pois aumentá-lo significaria
aumentar o despacho das térmicas, o que resultaria em aumento de tarifas que teria que ser
justificado em função de um risco provável. E se, no futuro, esse risco não se concretizasse,
implicaria justificativas adicionais por parte dos administradores e responsáveis pelo sistema.
O despacho das usinas é definido considerando-se o custo marginal das usinas, também conhecido como o
preço do Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE). O custo marginal das usinas termelétricas é o
custo operacional dessas usinas e o custo marginal das usinas hidrelétricas é o custo de oportunidade da
água. O custo de oportunidade da água é calculado considerando os custos marginais do sistema atual e
futuro, dado o nível de energia armazenada atualmente nos reservatórios.
O cálculo do custo de oportunidade da água (também conhecido como o preço-sombra da água) requer
vários dados de entrada essenciais, dentre os quais destacam-se: o crescimento da carga, a expansão do
parque gerador e o custo de déficit. No cálculo do custo de oportunidade da água, os parâmetros
empregados pelo ONS para a expansão do parque gerador e para o custo do déficit eram inapropriados, e
ambos contribuíram para a redução do custo marginal do sistema.
Além disso, a otimização intertemporal realizada para definir o custo de oportunidade da água é
sensível à magnitude e à data de entrada de capacidade de geração adicional. O ONS adotou a data
programada de entrada das usinas, mesmo quando se tornava óbvio que as obras de expansão ou
instalação de novas usinas seriam adiadas ou mesmo não realizadas. A inclusão dessa capacidade
adicional no programa de otimização levava a uma subestimação do risco de déficit futuro e, portanto, a
uma redução do custo de oportunidade da água, o que leva as hidrelétricas a serem despachadas no
lugar de termelétricas de custo operacional maior. O acompanhamento de obras é responsabilidade da
Aneel e exige recursos extensos, além da capacidade desse órgão.
Estes fatores permitem concluir que existia uma falha no uso do pacote computacional NEWAVE
utilizado para orientar o despacho, com estimativas irrealistas do custo de déficit e do andamento da
12
ONS (2000). Operação do Sistema Interligado Nacional: Dados Relevantes de 2000. Rio de Janeiro:
Operador Nacional do Sistema Elétrico.
13
O custo de déficit adotado, de R$684 por megawatt-hora (MWh), equivalia, na época, a
US$540/MWh, que foi o custo explícito de déficit estimado pelo Grupo Coordenador Planejamento
do Sistema (GCPS) a partir da matriz de insumo-produto da economia brasileira do IBGE em 1975.
Desde então o valor não havia sido reajustado apesar da inflação incorrida no período e da
desvalorização do Real. Um baixo valor para o custo de déficit tem o efeito de reduzir o custo de déficits
futuros e, conseqüentemente, de reduzir o custo de oportunidade da água.
14
Em 2001, esse problema foi contornado com a criação das curvas de aversão ao risco que visam
promover o “despacho preventivo de armazenamento” quando os níveis dos reservatórios atingem
patamares demasiadamente baixos.
19
expansão do parque gerador e da rede de transmissão que levou a um maior despacho das usinas
hidroelétricas, em detrimento das termelétricas.
1.2 A crise atual do setor elétrico
Superada a escassez de energia em 2001, o setor apresenta hoje um “excesso de oferta”15, com uma
capacidade momentânea de produção superior à demanda e elevação das tarifas para os consumidores,
que, no entanto, são baixas e freqüentemente insuficientes para remunerar as distribuidoras e geradoras.
As empresas do setor acumulam prejuízo e algumas, sobretudo distribuidoras, enfrentam sérias
dificuldades econômico-financeiras. Mas o principal problema é a falta de perspectivas e a insegurança
sobre o futuro, que prejudica e paralisa novos investimentos e, assim, propicia nova escassez quando o
crescimento do consumo não encontrar correspondência no aumento da oferta.
Percebe-se, portanto, que o final do racionamento não marcou o final da crise do setor elétrico
brasileiro. A crise permaneceu latente e, para alguns agentes, acentuou-se. As causas dessa crise têm
como origem dois problemas básicos: (i) a queda de rentabilidade do setor e (ii) as incertezas sobre o
marco regulatório futuro. Esses dois problemas são analisados a seguir.
1.2.1 A queda de rentabilidade do setor
A queda de rentabilidade do setor decorre de vários fatores: (a) a queda no consumo, (b) o aumento dos
custos associados à crise de suprimento, (c) o nível insatisfatório de reajuste das tarifas e (d) a mudança no
regime cambial.
a) A queda no consumo
O racionamento e demais medidas de contenção do consumo tomadas em 2001 foram muito bem
sucedidos em seus objetivos. O resultado foi um decréscimo de 7,9% do consumo de energia elétrica em
relação ao ano anterior.
Porém, a queda inesperada do consumo é especialmente prejudicial ao setor elétrico porque grande parte
dos custos é fixa. Dessa forma, as empresas de geração e de distribuição defrontam-se com uma
queda na sua receita, enquanto que as suas despesas são reduzidas numa proporção inferior. É
interessante notar, no entanto, que as empresas de transmissão não são afetadas por essas
alterações, pois a sua receita independe do volume do consumo de energia.
15
Há um “excesso de oferta” no sentido que as geradoras estão subcontratadas e expostas aos preços
baixos do Mercado Atacadista de Energia Elétrica, o que proporciona uma receita insuficiente às
geradoras no longo-prazo. Esse “excesso de oferta” não é necessariamente estrutural. As usinas não estão
vertendo água e os reservatórios ainda apresentam ampla capacidade de armazenamento. Apesar dos
reservatórios apresentarem uma recuperação dos seus níveis, a demanda também está crescendo de forma
que não é fácil determinar se se trata de um excesso de oferta estrutural ou conjuntural. Em sistemas
predominantemente hidrelétricos é possível haver tanto períodos de racionamento quanto de sobra de
energia dependendo das condições hidrológicas e flutuações da demanda, sem que haja uma alteração na
estrutura do setor.
20
Consumo de energia elétrica por classe de consumo
30.000
25.000
Outros
GWh/mês
20.000
Residencial
15.000
Comercial
10.000
Industrial
5.000
Industrial
Comercial
Residencial
jan/2003
jan/2002
jan/2001
jan/2000
jan/1999
jan/1998
jan/1997
jan/1996
jan/1995
jan/1994
jan/1993
jan/1992
jan/1991
jan/1990
jan/1989
jan/1988
jan/1987
jan/1986
jan/1985
jan/1984
jan/1983
jan/1982
jan/1981
jan/1980
0
Outros
Fonte: Eletrobrás.
Essa redução forçada da demanda, acompanhada de aumentos de preços finais ao consumidor, alterou o
comportamento da demanda de energia no país. Como pode ser observado no gráfico acima, todas as
classes de consumo colaboraram para a redução da carga. Para acomodar-se ao racionamento, os
consumidores mudaram seus hábitos de consumo de energia, substituíram a energia elétrica por outras
fontes, investiram em equipamentos mais eficientes e adotaram métodos mais eficientes de uso da energia
elétrica. Assim, o racionamento provocou uma redução permanente no consumo. Após o
racionamento o consumo voltou a crescer, mas a partir de um patamar inferior.
A queda do consumo é ainda mais significativa quando comparada com a taxa de crescimento
esperada antes do racionamento, que balizou as decisões de investimentos dos agentes do setor. No
planejamento da operação energética para o ano de 2000, o ONS esperava cargas de 370.767 GWh e
385.974 GWh nos anos 2001 e 2002, respectivamente, 11,8% e 11,1% superiores à carga efetivamente
observada.16 A próxima tabela apresenta a progressão da carga própria desde a década de 1980 e a
previsão da carga para os anos 2000, 2001 e 2002.
Carga Própria do Sistema Interligado Brasileiro
carga efetiva
GWh/ano
16
taxa de
crescimento
efetiva
carga prevista
em 2000
GWh/ano
taxa de
crescimento desvio da carga
efetiva
esperada
1982
139.924
-
-
1983
149.072
6,5%
-
-
-
1984
166.114
11,4%
-
-
-
1985
183.238
10,3%
-
-
-
1986
197.511
7,8%
-
-
-
1987
204.627
3,6%
-
-
-
1988
216.596
5,8%
-
-
-
1989
227.557
5,1%
-
-
-
1990
230.005
1,1%
-
-
-
1991
242.778
5,6%
-
-
-
1992
246.928
1,7%
-
-
-
1993
259.650
5,2%
-
-
-
1994
271.464
4,6%
-
-
-
1995
288.868
6,4%
-
-
-
1996
303.712
5,1%
-
-
-
Parte dessa queda decorre da baixa taxa de crescimento da economia e, principalmente, da estagnação
da indústria.
21
1997
322.038
6,0%
-
-
-
1998
334.176
3,8%
-
-
-
1999
343.238
2,7%
-
-
-
2000
360.169
4,9%
354.579
-
-1,6%
2001
331.614
-7,9%
370.767
4,6%
11,8%
347.495
4,8%
385.974
4,1%
11,1%
2002
17
Fonte: ONS.
Com essa queda permanente no patamar de consumo e condições hidrológicas favoráveis em 2002, o
sistema logo passou de uma situação de racionamento a uma situação de “excesso de oferta” no curto
prazo. Na primeira semana de março de 2002 os preços de energia de curto prazo do MAE já estavam
abaixo dos R$10/MWh e em outubro atingiram o mínimo de R$ 4/MWh.
Nesse contexto de “excesso de oferta” foi realizado, em 19 de setembro de 2002, o primeiro leilão de
contratos de energia do MAE, que iriam substituir a primeira parcela de Contratos Iniciais que venciam no
final do ano de 2002. As geradoras não conseguiram vender toda a sua energia assegurada, o que
ocasionou uma queda de sua receita.
b) O nível insatisfatório de reajuste das tarifas
A rentabilidade das empresas do setor elétrico também foi afetada pela dinâmica de reajuste das tarifas. As
tarifas de fornecimento permitem o repasse dos custos de aquisição de energia elétrica anualmente. As
tarifas de energia elétrica de Itaipu e de alguns contratos bilaterais são indexadas ao dólar ou ao preço
internacional de uma cesta de combustíveis. Com a mudança do regime cambial, esses indexadores
apresentaram flutuações muito grandes e as empresas de distribuição defrontaram-se com perdas
crescentes no período entre os reajustes anuais. Essas perdas deveriam ser recuperadas no reajuste anual
através de uma “conta gráfica” (Conta de Compensação de Valores de Itens da “Parcela A”), mas, em abril
de 2003, o Governo postergou a inclusão integral dessa conta gráfica por doze meses 18. Para ilustrar a
dimensão desses reajustes, a trajetória de vários índices desde julho de 1994 é apresentada no próximo
gráfico.
Taxa de câmbio, inflação e preço do petróleo (julho 1994 = 100)
370
320
270
220
170
120
taxa de câmbio (R$/US$)
IPC-M
IGP-M
petróleo tipo Brent (R$)
jul/02
nov/02
mar/03
jul/01
nov/01
mar/02
jul/00
nov/00
mar/01
jul/99
nov/99
mar/00
jul/98
nov/98
mar/99
jul/97
nov/97
mar/98
jul/96
nov/96
mar/97
jul/95
nov/95
mar/96
jul/94
nov/94
mar/95
70
Fonte: Banco Central, Fundação Getúlio Vargas e International Petroleum Exchange. Elaboração
Tendências.
17
A previsão da carga foi obtida do relatório Planejamento Anual da Operação Energética - Ano 2000 do
ONS.
18
A Portaria Interministerial no. 25/2002 criou a Conta de Compensação de Valores de Itens da “Parcela
A”. O adiamento do repasse do saldo dessa conta de compensação foi determinado na Portaria
Interministerial no. 116/2003.
22
Além disso, a Aneel adotou novos critérios para a definição da base de remuneração e para a
estimação dos custos operacionais das empresas que resultaram em reajustes menores do que o
esperado pela metodologia anterior. A definição da base de remuneração passou a ser feita pela Aneel
utilizando o critério de valor novo de reposição a preço de mercado, enquanto os custos operacionais
passaram a ser definidos com base no custo de uma empresa hipotética com as mesmas características
(“empresa de referência”). Essas mudanças de metodologia de cálculo para a definição das tarifas
resultaram em uma alteração significativa do fluxo de caixa das empresas, contribuindo para o
agravamento da crise financeira das empresas de distribuição.
c) A mudança no regime cambial
Além disso, a mudança de regime cambial também contribuiu para a queda de rentabilidade de muitas das
empresas do setor elétrico. Grande parte das privatizações e investimentos das empresas do setor
elétrico foi realizada no regime cambial de “mini-bandas” (um tipo de crawling-peg). Nesse regime, o
câmbio era administrado sendo mantido dentro de bandas definidas pelo Banco Central. A taxa de câmbio
mantinha uma trajetória previsível, com o real num patamar muito mais valorizado em relação ao hoje
observado. Em janeiro de 1999, o regime de mini-bandas foi abandonado repentinamente e após
uma breve experiência com outro regime administrado foi substituído pelo regime de câmbio
flutuante. Essa alteração afetou as empresas de formas diferentes dependendo do padrão de
financiamento de cada uma. As empresas altamente alavancadas com dívidas denominadas em
moeda estrangeira foram as mais atingidas.
(d) O aumento dos custos associados à crise de suprimento
A queda no consumo não foi a única causa da perda de rentabilidade das empresas do setor elétrico
decorrente da crise de suprimento. Durante o racionamento, as empresas do setor elétrico sofreram uma
forte elevação dos seus custos. O principal fator de elevação de “custos” das empresas durante o
racionamento foi a exposição aos preços do Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE) que, durante o
racionamento, subiu a patamares elevadíssimos, atingindo o preço-teto vigente R$ 684/MWh, como pode
ser visto no próximo gráfico. Pelas Regras do MAE as geradoras hidrelétricas teriam que pagar esse preço
pela energia contratada não suprida às distribuidoras durante o racionamento. O montante devido pelas
geradoras chegou a R$ 18,7 bilhões só em 2001. A maior parte desse montante tratava-se de transferências
entre os agentes e não de custos efetivos.
Preços do MAE – patamar de carga pesada
800,00
700,00
600,00
R$/MWh
500,00
400,00
300,00
200,00
100,00
Sul
Nordeste
Norte
mar-03
jan-03
nov-02
set-02
jul-02
mai-02
mar-02
jan-02
nov-01
set-01
jul-01
mai-01
mar-01
jan-01
nov-00
set-00
0,00
Sudeste/Centro-Oeste
Fonte: MAE.
A maior parte desses “custos”, R$ 14.481 milhões, foi abatida pela devolução de 40% das sobras dos
Contratos Iniciais e/ou contratos equivalentes durante o período pré-racionamento e 100% das sobras no
23
período do racionamento, conforme determinado pelo Acordo Geral do Setor Elétrico19 e a Resolução
Aneel no. 447/2002. Esse abatimento engloba basicamente os encargos que resultam em transferências de
renda entre os agentes. Mesmo assim, a exposição residual das geradoras em 2001 ficou em R$ 2,4
bilhões.20
Existem duas outras fontes de elevação de custos na crise de suprimento: (i) os Encargos de Serviços do
Sistema e (ii) as exposições negativas líquidas em transações intermercados.
Um dos fatores que mais influenciam o nível dos Encargos de Serviços do Sistema (ESS) são os custos
incorridos quando ocorrem alterações no despacho ótimo programado. Quando a geração a partir de uma
usina de custo operacional menor precisa ser substituída pela geração de uma usina mais cara em função
de restrições elétricas, essa usina constrained off é remunerada pela energia que foi impedida de vender no
MAE. Da mesma forma, quando uma usina é obrigada a continuar gerando apesar do preço do MAE ser
menor que o seu preço, a usina constrained on recebe a diferença entre o seu preço e o preço do MAE.
Conforme as Regras de Mercado esses custos são rateados entre todos os agentes do sistema através dos
ESS. As restrições elétricas ocorrem com freqüência maior quando o sistema é operado de forma
atípica, elevando o ESS. Além disso, devido a escassez de energia, o custo marginal das usinas
despachadas para contornar as limitações de transmissão era muito maior do que em anos típicos, o que
inflacionou os ESS.
As exposições líquidas negativas decorrentes de transações intermercados referem-se às diferenças de
preço da energia elétrica de curto prazo em submercados diferentes.21 Quando um agente vende ou
compra energia de um submercado a outro, ele fica exposto à diferença de preço entre os dois
submercados. As transações entre submercados são contabilizadas como uma venda da energia no
submercado exportador e uma compra no submercado importador aos seus respectivos preços. Quando há
restrições na transmissão entre submercados, o preço no mercado exportador cai e o preço no submercado
importador se eleva. Essa é a forma que o sistema utiliza para racionar as transferências de energia entre
submercados quando as transferências líquidas excedem a capacidade de transmissão. Assim como o ESS,
as restrições de transmissão entre submercados ocorrem com maior freqüência quando o sistema é
operado de forma atípica. O excedente financeiro gerado por essa forma de contabilização é rateado
entre as hidrelétricas participantes do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE)22, porém em
condições atípicas a exposição negativa entre submercados pode exceder o excedente financeiro, causando
um encargo adicional.
Custos diversos contabilizados no MAE (em milhões de reais)
2000
2001
2002
Encargos de serviços do sistema não ajustados
113
405
180
Exposição líquida em transações intermercados
-46
4.000
4
800
Exposição negativa em transações intermercados
67
11.000
113
7.000
796
135
18.700
1.700
Total
202
23.105
Fonte: MAE. Relatório de Informações ao Público - Análise Anual 2000, 2001 e 2002.
1.884
Excedente financeiro
Exposição aos preços do MAE
A tabela acima demonstra como cada um desses custos contabilizados pelo MAE se elevaram durante o
racionamento. Em 2000, os custos somaram R$ 202 milhões. Já em 2001 e 2002, com a crise de
suprimento, esses custos saltaram para R$ 23.105 milhões e R$ 1.884 milhões, respectivamente.
19
Estabelecido por meio da Medida Provisória 14 de 21 de dezembro de 2001, posteriormente convertida
na Lei 10.438.
20
Mercado Atacadista de Energia (2001). Relatório de Informações ao Público – Parte IV – Análise
Anual. São Paulo: MAE.
21
O sistema elétrico brasileiro era formado de quatro submercados: Norte, Nordeste, Sudeste/CentroOeste e Sul. O Conselho Nacional de Política Energética ordenou a redução dos quatro submercados para
dois submercados a ser regulado pela Aneel. A Aneel promoveu a Audiência Pública 28/2002 para receber
sugestões e comentários à sua minuta de resolução, mas a redução do número de submercados não chegou
a ser implementada.
22
O Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) foi adotado em 1997 para repartir o risco hidrológico
entre as usinas hidrelétricas. O MRE desvincula a geração efetiva de cada usina hidrelétrica para fins
contábeis. As empresas são atribuídas a sua energia assegurada recebendo mais ou menos somente se a
geração agregada das usinas participantes do MRE for superior ou inferior, respectivamente, à energia
assegurada agregada do sistema.
24
1.2.2 Incertezas sobre o marco regulatório
Um dos fatores que mais acentua a crise é a falta de perspectivas. A maioria das empresas do setor elétrico
está passando por uma situação financeira crítica e sem perspectivas de uma solução para os seus
problemas no curto prazo. Isso decorre da sinalização dada pelo Governo atual de que não continuará
a “revitalização do modelo” iniciada no Governo passado, mas também sem proporcionar
informações mais precisas das mudanças que serão introduzidas.
O Comitê de Gestão do Setor Elétrico, no Governo passado, sinalizava a resolução destas preocupações
através:
•
da implantação de ofertas de preços no mercado de curto prazo do MAE, o que permitiria aos
agentes atuar de forma ativa, refletindo a diversidade de opiniões com relação às previsões de
oferta e demanda e o custo do déficit, valores essenciais na definição do custo de oportunidade da
água;
•
da realização de leilões públicos para a venda de energia de serviço público, o que permitiria o
acesso em condições de igualdade à “energia velha”;
•
do aumento da obrigatoriedade de contratação de 85% para 95% do mercado cativo das
distribuidoras (carga dos consumidores não-livres);
•
da substituição do Valor Normativo por mecanismos de licitações de compra de energia;
•
do realinhamento tarifário e da separação dos serviços de transmissão e distribuição (“fio”) dos
serviços de comercialização (contratação, tarifação e cobrança) e do preço da energia
(“geração”);
•
da desverticalização das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização;
•
da redução dos limites de autocontratação (self-dealing); e
•
de incentivos à geração termelétrica e flexibilização dos requisitos de take-or-pay no suprimento
de gás natural.
Em contraste, o Ministério de Minas e Energia (MME) no atual governo sinalizava, em sua proposta
inicial, uma ruptura com o modelo vigente, com uma intervenção mais profunda do Estado. Como
exemplo dessas propostas iniciais, temos23:
•
o planejamento determinativo da expansão do parque gerador pelo Estado que promoveria
licitações para a construção de novas usinas pelo menor custo;
•
a extinção do MAE;
•
a comercialização da energia elétrica por intermédio de um agente central;
•
tarifas baseadas em um mix de energia “velha” e “nova”;
•
a remuneração das geradoras de serviço público seria através do pagamento de um encargo de
capacidade; e
•
o fortalecimento das empresas estatais.
1.3 A expansão futura do sistema elétrico
No momento existe excesso de oferta de energia no Brasil e provavelmente, para os próximos três anos, a
probabilidade de racionamento é baixa (descartando-se a ocorrência de uma hidrologia muito
desfavorável, cuja possibilidade não pode ser desconsiderada). No entanto, essa é uma situação temporária
e a continuidade na expansão da capacidade do setor elétrico brasileiro é absolutamente imperativa e
imprescindível.
Para isso, devem ocorrer novos investimentos em novas usinas e linhas de transmissão e os
correspondentes investimentos em distribuição. Mais do que qualquer outro setor de infra-estrutura, a
insuficiência de capacidade do setor elétrico não apenas impede o crescimento econômico, mas pode
acarretar verdadeiros desastres econômicos e sociais se houver súbita falta de energia. A
essencialidade do setor e dos investimentos que nele precisam ser realizados não se discute.
23
A proposta do MME para reformulação do setor elétrico está em discussão e sofrendo modificações.
25
Porém, um dos maiores desafios no setor elétrico brasileiro, como nos demais países, é como coordenar a
expansão do sistema. No Brasil existe uma série de externalidades que tornam a coordenação do
investimento e da operação do setor elétrico um desafio excepcionalmente grande, raramente
encontrado em outros países, dada a alta dependência da geração hidrelétrica, o elevado grau de
coordenação requerido para otimizar a geração hidrelétrica de usinas em série num mesmo curso
d’água e de usinas em diferentes bacias com condições hidrológicas distintas e com um passado de
desenvolvimento estatal e centralizado. Além disso, o crescimento no consumo ocorre em taxas mais
elevadas do que nos países desenvolvidos e as oscilações nessas taxas são muito maiores, o que
aumenta a magnitude e probabilidade de variações imprevistas no consumo e, por conseguinte,
torna maior o custo de manter reservas contra essas variações. Por fim, o risco regulatório é muito
maior.
A presença dessas externalidades significa que, no planejamento da ampliação do parque gerador, é
necessário considerar os custos e benefícios para o sistema de cada usina e ampliação da rede de
transmissão.
Existem diferentes tipos de usinas, cada uma apresentando estruturas de custos e riscos diferentes. Dessas
diferenças surgem complementaridades entre as usinas de geração. Por exemplo, usinas com custos
variáveis maiores e custos fixos menores são mais apropriadas para atender a demanda de ponta, enquanto
as usinas de custo total menor, mas custos fixos maiores (e custos variáveis menores) são mais apropriadas
para atender a carga de base (a carga de forma contínua, sem interrupções). Existem complementaridades
entre as usinas hidrelétricas e termelétricas. A instalação de usinas termelétricas permite que as usinas
hidrelétricas sejam despachadas de forma menos conservadora, aumentando o aproveitamento da energia
afluente natural. Quando há poucas termelétricas, as hidrelétricas precisam ser despachadas de forma
conservadora para manter energia armazenada nos reservatórios para períodos de condições hidrológicas
adversas. Na maior parte do tempo as usinas hidrelétricas dispõem de mais energia natural afluente do que
a energia assegurada atribuída a essas usinas. Isso significa que grandes volumes são vertidos (são
liberados dos reservatórios sem gerar energia) quando a capacidade máxima de armazenamento dos
reservatórios é atingida.
Existem externalidades entre as usinas hidrelétricas também. Primeiro, há externalidades entre as usinas
hidrelétricas situadas em série no mesmo curso d’água, pois a operação da usina a montante afeta a
energia afluente que chega à usina a jusante. Segundo, há externalidades entre usinas hidrelétricas em
bacias diferentes, pois o comportamento sazonal e probabilístico da energia afluente natural varia de bacia
a bacia. Assim, o risco de déficit é reduzido quando as usinas são operadas de forma coordenada.
Existem também externalidades decorrentes da operação interligada em redes de transmissão e
distribuição. Limitações da transmissão e contingências podem requerer uma alteração no despacho das
usinas geradoras. Como o caminho da corrente elétrica em sistemas de corrente alternada não pode ser
programado (a corrente elétrica segue o caminho de menor resistência), a operação num lado da rede pode
afetar a operação de outra usina. Isso significa que a expansão do sistema via mercado precisa,
necessariamente, de suficiente infra-estrutura institucional para proporcionar a sinalização de
mercado adequada para internalizar as externalidades. A outra alternativa é administrar o
planejamento de forma centralizada. Existem prós e contras, em ambos os casos.
No entanto, dada a situação financeira do Estado brasileiro e sua incapacidade de realizar investimentos da
mesma forma que no passado24, o importante é definir e implementar um arranjo adequado para o
sistema elétrico brasileiro que atraia investidores privados para garantir a suficiente expansão do
parque gerador em tempo hábil. A condição de “excesso de oferta” atual é uma situação passageira, e se
a instalação das novas usinas de geração e de expansão da rede de transmissão não for retomada em tempo
hábil, o país sofrerá novas restrições de oferta.
A implementação desse arranjo exige:
•
dimensionar as necessidades de expansão do sistema; e
•
entender os incentivos regulatórios necessários para seu desenvolvimento.
Isto será feito nos próximos capítulos.
24
Essa situação será detalhada nos capítulos 4 e 6.
26
Referências
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Paulo: Universidade de São Paulo.
Araújo, J. L. (2001). A Questão do Investimento no Setor Elétrico Brasileiro: Reforma e Crise. Nova
Economia 11(1): 77-96.
Guedes, E. M.; J. M. Camargo e J. Ferrés (2002). Energia: as razões da crise e como sair dela. São
Paulo: Editora Gente.
Kelman, J. (coord.). (2001). Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia
Elétrica. Câmara de Gestão da Crise de Energética: 21 de julho de 2001.
Kelman, J. (2002). Metodologia de cálculo da energia firme de sistemas hidrelétricos levando em
consideração usos múltiplos da água. Brasília: Agência Nacional de Águas.
MAE (2001, 2002 e 2003). Relatório de Informações ao Público Parte IV: Análise Anual 2000, 2001 e
2002. São Paulo: Mercado Atacadista de Energia Elétrica.
ONS (2000). Operação do Sistema Interligado Nacional: Dados Relevantes de 2000. Rio de Janeiro:
Operador Nacional do Sistema Elétrico.
ONS (2000). Planejamento Anual da Operação Energética - Ano 2000.
Nacional do Sistema Elétrico.
Rio de Janeiro: Operador
Pereira, M. (1998). Competition for Contracts in a Hydrothermal System. Course I: Application of
Economic Theory in Power System Analysis. Salvador: VI Symposium of Specialists in Electric
Operation and Expansion Planning (SEPOPE).
Pires, J. C. L.; F. Giambiagi e A. F. Sales (2002). As Perspectivas do Setor Elétrico após o Racionamento.
Revista do BNDES 9 (18): 163-204.
Sauer, I. (2002). Um Novo Modelo para o Setor Elétrico Brasileiro. São Paulo: Instituto de Eletrotécnica e
Energia – Universidade de São Paulo (IEE-USP).
Silva, E. L. e J. M. Campagnolo (2001). Perspectivas e desafios para o mercado de energia elétrica
brasileiro. Revista Nexus: Ciência & Tecnologia: 17 de junho de 2001.
27
Sumário executivo
O Brasil possui abundância de cursos d’água, o
que proporciona ao país uma fonte de energia
elétrica de baixo custo.
A geração hidráulica responde por 95% da
capacidade do parque gerador. Isto torna o
sistema vulnerável à hidrologia. Esta
vulnerabilidade foi equacionada mediante
manutenção de elevados níveis de reservas
mediante aumento da capacidade instalada.
Este cenário foi gradualmente se alterando. O
regime regulatório de remuneração garantida e
tarifas equalizadas em todo o país eliminavam
os incentivos à busca de eficiência produtiva. O
custo incremental para atender o crescimento da
demanda por energia elétrica aumentava à
medida que potenciais hidráulicos menos
rentáveis precisavam ser explorados. Passou a
haver maior resistência da sociedade civil para a
instalação de grandes hidrelétricas. Além disso,
a capacidade de financiamento do Estado foi
diminuída.
Nesse contexto, o setor passou por um amplo
programa de reestruturação, cujo objetivo era
atrair investimentos privados e diversificar a
matriz energética.
O racionamento em 2001
Em 2001, as condições hidrológicas foram
desfavoráveis. Além dessas condições, que
sempre podem afetar um sistema de base
hídrica, a principal explicação para o
racionamento foi o desequilíbrio estrutural entre
oferta e demanda no sistema elétrico.
Nos anos anteriores, a expansão da oferta não
acompanhou a demanda. Os investimentos
anuais em toda a cadeia produtiva do setor
(geração, transmissão e distribuição) caíram de
cerca de US$ 10 bilhões no final dos anos 80
para US$ 3 bilhões em 1999, em um processo
que não foi contínuo. Houve uma queda na
primeira metade da década, uma recuperação a
partir de 1995 e nova queda quando a
privatização ficou paralisada. A falta de
investimentos ocorreu devido:
(i) à lentidão da reestruturação do setor e
incapacidade política de implementar o
novo modelo;
(ii) às indefinições regulatórias que levaram os
agentes a atrasar obras e postergar
investimentos;
(iii) ao risco e incerteza decorrente dessas
indefinições; e
(iv) à definição inapropriada do nível de energia
assegurada
das
hidrelétricas
(as
distribuidoras não precisavam buscar outras
fontes de geração porque sua carga já
estava 100% coberta pelos Contratos
Iniciais).
Sem investimentos adequados e o consumo
crescente, o sistema passou a esgotar os
reservatórios além do limite de risco
recomendável. Falhas nas regras fixadas para a
operação do sistema também contribuíram para
a crise, pois usinas termelétricas existentes não
foram plenamente empregadas durante o
período de esgotamento dos reservatórios.
A atual crise do setor elétrico
Atualmente o setor apresenta um “excesso de
oferta” e elevação das tarifas para os
consumidores. Essas tarifas, no entanto, são
freqüentemente insuficientes para remunerar
distribuidoras e geradoras. As empresas do setor
acumulam prejuízos e algumas enfrentam sérias
dificuldades econômico-financeiras.
A falta de perspectivas e a insegurança sobre o
futuro prejudicam e paralisam novos
investimentos. Pode haver escassez futura
quando o crescimento do consumo não
encontrar correspondência no aumento da
oferta.
Portanto, o final do racionamento não marcou o
final da crise do setor elétrico brasileiro. As
causas dessa crise têm como origem dois
problemas básicos: (i) a queda de rentabilidade
do setor e (ii) as incertezas sobre o marco
regulatório.
A queda da rentabilidade do setor decorre
principalmente:
(i) da queda permanente no patamar de
consumo após o devido ao racionamento de
energia em 2001;
(ii) do reajuste de tarifas que não repassou
integralmente a “conta gráfica”;
(iii) da mudança de critérios para a revisão
periódica das
tarifas promovida pela
Aneel;
(iv) da mudança do regime cambial que, além
de contribuir para o aumento das tarifas
indexadas ao dólar, aumentou o
endividamento das empresas que detinham
passivos em moeda estrangeira.
Poder-se-ia destacar também o aumento dos
custos associados à crise de suprimento
(exposição ao preço do MAE, encargos de
serviços do sistema e exposição líquida em
transações intermercados).
Em relação às incertezas sobre o marco
regulatório futuro, a sinalização do Governo
atual é de que não continuará a “revitalização do
modelo” iniciada no Governo passado, mas sem
definição precisa das mudanças que serão
28
introduzidas. O MME, no atual governo,
sinalizou inicialmente uma ruptura com o
modelo vigente, propondo um modelo com
maior grau de intervenção do Estado, modelo
este que ainda está em discussão e
desenvolvimento.
A expansão futura do sistema elétrico
A presença do Estado como regulador é
necessária, pois a expansão do sistema exige
uma coordenação que permita superar as
dificuldades decorrentes das externalidades
existentes entre as usinas hidrelétricas, e entre
as hidrelétricas e as termelétricas, bem como as
decorrentes da operação interligada das usinas e
das redes de transmissão e distribuição. Isto
significa que no planejamento da ampliação do
parque gerador é necessário considerar os custos
e benefícios para o sistema de cada usina e
ampliação da rede de transmissão considerada.
A condição de “excesso de oferta” atual é
passageira e, se a instalação de novas usinas de
geração e a expansão da rede de transmissão
não forem retomadas em nível adequado e em
tempo hábil, o país sofrerá novas restrições de
oferta.
Dada a situação financeira do Estado e sua
incapacidade de realizar investimentos da
mesma forma que no passado, é importante
definir e implementar um arranjo adequado para
o sistema elétrico brasileiro que atraia
investidores privados. A expansão do sistema
via mercado precisa, necessariamente, de
suficiente infra-estrutura institucional para
proporcionar a sinalização adequada.♦♦
29
2. A ESTRUTURA TARIFÁRIA
Neste capítulo examinamos a estrutura tarifária do setor elétrico brasileiro. Primeiramente, descrevemos a
estrutura tarifária atual (as tarifas de fornecimento atualmente oferecidas e as principais classes de
consumo) e o processo de abertura das tarifas de fornecimento sendo conduzido pela Aneel. Em seguida
comparamos as tarifas de fornecimento vigentes no Brasil com as tarifas praticadas em outros países.
Também avaliamos a trajetória do nível das tarifas ao longo do tempo e decompomos a tarifa para
observar o comportamento dos diversos componentes que formam a tarifa de fornecimento. Finalmente,
analisamos os componentes de custos envolvidos no fornecimento de energia elétrica e a alocação desses
custos entre as diversas classes de consumo, à luz da teoria econômica.
2.1 A estrutura tarifária brasileira
2.1.1 Características gerais
O Brasil introduziu o conceito de tarifas baseadas em custos marginais na década de 1980. As tarifas de
fornecimento hoje vigentes mantêm, com pequenas alterações, a mesma estrutura introduzida naquela
época. Hoje, os consumidores do Grupo A, isto é, os consumidores conectados à rede em alta tensão
(acima ou igual a 2,3 quilovolts) são cobrados por uma de três tarifas: Azul, Verde ou Convencional.
Tarifas de fornecimento
Demanda
Consumo
Grupo A (Acima ou igual a 2,3 kV)
- Azul
Ponta
Ponta estação úmida
Fora Ponta
Fora ponta estação úmida
Ponta estação seca
Fora estação seca
- Verde
Valor único
Ponta estação úmida
Fora ponta estação úmida
Ponta estação seca
Fora estação seca
- Convencional
Valor único
Valor único
Grupo B (Abaixo de 2,3 kV)
- Tarifas cobradas somente pela sua demanda de energia
A tarifa Azul é uma tarifa binômia25 horosazonal. Essa tarifa é composta de dois preços para a demanda
de potência26: (i) ponta e (ii) fora de ponta; e quatro preços para a energia27: (i) ponta na estação úmida,
(ii) fora de ponta na estação úmida, (iii) ponta na estação seca e (iv) fora de ponta na estação seca. A
tarifa Verde também tem quatro preços para a energia, mas somente um preço para a demanda de
potência. A tarifa Convencional é uma tarifa binomial simples tendo apenas um preço para a demanda de
potência e outra pela energia. Consumidores conectados à rede de transmissão ou distribuição em tensões
iguais ou superiores a 69 quilovolts (kV) necessariamente são tarifados pela tarifa Azul. A tarifa Verde é
opcional para os consumidores do Grupo A em tensões abaixo de 69 kV.
As tarifas do Grupo A requerem que os consumidores contratem o nível de demanda de potência. Caso o
consumidor ultrapasse esse nível de demanda de potência contratada, o consumidor precisa pagar uma
tarifa de ultrapassagem sobre a potência adicional.
Já as tarifas do Grupo B, isto é, consumidores em baixa tensão (abaixo de 2,3 quilovolts), são monômias
(são cobradas somente pela sua demanda de energia).
25
Uma tarifa binômia é uma tarifa formada de dois componentes: um componente fixo associado a
demanda máxima requerida e um componente variável associado à quantidade de energia consumida.
26
A demanda de potência refere-se à capacidade requerida para atender um determinado consumidor. A
demanda de potência é a demanda máxima do consumidor num determinado período, medido em kW.
27
A demanda de energia é a quantidade total de energia consumida num determinado período, medido em
kWh.
30
As tarifas também são discriminadas por classe de consumo. As principais classes de consumo são as
seguintes:
Residencial: Endereços residenciais são classificados em três categorias, de acordo com a
localização da propriedade ou o nível sócio-econômico do consumidor. A categoria é
subdividida em Residencial de Baixa Renda, Rural Agropecuária Residencial e Residencial. As
concessionárias utilizam diferentes critérios para eleger quem são os consumidores de baixa
renda, beneficiados com tarifas mais baratas.
Comercial: O comércio tem um papel de destaque no consumo de energia no país. Em doze
meses, de outubro de 1999 até outubro de 2000, o aumento da demanda no segmento comercial
foi de 9,4%. No mesmo período, a média nacional ficou em 4,6%. Este crescimento está
associado ao aumento do setor de serviços na economia.
Industrial: A indústria brasileira foi o primeiro segmento beneficiado com as mudanças no
conceito de consumidor estabelecidas pela Aneel. O alto consumo do parque industrial permitiu
que boa parte das empresas pudesse ser enquadrada na categoria dos consumidores livres, com
direito a escolher seu fornecedor de energia a preços mais competitivos.
Consumidor livre: aquele com demanda igual ou superior a 3 MW, atendidos em tensão de
69.000 volts ou mais. No setor de serviços, os shoppings centers estão entre os consumidores
livres.
Serviço Público: engloba o fornecimento de energia elétrica para motores, máquina e cargas para
a operação da rede pública de abastecimento de água, esgotamento sanitário e saneamento
básico. E também a energia que movimenta trens e metrôs – desde que sejam linhas exploradas
pelos governos estaduais e federal28. Esta classificação utilizada pelas concessionárias de energia
elétrica é subdividida em duas subcategorias; uma delas é tração elétrica e a outra é água,
saneamento básico e esgoto.
As classes de consumo são identificadas pela sua tipologia de carga. As cargas são diferenciadas pela
variação da carga ao longo do tempo (fator carga), o grau de coincidência de pico de demanda (a
diversidade da carga), as ponderações de sábado e domingo etc. Com isso, é possível identificar como a
demanda de cada classe de consumo afeta o sistema como um todo e, conseqüentemente, como devem ser
alocados os custos entre essas classes de consumo. No Brasil, a classe residencial é a classe que apresenta
a maior modulação (diferença entre as demandas de ponta e fora de ponta). As classes comercial e
industrial ligadas na baixa tensão apresentam uma demanda mais plana, representada pelo tipo 4 na
próxima figura.
28
O poder público e a iluminação pública constituem classes tarifárias distintas. As razões para essa
distinção são várias. Por exemplo, a curva de carga da iluminação pública é muito diferente da carga de
motores elétricos utilizados no serviço público.
31
Tipologia de carga de cinco classes de consumo de baixa tensão
Fonte: DNAEE (1985).
Os investimentos necessários para acomodar o padrão de carga de cada classe de consumo são
considerados na definição da tarifa de cada classe de consumo. A próxima tabela apresenta a tarifa média
de cada classe de consumo nas quatro regiões. Note que a classe iluminação pública apresenta um preço
menor do que a residencial apesar de ambas serem ligadas em baixa tensão. Isto se justifica pela
constância da carga da iluminação pública e pelo fato de grande parte da demanda dessa classe ser no
período fora de ponta, o que se traduz em custos menores para o sistema.
32
Tarifas médias por classe de consumo (R$/MWh) – fevereiro 2003
Classe de Consumo
Norte
Nordeste
Sudeste
Residencial
Industrial
Comercial
Rural
Poder Público
Iluminação Pública
Serviço Público
Consumo Próprio
200,93
69,19
186,28
143,82
200,75
118,14
120,88
196,19
173,37
77,6
167,76
105,27
177,67
105,34
99,14
171,21
244,39
109,17
207,11
136,84
203,23
128,89
113,17
94,84
222,33
108,27
190,72
111,38
190,74
117,37
119,68
87,54
Sul Centro-Oeste
207,12
107,62
189,04
136,69
190,59
112,24
106,71
202,01
224,65
100,28
196,62
120,42
194,66
120,09
111,41
106,91
Brasil
Tarifa Média Total
Fonte: Aneel.
121,19
167,81
153,68
126,25
165,91
154,85
A Aneel está conduzindo um processo de abertura das tarifas de fornecimento, separando cada um dos
seus componentes. Essa iniciativa visa promover a concorrência na comercialização de energia elétrica.
Para isso, as tarifas de fornecimento estão sendo substituídas por cinco novas tarifas:
•
a tarifa de energia (TE),
•
a tarifa de conexão à rede de transmissão,
•
a tarifa de uso do sistema de transmissão (TUST),
•
a tarifa de conexão à rede de distribuição,
•
a tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD).
Com isso, os consumidores livres poderão comparar o preço da energia de sua concessionária de
distribuição com a de outras comercializadoras de energia mais facilmente, assim como impedir que as
concessionárias de distribuição prejudiquem as comercializadoras, que dependem de seus serviços de
distribuição, ou os seus consumidores cativos. A definição correta do valor do TUSD é essencial para a
neutralidade na comercialização livre da energia. Se a TUSD estiver superestimada, os comercializadores
serão prejudicados. Se a TUSD estiver subestimada a concessionária de distribuição será prejudicada.
2.1.2 As tarifas de transmissão e distribuição
A tarifa de uso da transmissão é composta de dois componentes: “selo” e “nodal”. O componente selo é
um simples rateio de uma parcela do custo do sistema de transmissão (rede básica). A denominação selo
decorre do fato que a tarifa é a mesma independentemente da localização dos agentes que utilizam a rede
de transmissão. O componente nodal, por outro lado, é diferenciado para cada nó (subestação) da rede de
transmissão. O preço em cada nó é calculado considerando a carga retirada e geração injetada em cada nó
do sistema e a impedância (resistência) entre cada um dos nós. Assim, a tarifa de geração é menor quanto
maior for a carga do nó ou próximo do nó em que é conectada a usina de geração e vice-versa. Essa tarifa
proporciona os incentivos locacionais para que os grandes consumidores e investidores em usinas de
geração não dependentes de locais específicos se conectem na rede, de forma a minimizar os
investimentos requeridos de ampliação e reforço da rede de transmissão. Atualmente, 80% da tarifa é
baseada no componente selo e 20% do componente nodal. O componente nodal deveria ter seu peso
aumentado na definição da tarifa para proporcionar melhores incentivos para a localização de novas
cargas ou usinas de geração no sistema. O componente nodal é pouco estável, sendo alterado pela forma
que o sistema é operado e pela sua configuração. Novas formas de estabilizar esse componente da tarifa
deveriam ser exploradas como, por exemplo, adotar a média móvel do componente nodal ou estabelecer
limites de ajuste do componente nodal em cada período.
A tarifa de uso da distribuição ainda está em processo de implementação. Conforme a Resolução Aneel no
286/99, o cálculo da TUSD para os consumidores conectados à rede de distribuição em tensões iguais ou
superiores a 69 kV também deverá empregar a metodologia nodal. Para os consumidores conectados às
redes de distribuição em tensões inferiores a 69 kV, a TUSD poderá ser definida a partir do custo
incremental médio das concessionárias de distribuição. Os consumidores em baixa tensão são menos
propensos a alterar a sua localização em decorrência dos custos de distribuição; portanto não é
compensador o custo de adotar a metodologia nodal para definir as suas tarifas. Nesses níveis de tensão
os investimentos requeridos são de porte menor, não envolvendo os saltos associados às ampliações da
rede de transmissão. Portanto, uma extrapolação da média histórica proporciona uma boa indicação dos
custos marginais associados à ampliação da rede de distribuição.
33
As tarifas de conexão, tanto à rede de transmissão como à de distribuição, são definidas utilizando uma
definição “rasa”, isto é, atribuindo ao consumidor somente os custos associados às instalações requeridas
exclusivamente para o seu atendimento. Os custos relativos aos reforços da rede utilizados por todos, mas
que são requeridos para atender o novo consumidor, são recuperados através da TUSD.
As perdas técnicas associadas à perda decorrente da resistência na transmissão e distribuição de
eletricidade são repartidas ex-post entre os consumidores na mesma proporção das perdas medidas entre o
seu nó e o “centro de gravidade” do submercado, isto é, o ponto de referência teórico no qual a oferta e
demanda agregadas da rede estão em equilíbrio.
2.2 Análise comparativa da estrutura tarifária brasileira
Uma avaliação completa da estrutura tarifária ultrapassa os objetivos desse trabalho. Para isso seria
necessário uma estimação dos custos marginais do sistema elétrico brasileiro, mensuração dos padrões de
consumo etc. Podemos, no entanto, obter uma idéia de quão adequada é a estrutura tarifária brasileira
comparando-a com as tarifas vigentes em outros países.
2.2.1 Tarifas industriais e residenciais no Brasil e no mundo
O Brasil apresenta-se significativamente melhor colocado por tarifas industriais do que pelas residenciais.
Uma comparação das tarifas residenciais e industriais no Brasil com uma amostra de países
membros da OECD, por exemplo, sugere que as tarifas brasileiras, como um todo, são
relativamente baixas, mas que as tarifas residenciais são caras em relação às tarifas industriais29.
Como o principal componente da tarifa de fornecimento é o custo de geração, cada país deveria obter
aproximadamente a mesma colocação nas classificações pelas tarifas residenciais e por tarifas industriais.
Porém, o fato de no Brasil haver menor densidade e menor consumo per capita implica maiores custos
relativos de transmissão e distribuição para o segmento residencial, o que pode explicar em parte essa
diferença de colocação.
29
Consideramos dados de 2000, pois para esse ano foi possível obter um maior e mais representativo
número de países. Dados mais recentes são disponíveis para poucos países apenas.
34
Comparação de tarifas médias por classe
de consumo de países membros da OECD - 2000
Holanda
Nova Zelândia
Polonia
EUA
Brasil
República Checa
Finlândia
Irlanda
México
México
Dinamarca
Polonia
França
Hungria
Hungria
Finlândia
Grécia
Coréia
Chile
Suíça
Reino Unido
Brasil
República Checa
Turquia
Espanha
Grécia
Alemanha
Chile
Nova Zelândia
Reino Unido
Portugal
Portugal
Coréia
França
Argentina
Holanda
EUA
Itália
Turquia
Argentina
Itália
Espanha
Irlanda
Alemanha
Suíça
Dinamarca
Japão
Japão
0
50
100
150
Tarifa industrial (US$/MWh)
200
0
50
100
150
200
250
Tarifa residencial (US$/MWh)
Fontes: CTEM-CCPE / Eletrobras e OECD.
Realizando a mesma comparação com países da América Latina, e incluindo também a classe comercial,
chega-se à mesma conclusão: as tarifas residenciais e comerciais brasileiras estão caras relativamente às
tarifas industriais.
35
Comparação de tarifas médias por classe de consumo na América Latina - 2002
ARGENTINA
TRINIDAD Y TOBAGO
TRINIDAD Y TOBAGO
TRINIDAD Y TOBAGO
ARGENTINA
ARGENTINA
VENEZUELA
PARAGUAY
PARAGUAY
PARAGUAY
GUATEMALA
VENEZUELA
BRASIL
PERU
BOLIVIA
BOLIVIA
COLOMBIA
GUYANA
CHILE
BRASIL
COSTA RICA
URUGUAY
CHILE
HONDURAS
HONDURAS
VENEZUELA
MEXICO
PERU
REP. DOMINICANA
COLOMBIA
GUATEMALA
COLOMBIA
ECUADOR
GUATEMALA
GUYANA
CHILE
COSTA RICA
BOLIVIA
REP. DOMINICANA
CUBA
COSTA RICA
ECUADOR
GUYANA
URUGUAY
BRASIL
ECUADOR
CUBA
HAITI
REP. DOMINICANA
HONDURAS
PERU
PANAMA
PANAMA
URUGUAY
JAMAICA
JAMAICA
NICARAGUA
NICARAGUA
MEXICO
PANAMA
HAITI
EL SALVADOR
EL SALVADOR
SURINAME
HAITI
CUBA
EL SALVADOR
NICARAGUA
JAMAICA
MEXICO
SURINAME
SURINAME
GRENADA
BARBADOS
BARBADOS
BARBADOS
GRENADA
GRENADA
0
50
100
150
200
250
0
tarifa industrial (US$/MWh)
50
100
150
200
0
250
50
100
150
200
250
tarifa residencial (US$/MWh)
tarifa comercial (US$/MWh)
Fonte: OLADE.
Parte da diferença entre as tarifas residencial, comercial e industrial se explica pelo fato de que a indústria
(e, de forma menos contundente, o comércio) apresenta custos de transmissão, distribuição e
comercialização menores que a classe residencial. Essa redução de custos decorre do fato de que as
classes industrial e comercial apresentam uma proporção maior de grandes consumidores. Os custos de
tarifação e cobrança de grandes consumidores tendem a ser menores do que de pequenos consumidores.
Grandes consumidores também são conectados diretamente à rede de transmissão ou à rede de
distribuição em níveis de tensão mais elevados, dispensando os custos associados às subestações,
transformadores e linhas de distribuição em tensão mais baixa. Isto justifica parte do diferencial das
tarifas entre as classes de consumo, como pode ser visto na próxima tabela, que discrimina as tarifas por
nível de tensão.
Tarifa média de fornecimento – 2000
classe/
grupo
consumo em
GWh
tarifa média (R$/MWh)
sem ICMS
com ICMS
80.739
159,70
205,41
Industrial
107.347
74,79
92,62
Comercial
46.235
136,27
173,79
Demais
40.987
89,26
104,58
133.649
148,80
188,31
1.925
124,23
161,79
71.583
96,35
120,20
3.513
87,83
112,12
8.900
61,19
74,36
47.842
54,36
67,41
7.896
51,17
61,46
TOTAL
275.308
Fonte: ABRADEE.
112,17
141,11
Residencial
B
AS
A4
A3a
A3
A2
A1
Essa estrutura tarifária faz sentido no contexto tradicional, no qual a maior parte da energia elétrica
advém de grandes usinas geradoras distantes dos centros de consumo. No entanto, no futuro, essa
36
estrutura tarifária terá que ser revista se a participação da “geração distribuída”, isto é, de pequenas usinas
de geração interligadas diretamente às redes de distribuição, passar a ser significativa. Nesse caso, a
estrutura tarifária atualmente determinada de “cima para baixo”30 possivelmente terá que ser revista, pois
a energia elétrica consumida pelos consumidores em baixa tensão não virá necessariamente das usinas
interligadas às redes de transmissão e sim, localmente, de usinas conectadas diretamente na rede de
distribuição e, possivelmente, em tensões mais baixas.
O sistema elétrico brasileiro apresenta uma rede de transmissão muito extensa relativamente aos sistemas
de outros países. A magnitude da rede de transmissão dos Estados Unidos, por exemplo, em 1999,
somando-se os três sistemas elétricos dos Estados Unidos (Eastern, Western and Texas Interconnect), era
de 248.595 quilômetros de linhas em tensões iguais ou superiores a 230 kV para atender um consumo
anual de 3.495 terawatts-hora (TWh). Isso corresponde a uma razão de 71,1 quilômetros por terawattshora (km/TWh) consumido anualmente. Em contraste, o sistema elétrico brasileiro detinha 66.954
quilômetros de linhas de transmissão para atender um consumo anual de 344 TWh, o que corresponde a
uma razão de 194,6 km/TWh. Isso significa que a extensão da rede de transmissão brasileira corresponde
quase ao triplo da rede de transmissão dos Estados Unidos, normalizada pelo volume de energia
consumido. Conseqüentemente, a participação dos custos de transmissão na tarifa de fornecimento do
Brasil é maior do que no sistema elétrico dos EUA.
Extensão da rede de transmissão do Brasil e dos EUA – 1999
nível de tensão (kV)
quilômetros de linhas
Brasil
EUA
230
32.278
123.510
345-440
15.073
79.243
500
15.877
41.895
3.726
3.947
66.954
248.595
600-765
TOTAL
Fonte: ONS e EUA/ Department of Energy.
A longa extensão da rede de transmissão do sistema elétrico brasileiro decorre primordialmente do fato de
que a maior parte da geração advém de hidrelétricas distantes dos centros de consumo. Em contraste,
sistemas de predominância termelétrica, como o dos Estados Unidos, tendem a localizar as suas usinas
mais próximas dos centros de carga, reduzindo a extensão das redes de transmissão requeridas.
Configuração do parque gerador do Brasil e dos EUA - 2001
Brasil
EUA
Capacidade
Participação
(GW)
(%)
Capacidade
Participação
(GW)
(%)
Térmelétricas
6.814
9,3%
Hidrelétricas
61.900
84,3%
98.881
12,2%
Usinas Nucleares
1.966
2,7%
97.860
12,0%
Outros
2.754
3,8%
16.103
2,0%
Total
73.434
Fonte: EUA/Department of Energy (janeiro de 2001).
599.823
73,8%
812.667
Mesmo considerando esses fatores, a avaliação da Aneel é de que há de fato um subsídio cruzado
entre as tarifas residenciais, comerciais e industriais. No processo de abertura das tarifas, a Aneel
constatou que a tarifa de energia da classe industrial era menor do que a da classe residencial e
estabeleceu um cronograma de cinco anos para realinhar as tarifas, de forma a eliminar o subsídio.
Conforme os estudos da Aneel a tarifa média dos consumidores em baixa tensão deveria ser 8% menor e
as tarifas em alta tensão deveriam ser elevadas em até 75,2%.31
30
Na construção de “cima para baixo” os consumidores pagam pelos custos de transmissão e distribuição
nas tensões maiores ou iguais à tensão em que estão conectados à rede, não arcando com os custos das
redes em tensões menores.
31
Nota Técnica no 083/2003/SER/SRD/Aneel.
37
Tarifas com realinhamento
TARIFA
TARIFA
ATUAL
total
Demanda de ponta (R$/kW)
REALINHADA
fio
Realinhamento
energia
16,02
7,99
7,99
0
-50,1%
3,35
1,20
1,2
0
-64,2%
Energia de ponta – estação seca (R$/MWh)
91,18
105,78
20,2
85,58
16,0%
Energia fora de ponta - estação seca (R$/MWh)
64,52
97,30
11,72
85,58
50,8%
Energia de ponta – estação úmida (R$/MWh)
79,73
103,63
18,04
85,59
30,0%
Energia fora de ponta - estação úmida (R$/MWh)
54,81
96,05
10,47
85,58
75,2%
262,45
241,44
155,86
85,58
-8,0%
Demanda fora de ponta (R$/kW)
Baixa tensão (R$/MWh)
Fonte: Nota Técnica no 083/2003/SER/SRD/Aneel.
2.2.2 Renda per capita e tarifas residenciais no Brasil e no mundo
As tarifas de fornecimento brasileiras são relativamente baixas se comparadas às vigentes em outros
países. Parte da explicação para essa baixa tarifa é a dotação de recursos naturais. O Brasil dispõe de
muitos potenciais hidráulicos e de baixa densidade demográfica, o que torna muito econômica a
exploração de geração de eletricidade a partir de usinas hidrelétricas. Essa dotação é uma vantagem
comparativa do Brasil.
Entretanto, apesar da tarifa de energia elétrica no Brasil ser baixa em termos absolutos, se comparada à de
outros países, levando em consideração o nível do produto per capita dos países envolvidos, a diferença é
bem menos significativa. O ponto importante a ser destacado é que, ao se desenvolverem, a demanda por
energia aumenta, obrigando os países a explorar fontes cada vez mais caras de energia. Portanto, países
com renda per capita menor tendem a ter custos de energia menores que países com renda per capita
mais elevada. O próximo gráfico mostra esta relação com clareza, evidenciando a relação positiva entre o
grau de desenvolvimento econômico do país (medido pela renda per capita) e o nível das tarifas de
fornecimento.
Tarifas residenciais e PIB per capita: comparação entre países da OECD - 1998
DINA M A RCA
225
JA PÃ O
Á USTRIA
200
BÉLGICA
tarifa residencial (US$/MWh)
A LEM A NHA
ITÁ LIA
175
PORTUGA L
ESPA NHA
150
SUÍÇA
FRA NÇA
HOLA NDA
125
IRLA NDA
REINO UNIDO
100
BRA SIL
GRÉCIA
75
B R A S IL
FINLÂ NDIA
ESTA DOS UNIDOS
TURQUIA
50
NOV A ZELÂ NDIA
HUNGRIA
25
COREIA
0
10.000
20.000
renda per capita (US$)
30.000
40.000
POLÔNIA
M ÉX ICO
REPÚBLICA TCHECA
Fonte: OECD e Banco Mundial. Elaboração: Tendências.
Desse ponto de vista, a tarifa média de fornecimento residencial brasileira, ainda que continue
abaixo da tendência mundial, não se sobressai. O baixo nível da tarifa de fornecimento brasileiro é
compatível com a baixa renda per capita do país. É claro que somente se obterá uma visão clara da
dimensão da dotação de recursos energéticos brasileiros à medida que o custo das fontes energéticas
remanescentes tornar-se conhecido.
38
2.3 A evolução da tarifa de fornecimento e sua composição
Desde início do processo de privatização do setor, a tarifa média de fornecimento de energia elétrica
sofreu significativa elevação. Entre 1995 e 2002, a tarifa média (receita por megawatt-hora) aumentou
140,1% e a tarifa residencial aumentou 175,0% em termos nominais. Em termos reais, deflacionando pelo
IGP-M, a tarifa média aumentou 20,7% nesse período32.
Tarifa de fornecimento média no Brasil
250
R$/MWh
200
150
100
50
0
1995
1996
1997
1998
média
1999
2000
2001
2002
2003
residencial
Fonte: Aneel.
O consumidor geralmente associa a tarifa de fornecimento ao custo de sua concessionária de distribuição
local. A conjunção desses sucessivos aumentos da tarifa de fornecimento, a percepção de que a
tarifa de fornecimento destina-se unicamente às distribuidoras e a crise financeira das
distribuidoras tem causado perplexidade a muitos consumidores. Um artigo do Instituto de Defesa do
Consumidor (IDEC) reflete essa perplexidade:
“Desde 1995, quando foi iniciado o processo de privatização do setor elétrico, os consumidores
vêm sofrendo sucessivos aumentos das tarifas. ...Parece incrível, mas apesar de todos esses
aumentos terem acontecido, dentro das atuais circunstâncias, a tendência para as tarifas
residenciais é de alta. ...Apesar desses recursos, carreados dos consumidores e da sociedade
para as concessionárias de energia elétrica, as distribuidoras continuam afirmando que não têm
como investir, pois, ao invés de lucros, registram prejuízos.”33
Há dois fatores que explicam esse aparente paradoxo.
O primeiro é que a elevação da tarifa de fornecimento decorreu, em parte, da necessidade de
recompor o valor real das tarifas ao seu nível histórico. Como se pode observar no próximo gráfico, a
tarifa média de todas as classes de consumo sofreu uma redução nominal, em dólares por megawatt-hora,
entre os anos de 1981 e 1986. Essa queda no valor real decorreu de uma prática de reajustes abaixo do
nível da inflação, sobretudo no caso das tarifas residenciais. A partir de 1987 as tarifas apresentaram uma
recuperação e, gradativamente, as tarifas residenciais foram elevadas em relação às demais classes de
consumo, até atingir um patamar superior às demais em 1996, sendo que a diferença entre a tarifa
industrial e as tarifas residencial e comercial foi ampliada na década de 1990.
32
33
Computado a partir das tarifas médias reportadas pela Aneel
IDEC (2002). “Energia Elétrica: As tarifas estão baixas?”.
39
Trajetória das tarifas médias por classe de consumo
120,00
100,00
US$/MWh
80,00
60,00
40,00
20,00
19
74
19
76
19
78
19
80
19
82
19
84
19
86
19
88
19
90
19
92
19
94
19
96
19
98
20
00
-
residencial
industrial
comercial
Fonte: Eletrobras.
A partir do final dos anos oitenta, duas mudanças importantes ocorreram no processo de reajuste de tarifa.
Primeiro, a tendência à queda do valor em dólares foi revertida. Segundo, ao contrário do que ocorreu no
período anterior, as tarifas residenciais passaram a ter reajustes maiores que as tarifas comerciais e estas,
acima das industriais. Como resultado, a tendência à convergência das tarifas dos três segmentos do
mercado foi revertida a partir de 1986 e, a partir de 1996, as tarifas residenciais passaram a ser as mais
elevadas dos três segmentos.
O segundo fator que explica o aparente paradoxo é que a maior parte da tarifa de fornecimento não
fica com a distribuidora, sendo composta de custos dos segmentos à montante da distribuição, como
demonstra a próxima tabela.
Composição da tarifa de fornecimento - 2003
R$ bilhões
Participação
32,1
47,8%
Geração
Transmissão
3,1
4,6%
Distribuição e Comercialização
12
17,9%
Tributos
TOTAL
Fonte: ABRADEE
19,9
29,7%
67,1
100,0%
A maior parte desse aumento das tarifas está relacionada ao aumento do componente de custos não
gerenciáveis das distribuidoras, a chamada Parcela A. Para se ter uma noção da evolução destes dois
componentes computamos a evolução da Parcela A a partir dos dados disponibilizados pela Aneel na
Revisão Tarifária Periódica.34 Este componente teve um aumento real, corrigido pelo IGP-M, de 15,4%
entre 1997 e 2002 para a nossa amostra de nove empresas. O aumento nominal foi de 70,1%, enquanto o
IGP-M foi de 47,4% no período. Considerando o período mais recente de 1999 a 2002 para o conjunto de
13 distribuidoras de nossa amostra, a Parcela A apresentou um aumento real de 11,2% (38,1% em termos
nominais).
34
Os dados utilizados consistem nas informações de um grupo de 13 empresas que passaram pelo
processo de reposicionamento tarifário até o momento quando esse documento foi elaborado. As 13
empresas são: AES-Sul, Celpa**, Cemat, Cemig, Coelba, Coelce*, Cosern, CPFL, Elektro**,
Eletropaulo*, Energipe, Enersul e RGE. As empresas demarcadas com um asterisco detém informações
somente a partir de 1998 e das empresas marcadas com dois asteriscos somente a partir de 1999, as
demais desde 1997.
40
A Parcela A é composta pela evolução dos custos que independem de decisões das distribuidoras,
chamados custos não-gerenciáveis, referente, sobretudo, à compra de energia elétrica das geradoras.
Compreendem, no conjunto, os seguintes custos: (i) energia comprada para revenda convencional e de
Itaipu; (ii) Conta Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC); (iii) Quota da Reserva Global de Reversão
(RGR); (iv) Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica (TFSEE); (v) Compensação Financeira
pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH); (vi) Encargos pelo uso da rede básica (transmissão);
(vii) Transporte de Itaipu; e (viii) Encargos de conexão do sistema de transmissão.
A próxima tabela mostra a composição desses encargos para as 13 empresas consideradas na nossa
amostra. Os itens mais significativos na composição da Parcela A são os contratos de energia (Contratos
Bilaterais, Contratos Iniciais, Energia Própria e Itaipu) compondo 75,3% da Parcela A e os custos de
transmissão (Conexão, Rede Básica, Transmissão Nodal, Montantes de Uso do Sistema de Transmissão
(MUST) dos Contratos Iniciais, Transporte de Itaipu, MUST de Itaipu) compondo 13,0% da Parcela A.
Destaca-se ainda a Conta de Consumo de Combustíveis que compõe 6,0% da Parcela A e a Conta de
Desenvolvimento Energético que compõe 3,3% da Parcela A.
Composição da Parcela A - 2003
R$
Compensação Financeira
Participação
560.532
0,0%
Conexão
310.685.645
1,9%
Conta de Consumo de Combustíveis – CCC
993.038.131
6,0%
Conta de Desenvolvimento Energético – CDE
542.013.863
3,3%
Contrato de Uso do Sistema de Distribuição - CUSD
Contribuição Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos – CFURH
MUST dos Contratos Iniciais
Operador Nacional do Sistema – ONS
Rede Básica
37.106.269
0,2%
535.621
0,0%
127.088.434
0,8%
1.438.286
0,0%
1.508.835.615
9,1%
316.079.522
1,9%
Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica – TFSEE
52.983.057
0,3%
Transmissão NODAL
40.675.381
0,2%
Transporte de Itaipu
155.867.904
0,9%
Reserva Global de Reversão – RGR
MUST de Itaipu
17.163.982
0,1%
Contratos Bilaterais
2.281.306.280
13,7%
Contratos Iniciais
5.097.005.197
30,7%
ENERGIA A CONTRATAR
GERAÇÃO PRÓPRIA
ITAIPU
Total
Fonte: Aneel (amostra de 13 empresas).
88.342.697
0,5%
1.194.505.656
7,2%
3.857.607.714
23,2%
16.622.839.786
100,0%
Já os custos de distribuição e comercialização, ou seja, os custos gerenciáveis das distribuidoras,
denominados de Parcela B, tiveram uma redução real de 24,5% (aumento nominal de 11,3%) para o
subconjunto de nove empresas da nossa amostra que operaram entre 1997 e 2002. O conjunto total de 13
empresas da nossa amostra apresentou uma redução real da Parcela B de 33,7% (redução nominal de
17,7%) entre 1999 e 2002. A Parcela B corresponde aos custos que dependem essencialmente da eficácia
da gestão empresarial das distribuidoras, chamados custos gerenciáveis, a saber: (i) pessoal, (ii) materiais,
(iii) serviços de terceiros, (iv) outras despesas e (v) remuneração.
Utilizando dados da Aneel referentes à revisão tarifária de 13 distribuidoras, a participação apenas
da Parcela A na receita total de fornecimento cresceu um terço nos últimos quatro anos, passando
de 46,3% em 1998 para 62% em 2002, conforme visto no próximo gráfico. Para algumas empresas,
como a Elektro e a Eletropaulo, essa participação chega a 75%, como detalhado no Anexo I deste capítulo
(que apresenta os dados da Aneel e a metodologia de agregação utilizada nos cálculos).
41
Evolução da participação das Parcelas A e B
nas receitas de fornecimento das distribuidoras
100%
80%
60%
40%
20%
0%
1998
1999
2000
Parcela A
2001
2002
Parcela B
Fonte: Aneel. Elaboração: Tendências.
Esse descompasso entre as Parcelas A e B da tarifa de fornecimento decorre principalmente do
incremento do custo da geração e transmissão.
A Parcela A é composta basicamente dos custos de geração e transmissão. Os três componentes
referentes à geração são: energia comprada convencional, Itaipu e Conta de Consumo de Combustíveis
(CCC). Esses componentes se elevaram em parte pela alta do custo internacional dos derivados do
petróleo, pela desvalorização cambial que elevou a tarifa de energia de Itaipu (que é indexada ao
dólar) e pelo início do processo de migração de um regime de preços baseados no custo médio de
geração para um regime de custos marginais, iniciado no governo passado.
Na geração destaca-se a elevação dos custos da energia de Itaipu. Dado que Itaipu é um empreendimento
binacional e possui uma elevada proporção de dívidas em moeda estrangeira, a sua tarifa é indexada ao
dólar. Com a forte desvalorização do real nos últimos anos, a tarifa de suprimento de Itaipu sofreu um
aumento muito superior à inflação, como pode ser visto no próximo gráfico. Essa elevação tem um peso
muito elevado sobre as tarifas de fornecimento das distribuidoras regiões Sul e Sudeste, pois Itaipu
responde por 28% do fornecimento dos sistemas Sul, Sudeste e Centro-Oeste (em 2002). Destaca-se ainda
que a compra da energia de Itaipu é mandatória. No caso das cinco empresas consideradas na nossa
amostra, o custo da energia de Itaipu aumentou 33,7% entre 1998 e 2002 em termos reais (corrigidos pelo
IGP-M).
O custo da energia de Itaipu e a inflação (índice 1998=100)
260
240
220
200
180
160
140
120
100
1998
1999
Itaipu - DRP
2000
2001
2002
IGP-M
Fonte: ABRADEE (Amostra de cinco empresas: AES-Sul, Cerj, CPFL, Enersul e Light).
Os custos referentes à transmissão também contribuíram mais do que proporcionalmente para a
elevação da tarifa de fornecimento. Os dois principais componentes dos custos de transmissão são a
42
tarifa de uso do sistema de transmissão (rede básica) e os encargos de conexão ao sistema de transmissão.
A elevação dos custos de transmissão decorre dos investimentos maciços na expansão e reforço da malha
de transmissão nos últimos anos35.
O aumento real da Parcela A em relação à redução real da Parcela B tem efeitos importantes sobre a
distribuição dos ganhos no setor. A Parcela A corresponde aos custos não gerenciáveis pelas empresas
distribuidoras e está, em grande parte, relacionada ao pagamento por aumentos dos custos de geração e
transmissão. Como 70% da geração e 90% da transmissão continuam em mãos do Estado (Furnas,
Itaipu, Chesf, Eletronorte etc.), este aumento das tarifas correspondente à Parcela A foi, na
verdade, em grande parte apropriado por empresas estatais36.
Por outro lado, a Parcela B cobre os custos gerenciáveis e a remuneração das distribuidoras, que
foram em grande parte privatizadas ao longo deste período. Esta parcela das tarifas sofreu uma
redução em termos reais de 24,5% ao longo dos últimos seis anos. Portanto, o processo de reajuste
das tarifas de energia elétrica ao longo destes últimos anos significou que a remuneração real das
distribuidoras se reduziu. Isto equivale dizer que o custo decorrente do aumento real das tarifas foi
pago pelos consumidores em geral, residencial, comercial e industrial, e foi primordialmente
apropriado pelas empresas geradoras e pelas empresas transmissoras, em sua maioria estatais, e
pelo governo via tributos, que também aumentaram no período.
2.4 A tarifa de fornecimento e os tributos
Um componente adicional que explica uma parte muito importante das tarifas de fornecimento de energia
no Brasil é representado pelos impostos. Além do ICMS, que aparece explicitamente na conta do
consumidor, deve-se acrescentar o PIS/PASEP e a COFINS. Além destes tributos, incide também sobre a
geração hidroelétrica a compensação financeira pela utilização dos recursos hídricos e a taxa de uso de
bem público.
Esses tributos coletados nos primeiros elos da cadeia produtiva são ineficientes (com a exceção da
taxa de uso de bem público, que extrai a renda inframarginal das usinas) pois levam os agentes a
empregar menos energia elétrica do que seria socialmente ótimo. Essa redução do consumo
decorrente dos impostos resulta em um peso morto, diminuindo o bem-estar da sociedade. Além disso, a
incidência desses tributos sobre os segmentos de transmissão e distribuição amplia o diferencial entre as
tarifas de alta e baixa tensão.
O próximo gráfico ilustra o efeito de um tributo sobre o bem-estar social. Um imposto de magnitude t
tem o efeito de deslocar a curva de oferta para a esquerda, de O para O+t. A tributação tem o efeito de
elevar o preço de equilíbrio de p0 para pt, enquanto a quantidade comercializada reduz-se de q0 para qt. O
tributo causa uma perda de excedente do consumidor igual a área A+B e uma perda do excedente do
produtor igual a área C+D. A receita obtida com o tributo é representada pela área A+C. A área B+D
corresponde à perda de bem-estar da sociedade como um todo, decorrente da tributação.
35
Desde a criação da Aneel em dezembro de 1997 até o final de 2002, foram licitados e contratados 7.826
quilômetros de linhas de transmissão, somando cerca de R$ 4,1 bilhões em investimentos.
36
Participações privada e estatal da geração e transmissão conforme levantamento do Banco
Interamericano de Desenvolvimento.
43
O efeito da tributação sobre o bem-estar social
P
O+t
O
t
pt
p0
A
B
C
D
t
D
qt
q0
Q
Dado o caráter essencial da energia elétrica, seja como insumo ou como bem de consumo final, muitos
países buscam minimizar a incidência de impostos sobre o setor elétrico. A carga tributária imposta ao
setor elétrico numa amostra de cidades ao redor do mundo pesquisadas por Yamada (2002) é em média de
6,9%, como apresentado na próxima tabela.
Tarifas de fornecimento residencial e tributação (US$/MWh) - 2002
País/Cidade
Tarifa
Tributos
% Tributos
187,55
9,11
4,9%
New York, NY
194,70
11,78
6,0%
Chicago, IL
133,89
6,28
4,7%
Dallas, TX
101,14
7,71
7,6%
London
106,81
5,09
4,8%
East Anglia (British Gas)
118,75
5,65
4,8%
Suffolk (Eastern Energy)
98,17
4,67
4,8%
Power Gen
92,00
4,38
4,8%
Essen
141,79
19,56
13,8%
Karlsruhe
134,13
18,50
13,8%
115,37
6,01
5,2%
129,48
8,98
6,9%
JAPÃO
Tóquio
ESTADOS UNIDOS
REINO UNIDO
ALEMANHA
FRANÇA
Paris
MÉDIA
Fonte: Yamada (2002).
Outra pesquisa conduzida pela Hydro Québec em 1998, para uma amostra de cidades no Canadá e nos
Estados Unidos, indica uma carga tributária média sobre a tarifa de fornecimento de 9,3%.
44
Tarifas de fornecimento residencial e tributação (US$/MWh) - 1998
País/Cidade
tarifa
tributos
% tributos
Montreal, QC
48,49
4,21
8,7%
Charlottetown, PE
70,43
6,58
9,3%
9,3%
CANADÁ
Edmonton, AB
56,18
5,25
Halifax, NS
75,53
6,57
8,7%
Moncton, NB
68,82
5,98
8,7%
Ottawa, ON
54,99
5,14
9,4%
Regina SK
67,29
5,73
8,5%
St. John's, NF
66,52
5,79
8,7%
Toronto, ON
69,03
6,45
9,3%
Vancouver, BC
47,16
4,28
9,1%
Winnipeg, MB
48,00
4,12
8,6%
Boston, MA
111,58
11,16
10,0%
Chicago, IL
104,11
9,57
9,2%
Detroit, MI
105,51
9,68
9,2%
Houston, TX
84,33
8,35
9,9%
Miami, FL
84,54
7,45
8,8%
Nashville, TN
63,65
6,37
10,0%
New York, NY
156,93
13,98
8,9%
Portland, OR
62,74
6,16
9,8%
116,34
11,61
10,0%
41,22
4,12
10,0%
76,35
7,07
9,3%
ESTADOS UNIDOS
San Francisco, CA
Seattle, WA
MÉDIA
Fonte: Hydro Québec (1998).
A carga tributária que incide sobre o setor elétrico brasileiro é muito superior à prevalecente em
outros países. O fato de que a energia é um bem essencial, tanto para os consumidores quanto com
insumo para a produção, não parece sensibilizar o legislador brasileiro quanto à importância de manter
baixo o nível de impostos sobre a energia elétrica. No total, esses tributos correspondem a 29,7% da
receita do setor37, sendo que cerca de 2% dos tributos destinam-se aos municípios, 69% aos estados e
30% à União.
Projeção da divisão dos tributos em 2003
R$ bilhões
Municípios
Estados
União
Total
Fonte: ABRADEE
percentual
0,3
1,5%
13,7
68,8%
5,9
29,6%
19,9
100,0%
Esta questão da tributação é particularmente delicada pois o principal tributo que incide sobre o setor
elétrico é o ICMS, que corresponde a mais de um quarto da tarifa de fornecimento. Entretanto, por ser a
principal fonte de receita tributária dos estados, este é um tributo extremamente difícil de ser reduzido.
Em 2002, o ICMS foi responsável por 87,2% da arrecadação nos estados38. Além disso, o ICMS é o
principal tributo sobre o qual os estados dispõem de controle para aumentar a sua receita. Isso explica
porque a arrecadação pelo ICMS tem aumentado nos últimos anos, apesar da guerra fiscal entre os
estados: em 1998 a participação do ICMS na arrecadação dos estados era 1,6 pontos percentuais menor.
37
38
Fonte: ABRADEE.
Secretaria da Receita Federal (2003).
45
Parcela do ICMS na tarifa de fornecimento
27,0%
26,0%
25,0%
24,0%
23,0%
22,0%
1996
1997
1998
1999
2000
Fonte: ABRADEE.
Somente a incidência de ICMS sobre o setor elétrico corresponde a cerca de 9,4% do montante
arrecadado pelos estados, sendo que, em alguns estados (como Rio de Janeiro) chega a atingir níveis
próximos a 15%, como demonstra a próxima tabela.
Parcela do ICMS oriundo do setor elétrico em cada estado
(R$ mil de dezembro de 2002 corrigido pelo IGP-DI)
UF
Acre
Arrecadação total
Energia elétrica
Participação
189.872
-
0,0%
Amazonas
2.274.656
54.962
2,4%
Pará
2.004.092
177.069
8,8%
0,0%
Rondônia
715.728
-
Roraima
144.757
10.900
7,5%
Amapá
161.573
5.486
3,4%
Tocantins
485.124
42.591
8,8%
Total Norte
5.980.061
291.012
4,9%
Maranhão
1.101.771
93.720
8,5%
635.836
58.690
9,2%
Ceará
2.787.686
242.382
8,7%
Rio Grande do Norte
1.185.197
91.958
7,8%
Paraíba
1.081.754
94.638
8,7%
Pernambuco
3.297.760
290.224
8,8%
797.207
36.131
4,5%
Piauí
Alagoas
Sergipe
784.852
82.640
10,5%
5.993.087
493.598
8,2%
Total Nordeste
17.666.971
1.483.986
8,4%
Minas Gerais
11.123.404
1.361.327
12,2%
Espírito Santo
2.781.521
285.710
10,3%
Rio de Janeiro
12.192.798
1.752.199
14,4%
São Paulo
43.396.277
3.269.464
7,5%
Total Sudeste
69.494.000
6.668.696
9,6%
Bahia
Paraná
6.736.804
854.524
12,7%
Santa Catarina
4.505.840
572.132
12,7%
8.648.564
887.103
10,3%
19.891.208
2.313.759
11,6%
Rio Grande do Sul
Total Sul
46
Distrito Federal
2.103.655
152.831
7,3%
Goiás
3.519.570
382.645
10,9%
Mato Grosso do Sul
2.170.285
161.794
7,5%
Mato Grosso
1.542.438
53.112
3,4%
Total Centro-Oeste
9.314.401
750.382
8,1%
122.346.642
11.507.835
9,4%
Brasil
Fonte: CONFAZ / BNDES (2003).
As alíquotas de ICMS tendem a ser elevadas por pelo menos três razões importantes:
•
Primeiro, porque este é um imposto de fácil arrecadação e difícil sonegação. Mesmo quando
há inadimplência por parte do consumidor, o Estado arrecada da distribuidora (inclusive quando
o inadimplente é o próprio Estado).
•
Segundo, porque, em conjunto com o petróleo, o ICMS sobre energia elétrica é recolhido
pelo estado consumidor e não pelo estado produtor, ao contrário do ICMS sobre os outros
produtos, que é recolhido pelo estado produtor. Como resultado, a redução do ICMS sobre
energia não pode ser utilizada diretamente como instrumento de guerra fiscal entre os
estados, pois o ICMS teria que ser reduzido para todos os produtores. Em conseqüência, a
alíquota do ICMS sobre energia acaba sendo utilizado como compensação nesta disputa. O
estado reduz o ICMS sobre o bem final cuja produção deseja atrair e aumenta o imposto
sobre energia, para compensar a perda de receita do incentivo fiscal concedido.
•
Terceiro, porque é uma fonte de recursos relativamente estável mesmo em períodos de
recessão.
Esta prática está em total desacordo com a melhor prática tributária. Teoricamente, a melhor
estrutura tributária é aquela que tributa os bens de consumo final. A tributação de fatores de
produção, como a eletricidade, é uma péssima forma de arrecadação, pois ela encarece os insumos
usados pelos produtores reduzindo a produção e, conseqüentemente, a geração de riqueza. A
estrutura tributária brasileira atual decorre do fato de que o critério preponderante na definição
dos tributos é o combate à sonegação e à evasão fiscal. Por isso, a estrutura tributária brasileira é
pouco eficiente e proporciona um desafio adicional ao desenvolvimento econômico do país.
Infelizmente, um aprimoramento significativo do sistema tributário brasileiro provavelmente demandará
um prazo longo, com os avanços no curto prazo sendo provavelmente graduais. Sem a quebra da rigidez
do gasto público imposta pelos gastos vinculativos constitucionais, torna-se muito difícil eliminar os
impostos mais ineficientes. A queda de receita com a eliminação desses tributos implicaria a volta da
instabilidade macroeconômica, pois a arrecadação seria insuficiente para cobrir sequer as despesas
obrigatórias dos governos, hoje na casa dos 33% do PIB.
A reforma tributária em tramitação no Congresso limita-se a uma melhoria do ICMS, mediante a
eliminação do caos das 27 legislações estaduais e das inúmeras de alíquotas explícitas ou implícitas do
tributo. Entretanto, ela cria um importante espaço para a busca de redução das alíquotas de ICMS sobre
energia. Pela reforma, o Senado Federal definirá cinco níveis de alíquotas que serão efetivas para todo o
território nacional, e o CONFAZ (Conselho de Secretários de Fazenda dos Estados) deverá definir os
produtos que estarão sujeitos a cada alíquota.
É neste segundo momento, na definição de que produtos deverão estar sujeitos a que alíquotas, que se
pode conseguir uma redução da carga tributária sobre a energia elétrica. O ponto importante é
conseguir convencer a população e os governantes de que energia é um bem essencial, que deve ser
universalizado e cujo custo é fundamental para a composição do orçamento familiar, além de ser
um importante componente de custo para todos os bens finais. Desta forma, a energia deveria ser
tratada como um bem essencial, justificando que ela seja enquadrada entre aqueles produtos com
baixas alíquotas de impostos, compensando a diferença em outros bens finais. Esta é uma condição
essencial para a universalização do serviço, além de aumentar a competitividade da economia
brasileira.
47
2.5 Princípios para a definição de uma estrutura tarifária
A estrutura tarifária se refere à forma pela qual os custos totais incorridos no provimento de bens e
serviços são repartidos entre consumidores. Três princípios fundamentais orientam a definição da
estrutura tarifária ótima:
(i)
Neutralidade;
(ii)
Igualdade; e
(iii)
Eficiência.
O princípio da neutralidade se refere a quão bem as tarifas refletem os custos do bem ou serviço ofertado.
O princípio da igualdade considera se as tarifas são iguais para consumidores com características de
consumo semelhantes. O princípio da eficiência refere-se à sinalização que as tarifas proporcionam para
induzir os consumidores a racionalizarem o seu consumo, de modo que os investimentos requeridos para
se atender à demanda sejam minimizados. Felizmente, esses três objetivos não são conflitantes. Podem
ser simultaneamente satisfeitos adotando-se uma estrutura tarifária que reflita os custos marginais
de produção e transporte de energia elétrica.
Os custos marginais são os custos adicionais requeridos para se fornecer mais energia elétrica a um
determinado consumidor ou, alternativamente, os custos que seriam evitados caso um determinado
consumidor reduzisse a sua demanda de energia elétrica. Uma estrutura tarifária baseada em custos
marginais reflete de forma fidedigna o efeito que alterações no padrão de consumo tem sobre o
custo total do sistema, o que proporciona ao consumidor a informação necessária para a tomada de
decisão de consumo que propicia a maximização do bem-estar social.
A determinação dos custos marginais associados ao fornecimento de energia elétrica a cada
consumidor não é uma tarefa fácil, pois o fornecimento é realizado de forma integrada por uma
infra-estrutura compartilhada. Geralmente, há custos associados ao fornecimento de energia elétrica
que, apesar de indispensáveis, não podem ser diretamente atribuídos a um determinado grupo de
consumidores ou a um serviço específico prestado. Nesses casos é necessário adotar alguma forma de
rateio desses custos. É preciso reconhecer, portanto, que a definição de uma estrutura tarifária
sempre envolve um certo grau de arbitrariedade. O importante é definir critérios razoáveis e
aplicá-los de forma consistente. Uma opção é alocar esse resíduo (custos que não podem ser diretamente
atribuídos aos consumidores) na mesma proporção que os custos marginais mensuráveis39.
A estrutura tarifária pode ser desenhada de forma a refletir somente o custo marginal de curto prazo. Essa
estrutura teria a vantagem de ser baseada somente nos custos correntes mensuráveis. Porém, ela resultaria
numa trajetória de preços muito volátil no tempo, como ilustrado no próximo gráfico. Outra alternativa
é basear a estrutura tarifária nos custos marginais de curto e longo prazos.
O custo marginal de longo prazo reflete o custo estimado de expansão do sistema. Acrescentando o
componente de custo marginal de longo prazo suaviza-se a trajetória dos preços ao longo do tempo.
Assim, os custos associados aos investimentos para a ampliação da capacidade do sistema, que ocorrem
de forma descontínua, podem ser distribuídos no tempo, eliminando-se os picos, correspondentes aos
intervalos a, b e d no próximo gráfico, que ocorreriam caso a tarifa fosse baseada unicamente no custo
marginal de curto prazo. Nesses intervalos o custo marginal aumenta significativamente por causa dos
custos associados aos investimentos na expansão do sistema.
39
Bonbright (1961).
48
Custo total e custo marginal de um sistema elétrico em expansão
Fonte: DNAEE (1985).
Alguns desvios dos custos marginais são necessários para que a receita total seja suficiente para recuperar
o custo total das empresas. Como os custos do setor apresentam ganhos de escala e escopo, os custos
marginais freqüentemente são menores que o custo médio das empresas. Logo, as tarifas baseadas em
custos marginais precisam ser complementadas para recuperar os custos fixos das empresas. Esse déficit
geralmente é recuperado adotando-se tarifas com duas partes, uma parte fixa que cobre os custos fixos da
empresa e uma parte que depende do consumo de energia pelo consumidor40.
Na prática, entretanto, a estrutura tarifária implementada pelas empresas raramente reflete plenamente
seus custos marginais. Apesar do conceito de tarifas baseadas em custos marginais já ser discutido em
meios acadêmicos (liderados por Dupuit e Hotelling) desde a década de 1930, a primeira empresa de
energia elétrica a adotar uma estrutura tarifária baseada em custos marginais foi a Electricité de France
(EDF) em 1957.41 Isso se deve a uma restrição com a qual as empresas se defrontam: a necessidade de
minimizar a complexidade das tarifas. Os custos de implementação, medição e cobrança da estrutura
tarifária ótima freqüentemente são proibitivos. Essa restrição torna necessária a simplificação da estrutura
tarifária para se reduzir os custos de operacionalização das tarifas.
Além desses desvios dos custos marginais apresentados acima, a estrutura tarifária muitas vezes é
ajustada para atender demandas de ordem social, política ou financeira.
2.6 As características básicas de uma estrutura tarifária ótima
Para se definir a estrutura tarifária ótima é necessário levar em conta as características do sistema elétrico
e identificar quais são os principais determinantes dos custos do sistema na margem. Precisa-se identificar
os principais aspectos responsáveis pela alteração dos custos operacionais (o custo marginal de curto
prazo) e as principais restrições do sistema para os quais investimentos adicionais (o custo marginal de
longo prazo) seriam necessários para comportar o crescimento da demanda. A estrutura tarifária deve ser
concebida considerando-se cada uma dessas dimensões de custo.
40
41
São chamadas de tarifas binomiais, que incluem uma cobrança fixa por capacidade requerida (demanda
de potência, kW), além da cobrança por consumo (demanda de energia, kWh).
Nelson, J. R. (1963).
49
2.6.1 As características do sistema elétrico brasileiro
O parque gerador brasileiro é predominantemente hidrelétrico. Mais de 90% da eletricidade consumida no
Brasil é gerada por hidrelétricas. Essas hidrelétricas freqüentemente estão localizadas longe dos centros
de carga, requerendo linhas de transmissão de alta tensão para transportar a energia. Conseqüentemente, a
rede de transmissão brasileira apresenta uma proporção mais elevada de linhas de alta tensão de longa
extensão que outros sistemas elétricos, nos quais o parque gerador é dominado por termelétricas
relativamente próximas aos centros de carga. Isso significa que a rede de transmissão é um fator de
restrição muito relevante na determinação do custo marginal de operação do sistema elétrico
brasileiro.
A capacidade de geração de uma hidrelétrica depende de três fatores: a potência instalada, a
energia natural afluente e o volume de energia armazenada. O primeiro fator refere-se à capacidade
das turbinas e geradores instalados na usina, o segundo fator depende do regime fluvial do rio no qual a
usina se encontra, e o terceiro da quantidade de água armazenada no(s) reservatório(s) a montante da
hidrelétrica. As hidrelétricas geralmente são dimensionadas com uma potência instalada elevada com
relação à energia afluente para permitir que a usina seja operada com mais flexibilidade.42 Assim, a
potência instalada do parque gerador não é um fator limitante na maior parte do tempo. A principal
limitação de uma hidrelétrica é a disponibilidade de água a montante das turbinas, que depende do regime
fluvial do rio, que, por sua vez, pode ser alterado através de reservatórios.
O uso de reservatórios permite a suavização do regime fluvial ao longo do tempo. O sistema elétrico
brasileiro é dotado de reservatórios de grande porte, que permitem a suavização do fluxo de água dos rios,
não só ao longo do período seco e úmido do ano, mas, também, de um ano para o outro. Em outras
palavras, os reservatórios permitem a regularização completa do componente sazonal e uma suavização
parcial do componente aleatório. Para exemplificar a magnitude dos reservatórios brasileiros, apresenta-se
na próxima figura uma simulação do volume armazenado no reservatório de Furnas entre 1931 e 2001. O
reservatório de Furnas é o quarto maior do Brasil, com um volume útil de 17.217 hm3. Normalmente,
somente cerca de um quarto do volume útil do reservatório de Furnas tem sido utilizado para regularizar a
oferta de energia ao longo do ciclo fluvial anual, tendo o volume de armazenamento remanescente do
reservatório servido para situações excepcionais, como, por exemplo, vários anos seguidos de hidrologia
desfavorável (como no período de 1952 a 1956).
Simulação histórica do nível do reservatório de Furnas (1931-2001)
Essas características implicam que o custo marginal de curto prazo de geração de energia elétrica não
varia muito ao longo do dia, como ocorre em sistemas de predominância termelétrica, nos quais o pico de
demanda precisa ser atendido por usinas termelétricas de custo operacional maior. Dados os grandes
reservatórios do parque gerador brasileiro, a sazonalidade do regime fluvial ao longo do ano também não
altera significativamente o custo marginal de curto prazo de geração de energia elétrica (desde que não
seja um ano de hidrologia muito adversa). O custo marginal de curto prazo de geração pode, no
entanto, permanecer por grandes e prolongados períodos em patamares elevados quando ocorre
42
O parque gerador hidrelétrico brasileiro tipicamente opera com um fator carga em torno de 50%,
conforme Araújo, J. L. (2001).
50
uma seqüência de anos de hidrologia adversa. De modo semelhante, quando a demanda aproxima-se
ou supera a capacidade de oferta de energia assegurada, o custo marginal de curto prazo eleva-se, pois se
passa a incorrer nos custos de expansão do sistema. Em suma, o parque gerador brasileiro não é
limitado pela sua capacidade instalada (potência) e, sim, pela energia disponível (energia afluente).
2.6.2 Uma estrutura tarifária ótima para o sistema brasileiro
Dadas as características do sistema elétrico brasileiro, o preço de geração de energia elétrica não requer,
em condições normais, uma diferenciação horosazonal muito significativa em condições normais. Porém,
essas condições podem ser alteradas subitamente por contingências nas redes de transmissão ou
distribuição ou nas usinas geradoras. No médio prazo, o custo marginal pode ser alterado pelas condições
hidrológicas. E, no longo prazo, o custo marginal pode ser alterado à medida que a carga aumenta,
ocasionando um desequilíbrio entre a capacidade da oferta de energia assegurada e a demanda. Isso
significa que o custo marginal de geração de energia elétrica não apresenta um padrão de variação
horosazonal previsível. Assim, o custo marginal de geração não pode ser muito bem representado por
tarifas horosazonais.
Em contraste com o que ocorre com o parque gerador, a transmissão e distribuição são limitadas pela
capacidade. As redes de transmissão e distribuição são utilizadas próximas de seu limite diariamente
quando a carga atinge o seu pico diário. Nesses momentos o custo marginal de curto prazo das redes de
transmissão e distribuição eleva-se acentuadamente. No período seco, os limites das redes de transmissão
e distribuição são ainda mais restritivos porque o sistema é operado de forma atípica, isto é, o despacho
das usinas hidrelétricas precisa ser alterado para lidar com as condições hidrológicas, aumentando a
geração das hidrelétricas que apresentam um volume maior de energia armazenada e reduzindo a geração
das hidrelétricas com um volume menor de energia armazenada. Isso significa que as tarifas de
transmissão e distribuição são melhor representadas por tarifas horosazonais distintas.
Outro fator relevante na determinação das tarifas é o perfil de consumo de cada classe de consumo. A
tipologia da carga de cada consumidor, a diversidade de carga entre os usuários da mesma classe e a
quantidade de energia reativa demandada são outros fatores muito importantes na determinação do custo
marginal do sistema para atender cada classe de consumo.
Uma curva de carga que apresenta grandes variações no nível de consumo ao longo do dia requer
investimentos maiores para atender a demanda de potência requerida pela classe de consumo. Uma classe
de consumo com curvas de carga diversificadas, isto é, em que os picos de demanda dos consumidores
não coincidem na mesma hora, apresenta uma demanda de potência menor do que se todos tivessem um
perfil de consumo idêntico.
A próxima figura apresenta a tipologia de carga agregada cumulativa para cada nível de tensão: alta
tensão (AT), média tensão (MT) e baixa tensão (BT). A carga plana na alta tensão implica custos menores
para o sistema do que uma carga da mesma magnitude com a tipologia de carga semelhante a da média e
baixa tensões, que apresentam uma variabilidade maior.
51
A composição da curva de carga do sistema elétrico brasileiro
Fonte: DNAEE (1985).
Finalmente, alguns equipamentos, como motores industriais ou instalações e máquinas com grandes
transformadores, requerem uma elevada quantia de energia reativa. Para manter a estabilidade da corrente
elétrica é necessário uma potência maior ou a instalação de capacitores para lidar com essas grandes
demandas de energia reativa, o que acarreta custos adicionais.
2.7 Preço médio versus preço marginal
As tarifas de energia no Brasil sempre foram baseadas no custo médio de geração no passado. Cada usina
de serviço público era remunerada pelo seu custo de serviço e o componente referente à geração das
tarifas de fornecimento era baseado no custo médio de geração total do sistema interligado (e, de certo
modo, dos sistemas isolados também, já que o combustível das usinas termelétricas dos sistemas isolados
é subsidiado pela Conta Consumo de Combustível cobrada de todos os consumidores).
No modelo vigente, que estava em processo de implementação no governo passado, toda a energia seria
comercializada ao preço de mercado. Esse preço tenderia a convergir no longo prazo para o custo
marginal de expansão do sistema. Isso facilitaria a concorrência, ao possibilitar que toda a energia fosse
vendida ao mesmo preço, permitindo uma concorrência direta entre todos os geradores. A renda
inframarginal, decorrente das usinas que dispõem de custos abaixo do custo marginal de longo prazo,
seria apropriada pelo poder concedente nos leilões de concessões. No caso das hidrelétricas, essa renda
seria retirada através do pagamento da Taxa de Uso de Bem Público.
Além disso, como discutido na seção anterior, o custo marginal proporciona a sinalização correta para a
tomada de decisões dos agentes. O custo marginal de expansão reflete o custo de aumentar a produção de
energia. O custo de geração médio é menor do que o custo marginal de expansão, pois os potenciais
hidrelétricos mais econômicos são explorados primeiro, de forma que o custo das novas usinas se torna
maior do que o das já instaladas. Ao definir a tarifa de fornecimento de energia com base no custo
médio da geração, os consumidores não tomam conhecimento do verdadeiro custo do aumento ou
da redução do seu consumo de energia elétrica. Isso distorce as suas decisões de ampliação do
consumo e de opções de fontes energéticas no longo prazo.
Com a suspensão do programa de privatizações das geradoras, a extração da renda inframarginal das
estatais ficou comprometida, pois não havia um mecanismo previsto para tal. Isso prejudicava a
concorrência entre os agentes, pois as estatais detinham os potenciais hidráulicos mais rentáveis e
detinham amplo poder de mercado. Para mitigar esse problema foram instituídos os leilões de energia de
serviço público federal para comercializar essa energia de forma neutra e transparente.
Outra dificuldade na transição para o novo modelo foi a previsão do custo marginal de longo prazo do
sistema. As distribuidoras temiam fechar contratos bilaterais dado a incerteza quanto a possibilidade de se
52
repassar esses custos para os seus consumidores. Também se preocupavam com o repasse de energia
contratada de empresas do mesmo grupo econômico da distribuidora a preços elevados. Para reduzir essa
insegurança, a Aneel criou o Valor Normativo (valor máximo para o preço da energia contratada
livremente pelos agentes que poderia ser repassada para os clientes cativos). Com isso a Aneel pretendia
ancorar as expectativas e facilitar a livre contratação. No entanto, esse instrumento tornou-se mais uma
fonte de incerteza para os investidores. A regulamentação do Valor Normativo (VN) e de seus critérios de
indexação foi alterada diversas vezes, ampliando as incertezas dos investidores. Na revitalização do
modelo esse problema seria sanado através da instituição de leilões de compra e venda de energia.
Uma das diretrizes do Ministério de Minas e Energia para o setor elétrico foi a volta à definição dos
preços de energia com base no custo médio. A vantagem da adoção do custo médio sobre o custo
marginal é a modicidade tarifária. O custo de geração médio é menor do que o custo marginal de
expansão, pois os potenciais hidrelétricos mais econômicos são explorados primeiro, de forma que o
custo das novas usinas se torna maior do que o das já instaladas. A desvantagem é a sinalização de preços
proporcionada pelos custos médios. Além disso, essa proposta prejudica a concorrência e os investidores
privados que já investiram no setor, adquirindo ou instalando novas usinas hidrelétricas a título de
concessão onerosa ou instalando usinas termelétricas (produtores independentes).
Na verdade a modicidade tarifária é um falso benefício do modelo proposto, pois o custo do sistema
é igual, independente da forma adotada para definir a tarifa. Quase toda a diferença entre as
tarifas baseadas no custo marginal e as tarifas baseadas no custo médio é compensada pela
arrecadação da tarifa de uso de bem público, obtida nos leilões dos aproveitamentos hidrelétricos.
Se essas receitas fossem utilizadas para abater o preço final da tarifa de fornecimento, o nível da tarifa de
energia seria muito próximo ao existente adotando-se o custo médio. O preço marginal tem a vantagem,
entretanto, de sinalizar melhor o custo de alterações do consumo de energia elétrica na margem e de
facilitar a concorrência na geração ao levar todas as geradoras a concorrerem umas com as outras (com a
exceção das fontes de energia alternativa que ainda não são competitivas). Na medida em que a
motivação para a modicidade tarifária é proteger os consumidores de baixa renda, seria melhor
implementar políticas distributivas que beneficiariam somente os mais pobres em vez de subsídios
generalizados para o setor.
Uma alternativa para promover a modicidade tarifária seria ratear a energia estatal entre todos os agentes
do setor (a exemplo do que ocorre com a energia de Itaipu) ao seu custo médio, permitindo que a energia
dos produtores independentes e a expansão do sistema fosse vendida ao preço de mercado. Assim, os
agentes que já realizaram investimentos não seriam prejudicados e promover-se-ia a modicidade tarifária.
2.8 Concorrência na comercialização
A melhor solução para mitigar o risco de contratação de energia a preços elevados seria o acirramento da
concorrência no segmento de comercialização da energia. Para isso é fundamental o estímulo aos
consumidores livres. Os consumidores cativos seriam beneficiados pela concorrência na comercialização
desde que não fosse permitida uma discriminação no preço do componente energia das tarifas dos
consumidores livres e cativos. Isso aumentaria a elasticidade-preço da demanda pela energia ofertada
pelas distribuidoras, induzindo-as à contratação de energia elétrica ao menor custo. Ressaltamos que é
imprescindível que a TUSD seja absolutamente neutra para que possa haver concorrência em termos de
igualdade na comercialização.
No modelo proposto pelo MME, a comercialização livre seria marginalizada com a maior parte da
energia sendo intermediada pelo Administrador de Contratos de Energia Elétrica. Essa centralização
prejudicaria a participação de produtores independentes e comercializadores, pois reduziria a liquidez do
mercado ao ponto de inviabilizá-lo, deixando os produtores independentes com investimentos encalhados.
Uma forma de incorporar as usinas dos produtores independentes seria permitir que eles participassem
das “licitações de parcela do consumo de energia previsto” concorrendo com as novas usinas de geração.
Se a energia das estatais fosse comercializada de forma neutra ou rateada, como sugerido na seção
anterior, o ambiente de livre contratação seria preservado, criando condições de manutenção do equilíbrio
econômico-financeiro dos produtores independentes atuais e promovendo a concorrência no setor. A
figura dos comercializadores também seria preservada nesse caso, permitindo uma contestação da atuação
do Administrador de Contratos de Energia Elétrica.
53
Referências
Aneel (2002). Nota Técnica no 036/2002/SRD/SRE/Aneel. Brasília: Agência Nacional de Energia
Elétrica.
Aneel (2003). Nota Técnica no 083/2003-SRE/SRD/Aneel. Brasília: Agência Nacional de Energia
Elétrica.
Araújo, J. L. (2001). A Questão do Investimento no Setor Elétrico Brasileiro: Reforma e Crise. Nova
Economia 11(1): 77-96.
BNDES (2003). Termômetro do ICMS Setorial. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social. (Disponível na internet: http://federativo.bndes.gov.br/Destaques/termosem.htm)
Bonbright, J. C. (1963). Fully Distributed Costs in Utility Rate Making. American Economic Review
51(2): 305-12.
Coopers & Lybrand (1997). Working Paper B9: Metodologia de tarifação de transmissão e distribuição.
Rio de Janeiro: Eletrobras.
DNAEE (1985). Nova Tarifa de Energia Elétrica: metodologia e aplicação. Brasília: Departamento
Nacional de Águas e Energia Elétrica.
Hydro Québec (1998). Comparison of Electricity Prices in Major North American Cities. Montreal:
Hydro Québec.
Kelman, J. (coord.) (2001). Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia
Elétrica. Câmara de Gestão da Crise de Energética: 21 de julho de 2001.
Nelson, J. R. (1963). Pratical Applications of Marginal Cost Pricing in The Public Utility Field. American
Economic Review 53(2): 474-81.
Secretaria da Receita Federal (2003). Carga Tributária no Brasil – 2002. Brasília: Ministério da Fazenda.
Yamada, T. (2002). International Comparison of Electric Service Tariffs. Tokyo: Institute of Energy
Economics, Japan.
54
Anexo I – Evolução dos custos gerenciáveis e não gerenciáveis das distribuidoras
Os dados seguintes foram extraídos de documentos da Aneel referentes às revisões tarifárias de 13
distribuidoras ocorridas até o momento em que esse documento foi elaborado. Compreendem as
principais distribuidoras em operação no país.
Parcela A (% da receita)
Distribuidora
Abr/97 - Mar/98 Abr/98 - Mar/99 Abr/99 - Mar/00 Abr/00 - Mar/01 Abr/01 - Mar/02
AES Sul
Celpa (1)
56,60%
54,88%
56,72%
63,18%
63,75%
-
-
42,57%
44,39%
49,47%
Cemat
46,78%
50,16%
46,34%
53,32%
54,19%
Cemig
45,04%
37,98%
38,08%
49,07%
48,96%
Coelba
41,14%
41,11%
40,11%
46,04%
47,14%
40,36%
61,79%
40,26%
54,30%
Coelce
Cosern
41,68%
69,38%
41,61%
59,25%
60,78%
CPFL
68,77%
47,19%
52,42%
50,48%
51,76%
Elektro (1)
-
-
59,88%
61,93%
75,56%
Eletropaulo (2)
-
55,92%
57,35%
61,63%
74,83%
Energipe
46,84%
47,23%
49,75%
64,50%
65,84%
Enersul
45,87%
46,24%
47,26%
61,11%
61,82%
RGE
Média ponderada pelo tamanho
do mercado das distribuidoras
(1) Período considerado: Agosto a Julho
(2) Período considerado: Julho a Junho
Fonte: Aneel
53,47%
55,06%
54,44%
60,09%
62,00%
46,33%
48,33%
49,54%
54,62%
61,96%
Participação no mercado da amostra de 13 empresas com revisão tarifária já ocorrida
Distribuidora
Abr/97 - Mar/98
Abr/98 - Mar/99
Abr/99 - Mar/00
Abr/00 - Mar/01
Abr/01 - Mar/02
7,55%
5,14%
4,85%
4,90%
5,51%
-
-
2,58%
2,59%
2,76%
Cemat
3,07%
2,22%
2,04%
2,15%
2,26%
Cemig
44,27%
28,23%
25,13%
25,32%
25,44%
Coelba
10,66%
7,27%
6,33%
6,58%
6,20%
Coelce
-
4,40%
4,01%
4,01%
3,97%
AES Sul
Celpa
Cosern
CPFL
2,93%
2,10%
1,89%
1,87%
1,90%
22,65%
14,92%
13,52%
13,57%
13,60%
Elektro
-
-
7,63%
7,38%
7,34%
Eletropaulo
-
28,29%
25,31%
24,72%
23,32%
Energipe
1,89%
1,35%
1,20%
1,20%
1,23%
Enersul
3,08%
2,01%
1,81%
1,87%
2,04%
RGE
3,90%
4,06%
3,71%
3,83%
4,43%
Total (13 empresas)
100,00%
Fonte: Aneel. Elaboração: Tendências.
100,00%
100,00%
100,00%
100,00%
Evolução da participação das Parcelas A e B
nas receitas de fornecimento das distribuidoras
Parcela A
Parcela B
1998
46,3%
53,7%
1999
48,3%
51,7%
2000
49,5%
50,5%
2001
54,6%
45,4%
2002
Fonte: Aneel. Elaboração: Tendências.
62,0%
38,0%
55
Esses dados permitem fazer um exercício visando recalcular os custos gerenciáveis e não-gerenciáveis
das distribuidoras, considerando os impostos incidentes sobre a parcela B como custos não-gerenciáveis.
Para o cálculo desses impostos, considerou-se a carga tributária do setor estimada pela ABRADEE, de
29,7%. Assim, para a amostra de 13 concessionárias acima consideradas, temos a seguinte evolução de
custos43.
1998
Evolução da participação dos custos gerenciáveis e não-gerenciáveis,
incluindo todos os impostos, nas receitas de fornecimento das distribuidoras
Impostos incidentes
Total de custos não
Total de custos
Parcela A
Parcela B
sobre a Parcela B gerenciáveis (Parcela gerenciáveis (Parcela
A + impostos sobre B) B – impostos sobre B)
46,3%
53,7%
15,94%
62,3%
37,7%
1999
48,3%
51,7%
15,35%
63,7%
36,3%
2000
49,5%
50,5%
14,99%
64,5%
35,5%
2001
54,6%
45,4%
13,48%
68,1%
31,9%
2002
62,0%
38,0%
11,30%
73,3%
26,7%
Fonte: Aneel e ABRADEE. Elaboração: Tendências.
43
Nos cálculos, os impostos incidentes sobre a Parcela B foram excluídos dessa parcela e somados à
Parcela A para se obter o total efetivo de custos não-gerenciáveis.
56
Sumário executivo
Neste capítulo examinamos a estrutura tarifária
do setor elétrico brasileiro. Avaliamos o nível
das tarifas como um todo e em seguida
analisamos os componentes de custos
envolvidos e sua alocação entre as diversas
classes de consumo.
A estrutura tarifária brasileira
As tarifas de fornecimento hoje vigentes
mantêm, com pequenas alterações, a mesma
estrutura introduzida na década de 80.
Os consumidores do Grupo A (consumidores
conectados à rede em alta tensão) são tarifados
por uma das seguintes tarifas: Azul, Verde ou
Convencional. Essas tarifas requerem que os
consumidores contratem o nível de demanda de
potência. Já as tarifas do grupo B (consumidores
de baixa tensão) são cobradas somente pela sua
demanda de energia.
Adicionalmente, as tarifas são discriminadas por
classe de consumo. As principais são: (i)
residencial; (ii) comercial; (iii) industrial; (iv)
consumidor livre; e (v) serviço público.
A Aneel está conduzindo um processo de
abertura das tarifas de fornecimento, separando
cada um dos seus componentes: (i) tarifa de
energia, (ii) tarifa de conexão à rede de
transmissão, (iii) tarifa de uso do sistema de
transmissão, (iv) tarifa de conexão à rede de
distribuição e (v) tarifa de uso da rede de
distribuição. A definição correta do custo de
cada componente, principalmente dos custos
associados à distribuição, é essencial para
promover a concorrência na comercialização de
energia elétrica em condições de igualdade.
Tarifas no Brasil e no mundo
As tarifas residenciais de fornecimento
brasileiras são baixas se comparadas às vigentes
em outros países, mas quando se leva em
consideração a renda per capita, são
compatíveis com a baixa renda do país.
As tarifas industriais são relativamente mais
baixas que nos países desenvolvidos e nas
principais economias emergentes da América
Latina,
sobretudo
para
os
setores
eletrointensivos. Na avaliação da Aneel, há
subsídio cruzado entre as tarifas residenciais e
comerciais em benefício das indústrias.
Evolução recente
Entre 1995 e 2002, a tarifa média de
fornecimento de energia elétrica aumentou
140% em termos nominais e a residencial
175%. Em termos reais, deflacionando pelo
IGP-M, a tarifa média aumentou 20,7% nesse
período.
O aumento real das tarifas está diretamente
relacionado ao aumento do componente de
custos não-gerenciáveis (Parcela A) das
distribuidoras. Entre 1997 e 2002, a Parcela A
de uma amostra de nove empresas apresentou
um aumento real de 15,4%
Os principais responsáveis pela elevação da
Parcela A foram a energia de Itaipu, que é
indexada ao dólar, e os encargos de conexão e
uso do sistema de transmissão, sistema que
sofreu uma ampla expansão nos últimos anos.
Os custos gerenciáveis das distribuidoras
(Parcela B) sofreram reajustes muito menores.
Entre 1997 e 2002, a Parcela B de uma amostra
de nove distribuidoras teve uma redução em
termos reais de 24,5%. Isto significa que o
aumento das tarifas foi apropriado sobretudo
pelas empresas geradoras e empresas
transmissoras, em sua maioria estatais, e pelo
governo através dos tributos.
A tarifa de fornecimento e os tributos
A carga tributária que incide sobre o setor
elétrico brasileiro é muito superior à
prevalecente em outros países. Os tributos
correspondem no total a cerca de 30% da tarifa
de fornecimento, sendo que o principal tributo é
o ICMS. Somente a incidência de ICMS sobre o
setor elétrico corresponde a 9,4% do montante
de ICMS arrecadado pelos estados.
Teoricamente, a melhor estrutura tributária é
aquela que tributa os bens de consumo final. A
tributação de fatores de produção encarece os
insumos usados pelos produtores, reduzindo a
produção e, conseqüentemente, a geração de
riqueza.
Além disso, a energia deveria ser tratada como
um bem essencial, enquadrada entre aqueles
produtos com baixas alíquotas de impostos. Esta
seria uma condição essencial para a
universalização do serviço, além de aumentar a
competitividade da economia brasileira.
Princípios de uma estrutura tarifária
A estrutura tarifária se refere à forma pela qual
os custos totais incorridos no provimento de
bens e serviços são repartidos entre
consumidores.
Três princípios fundamentais orientam a
definição da estrutura tarifária ótima:
(i) neutralidade, que se refere a quão bem as
tarifas refletem os custos do bem ou serviço
ofertado;
(ii) igualdade, que considera tarifas iguais para
consumidores com características de
consumo semelhantes; e
57
(iii) eficiência, que se refere à sinalização que as
tarifas proporcionam para induzir os
consumidores a racionalizar o seu
consumo.
Uma estrutura tarifária ótima
Para se definir a estrutura tarifária ótima é
necessário levar em conta as características do
sistema elétrico e identificar quais são os
principais determinantes dos custos do sistema
na margem. É necessário identificar os
principais aspectos responsáveis pela alteração
dos custos operacionais (o custo marginal de
curto prazo) e as principais restrições do sistema
para os investimentos adicionais necessários
para comportar o crescimento da demanda (o
custo marginal de longo prazo).
Como o parque gerador brasileiro não é
limitado pela sua capacidade instalada
(potência) e sim pela energia disponível
(energia afluente), o preço da geração de
energia elétrica não requer, em condições
normais, uma diferenciação horosazonal muito
significativa, com o custo marginal não
apresentando padrão de variação horosazonal
previsível.
Como a transmissão e a distribuição estão
limitadas pela sua capacidade, as tarifas destas
devem levar em conta fatores horosazonais.
Essas condições podem ser alteradas por
contingências nas redes de transmissão ou
distribuição ou nas usinas geradoras. No médio
prazo o custo marginal pode ser alterado pelas
condições hidrológicas. E no longo prazo o
custo marginal pode ser alterado à medida que a
carga aumenta, ocasionando um desequilíbrio
entre a capacidade de oferta de energia
assegurada e a demanda.
Outros fatores relevantes da determinação das
tarifas referem-se ao perfil de consumo de cada
classe de consumo e à demanda de energia
reativa para os quais são necessárias maior
potência ou a instalação de capacitores, o que
acarreta custos adicionais.
Preço médio versus preço marginal
O custo marginal de expansão do setor elétrico
brasileiro tende a ser crescente porque os
potenciais hidrelétricos mais econômicos
tendem a ser desenvolvidos primeiro. No Brasil
a energia tradicionalmente foi vendida ao preço
médio. À luz da teoria econômica, o custo
marginal de expansão proporciona uma
sinalização melhor aos agentes, pois ela reflete
o custo de expandir ou reduzir o consumo total
de energia elétrica.
Concorrência na comercialização
A melhor forma de prevenir a prática da
contratação de energia a preços elevados é o
acirramento
da
concorrência
na
comercialização. Destaca-se aqui a importância
dos consumidores livres na promoção dessa
concorrência.
Uma forma de manter a concorrência na comercialização no novo modelo seria ratear a energia
estatal ou comercializar a energia estatal separadamente de forma neutra e permitir concorrência entre os produtores independentes e os ofertantes de energia nova. Isso proporcionaria côndições de manutenção do equilíbrio econômicofinanceiro dos produtores indepen-dentes atuais
e promoveria a concorrência no setor.♦♦
58
3. A SITUAÇÃO FINANCEIRA DAS DISTRIBUIDORAS
O objetivo deste capítulo é analisar a situação financeira das distribuidoras de energia elétrica de maneira
agregada, mensurando o impacto financeiro conjunto das dificuldades enfrentadas pelas empresas do
setor. O estudo não tem por objetivo englobar a totalidade das empresas, sendo focado em um
subconjunto de empresas que representam cerca de dois terços do mercado de distribuição de energia.
Optou-se, neste trabalho, por analisar com detalhes apenas as distribuidoras, pois há menor
disponibilidade de dados públicos para as geradoras. Isto não significa que a situação das geradoras
também não mereça atenção ou não seja igualmente importante.
3.1 Amostra de Empresas
A tabela abaixo mostra as 20 maiores distribuidoras de energia elétrica por participação no mercado
brasileiro. Este grupo atende 83,1% do mercado brasileiro de distribuição.
Empresa
Distribuição de Energia Elétrica – 20 maiores concessionárias
Participação de
mercado 31/3/2003
(%)
CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais
Participação
acumulada (%)
10,5
10,5
ELETROPAULO Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A
9,8
20,2
CPFL Paulista Companhia Paulista de Força e Luz
9,7
29,9
LIGHT Light Serviços de Eletricidade S/A.
5,9
35,8
COPEL Companhia Paranaense de Energia
5,3
41,1
ELETRONORTE Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A
4,8
45,9
CELESC Centrais Elétricas Santa Catarina S/A
3,9
49,8
COELBA Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia
3,2
53,0
ELEKTRO Elektro Eletricidade e Serviços S/A.
3,1
56,1
BANDEIRANTE Energia S/A.
3,0
59,1
CPFL Companhia Piratininga de Força e Luz
3,0
62,1
EEVP Empresa de Eletricidade Vale Paranapanema S/A
2,8
64,9
CERJ Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro
2,7
67,6
CAIUÁ Serviços de Eletricidade S/A
2,6
70,3
ESCELSA Espírito Santo Centrais Elétricas S/A.
2,6
72,8
CHESF Companhia Hidro Elétrica do São Francisco
2,2
75,0
AES-SUL Distribuidora Gaúcha de Energia S/A.
2,2
77,2
CELPE Companhia Energética de Pernambuco
2,1
79,3
CELG Companhia Energética de Goiás
2,0
CEEE Companhia Estadual de Energia Elétrica
1,8
Fonte: Aneel, 2003, “Participações Percentuais no Mercado de Distribuição - Referência: abril/2002 a março/2003”
81,3
83,1
Dentre as empresas listadas acima escolhemos 12 companhias para a análise financeira. A escolha foi
balizada por critérios de participação de mercado, característica do sócio controlador e importância
estratégica. Estas empresas estão listadas a seguir. Juntas correspondem a 61,7 % do mercado de energia
elétrica, com R$ 38,1 bilhões de faturamento bruto e 180.980.593 MWh fornecidos em 2002. Entre as
companhias encontramos três estatais, CEMIG, CELESC e COPEL, sendo as demais empresas privadas.
Das nove empresas privadas da lista, oito foram privatizadas no processo de desestatização recente e uma,
a Caiuá, controla empresas recentemente privatizadas.
59
Empresas incluídas na análise financeira
Participação de
Participação
mercado 31/3/2003
acumulada (%)
(%)
Empresa
CEMIG
AES ELETROPAULO Metropolitana
Tipo de Empresa
10,5
10,5
Economia mista
9,8
20,2
Privada
CPFL
9,7
29,9
Privada
LIGHT
5,9
35,8
Privada
COPEL
5,3
41,1
Economia mista
CELESC
3,9
45,0
Economia mista
COELBA
3,2
48,2
Privada
ELEKTRO
3,1
51,3
Privada
BANDEIRANTE
3,0
54,3
Privada
CAIUÁ
2,6
57,0
Privada
ESCELSA
2,6
59,6
Privada
AES-SUL
2,2
61,7
Privada
3.2 Metodologia da Análise
Para a análise das empresas foi adotada a seguinte metodologia: cada empresa teve seus dados
econômico-financeiros históricos modelados para explicitar indicadores tradicionais de resultado
operacional, financeiro, e de situação patrimonial. As demonstrações financeiras de todas as empresas
foram então agregadas por soma simples em uma empresa virtual (“Sistema”) que representa a
participação de mercado das empresas escolhidas.
A partir das demonstrações financeiras do Sistema, projetou-se o resultado até o ano de 2012, com base
em premissas que serão explicitadas em cada cenário. Não foram realizadas projeções individuais por
empresa. Entendemos que o intuito desta análise não é discutir as situações financeiras de cada empresa
em particular, mas sim identificar as necessidades financeiras do conjunto de distribuidoras e seu impacto
macroeconômico.
As fontes dos demonstrativos financeiros foram primariamente as demonstrações anuais publicadas pela
CVM, com informações adicionais fornecidas, caso a caso, pelas empresas.
3.3 Desempenho histórico do Sistema
3.3.1 Mercado de Energia Elétrica
Mostramos agora alguns indicadores de desempenho do Sistema nos últimos anos. Podemos ver que a
tendência de aumento consistente de consumo e faturamento foi bastante atingida pela crise energética de
2001-2002. Vemos também que a tarifa média continuou apresentando crescimento em termos nominais,
mesmo considerando os efeitos do racionamento, muito embora em um ritmo menor que nos anos
anteriores.
Vendas do Sistema
1997
Receita - R$ mil
Crescimento
Vendas - MWh
1998
1999
2000
2001
2002
1 t 03
16.539.678 20.331.605 23.582.917 30.694.279 37.399.901 38.080.289
23%
16%
30%
22%
2%
9.990.110
5%
183.808.463 175.549.632 177.239.145 206.190.391 187.787.414 180.980.593 45.082.600
Crescimento
Tarifas-médias - R$ / MWh
Crescimento
Fonte: CVM; Elaboração Tendências.
89
-4%
1%
16%
-9%
-4%
0%
111
127
141
166
191
212
25%
14%
11%
18%
15%
11%
60
As próximas figuras representam graficamente os números da tabela acima.
A evolução do fornecimento de energia em MWh mostra que para o Sistema houve uma queda
agregada de consumo, nos dois anos, de 13%. Supondo o crescimento anual médio esperado de
3,4% ao ano, nestes dois anos a queda de consumo em relação ao potencial foi de pouco mais de
20%.
Receita do Sistema
40.000.000
30%
35.000.000
25%
R$ mil
30.000.000
20%
25.000.000
20.000.000
15%
15.000.000
10%
10.000.000
5%
5.000.000
0
0%
1997
1998
1999
2000
2001
receita - R$ mil
2002
1T03
crescimento
Fonte: CVM; Elaboração: Tendências.
O dado anualizado do 1º trimestre de 2003 para o fornecimento de energia mostra que no trimestre houve
crescimento zero de consumo em relação à média de consumo do ano anterior. O volume de vendas, no
entanto, mostra crescimento por volta de 5%, refletindo os aumentos médios nominais de tarifas.
As tarifas médias, mostradas no próximo gráfico, indicam crescimento robusto no período, proporcionado
pelos reajustes de tarifas em função do IGP-M, índice que captou parte da forte depreciação cambial entre
1998 e 2002.
Energia fornecida pelo Sistema
20%
250.000.000
15%
200.000.000
MWh
10%
150.000.000
5%
100.000.000
0%
-5%
50.000.000
-10%
0
-15%
1997
1998
1999
2000
vendas - MWh
2001
2002
1T03
crescimento
Fonte: CVM; Elaboração Tendências.
O ritmo de crescimento das tarifas, no entanto, mostra decréscimo no primeiro trimestre de 2003. Esta
evolução será fortemente influenciada nos próximos meses pelas revisões tarifárias que já vêm ocorrendo
a partir do início do ano, mas que ainda não se refletiram no desempenho do primeiro trimestre.
61
R$ / MWh
Tarifa média do Sistema
250
25%
200
20%
150
15%
100
10%
50
5%
0
0%
1997
1998
1999
2000
2001
2002
tarifas-médias - R$ / MWh
1T03
crescimento
Fonte: CVM; Elaboração Tendências.
A queda no ritmo de crescimento das tarifas nominais médias no primeiro trimestre é influenciada pela
vigência de tarifas determinadas pelo reajuste tarifário do ano anterior.
3.3.2 Indicadores de Desempenho Econômico-Financeiro
Vemos a seguir os indicadores de desempenho financeiro do Sistema. Os impactos das desvalorizações
de 1999 e 2002 na margem líquida e o impacto do racionamento de 2001-2002 na margem do
serviço em 2002 estão evidentes. Enquanto as desvalorizações da moeda local afetaram o resultado final,
mas não o resultado da atividade em 1999, em 2002 o efeito combinado da queda de demanda por energia
e da desvalorização cambial acabou por afetar a margem do serviço também. A Rentabilidade sobre o
Patrimônio de 28,3% negativos em 2002 mostra as severas perdas para os acionistas nessas
empresas.
Desempenho Financeiro do Sistema
Lucro da atividade
44
EBITDA
Lucro líquido da controladora
Distribuição de resultados
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
1997
1998
1999
2000
1.458.289
2.141.795
1.154.620
810.341
2.972.875
4.207.034
1.160.034
1.174.190
2.687.988
4.380.218
(432.873)
760.246
3.716.513
5.861.450
833.349
998.304
2002
1 t 03
5.567.795 2.432.684
7.779.545 4.462.391
860.921 (7.513.369)
732.586
330.191
2001
592.906
1.191.277
(2.903)
4.079
21.549.616 25.268.837 27.761.317 27.709.893 24.396.629 19.035.117 19.028.285
%
1997
1998
1999
2000
2001
2002
1 t 03
Margem do serviço
12,1
13,9
10,8
12,1
14,9
6,4
5,9
Margem do EBITDA
17,8
19,6
17,6
19,1
20,8
11,7
11,9
9,6
5,4
(1,7)
2,7
2,3
(19,7)
(0,03)
5,7
4,8
(1,5)
3,1
3,7
(28,3)
(0,02)
4,0
4,9
2,7
3,7
3,1
1,2
0,02
Margem líquida
Taxa de retorno do capital
próprio
Taxa de distribuição
Fonte: CVM; Elaboração: Tendências.
As distribuições na forma de dividendos - importante indicador em um negócio que tradicionalmente
opera com níveis altos de alavancagem, margens baixas e crescimento estável, porém relativamente
modesto - chegaram a 5% do Patrimônio em 1998, mas declinaram consistentemente chegando a pífios
1,2% em 2002. É claro que este dividendo esteve concentrado nas empresas com melhores resultados,
enquanto que as empresas com maiores perdas, que levaram o desempenho do Sistema a um nível tão
negativo em 2002, não distribuíram resultados aos seus acionistas.
44
EBITDA – Earnings before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization, ou LAJIDA – Lucro antes
de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização.
62
O baixo nível de distribuição de dividendos é preocupante também no cenário atual, porque as
operadoras são controladas por empresas holdings que não têm ativos outros que não as
operadoras e que também estão endividadas, seja com suas controladoras, seja em empréstimos
bancários. Estas holdings dependem do fluxo de dividendos para fazer frente ao serviço de suas
dívidas.
Vemos a seguir a representação gráfica dos números da tabela acima. Podemos ver que, apesar de
resultado crescente na atividade e na margem EBITDA, o resultado, até 2001 e com exceção de 1999,
permanece modestamente declinante.
R$ mil
Resultado Financeiro do Sistema
10.000.000
8.000.000
6.000.000
4.000.000
2.000.000
0
(2.000.000)
(4.000.000)
(6.000.000)
(8.000.000)
(10.000.000)
1997
1998
Lucro da atividade
1999
2000
2001
2002
1T03
EBITDA
Lucro líquido da controladora
Distribuição de resultados
Fonte: CVM; Elaboração: Tendências.
Como podemos observar no próximo gráfico, o retorno ao acionista dos investimentos estratégicos em
distribuição de energia no Brasil tem sido, na média, medíocre.
Margens Financeiras do Sistema
30
20
Margem do
serviço
0
Margem do
EBITDA
%
10
-10
Margem líquida
-20
Taxa de retorno
do capital próprio
-30
Taxa de
distribuição
-40
1997 1998 1999 2000 2001 2002 1T03
Fonte: CVM; Elaboração: Tendências.
A manutenção da Margem EBITDA em níveis de 10% tem efeito negativo na capacidade do
Sistema de honrar os vencimentos de dívida.
3.3.3 Indicadores de Crédito
Mostramos a seguir alguns indicadores tradicionais de crédito e endividamento para o Sistema.
63
Indicadores de endividamento e crédito do Sistema
1997
1998
1999
2000
2001
2002
1 t 03
Endividamento - %
Financeiro líquido geral45
10,9
37,0
49,9
54,7
77,3
139,9
137,0
1,15
1,26
1,18
1,13
1,30
1,67
1,67
0,13
0,31
0,35
0,38
0,47
0,58
0,57
Estrutura
Grau de imobilização de recursos
Endividamento / Ativo Total
46
47
Indicadores de Crédito
Dívida / Ebitda
1,88
2,52
3,44
2,90
2,64
6,30
5,85
Ebitda / Despesa Financeira
3,69
2,38
0,81
1,42
1,00
0,26
0,73
(0,60)
0,55
0,27
0,78
0,69
0,13
0,73
48
Ebitda-Capex / Despesa Financeira
Fonte: CVM; Elaboração: Tendências.
Podemos ver que a alavancagem financeira do sistema em 2002 foi fortemente elevada em função
do endividamento externo das empresas e da desvalorização cambial. Este indicador se situava em
níveis em torno de 40% em 1999 e 2000. O custo financeiro de um endividamento desta ordem,
próximo a 60% do capital, tem se demonstrado insustentável diante do resultado financeiro do
Sistema em 2002.
Indicadores de endividamento do Sistema
1,8
1,6
1,4
1,2
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
financeiro
líquido geral
grau de
imobilização
de recursos
Endividamento
/ Ativo Total
1997 1998 1999 2000 2001 2002 1T03
Fonte: CVM; Elaboração: Tendências.
O endividamento apresentado em 1999 e 2000, entre 30% e 40%, demonstra uma estrutura de capital
mais condizente com o nível de volatilidade nas condições do mercado brasileiro de energia elétrica.
Os indicadores de crédito mostram que a capacidade de pagamento do Sistema se deteriorou
rapidamente em 2002. Neste indicador temos dois efeitos: primeiro, o aumento do endividamento
em função da desvalorização da moeda; e segundo, em função da diminuição das margens
ocasionada pela diminuição do consumo e prorrogações de alterações nas tarifas.
Podemos ver também que usando o EBITDA como proxy para a geração de caixa, em 2002, a geração de
caixa do Sistema foi suficiente para cobrir apenas 26% das despesas financeiras. Considerando o
reinvestimento em aquisição de imobilizado, este índice chegou a apenas 13%. Estes indicadores mostram
que, para o atual nível de geração de caixa das empresas, o nível de endividamento é excessivo.
45
46
47
48
(Endividamento de curto prazo + endividamento de longo prazo - disponibilidades – aplicações
financeiras de longo prazo) / Patrimônio líquido.
Imobilizado / Patrimônio líquido.
(Endividamento + Exigibilidades de Longo Prazo – disponibilidades) / (total de ativos –
disponibilidades).
CAPEX – Capital Expenditures, ou aquisição de imobilizado.
64
Indicadores de Crédito do Sistema
7,00
6,00
5,00
4,00
3,00
2,00
1,00
(1,00)
1997
1998
1999
2000
Dívida / EBITDA
2001
2002
1T03
Ebitda/Despesa Financeira
Ebitda-Capex/Despesa Financeira
Fonte: CVM; Elaboração: Tendências.
Entre 1997 e 2001, o Sistema apresentou taxas de aquisição de imobilizado que excederam R$ 2,5 bilhões
ao ano, sendo que em 1998 atingiram R$ 3,3 bilhões. Este indicador mostra os novos investimentos para
manutenção e expansão do sistema de distribuição. A atual situação de geração de caixa pode
inviabilizar a manutenção dos mesmos níveis de investimentos, o que pode deteriorar o nível dos
serviços prestados pelas concessionárias.
Aquisição de Imobilizado do Sistema – R$ mil
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2.490.264
3.227.630
2.951.444
2.649.642
2.421.453
2.274.289
Fonte: CVM; Elaboração: Tendências.
3.4 Projeções para o desempenho do Sistema
Nesta seção analisaremos as projeções para o desempenho econômico-financeiro do sistema com base nos
cenários desenvolvidos para a demanda de energia no capítulo 4. Nosso cenário básico é o cenário 1, de
crescimento moderado do PIB (3,4% ao ano em média). Este cenário será complementado pelos cenários
3 e 5. O cenário 3 é de um crescimento mais acelerado do produto (4,5% ao ano), enquanto que o cenário
5 é de crescimento mais lento (2,4% ao ano). Será demonstrado também um cenário retroativo com
relação aos desempenhos de 2001 e 2002, tentando dimensionar qual seria a situação econômicofinanceira do sistema hoje se não houvesse ocorrido a crise do setor na forma como ocorreu nos últimos
dois anos. Por fim, três cenários alternativos ao cenário 1 serão mostrados. O primeiro envolve uma não
realização dos recebimentos da CVA49. O segundo envolve uma possível evolução favorável dos custos
49
A Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da "Parcela A" - CVA - foi criada pela
Portaria Interministerial nº 25, de 24 de janeiro de 2002. É destinada a registrar as variações, ocorridas no
período entre reajustes tarifários, dos valores dos seguintes itens de custo da "Parcela A", de que tratam os
contratos de concessão de distribuição de energia elétrica:
I - tarifa de repasse de potência proveniente de Itaipu Binacional
II - tarifa de transporte de energia elétrica proveniente de Itaipu Binacional;
III - quota de recolhimento à Conta de Consumo de Combustíveis - CCC;
IV - tarifa de uso das instalações de transmissão integrantes da rede básica;
V - compensação financeira pela utilização dos recursos hídricos; e
VI - encargos de serviços de sistema - ESS.
O saldo da CVA é definido como o somatório das diferenças, positivas ou negativas, entre o valor do item
na data do último reajuste tarifário da concessionária de distribuição de energia elétrica e o valor do
referido item na data de pagamento, acrescida da respectiva remuneração financeira. O saldo relativo a
65
gerenciáveis abaixo da inflação. O terceiro supõe um aumento de 20% das tarifas acima da inflação nos
três primeiros anos da projeção.
3.4.1 Cenários projetados: premissas
As premissas do modelo são relacionadas a seguir:
1.
Vendas: projeções abertas por classe de consumidor, industrial, comercial e residencial, em
função das projeções macroeconômicas para o PIB. A projeção para o item ‘outras receitas’
guarda uma relação linear de 120% com o crescimento do PIB. Adotamos esta premissa, pois é
amplamente reconhecido que a demanda por energia é mais volátil que o crescimento do PIB, ou
seja, em anos de crescimento, cresce mais que o PIB, e em anos de retração, a demanda se retrai
mais que a queda do PIB.
Cenário
Crescimento médio da demanda
PIB
2.
Industrial
Total
3,4%
5.1%
4.5%
5.5%
5.1%
3 Alto crescimento
4,5%
6.0%
5.3%
7.3%
6.4%
5 Baixo crescimento
2,3%
4.2%
3.7%
3.7%
3.8%
Tarifas médias: a tarifa nominal para cada classe de consumidor será reajustada em função dos
nossos cenários, que envolvem premissas de reajuste para a tarifa real, e a expectativa de
variação do IGP-M.
2003
2004
2005
2006
2007
1- Médio crescimento
IGP-M
9,30
7,20
8,30
6,20
5,30
PIB real: 3,4%
Tarifa
14,20
7,20
8,30
6,20
5,30
3 - Alto crescimento
IGP-M
8,80
7,50
8,20
6,30
5,50
PIB real: 4,5%
Tarifa
14,20
7,50
8,20
6,30
5,50
5 - Baixo crescimento
IGP-M
9,30
23,70
19,50
12,30
4,10
PIB real: 2,3%
Tarifa
14,20
23,70
19,50
12,30
4,10
Deduções da Receita Bruta: PIS, Cofins, ICMS e outras deduções da receita bruta foram
estimadas como percentuais da receita bruta. Estes percentuais foram derivados de valores
históricos. A CCC (Cota sobre consumo de combustível) foi estimada da mesma maneira. A
RGR foi estimada como uma relação fixa com a evolução do ativo imobilizado.
Conta
4.
Comercial
1 Médio crescimento
Cenário
3.
Residencial
%
PIS/Cofins
3,8
ICMS
18,7
CCC
4,2
Outras deduções
1,7
RGR
1,5
Referência
Receita bruta
Imobilizado
Despesas Líquidas da Atividade: Adotamos como premissa que despesas de pessoal, com
materiais e com serviços de terceiros vão crescer ao mesmo ritmo da inflação, ou seja, crescerão
em função do IGP-M projetado50. O custo da energia elétrica e outras despesas foram estimados
cada item da CVA é contabilizado pela concessionária de distribuição de energia elétrica, em conta
específica para efeito de compensação no índice de reajuste tarifário subseqüente.
50
É uma hipótese conservadora, pois entendemos que ganhos de produtividade são possíveis. Estes itens
incluem os custos integrantes do que se convencionou chamar de Parcela B, ou custos gerenciáveis. A
Aneel monitora estes custos, embutindo estimativas do Fator X, ou seja, da estimativa dos ganhos de
produtividade possíveis para as empresas individualmente, que são consideradas nas revisões tarifárias
periódicas. Para incluir este conceito na análise, vamos realizar uma variante do cenário básico em que
66
com base em um percentual fixo com relação ao volume de receita líquida e bruta,
respectivamente.
Conta
%
Pessoal
-
Material
-
Serviços
Energia
Elétrica
Outras
despesas
40
Caindo progressivamente de 8% a 5% (valor
histórico)
Referência
Crescimento anual igual
ao IGP-M projetado
Vendas líquidas
Vendas brutas
5.
Imposto de Renda e Contribuição Sobre o Lucro Líquido: alíquotas legais aplicadas com redutor
de 1/3 por conta de planejamento tributário.
6.
Contas patrimoniais ativas:
7.
a.
Clientes: com base em um ano de 360 dias, o prazo médio de recebimento dos clientes
subiu de 53 dias em 1997, para 73 dias em 2002. No primeiro trimestre de 2003 o
indicador se situou em 68 dias, mas é afetado por sazonalidade. Portanto, adotamos o
prazo médio de 70 dias para todos os anos da projeção.
b.
Estoques de Manutenção: função do crescimento das despesas com material, porém tem
se mostrado praticamente estável no período 1997-2002. Adotamos a premissa de
atualizar o crescimento do estoque a uma taxa de 1/5 do crescimento das despesas com
material.
c.
Outros realizáveis de curto prazo: de 1997 a 2001 esta conta variou entre 5% e 6% das
vendas, mas se elevou até 12% em 2002. A nossa projeção adota a premissa de retorno
ao patamar histórico de 6% entre 2003 e 2006.
d.
Outros realizáveis de longo prazo: de 1997 a 2000 esta conta variou entre 25% e 30%
da receita bruta. Adotamos como premissa o retorno gradual a estes patamares,
refletidos nos percentuais de 42%, 38%, 34%, 30% e 30% da receita bruta entre 2003 e
2007. 51
Contas patrimoniais passivas:
a.
Fornecedores: a premissa para esta conta é um reajuste igual à variação das despesas
operacionais entre as quais o custo de energia elétrica é a mais importante.
b.
Impostos e taxas indiretos: esta conta, entre 2000 e 2002, foi equivalente a 40 dias de
pagamentos de deduções sobre a receita bruta. Mantivemos esta premissa.
c.
Salários, encargos sociais e outras obrigações trabalhistas: mesma variação embutida na
premissa despesas com pessoal.
d.
CSLL e IRPJ de longo prazo: supusemos uma realização (transferência para curto
prazo) de 5% por período nesta conta.
adotaremos uma premissa de redução nos custos gerenciáveis de 1,5% ao ano para o período projetado,
ou seja, os custos gerenciáveis serão corrigidos pelo IGP-M menos 1,5% ao ano.
51
Estas contas, Outros realizáveis a curto e longo prazo, incluem a postergação dos recebimentos em
função do não repasse da CVA, ou Conta de Variação da Parcela A. Entendemos que este é um
movimento temporário e que, eventualmente, estes repasses acontecerão. É claro que esta redução
paulatina de ativos realizáveis implica uma maior geração de caixa para o Sistema. Como este é um item
que depende de decisões políticas em última instância, incluímos uma análise do cenário básico em que
não ocorre a realização destes recebíveis, ou seja, estas contas de ativo permanecem com seus níveis de
2002 por todo o horizonte da projeção. Entendemos que este cenário é relevante, pois este ano uma
portaria ministerial impediu e postergou o repasse da CVA para as tarifas, gerando custos financeiros para
as distribuidoras e perdas para os acionistas. Não podemos nos esquecer que a remuneração do ativo, pela
taxa Selic, não é suficiente para cobrir as perdas financeiras, mesmo quando há um empréstimo ponte,
pois estes são remunerados a Selic + spread.
67
e.
Outras exigibilidades de curto prazo: esta conta é estável em torno de 5% do total de
ativos do ano anterior, e foi mantida esta premissa.
f.
Outras exigibilidades de longo prazo: esta conta oscila em torno de 20% do total de
ativos. Assumimos como premissa repetir os 21% de 2002 em 2003, 20,5% para 2004 e
20% daí em diante.
8.
Investimentos - resultados de participações: para esta conta de resultado supusemos uma
evolução anual equivalente a 20% do crescimento do resultado do serviço para o Sistema.
9.
Imobilizado - aquisição de imobilizado e depreciação
a.
Depreciação: adotamos a média de depreciação de 5,7% sobre o ativo imobilizado entre
2000 e 2002 como premissa.
b.
Aquisição de imobilizado (capital expenditures ou ‘CAPEX’): entre 1997 e 2001 a
relação entre CAPEX e depreciação do ano anterior caiu de 4,72 para 1,13, refletindo o
investimento em recomposição de ativos após a privatização. Supondo que no longo
prazo esta relação tende a 1, com a aquisição de imobilizado repondo a depreciação,
adotamos a seguinte série para a relação entre 2003 e 2007: 1,08; 1,06; 1,04; 1,02 e 1.
10. Diferido – amortização: assumimos como premissa a amortização de 10% do diferido por
período.
11. Participações minoritárias: adotamos arbitrariamente 2% de participações minoritárias. Este
indicador é bastante volátil, porém apresenta valores não nulos mesmo quando o resultado
agregado é deficitário. Portanto adotamos um percentual baixo, não nulo, como premissa.
12. Patrimônio líquido:
a.
Integralização: não há integralizações de capital previstas.
b.
Taxa de distribuição de resultados: estatutária, 25% do resultado, quando positivo, com
ajustes em função do fluxo de caixa livre do período. Se há fluxo de caixa livre, há
distribuição. Se há déficit de fluxo de caixa, ocorrem empréstimos de curto prazo e não
há distribuições.
13. Aplicações e Empréstimos:
a.
Taxa Selic: cenários de longo prazo.
Cenário
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
1. Médio crescimento
24,00
19,40
17,80
16,80
15,80
3. Alto crescimento
23,60
16,70
14,90
13,60
12,30
5. Baixo crescimento
24,00
21,40
26,50
25,30
22,50
b.
Spread do Sistema: adotamos 15% da Selic de spread para os primeiros dois anos, em
função das rolagens e reestruturações de dívida que vem ocorrendo, e 10% da Selic para
os anos seguintes.
c.
Necessidades de Rolagem: colocamos no modelo do Sistema os vencimentos de
principal para os próximos anos, reportados pelas companhias em suas demonstrações
financeiras, de forma agregada. O modelo foi construído para apontar a necessidade de
rolagem levando em conta os vencimentos programados. Os vencimentos agregados
programados são:
2003
Total de Vencimentos de Principal
8.134.578
2004
4.466.659
2005
2.912.938
2006
1.904.286
2007
2.895.154
Após 2007
9.026.427
Fonte: CVM
Em função dos vencimentos de dívida previstos para os próximos anos, no cenário base há fluxos de
caixa deficitários para os primeiros três anos de projeção, nos seguintes volumes:
2003
Déficit de Fluxo de Caixa
Elaboração: Tendências.
2004
2005
2006
13.243.720 7.358.026 5.707.253 1.158.823
2007
2008
2009
0
271.844
3.286.157
68
O modelo automaticamente transfere para empréstimos de curto prazo todo fluxo de caixa deficitário.
Neste modelo, não há diferença de custo entre empréstimos de curto e longo prazo. Portanto não há, a
princípio, diferença em acúmulo de endividamento de curto e longo prazo. No entanto, para evitar a
ocorrência de dívida negativa, no ano de 2007, forçamos a captação de longo prazo de 100% do déficit de
fluxo de caixa. Este é um ajuste para evitar uma anomalia apenas, não afetando as conclusões do modelo,
principalmente nos primeiros anos de projeção.
3.4.2 Resultados das projeções do cenário 1
Mostramos na próxima tabela o resultado do mercado de energia elétrica para o Sistema. Estes números
seguem a tendência de crescimento que será discutida no capítulo 4, portanto não há comentários a
respeito.
Projeções do mercado para o Sistema – cenário 1
2002
Receita - R$ mil
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
38.080.289 44.874.216 50.115.137 56.542.198 62.679.601 68.961.124 75.462.364 82.411.568 90.056.704
Crescimento
Vendas – GWh
Crescimento
Tarifas-médias - R$
/ MWh
Crescimento
1,8%
180.981
17,8%
189.363
11,7%
198.912
12,8%
208.947
10,9%
219.494
10,0%
230.579
9,4%
242.229
9,2%
254.474
9,3%
267.345
-3,6%
4,6%
5,0%
5,0%
5,0%
5,1%
5,1%
5,1%
5,1%
190,6
217,6
233,1
252,4
267,8
281,9
294,7
307,1
320,2
14,8%
14,2%
7,1%
8,2%
6,1%
5,2%
4,5%
4,2%
4,2%
Elaboração: Tendências
A figura mostra as tarifas médias projetadas. O reajuste da tarifa de 2003 foi obtido a partir dos
reposicionamentos tarifários autorizados pela ANEEL em 2003.52 Para os demais anos, foi utilizada a
variação esperada do IGP-M.
Podemos ver um crescimento a taxas decrescentes das tarifas, refletindo a menor expectativa de inflação
dos períodos subseqüentes.
52
Segundo 13 revisões tarifárias já concedidas, a revisão tarifária total média ponderada pela participação
de mercado de cada uma delas foi de 23,5%.
AES
Coelba Cosern Coelce
Sul
31,5 % 19,6 % 26,0 % 42,0 % 27,4 % 16,1 % 31,5 % 11,5 % 31,3 %
Cemig
CPFL
Cemat Enersul
RGE
Energipe Elektro
Celpa
35,2 % 27,9%
27,1%
Eletro
Média:
Paulo
9,62% 23,53%
O impacto destes reajustes sobre os balanços das empresas, através das tarifas médias projetadas para o
ano, depende da data de cada reajuste pois este aumento incide apenas sobre as receitas após o reajuste.
Uma ponderação adicional foi adotada de acordo com o número de meses sob os quais incide o reajuste e
obteve-se um reajuste para a tarifa média projetada de 14,2% em 2003. Devemos observar que, seguindo
o cronograma da ANEEL, até a finalização deste relatório, apenas 6 empresas dentre as 20 maiores
obtiveram recomposição tarifária em 2003. Adicionalmente, conforme é possível perceber na tabela
acima, estes reajustes apresentaram variações substanciais entre as diversas empresas.
69
R$ / MWh
Tarifas médias projetadas para o Sistema – cenário 1
350.0
16%
300.0
14%
250.0
12%
10%
200.0
8%
150.0
6%
100.0
4%
50.0
2%
0.0
0%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
tarifas-médias - R$ / MWh
2009
2010
crescimento
Elaboração: Tendências
A seguir mostramos os resultados econômico-financeiros do Sistema para o período. A projeção do
resultado mostra que a margem do serviço retorna gradualmente aos níveis de 2001, elevando também
gradualmente a margem EBITDA para cerca de 19% no final do período. Pelas premissas embutidas no
modelo, apenas em 2010 haveria distribuição de resultados, pois o Sistema apresentaria prejuízo
ainda até 2005, retornando ao lucro apenas em 2006. Ou seja, mesmo com elevação da margem
EBITDA para níveis pré-crise do setor, a lucratividade e o retorno do acionista continuarão baixos.
Neste cenário, com um crescimento moderado da economia, a margem do serviço e a margem
EBITDA se mantêm em níveis abaixo daqueles anteriores à crise. Nesta situação, deverão ocorrer
dificuldades para lidar com o endividamento e melhorar o retorno ao acionista, bem como deverão
ser observadas limitações em relação à capacidade de aquisição de imobilizado em níveis
equivalentes à depreciação.
Conforme ressaltado, a distribuição de dividendos só ocorre a partir de 2010 e em patamar pouco acima
do ocorrido para 1998 e 2000, por exemplo. Apesar dos resultados bastante positivos em termos de
retorno do capital próprio de 2008 em diante, não podemos nos esquecer que estas taxas acontecerão
relativas a um patrimônio líquido bastante diminuído, pois neste período o patrimônio líquido destas
empresas atingirá os mesmos níveis (nominais) observados em 1999 e 2000.
Resultado financeiro projetado para o Sistema – cenário 1
2002
2003
2004
2005
2006
2009
2010
10.065.67 11.370.17 12.812.42
1
5
7
11.164.64 12.649.69 14.084.06 15.663.41
9.783.655
8
8
1
1
(1.658.62
292.615 2.213.746 3.614.063 5.068.278
4)
0
0
0
0
0
11.105.45 11.398.07 13.611.82 17.225.88 22.294.16
9
4
0
3
1
14.439.68
4
17.435.37
3
Lucro da atividade
2.432.684 5.245.410 6.223.528 7.443.406 8.704.727
EBITDA
4.462.391 7.358.987 8.448.564
(7.513.36 (3.894.27 (2.376.76
9)
1)
3)
Distribuição de resultados
330.191
0
0
19.035.11 15.140.84 12.764.08
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
7
6
3
Lucro líquido controladora
2007
2008
6.917.039
1.086.729
28.124.47
1
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Margem do serviço
6,4
11,7
12,4
13,2
13,9
14,6
15,1
15,5
16,0
Margem do EBITDA
11,7
16,4
16,9
17,3
17,8
18,3
18,7
19,0
19,4
Margem líquida
(19,7)
(8,9)
(4,8)
(3,0)
0,5
3,3
4,9
6,3
7,8
Retorno do capital próprio
(28,3)
(20,5)
(15,7)
(13,0)
2,6
19,4
26,6
29,4
32,6
1,2
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
5,1
%
Taxa de distribuição
Elaboração: Tendências
Podemos concluir então que, se observadas as premissas do modelo, apenas a partir de 2008 o
sistema atingirá um nível saudável de rentabilidade, e mesmo assim continuará a amortizar o
pesado nível de endividamento observado em 2003 e 2004.
70
Projeção Financeira para o Sistema – cenário 1
20.000.000
R$ mil
15.000.000
10.000.000
5.000.000
0
(5.000.000)
(10.000.000)
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Lucro da atividade
EBITDA
Lucro líquido da controladora
Distribuição de resultados
Elaboração: Tendências
Projeção de Margens Financeiras do Sistema - Cenário 1
40
30
Margem do
serviço
20
Margem do
EBITDA
10
Margem líquida
%
0
Taxa de retorno
do capital próprio
-10
-20
Taxa de
distribuição
-30
-40
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Elaboração: Tendências
O modelo não prevê uma readequação da estrutura de capital ao longo do tempo. Mas é claro que
isto pode e deve ocorrer quando o Sistema atingir níveis adequados de rentabilidade e relação
dívida/capital próprio. Os indicadores de crédito também mostram uma melhora lenta no cenário
1, de crescimento moderado da economia.
Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – cenário 1
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Endividamento - %
Financeiro líquido geral
1,40
2,10
2,71
3,37
3,22
2,72
2,05
1,45
0,98
1,67
2,11
2,50
2,87
2,79
2,33
1,83
1,41
1,11
0,58
0,64
0,67
0,68
0,67
0,65
0,61
0,55
0,48
Estrutura
Grau de imobilização de
recursos
Endividamento / Ativo Total
Indicadores de Crédito
Dívida / EBITDA
6,30
4,51
4,27
3,98
3,42
3,04
2,61
2,15
1,91
Ebitda/Despesa Financeira
0,26
0,68
0,83
0,92
1,11
1,40
1,63
1,93
2,34
Ebitda-Capex/Despesa Financeira
0,13
0,49
0,64
0,72
0,90
1,16
1,36
1,62
1,99
Elaboração: Tendências
Na projeção com base nas premissas apresentadas para o cenário 1, vemos que os indicadores de
crédito retornam a níveis viáveis apenas em 2007 e, com reduções mais substanciais apenas em 2008
e 2009. Ou seja, nas premissas apresentadas, não vemos a situação como confortável ao longo dos
próximos três anos, pois, muito embora o endividamento atinja 4,3 vezes o EBITDA em 2004,
71
decrescendo para 3 vezes o EBITDA em 2007, este indicador não leva em conta outras exigibilidades de
longo prazo que têm volume significativo para o sistema.
Projeção de Endividamento do Sistema – cenário 1
4,00
3,50
3,00
financeiro líquido
geral
2,50
2,00
grau de
imobilização de
recursos
1,50
1,00
Endividamento /
Ativo Total
0,50
0,00
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Elaboração: Tendências
Projeção de indicadores de crédito do Sistema – cenário 1
7,00
6,00
Dívida / EBITDA
5,00
4,00
Ebitda/Despesa
Financeira
3,00
EbitdaCapex/Despesa
Financeira
2,00
1,00
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Elaboração: Tendências
Outra observação a ser feita é que o Sistema manteve, nos anos anteriores a 2002 volumes de aquisição de
imobilizado muito superiores à depreciação, porém os índices de endividamento não estavam críticos.
Com uma crise de endividamento que ocorre hoje, é improvável que o ritmo de aquisição de
imobilizado continue.
3.4.3 Resultados das projeções do cenário 3
Vemos a seguir as projeções para o mercado do Sistema no cenário 3, de alto crescimento da economia.
Comparando com as projeções do cenário 1, vemos que as vendas crescem a um ritmo mais rápido.
Lembrando que o Sistema é alavancado, com alto custo de capital, na margem a diferença de faturamento
afeta diretamente a saúde financeira.
72
Projeções do mercado para o Sistema – cenário 3
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
38.080.28 45.295.83 51.272.19 58.443.60 65.577.07 73.103.51 80.767.18 88.896.23 97.727.37
9
5
5
6
6
9
5
4
4
1,8%
18,9%
13,2%
14,0%
12,2%
11,5%
10,5%
10,1%
9,9%
receita - R$ mil
Crescimento
Vendas - GWh
180.981
-3,6%
Crescimento
tarifas-médias - R$ / MWh
Crescimento
191.512
5,8%
203.810
6,4%
216.913
6,4%
230.874
6,4%
245.750
6,4%
261.603
6,5%
278.496
6,5%
296.500
6,5%
190,6
217,4
233,2
251,8
267,2
281,3
293,1
303,9
314,5
14,8%
14,1%
7,3%
8,0%
6,1%
5,3%
4,2%
3,7%
3,5%
Elaboração: Tendências
O crescimento da demanda em nível mais alto representa R$ 1,7 bilhão acumulados de EBITDA em
quatro anos, sendo cerca de R$ 770 milhões apenas em 2006. Até 2010, esta diferença acumulada atinge
R$ 8,1 bilhões e expressa a sensibilidade dos resultados ao crescimento da demanda.
R$ / MWh
Tarifas médias projetadas para o Sistema – cenário 3
350,0
16%
300,0
14%
250,0
12%
10%
200,0
8%
150,0
6%
100,0
4%
50,0
2%
0,0
0%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
tarifas-médias - R$ / MWh
2008
2009
2010
crescimento
Elaboração: Tendências
As margens operacionais aumentam significativamente, reforçando o quão sensível o sistema é ao
nível de demanda por energia, um resultado bastante normal para uma operação alavancada e com
alto grau de imobilização.
Resultado financeiro projetado para o Sistema – cenário 3
2002
2003
Lucro da atividade
2.432.684 5.378.030
EBITDA
4.462.391 7.491.607
(7.513.36 (3.474.98
9)
5)
Distribuição de resultados
330.191
0
19.035.11 15.560.13
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
7
2
Lucro líquido controladora
%
2004
2005
2006
2009
2010
11.169.18 12.797.42 14.583.74
6.533.567 7.957.627 9.481.625
4
5
4
10.297.87 11.941.54 13.753.21 15.511.31 17.434.72
8.758.603
6
6
2
1
8
(1.180.82
274.304 2.223.433 4.694.410 6.729.278 8.888.856
7)
0
0 201.249
0 658.491 228.405
14.379.30 14.653.60 16.675.79 21.370.20 27.440.98 36.101.43
4
8
1
1
8
9
2007
2008
16.574.15
2
19.569.84
2
11.373.61
8
2.158.937
45.316.12
0
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Margem do serviço
6,4
11,9
12,7
13,6
14,5
15,3
15,8
16,4
17,0
Margem do EBITDA
11,7
16,5
17,1
17,6
18,2
18,8
19,2
19,6
20,0
Margem líquida
(19,7)
(7,8)
(2,4)
0,5
3,5
6,6
8,5
10,2
11,9
Retorno do capital próprio
(28,3)
(18,3)
(7,6)
1,9
15,4
28,2
32,5
32,7
33,5
1,2
0,0
0,0
0,0
1,4
0,0
3,2
0,8
6,4
Taxa de distribuição
Elaboração: Tendências
Podemos ver que a rentabilidade é bem melhor neste cenário. Já em 2006 recomeçam as distribuições, a
níveis contudo abaixo de 4% do patrimônio líquido. Apenas em 2010 a taxa de distribuição retorna a
patamar semelhante ao observado em 1998.
73
Projeção Financeira para o Sistema – cenário 3
25.000.000
20.000.000
R$ mil
15.000.000
10.000.000
5.000.000
0
(5.000.000)
(10.000.000)
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Lucro da atividade
EBITDA
Lucro líquido da controladora
Distribuição de resultados
Elaboração: Tendências
A rentabilidade total ao acionista sobe acima de 20% já em 2007, quando atinge 28,2%. O Sistema, neste
cenário, apresenta reduções de patrimônio líquido somente até 2004, recuperando-se em seguida. Note-se,
entretanto, que o patrimônio líquido do sistema em 2008 é ainda inferior ao valor pré-crise do
racionamento.
Projeção de Margens Financeiras do Sistema - Cenário 3
40
30
Margem do
serviço
20
Margem do
EBITDA
%
10
Margem líquida
0
Taxa de retorno
do capital próprio
-10
-20
Taxa de
distribuição
-30
-40
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Elaboração: Tendências
De um modo geral, o melhor cenário de demanda permite uma recuperação mais rápida do Sistema, com
indicadores de crédito retornando a níveis confortáveis já em 2005, e uma recuperação da capacidade de
investir em imobilizado com recursos próprios somente em 2006.
Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – cenário 3
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
1,40
2,03
2,33
2,36
1,91
1,41
0,93
0,52
0,22
Grau de imobilização de recursos
1,67
2,05
2,22
2,17
1,91
1,48
1,15
0,87
0,69
Endividamento / Ativo Total
0,58
0,63
0,65
0,64
0,60
0,55
0,48
0,40
0,30
Dívida / EBITDA
6,30
4,41
4,00
3,50
2,86
2,35
1,96
1,37
1,21
Ebitda/Despesa Financeira
0,26
0,71
0,96
1,13
1,49
2,04
2,67
3,37
4,86
Ebitda-Capex/Despesa Financeira
0,13
0,52
0,74
0,91
1,23
1,71
2,27
2,89
4,21
Endividamento - %
Financeiro líquido geral
Estrutura
Indicadores de Crédito
Elaboração: Tendências
74
De um modo geral, o Sistema é bastante dependente da recuperação da demanda. Este cenário de
maior demanda permite o ganho de um ano no prazo de recuperação da situação financeira de
2002, em relação ao tempo que seria necessário caso o cenário 1 se confirmasse.
Projeção de Endividamento do Sistema – cenário 3
2,50
2,00
financeiro líquido
geral
1,50
grau de
imobilização de
recursos
1,00
0,50
Endividamento /
Ativo Total
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
0,00
Elaboração: Tendências
No longo prazo, o ganho de tempo para uma situação bastante saudável é de dois anos em relação ao que
é possível no cenário 1. E o nível de distribuições retorna a um patamar que permite também algum
fôlego às controladoras.
Projeção de indicadores de crédito do Sistema – cenário 3
7,00
6,00
Dívida / EBITDA
5,00
4,00
Ebitda/Despesa
Financeira
3,00
EbitdaCapex/Despesa
Financeira
2,00
1,00
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Elaboração: Tendências
Conforme é possível perceber pelo gráfico acima, no cenário 3, o decréscimo da relação Dívida/EBITDA
ocorre de forma mais acelerada que no cenário 1 e a relação EBITDA/Despesa Financeira atinge valores
próximos a 2 já em 2007 (2009 no cenário 1), denotando uma maior capacidade de investimento do
Sistema no cenário atual.
3.4.4 Resultados das projeções do cenário 5
Nosso cenário 5 é o cenário de baixo nível de crescimento da economia e da demanda por energia
elétrica. Nele o crescimento de demanda por energia elétrica é menor que 3% ao ano, conforme mostrado
na próxima tabela.
75
Projeções do mercado para o Sistema – cenário 5
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
103.726.96
2
6,4%
7,5%
232.511
241.074
Receita-R$ mil 38.080.289 44.454.668 56.090.899 68.726.266 79.528.720 85.670.914 90.731.311 96.496.231
Crescimento
Vendas-GWh
1,8%
180.981
Crescimento
Tarifas-médias
R$ / MWh
Crescimento
16,7%
187.223
26,2%
194.098
22,5%
201.229
15,7%
208.626
7,7%
216.298
5,9%
224.256
-3,6%
3,4%
3,7%
3,7%
3,7%
3,7%
3,7%
3,7%
3,7%
190,6
217,9
269,7
322,6
362,6
377,7
386,4
396,7
411,8
14,8%
14,3%
23,8%
19,6%
12,4%
4,2%
2,3%
2,7%
3,8%
Elaboração: Tendências
A alta sensibilidade a variações no nível de demanda, associada a um cenário macroeconômico mais
instável, resulta em um cenário com prejuízos e endividamento crescente, não sustentável a longo prazo.
Tarifas médias projetadas para o Sistema – cenário 5
25%
450,0
400,0
20%
R$ / MWh
350,0
300,0
15%
250,0
200,0
10%
150,0
100,0
5%
50,0
0,0
0%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
tarifas-médias - R$ / MWh
2008
2009
2010
crescimento
Elaboração: Tendências
Muito embora o EBITDA nominal neste cenário cresça marginalmente, o baixo crescimento da economia
está associado a um nível de taxas de juros bem mais alto, o que provoca prejuízos recorrentes ao Sistema
ao longo da década. O patrimônio líquido do Sistema se torna negativo em 2005. Apesar de
mostrarmos aqui os mesmos dados apresentados para os outros cenários, entendemos que este é um
exercício teórico que não se realizará devido às magnitudes de prejuízos e redução do valor das empresas
envolvidas.
2002
Lucro da
atividade
EBITDA
Lucro líquido
controladora
Distribuição de
resultados
PATRIMÔNIO
LÍQUIDO
%
Margem do
serviço
Margem do
EBITDA
Margem líquida
Retorno do
capital próprio
Taxa de
distribuição
Resultado financeiro projetado para o Sistema – cenário 5
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2.432.684
5.137.753
6.890.669
8.936.554
10.873.781
12.225.203
13.261.485
14.454.632
15.938.620
4.462.391
7.251.329
9.115.705
11.276.803
13.333.701
14.809.230
15.975.371
17.305.616
18.934.310
(7.513.369) (3.993.995) (9.171.647) (13.839.116)
(13.805.370)
(8.380.509)
(6.082.678)
(5.203.180)
(5.555.133)
0
0
0
0
0
330.191
0
0
0
19.035.117 15.041.122
5.869.475
(7.969.641)
(21.775.010) (30.155.519) (36.238.197) (41.441.377) (46.996.510)
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
6,4
11,6
12,3
13,0
13,7
14,3
14,6
15,0
15,4
11,7
16,3
16,3
16,4
16,8
17,3
17,6
17,9
18,3
(19,7)
(9,2)
(16,7)
(20,5)
(17,7)
(10,0)
(6,8)
(5,5)
(5,5)
(28,3)
(21,0)
(61,0)
(235,8)
-
-
-
-
-
1,2
0,0
0,0
0,0
-
-
-
-
-
Elaboração: Tendências
76
Se as premissas de crescimento da demanda e de taxas de juros deste cenário se tornarem
realidade, as reestruturações de empresas no setor se tornarão freqüentes, com negociações duras
que envolverão perdas não só para os acionistas, mas também para os financiadores.
R$ mil
Projeção Financeira para o Sistema – cenário 5
25.000.000
20.000.000
15.000.000
10.000.000
5.000.000
0
(5.000.000)
(10.000.000)
(15.000.000)
(20.000.000)
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Lucro da atividade
EBITDA
Lucro líquido da controladora
Distribuição de resultados
Elaboração: Tendências
Neste cenário, a atual configuração estratégica do setor se altera em menos de três anos, quando as perdas
para os acionistas se tornarão insustentáveis.
25
20
0
15
10
-50
5
0
-5
-100
Margem do
serviço
Margem do
EBITDA
Margem líquida
2010
2009
2008
2007
-250
2006
Taxa de retorno
do capital próprio
2005
-200
-20
-25
2004
Taxa de
distribuição
2003
-150
-10
-15
2002
%
Projeção de Margens Financeiras do Sistema - Cenário 5
Elaboração: Tendências
Obviamente acreditamos que as empresas não entrarão em colapso, mas é certo que este cenário é
desastroso em termos de perda de credibilidade e de confiança de investidores no setor. Este
cenário também impediria o posterior envolvimento do investidor privado no esforço de aumento
da geração de energia, dado que os compradores de energia estariam em situação desastrosa de
liquidez, o que tornaria os PPAs necessários em estruturas de Project Finance sem valor como
garantias.
77
Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – cenário 5
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Endividamento - %
2009
2010
1,40
2,10
7,59
(7,68)
(3,45)
(2,85)
(2,58)
(2,44)
(2,32)
1,67
2,12
5,43
(4,00)
(1,46)
(1,05)
(0,87)
(0,76)
(0,66)
0,58
0,64
0,76
0,91
1,06
1,14
1,19
1,23
1,26
6,30
4,56
5,05
5,56
5,75
5,90
5,96
5,92
5,84
0,26
0,67
0,52
0,45
0,49
0,65
0,74
0,79
0,80
0,13
0,48
0,40
0,37
0,41
0,55
0,63
0,68
0,69
Financeiro líquido geral
Estrutura
Grau de imobilização de recursos
Endividamento / Ativo Total
Indicadores de Crédito
Dívida / EBITDA
Ebitda/Despesa Financeira
Ebitda-Capex/Despesa Financeira
Elaboração: Tendências
O próximo gráfico faz sentido apenas para os primeiros dois anos de projeção, quando o patrimônio
líquido do Sistema ainda é positivo. Podemos ver a rápida deterioração dos indicadores. O índice de
endividamento financeiro líquido atinge 7,59 em 2004, associado a um alto grau de imobilização dos
recursos (5,43).
Projeção de Endividamento do Sistema – cenário 5
10,00
8,00
6,00
4,00
financeiro líquido
geral
2,00
0,00
(2,00)
grau de
imobilização de
recursos
(4,00)
(6,00)
Endividamento /
Ativo Total
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
(8,00)
(10,00)
Elaboração: Tendências
Vemos a seguir que os indicadores de crédito permanecem em níveis desconfortáveis ao longo da década.
A geração de caixa é insuficiente para fazer frente aos pagamentos de despesas financeiras, ocorrendo
crescimento contínuo da relação Dívida/EBITDA. O indicador de EBITDA/Despesa financeira, apesar de
crescente, atinge seu valor máximo em 2010 (0,80). Novamente, devemos enfatizar que se as
premissas deste cenário se realizarem, as empresas provavelmente passarão por processos de
reestruturação, e a nova estrutura de capital será muito menos alavancada.
78
Projeção de indicadores de crédito do Sistema – cenário 5
7,00
6,00
Dívida / EBITDA
5,00
4,00
Ebitda/Despesa
Financeira
3,00
2,00
EbitdaCapex/Despesa
Financeira
1,00
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
-
Elaboração: Tendências
As projeções apenas mostram que o nível de incerteza gerado por uma implementação incompleta de um
modelo para o setor, qualquer que ele seja, tornará mais caro o custo de capital, pois estruturas
alavancadas não serão viáveis. Na evolução histórica do Sistema, vimos que a instabilidade
macroeconômica de 2002, aliada ao problema intrínseco ao setor que foi o racionamento, acabou
por transformar uma estrutura de capital que foi viável até o ano 2000 em uma estrutura inviável.
Os problemas macroeconômicos brasileiros não eram previstos na época em que as estruturas de capital
foram idealizadas, e esta estrutura evoluiu para uma situação crítica hoje.
3.4.5 Efeito de um aumento real de 20% nas tarifas em 3 anos
O cenário básico apresentado (cenário 1), aquele que consideramos o mais provável, indica que o Sistema
deverá ser submetido nos próximos anos à continuidade de um processo de deterioração das condições de
rentabilidade e dos indicadores de crédito. Sob aquelas premissas, deverá ocorrer uma combinação de
dificuldade de geração de recursos próprios com a necessidade de amortização de encargos financeiros.
Deste modo, será restrita a capacidade do sistema de gerar recursos para a expansão e manutenção da
infra-estrutura existente, conforme demonstrado através dos indicadores de geração de caixa.53
Considerando-se que não se vislumbra o cenário de crescimento acelerado da demanda, que poderia
melhorar a performance do Sistema em um prazo mais curto, desenvolvemos um cenário alternativo no
qual ocorre um aumento real das tarifas de 20% distribuído ao longo de 2003 a 2005. Adotamos a
premissa de um reajuste nominal de 20% em 2003, com reajustes acima da variação do IGP-M nos dois
anos subseqüentes.
Vemos na próxima tabela as projeções para o mercado do Sistema neste cenário. O aumento do valor real
das tarifas nos primeiros três anos da projeção apresenta impactos na evolução das receitas, que crescem a
um ritmo mais rápido.
Projeções do mercado para o Sistema – aumento do valor real das tarifas em 20%
2002
Receita - R$ mil
Crescimento
Vendas - GWh
Crescimento
Tarifas-médias - R$ /
MWh
Crescimento
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
38.080.28 46.967.09 54.686.08 64.372.89 71.410.43 78.613.28 86.062.35 94.019.30 102.768.2
9
3
8
0
9
3
0
9
69
1,8%
23,3%
16,4%
17,7%
10,9%
10,1%
9,5%
9,2%
9,3%
180.981
189.363
198.912
208.947
219.494
230.579
242.229
254.474
267.345
-3,6%
4,6%
5,0%
5,0%
5,0%
5,1%
5,1%
5,1%
5,1%
190,6
228,7
256,1
289,8
307,6
323,7
338,4
352,8
367,7
14,8%
20,0%
12,0%
13,2%
6,1%
5,2%
4,5%
4,2%
4,2%
Elaboração: Tendências
53
Em especial o indicador (EBITDA – CAPEX) / Despesa financeira, que só retorna a um patamar acima
de 1 em 2006.
79
O crescimento da receita em nível mais alto representa R$ 6,1 bilhões adicionais acumulados de EBITDA
em quatro anos. Apenas no ano de 2006, este diferencial atinge cerca de R$ 2,3 bilhões. Percebe-se,
nitidamente, um efeito positivo de aumento nas margens e da rentabilidade do Sistema.
Resultado financeiro projetado para o Sistema –
aumento do valor real das tarifas em 20%
2002
2003
Lucro da atividade
2.432.684 5.782.450
EBITDA
4.462.391 7.896.026
(7.513.36 (3.396.80
9)
7)
Distribuição de resultados
330.191
0
19.035.11 15.638.31
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
7
0
Lucro líquido controladora
2004
2005
2006
2007
2008
11.010.57 12.638.97 14.196.16
7.407.877 9.491.942
1
0
8
11.832.19 13.470.49 15.222.99 16.910.05
9.632.913
1
2
7
4
(1.370.53
294.278 2.183.164 4.711.877 6.630.211
4)
0
0 350.530
0 638.152
14.267.77 14.562.05 16.394.68 21.106.56 27.098.62
6
4
8
6
4
2007
2008
2010
2002
2003
2004
2005
Margem do serviço
6,4
12,3
13,5
14,7
15,4
16,1
16,5
16,9
17,3
Margem do EBITDA
11,7
16,8
17,6
18,4
18,9
19,4
19,6
20,0
20,3
%
2006
2009
15.907.09 17.828.63
1
1
18.758.07 20.824.32
5
0
11.424.22
8.782.098
4
204.702 2.173.623
35.676.02 44.926.62
0
1
2009
2010
Margem líquida
(19,7)
(7,4)
(2,6)
0,5
3,1
6,1
7,9
9,5
11,3
Retorno do capital próprio
(28,3)
(17,8)
(8,8)
2,1
15,4
28,7
32,4
32,7
34,1
1,2
0,0
0,0
0,0
2,5
0,0
3,1
0,8
6,5
Taxa de distribuição
Elaboração: Tendências
Já em 2005, as controladoras, de forma agregada, passam a apresentar lucros nos seus balanços e, pelas
premissas do modelo, poderiam efetuar distribuições de dividendos em 2006. No cenário 1, isso só ocorre
em 2010. Todavia, apesar do aumento progressivo do retorno do capital próprio, apenas em 2010 a taxa
de distribuição retorna a um patamar semelhante ao observado no final da década passada.
Projeção Financeira para o Sistema – aumento do valor real das tarifas em 20%
25.000.000
20.000.000
R$ mil
15.000.000
10.000.000
5.000.000
0
(5.000.000)
(10.000.000)
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Lucro da atividade
Lucro líquido da controladora
EBITDA
Distribuição de resultados
Elaboração: Tendências
Este cenário apresenta-se como mais favorável que o cenário 1, permitindo uma recuperação financeira
mais rápida das empresas, um menor nível de endividamento, com indicadores de crédito retornando a
níveis confortáveis já em 2006.
De um modo geral, o melhor cenário de crescimento das receitas permite uma recuperação mais rápida do
Sistema. Contudo, cabe ressaltar que, mesmo no caso de um aumento real das tarifas da ordem de 20%,
associado a um crescimento moderado da demanda, os recursos disponíveis para investimentos não
devem crescer substancialmente. Uma recuperação da capacidade de investir em imobilizado com
recursos próprios deverá ocorrer somente em 2006. Isso ocorre porque a relação Dívida/EBITDA só
deverá reduzir-se a níveis mais satisfatórios por volta deste período e será quando a relação entre a
geração de caixa após os gastos de capital deverá ser capaz de cobrir as despesas financeiras.
80
Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – aumento do valor real das tarifas em 20%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
1,40
2,08
2,46
2,54
2,05
1,51
1,01
0,58
0,26
Grau de imobilização de recursos
1,67
2,04
2,24
2,19
1,94
1,50
1,16
0,88
0,70
Endividamento / Ativo Total
0,58
0,64
0,65
0,65
0,61
0,56
0,49
0,42
0,32
Endividamento - %
Financeiro líquido geral
Estrutura
Indicadores de Crédito
Dívida / EBITDA
6,30
4,30
3,80
3,25
2,71
2,28
1,93
1,40
1,25
Ebitda/Despesa Financeira
0,26
0,73
0,93
1,09
1,36
1,77
2,17
2,60
3,58
Ebitda-Capex/Despesa Financeira
0,13
0,54
0,74
0,90
1,14
1,51
1,87
2,25
3,13
Elaboração: Tendências
De todo modo, este cenário permite o ganho de um ano no prazo de recuperação da situação
financeira de 2002, em relação ao tempo que seria necessário caso o cenário 1 se confirmasse. Além
disso, observar-se-ia a redução do risco de financiamento do Sistema por parte dos agentes
financeiros (capital de terceiros).
O próximo gráfico compara a trajetória do indicador de endividamento financeiro líquido para este
cenário com os demais. Sob este aspecto, o aumento nas tarifas apresenta impactos semelhantes ao do
cenário que prevê crescimento mais acelerado da demanda.
Projeções de Endividamento Financeiro Líquido do Sistema sob diferentes cenários
3,00
2,50
2,00
financeiro líquido
geral
1,50
1,00
0,50
Endividamento /
Ativo Total
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
0,00
grau de
imobilização de
recursos
Elaboração: Tendências
As projeções dos indicadores de crédito do Sistema são apresentadas no próximo gráfico.
81
Projeção de indicadores de crédito do Sistema –
aumento do valor real das tarifas em 20%
7,00
6,00
Dívida / EBITDA
5,00
4,00
Ebitda/Despesa
Financeira
3,00
EbitdaCapex/Despesa
Financeira
2,00
1,00
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Elaboração: Tendências
Neste cenário, o decréscimo da relação Dívida/EBITDA ocorre de forma mais acelerada que no cenário 1
e a relação EBITDA/Despesa Financeira atinge valores próximos a 2 já em 2008 (2009 no cenário 1). No
longo prazo, a rentabilidade total ao acionista sobe acima de 20%, atingindo 28,7% já em 2007. O
Sistema, neste cenário, apresenta reduções de patrimônio líquido somente até 2004, recuperando-se em
seguida.
O gráfico a seguir compara a evolução do patrimônio líquido do Sistema para os cenários apresentados.
Note-se a progressiva redução do valor patrimonial das empresas a partir de 2001. Essa tendência deverá
continuar pelos próximos anos para todos os cenários, mas sua reversão será mais rápida caso ocorram as
premissas dos cenários 3 (crescimento acelerado da demanda) e do cenário de aumento real das tarifas.
Na hipótese mais otimista, apenas em 2008 o patrimônio líquido do Sistema retorna – em valores
nominais – ao patamar que precede a crise de 2001. Isso denota claramente os efeitos de longo prazo
deste choque sobre a rentabilidade acumulada das empresas.
Evolução do Patrimônio Líquido do Sistema – R$ Milhões
50.000
45.000
40.000
35.000
30.000
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
Cenário 1
Cenário 3
Cenário 5
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
0
IGP-M + 20% (2003-2005)
Elaboração: Tendências
3.4.6 Efeito mudança na margem do serviço
Este cenário foi incluído para simular uma situação de melhora da margem operacional através de ganhos
nos custos gerenciáveis, ou parcela B, os custos que estão sob o controle da gerência das empresas que
82
fazem parte do Sistema. Adotamos arbitrariamente uma redução de 1,5% nos reajustes anuais dos custos
com pessoal, materiais e serviços de terceiros. Os resultados são mostrados na próxima tabela:
Resultado financeiro projetado para o Sistema – mudança de margem
Lucro da atividade
EBITDA
Lucro líquido
controladora
Distribuição de
resultados
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
2002
2003
2004
2005
2009
2010
2.432.684
5.318.703
6.381.107
7.697.577
9.063.850 10.537.211
11.960.338 13.527.905
15.288.663
4.462.391
7.432.279
8.606.143 10.037.827
11.523.770 13.121.238
14.674.225 16.378.889
18.284.352
(7.513.369) (3.815.497) (2.192.821) (1.330.048)
%
330.191
0
19.035.117
15.219.620
2002
2003
0
2005
2007
767.517
2.805.837
0
0
0
13.026.799 11.696.750
2004
2006
12.464.268 15.270.105
2006
2008
4.398.725
6.023.934
124.064
0
1.390.549
19.544.767 25.568.701
32.316.254
2007
2008
2009
8.138.101
2010
Margem do serviço
6,4
11,9
12,7
13,6
14,5
15,3
15,8
16,4
17,0
Margem do EBITDA
11,7
16,6
17,2
17,8
18,4
19,0
19,4
19,9
20,3
(19,7)
(8,7)
(4,5)
(2,4)
1,2
4,2
5,9
7,5
9,2
(28,3)
(20,0)
(14,4)
(10,2)
6,6
22,5
29,0
30,8
33,7
1,2
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,8
0,0
5,8
Margem líquida
Retorno do capital
próprio
Taxa de distribuição
Elaboração: Tendências
Percebemos que há um ganho de EBITDA na operação de aproximadamente R$ 850 milhões acumulados
até 2006. Na situação patrimonial, temos R$ 1.060 milhões a mais de patrimônio líquido e R$ 950
milhões a menos de dívida. Diante de um estoque de R$ 38 bilhões de endividamento em 2006, este é um
ganho bastante pequeno em termos relativos.
Projeção Financeira para o Sistema – mudança de margem
20.000.000
15.000.000
R$ mil
10.000.000
5.000.000
0
(5.000.000)
(10.000.000)
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Lucro da atividade
Lucro líquido da controladora
EBITDA
Distribuição de resultados
Elaboração: Tendências
Este é um resultado bastante natural em função de a maior parte dos custos da operação serem não
gerenciáveis.
83
Projeção de Margens Financeiras do Sistema - mudança de margem
40
30
Margem do
serviço
20
Margem do
EBITDA
10
Margem líquida
%
0
Taxa de retorno
do capital próprio
-10
-20
Taxa de
distribuição
-30
-40
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Elaboração: Tendências
Os indicadores de performance são marginalmente melhores que os obtidos no nosso cenário básico de
crescimento moderado da economia.
Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – mudança de margem
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Endividamento - %
Financeiro líquido geral
1,40
2,08
2,64
3,16
2,87
2,32
1,69
1,13
0,71
Estrutura
Grau de imobilização de recursos
1,67
2,10
2,45
2,72
2,55
2,07
1,61
1,23
0,97
Endividamento / Ativo Total
0,58
0,64
0,66
0,68
0,66
0,63
0,58
0,52
0,44
Indicadores de Crédito
Dívida / EBITDA
6,30
4,46
4,17
3,83
3,23
2,82
2,38
1,89
1,67
Ebitda/Despesa Financeira
0,26
0,69
0,85
0,95
1,16
1,49
1,77
2,12
2,68
Ebitda-Capex/Despesa Financeira
0,13
0,50
0,65
0,75
0,95
1,24
1,49
1,80
2,30
Elaboração: Tendências
Podemos ver então que, mesmo em um cenário de redução constante dos custos gerenciáveis em termos
reais, a melhora da situação financeira das empresas é pequena com relação ao nosso cenário básico.
Projeção de Endividamento do Sistema – mudança de margem
3,50
3,00
2,50
2,00
1,50
1,00
0,50
grau de
imobilização de
recursos
Endividamento /
Ativo Total
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
0,00
financeiro líquido
geral
Elaboração: Tendências
Como no cenário 1, o Sistema retorna a níveis confortáveis de endividamento apenas em 2007, quando a
relação entre dívida e patrimônio líquido fica declinante e tendendo para um valor menor que 1. O
endividamento retorna para o patamar de 50% dos ativos totais apenas em 2009.
84
Os indicadores de liquidez mostram a retomada da capacidade de investimento em função da geração de
caixa com uma certa margem de segurança apenas em 2007, quando o indicador (EBITDACAPEX)/Despesa Financeira atinge 1,24.
Projeção de indicadores de crédito do Sistema – mudança de margem
7,00
6,00
Dívida / EBITDA
5,00
4,00
Ebitda/Despesa
Financeira
3,00
2,00
EbitdaCapex/Despesa
Financeira
1,00
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
-
Elaboração: Tendências
Esta projeção mostra que ganhos de eficiência nos custos gerenciáveis representam uma melhora
marginal na situação financeira das empresas do Sistema, devido à pouca importância relativa
destes custos nos custos totais da operação.
3.4.7 Efeito mudança na conta outros realizáveis
Este cenário envolve a mudança da premissa da conta outros realizáveis de longo e curto prazo. Estas
contas contêm os recebimentos futuros de reajustes por conta da CVA, conta que controla as variações de
custos não gerenciáveis a serem repostos em reajustes de tarifas futuros.
No início deste ano, uma portaria ministerial54 postergou por 1 ano o repasse dos saldos destas contas,
repasse este que será parcelado em dois anos. O saldo será corrigido pela taxa Selic do período.
Recentemente, para remediar a redução de geração de caixa por conta desta portaria, foi indicado que o
BNDES colocaria à disposição das distribuidoras R$ 1,9 bilhões de reais em empréstimos com o
propósito específico de cobrir a diferença gerada pela portaria55.
Entendemos que este é um mecanismo que causa perdas às empresas. Isto ocorre porque o BNDES
não colocará os recursos à disposição das empresas por taxas equivalentes apenas à Selic do
período, mas cobrará um spread por isto, que será de até 1,5% a.a.56 O diferencial afeta o resultado
líquido das empresas ou, mais especificamente, diminui o resultado líquido e o retorno ao acionista.
O cenário envolve a manutenção das contas outros realizáveis a ‘curto e a longo prazo’ nos mesmos
patamares de 2002, ou seja, estes recebimentos nunca se realizam. Este cenário hipotético tem o intuito
de mostrar como o repasse integral dos custos não gerenciáveis é importante para as empresas, com
um efeito muito mais significativo que a melhora de margem em função da redução dos custos
gerenciáveis.
Resultado financeiro projetado para o Sistema – sem CVA
Lucro da atividade
EBITDA
Lucro líquido
controladora
Distribuição de
resultados
PATRIMÔNIO
54
2002
2003
2004
2005
2.432.684
5.245.410
6.223.528
7.443.406
4.462.391
7.358.987
8.448.564
9.783.655 11.164.648 12.649.698 14.084.061 15.663.411 17.435.373
(7.513.369) (3.894.271) (2.567.320) (2.727.397) (1.562.790)
330.191
0
2007
2008
2009
2010
(151.405)
1.061.168
2.112.459
3.352.097
0
0
0
0
0
0
0
19.035.117 15.140.846 12.573.525
9.846.129
8.283.338
8.131.934
Portaria Interministerial n.º 116, de 4 de abril de 2003.
Gazeta Mercantil, 6 de agosto de 2003.
56
Medida Provisória n.º 127, de 4 de agosto de 2003.
55
2006
8.704.727 10.065.671 11.370.175 12.812.427 14.439.684
9.193.102 11.305.561 14.657.658
85
LÍQUIDO
%
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Margem do serviço
6,4
11,7
12,4
13,2
13,9
14,6
15,1
15,5
2010
16,0
Margem do EBITDA
11,7
16,4
16,9
17,3
17,8
18,3
18,7
19,0
19,4
Margem líquida
Retorno do capital
próprio
Taxa de distribuição
(19,7)
(8,9)
(5,2)
(4,9)
(2,5)
(0,2)
1,4
2,6
3,8
(28,3)
(20,5)
(17,0)
(21,7)
(15,9)
(1,8)
13,0
23,0
29,6
1,2
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
Elaboração: Tendências
Projeção Financeira para o Sistema – sem CVA
20.000.000
15.000.000
R$ mil
10.000.000
5.000.000
0
(5.000.000)
Lucro da atividade
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
(10.000.000)
EBITDA
Lucro líquido da controladora
Distribuição de resultados
Elaboração: Tendências
Vemos na tabela e gráfico acima que mesmo com a recuperação da margem do serviço e da margem
EBITDA do Sistema, o fluxo de caixa perdido pela não realização da CVA provoca uma perda de
performance significativa.
Projeção de Margens Financeiras do Sistema - sem CVA
40
Margem do serviço
30
20
Margem do
EBITDA
%
10
0
Margem líquida
-10
Taxa de retorno do
capital próprio
-20
-30
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
-40
Taxa de
distribuição
Elaboração: Tendências
O retorno do capital próprio demora a se recuperar e, neste cenário, não ocorre distribuição de
dividendos no horizonte de previsão (até 2010). Neste ano, a margem líquida situa-se em 3,8%,
valor bastante inferior aos 7,8% do cenário 1.
86
Indicadores de endividamento e crédito projetados para o Sistema – sem CVA
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Endividamento - %
Financeiro líquido geral
1,40
2,10
3,01
4,49
5,84
6,30
5,77
4,77
3,68
Grau de imobilização de recursos
1,67
2,11
2,54
3,24
3,84
3,89
3,43
2,78
2,13
Endividamento / Ativo Total
0,58
0,64
0,68
0,72
0,74
0,74
0,73
0,71
0,69
3,17
Estrutura
Indicadores de Crédito
Dívida / EBITDA
6,30
4,51
4,65
4,67
4,46
4,17
3,87
3,54
Ebitda/Despesa Financeira
0,26
0,68
0,83
0,84
0,95
1,08
1,19
1,30
1,43
Ebitda-Capex/Despesa Financeira
0,13
0,49
0,64
0,67
0,77
0,89
0,99
1,10
1,21
Elaboração: Tendências
O endividamento do Sistema, que no cenário 1 chegava a R$ 38,0 bilhões em 2006, neste cenário chega a
R$ 50,0 bilhões no mesmo período, e continua alto e crescente, estabilizando-se apenas a partir de 2009.
No cenário 1 original, 2007 já era um ano no qual notava-se tendência de redução do endividamento.
Adicionalmente, a título de comparação com o cenário 1, o patrimônio líquido do Sistema atinge R$ 14,6
bilhões em 2010 (R$ 28,1 bilhões no cenário básico). A alta relação entre o endividamento e o ativo total
- entre 0,74 e 0,69 de 2006 a 2010 contra 0,67 a 0,48 para o cenário 1 - reflete o impacto dessas premissas
sobre a lucratividade das empresas.
Projeção de Endividamento do Sistema – sem CVA
7,00
6,00
5,00
financeiro líquido
geral
4,00
grau de
imobilização de
recursos
Endividamento /
Ativo Total
3,00
2,00
1,00
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
0,00
Elaboração: Tendências
Este cenário significa um aumento do período de ‘stress’ financeiro para as empresas de cerca de três
anos. Ou seja, no cenário original, o Sistema já em 2006 dava sinais de maior saúde financeira, enquanto
neste cenário apenas em 2009 isto ocorre.
87
Projeção de indicadores de crédito do Sistema – sem CVA
7,00
6,00
Dívida / EBITDA
5,00
4,00
Ebitda/Despesa
Financeira
3,00
2,00
EbitdaCapex/Despesa
Financeira
1,00
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
-
Elaboração: Tendências
A recuperação também é mais lenta, como podemos ver na projeção dos indicadores de crédito acima.
Apenas em 2009 o Sistema adquire a capacidade de financiar seus investimentos a partir da geração de
caixa somente.
Podemos ver então que o não repasse de CVA às distribuidoras tem efeitos muito significativos. Isto
ocorre porque o setor de eletricidade é caracterizado por empresas com significativa participação
de capital de terceiros na sua estrutura, que operam com margem operacional relativamente baixa
e que portanto sofrem choques de financiamento com variações bruscas na sua receita. Como o
ambiente brasileiro tem se mostrado pouco previsível, é natural que uma estrutura de capital
menos alavancada seja ótima. Ao mesmo tempo, as empresas que já se encontram alavancadas
demonstram uma grande sensibilidade a variações na geração de caixa. Em particular, a defasagem
da CVA é uma distorção que deverá ser evitada.
3.4.8 Perda de geração de caixa em função do racionamento
Fizemos o seguinte teste: comparamos o desempenho de 2001 e 2002 com uma evolução de demanda
semelhante a que teria ocorrido se nossas premissas de longo prazo para o cenário 1 de crescimento
moderado tivessem ocorrido nestes anos. As mudanças estão sumarizadas na próxima tabela:
Simulação do efeito do racionamento
Ano
2000
2001
2002
Variação % 2000-2002
Mercado (MWh)
206.190.391
187.787.414
180.980.593
Vendas (R$ mil)
30.694.279
37.399.901
38.080.289
24,1
EBITDA (R$ mil)
5.861.450
7.767.669
3.911.713
-33,3
EBITDA Acumulado
5.861.450
13.629.119
17.540.831
-
2,90
2,49
7,49
206.190.391
216.601.939
227.544.554
10,4
Com racionamento:
Dívida/EBITDA
-12,2
Sem racionamento:
Mercado (MWh)
Vendas R$ mil
30.694.279
39.889.077
47.881.942
56,0
EBITDA (R$ mil)
5.861.450
9.326.555
8.592.268
46,6
EBITDA Acumulado
5.861.450
2,90
15.188.005
2,20
23.780.273
3,27
-
Dívida/EBITDA
Elaboração: Tendências
Podemos ver na simulação que o racionamento gerou uma perda de EBITDA de R$ 6,2 bilhões
para o Sistema. Considerando que o Sistema responde por 61,7% do mercado, extrapolando temos
uma perda de aproximadamente R$ 10,1 bilhões para todas as distribuidoras.
88
Ainda, sem o racionamento, o Endividamento sobre EBITDA do sistema já em 2003 estaria em 2,4 (não
mostrado na tabela). Portanto, apesar da desvalorização cambial, sem o racionamento o Sistema se
recuperaria das perdas financeiras em apenas um ano. Aliás, foi exatamente o que ocorreu em 19992000. Após a desvalorização de 1999, como o consumo se elevou em 2000, o Sistema elevou
temporariamente sua relação Endividamento / EBITDA para 3,44. Em seguida, esta relação caiu para 2,9
em 2000 e 2,49 em 2001. Esta simulação mostra que a situação das empresas foi gravemente afetada
pelo racionamento, e que a sua estrutura de capital estava adequada para os níveis de demanda
previstos antes do racionamento, pois mesmo diante da forte desvalorização cambial em 2002, o
sistema voltaria a níveis razoáveis de endividamento já em 2003, e não apenas em 2006 como
diagnosticamos agora no nosso cenário base.
3.4.9 Necessidades de Rolagem de dívida em cada cenário
Mostramos a seguir as necessidades de rolagens de dívida do Sistema nos três cenários da nossa
avaliação/projeção.
R$ mil
Cenário
2003
2004
7.358.026
2005
1 – Demanda Moderada
13.243.720
5.707.253
2 – Demanda Aquecida
13.063.750
6.427.261
3.932.284
3 – Demanda Fraca
13.101.792
17.421.837
19.523.768
Os números falam por si. A diferença de necessidade de rolagem para o Sistema entre um cenário de
demanda crescendo a 5,1% ao ano e um cenário de demanda crescendo a 3,8% ao ano é brutal. Em
se tratando de um sistema com alto grau de imobilização e de alto custo de capital, pequenas variações na
demanda projetada equivalem a diferenças muito grandes de geração de caixa que acabam por
desestabilizar o sistema.
A diferença de necessidade de rolagem entre o cenário base e o cenário de baixa demanda chega a
R$ 23,7 bilhões nos três anos. Esta cifra representa um volume maior de exposição do sistema
financeiro ao Sistema que poderia estar sendo utilizado para suportar novos investimentos, e não
para alongar o endividamento preexistente, sem contrapartida de aumento do imobilizado.
Em contrapartida, o cenário de demanda aquecida representa um ganho de apenas R$ 2,9 bilhões nos três
anos, com relação ao cenário base.
89
3.5 Conclusões e sumário executivo
Neste capítulo analisamos a situação do setor de
distribuição de energia elétrica brasileiro. A
metodologia adotada agregou as demonstrações
financeiras de doze das maiores distribuidoras
de energia (que controlavam 61,7% do mercado
de distribuição em 31 de março de 2003) e
projetou seus resultados financeiros por dez
anos, à luz de algumas premissas.
No período de 1997, quando se iniciaram as
privatizações, até 2001, essas empresas
investiram acima de R$ 2,5 bilhões anuais,
recursos estes não suportados apenas pela sua
geração de caixa, o que é evidente pelo fato de o
indicador (EBITDA-CAPEX) / Despesa
Financeira ser menor que um por todo o
período. Em outras palavras, as empresas se
alavancaram para cumprir cronogramas de
investimentos.
Mesmo considerando o nível de investimentos
necessários realizados, o endividamento do
sistema até 2001 encontrava-se em níveis tidos
como confortáveis. Naquele momento o
indicador agregado de Endividamento/ EBITDA
não era significativamente superior a três.
O impacto da desvalorização cambial de 2002,
aliada à redução da margem operacional em
função da perda permanente do mercado de
energia, em comparação com a expectativa
anterior de crescimento, prejudicou gravemente
a situação financeira das empresas, elevando o
endividamento a insustentáveis 6 vezes o
EBITDA em 2002 e início de 2003.
O cenário mais provável para o setor nos
próximos anos (PIB crescendo 3,4% ao ano em
média) envolve pesados volumes de rolagens de
dívida. A premissa de um crescimento anual
projetado da demanda de 5,1% ao ano ao longo
da década permitirá um equilíbrio do setor
somente após 2006. Até lá as empresas
conviverão com uma posição de inferioridade
com relação aos bancos financiadores, pois o
nível de endividamento é alto e o ambiente
operacional tem se mostrado pouco previsível.
O cenário de alto crescimento do PIB (4,5% a.a.
em média) e da demanda acelera a recuperação,
trazendo para 2005 o momento em que o setor
atingirá uma situação financeira saudável.
O cenário de baixo crescimento do PIB (2,3%
a.a. em média) e da demanda significa pesadas
perdas para os controladores atuais, pois leva a
uma situação de patrimônio negativo das
empresas já em 2005. Este cenário é desastroso
porque a queda na atividade estará associada a
níveis mais altos de juros e mais incerteza e
volatilidade na produção econômica.
Um cenário alternativo de aumento real das
tarifas de 20% distribuído entre 2003 e 2005 –
aliado a um crescimento moderado da demanda
– mostra um comportamento dos indicadores
financeiros do Sistema semelhante ao cenário de
alto crescimento do PIB. O crescimento mais
rápido das receitas afeta positivamente a
lucratividade das empresas, permitindo uma
recuperação financeira mais rápida, um menor
nível de endividamento e indicadores de crédito
retornando a níveis confortáveis já em 2005. De
modo geral, este cenário permite o ganho de um
ano no prazo de recuperação. Apesar de também
não propiciar uma recuperação expressiva da
capacidade
destas
empresas
efetuarem
investimentos vultosos em capital fixo, este
cenário representa uma redução do risco de
financiamento do Sistema por parte dos agentes
financeiros (capital de terceiros).
Ganhos de eficiência das empresas nos itens da
Parcela B geram melhoras de resultado
perceptíveis, porém incapazes de mudar
significativamente a saúde financeira das
empresas. Isto ocorre porque em 2002 custos e
deduções que independem de decisões
gerenciais da empresa responderam por 67% da
receita bruta das 12 distribuidoras analisadas,
enquanto que os itens gerenciáveis constituíram
apenas 24% da receita bruta. Ou seja, ganhos
consideráveis de eficiência geram pouco efeito
no resultado final.
A hipótese de não transformação em caixa dos
saldos da CVA é extremamente danosa às
distribuidoras. A manipulação desta conta,
segundo as premissas deste estudo, pode levar a
perdas de geração de caixa que elevam o
endividamento das 12 distribuidoras em até R$
12 bilhões em 2006, ou seja, R$ 3 bilhões
anuais. Além do mais, as decisões de
postergação do repasse dos saldos da CVA em
março deste ano por meio da Portaria 116,
depois confirmada pela Medida Provisória
127/03, resulta em perdas para as empresas e
seus acionistas, pois o ativo relativo a este
realizável vai ser reajustado à taxa Selic,
enquanto que o saldo devedor do socorro do
BNDES será reajustado à taxa Selic + 1,5% ao
ano.
As perdas de EBITDA com o racionamento
foram de R$ 6,2 bilhões para as distribuidoras
analisadas e estimamos que de R$ 10,1 bilhões
para o conjunto total de distribuidoras.
O déficit de fluxo de caixa das doze
distribuidoras no nosso cenário mais provável
entre 2003 e 2005 é de:
90
2003
R$ mil
13.243.720
2004
2005
7.358.026
5.707.253
Estes valores envolvem as necessidades de
financiamento em função dos juros devidos e
dos vencimentos de principal declarados pelas
companhias nas suas demonstrações financeiras
constantes na CVM, relativas ao ano 2002.
O setor de distribuição encontra-se em situação
financeira delicada e financiando-se no curto
prazo com o sistema bancário, hipótese
embutida nos modelos projetados neste estudo.
A incerteza com relação ao marco regulatório
tem mantido investidores de mais longo prazo
fora do financiamento às distribuidoras.
As distribuidoras são uma importante fonte de
liquidez para todo o setor de energia elétrica. O
financiamento bancário que tem sido dado no
curto prazo às distribuidoras envolve a garantia
dos recebíveis relativos às contas de
fornecimento de energia elétrica ao público. O
percentual de recebíveis dados em garantia a
empréstimos é limitado por lei e regulado pela
Aneel. Projetamos para o ano de 2004, em
nosso cenário base, uma receita em torno de R$
49 bilhões, conta clientes de R$ 9,0 bilhões no
final do período, juros de R$ 10 bilhões,
amortizações de dívida de R$ 14 bilhões, e um
endividamento do Sistema de R$ 36 bilhões no
final do período. Considerando que é prática de
mercado ter em garantia pelo menos 6 meses de
serviço da dívida, o que nesta projeção equivale
a R$ 12 bilhões, vemos que nem mesmo 100%
dos recebíveis (o que não é permitido por lei)
serão suficientes para garantir os contratos.
Portanto, de maneira agregada, enquanto o
endividamento do setor não cair a níveis mais
razoáveis, o que no cenário base acontece em
2007, haverá dificuldade de garantir projetos
novos, dentre outros fatores, porque os
recebíveis do Sistema estarão comprometidos
com as rolagens das dívidas atuais.♦♦
91
Referências
Aneel, 2003. “Participações Percentuais no Mercado de Distribuição - Referência: abril/2002 a
março/2003”, http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/Distribuicao_ 1trim_03.pdf.
CVM, 2003. DFP de 31/12/2002 e ITR de 31/3/2003 das doze distribuidoras analisadas.
92
4. CENÁRIOS PARA A DEMANDA DE ENERGIA ELÉTRICA
O objetivo deste capítulo é a construção de cenários de demanda para a energia elétrica no Brasil ao longo
dos próximos dez anos. Tais cenários serão usados como balizadores para a estimação da necessidade de
investimentos no setor.
O desenvolvimento e ampliação da capacidade do setor elétrico pressupõem um fluxo contínuo de
investimentos. No dimensionamento desse fluxo, é necessário estimar o comportamento futuro, no longo
prazo, da demanda. Para isso, o primeiro passo consiste em definir cenários macroeconômicos de
crescimento da economia e a correlação desse crescimento com a demanda por energia. Ademais, por se
tratar da análise da demanda por um bem, além da evolução da renda, deve ser considerada a evolução
futura dos preços como um dos fatores que afetam a demanda por energia elétrica. Esta é a abordagem
tradicional nas avaliações de crescimento da demanda por energia elétrica e, em linhas gerais, é mantida
neste trabalho.
Historicamente, a expansão da produção e consumo de energia no Brasil – e nas economias
modernas – ocorre em taxas muito superiores ao crescimento do produto e da renda. Em parte isso
ocorre devido a mudanças graduais decorrentes de processos de urbanização e incorporação crescente da
utilização de aparelhos movidos a energia elétrica. Esses fatores podem ser considerados “componentes
autônomos” na determinação da demanda, ou seja, fatores que, apesar de dependerem da renda e da
evolução dos preços, dependem mais fortemente de outros processos ligados, como a modernização da
economia e as inovações à urbanização.
Desta forma, nas subseções seguintes, primeiramente são analisados os determinantes do crescimento
econômico, comparando-se as fontes de crescimento e avaliando-se os cenários prováveis de aumento na
renda decorrentes do comportamento futuro previsto para estes fatores. Em seguida, são discutidas as
hipóteses básicas quanto à evolução dos preços da energia elétrica e projetados, a partir das relações
esperadas com essas variáveis, cenários para a demanda de energia. Cabe ressaltar, entretanto, que essas
hipóteses precisam ser qualificadas, salientando-se principalmente as limitações impostas aos modelos
decorrentes das alterações à luz das transformações observadas na sociedade ao longo das últimas
décadas que não podem ser extrapoladas para o período subseqüente.
4.1 Cenários macroeconômicos
No desenvolvimento de cenários macroeconômicos para a evolução da renda, no âmbito do
dimensionamento futuro da demanda por energia elétrica (e, conseqüentemente, dos investimentos
necessários), é forçoso estimar uma taxa de crescimento médio da economia ao longo de um período
extenso. Neste caso, as taxas de crescimento específicas a cada ano têm menor importância, dado que o
planejamento do setor é de longo prazo e os acréscimos de capacidade instalada ocorrem em grandes
saltos.
Portanto, é necessário avaliar a taxa de crescimento do produto potencial, ou seja, a taxa de crescimento da
oferta de bens e serviços que a economia tende a apresentar que não gera desequilíbrios econômicos tais
como pressões inflacionárias e desequilíbrios de balanço de pagamentos. De outra forma, trata-se de uma
taxa de crescimento de equilíbrio sustentável de longo prazo, para a qual a economia converge na ausência
de choques. Do ponto de vista metodológico, iremos analisar os condicionantes estruturais do crescimento
da economia, formular hipóteses para o comportamento destas variáveis e, utilizando um modelo
econômico, estimar a taxa de crescimento potencial do PIB.
Na confecção de cenários de longo prazo, há variáveis que podem ser consideradas “dadas” para o período
relevante de análise. Mesmo que se alterem nesse período, sua mudança é lenta o suficiente a ponto de não
ter efeito relevante sobre as projeções. Em um cenário de crescimento para uma década, destacam-se três
conjuntos de variáveis estruturais: (i) a evolução sócio-demográfica; (ii) a taxa de poupança agregada; e
(iii) a produtividade total dos fatores.
A queda na taxa de crescimento da população impõe um limite ao crescimento do PIB potencial total, pois
reduz o crescimento do volume disponível de um dos fatores de produção, o trabalho. O mesmo ocorre
com a taxa de poupança agregada que é o principal fator determinante do estoque de capital da economia.
Por outro lado, o aumento da produtividade total dos fatores permite que, para uma mesma quantidade de
fatores de produção, seja produzido um volume maior de bens e serviços. Os condicionantes históricos
destes fatores são discutidos a seguir com ênfase em suas perspectivas e respectivos impactos sobre a taxa
de crescimento do produto potencial.
93
4.1.1 Determinantes do crescimento potencial: oferta de mão-de-obra
Durante os anos 60, a população brasileira se expandia a um ritmo típico de país subdesenvolvido, com
taxas de crescimento em torno de 3% ao ano. Ao longo das décadas de 70 e 80, o ritmo de crescimento
demográfico caiu para taxas abaixo de 2% ao ano e para 1,32% ao ano em 2000. Essa queda deve
prosseguir, conforme as estimativas do IBGE, que projeta taxas de 1,04% ao ano em 2010 e 0,17% ao ano
em 2050. Houve também uma queda drástica da taxa de fertilidade de 5,6 para 2,3 filhos por mulher fértil.
Cabe notar que atualmente estamos próximos da taxa de fertilidade que estabiliza a população, que é de 2,2
filhos por mulher fértil. Simultaneamente, isso afetou a evolução do contingente da população em idade de
trabalhar, bem como o tamanho relativo desse contingente em função da maior presença da mulher no
mercado de trabalho.
Paralelamente à redução da taxa de crescimento populacional, ocorreu uma alteração da
distribuição da população. O Brasil também se tornou predominantemente urbano, com a população
residindo no campo tornando-se cada vez mais minoritária. De 55% em 1960, caiu para 32% em 1980, para
20% em 1998 e para 19% em 2000. Por sua vez, é cada vez maior a participação do setor terciário no
emprego, quando anteriormente a liderança da classe operária brasileira estava no setor industrial.
Adicionalmente, associado a essas alterações demográficas e às melhorias das condições de saúde da
população, observa-se atualmente – e projeta-se para o futuro – o aumento da participação da população
idosa na pirâmide etária.
Consistente com a redução na taxa de crescimento vegetativo da população e com o envelhecimento
progressivo da população, haverá uma redução gradual nos próximos anos da taxa de crescimento da
população economicamente ativa (PEA)57. A próxima tabela mostra as projeções do IPEA para a evolução
da PEA urbana.
População economicamente ativa – estimativas IPEA
Data
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
Fonte: IPEA
(PEA) - urbana - projeção
63.418.686
64.774.700
66.092.931
67.371.894
68.609.680
69.805.574
70.959.832
72.072.944
73.145.537
74.178.483
75.173.158
76.130.394
77.051.040
77.935.395
78.783.758
79.596.013
80.371.587
81.109.195
81.807.482
82.464.742
83.079.488
Taxa Crescimento
2,14%
2,04%
1,94%
1,84%
1,74%
1,65%
1,57%
1,49%
1,41%
1,34%
1,27%
1,21%
1,15%
1,09%
1,03%
0,97%
0,92%
0,86%
0,80%
0,75%
Para efeito das projeções de crescimento econômico, trabalhamos com uma taxa de crescimento da
População Economicamente Ativa (PEA) da ordem de 1,5%, conforme estimativas elaboradas pelo
IPEA para a próxima década. Esta é a estimativa que pode ser feita com maior precisão, dado que o
crescimento da população ativa depende, em grande parte, de fatores demográficos cuja evolução
passada já é conhecida.
57
A população economicamente ativa (PEA) corresponde ao conjunto de pessoas com idade igual ou
superior a 14 anos que estão ocupadas ou desocupadas. Os desempregados estão incluídos na PEA e a
oscilação na taxa de desemprego constitui uma utilização de capacidade que afeta o PIB efetivo, mas não o
PIB potencial
94
4.1.2 Determinantes do crescimento potencial: formação de capital
O estoque de capital é o segundo fator de produção relevante considerado para o crescimento econômico.
O aumento do estoque de capital é resultado da capacidade de investimentos públicos e da vontade e dos
estímulos ao investimento privado. Por sua vez, a fonte de financiamento destes investimentos é a
poupança agregada, que subdivide-se em poupança doméstica – setor privado e setor público – e
financiamentos obtidos externamente à economia.
A taxa de poupança agregada no Brasil é historicamente baixa em relação a países em desenvolvimento
com elevada taxa de crescimento econômico, notadamente os países asiáticos. A taxa média de poupança
dos países com elevado crescimento na Ásia (Coréia, Hong Kong, Cingapura, Taiwan, Indonésia, Malásia
e Tailândia), mostrada na próxima tabela, fica em torno de 32%, enquanto no Brasil, como se observa no
gráfico seguinte, é inferior a 20%.
Poupança e investimento em países em desenvolvimento na Ásia: 1960-92 - em % do PIB
Poupança interna bruta
Investimento interno bruto
1960
1970
1980
1985
1992
1960
1970
1980
1985
Hong Kong
6%
25%
31%
27%
34%
18%
21%
36%
21%
Coréia do Sul
1%
15%
23%
31%
35%
11%
25%
31%
30%
Cingapura
-3%
21%
38%
42%
46%
11%
39%
45%
43%
Taiwan
13%
26%
33%
31%
28%
20%
26%
34%
18%
Indonésia
8%
11%
29%
26%
36%
8%
14%
21%
23%
Malásia
27%
22%
31%
35%
30%
14%
21%
28%
34%
Filipinas
16%
20%
25%
13%
15%
16%
20%
31%
16%
Tailândia
14%
22%
21%
19%
34%
16%
26%
27%
23%
Fontes: James et alli (1989) e Abegglen (2002), p. 9. (dados referentes a 1992).
1992
31%
24%
40%
24%
35%
36%
22%
36%
Taxa de poupança no Brasil (%)
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
-
Interna
Externa
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
1986
1985
1984
1983
1982
1981
1980
1979
1978
1977
1976
1975
1974
1973
1972
1971
1970
(5,00)
Total
Fonte: IBGE
A desigualdade de renda, o acúmulo de necessidades insatisfeitas de consumo das famílias de renda mais
baixa, a elevada mobilidade social e a assimilação de novos padrões culturais e de consumo pelas novas
classes médias, muitas vezes espelhados em exemplos de países desenvolvidos, são características da
sociedade brasileira. A combinação desses fatores faz com que o brasileiro tenha uma baixa propensão
a poupar, ou seja, que a participação da poupança privada no PIB seja baixa. Além disso, a
instabilidade e a insegurança econômicas, também históricas, desestimulam a poupança e reforçam a
propensão a consumir.
No passado, a poupança forçada e as transferências de renda associadas ao processo inflacionário foram
fatores que alimentaram expressivamente a formação de poupança agregada no Brasil. A queda da inflação
a partir da segunda metade dos anos 90, ao eliminar o imposto inflacionário – um mecanismo que retirava
95
renda sobretudo dos mais pobres – e elevar substancialmente o acesso ao crédito às famílias, contribuiu
para a redução da poupança58.
Cabe ressaltar que algumas dessas características históricas relevantes têm sofrido alterações nos períodos
mais recentes. A decisão de poupança é efetuada a cada instante do tempo pelo indivíduo comparando-se
as oportunidades presentes e futuras de aplicação de seus recursos. De acordo com alterações na
rentabilidade esperada desses investimentos, o indivíduo opta por um maior nível de consumo (menos
poupança) em detrimento do consumo futuro.
Neste sentido, o sistema de incentivos que vigorou nas últimas décadas para o setor privado não era
adequado para o provimento de poupança de longo prazo. Por exemplo, o sistema de previdência social,
organizado na forma de repartição simples ao invés de um sistema baseado na capitalização,
permitia aos indivíduos a aposentadoria sem a adequada contrapartida em termos de contribuição
para o sistema ao longo de sua vida produtiva, reduzindo o incentivo à poupança. As alterações em
curso neste sistema, apesar de ainda embrionárias – como a instituição de um período mínimo
relativamente alto de contribuição para aposentadoria e valores de benefícios compatíveis com as
contribuições individuais – devem alterar o sistema de incentivos com impactos positivos sobre as
taxas de poupança doméstica.59
O envelhecimento da população discutido na subseção anterior provoca não apenas a redução da taxa de
crescimento da PEA, como destacado acima, mas também promove impactos sobre a taxa de poupança
agregada. Do ponto de vista do indivíduo, a poupança está associada às fases da vida. Presume-se que os
indivíduos poupem quando são jovens e principalmente adultos, acumulando um patrimônio que será
consumido quando sua renda corrente for mais reduzida (velhice). O aumento da proporção de idosos
implica que uma parcela maior da população vai estar em uma fase da vida em que estará consumindo toda
a sua renda corrente e parte das economias acumuladas ao longo de seu período produtivo. Efetivamente,
isso provoca uma tendência à redução da taxa de poupança agregada da sociedade.
A ponderação dos efeitos positivos e negativos acima permite admitir uma elevação da poupança
privada ao longo da próxima década quando comparada aos valores observados ao longo da década
de 90.
Importante também para a poupança total é a participação do setor público. Nos países asiáticos a
poupança do setor público tem sido, em média, 7% do PIB. No Brasil, na década de 90, como se
observa na tabela a seguir, a poupança do setor público como proporção do PIB tem sido negativa.
Já a taxa de poupança do setor privado no Brasil, que variou entre 19% e 22% entre 1995 e 2000 é
cerca de 5 pontos percentuais inferior àquela observada nos países asiáticos. Mesmo com a taxa de
poupança do setor privado de 20% no Brasil, se o setor público poupasse o mesmo que nos países asiáticos,
a taxa de poupança doméstica chegaria à casa dos 27%.
Poupança - % do PIB
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Doméstica
Pública
Privada
Externa
19,5%
-3,0%
22,4%
2,8%
17,8%
-1,0%
18,8%
3,1%
17,4%
-1,6%
18,9%
4,1%
16,8%
-3,9%
20,7%
4,3%
15,4%
-5,8%
21,3%
4,7%
17,3%
-1,6%
18,9%
4,2%
16,6%
-0,5%
17,2%
4,5%
18,0%
n.d.
n.d.
0,7%
Total
Fonte: IBGE
22,3%
20,9%
21,5%
21,1%
20,2%
21,5%
21,2%
18,7%
58
Como notam Fábio Giambiagi e Ana Cláudia Além, "no período 1994/97 observou-se uma tendência ao
aumento da propensão a consumir da economia como um todo, o que, a longo prazo, poderá comprometer
o potencial de crescimento da economia."[Além e Giambiagi, 1997].
59
Conforme Demirguç e Schwarz (1999), evidências internacionais indicam que a criação de planos de
poupança obrigatórios, por exemplo, reduz a poupança voluntária dos indivíduos de alta renda, mas gera
poupança adicional entre os indivíduos de baixa renda. Isto sugere que reformas previdenciárias que
substituam sistemas de repartição simples por sistemas capitalizados terão efeitos sobre a poupança
nacional mais pronunciados em países em desenvolvimento do que em países desenvolvidos. Reformas da
previdência que promovam a expansão do regime de capitalização podem proporcionar, a médio prazo,
maiores taxas de poupança doméstica. Cândido Júnior (1998) indica que a reforma previdenciária no Chile,
que transformou o sistema de repartição em capitalização (com adesão compulsória), promoveu o
crescimento da poupança previdenciária média dos trabalhadores de 1,6% do PIB, entre 1980 e 1984, para
3,3%, no período de 1990 a 1994.
96
Além disso, no passado, a poupança do setor público tinha peso significativo. Durante os anos 70, a taxa
média de poupança do governo (que é a soma do superávit nominal com o investimento público) havia
alcançado 5,9% do PIB, com o máximo de 7,04% em 1974. Representava um terço da poupança
doméstica. Entre 1981 e 1985, esse número tornou-se negativo em -2,2% do PIB. Houve uma pequena
recuperação a seguir, com a poupança governamental atingindo 3,3% do PIB no período 1986-90 e 1,8%
entre 1991-95. Na segunda metade dos 90, como se observou acima, foi negativa.
A nova Constituição, promulgada em 1988, ampliou muito o consumo do setor público que resultou
em pressões deficitárias crescentes e de caráter estrutural. Como resultado, o Estado passou a
contribuir direta ou indiretamente para a queda na poupança agregada. Diretamente, com déficits.
Indiretamente, porque esses déficits continuados produzem aumento da dívida pública, induzindo a
desconfiança quanto à capacidade de pagamento do setor público e o crescimento do serviço da dívida
(juros). Além disso, o Estado passou a consumir uma parcela maior de recursos, o que é evidenciado pelo
aumento da carga tributária média de 25% nos anos 70 e 80 para os 28% a 29% nos anos 90 até os 31,6%
em 2000, 33,4% em 2001 e cerca de 36% em 2002.
Por outro lado, a partir de 2000, com a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, foram criados e
aprimorados parâmetros e instrumentos que disciplinam os gastos públicos, com efeitos mais marcantes em
nível sub-nacional (estados e municípios). A imposição de limites ao endividamento destes entes
federativos em conjunto com a necessidade de pagamento das dívidas anteriormente contraídas permite
admitir a possibilidade de um aumento da poupança (ou redução da despoupança) do setor público nos
próximos anos.
O terceiro componente da poupança agregada, a poupança externa, representa a absorção líquida de
recursos do exterior.60 Conforme apresentado na tabela acima, a poupança externa foi uma importante fonte
de financiamento para a economia brasileira ao longo da segunda metade da década de 90, atingindo o
montante de 4,5% do PIB em 2000. Isto garantiu uma relativa estabilidade da poupança agregada face ao
declínio da poupança doméstica. Em linhas gerais, estes valores elevados de financiamento externo estão
associados à combinação de condições favoráveis de liquidez dos mercados de capitais internacionais e
reformas liberalizantes nos países em desenvolvimento, que atraíram capitais tanto via investimentos
diretos quanto privatizações.
Estas condições, entretanto, não tendem a se repetir no período para o qual efetua-se esta projeção. A rigor,
está ocorrendo, no momento, uma redução da poupança externa, em função das mudanças de preços
relativos gerados pela desvalorização real da taxa de câmbio, projetando inclusive um valor negativo para
2003. No longo prazo, é razoável admitir valores positivos de poupança externa compatíveis com as
novas condições de financiamento externo. Admitimos que a poupança externa no período
considerado será positiva, mas em níveis inferiores aos da segunda metade da década de 90.
Conforme salientado anteriormente, existe uma associação estreita entre os níveis de poupança e de
investimentos da sociedade. O próximo gráfico mostra a evolução da taxa de investimento, isto é, da
relação entre o investimento bruto (em máquinas e equipamentos, construção residencial e não-residencial
e acumulação de estoques) e PIB desde 1980. A taxa cai de 24% para cerca de 16% no final da década de
80, atinge seu ponto mais baixo em 1993 (pouco menos que 14%) e a partir daí recupera-se lentamente
para atingir um patamar médio entre 16% e 17% na segunda metade dos anos 90.
60
A poupança externa é equivalente ao déficit em transações correntes do país, ou seja, ao valor líquido
entre exportações e importações de bens e serviços. Admite-se que quando as importações de bens e
serviços superam as exportações há a transferência de consumo do resto do mundo para o país, ou seja, há
uma transferência de poupança externa para o país.
97
Taxa de investimento (% do PIB), IPEA
26,0
24,0
22,0
20,0
18,0
16,0
14,0
Taxa de investimento (% PIB)
2001 T1
1998 T1
1995 T1
1992 T1
1989 T1
1986 T1
1983 T1
1980 T1
12,0
12 por. Méd. Móv. (Taxa de investimento (% PIB))
Fonte: IPEA. Elaboração: Tendências.
O gráfico a seguir apresenta a taxa de crescimento do estoque líquido (da depreciação) do capital fixo total
e em máquinas e equipamentos e do PIB. Na década de 70, o estoque de capital crescia a uma taxa média
entre 10% e 15%, caindo a partir daí para atingir a casa dos 2,0% na década de 90.
Crescimento do estoque de capital e do PIB (% ao ano)
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
Capital fixo - estoque líquido - máquinas e equipamentos
Capital fixo - estoque líquido - total
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
1986
1985
1984
1983
1982
1981
1980
1979
1978
1977
1976
1975
1974
1973
1972
1971
1970
-5,0
PIB
Fonte: IPEA. Elaboração: Tendências.
Considerando-se a baixa taxa de poupança privada e pública e os limites para a captação adicional
de poupança externa, conclui-se que nos próximos anos dificilmente a taxa de poupança agregada
será superior à média dos últimos anos. Entretanto, dadas as mudanças no sistema de incentivos,
existe a possibilidade de níveis de poupança interna mais elevados. Trabalhamos, portanto, com uma
margem entre 18% e 24% (valor mais provável de 21%) para a poupança agregada61 e taxas de
crescimento anual do estoque de máquinas e equipamentos entre 1% e 4% (valor mais provável de
2,5%).62
61
A poupança agregada média no Brasil atingiu 20,9% entre 1995 e 2002.
Para efeito do cálculo da relação entre investimentos e aumento de estoque de capital, foi suposta uma
relação entre capital líquido em máquinas e equipamentos e PIB de 0,5 e supusemos como dados no
62
98
4.1.3 Determinantes do crescimento potencial: produtividade
O que determina o potencial de crescimento de um país é, por um lado, o aumento do estoque de fatores de
produção – capital (investimentos) e população economicamente ativa (PEA) – e por outro, o aumento da
produtividade dos fatores, que é função de inovações tecnológicas, educação e treinamento da mão-de-obra
(capital humano), bem como da modernização de métodos gerenciais e de produção aumentando a
eficiência no processo produtivo como um todo.
O próximo gráfico mostra a taxa de crescimento do PIB total (dado original e média móvel decenal) e do
PIB per capita entre 1950 e 2000. Evidentemente, qualquer periodização para examinar esses dados seria
arbitrária. Uma, por exemplo, dividiria os cinqüenta anos em duas partes: até 1980 e depois. Nesse caso,
vemos que a taxa de crescimento total média no primeiro sub-período encontra-se na casa dos 7,4% e o per
capita na casa dos 4,4%. Entre 1980 e 2000 (inclusive), a economia cresce à taxa média de 2,35% e a renda
per capita cresce em torno de 0,6% ao ano.
Taxa anual de crescimento do PIB
15
13
11
9
7
5
3
1
-1
-3
Total
Per capita
2000
1990
1980
1970
1960
1950
-5
10 por. Méd. Móv. (Total )
Fonte: IBGE
Se compararmos as décadas de 70, 80 e 90 as diferenças são ainda mais marcantes. Na década de 70, o PIB
total cresce 8,63% (per capita de 5,99%), na de 80 cresce 1,59% (-0,37%) e na de 90, 2,65% (0,99%). Há,
portanto, uma forte queda entre as décadas de 70 e de 80 e uma leve recuperação na década seguinte.
Uma análise dos determinantes do crescimento potencial do PIB entre as décadas de 50 e 90 ajuda a
entender as mudanças. A próxima tabela mostra uma decomposição do crescimento do PIB63.
período a depreciação do capital em máquinas e equipamentos (10% do PIB) e o investimento residencial
bruto em 6%. Com base nessas hipóteses, tem-se a seguinte relação entre a taxa de poupança bruta (dK/Y)
e a taxa de acumulação líquida de capital em máquinas e equipamentos (dKL/KL):
dK/Y = 0,16 + 2* dKL/KL
63
Na tabela os autores estimam a produtividade total diminuindo a taxa de crescimento dos fatores trabalho
e capital do crescimento do PIB. O conceito de produtividade total dos fatores assim estimado refere-se ao
chamado “resíduo de Solow”.
99
Taxas anuais de crescimento do PIB, da mão-de-obra,
do capital não residencial e da produtividade dos fatores (médias para os períodos)
Crescimento médio anual
1970-80
1980-91
1991-2000
PIB
8,72%
1,54%
2,65%
Mão-de-obra
3,72%
2,47%
0,03%
Capital não residencial
13,54%
5,17%
2,21%
Produtividade total dos fatores
0,09%
-2,28%
1,73%
Fonte: Bacha e Bonelli (2001).
Enquanto na década de 70 a principal característica foi o crescimento do estoque de capital – o mais
elevado desde a década de 50 – com baixo crescimento da produtividade, a década de 90 foi marcada por
maior crescimento da produtividade e menor crescimento do estoque de capital. As décadas de 60 e 70 no
Brasil correspondem, grosso modo, às décadas de 60 a 90 dos países asiáticos (Cingapura, Coréia, Hong
Kong) em que as altas taxas de crescimento estão muito fortemente determinadas pelo crescimento do
estoque de capital.
Os anos 90 mostraram uma inflexão no comportamento da produtividade. A abertura comercial da
economia, iniciada em 1991, foi um passo importantíssimo para aumento do potencial de crescimento do
país. Esse movimento foi reforçado com o fim da hiperinflação a partir do Plano Real, permitindo
que os preços voltassem a sinalizar adequadamente as opções de alocação de recursos, aumentando a
eficiência no seu uso. Desta forma, assistiu-se a um vigoroso aumento da produtividade,
principalmente na indústria de transformação. Foi um efeito once for all, indicando uma
descontinuidade entre 1993 e 1996. Mas a partir de então ocorreu uma evolução contínua, a taxas
mais moderadas, indicando que prosseguem os processos de introdução e absorção de novas técnicas.
Esses fatos são evidenciados na tabela e gráfico a seguir, que apresentam recentes reestimativas de
crescimento do PIB e da produtividade feitas por Regis Bonelli no IPEA64.
Capital, PEA e PIB Potencial: Taxas Anuais de Crescimento (1990/2000)
Anos
Var PIB real
Var K(uso)
Var P ocup
PTF
Var K
estoque
Var PEA
PIB POT
1990
-4,18%
-4,34%
-2,00%
-1,01%
2,28%
3,13%
1,70%
1991
1,03%
0,33%
0,77%
0,48%
1,74%
1,18%
1,95%
1992
-0,54%
-1,28%
0,37%
-0,09%
1,70%
1,18%
1,35%
1993
4,92%
4,59%
0,64%
2,31%
2,13%
1,45%
4,10%
1994
5,85%
5,92%
1,30%
2,24%
2,53%
2,23%
4,62%
1995
4,22%
4,35%
1,36%
1,37%
2,58%
2,23%
3,78%
1996
2,66%
2,88%
-2,39%
2,42%
2,68%
-0,75%
3,38%
3,96%
1997
3,27%
3,52%
0,58%
1,22%
2,71%
2,78%
1998
0,22%
-0,10%
-1,79%
1,17%
2,13%
2,35%
3,41%
1999
0,79%
0,08%
-1,11%
1,31%
1,74%
1,75%
3,05%
2000
4,46%
3,65%
1,40%
1,93%
1,67%
1,75%
3,64%
24,67%
20,88%
-0,97%
14,13%
26,65%
21,00%
40,98%
2,02%
1,74%
-0,09%
1,21%
2,17%
1,75%
3,17%
30,11%
26,37%
1,05%
15,29%
23,83%
17,33%
38,62%
Acumulado
Média
Acum. 91-00
Média 91-00
2,65%
2,37%
0,10%
1,43%
2,16%
1,61%
3,32%
K = capital, P ocup = população ocupada, PTF = produtividade total dos fatores, PIB POT = Produto Interno Bruto
Potencial.
Fonte: Bonelli (2001).
64
Outras fontes confirmam o mesmo movimento. Silva Filho (2001), em estudo do Banco Central do
Brasil, mostra queda da produtividade na década de 80 e o mesmo salto em meados dos anos 90: “após
1992 a tendência de queda foi revertida. No período 1980-1992, a PTF (produtividade total dos fatores)
caiu, em média, 0,7% ao ano, enquanto no período 1993-2000 houve crescimento médio de 0,9%”.
Ferreira e Rossi, citados por Teixeira da Silva, “encontraram evidências, mas apenas para a indústria de
transformação, de que a PTF caiu na segunda metade dos anos 80, e que a tendência de queda foi
revertida na década de 90”.
100
Taxa de crescimento da produtividade total dos fatores
3,00%
2,50%
2,00%
1,50%
1,00%
0,50%
0,00%
-0,50%
-1,00%
-1,50%
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Fonte: Bonelli (2001).
Esse aumento da produtividade na economia brasileira foi ampliado por dois fatores: primeiro, observou-se
a obsolescência rápida de muitas empresas, o que representou uma destruição de capacidade instalada65;
segundo, o país beneficiou-se de investimentos em infra-estrutura, iniciados nos anos 70 e completados nas
décadas seguintes e que só então tiveram aproveitamento pleno.
Evidentemente, a questão básica para se pensar o futuro do crescimento econômico diz respeito à
continuidade e ritmo da expansão da produtividade. As novas tecnologias na informática e nas
comunicações, que têm tido um papel importante no aumento da produtividade das economias
desenvolvidas, também cumprem esse papel no Brasil. O Brasil pode se beneficiar desse processo até mais
do que os países líderes, justamente por se encontrar mais atrasado e poder saltar etapas e evitar as
tecnologias menos promissoras (efeito conhecido como leapfrogging). Por outro lado, parte significativa do
capital humano no Brasil não está adequada às novas tecnologias e métodos de produção, por conta das
desigualdades de oportunidades e de renda, bem como uma longa história de investimentos pouco eficazes
na educação. O baixo nível de educação médio da população reduz a capacidade de assimilação de
novas tecnologias e impõe um teto ao crescimento da produtividade.
As políticas governamentais cumprem um papel importante no estímulo da produtividade, como foi o caso
da abertura, ou desestímulo, como foi o caso da reserva de mercado para computadores66. Reformas
estruturais fundamentais para proporcionar um maior dinamismo da produção e dos investimentos, bem
como o aumento da poupança, por meio da reforma da previdência, trabalhista e tributária, ainda estão
sendo conduzidas. Entre essas iniciativas, uma reforma nas relações trabalhistas, com a ampliação da
desregulamentação da forma de negociação entre trabalhadores e empresas e a formação de salários
pode ser uma mola propulsora dos ganhos de produtividade à medida que permite um maior espaço de
negociações entre trabalhadores e empresas, viabilizando, desta forma, contratos mais eficientes e mais
investimento em treinamento e qualificação entre os agentes.
Um fator que tende a reduzir a produtividade é a deterioração ou esgotamento da capacidade da
infra-estrutura. Um exemplo desse fato foi a crise de energia em 2001, mas encontramos exemplos, com
efeitos menos agudos mas igualmente comprometedores da capacidade de crescimento, em quase todos os
setores, como é o caso da piora da infra-estrutura de rodovias, aeroportos e transportes urbanos ou dos
maiores investimentos e gastos requeridos com segurança.
Nesse sentido, é necessária uma qualificação em relação aos impactos das políticas públicas regulatórias
sobre os investimentos privados e seus impactos sobre o crescimento da produtividade. A absorção de
novas tecnologias é uma condição importante para o aumento de produtividade. Neste sentido, políticas
65
Num primeiro momento, os novos investimentos não trouxeram um aumento da capacidade produtiva do
país, mas sim uma reposição do capital destruído pela transição, reduzindo o estoque do fator capital, o que
significa maior produto por capital, ou seja, maior produtividade.
66
Que nos anos 80 dificultou e encareceu o acesso de toda a economia nacional às novas tecnologias
justamente no momento de maior dinamismo e mudanças nesse setor.
101
regulatórias que dificultam a absorção tecnológica por parte da sociedade tendem a reduzir os ganhos de
produtividade.
Lembrando-se que os expressivos ganhos de produtividade recentes nos países desenvolvidos estiveram
relacionados a processos que aliam avanços na área de informática ao desenvolvimento das
telecomunicações, políticas regulatórias que reduzem o incentivo aos investimentos nesse último setor
podem ter impactos bastante negativos sobre o crescimento da produtividade. Atualmente a incerteza
sobre o marco regulatório existente no setor elétrico se estende também ao setor de telecomunicações. À
medida que essa incerteza pode obstaculizar a consolidação e ampliação de investimentos já realizados, é
possível a ocorrência de uma expansão sub-ótima da infra-estrutura de telecomunicações com a redução da
absorção de novas tecnologias. Como conseqüência, ocorre um crescimento menos robusto da
produtividade.
Para efeito dos cenários a serem considerados nesse estudo, uma hipótese prudente é supor que a
produtividade se mantenha crescendo no mesmo ritmo dos anos 90. Há uma tendência de redução motivada
pela não repetição de movimentos como a abertura e a estabilização, além da deterioração da infraestrutura e da piora do sistema tributário, mas que são contrabalançados:
•
pelo maior ritmo do progresso técnico derivado das novas tecnologias da informação;
•
pela inexistência da grave crise do início dos anos 90, que deprimiu a produtividade média desse
período;
•
pela melhoria do sistema educacional; e
•
pela continuidade de iniciativas do governo que induzam aumentos de produtividade em toda a
economia.
Por outro lado, não se contempla nenhum retrocesso grave nas iniciativas que resultaram nos aumentos de
produtividade, ou seja, reversões das privatizações ou da abertura ou volta da hiperinflação. Mais ainda,
não se imagina possível a repetição do protecionismo ou do incentivo a indústrias pouco eficientes e
competitivas ou uma má alocação de investimentos causada por uma inadequada intervenção
governamental como ocorreu nos anos 80, em que a produtividade manteve-se em queda. O avanço das
reformas estruturais mencionadas acima é um possível e provável fator de ampliação dos ganhos de
produtividade.
Assim, no cenário básico, a produtividade entre 2001 e 2010 é um fator neutro na variação das taxas
de crescimento potencial em relação aos anos 90 (apesar de ser altamente positiva em relação aos
períodos anteriores que examinamos). A taxa de crescimento da Produtividade Total dos Fatores
(PTF) não deve aumentar, em média, mais que a taxa observada nos últimos anos da década de 90,
pois não se repetirão os grandes ganhos resultantes da abertura, estabilização e privatizações. Por
outro lado, não se imagina retrocesso nesses processos e continua existindo uma progressiva
incorporação de novas tecnologias. Trabalhamos com uma margem entre 1,0% e 1,8% para o
crescimento da PTF, com valor mais provável de 1,4%, que é a média verificada entre 1991 e 2000,
conforme as estimativas de Bonelli (2001).
4.1.4. O cálculo do PIB potencial
Com base nas premissas apresentadas anteriormente e determinadas hipóteses quanto à função de produção
agregada e seus parâmetros 67, a taxa de crescimento potencial é dada por:
Crescimento potencial (%) = %PTF + 0,45* %E + 0,55*%K
Onde:
%X significa o crescimento percentual da variável X;
E = emprego; e
K = capital em máquinas e equipamentos.
Supusemos uma função de produção do tipo Y = A Eα KL1-α onde Y= produto, A= constante, E =
emprego e KL = capital em máquinas e equipamentos. Com base em estimações de Bacha e Bonelli (2001),
tomamos (1-α) = 0,55.
67
102
Em outras palavras, o crescimento potencial é dado pelo aumento do fator capital, com um peso de 55%,
pelo aumento no fator trabalho, com um peso de 45% e pelo aumento da produtividade total dos fatores,
que afeta ambos os fatores.
Dadas as margens fixadas acima para o crescimento da PTF e do capital, temos as seguintes possibilidades
para o crescimento médio do PIB potencial nos próximos anos:
Crescimento anual do PIB (%) em função da
variação anual da PTF e do estoque de capital produtivo
%PTF =
%PTF =
%PTF =
%PTF =
1,0%
1,2%
1,4%
1,6%
%K = 1% (S/Y = 18%)
2,3
2,5
2,7
2,9
%K = 2% (S/Y = 20%)
2,7
2,9
3,1
3,4
%K = 2,5% (S/Y = 21%)
3,0
3,2
3,4
3,6
%K = 3% (S/Y = 22%)
3,2
3,4
3,6
3,8
%K = 4% (S/Y = 24%)
3,6
3,8
4,1
4,3
K = capital, S/Y = poupança /renda, PTF = produtividade total dos fatores.
%PTF =
1,8%
3,1
3,6
3,8
4,0
4,5
Para efeito dos cenários neste estudo, partimos do pressuposto, portanto, que o crescimento potencial
médio nos próximos cinco a dez anos será da ordem de 3,4%, no ponto central do intervalo considerado
mais provável e factível68. Caso o crescimento efetivo fosse, em média, igual ao potencial, em dez anos a
economia cresceria em torno de 37%, contra uma taxa de crescimento efetiva na década de 90 da ordem de
29%.69
A taxa de crescimento potencial pode ser superior a 3,4% em média se: (i) as taxas agregadas de poupança
(e investimento) crescer(em) acima dos 21% como resultado de um aumento da poupança (investimento)
do setor público ou de mudanças estruturais (tal como uma reforma da previdência ou avanços no mercado
de capitais) que estimulem a poupança privada; e (ii) a taxa de crescimento da produtividade aumentar
acima dos 1,4% em resposta a efeitos positivos (e subestimados por nós) da difusão de novas tecnologias e
meios de transmissão de informações ou a um crescimento mais rápido do nível de educação médio da
força de trabalho.
A próxima tabela apresenta um conjunto mais extenso de possibilidades de crescimento do PIB potencial
em função de várias hipóteses de variação anual do estoque de capital produtivo e da PTF, dado um
crescimento médio da PEA de 1,5% ao ano. Nesse contexto, fica evidente que taxas de crescimento
anuais como as verificadas nos anos 70, e mostradas no canto direito inferior da tabela, são praticamente
impossíveis: exigiriam mudanças gigantescas na capacidade de investimento da economia e aumento
contínuo da produtividade superior a 2% ao ano por mais de dez anos seguidos. A área do intervalo mais
provável, conforme as premissas adotadas, aparece sombreada.
68
Bacha e Bonelli, em seu estudo, trabalham com as seguintes hipóteses: crescimento da PEA (1,5%),
relação produto capital (0,5), investimento líquido não residencial como proporção do PIB (4%) e
crescimento da PTF (2%) para chegar a uma estimação de crescimento do produto potencial da ordem de
3,8%.
69
Entre 1991 e 2000, a taxa média de crescimento efetiva do PIB no Brasil foi de cerca de 78% do PIB
potencial, o que se explica pela alta instabilidade do período, sobretudo na primeira metade da década, mas
também com três grandes crises internacionais afetando os países emergentes na segunda metade. Em um
cenário tendencial, a diferença entre o PIB potencial e o efetivo tenderá a ser menor entre 2004 e 2013.
103
Crescimento anual do PIB em função da
variação anual da PTF e do estoque de capital produtivo
Variação anual da Produtividade Total dos Fatores (PTF)
2,99%
0,0%
Variação anual do estoque de capital produtivo
0,00% 0,8%
0,25% 0,9%
0,50% 1,0%
0,75% 1,2%
1,00% 1,3%
1,25% 1,4%
1,50% 1,5%
1,75% 1,6%
2,00% 1,7%
2,25% 1,8%
2,50% 1,9%
2,75% 2,1%
3,00% 2,2%
3,25% 2,3%
3,50% 2,4%
4,00% 2,6%
4,50% 2,8%
5,00% 3,1%
5,50% 3,3%
6,00% 3,5%
6,50% 3,7%
7,00% 3,9%
7,50% 4,2%
8,00% 4,4%
8,50% 4,6%
9,00% 4,8%
9,50% 5,0%
10,00% 5,2%
Elaboração Tendências.
0,8%
1,0%
1,1%
1,2%
1,3%
1,4%
1,5%
1,6%
1,7%
1,8%
1,9%
2,0%
1,6%
1,7%
1,9%
2,0%
2,1%
2,2%
2,3%
2,4%
2,5%
2,7%
2,8%
2,9%
3,0%
3,1%
3,2%
3,4%
3,7%
3,9%
4,1%
4,3%
4,6%
4,8%
5,0%
5,2%
5,4%
5,6%
5,9%
6,1%
1,8%
1,9%
2,1%
2,2%
2,3%
2,4%
2,5%
2,6%
2,7%
2,9%
3,0%
3,1%
3,2%
3,3%
3,4%
3,6%
3,9%
4,1%
4,3%
4,5%
4,8%
5,0%
5,2%
5,4%
5,6%
5,9%
6,1%
6,3%
1,9%
2,0%
2,2%
2,3%
2,4%
2,5%
2,6%
2,7%
2,8%
3,0%
3,1%
3,2%
3,3%
3,4%
3,5%
3,7%
4,0%
4,2%
4,4%
4,6%
4,9%
5,1%
5,3%
5,5%
5,7%
6,0%
6,2%
6,4%
2,0%
2,1%
2,3%
2,4%
2,5%
2,6%
2,7%
2,8%
2,9%
3,1%
3,2%
3,3%
3,4%
3,5%
3,6%
3,8%
4,1%
4,3%
4,5%
4,7%
5,0%
5,2%
5,4%
5,6%
5,8%
6,1%
6,3%
6,5%
2,1%
2,2%
2,4%
2,5%
2,6%
2,7%
2,8%
2,9%
3,0%
3,2%
3,3%
3,4%
3,5%
3,6%
3,7%
4,0%
4,2%
4,4%
4,6%
4,8%
5,1%
5,3%
5,5%
5,7%
6,0%
6,2%
6,4%
6,6%
2,2%
2,3%
2,5%
2,6%
2,7%
2,8%
2,9%
3,0%
3,1%
3,3%
3,4%
3,5%
3,6%
3,7%
3,8%
4,1%
4,3%
4,5%
4,7%
4,9%
5,2%
5,4%
5,6%
5,8%
6,1%
6,3%
6,5%
6,7%
2,3%
2,4%
2,6%
2,7%
2,8%
2,9%
3,0%
3,1%
3,3%
3,4%
3,5%
3,6%
3,7%
3,8%
3,9%
4,2%
4,4%
4,6%
4,8%
5,1%
5,3%
5,5%
5,7%
5,9%
6,2%
6,4%
6,6%
6,8%
2,4%
2,6%
2,7%
2,8%
2,9%
3,0%
3,1%
3,2%
3,4%
3,5%
3,6%
3,7%
3,8%
3,9%
4,0%
4,3%
4,5%
4,7%
4,9%
5,2%
5,4%
5,6%
5,8%
6,0%
6,3%
6,5%
6,7%
6,9%
2,5%
2,7%
2,8%
2,9%
3,0%
3,1%
3,2%
3,3%
3,5%
3,6%
3,7%
3,8%
3,9%
4,0%
4,1%
4,4%
4,6%
4,8%
5,0%
5,3%
5,5%
5,7%
5,9%
6,1%
6,4%
6,6%
6,8%
7,0%
2,6%
2,8%
2,9%
3,0%
3,1%
3,2%
3,3%
3,4%
3,6%
3,7%
3,8%
3,9%
4,0%
4,1%
4,2%
4,5%
4,7%
4,9%
5,1%
5,4%
5,6%
5,8%
6,0%
6,3%
6,5%
6,7%
6,9%
7,1%
2,7%
2,9%
3,0%
3,1%
3,2%
3,3%
3,4%
3,5%
3,7%
3,8%
3,9%
4,0%
4,1%
4,2%
4,3%
4,6%
4,8%
5,0%
5,2%
5,5%
5,7%
5,9%
6,1%
6,4%
6,6%
6,8%
7,0%
7,2%
2,8%
3,0%
3,1%
3,2%
3,3%
3,4%
3,5%
3,6%
3,8%
3,9%
4,0%
4,1%
4,2%
4,3%
4,4%
4,7%
4,9%
5,1%
5,3%
5,6%
5,8%
6,0%
6,2%
6,5%
6,7%
6,9%
7,1%
7,3%
A taxa de crescimento potencial pode ser inferior a 3,4% ao ano se, por exemplo: (i) houver redução da
poupança abaixo de 21% do PIB, seja porque o superávit primário do setor público se reduziu, seja porque
houve uma redução da poupança externa em razão de mudanças no contexto internacional ou na
capacidade do Brasil manter-se um devedor confiável; ou (ii) houver crescimento da produtividade total
dos fatores abaixo dos 1,4%, seja porque o grau de exposição de produtores brasileiros à competição
externa diminuiu, seja porque o ritmo de crescimento do nível educacional da força de trabalho caiu.
O cenário de referência, ao qual atribuímos maior probabilidade de ocorrência, prevê crescimento
médio anual do PIB de 3,4% ao ano. Como alternativa, apresentamos duas possibilidades:
•
A primeira, otimista, contempla um cenário em que um conjunto de reformas e uma
adequada gestão econômica conduzem a um maior aumento de produtividade e a uma
maior formação de poupança interna, resultando em um crescimento médio de 4,5% ao ano;
•
A segunda, pessimista, contempla uma repetição do desempenho médio da economia
brasileira nas duas últimas décadas, com um crescimento médio de 2,3% ao ano.
Representa um crescimento inferior ao desejável e possível da economia brasileira, mas deve
ser considerado frente ao histórico recente da economia brasileira.
A elaboração de cenários alternativos justifica-se diante dos impactos significativos que estas opções
podem ter sobre a viabilidade e conveniência da adoção de diferentes modelos para o setor elétrico.
A realização da hipótese otimista implica a ampliação dos investimentos requeridos para a adequada
operação do sistema compatível com riscos aceitáveis de racionamento da demanda. Nesse caso, o
montante de recursos adicionais necessários para a criação da oferta de energia pode alterar a configuração
mais eficiente do modelo para o setor. Por exemplo, devido às restrições de recursos para
104
investimentos do setor público, não é razoável admitir que a expansão do sistema elétrico, em um
cenário de expressivo crescimento da demanda, seja factível exclusivamente através de investimentos
estatais.
Por outro lado, a frustração do crescimento esperado (cenário pessimista) pode levar a perdas importantes
de bem-estar para a sociedade caso a expansão do setor se mantenha dimensionada para uma situação de
maior crescimento. Esse problema é visível, por exemplo, na hipótese de adoção de um modelo
determinativo e pouco flexível para o setor elétrico. Excesso de investimentos no setor elétrico significa
redirecionar, de forma ineficiente, recursos de outros setores nos quais esses seriam melhor
aproveitados para um setor cuja produção potencial não será absorvida integralmente pela
sociedade.
Portanto, a organização do setor através do modelo indicativo pode resultar em maior grau de
eficiência econômica. À medida que os agentes têm percepção de eventuais excessos de oferta, reduzem o
montante de investimentos, compatibilizando-o com a expectativa de patamares mais baixos de preços no
futuro. Permite-se, portanto, uma alocação mais eficiente dos recursos econômicos.
Note-se que as taxas de crescimento adotadas em nosso cenário não se alinham com algumas projeções de
demanda comumente elaboradas no passado para o setor elétrico. Isso ocorre porque estes estudos, em
geral, superestimam a variação do PIB, extrapolando para o futuro as taxas de crescimento
aceleradas de décadas passadas, quando as condições estruturais vigentes na economia brasileira
eram muito distintas. A tabela acima mostra que taxas de crescimento acima de 4,5% são factíveis
apenas em cenários nos quais combinam-se crescimento da produtividade e investimentos que não
são razoáveis de se admitir para os próximos dez anos.
4.2 Dimensionamento das necessidades de energia
Nesta seção, a partir dos cenários de crescimento médio da economia, iremos analisar a correlação entre
evolução do PIB e consumo de energia elétrica, considerando também a elasticidade-preço do consumo de
energia.
O setor elétrico tem uma longa tradição de planejamento a longo prazo. No entanto, as projeções de
evolução da demanda normalmente apresentam dois tipos de problemas:
•
Em primeiro lugar, superestimam o crescimento do PIB, utilizando comportamentos passados que
dificilmente se repetirão nos próximos anos, como visto na seção 4.1.
•
Em segundo lugar, essas estimativas mantêm a mesma proporção de consumo de energia em
relação à renda antes verificada, desconsiderando que a produção de energia elétrica dos novos
empreendimentos deverá ter um custo de geração superior ao verificado no passado70. Dado que
um bem econômico normalmente tem uma elasticidade-preço, o aumento do preço relativo deverá
resultar em um crescimento do consumo em relação a PIB proporcionalmente menor do que o
verificado no passado.
A seguir, são discutidos os condicionantes da demanda de energia no Brasil e sua evolução histórica, com
ênfase nos aspectos que afetam as previsões neste mercado. Em seguida, são avaliados alguns estudos
existentes sobre a elasticidade-renda e a elasticidade-preço da demanda pelo produto. Dado o caráter
contraditório e não-conclusivo da comparação destas informações, um modelo econométrico próprio é
estimado para estes parâmetros. Esse modelo incorpora algumas das características da evolução da
demanda obtidas através da análise histórica. Após algumas qualificações, os resultados da estimação são
utilizados para o dimensionamento da demanda para o período 2003-2012.
4.2.1 Histórico e características da demanda
A demanda de energia elétrica apresentou um comportamento pouco regular entre 1963 e 2001. O enorme
crescimento nesse período esteve associado, em grande medida, à situação econômica do período, mas
também a mudanças estruturais no padrão de consumo de toda a sociedade. Neste sentido, é possível
observar tanto períodos de intenso crescimento como períodos de queda e/ou de grandes oscilações.
70
Isto porque as fontes mais baratas foram as primeiras a ser exploradas no passado e estão esgotadas. As
novas fontes de energia, sejam quedas d’água ou termelétricas, terão custo por unidade de energia gerada
mais elevado, encarecendo o preço médio da energia no país.
105
Foram identificados quatro períodos distintos que resumem o que ocorreu entre 1963 e 2001. Até 1986, no
período identificado como “Milagre”71, a demanda de energia elétrica apresentou um crescimento muito
acentuado. Esta enorme expansão foi proporcionada principalmente pelo chamado “milagre econômico” na
década de 70, com elevados investimentos em indústrias eletrointensivas e com forte crescimento
autônomo nas parcelas residenciais e comerciais, dado pela popularização de eletrodomésticos e produtos
eletrônicos e pelo processo acentuado de urbanização que caracterizou boa parte do período (incluindo a
quase universalização no fornecimento de energia elétrica). Assim, a demanda de energia passou de 34,5
mil GWh em 1969 para 178,2 mil GWh em 1986. Esse crescimento da demanda foi atendido pelos pesados
investimentos estatais em infra-estrutura realizados na época, que foi também uma das características do
período.
Evolução da demanda de energia elétrica (1963 a 2002) – em Mil GWh
“Pós - Racionamento”
2,4%
“Real”
5,2% ªª
350
300
“Planos”
3,0% ªª
250
“Racionamento”
-8,0%
200
150
“Milagre” 9,4% ªª
100
50
1999
1993
1987
1981
1975
1969
1963
0
Fonte: Ipea
No período seguinte, de 1987 a 1994, a demanda de energia elétrica sofreu grandes oscilações no seu
consumo. Em 1987, o consumo de energia elétrica ficou praticamente estável em relação ao ano anterior,
sendo que nos anos posteriores sucederam-se anos de crescimento acentuado seguidos de anos de forte
queda, em linha com as grandes flutuações na economia ocasionadas pelos vários planos mal sucedidos de
combate à inflação. Essa instabilidade seguiu-se até 1992, quando se registra um período de maior
ortodoxia na condução da economia que, se por um lado foi incapaz de reativar a economia e combater a
inflação, permitiu ao menos uma certa constância no crescimento da demanda de energia, ainda em
patamares pífios.
O saldo desse período de estagflação foi um crescimento modesto da demanda de energia, em torno de 3%
ao ano, puxado sobretudo pelo consumo residencial.
De 1995 a 2000, a demanda de energia elétrica apresentou um crescimento mais expressivo, proporcionado
principalmente pelo Plano Real. A expansão do consumo de duráveis, proporcionada pela estabilização da
economia, garantiu o crescimento da demanda mesmo com as crises econômicas de 98-99. Nesse intervalo,
o crescimento saltou para a casa de 5,2% ao ano, com um pico de quase 8% no melhor dos anos desse
período.
Em 2001, devido à falta de capacidade do setor elétrico em atender a demanda existente no país, foi
implantado o racionamento de energia em algumas regiões, que resultou em um decréscimo de 8,0% do
consumo de energia elétrica em relação ao ano anterior. Essa restrição forçada da demanda,
acompanhada de aumentos significativos de preços, alterou hábitos de consumo de energia em todos
os setores da economia, o que permite antecipar um novo regime para o comportamento da demanda
de energia no país. Em 2002, o consumo total de energia expande-se apenas 2,4% em comparação ao ano
anterior, com ênfase na redução do consumo residencial (queda de 5,2%).
71
O “milagre econômico”, como ficou conhecido o período de elevadas taxas de crescimento apresentadas
pelo Brasil nos anos 60 e 70, durante o regime militar, encerrou-se, de forma clara, em 1979 com a segunda
crise do petróleo. A denominação de “milagre” que damos aqui para o consumo de energia elétrica
identifica um período de crescimento elevado, mas se estendendo vários anos após encerrado o “milagre
econômico” propriamente dito.
106
Consumo de energia no Brasil – % médio ao ano
Participação
"Milagre"
"Planos"
"Real"
"Racionamento"
"Pós Racionamento"
atual
1964-1986
1987-1994
1995-2000
2001
2002
100%
9,4%
3,0%
5,2%
-8,0%
2,4%
Residencial
42%
9,1%
5,8%
6,9%
-8,8%
-5,2%
Comercial
15%
8,5%
4,8%
8,6%
-6,8%
1,8%
Industrial
43%
9,9%
0,8%
3,5%
-7,0%
3,9%
Eletrointensivos
27%
Fonte: Ipea, BNDES, BEN.
n.d.
2,3%
2,6%
-7,5%
n.d.
Consumo Total
4.2.1.1 Setor industrial
Atualmente o setor industrial representa cerca de 43% do consumo total de energia elétrica. Essa demanda
evoluiu de forma muito mais próxima do comportamento geral da economia que nos demais segmentos de
mercado.
Na indústria, são menos relevantes as mudanças “autônomas” da demanda – não relacionadas diretamente
ao nível de atividade da economia. No entanto, a sensibilidade do setor a mudanças de preços e da
demanda agregada é muito maior e mais rápida que nos demais segmentos, motivo pelo qual os grandes
períodos acima destacados não coincidem exatamente com as mudanças de comportamento no setor
industrial.
Até 1980, os anos do milagre econômico propriamente dito, registrou-se um forte crescimento da demanda,
associado à acelerada industrialização do país, aos enormes investimentos em infra-estrutura e à
substituição do petróleo na matriz energética brasileira. Com o esgotamento desse processo de crescimento
acelerado – a partir da crise de 1981 – a demanda passou a apresentar um crescimento mais modesto,
voltando a registrar crescimentos mais vultosos apenas entre 1985 a 1987 (primeiros anos do governo
Sarney).
Evolução da demanda de energia elétrica na indústria (1963 a 2002) – em Mil GWh
140
“Planos”
120
“Real”
3,5% ªª
“Pós -Racionamento”
3,9%
0,8% ªª
100
80
“Racionamento”
-7,0%
“Milagre” 9,9% ªª
60
40
20
0
1963
1967
1971
1975
1979
1983
1987
1991
1995
1999
Fonte: Ipea.
De 1987 a 1993 o crescimento da demanda de energia elétrica da indústria sofreu grandes oscilações,
principalmente devido à instabilidade econômica da época e, posteriormente, devido à abertura comercial,
que resultou no fechamento de várias indústrias.
No Plano Real a demanda voltou a apresentar um crescimento mais expressivo, mas abaixo dos outros
setores da economia. Como em todos os setores, em 2001 observa-se queda de 7,0% no consumo devido ao
racionamento. Em 2002, o consumo expande-se 3,9%.
107
4.2.1.2 Setor comercial
A participação do setor comercial no consumo total atinge 15% atualmente. A demanda de energia deste
segmento apresentou um crescimento contínuo até 1987, chegando neste ano a um consumo de 20,6 mil
GWh (11,4% do total). Em todo esse período, o crescimento médio da demanda de energia no comércio
(8,5% ao ano) havia sido inferior ao da indústria (9,9% ao ano), motivo pelo qual o consumo do comércio
representava naquele momento apenas 1/5 do consumo industrial.
No período de 1987 a 1994 também registraram-se sensíveis oscilações no consumo desse setor, mas em
proporções bem menores se comparadas ao setor industrial. Na média do período, o que se observou foi
uma reversão do processo, com um crescimento médio do consumo no comércio significativamente
superior ao da indústria.
Já durante o Plano Real a demanda de energia elétrica do comércio apresentou um grande crescimento,
mantendo a tendência de expansão acima dos níveis da indústria. Enquanto a demanda de energia no setor
industrial cresceu somente 3,5% ao ano de 1995 a 2000, o setor comercial ampliou seu consumo em 8,6%
ao ano.
Evolução da demanda de energia elétrica no comércio (1963 a 2002) – em Mil GWh
“Real”
8,6% ªª
50
40
“Planos”
4,8% ªª
30
20
“Pós -Racionamento”
1,8%
“Racionamento”
-6,8%
“Milagre” 8,5% ªª
10
1999
1995
1991
1987
1983
1979
1975
1971
1967
1963
0
Fonte: Ipea
4.2.1.3 Setor residencial
Atualmente, o consumo residencial representa cerca de 42% do consumo total de energia elétrica. Este
segmento é o que apresenta o menor vínculo com o crescimento da economia no curto prazo. Ao
longo das últimas quatro décadas, uma série de fatores “autônomos” à atividade econômica provocou uma
enorme alta no consumo residencial no país. Entre estes fatores, podemos enumerar a expansão da rede de
eletrificação, que hoje alcança mais de 90% dos domicílios do país, e o desenvolvimento, barateamento e
difusão de produtos elétricos e eletro-eletrônicos de consumo doméstico.
Até 1987, o crescimento da demanda residencial de energia foi bastante acentuado (9,1% ao ano), acima do
verificado no setor comercial. No final desse período, a demanda alcançou 38,3 mil GWh (21,3% do
consumo total). Esse crescimento está vinculado sobretudo à eletrificação de boa parte do país e à
disseminação da “primeira onda” de equipamentos eletro-eletrônicos de consumo – rádio, televisão,
geladeira, chuveiro elétrico, máquinas de lavar etc.
Assim como ocorreu em toda a economia, o período entre 1987 e 1994 foi marcado por fortes oscilações na
demanda residencial de energia. Neste período, a despeito das oscilações da economia, o processo de
abertura econômica permitiu a entrada da “segunda onda” de eletro-eletrônicos – videocassetes,
computadores, CD players, freezers, ar-condicionado, aquecedores elétricos etc. – o que elevou a
necessidade de energia dos domicílios do país. O saldo desse processo foi um crescimento da demanda
residencial bem acima da média da economia e dos demais setores.
Com o Plano Real, e o conseqüente choque de oferta e de crédito, ocorreu a “universalização” de vários
dos produtos eletroeletrônicos da primeira e segunda onda. Milhões de lares que estavam marginalizados
do consumo de duráveis passaram a demandar muito mais energia em seus lares, elevando o consumo
residencial em 49,7% no período de 1994 a 2000.
108
Com o racionamento em 2001, o consumo de energia elétrica do setor residencial caiu 8,8% em relação ao
ano anterior. Este setor foi o que apresentou a maior queda, em virtude das ambiciosas e bem sucedidas
metas de economia estabelecidas pelo governo nas regiões Sudeste e Nordeste. Esta retração no consumo
apresenta continuidade no período seguinte. Em 2002, o consumo residencial apresenta redução de 5,2%
quando comparado ao ano anterior. Esta persistência indica a alteração do comportamento dos
consumidores devido à elevação das tarifas e efeitos da substituição de aparelhos elétricos em direção a
dispositivos mais eficientes do ponto de vista energético, a partir do racionamento. Este efeito é mais
perceptível quando são isolados os efeitos diretos do racionamento. Comparando-se os primeiros semestres
dos anos de 2001 e 2002, há uma redução de aproximadamente 20% no consumo.
Evolução da demanda de energia elétrica residencial (1963 a 2002) – em Mil GWh
“Real”
6,9% ªª
90
80
70
“Planos”
5,8% ªª
60
50
40
“Racionamento”
-8,8%
“Milagre” 9,1% ªª
30
“Pós -Racionamento”
-5,2%
20
10
1999
1995
1991
1987
1983
1979
1975
1971
1967
1963
0
Fonte: Ipeadata
4.2.1.4 Eletrointensivos
Os setores eletrointensivos da indústria tiveram sua “construção” principalmente nos anos do “milagre
econômico”. Embora não haja estatísticas disponíveis quanto à evolução desses setores do consumo
industrial para antes de 1985, estes certamente foram um dos principais fatores a puxar a demanda
industrial entre 1960 e 1985.
Mesmo nos anos que se sucederam, durante os sucessivos planos econômicos que tinham por objetivo
controlar a inflação, a demanda dos eletrointensivos manteve boas taxas de crescimento. Apenas com o
choque monetário do plano Collor, em 1990, é que estes setores acusaram o forte impacto (menor que nos
demais setores da economia), mas ainda assim recuperando-se nos anos seguintes e retomando as mesmas
taxas de crescimento anteriores até 1993.
De 1993 a 2000, a demanda de energia elétrica apresentou uma relativa estabilidade, com
crescimento anual médio de 0,8% ao ano. Este menor crescimento decorre principalmente da
substituição das fontes de energia no setor. A participação neste período caiu de 24% para 22% da
demanda total de energia.
Boa parte da demanda de produtos dos setores eletrointensivos tem como destino o mercado internacional.
Nesse período, os anos em que houve um aquecimento da demanda interna foram sempre anos em que o
câmbio esteve mais valorizado. Nesse contexto, estes setores apenas realocaram produtos do mercado
externo para o mercado interno. Na situação contrária, exceto por 1990, ocorria o oposto.
Essa regularidade se manteve em boa medida durante o período do Real, sendo interrompida em 2001 em
virtude do racionamento de energia. O saldo desse movimento foi um crescimento acumulado, entre 1990 e
2000, de 19,2%, seguido de uma queda de 4,5% por causa do racionamento.
109
Evolução da demanda de energia elétrica
dos setores eletrointensivos (1985 a 2001) – em mil GWh
“Real”
0,8% ªª
85
80
“Planos”
3,2% ªª
75
“Racionamento”
-4,5%
70
65
60
55
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
1986
1985
50
Fonte: Balanço Energético Nacional, 2000.
4.2.2 Elasticidades: estimativas para o Brasil
Conforme visto acima, a dinâmica de oferta e demanda de energia elétrica foi marcada por distintos
“períodos” ao longo das últimas quatro décadas. No último ano, em virtude do racionamento de energia e
de seus efeitos determinantes sobre a atividade econômica, a dinâmica de oferta e demanda de energia
elétrica no Brasil ganhou importância. Ainda assim, apesar dessa relevância, existem poucos trabalhos
aplicados sobre o tema.
Neste trabalho, foi realizada a estimação dos parâmetros de elasticidade da demanda por energia elétrica
para os três diferentes grupos de consumo (industrial, comercial residencial) e para o consumo total
agregado.
Para estimar as elasticidades de cada grupo i (segmento do consumo), foi usada a seguinte equação:
log(Ci ,t ) = α i + β i , 0t + β i ,1 log( PIBt ) + β i , 2 log( Pi ,t )
Onde,
Ci,t = consumo de energia elétrica do grupo i no período t
PIBt = PIB no período t
Pi,t = preço da energia elétrica para o grupo i no período t
αi = constante para o grupo i
ßi,0 = tendência linear (consumo autônomo)
ßi,1 = elasticidade-renda para o grupo i
ßi,2 = elasticidade-preço para o grupo i
Esta equação tem a vantagem de medir a sensibilidade do comportamento da demanda de energia elétrica
(variável exógena) a mudanças na renda e no preço (variáveis endógenas), separando efeitos que estejam
relacionados a outros fatores (sobretudo o consumo “autônomo” que, como visto, teve um papel
fundamental na evolução passada da demanda), cujo efeito é dado pelo parâmetro ßi,072.
72
A estimação foi realizada a partir de dados anuais que compreendem o período de 1974 a 1998. A
utilização de dados anuais em contraposição a dados mensais ou trimestrais faz com que os parâmetros
estimados possam ser considerados elasticidades de longo prazo.
110
Os resultados estimados para elasticidade do consumo de energia elétrica brasileira no período analisado
são comparados na próxima tabela73:
Estimativas da elasticidade do consumo de energia - Consumo Brasil
Total
Residencial
Comercial
Elasticidade-Renda
1,124
0,770
0,669
1,682
Elasticidade-Preço
-0,096
-0,036
0,046
-0,108
4,44%
0,00%
2,52%
5,04%
Tendência (ao ano)
Fontes: Eletrobrás, IBGE, FGV e MME. Estimativas Tendências
Industrial
Em linhas gerais, é possível notar que o consumo total de energia elétrica possui uma elasticidade-renda
próxima à unidade e uma elasticidade-preço bastante reduzida. Adicionalmente, os movimentos autônomos
que afetam o consumo de energia representaram um crescimento da demanda de aproximadamente 2,5%
anual. Os resultados completos da estimação para todos os segmentos de consumo (coeficientes,
significância estatística e capacidade explicativa dos modelos) são apresentados no Anexo I.
A estimação por classe de consumo indica a existência de variações importantes nos parâmetros entre as
diversas categorias, em decorrência das dinâmicas diferenciadas de incorporação de novos consumidores e
substituição de equipamentos. Entretanto, a baixa elasticidade-preço é comum a todas as classes de
consumo devido ao grau de essencialidade do produto em um país em desenvolvimento, de tal forma
que o preço tem um peso secundário na decisão de consumo dos agentes.
O principal fator que afeta a demanda de energia industrial é o crescimento da produção e da renda e não
há impacto do componente autônomo sobre a demanda.74 Nas classes residencial e comercial, ao
contrário, o componente autônomo representa o principal fator de variação da demanda de energia
elétrica. No primeiro caso, isso ocorre principalmente devido ao processo de incorporação de novos
consumidores e difusão de aparelhos eletrodomésticos efetivado ao longo do período da estimação. No
segundo, a modernização do setor com o surgimento e disseminação de grandes centros de compras e
hipermercados e aumento do grau de terceirização da economia podem ser elencados como fatores
determinantes da intensidade encontrada para o parâmetro. As mudanças de hábitos de consumo da
população (compras noturnas, por exemplo) acentuaram esta tendência. 75 A elasticidade-preço positiva
encontrada para a classe comercial, indicando elevação do consumo associada a aumento de preços, reflete
uma distorção do processo de estimação decorrente da redução do valor real das tarifas ao longo da década
de 80 seguida de posterior recomposição. Este valor será desconsiderado para efeito das projeções.
Quando analisados à luz dos aspectos históricos ponderados anteriormente, os resultados obtidos são
bastante satisfatórios sob o aspecto qualitativo.
4.2.3 Mudanças estruturais: alterações de parâmetros
A estimação dos parâmetros do modelo econométrico foi realizada para um período marcado por uma
seqüência de alterações estruturais na economia brasileira e por um comportamento diferenciado do
próprio consumo de energia, o que efetivamente motiva a divisão do período nas fases apresentadas
anteriormente. A utilização desses parâmetros, em um cenário no qual algumas dessas mudanças
estruturais não devem voltar a acontecer com a intensidade do passado e podem ser delineadas
alterações na sociedade de outra natureza, deve ser feita ajustando-os para estas novas condições.
73
Os cálculos das elasticidades foram implementados partindo-se de séries anuais de consumo e preços
construídas a partir dos dados divulgados pela Eletrobrás. Os dados de consumo de energia iniciam-se em
1963 e estão disponíveis até 2002 para o consumo total e para os segmentos de consumo industrial,
comercial e residencial. Já as séries de preços de energia elétrica são mais curtas, estando disponíveis
apenas para o período entre 1974 e 1998. As séries de preços são divulgadas pela Eletrobrás em dólares e
foram, em seguida, convertidas em moeda corrente e deflacionadas pelo IGP-DI, que melhor representa os
custos médios da economia. Para calcular a elasticidade-renda foi adotado Produto Interno Bruto real
divulgado pelo IBGE.
74
O coeficiente estimado é numericamente próximo de zero e, do ponto de vista estatístico, pode ser
considerado nulo.
75
Aparelhos com menor consumo de energia não eram um grande atrativo nas lojas de eletrodomésticos.
Assim como no comércio, poucas vezes se levava em conta o custo da iluminação no lay out de um ponto
comercial.
111
Em linhas gerais, é possível esboçar uma redução na taxa de crescimento “autônoma” da demanda,
concomitante a uma elevação nas elasticidades-renda e preço para as diversas categorias de consumo.
Em primeiro lugar, o acréscimo previsto da elasticidade-preço da demanda decorre principalmente do
aumento do preço da energia elétrica vis-à-vis os demais preços da economia. Quando isso ocorre,
empresas e os consumidores residenciais tornam-se mais suscetíveis à redução do consumo frente a novas
elevações de tarifas. O emprego de recursos em outras aplicações alternativas se torna mais atrativo devido
à alteração dos preços relativos.76 Portanto, para todos os segmentos de consumo, o valor da
elasticidade-preço foi elevado.
Em segundo lugar, é também razoável supor um incremento na elasticidade-renda para todas as
categorias de consumo. Os estudos internacionais apresentados no Anexo II indicam uma associação
positiva entre o nível de desenvolvimento econômico e o patamar da elasticidade-renda da demanda em
países em desenvolvimento. Portanto, à exceção do segmento industrial, os parâmetros de elasticidaderenda adotados para as projeções foram elevados em aproximadamente 10% em relação aos estimados no
modelo econométrico.
A alteração mais importante, em paralelo ao aumento nas elasticidades, deve ocorrer no consumo
autônomo, o fator mais relevante na ampliação do consumo nas últimas décadas. Para todos os
segmentos analisados, é possível admitir um declínio do crescimento autônomo da demanda por energia,
com especial destaque para o segmento residencial.
A continuidade da ampliação do número de eletrodomésticos esperada para a próxima década devido à
incorporação de novos consumidores ao mercado deve ter como contrapartida a substituição gradual do
estoque atual de eletrodomésticos por aparelhos que consomem menos energia. Também se espera
uma substituição do uso de energia elétrica para fins térmicos, do qual destaca-se a substituição de
chuveiros elétricos por aquecedores a gás natural, gás liquefeito de petróleo (GLP) ou solares.
Em paralelo, não prevemos mudança importante na taxa anual de crescimento da rede residencial de
energia elétrica. Em primeiro lugar, existe uma estabilidade esperada no ritmo de constituição de famílias
em relação à década passada. Ademais, não é esperado um impacto significativo sobre o sistema dos
programas de universalização. Segundo a Aneel, aproximadamente 2,5 milhões de domicílios brasileiros –
cerca de 11 milhões de habitantes – não têm acesso à energia elétrica, sendo que o índice geral de
domicílios atendidos atinge atualmente a marca de 94,5%. A Agência estima que o programa de
universalização, regulamentado pela Resolução 233/2003, beneficiará cerca de 1,7 milhões de habitantes
em 2004. Aproximadamente 4 mil municípios estariam universalizados até o final de 2008, e cerca de 7
milhões de habitantes, que hoje não têm acesso à energia, teriam atendimento pleno. Essa expansão não
deve causar impacto adicional expressivo sobre a demanda considerando-se que o maior contingente de
famílias incorporadas sob este critério compreende famílias de baixa-renda, com consumo próximo aos
valores mínimos.
No segmento comercial esperamos uma redução no ritmo de eletrificação de novos estabelecimentos em
relação à década passada devido à redução do ritmo da disseminação de instalações comerciais mais
modernas. Portanto, com a redução do crescimento autônomo, a expansão do consumo deve depender
relativamente mais fortemente do aumento da renda.
Levando-se em consideração os fatores expostos acima, adotamos uma redução de 50% na taxa de
crescimento autônomo da demanda para todas as classes de consumo.
Por outro lado, o segmento industrial deve ser o menos afetado pelo racionamento do ponto de vista
estrutural. O consumo de energia elétrica neste setor recuperou-se mais rapidamente após a restrição
forçada no consumo aproximando-se, já em 2002, dos patamares pré-racionamento. No longo prazo,
entretanto, a maior disponibilidade de fontes alternativas de energia – como o gás natural – deve contribuir
para uma redução do crescimento autônomo para esse segmento. Entretanto, de modo conservador e
levando-se em consideração que o parâmetro estimado é estatisticamente nulo, optamos por não alterar a
taxa de crescimento autônomo para esse segmento, mantendo-a igual a zero.
A tabela a seguir apresenta os parâmetros utilizados para efeito das projeções de demanda de energia,
levando-se em consideração as alterações previstas no comportamento dos agentes mencionadas acima:
76
No caso das empresas, por exemplo, isso ocorre através da substituição da energia elétrica por outras
fontes de energia como o gás natural e pela adoção de processos mais eficientes no uso da energia.
Consumidores residenciais também podem optar por outras fontes e igualmente adotar equipamentos mais
eficientes.
112
Parâmetros projetados de elasticidade do consumo de energia – Brasil (2003-20012)
Total
Residencial
Comercial
Industrial
Elasticidade-Renda
1,200
0,847
0,736
1,682
Elasticidade-Preço
-0,134
-0,150
-0,120
-0,119
1,26%
2,52%
2,22%
0,00%
Tendência (ao ano)
Fontes: Eletrobrás, IBGE, FGV e MME. Estimativas Tendências
4.2.4 Projeções da demanda: hipóteses sobre preços futuros
De acordo com o modelo de previsão explicitado na seção anterior, o dimensionamento da demanda futura
exige a projeção do crescimento da renda e dos preços da energia para cada categoria de consumo.77
Alguns fatores devem afetar os preços da energia elétrica para as várias classes de consumidores tanto no
futuro imediato quanto ao longo de todo o período coberto por esta projeção.
Do ponto de vista imediato, o efeito das perdas das empresas com o racionamento em 2001 deve sobreporse ao excesso de oferta de energia, havendo um repasse destas perdas para as tarifas.
No médio e longo prazo, um outro fator que deveria contribuir para a elevação dos preços médios da
energia é a redução de fontes mais baratas de expansão do sistema hidráulico que ocorre gradualmente com
o aproveitamento em primeiro lugar das fontes mais rentáveis do ponto de vista técnico. Este efeito se
destaca em um modelo de desenvolvimento do sistema elétrico no qual a variável relevante para a
definição da tarifa é o preço de mercado. Na medida que a demanda exigisse a expansão do parque gerador,
a tendência seria uma elevação do preço de mercado até atingir o custo marginal de produção.
As propostas iniciais do novo modelo, decorrentes da possibilidade de alteração no marco regulatório no
novo governo, estavam baseadas em contratos de longo prazo entre geradoras e distribuidoras, através de
um pool, o que tenderia a diluir os custos mais altos da incorporação de novas fontes de energia com usinas
antigas em potenciais hidráulicos mais econômicos e cujos investimentos já foram amortizados. No modelo
proposto pelo Ministério das Minas e Energia a concessão de novas usinas hidrelétricas não seria por
concessão onerosa, mas por licitação de menor preço. Essa proposta poderá sofrer alteração, mas neste
cenário a variável relevante para definição do preço tende a ser o custo médio de geração. As implicações
dessa alteração foram consideradas no capítulo 2 sobre a estrutura tarifária.
Nosso cenário de referência para os preços projetados da energia elétrica para estimação da
demanda supõe a continuidade da recuperação de preços e elevação das tarifas de energia para todos
os segmentos de consumo. Como hipótese básica, antecipa-se a continuidade desta tendência para os
próximos três anos sendo seguida por uma estabilização dos preços para os anos seguintes. Devido às
incertezas existentes quanto ao marco regulatório, efetuamos dois cenários de preços para efeitos de
projeções. No cenário de referência, estimamos que os preços da energia devem ser majorados, em termos
reais, em cerca de 20% nos próximos três anos. No segundo cenário, esse percentual é distribuído ao longo
do período de projeção, o que significa um crescimento de 3,42% ao ano nas tarifas.
4.3 Estimativas da demanda de energia
A partir dos cenários de renda e preços e definição dos parâmetros de elasticidades e consumos autônomos,
a projeção da demanda de energia elétrica foi realizada para as categorias de consumo individualmente,
bem como para a demanda total. A combinação das hipóteses de crescimento do PIB (3,4% e 4,5% ao ano)
e o aumento das tarifas (incremento de 20% distribuído ao longo de três ou dez anos) resultam em 5
cenários distintos. A tabela a seguir sintetiza a composição dos cinco cenários.
77
A princípio, existe uma circularidade envolvida nesta projeção pois o preço de mercado futuro depende
do próprio comportamento da demanda a cada período do tempo, que é exatamente a variável que aqui se
pretende estimar. A solução para este problema envolve a definição de uma hipótese inicial a respeito da
evolução dos preços da energia e sua utilização para a projeção da demanda. Com os resultados obtidos
para o cenário da oferta de energia é possível, em seguida, avaliar a compatibilidade entre os pressupostos
adotados e os resultados que podem ser obtidos através da comparação entre os cenários propostos de
demanda e consumo de energia elétrica.
113
Composição dos cenários para demanda de energia
Crescimento do PIB (ao ano)
Prazo de elevação
das tarifas
3,40%
4,50%
2,30%
3 anos
Cenário 1
Cenário 3
-
10 anos
Cenário 2
Cenário 4
Cenário 5
No cenário de referência (Cenário 1), por exemplo, há crescimento do PIB de 3,4% ao ano combinado ao
crescimento de 20% nas tarifas de energia distribuídos ao longo de 2003 a 2005, seguido da estabilidade
dos preços. Nesse panorama, projeta-se uma demanda total de energia de aproximadamente 477 mil GWh
em 2012 (290 mil GWh em 2002), o que representa uma taxa de crescimento médio de cerca de 5,09% ao
ano.
A demanda atinge o patamar mais alto no Cenário 3 (540 mil GWh em 2012), devido ao maior ritmo de
crescimento do produto e da renda. Notar que esse patamar de demanda representa um acréscimo de 13,3%
na necessidade de energia ao final do período em relação ao cenário de referência.
O cenário 5, de menor crescimento econômico, é o que resulta em menor crescimento da demanda. Para
essa hipótese de baixo crescimento do PIB, não se fez uma contrapartida de um cenário de incremento mais
acelerado das tarifas, pois isso se faria desnecessário em virtude do esgotamento mais lento das fontes de
menor preço.
A próxima figura apresenta a evolução da demanda de energia em cada um dos cinco cenários, com as
figuras seguintes apresentando a demanda por segmento (residencial, industrial e comercial) Os resultados
numéricos detalhados em cada cenário são apresentados nas tabelas a seguir.
Demanda de Energia Elétrica Total por Cenários, em GWh/ano
650.000
550.000
450.000
350.000
250.000
150.000
Observado
Cenário 3
Cenário 1
Cenário 4
Cenário 2
Cenário 5
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
50.000
114
Demanda de Energia Elétrica Residencial por Cenários, em GWh/ano
140.000
130.000
120.000
110.000
100.000
90.000
80.000
70.000
60.000
Observado
Cenário 3
Cenário 1
Cenário 4
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
50.000
Cenário 2
Cenário 5
Demanda de Energia Elétrica Comercial por Cenários, em GWh/ano
Observado
Cenário 3
Cenário 1
Cenário 4
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
80.000
75.000
70.000
65.000
60.000
55.000
50.000
45.000
40.000
35.000
30.000
25.000
20.000
Cenário 2
Cenário 5
Demanda de Energia Elétrica Industrial por Cenários, em GWh/ano
280.000
240.000
200.000
160.000
120.000
Observado
Cenário 1
Cenário 2
Cenário 3
Cenário 4
Cenário 5
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
80.000
115
Demanda de Energia Elétrica, em GWh/ano - Cenário 1
(Cresc. PIB = 3,4% ao ano e Aumento de Preços de 20% em 3 anos)
Taxa Média de Crescimento da
2002
2012
Demanda (% ao ano)
Total
Residencial
290.285
476.795
5,09%
72.656
119.662
5,12%
Comercial
45.260
70.269
4,50%
Industrial
127.435
217.587
5,50%
Demanda de Energia Elétrica, em GWh/ano - Cenário 2
(Cresc. PIB = 3,4% e Aumento de Preços de 20% em 10 anos)
Taxa Média de Crescimento
2002
2012
da Demanda (% ao ano)
Total
290.285
477.069
5,09%
Residencial
72.656
119.740
5,12%
Comercial
45.260
70.305
4,50%
Industrial
127.435
217.696
5,50%
Demanda de Energia Elétrica, em GWh/ano – Cenário 3
(Cresc. PIB = 4,5% e Aumento de Preços de 20% em 3 anos)
Taxa Média de Crescimento
2002
2012
da Demanda (% ao ano)
Total
290.285
540.186
Residencial
72.656
130.698
6,41%
6,05%
Comercial
45.260
75.909
5,31%
Industrial
127.435
258.910
7,35%
Demanda de Energia Elétrica, em GWh/ano - Cenário 4
(Cresc. PIB = 4,5% e Aumento de Preços de 20% em 10 anos)
Taxa Média de Crescimento
2002
2012
da Demanda (% ao ano)
Total
Residencial
290.285
540.493
6,41%
72.656
130.782
6,05%
Comercial
45.260
75.948
5,31%
Industrial
127.435
259.037
7,35%
Demanda de Energia Elétrica, em GWh/ano - Cenário 5
(Cresc. PIB = 2,3% e Aumento de Preços de 20% em 10 anos)
Taxa Média de Crescimento
2002
2012
da Demanda (% ao ano)
Total
Residencial
290.285
420.424
3,77%
72.656
109.545
4,19%
Comercial
45.260
65.042
3,69%
Industrial
127.435
182.390
3,65%
4.4 Conclusões
Entre 2003 e 2012, o crescimento da demanda total de energia é bastante distinto nos cinco cenários
desenvolvidos, variando entre 44,8% no cenário de menor crescimento até 86,2% no de maior crescimento.
As projeções de demanda de energia para o segmento industrial, que é a mais sensível a taxas de
crescimento da economia, variam ainda mais, situando-se entre 43,1% e 103,3%. A síntese dos resultados
acumulados em cada cenário é apresentada na próxima tabela:
116
Crescimento acumulado da demanda
de energia entre 2002 e 2013 em cada cenário
Cenários
1
2
3
4
5
Total
64,3%
64,3%
86,1%
86,2%
44,8%
Residencial
64,7%
64,8%
79,9%
80,0%
50,8%
Comercial
55,3%
55,3%
67,7%
67,8%
43,7%
Industrial
70,7%
70,8%
103,2%
103,3%
43,1%
A demanda mostrou-se sensível às variações do crescimento da economia, mas relativamente pouco
afetada pelas hipóteses de aumento de preços.
Os cinco cenários apresentados não cobrem todas as possibilidades. Cenários de maior crescimento têm
baixa probabilidade e dificilmente poderiam ser viabilizados, dadas as limitações estruturais da
economia brasileira analisadas ao longo deste capítulo. Não haveria justificativa econômica em
superdimensionar o crescimento alocando recursos escassos para atender a uma demanda de energia
que não concretizar-se-ia.
No entanto, cenários de menor crescimento e, conseqüentemente, menor demanda de energia são
perfeitamente factíveis. Na verdade, poderiam, por exemplo, simplesmente representar a repetição do
padrão médio recente de crescimento da economia brasileira Qualquer grande crise, sem adequada reação,
da qual também existem inúmeros exemplos nas últimas décadas, poderia igualmente implicar menores
taxas de crescimento. O próprio não atendimento da demanda de energia poderia resultar em um desses
cenários. Tais cenários de menor demanda, no entanto, não foram desenvolvidos, pois implicam imaginar
uma situação de crescimento muito inferior à desejada e julgada possível na economia brasileira. Não
haveria muito sentido em desenvolver um trabalho de planejamento e dimensionamento do setor elétrico
brasileiro no longo prazo para um crescimento inferior ao desejado e possível. O próprio cenário 5 já
representa um extremo, repetindo um padrão de crescimento que apesar de ter sido o efetivamente
verificado desde o início dos anos 80, não é o desejado pela sociedade brasileira.
117
Referências
Abegglen, James C., 2000. "Sea Change, Pacific Asia as the new world industrial center", Simon &
Schuster Inc, New York.
Além, Ana Claúdia e Giambiagi, Fabio, 1997. “Aumento do Investimento: O Desafio de Elevar a Poupança
Privada no Brasil”. Revista BNDES 8, Rio de Janeiro.
Andrade, Thompson A., Lobão, Waldir J.A., 1997. “Elasticidade renda e preço da demanda residencial de
energia elétrica no Brasil”. Texto para Discussão Nº 489, IPEA, Rio de Janeiro.
Bacha, E. e Bonelli, R. 2001. “Crescimento e produtividade no Brasil: o que nos diz o registro de longo
prazo”, MIMEO, IPEA.
Boneli, Regis (2001), “Produtividade Total dos Fatores (PTF) e Produto Potencial da Economia Brasileira:
Uma Nota”, Boletim Conjuntural 53, IPEA, Abril.
Cândido Junior, José Oswaldo, 1998. “Poupança Doméstica no Brasil: Evolução Recente e Perspectivas”.
Texto para Discussão 589, IPEA, Brasília.
Demirguç-Kuntz, Asli e Anita Schwarz, 1999, “Taking Stock of Pension Reform Around the World”,
World Bank, Washington, DC, mimeo.
Fundação Getulio Vargas, 2001. “Impactos de um racionamento de energia elétrica sobre as indústrias
eletro-intensivas”, ABRACE, São Paulo.
Gomes, Victor, Pessôa, Samuel de Abreu & Veloso, F. A., 2003. Evolução da Produtividade Total dos
Fatores na Economia Brasileira: Uma Análise Comparativa, Ensaios Econômicos da EPGE 483.
Haas, Reinhard; e Schipper, Lee, 1998. “Residential Energy Demand in OECD - Countries and the Role of
Irreversible Efficiency Improvements – Evidence from the period 1970-1993”, Energy
Economics, 20.
Ishiguro, Masayasu e Akiyama, Takamasa, 1995. “Electricity Demand in Asia and the Effects on Energy
Supply and the Investment Environment”. Worldbank, Washington.
James, William, Meier, Gerald M.e Naya, Seiji, 1999. “Asian Development – Economic Success and
Policy Lessons”. University of Wisconsin Press, WI.
Silva Filho, Tito Nícias Teixeira da., 2001. “Estimando o Produto Potencial Brasileiro: uma Abordagem de
Função de Produção”. Working Papers Series, Banco Central do Brasil, Brasília.
United Nations, 1998. “International Energy Outlook 1998”. New York.
118
Anexo I – Elasticidades: Resultados das Estimações
Demanda de Energia Elétrica Total – Resultados Econométricos
Variável Dependente: LOG(QT)
Método: Mínimos Quadrados
Amostra: 1974 1998
Observações incluídas: 25 após ajustes dos pontos extremos
Variáveis
Coeficiente
Erro Padrão
Estatística t
P-value
C
TENDÊNCIA LINEAR
LOG(PIB)
LOG(PT)
D88
4.638120
0.025214
1.124040
-0.095594
-0.173303
1.178477
0.006562
0.223419
0.032115
0.061870
3.935691
3.842204
5.031085
-2.976591
-2.801097
0.0008
0.0010
0.0001
0.0075
0.0110
R-quadrado
0.986644
Estatística F
369.3513
R-quadrado Ajustado
0.983972
Prob( Estatística F)
0.000000
Onde, QT =
Consumo Total de Energia Brasil
PT =
Preço da Energia Total Brasil
D88 =
Variável dummy para o ano de 1988
Demanda de Energia Elétrica Comercial – Resultados Econométricos
Variável Dependente: LOG(QC)
Método: Mínimos Quadrados
Amostra: 1974 1998
Observações incluídas: 25 após ajustes dos pontos extremos
Variáveis
Coeficiente
Erro Padrão
Estatística t
P-value
C
TENDÊNCIA LINEAR
LOG(PIB)
LOG(PC)
D88
4.774740
0.044375
0.669394
0.046288
-0.185168
0.941357
0.005355
0.178520
0.027506
0.049323
5.072188
8.286891
3.749691
1.682854
-3.754162
0.0001
0.0000
0.0013
0.1080
0.0012
R-quadrado
0.991274 Estatística F
568.0247
R-quadrado Ajustado
0.989529 Prob( Estatística F)
0.000000
Onde, QC =
Consumo Comercial de Energia Brasil
PC =
Preço da Energia Comercial Brasil
D88 =
Variável dummy para o ano de 1988
Demanda de Energia Elétrica Industrial – Resultados Econométricos
Variável Dependente: LOG(QI)
Método: Mínimos Quadrados
Amostra: 1974 1998
Observações incluídas: 25 após ajustes dos pontos extremos
Variáveis
Coeficiente
Erro Padrão
Estatística t
P-value
C
TENDÊNCIA LINEAR
LOG(PIB)
LOG(PI)
1.219054
-0.000134
1.682158
-0.108027
1.781182
0.010173
0.338599
0.054594
0.684407
-0.013218
4.967988
-1.978739
0.5012
0.9896
0.0001
0.0611
R-quadrado
0.956327
Estatística F
153.2822
R-quadrado Ajustado
0.950088
Prob( Estatística F)
0.000000
Onde, QI =
Consumo Industrial de Energia Brasil
PI =
Preço da Energia Industrial Brasil
Demanda de Energia Elétrica Residencial – Resultados Econométricos
Variável Dependente: LOG(QR)
Método: Mínimos Quadrados
Amostra: 1974 1998
Observações incluídas: 25 após ajustes dos pontos extremos
Variáveis
Coeficiente
Erro Padrão
Estatística t
P-value
C
TENDÊNCIA LINEAR
LOG(PIB)
LOG(PR)
D88
4.654874
0.050400
0.769758
-0.036409
-0.213071
1.005256
0.005440
0.189729
0.021857
0.052019
4.630536
9.263950
4.057148
-1.665809
-4.096013
0.0002
0.0000
0.0006
0.1113
0.0006
R-quadrado
0.993578
Estatística F
R-quadrado Ajustado
0.992294
Prob( Estatística F)
Onde, QR =
Consumo Residencial de Energia Brasil
PR =
Preço da Energia Residencial Brasil
D88 =
Variável dummy para o ano de 1988
773.6008
0.000000
119
Anexo II – Elasticidades: estudos existentes
Estudos para o Brasil
Neste anexo analisaremos especificamente três trabalhos de maior expressão que tratam de mensurar as
elasticidades da demanda de energia. Estes três estudos apresentam diferentes métodos para cálculo de
elasticidade e, também, resultados bastante distintos.
O trabalho do IPEA (1997), utilizando dados de 1970 a 1995, apresenta resultados de elasticidade-renda e
preço da demanda somente para o consumo residencial de energia. A partir de três diferentes métodos de
estimação os autores chegam a resultados parecidos, garantindo robustez nos resultados. Sintetizando os
resultados, o estudo aponta para uma elasticidade-renda de 0,21 e uma elasticidade-preço de –0,06.
Também foi estimada uma elasticidade-preço cruzada, com relação aos preços dos eletrodomésticos,
de –0,17.
O trabalho do MME (1999) analisa a elasticidade-renda para o consumo total de energia elétrica
utilizando dados de 1970 a 1999. O texto explicita a forma de cálculo das elasticidades sugerindo uma
análise incipiente baseada na correlação entre taxas médias de crescimento do PIB e do consumo de
energia elétrica. São encontrados resultados de elasticidades-renda para diferentes períodos de tempo que
não coincidem com resultados dos demais trabalhos ou com comparativos internacionais. Para o período de
1970/99 a elasticidade-renda foi de 1,79, para 1992/97 de 1,23 e para 1997 de 2,0. Desta forma,
classificamos esses resultados como pouco confiáveis.
O trabalho da FGV (2001) foi divulgado depois do anúncio do racionamento de energia elétrica pelo
governo brasileiro. Apesar de focar suas atenções em um segmento específico da demanda
(eletrointensivos), o estudo apresenta diversas medidas de elasticidade. Utilizando dados de 1994 a 1998,
através de um painel regional de consumo de energia elétrica, os autores calculam elasticidades para o
consumo total, industrial, comercial e residencial de energia, usando como parâmetros renda e nível de
emprego. Para o consumo total de energia, a elasticidade-renda encontrada foi de 0,66 e a elasticidadeemprego (nível de emprego) foi de 1,59. Considerando apenas o consumo industrial, a elasticidade-renda
encontrada foi de 1,03 e a elasticidade-emprego industrial de 1,09. Para o consumo comercial a
elasticidade-renda foi de 0,89 e a elasticidade-emprego comercial de 0,93. Para o consumo residencial,
apenas elasticidade em relação à massa salarial foi calculada, sendo seu valor de 0,63.
A tabela seguinte compara os resultados dos três trabalhos:
Resultados das mensurações de elasticidade da demanda de energia (a)
IPEA
MME
FGV
1970-1995
1970-1999
1994-1998
Anual
Anual
Mensal
Elasticidade-renda
0,21
1,79
0,66
Elasticidade-preço
-0,06
n.e.
n.e.
n.e.
n.e.
1,59
Período
Elasticidade-emprego
Elasticidade-preço cruzada
-0,17
n.e.
n.e.
(a) Metodologias não comparáveis; (b) n.e. = não estimado. Fontes: FGV, MME e IPEA.
Estudos internacionais
Na medida em que os trabalhos locais não são conclusivos, a consistência das estimativas próprias
pode ser testada a partir de evidências internacionais. Três trabalhos distintos foram utilizados para
este fim.
Ishiguro e Takamasa (1995), em trabalho elaborado pelo Banco Mundial, estudam o comportamento da
demanda de energia nos países asiáticos (“tigres” da primeira e segunda geração) e obtêm resultados
bastante heterogêneos. Notar que nesse trabalho não foi adotada uma tendência linear como a presente nas
estimativas da Tendências para o Brasil.
120
Elasticidade-preço e renda para
demanda de eletricidade – sem constante
Setor Industrial
Renda
Brasil (Tendências)
1,68
China
0,68
Indonésia
3,16
Malásia
0,86
Filipinas
1,09
Coréia
0,9
Taiwan, China
0,58
Tailândia
1,18
N.E. = não estimado.
N.S. = não significante.
Fontes: IECCP, Banco Mundial.
Preço
-0,11
N.E.
N.S.
-0,48
N.S.
-0,39
-0,37
N.S.
Haas e Schipper (1998), estudam o papel das melhorias irreversíveis de eficiência na demanda residencial
de energia elétrica nos países da OCDE no período entre 1970 e 1993. O modelo adotado difere daquele
que utilizamos neste trabalho, motivo pelo qual os resultados não são diretamente comparáveis. Em linhas
gerais, os autores sugerem um modelo econométrico loglinear com um componente autoregressivo
(consumo de energia no período anterior).
Ln(Et ) = C +α ln(Pt ) + β ln(Y t ) + γ ln(HDDt ) + δ ln(Et−1 )
Onde:
Et é o consumo de energia residencial no período;
C é a constante;
α é a elasticidade-preço absoluto da demanda;
Pt é o preço em valor real no período;
β é a elasticidade-renda da demanda em nível absoluto;
Yt é o nível de renda privada;
γ é a elasticidade da demanda de energia em relação ao clima;
HDDt é o número de dias quentes no ano (foi desconsiderado para o Brasil);
δ é a influência do consumo em t-1 no consumo presente;
A título comparativo, o modelo sugerido pelos autores foi estimado utilizando os dados brasileiros. Os
resultados são consistentes com as diferenças entre o Brasil e o conjunto de países coberto pelo
estudo original. A elasticidade-renda para a demanda residencial atinge 0,563, acima da média dos países
desenvolvidos. A sensibilidade a preço é inferior a dos países desenvolvidos (-0,02 para o Brasil, ante –
0,10 para a maior parte dos países da OCDE), refletindo estágios diferentes de desenvolvimento.
Estimação das elasticidades-preço e renda no período de 1973 a 1993
Constante
Elasticidade-preço
Elasticidade-renda
0,56
Brasil (Tendências)
-0,68
-0,02
EUA
2,44
-0,09
0,12
Japão
1,17
-0,10
0,53
Suécia
2,30
-0,11
NS
Alemanha
-2,74
-0,09
0,27
Reino Unido
-0,54
-0,11
0,33
Dinamarca
0,13
-0,22
NS
Noruega
-0,26
NS
0,50
França
5,52
MS
0,31
Áustria
-4,28
-0,21
Itália
5,70
NS
Fonte. Haas e Schipper (1998), IBGE, Eletrobrás e MME. Elaboração: Tendências.
0,70
0,21
121
A aplicação do modelo ao consumo total conduz a resultados mais condizentes com o esperado. A
elasticidade-renda encontrada foi de 0,648 e a elasticidade-preço de -0,058.
Por fim, as Nações Unidas (United Nations, 1998) elaborou estudos sobre a elasticidade atual e prospectiva
da demanda por região do planeta. Este estudo não é comparável com qualquer trabalho aqui já realizado,
mas permite medir a convergência internacional a determinados padrões de consumo e, principalmente, a
atual distância das diferentes regiões.
O Brasil, como visto, apresenta um padrão de elasticidade-renda próximo ao dos países em
desenvolvimento. Notar que na próxima tabela fica clara a significativa diferença entre as elasticidadesrenda dos países em desenvolvimento (entre 1,0 e 1,2 na média dos períodos entre 1970 e 2000) e os países
desenvolvidos (na casa de 0,6).
Elasticidade-renda por região, 1970 a 2020.
Região
19701975
19751980
19801985
19851990
19901995
19952000
20002005
Industrializados
0,74
0,69
0,03
0,55
0,84
0,83
0,54
União Soviética/E. Oriental
1,27
2,89
1,39
0,39
0,68
0,55
0,43
Em desenvolvimento
0,98
0,94
1,77
1,33
1,17
0,89
0,79
0,73
Ásia
1,03
0,71
0,81
0,66
0,88
0,84
China
0,88
0,63
0,48
0,51
0,51
0,6
0,59
Países asiáticos sem China
1,21
0,95
1,05
0,84
1,22
1,03
0,83
0,95
0,94
0,69
0,69
0,85
0,92
0,75
Total Mundo
Fonte: International Outlook 1998
Nesse sentido, os números internacionais parecem corroborar nossas estimativas e as hipóteses
subseqüentes de redução na elasticidade-renda adotadas.
122
Sumário executivo
Este capítulo constrói cenários de demanda de
energia elétrica para o Brasil ao longo dos
próximos dez anos visando balizar a estimação
da necessidade de investimentos no setor.
Foram construídos cenários macroeconômicos e
analisada a correlação do crescimento da
economia com a demanda por energia,
considerando a evolução futura dos preços de
energia.
Cenários Macroeconômicos
O cenário macroeconômico ao qual atribuímos
maior probabilidade de ocorrência prevê
crescimento médio do PIB de 3,4% ao ano entre
2003 e 2013.
Foram feitos dois cenários alternativos. O
otimista considera que reformas estruturais e
uma adequada gestão econômica conduzem a
uma maior formação de poupança interna,
resultando em um crescimento médio de 4,5%
ao ano. O pessimista admite um crescimento
médio de 2,3% ao ano, similar ao verificado nos
últimos vinte anos.
Cenários de crescimento ainda menor e,
conseqüentemente, de menor demanda de
energia são factíveis. Não foram desenvolvidos,
pois implicam imaginar uma situação de
crescimento muito inferior à desejada e julgada
possível na economia brasileira.
O cenário pessimista trabalha com taxas de
crescimento abaixo do desejado e possível, mas
é importante ter uma projeção realista do
consumo de energia, pois uma estimativa
exagerada da demanda implica sobreinvestimento, com desperdício de recursos
escassos e perda de bem-estar da sociedade. No
modelo que está se delineando para o setor,
alicerçado em contratos de longo prazo de
venda garantida de energia, a demanda aquém
da prevista pode representar substanciais
transferências de renda entre os agentes
econômicos.
Cenários de preços de energia
O enorme crescimento do consumo de energia
no Brasil entre 1963 e 2001 esteve associado à
situação econômica do período e a mudanças
estruturais no padrão de consumo da população.
Em 2001, o racionamento de energia e os
aumentos significativos de preços alteraram os
hábitos de consumo de energia em todos os
setores.
A estimação das elasticidades renda e preço
levou em consideração alterações previstas no
comportamento dos agentes. Prevê-se um
aumento da elasticidade-preço devido ao
aumento das tarifas, um aumento da
elasticidade-renda,
aproximando-se
do
comportamento internacional dos países em
desenvolvimento, e uma redução do consumo
autônomo (consumo autônomo representa a
parcela que, no modelo econométrico de
estimação, não depende da renda ou dos preços
e é equivalente à tendência).
As elasticidades e os resultados estimados são
os seguintes:
Parâmetros para a estimação da demanda
Estimado
Projetado
Elasticidade-Renda
1,124
1,200
Elasticidade-Preço
-0,096
-0,134
Tendência (ao ano)
2,25%
1,26%
Supõe-se ainda a continuidade da recuperação
de preços e elevação das tarifas de energia para
todos os segmentos de consumo, mas com duas
hipóteses para o ritmo de aumento: distribuído
ao longo do período de projeção (10 anos) ou
em apenas 3 anos.
Cenários de demanda de energia
Os dois cenários de preços combinados com os
cenários macroeconômicos básico e otimista
resultam em quatro cenários de demanda de
energia. Uma quinta alternativa combina o
cenário macroeconômico pessimista com a
hipótese de crescimento das tarifas mais suave.
As premissas são sintetizadas a seguir:
Cen.
Premissas de cada cenário
Crescimento médio
Aumento de preços
anual do PIB
da energia
1
2
3
4
5
3,4%
3,4%
4,5%
4,5%
2,3%
20% em 03 anos
20% em 10 anos
20% em 03 anos
20% em 10 anos
20% em 10 anos
Os resultados estimados para a demanda de
energia no período de dez anos são apresentados
nas tabelas a seguir.
Crescimento médio anual da demanda de energia
entre 2002 e 2013 em cada cenário
Cenários
1
Total
Residencial
Comercial
Industrial
5,09%
5,12%
4,50%
5,50%
2
5,09%
5,12%
4,50%
5,50%
3
6,41%
6,05%
5,31%
7,35%
4
6,41%
6,05%
5,31%
7,35%
5
3,77%
4,19%
3,69%
3,65%
123
Crescimento acumulado da demanda de energia
entre 2002 e 2013 em cada cenário
Cenários
1
Total
Residencial
Comercial
Industrial
64,3%
64,7%
55,3%
70,7%
2
3
4
64,3% 86,1% 86,2%
64,8% 79,9% 80,0%
55,3% 67,7% 67,8%
70,8% 103,2% 103,3%
5
44,8%
50,8%
43,7%
43,1%
Como se observa, a demanda de energia é
sensível às várias hipóteses de crescimento da
economia, mas com os resultados ao final de
dez anos sendo pouco sensíveis à trajetória dos
preços.♦♦
124
5. INVESTIMENTOS REQUERIDOS PARA A EXPANSÃO DO SETOR ELÉTRICO
Neste capítulo dimensionamos o volume de investimentos requeridos no setor elétrico. Para estimar os
investimentos, precisa-se estabelecer premissas para três aspectos fundamentais:
•
a projeção de demanda;
•
a composição de novas usinas; e
•
o custo de instalação de cada tipo de usina.
As premissas referentes à evolução da demanda foram explicitadas e exploradas no capítulo anterior. A
seguir, as premissas referentes à composição das novas usinas e seus custos serão explicitadas e
exploradas para estimar o montante de investimentos necessários para que o setor elétrico esteja apto a
atender às necessidades da sociedade nos próximos dez anos. Como o objetivo é obter estimativas de
custos de investimentos por MW instalado e não confrontar precisamente os custos de várias alternativas,
optamos por uma estimação conservadora dos investimentos requeridos. Assim, consideramos um
cenário de crescimento de demanda por energia elétrica moderado e adotamos estimativas
conservadoras para o custo de instalação das novas usinas, sobretudo as hidrelétricas, sem
considerar os custos financeiros incorridos durante o período de instalação das usinas. Em seguida
serão exploradas as principais fontes de recursos disponíveis para financiar esses empreendimentos.
5.1 Premissas básicas
O dimensionamento dos investimentos requeridos será desenvolvido considerando uma matriz de seis
cenários. Estes cenários resultam da combinação de três cenários de evolução da demanda e dois cenários
para a composição das novas usinas.
Dado o longo período de tempo requerido para a instalação de novas usinas, o planejamento da expansão
do setor elétrico de curto a médio prazo (1-3 anos) precisa contemplar os cenários de crescimento mais
otimistas, para garantir que o setor elétrico não venha a tornar-se um gargalo para o crescimento
econômico caso haja um boom de crescimento extraordinário. Por outro lado, é necessário também ser
cauteloso para não onerar demasiadamente o consumidor promovendo a expansão do sistema elétrico de
forma desnecessária. Tendo isso em mente, dimensionamos o volume de investimentos requeridos tanto
para a demanda de energia estimada no cenário de referência, o Cenário 1; como também para o otimista,
o Cenário 3; e o cenário pessimista, o Cenário 5. Apesar de considerarmos os Cenários 3 e 5 menos
prováveis, eles não deixam de ser factíveis e a sua ocorrência precisa ser considerada.
Cenários de projeção da demanda de energia elétrica
Demanda
CENÁRIO 1
projeção de
referência
CENÁRIO 3
projeção
alta
CENÁRIO 5
projeção
baixa
Com relação aos cenários para a matriz energética consideramos duas opções para a expansão do parque
gerador, levando em conta diferentes ritmos de desenvolvimento do Programa de Incentivo a Fontes
Alternativas (Proinfa) e diferentes proporções de expansão hidrelétrica versus termelétricas.
Além da demanda de energia elétrica, para dimensionar os investimentos necessários, também é preciso
definir a matriz energética desejada e o custo de instalação de cada tipo de usina contemplado.
5.2 Cenários de expansão da matriz energética
A definição da matriz energética depende de uma série de fatores:
•
o custo relativo de cada fonte energética;
•
os riscos e as incertezas associados a cada fonte energética;
•
o estímulo ao desenvolvimento tecnológico etc.
Dados esses múltiplos critérios, a definição da matriz energética requer uma análise interdisciplinar.
Dois fatores são muito importantes na definição dessa matriz. O primeiro é o Programa de Incentivos às
Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa); o segundo é a competitividade das novas usinas
hidrelétricas e termelétricas para suprir o remanescente do crescimento da demanda projetada.
125
No passado as usinas hidrelétricas eram as mais competitivas, dada a dotação de recursos energéticos no
Brasil. Recentemente, as termelétricas estão tornando-se mais competitivas devido a avanços tecnológicos
que as tornaram termodinamicamente mais eficientes; à maior disponibilidade de gás natural em
decorrência da descoberta de novas fontes e o seu transporte pela instalação de gasodutos; e o progressivo
esgotamento dos potenciais hidrelétricos de aproveitamento mais econômico.
O Proinfa foi constituído pela Lei 10.438/02 com o objetivo de incentivar a instalação de usinas de
geração elétrica de fontes alternativas, mais especificamente de pequenas centrais hidrelétricas (PCH),
usinas eólicas e usinas de biomassa. Prevê duas fases. A primeira visa promover a instalação de 3.300
MW de usinas das fontes alternativas até 30 de dezembro de 2006. A segunda fase visa promover a
instalação de usinas a partir de fontes alternativas, de forma que em 20 anos 10% da energia do
país seja gerada de fontes alternativas.
Trata-se de um programa bastante ambicioso, que tornará as fontes alternativas uma das principais fontes
da energia nova. Considerando o nosso cenário de referência para a evolução da demanda, a
realização da Fase I do Proinfa significaria que cerca de 20% da capacidade a ser instalada entre
2003 e 2006 seria de fontes alternativas. Para viabilizar as fontes alternativas, a Lei prevê que a
Eletrobrás proverá contratos de compra dessa energia, pelo prazo de 15 anos, ao “valor econômico
correspondente à tecnologia específica de cada fonte”, valor este a ser definido pelo Ministério de Minas
e Energia. Os custos referentes a esses contratos serão então rateados entre todas as classes de
consumidores.
Com relação à composição das usinas convencionais, a maior parte da carga deverá ser suprida
provavelmente por novas hidrelétricas. Uma das boas surpresas da reforma do setor elétrico foi a
redução do custo e tempo de instalação de novas usinas hidrelétricas pelo setor privado. Esse ganho
de eficiência tornou a geração hidrelétrica mais competitiva, se bem que parte dessa competitividade tem
sido atribuída à construção apenas de usinas a fio d’água (sem reservatório) e à falta de sinalização
econômica adequada na alocação dos custos de transmissão e de perdas.
A maior parte da expansão do parque gerador hidrelétrico em curso situa-se nas bacias hidrográficas do
Rio Tocantins, Rio Uruguai, Rio Paraná e Atlântico Leste (veja a próxima tabela).
Nos próximos anos, a expansão do parque gerador hidrelétrico tenderá a se deslocar para regiões mais
distantes dos grandes centros de consumo, principalmente para a região Norte, onde se encontra a maior
parte dos potenciais hidrelétricos ainda não desenvolvidos. A exploração desses potenciais exigiria a
construção de grandes troncos de transmissão para o transporte da energia para os centros de carga.
Exemplos de projetos nessa direção são os propostos pela Eletronorte e Furnas, respectivamente, para a
construção da usina de Belo Monte, no Rio Xingu, Pará, e das usinas Jirau e Santo Antônio no Rio
Madeira, em Rondônia. A viabilidade econômica desses projetos, quando acrescidos os custos de
transmissão e as incertezas, sobretudo as decorrentes das distâncias e das questões ambientais,
ainda precisaria ser analisada, o que fica além do escopo deste trabalho78.
Expansão do parque gerador hidrelétrico (MW)
Rio Amazonas
Rio Tocantins
Atlântico Norte/Nordeste
Rio São Francisco
Construção
Ampliação
Concedida
Projeto
Autorização
TOTAL
248,10
2,65
-
153,20
84,09
488,04
1.333,20
4.125,00
-
9,80
16,06
5.484,06
1,50
-
-
11,20
25,10
37,80
105,00
2,02
-
8,22
25,00
140,24
Atlântico Leste
660,00
12,40
793,00
267,52
392,46
2.125,38
Rio Paraná
823,29
1.418,85
406,36
107,68
112,44
2.868,62
Rio Uruguai
2.590,00
-
1.000,00
15,04
46,65
3.651,69
129,20
-
45,00
376,75
96,50
647,45
TOTAL
5.890,29
5.560,92
Fonte: Aneel (2002). Atlas de Energia Elétrica do Brasil.
2.244,36
949,41
798,30
15.443,28
Atlântico Sudeste
78
Além disso, sua construção deslocaria outros projetos competitivos, cuja viabilidade de construção pela
iniciativa privada é muito maior, por pelo menos uma década. A escassez de recursos e a dificuldade de
atrair investimentos privados para investimentos desse porte e risco concentrado são fatores adicionais
que deveriam ser levados em conta na análise de viabilidade de tais projetos.
126
As novas usinas hidrelétricas em construção, concedidas e em projeto apresentam uma capacidade de
armazenamento relativamente pequena. Isso reduz significativamente o custo, o impacto social e
ambiental, e o tempo de instalação das novas usinas. Por outro lado, eleva a suscetibilidade e dependência
do sistema hidrelétrico das condições hidrológicas.
A capacidade de armazenamento do parque gerador brasileiro no passado era suficiente para promover
uma regularização entre anos de hidrologia favorável e adversa. No futuro próximo, dada a adição
prevista relativamente pequena de reservatórios, a capacidade de armazenamento do parque hidrelétrico
será suficiente somente para promover a regularização anual ou até menos do que isso (caso do projeto de
Belo Monte, por exemplo). Isso significa que a relação da energia assegurada com a capacidade instalada
do parque gerador hidrelétrico terá que ser reduzida ou que usinas de complementação terão que ser
instaladas para compensar a perda de capacidade de geração das hidrelétricas em períodos de hidrologia
adversa, o que reduzirá significativamente a competitividade da geração hidrelétrica. Em outras
palavras, a geração de energia hidráulica está ficando relativamente mais cara, ou seja, a
competitividade dessa energia tende a diminuir.
O potencial hidráulico do país é enorme. Como pode ser visto no próximo gráfico, a maior parte dos
potenciais hidrelétricos do país ainda não foram explorados. No entanto, a maior parte desse potencial
encontra-se em regiões distantes dos centros de carga e poderá enfrentar sérias restrições ambientais. Isso
significa que a opção pela geração hidrelétrica ou termelétrica será feita primordialmente por
restrições ambientais e econômicas, e não pelo esgotamento físico dos potenciais hidrelétricos.
Potencial hidrelétrico estimado e aproveitado (MW) em cada bacia hidrográfica
Altântico Norte/Nordeste
Atlântico Sudeste
Rio Uruguai
Atlântico Leste
Rio São Francisco
Rio Tocantins
Rio Paraná
potencial estimado disponível
120000
100000
80000
60000
40000
20000
0
Rio Amazonas
potencial aproveitado
Fonte: Aneel (2002). Atlas de Energia Elétrica do Brasil.
As usinas termelétricas apresentam diversas vantagens para a obtenção de investimentos e de
financiamento privado. São mais simples de financiar, no sentido de que se trata de uma tecnologia
mais padronizada que pode ser instalada num período de tempo menor e mais previsível do que as
usinas hidrelétricas. A proporção de custos variáveis das usinas termelétricas também é maior, o
que significa que as necessidades de financiamento são menores, pois que uma proporção maior dos
custos é incorrida somente quando as usinas são operadas.
Apesar dessa vantagem, a competitividade das termelétricas depende, entre outros, de um fator
básico: o desenvolvimento do mercado de gás natural.
Atualmente o preço do gás natural é indexado a uma cesta de combustíveis transacionadas no mercado
internacional (cotados em dólar) e regido por contratos de preço fixo, com compromissos de pagamento
parcialmente independentes da quantidade de gás consumido e transportado (70% de take-or-pay e 95%
de ship-or-pay). Esta é uma restrição significativa para a expansão termelétrica em um sistema
predominantemente hidrelétrico. Desta forma, no curto prazo, a participação das usinas termelétricas
deverá ser limitada às usinas iniciadas ou com equipamentos comprados, em decorrência do Programa
Prioritário de Termelétricas promovido no governo passado. Ao longo do tempo a competitividade
relativa da geração termelétrica aumentará à medida que os aproveitamentos hidrelétricos mais
econômicos e ambientalmente viáveis forem se esgotando, além do que o aumento da participação de
127
usinas hidrelétricas sem reservatório deverá sinalizar no médio prazo a necessidade de uma
complementação termelétrica adicional para reduzir a dependência nas condições hidrológicas. Se, no
entanto, as condições do mercado de gás forem alteradas, seja por uma renegociação do contrato do
gás boliviano, seja pela ampliação da participação do gás natural produzido no país, as
termelétricas poderão desempenhar um papel mais importante na expansão do parque gerador nos
próximos anos, com uma participação crescente aproximando-se da metade de toda a nova
capacidade.
Outra questão a ser analisada no caso da geração termelétrica, e que poderia aumentar sua
competitividade, seria a isenção da cobrança de encargos requeridos para atender necessidades do
parque hidrelétrico. A energia gerada pelas termelétricas (não integrantes da Conta Consumo de
Combustíveis) também é, como a das hidrelétricas, onerada pelo Encargo de Capacidade de Emergência
(ECE), pela Conta de Consumo de Combustíveis (CCC)79, pelo componente selo da Tarifa de Uso do
Sistema de Transmissão (TUST), e pela falta de uma alocação adequada das perdas na transmissão. Como
esses encargos e tarifas cobrem custos sistêmicos decorrentes do fato de a matriz energética ser
primordialmente hidrelétrica, existem questionamentos quanto a cobrança desses encargos também para a
parcela de energia gerada pelas termelétricas. A capacidade de produção das usinas termelétricas não
depende das condições hidrológicas. Portanto a sua energia não deveria ser onerada pelo ECE e pela
CCC, que são utilizadas para sustentar os custos fixo (capacidade) e variável (combustível) de usinas
mantidas para complementar as usinas hidrelétricas em caso de hidrologia adversa.
A energia gerada pelas usinas termelétricas também deveria receber um tratamento diferenciado
com relação aos custos decorrentes da transmissão, pois elas estão situadas próximo aos centros de
carga. A maior parte da rede de transmissão é necessária para transportar a energia das hidrelétricas, que
se situam longe dos centros de carga, e para permitir o intercâmbio de energia entre as regiões, de modo a
aproveitar a diversidade hidrológica entre regiões. O atual sistema de rateio do custo de transmissão
não fornece uma adequada sinalização das vantagens locacionais das térmicas, no que tange ao
custo de transmissão, em relação às hidrelétricas. Se a energia das usinas termelétricas fosse
desonerada desses custos ocasionados pelo parque hidrelétrico, seria mais competitiva.
A expansão do parque gerador termelétrico sofreu uma série de retrocessos nos últimos anos.
Alguns fatores importantes que prejudicaram esse desenvolvimento foram a elevação dos preços do
petróleo e seus derivados e a desvalorização do real. Atualmente a expansão do parque gerador
termelétrico resume-se a um resquício do Plano Prioritário de Termelétricas, iniciado pelo governo
passado. As usinas do Grupo A estão em operação ou em fase avançada de instalação. Já as usinas dos
Grupos B e C estão em regime de espera, e poderão ou não ser instaladas, dependendo dos rumos dados
ao setor elétrico (vide próxima tabela).
79
Note-se que o ECE e a CCC são subsídios pagos pelo sistema para a existência e disponibilidade de
geração térmica de segurança, ou seja, são montantes recebidos pelas térmicas existentes para “firmar” a
geração hidrelétrica ou de termelétricas nos sistemas isolados. Com a exceção das termelétricas a carvão,
as novas termelétricas interligadas ao sistema integrado não são beneficiadas pela CCC e não estão
sujeitas a riscos hidrológicos que exigem capacidade excedente de segurança.
128
Termelétricas do Plano Prioritário de Termelétricas
Usina
Grupo A
Arjona
Potência
Data prevista
MW
de entrada
5168
120
dez-01
63
dez-01
Canoas
160
dez-02
Eletrobolt
350
dez-01
Juiz de Fora
103
mar-02
Macaé Merchant
870
mar-02
Termobahia
190
dez-02
Termoceará
270
mar-02
Fafen
54
dez-01
Ibirité
240
set-03
Termopernambuco
500
dez-03
Araucária
480
dez-02
Nova Piratininga
400
mai-02
Norte Fluminense
778
mai-03
Três Lagoas
240
dez-02
350
dez-02
Arjona (ampliação)
Camaçari
Grupo B
1343
Termo-Rio
1036
jan-03
Fortaleza
307
dez-03
Grupo C
Corumbá
940
90
jun-03
Santa Cruz
350
jun-03
Paracambi
500
dez-04
TOTAL
Fonte: CCPE, outubro de 2002.
7451
No dimensionamento dos investimentos requeridos não levamos em conta a necessidade de instalação de
usinas para atender à demanda de potência. Supusemos que a expansão por usinas hidrelétricas será
suficientemente grande e que o seu fator-capacidade permanecerá no patamar de 55%, de forma que a
demanda de potência será plenamente atendida à medida que o parque gerador for suficiente para atender
o consumo anual de energia elétrica.
Esse trabalho não contempla a opção de expansão do parque nuclear. Apesar de os equipamentos
para Angra III já terem sido comprados, o custo de construção da usina ainda seria muito grande e os
custos futuros de armazenamento do lixo atômico e de desmonte da usina ao final de sua vida útil são
muito elevados, além do que o prazo de construção é bastante longo.
A partir dessas considerações, construímos dois cenários para a matriz energética. No Cenário A
consideramos que o Proinfa é implementado com sucesso, superando a meta de instalação de um total de
3.300 MW em pequenas centrais hidrelétricas, usinas eólicas ou de biomassa até 2006 e, a partir de 2007,
seguindo um crescimento exponencial que leve a uma participação de 10% até 2023 (conforme as
estimativas do CCPE – Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão). A composição da potência
instalada dos três tipos de usinas usada neste cenário foi a mesma adotada pelo CCPE no Plano Decenal
2003-2012. O resíduo do crescimento da demanda, não atendido pelas fontes alternativas financiadas pelo
Proinfa, será atendido por usinas hidrelétricas e termelétricas. Neste cenário supusemos que a composição
de usinas hidrelétricas e termelétricas seria de 80% hidrelétricas e 20% termelétricas. Essa proporção
aproxima-se da proporção adotada no “Mercado de Referência - Cenário de Oferta B” do Plano Decenal.
129
DEMANDA
A matriz de cenários considerados
MATRIZ ENERGÉTICA
CENÁRIO A
Proinfa
Fase I: implementado
Fase II: implementado
Composição da expansão
hidro: 80%
térmico: 20%
CENÁRIO B
Proinfa
Fase I: 80% implementado
Fase II: abandonado
Composição da expansão
hidro: 55%
térmico: 45%
CENÁRIO 1
demanda de
referência
CENÁRIO 1A
CENÁRIO 1B
CENÁRIO 3
demanda
alta
CENÁRIO 3A
CENÁRIO 3B
CENÁRIO 5
demanda
baixa
CENÁRIO 5A
CENÁRIO 5B
No Cenário B supõe-se que o Proinfa sofrerá atrasos e dificuldades de implementação, de forma que a
potência instalada em pequenas centrais hidrelétricas, usinas eólicas ou de biomassa até 2006 seja de
apenas 80% da meta prevista na Lei 10.438 e que a segunda fase seja abandonada.80
A composição da potência instalada dos três tipos de usinas contempladas no Proinfa foi a mesma
adotada pelo CCPE no Plano Decenal 2003-2012. Supõe-se que o remanescente da capacidade instalada
necessária para atender à demanda é satisfeita pela instalação de grandes usinas hidrelétricas e
termelétricas, na proporção de 55% e 45%, respectivamente, para o Cenário B. Essa proporção é próxima
ao do “Mercado de Referência – Cenário de Oferta A” do Plano Decenal 2003-12 do CCPE.
80
Implicitamente esse cenário supõe que o artigo 3o da Lei 10.438 que define a meta para 2006 seria
revogado ou revisto para uma meta menor. É uma suposição razoável, dado o elevado custo dessas
“fontes alternativas” previstas no Proinfa.
130
Cenário A: Proinfa plenamente implementado
Capacidade instalada (MW)
PCH
Biomassa
Eólica
TOTAL
2002
1.740
2.275
22
4.037
2003
410
81
232
723
2004
238
421
17
676
2005
169
318
250
737
2006
391
280
601
1.272
2007
153
153
153
459
2008
164
164
164
492
2009
177
177
177
531
2010
191
191
191
573
2011
207
207
207
621
2012
223
223
223
669
TOTAL
2.323
2.215
2.215
6.753
Por ano
232
222
222
675
Cenário B: Proinfa parcialmente implementado
Capacidade instalada (MW)
PCH
Biomassa
Eólica
TOTAL
2002
1.740
2.275
22
4.037
2003
318
63
180
560
2004
184
326
13
524
2005
131
246
194
571
2006
303
217
466
985
2007
-
2008
-
2009
-
2010
-
2011
-
2012
-
TOTAL
936
852
852
2.640
Por ano
94
85
85
264
A definição dos Cenários A e B visa apresentar uma matriz energética de alto e outra de baixo
custo de instalação. Como as fontes alternativas geralmente envolvem custos de instalação maiores do
que as hidrelétricas, e essas, por sua vez, têm custos maiores do que as usinas termelétricas, o Cenário A
requer investimentos maiores do que o Cenário B.
Deve-se ressaltar que não foi objeto deste trabalho definir qual seria a expansão ótima do sistema, o que
poderia ser feito, por exemplo, considerando o trade-off entre aumento de custos e redução dos riscos de
racionamento.
5.3 O custo de cada tecnologia
Uma vez definida a matriz energética é necessário estimar o custo de instalação de cada tipo de usina para
se calcular os investimentos requeridos. Não consideramos os custos financeiros incorridos durante o
período de instalação das usinas. Os parâmetros adotados na nossa avaliação são apresentados na próxima
tabela. Além do custo de instalação é necessário se conhecer o fator-capacidade de cada usina, isto é, a
taxa de utilização de cada usina. Usinas eólicas e hidrelétricas, por exemplo, apresentam um baixo fator
capacidade pois a sua produção é limitada pela disponibilidade de vento, no caso das usinas eólicas, e de
água, no caso das hidrelétricas. O fator capacidade das usinas termelétricas (geralmente referido como
sendo o fator de disponibilidade máxima) é limitado primordialmente pelo tempo necessário para a
realização da manutenção das turbinas. As usinas de biomassa, principalmente as do setor sucroalcooleiro, são limitadas pela disponibilidade sazonal de seu combustível, o bagaço de cana-de-açúcar,
que depende da colheita da cana.
131
Custo de instalação e fator capacidade de usinas
fator
custo de
capacidade
Instalação
(R$/MW)
Hidrelétrica
55,0%
2.600.000
Termelétrica
88,0%
1.800.000
PCH
55,0%
2.600.000
Biomassa
85,0%
2.500.000
Eólica
40,0%
3.000.000
Esses valores são condizentes com os utilizados por especialistas do setor. No entanto, deve-se ressaltar,
em especial para a implantação de hidrelétricas, que esses números representam estimativas
situadas próximas aos valores inferiores da distribuição dos custos de instalação de novos
empreendimentos. Por exemplo, para estimar o preço de geração de longo prazo, o Relatório de
Progresso Nº 2 do Comitê de Revitalização do Setor Elétrico (Documento de Apoio K) supõe um custo de
instalação de usinas hidrelétricas de US$ 700/kW operando com um fator-capacidade de 60%, e um custo
de instalação de US$ 600/kW para uma usina termelétrica a gás natural operando com um fator
capacidade de 93%.
Em estudo realizado por Umbria (2002) para prever os preços futuros de energia, os valores adotados
foram semelhantes: R$ 1.500 e R$ 1.600 por quilowatt (quando a cotação do câmbio estava no patamar
de R$ 2,30/US$) para usinas hidrelétricas e PCHs, e US$ 600/kW para usinas termelétricas a gás natural
com potência superior a 240MW. O fator-capacidade adotado foi de 55% para as hidrelétricas e 88%
para as termelétricas.
O estudo de viabilidade realizado por FURNAS e ELETRONORTE para a implantação de duas
hidrelétricas no Rio Madeira proporciona mais outro parâmetro de comparação. O fator capacidade das
duas usinas seria de cerca de 60%, a um custo de 1.337 R$/kW para as hidrelétricas, e de 3.209 R$/kW
considerando os custos de expansão da rede de transmissão. Como já ressaltado, esses custos precisariam
ser analisados levando em conta várias incertezas existentes quanto à viabilidade econômica desses
projetos, inclusive porque sua construção deslocaria outros projetos competitivos por pelo menos uma
década.
Custos de hidrelétricas e transmissão – Rio Madeira e Belo Monte
investimento
potência
energia firme
Fator
investimento
investimento
(mil R$)
MW
MW-médios
capacidade
(R$/Kw)
(R$/kW-médio)
Hidrelétricas
10.000.000
7.480
4.470
59,8%
1.337
2.237
Incluindo a transmissão
14.000.000
3.209
5.369
Rio Madeira
Belo Monte
Hidrelétricas
3.700.000
Incluindo a transmissão
8.570.000
Fonte: FURNAS / ELETRONORTE.
11.182
4.675
41,8%
331
791
766
1.833
Fica evidente na tabela acima, comparando as estimativas para Belo Monte e Rio Madeira, que existe
uma grande variação nos custos de investimento por KW das hidrelétricas. Essa dificuldade de estimar
custos constitui inclusive um dos problemas do investimento em hidrelétricas. Cada empreendimento
apresenta características distintas e, conseqüentemente, custos distintos. Preferimos adotar uma
estimativa conservadora para esse custo, considerando um patamar baixo para as hidrelétricas.
Seria perfeitamente admissível considerar custos maiores para as hidrelétricas, mas provavelmente nesses
casos predominaria a lógica econômica e haveria uma alteração no mix de fontes a serem utilizadas, com
maior proporção de investimentos em termelétricas, que são mais baratos, mantendo assim provavelmente
em patamar similar a necessidade global de recursos por capacidade instalada.
Com relação ao custo de instalação das fontes alternativas, adotamos valores próximos aos adotados pelo
Ministério de Minas e Energia na audiência pública sobre a definição do Valor Econômico da Tecnologia
Específica da Fonte (VETEF).
132
Custo de instalação de fontes alternativas
fator
capacidade
Biomassa
R$/kW
US$/kW
2.533,25*
844,42
Biogás
86%
2.371,40
790,47
Setor arrozeiro
85%
2.803,70
934,57
1.054,53
85%
3.163,60
44-58%
1.794,30
598,10
34-44%
3.061,20
1.020,40
56%
PCH
2.620,90
Fonte: MME.
(*) Nota: média dos quatro tipos de usinas de biomassa.
873,63
Setor madereiro
Setor sucroalcooleiro
Eólica
É importante ressaltar a diferença entre o custo de instalação e o custo total da energia elétrica. Quanto
menor for o fator capacidade de um determinado tipo de usina, maior será a potência instalada requerida
para atender um determinado consumo anual (MWh/ano). Assim, apesar de o custo de instalação em
reais (cotados em R$ 3/US$ por kW) das usinas hidrelétricas ser relativamente próximo ao custo de
instalação das usinas termelétricas, o investimento em hidrelétricas requerido para atender uma
determinada quantia de energia será significativamente maior do que se essa energia fosse atendida
por uma termelétrica. A explicação está no fator capacidade mais elevado das termelétricas. Além disso
o tempo de instalação de uma usina hidrelétrica é maior do que de uma termelétrica, o que implica maior
custo financeiro (esses custos não foram considerados na nossa estimativa).
O custo da energia também diverge do custo de instalação pois os diversos tipos de usinas apresentam
diferentes custos variáveis. As usinas termelétricas requerem um investimento inicial menor para atender
uma determinada carga, mas o seu custo por megawatt-hora tende a ser mais elevado devido aos seus
custos operacionais maiores em função, primordialmente, do custo do combustível.
5.3.1 Investimentos necessários na Transmissão
Os custos dos investimentos requeridos em transmissão foram estimados separadamente para a reposição
dos equipamentos existentes e para a expansão do sistema.
Para estimar os investimentos na reposição de equipamentos, aplicamos uma taxa de reposição sobre o
valor da base de remuneração das linhas de transmissão existentes. A taxa de reposição adotada foi de
3,5% e representa um valor médio das taxas anuais de depreciação dos bens vinculados à concessão do
serviço público de energia elétrica, em particular no que se refere à transmissão.81 O cômputo da base de
remuneração levou em consideração dois componentes: (i) um custo por megavolt-ampère (que
supusemos ser igual a potência instalada, MW) referente à reposição de subestações (transformadores,
capacitores e outros equipamentos), α e (ii) um custo por quilômetro de linha instalado, β.
Baset = α m + β d ,
onde m representa a potência instalada em 2003, de acordo com o Cenário de Oferta B (79.597 MW) e d
expressa a extensão das linhas de transmissão existentes ao final de 2002 (174,8 mil km).82
Os parâmetros α e β foram estimados considerando-se os investimentos do Plano de Ampliações e
Reforços na Rede Básica Período 2004 a 2006 do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O
primeiro atinge cerca de R$ 152.000/MW e o segundo foi estimado em aproximadamente R$ 136.000/km
de linha.
O valor dos investimentos requeridos na expansão da transmissão também é uma função dos dois
componentes utilizados para estimar os investimentos incorridos na reposição de ativos da rede básica: (i)
o parâmetro α e (ii) o parâmetro β. Neste caso, entretanto, ajustamos os parâmetros para refletir o custo
por MW-médio. Supusemos que a demanda de potência (potência máxima) é o dobro da demanda média
anual. Assim, o parâmetro α estimado anteriormente é multiplicado por dois para refletir o custo por
MW-médio. Para o parâmetro β estabelecemos dois valores: um para as termelétricas e outro para as
hidrelétricas. Primeiro estimamos o custo por quilômetro de linha instalado por MW-médio, R$ 215,6
81
82
Resolução ANEEL No. 44, de 17 de março de 1999.
Boletim Síntese SIESE 2002.
133
mil/MW-médio (obtido a partir da estimativa da quilometragem média de linhas de transmissão requerida
para aumentar a oferta em 1 MW-médio conforme o Plano Decenal 2003-2012 multiplicado pelo custo
por quilômetro de linhas estimado anteriormente). Como as usinas termelétricas são instaladas
relativamente próximas aos centros de carga, o número de quilômetros de linhas requerido para a
instalação de novas termelétricas é significativamente inferior aos requeridos para a ligação de
usinas hidrelétricas. Assim, alocamos 90% do custo associado às linhas de transmissão às usinas
hidrelétricas e o restante para as usinas termelétricas. Dimensionamos a necessidade de investimentos
em expansão da transmissão em R$ 184.544/MW-médio para a carga atendida por termelétricas e
R$ 567.348/MW-médio para a carga atendida por hidrelétricas.
5.3.2 Investimentos necessários na Distribuição
Para dimensionar as necessidades de investimentos das distribuidoras, consideramos tanto as
necessidades de financiamento para atender o aumento da carga projetada quanto os investimentos
requeridos para a reposição de equipamentos obsoletos ou que se aproximam do final de sua vida útil.
Para dimensionar o primeiro componente adotamos um custo marginal de longo prazo de R$ 15.000 por
MW, o que equivale a R$ 30.000 por MW-médio, supondo que a demanda de potência é o dobro da
demanda média. Esse valor situa-se entre os valores de R$ 17.190/MW e R$ 13.710/MW estimados no
estudo de Oliveira, C. et alli.(2002) para uma carga em média tensão adotando, respectivamente, a
metodologia Lei Quantidade de Oferta (LQO) e Custo Incremental Médio de Longo Prazo (CIMLP).
Ambas as metodologias são amplamente aceitas no mercado. A LQO baseia-se em custos históricos,
enquanto o CIMLP baseia-se no fluxo de caixa descontado, considerando os investimentos específicos
requeridos no período contemplado.
Já os investimentos requeridos para a reposição de equipamentos obsoletos e no final de sua vida útil
foram calculados a partir de uma estimativa da base de remuneração regulatória. Para definir a base de
remuneração regulatória agregada, somamos a base de remuneração das 13 distribuidoras que tiveram
revisão tarifária este ano. Considerando a participação dessas empresas no atendimento da carga
agregada, obtivemos a base de remuneração regulatória estimada para todas as distribuidoras. Supusemos
que cerca de 7% desse valor precisa ser reposto a cada ano. A taxa de depreciação utilizada no setor
geralmente situa-se entre 4 e 6%. Entretanto, dada a defasagem de investimentos passados e as metas de
aprimoramento da qualidade estipuladas pela Aneel, julgamos que uma taxa de 7% ao ano proporciona
uma estimativa mais apropriada das necessidades de financiamento das distribuidoras para o decênio
2003-12.
5.4 Estimação dos investimentos requeridos
A partir dessas premissas podemos estimar os investimentos requeridos a cada ano no setor elétrico. Os
resultados para os seis cenários contemplados são apresentados no próximo gráfico.
Projeção dos investimentos requeridos
40.000
35.000
milhões de R$
30.000
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
CENÁRIO 1B
CENÁRIO 1A
CENÁRIO 3B
CENÁRIO 3A
CENÁRIO 5B
CENÁRIO 5A
134
Se fôssemos definir um único cenário de referência optaríamos pela projeção dada pelo Cenário 3A para
os primeiros três anos, e pela projeção do Cenário 1B para os demais anos (projeção em negrito na
próxima tabela). Assim, tomaríamos a posição conservadora (do ponto de vista de minimizar o risco de
racionamento) de planejar a expansão do setor contemplando a possibilidade de uma taxa de crescimento
otimista no curto prazo. Para períodos maiores haveria tempo de se ajustar a expansão para acomodar
taxas de crescimento acima do esperado, dispensando a necessidade de se adotar premissas de
crescimento sobrestimadas.
Dimensionamento dos investimentos nos seis cenários considerados
Demanda
[MW-médios]
Cenário
Investimento
[R$ milhões]
1B
1A
Demanda
[MW-médios]
Investimento
[R$ milhões]
3B
3A
Demanda
[MW-médios]
Investimento
[R$ milhões]
5B
5A
2003
1.491
14.436
16.249
1.929
17.147
19.688
1.250
12.943
14.355
2004
1.558
14.180
15.739
2.041
17.171
19.532
1.298
12.563
13.688
2005
1.629
14.962
16.789
2.160
18.255
20.965
1.347
13.214
14.572
2006
2.019
17.544
19.707
2.615
21.237
24.391
1.397
13.689
14.817
2007
2.127
18.587
21.343
2.789
22.692
26.549
1.450
14.390
16.020
2008
2.241
19.291
22.180
2.975
23.843
27.953
1.505
14.730
16.394
2009
2.360
20.033
23.054
3.173
25.071
29.444
1.562
15.082
16.774
2010
2.487
20.814
23.974
3.385
26.381
31.034
1.621
15.447
17.166
2011
2.619
21.637
24.936
3.610
27.778
32.725
1.682
15.826
17.565
2012
2.759
22.504
25.953
3.850
29.269
34.533
1.745
16.219
17.982
TOTAL
média
anual
21.291
183.990 209.924
28.528
228.844
266.815
14.856
144.103
159.333
2.129
18.399
2.853
22.884
26.681
1.486
14.410
15.933
20.992
Neste Cenário de Referência o investimento médio requerido seria de R$20.060 milhões por ano
para atender um crescimento anual de 2.274 MW-médios ao longo do decênio contemplado. Deste
montante cerca de 68% corresponde aos investimentos na geração, 15% na transmissão e 17% na
distribuição.
135
Cenário de referência (3A/1B)
DEMANDA
MW-médios
INVESTIMENTO
TOTAL
geração
transmissão
distribuição
R$ milhões
R$ milhões
R$ milhões
R$ milhões
2003
1.929
19.688
13.281
2.979
3.428
2004
2.041
19.532
13.067
3.034
3.431
2005
2.160
20.965
14.438
3.092
3.435
2006
2.019
17.544
11.283
2.830
3.431
2007
2.127
18.587
12.281
2.873
3.434
2008
2.241
19.291
12.937
2.918
3.437
2009
2.360
20.033
13.627
2.965
3.441
2010
2.487
20.814
14.355
3.015
3.445
2011
2.619
21.637
15.122
3.067
3.449
2012
2.759
22.504
15.929
3.122
3.453
22.742
200.597
136.321
29.894
34.382
2.274
20.060
13.632
2.989
3.438
TOTAL
média anual
É relevante observar a importância de o sistema estar preparado tanto para um crescimento elevado nos
primeiros 3 anos como para uma demanda menor no futuro. Uma superestimação da demanda pode
acarretar enormes prejuízos ao consumidor. Se, por exemplo, o sistema fosse planejado para atender o
Cenário 3 e a evolução do consumo efetiva fosse equivalente à do Cenário 5, a tarifa dos consumidores
seria onerada anualmente em cerca de R$ 8 a 11 bilhões por novos investimentos desnecessários.
Contudo, é importante relembrar que as estimativas da necessidade de investimentos do setor,
apresentadas para o próximo decênio, devem ser consideradas conservadoras devido aos seguintes
pressupostos adotados: (i) taxas moderadas de crescimento da demanda, (ii) custo de instalação de novas
hidrelétricas próximo ao piso das estimativas disponíveis para os novos empreendimentos e (iii)
desconsideração dos custos financeiros ao longo do período de construção das novas usinas.
136
Referências
Banco Mundial (1996). Estimating Construction Costs and Schedules: Experience with Power Generation
Projects in Developing Countries. World Bank Technical Papers No. 325 (Energy Series).
Washington: The World Bank.
Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos (2002). Plano Decenal de
Expansão 2003-2012. Sumário Executivo. Brasília: Ministério de Minas e Energia.
Ferreira, P. C. e T. G. Malliagros (1999). Investimentos, Fontes de Financiamento e Evolução do Setor de
Infra-estrutura no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
Oliveira, C. et alli. (2002). Desenvolvimento de metodologia para cálculo de custos marginais em redes
de média e baixa tensão. Salvador: XV Seminário Nacional de Distribuição de Energia Elétrica
– SENDI 2002.
Umbria, F. (2002). Modelo de previsão de preços futuros de energia. Curitiba: Tradener.
Pacheco, C. W. (1999). Função Financeira da Eletrobrás. Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Pego, B., Cândido, J. O, e Pereira, F (1999). Investimento e Financiamento de Infra-Estrutura no Brasil:
1990/2002. Brasília. IPEA – Texto para discussão nº 680.
137
ANEXO- Evolução anual da oferta em cada cenário
CENÁRIO 1B
capacidade instalada (MW)
hidrelétricas
energia firme (MW-médios)
termelétricas
hidrelétricas
termelétricas
2003
2.166
692
1.191
609
2004
2.136
683
1.175
601
2005
2.309
738
1.270
649
2006
2.695
861
1.482
758
2007
3.868
1.236
2.127
1.088
2008
4.074
1.302
2.241
1.146
2009
4.292
1.372
2.360
1.207
2010
4.521
1.445
2.487
1.272
2011
4.762
1.522
2.619
1.339
2012
5.017
1.603
2.759
1.411
TOTAL
35.839
11.454
19.711
10.080
por ano
3.584
1.145
1.971
1.008
CENÁRIO 1A
capacidade instalada (MW)
energia firme (MW-médios)
hidrelétricas
termelétricas
2003
2.920
285
hidrelétricas
1.606
termelétricas
251
2004
2.811
275
1.546
242
2005
3.082
301
1.695
265
2006
3.507
342
1.929
301
2007
4.897
478
2.694
421
2008
5.145
502
2.830
442
2009
5.400
527
2.970
464
2010
5.667
553
3.117
487
2011
5.942
580
3.268
511
2012
6.235
609
3.429
536
TOTAL
45.606
4.454
25.083
3.919
por ano
4.561
445
2.508
392
CENÁRIO 3B
capacidade instalada (MW)
hidrelétricas
termelétricas
energia firme (MW-médios)
hidrelétricas
termelétricas
2003
2.962
947
1.629
2004
3.013
963
1.657
833
847
2005
3.274
1.047
1.801
921
2006
3.778
1.208
2.078
1.063
2007
5.072
1.621
2.789
1.426
2008
5.409
1.729
2.975
1.521
2009
5.770
1.844
3.173
1.623
2010
6.154
1.967
3.385
1.731
2011
6.564
2.098
3.610
1.846
2012
7.001
2.237
3.850
1.969
TOTAL
48.996
15.659
26.948
13.780
por ano
4.900
1.566
2.695
1.378
138
CENÁRIO 3A
capacidade instalada (MW)
hidrelétricas
energia firme (MW-médios)
termelétricas
hidrelétricas
termelétricas
2003
4.077
398
2.242
350
2004
4.087
399
2.248
351
2005
4.487
438
2.468
386
2006
5.082
496
2.795
437
2007
6.648
649
3.657
571
2008
7.087
692
3.898
609
2009
7.550
737
4.152
649
2010
8.042
785
4.423
691
2011
8.562
836
4.709
736
2012
9.121
891
5.017
784
TOTAL
64.744
6.323
35.609
5.564
por ano
6.474
632
3.561
556
CENÁRIO 5B
capacidade instalada (MW)
energia firme (MW-médios)
hidrelétricas
termelétricas
hidrelétricas
termelétricas
2003
1.728
552
951
486
2004
1.661
531
914
467
2005
1.796
574
988
505
2006
1.564
500
860
440
2007
2.637
843
1.450
742
2008
2.736
874
1.505
770
2009
2.839
907
1.562
799
2010
2.946
942
1.621
829
2011
3.058
977
1.682
860
2012
3.173
1.014
1.745
892
TOTAL
24.139
7.715
13.276
6.789
por ano
2.414
771
1.328
679
CENÁRIO 5A
capacidade instalada (MW)
energia firme (MW-médios)
hidrelétricas
termelétricas
hidrelétricas
termelétricas
2003
2.283
223
1.256
196
2004
2.121
207
1.167
182
2005
2.336
228
1.285
201
2006
1.862
182
1.024
160
2007
3.107
303
1.709
267
2008
3.199
312
1.759
275
2009
3.287
321
1.808
283
2010
3.377
330
1.857
290
2011
3.462
338
1.904
298
2012
3.554
347
1.955
305
TOTAL
28.587
2.792
15.723
2.457
por ano
2.859
279
1.572
246
139
Sumário Executivo
usinas eólicas e usinas de biomassa – depende
do ritmo de desenvolvimento do Proinfa
(Programa de Incentivos às Fontes Alternativas
de Energia Elétrica). A primeira fase desse
programa prevê a instalação de 3.300 MW dessas
fontes até o final de 2006 (20% da capacidade a
ser instalada entre 2003 e 2006). A segunda fase
tem como objetivo fazer com que, em 20 anos,
10% da geração de energia do país seja obtida a
partir de fontes alternativas.
Para os cenários referentes à matriz energética,
consideramos duas opções para a expansão do
parque gerador, levando em conta diferentes
ritmos de desenvolvimento do Proinfa e
diferentes proporções de expansão das
hidrelétricas e termelétricas. Não adotamos a
opção de expansão do parque nuclear.
O Cenário A considera que o Proinfa é
implementado com sucesso e que a composição
do parque gerador entre hidrelétricas e
termelétricas será na proporção de 80% e 20%
respectivamente. O cenário B supõe que
implantação do Proinfa será limitada a 80% da
meta na primeira fase com o abandono da fase
subseqüente. O remanescente das necessidades é
satisfeito pela instalação de usinas hidrelétricas e
termelétricas, na proporção de 55% e 45%,
respectivamente.
As relações entre os cenários de crescimento da
demanda e da oferta são indicadas a seguir.
DEMANDA
O objetivo deste capítulo é dimensionar o
volume de investimentos requeridos no setor
elétrico. Para tanto, é necessário estabelecer
premissas para a evolução da demanda (o que foi
feito no capítulo 4), a composição da oferta entre
hidrelétricas, termelétricas e demais tipos e o
custo de instalação de cada tipo de usina.
O dimensionamento do volume adequado de
investimentos leva em consideração dois
aspectos. Primeiro, o setor não pode se
transformar em um gargalo ao crescimento
econômico, devendo contemplar os cenários de
crescimentos mais otimistas. Segundo, o volume
de investimentos não deve ser excessivo,
desviando recursos escassos de investimentos
mais relevantes para a sociedade.
Para a projeção da demanda de energia foram
considerados três cenários de crescimento da
demanda definidos no capítulo 4: (i) cenário 1
(cenário de referência), (ii) cenário 3 (otimista) e
(iii) cenário 5 (pessimista).
A composição da oferta leva em consideração
cenários para a expansão da matriz energética, ou
seja, como será distribuída a expansão do parque
gerador entre as fontes de geração hidrelétrica,
termelétrica e alternativas.
Historicamente, a geração hidrelétrica foi mais
competitiva devido à dotação de recursos
energéticos no Brasil. Os avanços tecnológicos, a
maior disponibilidade de gás natural e o
progressivo
esgotamento
de
potenciais
hidrelétricos com aproveitamento mais barato e
existência de restrições ambientais vêm
aumentando a competitividade das termelétricas.
A maior parte dos potenciais hidráulicos
encontra-se localizada em regiões distantes dos
centros de carga. Isso significa que a sua
exploração está associada à construção de
grandes troncos de transmissão para o transporte
da energia para os centros de carga. Além disso,
as novas usinas hidrelétricas apresentam baixa
capacidade de armazenamento. Isso reduz os
custos de instalação mas torna necessárias
termelétricas de complementação ou mais
hidrelétricas para fazer frente a períodos de
hidrologia adversa.
A relação de competitividade entre esses dois
tipos de energia é também afetada pelas
vantagens das usinas termelétricas na obtenção
de financiamentos privados, associadas ao menor
montante de investimentos necessário devido ao
menor risco de projeto e à maior proporção de
custos variáveis.
O desenvolvimento das fontes alternativas de
energia – pequenas centrais elétricas (PCH’s),
A matriz de oferta considerada
MATRIZ ENERGÉTICA
CENÁRIO A
CENÁRIO B
Proinfa: Fase I:
Proinfa:Fase I: 80%
implementado; Fase implementado; Fase
II: implementado
II: abandonado
Composição hidro: Composição hidro:
80%, térmica: 20% 55%, térmica: 45%
CENÁRIO 1
CENÁRIO 1ª
CENÁRIO 1B
Demanda de
referência
CENÁRIO 3
CENÁRIO 3ª
CENÁRIO 3B
Demanda
alta
CENÁRIO 5
Demanda
CENÁRIO 5ª
CENÁRIO 5B
baixa
O montante de investimentos requeridos é
também função dos custos de instalação de cada
tipo de usina e das necessidades de investimento
em transmissão e distribuição. Os parâmetros
adotados para os custos de instalação – excluídos
os custos financeiros incorridos ao longo do
período das obras – são apresentados a seguir.
140
fator
capacidade
custo de
Instalação
(R$/MW)
Hidrelétrica
55,0%
2.600.000
Termelétrica
88,0%
1.800.000
PCH
55,0%
2.600.000
Biomassa
85,0%
2.500.000
Eólica
40,0%
3.000.000
Deve-se ressaltar, em especial para a
implantação de hidrelétricas, que foram adotadas
premissas conservadoras, ou seja, esses números
situam-se próximos aos valores inferiores da
distribuição dos custos de instalação de novos
empreendimentos.
Seria
perfeitamente
admissível considerar custos maiores para as
hidrelétricas, mas provavelmente nesses casos
predominaria a lógica econômica e haveria uma
alteração no mix de fontes a serem utilizadas,
com maior proporção de investimentos em
termelétricas, mantendo assim em patamar
similar a necessidade global de recursos por
capacidade instalada.
O investimento em transmissão é composto por
dispêndios na reposição de equipamentos
obsoletos ou em final de vida útil e expansão de
novas linhas. O primeiro é obtido aplicando-se
uma taxa de reposição dos equipamentos –
equivalente a 3,5% – a uma base remuneratória
definida a partir dos ativos existentes no sistema
de transmissão. O segundo é função dos custos
de implantação de novas linhas de transmissão
obtidos a partir dos parâmetros indicativos do
Plano Decenal 2003-2012 e o Plano de
Ampliações e Reforços na Rede Básica Período
2004 a 2006 do ONS (R$ 184.544/MW-médio
para a carga atendida por termelétricas e
R$ 567.348/MW-médio para a carga atendida
por hidrelétricas).
Os custos de distribuição foram dimensionados
considerando-se (i) o aumento de carga projetada
e (ii) os investimentos para reposição de
equipamentos obsoletos ou que se aproximam do
final da vida útil. O custo marginal de longo
prazo (R$ 30.000/MW-médio) foi o parâmetro
adotado para o primeiro componente. O segundo
parâmetro representa uma taxa de reposição de
7% sobre o valor estimado da base de
remuneração regulatória para todas as
distribuidoras. Este percentual é superior à taxa
de depreciação usual no segmento (4% a 6%)
devido à defasagem de investimentos passados e
metas de aprimoramento de qualidade.
O próximo gráfico expressa os investimentos
necessários estimados em geração, transmissão e
distribuição para os seis cenários apresentados.
Investimentos requeridos (R$ de 2003)
40.000
35.000
30.000
milhões de R$
Custo de instalação e fator capacidade
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
CENÁRIO 1B
CENÁRIO 1A
CENÁRIO 3B
CENÁRIO 3A
CENÁRIO 5B
CENÁRIO 5A
A opção de um único cenário de referência seria
dada pela projeção do Cenário 3A para os
primeiros 3 anos e pela projeção do Cenário 1B
para os demais anos. Neste caso, tomaríamos a
opção conservadora de planejar a expansão do
setor contemplando a possibilidade de uma taxa
de crescimento otimista no curto prazo. Para
períodos maiores haveria tempo de se ajustar a
expansão para acomodar taxas de crescimento
acima do esperado, dispensando a necessidade de
se adotar premissas de crescimento sobreestimadas.,
Neste cenário, o investimento médio requerido
seria de R$ 20.060 milhões por ano para atender
um crescimento anual de 2.274 MW médios ao
longo do decênio contemplado. Deste montante,
68% refere-se a investimentos na geração e 15%
e 17% na transmissão e distribuição,
respectivamente.
As estimativas da necessidade de investimentos do setor apresentadas acima devem ser
comsideradas conservadoras devido aos seguintes pressupostos adotados: (i) taxas moderadas de crescimento da demanda, (ii) custo de
instalação de novas hidrelétricas próximo ao
piso das estimativas disponíveis para os novos
empreendimentos e (iii) desconsideração dos
custos financeiros ao longo do período de
construção
das
novas
usinas.♦♦
141
6. FONTES DE RECURSOS PARA O SETOR ELÉTRICO
Neste capítulo faremos uma análise quantitativa e qualitativa das possíveis fontes de financiamento para
os investimentos necessários ao setor elétrico estimados anteriormente. Será feita uma breve análise
histórica das fontes de financiamento do setor, com suas implicações para o momento atual. Em seguida,
as várias fontes tradicionais de investimentos para projetos de infra-estrutura serão discutidas, em
aspectos quantitativos e qualitativos.
6.1 Histórico
O setor de energia elétrica de um modo geral depende de investimentos em ativos imobilizados de
longa maturação e normalmente irreversíveis. É o caso clássico das usinas hidrelétricas e linhas de
transmissão e distribuição. Mesmo se considerarmos usinas termelétricas, onde os ativos podem ser
constituídos mais rapidamente e, dentro de certos parâmetros, reutilizados, ainda assim os investimentos
são de volume considerável e de difícil desmobilização. O histórico do financiamento do setor elétrico
brasileiro gira então em torno de mecanismos de financiamento de longo prazo, conforme veremos
a seguir.
O desenvolvimento do setor elétrico no Brasil nas últimas décadas não pode ser dissociado das reformas
estruturais que se fizeram necessárias em face aos problemas econômicos no Brasil e no mundo que
ocorreram na esteira da crise do petróleo nos anos 80. As conseqüências dos problemas econômicos
brasileiros nos anos 80 e 90 para o setor são amplas e variadas, mas para o problema específico do
financiamento do setor chamamos a atenção para dois condicionantes principais: a perda de
capacidade de poupança e investimento do Estado brasileiro e a falta estrutural de poupança
privada de longo prazo na economia brasileira.
6.1.1 O financiamento do setor elétrico entre 1950 e 1990
Na segunda metade do século XX, o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil se deu com uma atuação
crescente do poder público. Entre 1951 e 1953 houve uma diminuição da oferta de energia elétrica,
causada pela diminuição dos incentivos ao setor privado, que via sua rentabilidade diminuída em
função da inflação crescente e defasagem tarifária. Iniciativas para aumentar os recursos disponíveis
para o setor incluíram a criação em 1954 do Fundo Federal de Eletrificação (FFE), para prover
financiamento a instalações de produção, transmissão de distribuição de energia elétrica, bem como
fomentar a indústria de material elétrico. Foi também criado neste período o imposto único sobre energia
elétrica (IUEE), cobrado pela União sobre o consumo de energia elétrica.
Assim, ao longo dos anos 50, o setor público foi o maior responsável pelos novos investimentos do setor.
Em 1962, ano da criação da Eletrobrás, o setor privado ainda tinha controle de 64% da capacidade
geradora de energia elétrica. Mas em 1964 iniciou-se a estatização, com a compra pela Eletrobrás do
controle das empresas pertencentes a AMFORP (American and Foreign Power Company Inc.), que
detinham 12% da capacidade instalada no país. A empresa canadense Light, do Rio de Janeiro, também
foi adquirida. A alegação para estes movimentos era a falta de investimentos, que estava deteriorando a
base de capital.
Assim, por volta de 1980, o setor elétrico brasileiro era majoritariamente estatal. O grupo Eletrobrás
englobava na área de geração quatro grandes controladas: Eletronorte, Chesf, Furnas e Eletrosul. Na área
de distribuição, a estatal detinha participações acionárias em diversas empresas estaduais, situação
decorrente de sua atuação primariamente como financiadora, complementando com empréstimos,
financiamentos e participações societárias as decisões de investimentos tomadas pelas concessionárias
estaduais.
Com a estatização, o sistema voltou-se para fontes internas de financiamento, lançando mão de diversos
mecanismos tributários vinculados, além dos próprios resultados operacionais das empresas. Além do já
citado IUEE, estes mecanismos englobavam empréstimos compulsórios e a RGR (Reserva Global de
Reversão – mecanismo de financiamento intra-setorial). O empréstimo compulsório foi criado pela lei
4.156 de 28 de novembro de 1962, e tratava-se de uma obrigação da Eletrobrás resgatável em 10 anos,
pagando juros de 12% ao ano. Estas obrigações eram distribuídas aos consumidores como um adicional à
conta de energia elétrica. A RGR foi criada para constituir um fundo que permitiria ao governo federal
(poder concedente) dispor de recursos caso fosse necessário ressarcir uma concessionária pela reversão de
bens e instalações do serviço ao final do período da concessão. A administração deste fundo foi conferida
à Eletrobrás em 1971, cujo emprego se daria na forma de empréstimos às concessionárias de energia
elétrica para melhorias e expansão do serviço.
142
Dados da Eletrobrás mostram que no período de 1970 a 1983 a RGR, o IUEE e o empréstimo
compulsório conseguiram financiar 32,6% dos investimentos do setor, mesmo com uma queda de sua
importância relativa a partir de 1976. Até 1975 a importância destes mecanismos era muito maior.
Fontes de Financiamento do Setor Elétrico na década de 70
Recursos Disponíveis para
Investimentos
Ano
Próprios
1
Terceiros
Participação de Investimento e Serviço da
Dívida
% Investimento
% Serviço Dívida
2
1970
50,0
50,0
75,83
14,02
1971
48,3
51,7
78,80
14,88
1972
57,9
42,1
75,43
14,44
1973
59,3
40,7
77,23
14,51
1974
56,0
44,0
77,97
14,45
1975
51,8
48,2
74,57
14,90
1976
44,0
56,0
77,14
13,92
1977
35,3
64,7
76,53
16,18
1978
23,2
76,8
72,73
19,60
1979
2,5
97,5
65,38
28,45
1980
(0,7)
100,7
54,40
32,93
1981
13,4
86,6
53,54
31,00
1982
(4,9)
104,9
54,13
37,53
1983
(32,5)
132,5
48,07
49,35
1
Menos o Serviço da Dívida
2
Serviço da Dívida Interna e Externa
Fonte: Balanço de Fontes e Usos de Recursos 1970/1984 – Eletrobrás / Malliagros
No período entre 1966 e 1975, a arrecadação tarifária conseguiu prover recursos para os investimentos no
setor. Em 1974, o IUEE, a RGR e o empréstimo compulsório proveram 60% dos recursos para
investimentos do setor elétrico. Naquele ano empréstimos e financiamentos do exterior supriram apenas
17% dos recursos. Investimentos correspondiam a 78% do total de destinos, e apenas 14,5% ao serviço de
dívida (9% para dívida em moeda estrangeira).
O ano de 1976 marca uma mudança significativa no perfil de financiamento do setor. A partir deste
ano, verificou-se uma queda no valor real das tarifas e um aumento no financiamento externo.
Em 1980, a tarifa média era 41% inferior à praticada em 1975. Em 1980, 100% dos investimentos eram
cobertos por recursos de terceiros. Em 1977, iniciou-se a captação de recursos externos a taxas flutuantes,
em grandes volumes, para financiar as obras das grandes hidrelétricas. Com o aperto monetário no
início dos anos 80, parcela crescente dos recursos obtidos passou a ser destinada ao serviço da
dívida, em detrimento dos investimentos. Em 1983, praticamente metade dos recursos obtidos
foram utilizados para serviço da dívida, incluindo novos empréstimos. O fechamento do mercado
de empréstimos bancários externos trouxe dificuldades ao setor, levando à assunção da dívida pelo
Tesouro Nacional.
Ao longo do restante dos anos 80, o financiamento do setor continuou dependendo do Tesouro e das
fontes setoriais. Mas a Constituição de 1988 alterou as regras dos mecanismos de financiamento
tributários. O IUEE foi extinto, sendo substituído pelo ICMS, um imposto estadual não vinculado,
cujos recursos foram redirecionados para outras necessidades dos estados. A RGR passou a ser
recolhida apenas quando a empresa alcançasse a remuneração legal (10 a 12% sobre o ativo em serviço).
O empréstimo compulsório teve sua arrecadação comprometida pelas isenções concedidas à maioria dos
agentes. A geração interna de caixa das empresas foi severamente afetada pela incidência de
impostos tais como Imposto de Renda, cuja alíquota subiu de 6% para 40%, acrescido de Imposto
de Renda Estadual, Cofins, PIS/Pasep, além da compensação financeira a estados e municípios pela
utilização de recursos hídricos (6% do valor da energia gerada).
Com este cenário de endividamento externo, a situação financeira da Eletrobrás continuou precária. Em
1989, 85% das aplicações de recursos da empresa se destinavam ao serviço de dívida. Entre 1987 e 1989,
a Eletrobrás utilizou-se de empréstimos ponte do Banco do Brasil para quitar financiamentos externos,
empréstimos ponte estes, por sua vez, quitados com a utilização dos créditos da conta de resultados a
143
compensar (CRC), originada da defasagem tarifária imposta depois de 1975. As concessionárias estaduais
também utilizaram créditos de CRC para amortização de financiamentos externos.
6.1.2 A crise fiscal dos anos 90 e a dinâmica das despesas públicas correntes
As possibilidades de financiamento do setor elétrico brasileiro iriam se alterar radicalmente nos
anos 90. O setor público brasileiro passou por grave crise nos anos 80 ao arcar tanto com a explosão do
endividamento externo quanto com o descontrole de algumas despesas internas. A Constituição de 1988
trouxe novas complicações fiscais a um ambiente já bastante instável, marcado por tentativas mal
sucedidas de controle da inflação. Na verdade, a inflação passou a ser o mecanismo por meio do
qual os desequilíbrios fiscais eram “superados”, ou melhor dizendo, camuflados.
Com a abertura da economia no início da década de noventa e a partir da estabilização de preços trazida
pelo Plano Real (1994), a economia brasileira passou por mudanças significativas e tornou-se necessário
um ajuste efetivo nas contas públicas.
Logo após 1994, o superávit primário do setor público (que reflete a diferença entre despesas e receitas
correntes, excluindo juros) reduziu-se subitamente, como mostrado na próxima figura. De um superávit
primário superior à 5% do PIB em 1994, registrou-se em 1995 superávit de 0,3% do PIB e em 1996 um
pequeno déficit. A redução do superávit primário do setor público era conseqüência tanto do pior
resultado do governo central como dos estados e municípios. Tal queda do superávit primário, associada à
elevação de algumas despesas, contrastava com a forte elevação do endividamento público que era
impulsionado pelo crescimento dos juros reais após a estabilização.
Resultado Primário do Setor Público (% do PIB)
20
01
19
99
19
97
19
95
19
93
19
91
19
89
19
87
19
85
6,0%
5,0%
4,0%
3,0%
2,0%
1,0%
0,0%
-1,0%
-2,0%
Fonte: Bacen.
Algumas despesas cresceram em decorrência de decisões que foram tomadas em anos anteriores e
eliminaram grande parte da margem de manobra dos governantes. Caso típico são as despesas
previdenciárias do INSS que, a partir de 1988, quando a Constituição incluiu grande massa de
beneficiários do setor rural, reduziu seu superávit paulatinamente até passar a gerar déficits sucessivos na
segunda metade dos anos 90, conforme gráfico a seguir. Apenas por conta dessa mudança nos resultados
da previdência, o governo central, que contava com mais de 2% do PIB de receitas líquidas dos INSS,
passou a gastar mais de 1% do PIB para cobrir o déficit do sistema, mesmo após a reforma efetuada em
1998. Mudanças no quadro demográfico e decisões sobre o reajuste do salário mínimo também ajudam a
explicar as mudanças nessas despesas.
144
Saldo da Previdência Social (INSS) - acumulado 12 meses - % do PIB
jan/02
jan/00
jan/98
jan/96
jan/94
jan/92
jan/90
jan/88
jan/86
3,0%
2,5%
2,0%
1,5%
1,0%
0,5%
0,0%
-0,5%
-1,0%
-1,5%
Fonte: Ministério da Previdência e Assistência Social.
Outras despesas obrigatórias da União que cresceram de forma expressiva foram as despesas com pessoal
e encargos sociais (incluindo despesas com servidores aposentados). Da mesma forma, tais despesas
restringiram o espaço para despesas discricionárias do governo federal, ainda mais em um contexto em
que a ampliação do superávit primário passou a ser essencial para a preservação da estabilidade
macroeconômica. As despesas com pessoal da União que, em meados da década de 90, atingiam pouco
mais de 3% do PIB, consolidaram-se em patamar superior a 5% do PIB no final da década de 90, como
apresentado a seguir.
Gastos da União com Pessoal, em % do PIB
20
02
20
00
19
98
19
96
19
94
19
92
19
90
19
88
19
86
6,0%
5,5%
5,0%
4,5%
4,0%
3,5%
3,0%
2,5%
2,0%
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.
As despesas com os servidores inativos explicam boa parte desta dinâmica e justificam a preocupação do
atual governo em aprovar a reforma previdenciária para o funcionalismo público.
145
Comprometimento da União com pagamento de pessoal e
encargos, previdência, juros reais e superávit primário, em % do PIB
Primário
20
02
20
01
20
00
19
99
19
98
19
97
19
96
19
95
19
94
19
93
19
92
19
91
16%
14%
12%
10%
8%
6%
4%
2%
0%
Juro Real, Pessoal e Previdência
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional e Bacen. Elaboração Tendências.
Portanto, as despesas incomprimíveis da União foram ampliando-se paulatinamente durante a década de
90, tornando mais difícil a administração orçamentária. Assim, as despesas com pessoal e encargos,
previdência, juros reais e o superávit primário que, no início da década, se limitavam à 6% do PIB,
ficaram próximas à 12% do PIB no final da década de 90 e início desta década.
Em meados dos anos 90, a União relaxou na política fiscal, praticamente não gerando superávits
primários. Contudo, essa situação era insustentável, pois com a elevação dos juros reais e a
ausência de superávit primário, a dívida pública cresceu em trajetória explosiva.
Após 1998, a União voltou a gerar superávits primários consideráveis (parte clara do gráfico acima)
ainda que isso tenha ocorrido por meio de uma elevação substancial da carga tributária, já que não
havia a inflação para reduzir as despesas em termos reais.
A conseqüência da elevação das despesas obrigatórias com pessoal e gastos previdenciários, juntamente
com a necessidade de geração de expressivos superávits primários sem o auxílio da inflação, foi a
simultânea elevação da carga tributária e a contenção relativa de despesas de caráter discricionário.
Isso pode ser visto mais claramente nos dados consolidados de despesas de custeio e investimentos, que
incluem além das despesas usuais com a manutenção da máquina pública, despesas com subsídios e
subvenções, e investimentos.
Tais despesas são aquelas mais facilmente controladas pelo governo, pois não são vinculadas a receitas e
normalmente são as primeiras a serem cortadas em momentos de dificuldades orçamentárias.
Assim, em meados da década de 80, as despesas com custeio e investimento da União ainda
atingiam cerca de 6% do PIB, mas encolheram rapidamente até ficar abaixo de 2% do PIB no
início da década de 90, como visto na próxima figura. No decorrer da década, esses gastos apresentaram
certa recuperação, mas mantiveram-se muito abaixo do patamar registrado até meados da década de 80.
146
Despesas com custeio e investimento, em % do PIB
7,0%
6,0%
5,0%
4,0%
3,0%
2,0%
1,0%
20
00
19
98
19
96
19
94
19
92
19
90
19
88
19
86
0,0%
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.
A recuperação das despesas do grupo de custeio e investimento na segunda metade da década de 90, na
verdade, representou em grande medida uma recuperação das despesas de custeio. Os investimentos
continuaram por toda a década em valores inferiores a 1% do PIB.
Mesmo com a elevação da carga tributária da União ao longo do período, que foi de 10,1% do PIB em
1991, para 15,8% do PIB em 2001, a proporção dos gastos com pessoal, previdência e juros, mais o
superávit primário sobre as receitas retidas pela União, cresceu de 60% em 1991-93, para 95% em 200001 como mostra o próximo gráfico:
Comprometimento da receita tributária federal, em %
140%
120%
100%
80%
60%
40%
20%
Pessoal, previdência, primário e juros reais
20
01
20
00
19
99
19
98
19
97
19
96
19
95
19
94
19
93
19
92
19
91
0%
Investimento
Custeio
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, Bacen e IBGE. Elaboração Tendências.
Ainda que não se disponha de dados consolidados para os estados brasileiros desde a década de 80, sabese que o panorama descrito para as despesas da União é também válido para os estados e municípios.
Após o acordo de renegociação da dívida dos governos regionais com a União (1997), a necessidade de
controle de despesas e geração de superávits primários nos estados tornou-se mais premente, haja vista as
garantias que a União obteve ao colocar os recursos dos fundos de participação de estados e municípios
como colateral dos empréstimos concedidos. O controle de despesas nos estados e, portanto, a contenção
de investimentos, tornou-se mais estrutural após o final da década de 90.
6.1.3 As despesas públicas na área de energia e o papel das estatais
O quadro geral acima descrito sobre a contenção de despesas discricionárias e, particularmente, dos
investimentos públicos desde o final da década de 80 impactou diretamente as despesas com energia.
147
As despesas da União com “Energia e Recursos Minerais” mostram clara retração na segunda
metade dos anos 80, ficando em patamar bastante reduzido durante toda a década de 90 como
mostra a figura a seguir.
Despesas da União na área de Energia
(como % do PIB e das % das despesas totais da União)
% do PIB
1,0%
% das desp. totais
10,0%
8,0%
0,6%
6,0%
0,4%
4,0%
0,2%
2,0%
0,0%
0,0%
19
80
19
82
19
84
19
86
19
88
19
90
19
92
19
94
19
96
19
98
20
00
20
02
0,8%
% do PIB
% das depesas totais
* Até 1999 responde por despesas da área de energia e recursos minerais.
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.
Contudo, não eram as despesas da União ou dos estados que sustentavam os investimentos do setor, mas
sim os investimentos das empresas estatais. Diferentemente de demais setores (com o Petróleo e
Telecomunicações) o setor de energia contava com investimentos expressivos das estatais estaduais
e não apenas o das federais. Na década de 80, os investimentos das estatais estaduais representaram
cerca de 40% dos investimentos de todas as estatais. As empresas estatais foram instrumento essencial
para execução dos planos de investimento dos governos federal e estaduais. Foram particularmente
importantes para a captação de recursos no exterior desde o final da década de 70.
Tanto os investimentos das estatais federais quanto das estaduais sofreram forte redução a partir
do final da década de oitenta como ilustra o próximo gráfico. De um patamar de US$ 8 bilhões ao
ano de investimentos de empresas estatais do setor (federais e estaduais), a década de 90 inicia-se
com investimentos de US$ 4 bilhões.
Investimentos das empresas estatais do setor elétrico, US$ mi de 1992
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
19
82
19
83
19
84
19
85
19
86
19
87
19
88
19
89
19
90
19
91
19
81
19
80
0,0
Obs.: Inclui estatais federais e estaduais. Fonte: Fundap.
Essas empresas tiveram suas finanças fortemente afetadas pela crise externa na década de 80. Ao não
poderem recorrer ao financiamento integral de suas dívidas externas, as estatais passaram a depender de
forma crescente de recursos orçamentários que, como apontamos, também eram escassos. Isso permitiu
que os investimentos das estatais sustentassem, em parte, alguma medida na década de 80, pois era crucial
finalizar projetos em estágio avançado que foram iniciados no final da década de setenta.
148
Na década de 90, tornaram-se mais claros os conflitos entre as demandas das empresas estatais por
investimento e as exigências de ajustes orçamentários. A conseqüência foi a manutenção de níveis
bastante deprimidos de investimentos. Utilizando os dados do Sistema Eletrobrás, apresentados no
próximo gráfico, fica claro que após a queda do início da década de 90 os investimentos estatais no
setor elétrico não se recuperaram.
Investimentos da Eletrobrás, US$ bilhões correntes
7 ,0
6 ,0
5 ,0
4 ,0
3 ,0
2 ,0
1 ,0
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
0 ,0
Fonte: Ministério do Planejamento.
6.2 As conseqüências das restrições financeiras do setor público
A situação atual das finanças públicas impõe a necessidade da manutenção de ajuste das despesas
discricionárias. Na União, as despesas obrigatórias ampliaram-se de forma expressiva,
particularmente aquelas ligadas a despesas previdenciárias. Ademais, o compromisso e a
necessidade de um superávit primário maior, de forma a manter a credibilidade no pagamento da
dívida, impõe sérias limitações à expansão dos investimentos. Tal situação é mais séria em função
do consenso em torno da impossibilidade de se ampliar a carga tributária, ou seja, o ajuste precisa
efetivamente ser feito nas despesas públicas. O andamento atual da reforma previdenciária é
positivo e atenua o crescimento das despesas obrigatórias, mas não libera recursos para
investimentos.
Os governos estaduais, por sua vez, dispõem de limitada liberdade para ampliar suas despesas, pois suas
obrigações com o Tesouro Nacional são bastante restritivas e esses governos também estão pressionados
por volumes elevados de despesas obrigatórias com pessoal, previdência e custeio, de forma que
dificilmente terão liberdade para impulsionar os investimentos em seus estados.
Em síntese, o cenário do setor público como um todo no início dos anos 90 era desanimador. As
conseqüências do aumento de despesas públicas obrigatórias gerado pela Constituição de 1988, a falta de
equacionamento da dívida externa e o recrudescimento inflacionário a despeito das várias tentativas de
estabilização levaram a uma redução drástica do financiamento de terceiros nos investimentos em infraestrutura. Em 1992, 90,8% dos investimentos das estatais federais de infra-estrutura foram
financiados por recursos próprios. Operações de crédito para financiamento destas empresas se
limitaram a 10,1 % do total em 1989 e 3,4% em 1992. Esta situação foi também influenciada pelo
contínuo contingenciamento de crédito às estatais exercido pelo Banco Central sobre o sistema
financeiro.
Toda essa situação, embora benéfica para a saúde do setor público e do sistema financeiro, acabou tendo
efeito adverso no financiamento do setor elétrico, então praticamente todo estatal, como mostrado no
próximo quadro.
149
Evolução das Fontes de Financiamentos das Empresas Estatais Federais 1980/1998
Em porcentagem
Receita
1980
1985
1989
1992
1995
1997
1998
1
Operacional
70,50
66,10
82,50
90,80
71,80
59,30
61,20
Operações de Crédito
18,40
21,50
10,10
3,40
11,40
16,30
22,60
Não Operacional
3,30
6,50
2,70
1,90
0,80
0,10
0,10
Tesouro
3,20
5,90
4,70
0,70
1,30
1,80
0,80
4,60
0,00
0,00
3,20
14,70
22,50
15,30
Outros
2
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
1
2
1998: Dados preliminares, Recursos para aumento de patrimônio líquido, controladora e outras estatais
Fonte: BNDES.
100,0
Pode-se perceber que, a partir de 1995, a capacidade de financiamento do sistema estatal melhorou com
relação ao início da década. As operações de crédito voltaram a ser significativas, atingindo 22,6% das
fontes em 1998. Também houve um esforço de capitalização das empresas, com reforço do patrimônio
líquido atingindo volumes significativos de até 22,5% do total em 1997.
A partir de 1995, muitas empresas foram privatizadas e a prática de financiamento via Project
Finance passou a ser mais freqüente, com participação bastante significativa do BNDES, como
veremos a seguir.
6.3 As privatizações e a atuação do BNDES
Diante da conjuntura econômica, da situação financeira do Estado e das necessidades específicas do setor,
definiu-se, em meados dos anos 90, uma estratégia para o setor que, entre outras medidas, envolvia a
privatização do sistema Eletrobrás, com o desmembramento entre empresas de distribuição, transmissão e
geração de energia elétrica, e a instituição de um agente regulador, a Aneel.
A privatização do setor elétrico brasileiro está inserida no contexto da adoção de privatizações como
orientação de reforma do Estado, e tornou-se possível com a instituição do Programa Nacional de
Desestatização – PND, com a Lei 8.031 de 12/4/1990. O programa tomou dimensões amplas ao longo da
década de 1990. De 1990 a 2002 foram alienadas empresas que, entre receitas de privatização e
assunção de dívida, representaram a transferência de US$ 105 bilhões para o Estado brasileiro. A
evolução anual das transferências e as privatizações por empresa são apresentadas no Anexo I.
O período completo pode ser desmembrado em dois sub-períodos distintos, 1990 a 1994 e 1995 a 2002.
No período de 1990 a 1994, foram privatizadas principalmente empresas do setor siderúrgico e
petroquímico, com forte participação do capital nacional e utilização de moedas de privatização (várias
modalidades de dívida pública em mercado).
No período seguinte, o processo de desestatização se aprofundou. A formação do Conselho Nacional de
Desestatização sinalizou a maior ênfase conferida ao processo pelo Governo. As empresas de serviços
públicos foram inseridas no processo, incluindo empresas dos setores de telecomunicações, energia
elétrica, serviços financeiros e transportes. A participação do capital estrangeiro neste período
ascendeu a 53% do total. As receitas de privatização também se aceleraram, sendo que os maiores
volumes foram atingidos nos anos de 1997 e 1998, com US$ 27,7 bilhões e US$ 37,5 bilhões
respectivamente. Neste período houve forte participação do capital estrangeiro no volume das receitas de
privatização. Este volume chegou a US$ 41.737 bilhões, ou 53% do total.
As privatizações no setor elétrico ocorreram entre 1996 e 1998, sendo que houve uma em 1995, a da
Escelsa, e três privatizações de distribuidoras de menor porte em 2000, Celpe, Cemar e Saelpa. Não
houve privatizações em 1999, na esteira da desvalorização cambial. Listamos na próxima tabela as
privatizações do setor. As receitas de privatização por setor estão na tabela seguinte e, finalmente
mostramos um quadro com os ingressos de investimentos diretos relativos a privatizações do setor.
150
Privatizações do setor elétrico
Empresa
Data
Receita US$ Milhões
Âmbito PND
Escelsa (distribuidora)
11/07/95
519
Light (distribuidora)
21/05/96
2.509
Gerasul (geradora)
15/09/98
880
Total
3.908
Programas Estaduais – Geradoras
Cachoeira Dourada
05/09/97
714
CESP Paranapanema
28/07/99
682
CESP Tietê
27/10/99
472
Total
1.868
Programas Estaduais - Distribuidoras
Cerj
20/11/96
587
Coelba
31/07/97
1.598
CEEE-Norte-NE
21/10/97
1.486
CEEE-Centro Oeste
21/07/97
1.372
CPFL
05/11/97
2.731
Enersul
19/11/97
565
Cemat
27/11/97
353
Energipe
03/12/97
520
Cosern
12/12/97
606
Coelce
02/04/98
868
Eletropaulo Metropolitana
15/04/98
1.777
Celpa
09/07/98
388
Elektro
16/07/98
1.273
EBE
17/09/98
860
Celpe
17/02/00
1.004
Cemar
15/06/00
289
Saelpa
30/11/00
185
Total
16.462
Total Setor Elétrico
Fonte: BNDES.
22.238
As privatizações no Brasil, tanto em nível federal como estadual, chegaram a um total
de US$ 105,3 bilhões. Deste total, US$ 87,2 bilhões foram receitas de privatização e
US$ 18,1 bilhões foram dívidas assumidas pelos novos controladores. O setor elétrico
participou com US$ 29.748 milhões, sendo US$ 7.510 milhões de assunção de dívidas.
Participação Setorial na Privatização
Setor
Participação no volume financeiro de
privatizações US$ 105.3 bilhões
Telecomunicações
31,1%
Energia Elétrica
28,3%
Siderurgia
7,8%
Mineração
8,3%
Petróleo e Gás
6,7%
Financeiro
6,0%
Petroquímico
3,5%
Transportes
2,2%
Decreto 1.068
0,7%
Outros
Fonte: BNDES
5,4%
151
Do total de receitas de privatização do setor, US$ 8.479 milhões foram na forma de investimento
estrangeiro direto para as privatizações.
Investimento Estrangeiro Direto para Privatização do Setor Elétrico
US$ milhões
Demais privatizações
1996
1.760,0
Demais privatizações
1997
3.079,0
Cia. de Energia Elétrica do Ceará (Coelce)
1998
Abr
1.926,6
Cesp – Parapanema
1999
Ago
710,0
Cesp –Tietê
1999
Nov
310,2
Companhia Energética de Pernambuco (Celpe)
2000
Fev
158,0
240,0
Companhia Energética de Pernambuco (Celpe)
2000
Jun
Companhia Energética do Maranhão (Cemar)
2000
Jun
168,0
Companhia Energética do Maranhão (Cemar)
2000
Total Setor elétrico
Fonte: Banco Central do Brasil – Indicadores Econômicos 16/07/2003.
Jul
127,0
8 478,8
Considerando que o total de receitas de privatização do setor elétrico foi de US$ 22.238 milhões, vemos
que 38,1% foram na forma de capital de risco de investidores estratégicos estrangeiros. O restante foi
proporcionado por investidores estratégicos nacionais e recursos de fundos de pensão e do BNDES.
Participação por tipo de investidor no total das privatizações
US$ milhões
Tipo de Investidor
Receita de Venda
%
Investidor Estrangeiro
41.737
53,1%
Empresas Nacionais
20.777
26,4%
Setor Financeiro Nacional
5.158
6,6%
Pessoas Físicas
6.316
8,0%
4.626
78.614
5,9%
Entidades de Previdência Privada
Total
Fonte: BNDES
Com as privatizações que ocorreram a partir de 1995, o financiamento do setor por instituições de crédito,
anteriormente impossibilitado pelo contingenciamento de crédito ao setor público, passou a ser possível.
A atuação do BNDES no período mostra a retomada da participação deste tipo de recurso a partir de
1995. No período 1995-2000, os desembolsos anuais médios do BNDES, em projetos de energia elétrica,
desconsiderando o financiamento a privatizações, foram de R$ 900 milhões. Ao todo, nos seis anos, o
BNDES desembolsou R$ 5,7 bilhões. Foram 42% dos investimentos, R$ 13,4 bilhões, realizados com o
seu apoio neste período. O próximo quadro mostra os detalhes anuais.
Participação do BNDES em projetos
R$ milhões
Ano
Operações
Contratadas Investimento Total
Participação
BNDES
1995
1.148
1.479
77,6%
1996
1.003
3.062
32,7%
1997
108
214
50,5%
1998
1.065
1.886
56,5%
1999
1.337
3.001
44,6%
2000
1.048
3.766
27,8%
5.709
13.408
42,6%
Foram excluídas operações de antecipação de recursos a estados por conta de
privatização e operações especiais (leilões)
Fonte: BNDES
152
6.4 Alternativas de financiamento
Frente à evolução dos acontecimentos, o setor defronta-se hoje com um conjunto potencialmente amplo
de alternativas para seu financiamento. As fontes mais óbvias são constituídas pelos investidores
estratégicos, empresas de energia do Brasil e empresas transnacionais ativas no setor, com know-how
operacional. Além disso, devemos considerar as fontes complementares de recursos.
Em seu conjunto, as possíveis fontes de financiamento do setor são:
1.
2.
Recursos intra-setoriais
a.
Geração interna
b.
RGR, CDE e ECE
Recursos de Terceiros
a.
BNDES
b.
Bancos Comerciais
c.
Mercado de capitais local
d.
Mercado de capitais internacional
e.
Export Credit Agencies
f.
Organizações Multilaterais
6.4.1 Os recursos intra-setoriais
a.
Geração Interna das Empresas
A geração interna de recursos das empresas de geração depende da forma de remuneração dessas
empresas.
Se a remuneração das geradoras for baseada no seu custo, conforme a proposta inicial do novo
modelo do Ministério de Minas e Energia (MME), as empresas de geração não seriam capazes de
gerar recursos para o investimento, pois as suas receitas seriam suficientes somente para cobrir os
seus custos operacionais e amortecer os investimentos já realizados. Por outro lado, no modelo
vigente, se toda a energia fosse vendida ao preço de mercado, o preço tenderia a convergir ao custo
marginal de expansão. Nesse caso, se não houvesse restrições fiscais, além de restrições legais, o setor
geraria um fluxo de recursos que poderia ser empregado em sua expansão.
Nas próximas tabelas apresentamos uma estimativa da geração de recursos esperada considerando um
aumento do preço da energia em 20% em 3 anos, como no nosso cenário de referência (Capítulo 4) e com
um aumento de 20% em 10 anos, supondo que o preço corrente da geração é de R$ 81/MWh, que
equivale a cerca de US$ 27/MWh, e uma capacidade de suprimento atual de cerca de 300 GWh/ano.
Geração interna de recursos com
aumento do preço de 20% em 3 anos
preço
(R$)
geração de recursos
(R$ milhões)
2003
86,08
1.521
2004
91,47
3.137
2005
97,20
4.855
2006
97,20
4.855
2007
97,20
4.855
2008
97,20
4.855
2009
97,20
4.855
2010
97,20
4.855
2011
97,20
4.855
2012
97,20
4.855
Média
4.350
153
Geração interna de recursos com
aumento do preço de 20% em 10 anos
preço
(R$)
geração de recursos
milhões)
2003
82,49
2004
84,01
902
2005
85,55
1.365
2006
87,13
1.836
2007
88,73
2.317
2008
90,36
2.806
2009
92,03
3.304
2010
93,72
3.812
2011
95,44
4.329
2012
97,20
4.855
(R$
447
Média
2.597
No modelo vigente esses recursos seriam captados através do pagamento da Taxa de Uso de Bem
Público, no caso das geradoras hidrelétricas privadas licitadas a título de concessão onerosa e seriam
destinados à Conta de Desenvolvimento Energético. No caso das geradoras estatais esses recursos seriam
captados dos dividendos pagos ao acionista majoritário das geradoras estatais, a União, e seriam
destinados ao Fundo de Dividendos das Empresas Federais.83
Não consideramos essa fonte de recursos disponível para investimentos por dois motivos. Primeiro,
porque o modelo proposto pelo MME eliminaria essa fonte de recursos. Segundo, porque esses
recursos já têm destinação prevista. A Conta de Desenvolvimento Energético deve ser empregada no
desenvolvimento de fontes alternativas de energia e o Fundo de Dividendos das Empresas Estatais
centraliza recursos que “seriam destinados a beneficiar diretamente os consumidores”. 84
Adicionalmente, o setor público como um todo apresenta graves restrições fiscais e apresenta baixa
disponibilidade de recursos para investimentos como um todo, como analisado na primeira seção deste
capítulo. A geração de recursos pelas estatais contribui para o superávit primário e para a estabilização da
relação dívida/PIB.
Analisamos a capacidade de investimento das empresas distribuidoras em conexão com a análise
financeira detalhada do Capítulo 3. Vemos na próxima tabela as projeções relevantes para o conjunto de
doze distribuidoras que respondem por 61,7% do mercado de energia elétrica brasileiro, em 31 de março
de 2003, segundo a Aneel. Sua receita advém diretamente das tarifas reguladas pela Aneel e
determinações do Ministério de Minas e Energia e seu principal custo, o da energia elétrica, é o principal
parâmetro de investimento para as novas geradoras.
Segundo as premissas adotadas em nosso cenário base, de crescimento moderado da demanda, detalhado
no capítulo 4, e cuja repercussão para as empresas do setor foram analisadas no capítulo 3, as empresas
distribuidoras poderiam gerar os valores de Ebitda apresentados a seguir:
Geração e demanda de recursos das empresas de distribuição– cenário base
85
EBITDA
Despesa
Financeira
Capex
86
Fluxo de Caixa
Fluxo de Caixa
+ Capex
83
2003
2004
7.358.987
8.448.564
2005
2006
2007
2008
2009
2010
9.783.655 11.164.648 12.649.698 14.084.061 15.663.411 17.435.373
10.825.016 10.169.668 10.655.838 10.048.676
9.007.150
8.636.740
8.124.319
7.442.364
2.138.439
2.216.180
2.340.287
2.470.146
2.607.244
(13.243.720) (7.358.026) (5.707.253) (1.158.823)
(0)
(271.844) (3.286.157)
4.346.918
2.068.442
6.954.161
2.010.991
1.982.026
2.060.548
(11.235.401) (5.376.000) (3.646.706)
979.616
2.216.180
(816.011)
Relatório de Progresso No. 3. Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico e Lei 10.439.
Relatório de Progresso No. 3. Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico, seção 3.5.
85
EBITDA – Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization, ou LAJIDA, Lucro antes
de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização.
86
Capex – Capital Expenditures, ou aquisição de imobilizado.
84
154
Vemos que o Ebitda sobe de maneira consistente no período. No entanto, este número tem que ser visto
com cuidado, pois principalmente nos anos de 2003 a 2006, o pesado endividamento do setor está sendo
reequilibrado, como vemos pelo volume de despesas financeiras projetadas.
No Capítulo 3, os investimentos projetados em aquisição de imobilizado supõem que o ritmo de
investimentos não diminuirá mesmo consideradas as dificuldades financeiras pelas quais passam as
distribuidoras no momento atual, e que imaginamos perdurará até 2006. A hipótese de manutenção do
nível de Capex só é possível caso as distribuidoras continuem a rolar parte de suas despesas
financeiras entre 2003 e 2006 não sendo, portanto, possível admitir que estas empresas terão
capacidade de geração de recursos para efetuar investimentos.
Os valores de fluxo de caixas nos quais não são incluídos os dispêndios pressupostos com gastos de
capital expressam as sobras de caixa caso fosse adotada a premissa de ausência de gastos de capital e
fornecem, anualmente, os montantes de recursos disponíveis para a realização de investimentos. A partir
de 2006, em tese, haverá recursos para reinvestimentos. Porém devemos considerar que estes recursos
deverão ainda cobrir distribuições aos acionistas87. Portanto, até o final da década, a geração de caixa
das distribuidoras estará comprometida.
Considerando as projeções acima, referentes a 61,7% do mercado, vemos que não haverá capacidade do
conjunto total de distribuidoras para aquisições de imobilizado. Os resultados do fluxo de caixa,
deduzidos os gastos de capital, apontam para um déficit de caixa médio anual de cerca de R$ 1,8 bilhões
para o conjunto das distribuidoras entre 2003 e 2010. A hipótese de que o ritmo de investimentos não
diminuirá mesmo em face às dificuldades financeiras ainda demandará do setor financeiro suporte
às rolagens de aproximadamente R$ 26,4 bilhões entre 2003 e 2005 (entre crédito e debêntures,
além de recursos do BNDES).
b.
RGR e CDE e ECE
Analisamos também três fontes de recursos internas ao sistema de energia elétrica: (i) a Reserva Global
de Reversão (RGR), (ii) Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e (iii) Encargo de Capacidade
Emergencial (ECE) ou “seguro apagão”.
Estes recursos são “carimbados”, ou seja, têm sua aplicação direcionada obrigatoriamente. No entanto, o
CDE é reconhecidamente uma fonte para desenvolvimento de alternativas de geração de energia, e o ECE
tem sua utilização atual (prevista para término no médio prazo) direcionada para o acréscimo de
capacidade geradora térmica. A RGR tem finalidade específica, porém, por ser um fundo de recursos a ser
utilizado no longo prazo, pode constituir uma fonte de recursos de terceiros no âmbito da expansão da
capacidade de geração de energia elétrica.
RGR
A RGR, como foi dito anteriormente, foi criada com a finalidade de constituir um fundo para garantir ao
governo federal os recursos necessários nos casos de indenização do concessionário quando da reversão
dos bens e instalações do serviço ao fim do prazo de concessão. Em 2002, através da Lei 10.438, sua
cobrança foi prorrogada até dezembro de 2010.
Nos últimos anos, a RGR arrecadou aproximadamente R$ 1 bilhão por ano. Seu emprego se dá na forma
de empréstimos a concessionários de serviços públicos de energia elétrica para expandir e melhorar esses
serviços. Em 2002, as aplicações foram de R$ 1,3 bilhão, volume muito superior ao observado em 2001,
que foi de R$ 608,6 milhões.
Reserva Global de Reversão (RGR) - R$ Milhões
Ingressos
Aplicações
Fonte: Eletrobrás.
2000
2001
2002
1.102,7
1.151,5
1.231,8
939,2
608,6
1.384,7
87
Os acionistas diretos das distribuidoras em vários casos são empresas holdings que também são
alavancadas e têm endividamentos a reduzir. Ver o capítulo 3 para mais detalhes.
155
CDE
A CDE foi criada pela Lei 10.438/02 com o objetivo de garantir o desenvolvimento energético do país,
seja pela diversificação da matriz energética, seja pela criação de mecanismos de promoção da
universalização dos serviços de energia elétrica.
A CDE tem como fontes: (i) o recolhimento proveniente da antiga CCC para os sistemas interligados (já
incluída na tarifa); (ii) os pagamentos pelo uso de bem público (relacionados às licitações de novos
aproveitamentos hidrelétricos); (iii) os recolhimentos de multas aplicadas pela Aneel aos agentes do setor.
Espera-se que o valor médio dos recursos recolhidos à CDE seja de R$ 1,6 bilhão ao ano nos próximos 10
anos. A utilização desses recursos deverá ser direcionada para estimular a universalização dos serviços,
para o pagamento dos agentes produtores de energia elétrica a partir de fontes eólica, térmica a gás
natural, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas, para crédito complementar aos produtores de energia
renovável na etapa 2 do Proinfa, para pagamento dos custos das instalações de transporte de gás natural
nos estados onde, até o final de 2002, não existia o fornecimento a gás natural canalizado, e para
pagamento ao produtor de carvão mineral nacional de parcela do custo deste combustível pelo ONS ou
que utilizem tecnologia limpa de geração.
Utilização dos recursos da CDE
2500
2000
Recolhimento
Recolhimentoanual
anualmédio
médio
da
daCDE
CDE
1500
1000
Infra-estrutura transporte gás natural
venda a consumidor final
Universalização
2024
2023
2022
2021
2020
2019
2018
2017
2016
2015
2014
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
0
2003
500
Pagamento carvão nacional
Proinfa - Etapa 2
Pagamento CDE após operação
Fonte: APMPE
ECE
A ECE também foi criada pela Lei n° 10.438/02. O encargo de capacidade emergencial, ou “seguro
apagão”, tem como objetivo a manutenção de usinas emergenciais disponíveis para gerar energia elétrica
em caso de ameaça ao abastecimento. Sua cobrança é efetuada mensalmente nas contas de energia e é
administrada pela Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial (CBEE), empresa criada pelo
governo para contratar a energia emergencial das usinas.
Os recursos são utilizados para pagar o aluguel das usinas emergenciais que foram contratadas para serem
acionadas em épocas de crise de energia. Este encargo tem um caráter emergencial, somente para cobrir
os custos dessas usinas. O fim da cobrança deverá ser em 30 de junho de 2006, data prevista para a
extinção da CBEE. O valor total do seguro é de R$ 1,4 bilhão por ano.
6.4.2 Os recursos de Terceiros
a.
BNDES
O BNDES é o grande provedor de recursos de longo prazo em moeda local. Praticamente toda operação
de Project Finance no Brasil conta com a sua participação. Os projetos de energia elétrica são tratados no
156
BNDES dentro da Área de Infra-estrutura (AIE), no Departamento de Energia Elétrica (DEENE). Outros
departamentos da área são Gás, Petróleo, Cogeração e Outras Fontes de Energia (DEGAP),
Telecomunicações (DETEL), Transportes e Logística (DELOG) e Renda Variável (DEREV).
A atual carteira de projetos da AIE está demonstrada na próxima tabela:
Projetos da Área de Infra-Estrutura do BNDES
Departamentos
nº de
projetos
Participação
BNDES
R$ Milhões
Investimento
Total
DEENE
116
15.202
31.282
DEGAP
65
7.318
18.916
DELOG
76
6.201
14.297
DETEL
41
6.908
33.636
298
35.629
98.131
Total AIE
Operações com carta consulta, enquadradas, em análise, aprovadas e
contratadas em fase de desembolso
Não inclui operações do Programa Emergencial
Fonte: BNDES
A carteira de projetos do DEENE e do DEGAP é mostrada a seguir:
Carteira de Projetos - DEENE e DEGAP
R$ Milhões
Estágio
nº Projetos
Financiamento Investimento Total
Contratada
67
7.494.797
Aprovada
12
1.354.746
2.518.783
Em análise
31
5.440.030
15.834.110
Enquadrada
22
2.448.101
4.482.656
C/Consulta
37
3.625.569
6.261.790
Perspectiva
12
2.197.153
3.088.149
181
22.560.396
50.175.145
Total
17.989.657
Não incluídas operações do Programa Emergencial das Distribuidoras
Fonte: BNDES
O BNDES preferencialmente trabalha com agentes repassadores (bancos comerciais e múltiplos). A
remuneração tipicamente é TJLP ou Cesta de moedas + spread básico + spread do agente. Os níveis
típicos de spread básico vão de 1% a 3% a.a. e o spread do agente pode variar até 4.625% a.a.,
dependendo do risco de crédito. Geralmente há um período de carência dos pagamentos do principal até 6
meses após o início da operação, quando os pagamentos são trimestrais apenas para os juros. Após o
período de carência, os pagamentos de juros e amortizações são usualmente mensais. Instrumentos de
garantia em geral contam com hipoteca de instalações, alienação fiduciária de equipamentos, e
vinculação/caução de recebíveis do projeto. Garantias adicionais tais como fundo de amortização e conta
reserva (com liquidez para o serviço de dívida de curtíssimo prazo) podem também ser requeridas.
Em adição à carteira de projetos, o BNDES tem outros dois programas com exposição ao setor: os
financiamentos a privatizações e o programa de recomposição tarifária extraordinária (RTE).
Segundo o DEENE, a exposição em cada um desses programas, em julho de 2003 era de R$ 7
bilhões. Ao todo a exposição do BNDES ao setor equivalia a R$ 21 bilhões nos três programas
(projetos, privatizações e RTE).
b.
Bancos Comerciais
Os bancos comerciais brasileiros dispõem de escassos recursos de longo prazo em moeda local.
Tradicionalmente, os bancos que possuem operações de atacado fornecendo crédito corporativo atuam
como consultores financeiros em projetos e repassam recursos do BNDES de longo prazo.
Os bancos comerciais estrangeiros com operação local tendem a operar na mesma linha de atuação dos
bancos comerciais brasileiros, dependendo de sua musculatura local. De um modo geral acabam atuando
157
com a sua carteira de clientes corporativos da matriz no país de origem. Os bancos estrangeiros de grande
porte que adquiriram casas bancárias preexistentes e possuem maior escala operam conforme os bancos
comerciais locais. Os bancos de menor porte, mesmo que disponham de representação de banco
comercial local, atuam como escritórios de negócios e suas operações são geralmente implementadas
como empréstimos externos.
Tanto os bancos locais como os estrangeiros com presença local são bastante ativos em financiamento ao
comércio exterior e em empréstimos corporativos sindicalizados. As carteiras de comércio exterior,
denominadas em dólares e com prazos geralmente de poucos meses a dois anos de prazo, podem ser
alocadas para os bancos comerciais no Brasil ou para suas subsidiárias offshore. Ao longo de 2002, o
crédito desta modalidade, as chamadas “linhas comerciais”, sofreu forte contração em função da crise
brasileira. Os bancos estrangeiros, tradicionais provedores de funding para estas operações, sofreram com
inadimplementos comerciais na crise Argentina, e reduziram conseqüentemente suas exposições ao
Brasil, provocando também uma forte subida dos spreads nestas operações.
Atualmente, esta modalidade de crédito ainda não recuperou os volumes de final de 2001. Em julho de
2003, embora os spreads tenham caído a níveis mais próximos aos patamares históricos, os volumes
ainda se encontram reduzidos e os prazos não estão superando um ano para o crédito corporativo clean,
sem garantias adicionais.
O mercado de empréstimos corporativos sindicalizados encontra-se bastante retraído desde o terceiro
trimestre de 2002. As poucas operações que têm sido levadas a mercado com sucesso envolvem nomes de
primeira linha e pacotes extensos de garantias, geralmente com recebíveis de exportação ou fluxos
externos estruturados em companhia de propósito especial off-shore. A Petrobrás optou por captar nesta
modalidade no início do ano, mesmo tendo acesso ao mercado de capitais. O Anexo II mostra as
operações divulgadas pela imprensa especializada este ano. De qualquer forma, empréstimos corporativos
desta modalidade geralmente têm prazos abaixo de 7 anos, o que não é o mais adequado para o setor de
energia elétrica onde os projetos são de longo prazo.
Os grandes bancos comerciais que operam no Brasil, bem como seus pares europeus, asiáticos e norteamericanos, não estão ainda em condições de atuarem no mercado de infra-estrutura provendo funding em
moeda local de longo prazo. Apenas cerca de seis instituições estão em condições de fornecer crédito
corporativo com funding próprio para prazos de 4 ou 5 anos, no máximo.
A forma possível e necessária para a participação destas instituições financeiras é na função de
consultores financeiros de project finance, estruturando as várias alternativas de financiamento
possíveis e repassando recursos de outros organismos. Os bancos podem repassar recursos do
BNDES para esses tipos de projetos, em moeda local, assumindo o risco comercial. Podem também
repassar recursos de bancos estrangeiros com garantia de riscos políticos e de conversibilidade por
ECAs (Export Credit Agencies) dos países de exportadores de equipamentos para os projetos,
também assumindo o risco comercial.
c.
Mercado de capitais local
Ao longo de 2002 e primeiro semestre de 2003, o mercado de capitais apresentou grande retração em
relação ao último semestre de 2001. Além das incertezas eleitorais ao longo do ano, a polêmica marcação
a mercado dos papéis de renda fixa detidas por fundos (especificamente a LFT- Letra Financeiro do
Tesouro Nacional) e o aperto da política monetária praticamente inviabilizaram novas emissões. Emissões
de debêntures públicas, normalmente restritas a bons nomes de crédito, tornaram-se praticamente
inviáveis. A deterioração de crédito das empresas brasileiras, em função da desvalorização cambial e do
aumento da taxa Selic, também contribuiu para o fechamento deste mercado.
Historicamente, o mercado de títulos privados brasileiro, tanto de renda fixa como de renda variável, tem
enfrentado desafios consideráveis para crescer, em função das altas taxas de juros nominais de títulos
públicos (percebidos como de risco de crédito zero), de mecanismos de governança corporativa ainda em
desenvolvimento, da falta de mercado secundário (influenciado negativamente entre outras coisas por
tributos como a CPMF) etc. O mercado primário de emissão de ações teve seu auge em 1996, com R$
9,172 bilhões registrados na CVM. Este movimento teve relação com as privatizações de empresas
estatais e outras reformas pró-mercado implementadas pelo governo na época. Desde então o mercado de
renda variável tem mostrado redução tanto em emissões primárias quanto em volume de mercado
secundário. As razões para tal redução são muitas, como o fechamento de empresas abertas em função
das reestruturações societárias pós-privatização, os programas de ADRs que “exportam” atividade
secundária de mercado para as bolsas norte-americanas, a retração de investimentos de portfólio em
158
mercados emergentes por parte de investidores institucionais estrangeiros na esteira das crises asiática,
russa, argentina e brasileira, etc.
A tabela seguinte mostra os volumes de títulos registrados na CVM desde 1995. Vemos que todas as
modalidades tiveram drástica redução em 2003.
Registro de títulos CVM – 1995-2003 (R$ milhões)
Ano
Ações
Debêntures
Notas Promissórias
1995
1.935,25
6.883,37
1.116,68
1996
9.171,90
8.395,47
499,35
1997
3.908,90
7.517,80
5.022,10
1998
4.112,10
9.657,40
12.904,90
1999
2.749,44
6.676,38
8.044,00
2000
1.410,16
8.748,00
7.590,70
2001
1.353,30
15.162,13
5.266,24
2002
1.050,44
14.635,60
3.875,92
2003
79,99
2.078,40
1.075,29
25.771,48
79.754,55
45.395,18
Total
Fonte: CVM
Segundo o SND – Sistema Nacional de Debêntures, desde 1988 o volume de emissões de debêntures
destinado a empresas de prestação de serviços públicos, categoria em que se classificam os serviços de
fornecimento de energia elétrica, correspondeu a 22,19% do total em dólares, ou US$ 15.175 milhões. A
tabela seguinte mostra os volumes de debêntures emitidas desde 1988 por setor de atividade, em dólares
americanos.
O volume registrado de debêntures, oscilando entre seis e nove bilhões de reais anuais entre 1995 e 2000,
acelerou-se em 2001 e 2002 em função da necessidade do setor privado de captar recursos em reais para
compor seu endividamento, dado que a adoção do câmbio flutuante em 1999 acrescentou uma fonte de
incerteza e volatilidade à opção pela captação externa.
Ramo de Atividades dos Emissores - 1988 - 2003
Volume Registrado em US$
milhões
Percentual
Finanças
19.164
28,02
Serviços Públicos
15.175
22,19
Emp. De Adm. e Participações
14.739
21,55
Metalúrgico
4.369
6,39
Química
2.990
4,37
Papel e Celulose
2.370
3,47
Ramo de Atividade
Comércio
2.364
3,46
Minerais
1.655
2,42
Construção e Engenharia
903
1,32
Transportes
876
1,28
3.789
5,53
Outros Ramos
Total
68.393
100,00
(*) 23/7/2003
Fonte: SND
Após a adoção do regime de taxas de câmbio flutuante tem ocorrido um movimento de redução do
passivo externo privado, onde as empresas buscam a redução do passivo em dólares emitindo debêntures
ou tomando crédito bancário em reais e remetendo recursos para quitar suas obrigações. O BNDES tem
provido seletivamente recursos de longo prazo para empresas realizarem este tipo de operação, nos casos
em que já há uma exposição à companhia. Em outros casos em que a demanda existente é por recursos de
curto e médio prazo os bancos comerciais têm provido estes recursos, geralmente indexados ao CDI +
“spread de risco”.
159
Um exemplo deste tipo de operação encontra-se na emissão de debêntures de dois anos de prazo da
Telemar, anunciada em 23/7/2003, de R$ 150 milhões com custo de 109,5% do CDI. Esta operação foi
efetivamente a primeira emissão a mercado do ano, e ficou quatro vezes oversubscribed segundo o líder
da emissão, o Itaú BBA. A finalidade da operação foi levantar recursos para o pagamento de um
empréstimo sindicalizado de US$ 75 milhões da companhia vencendo naquele mês.
As incertezas com relação ao novo governo e o aperto na política monetária levaram a uma redução
drástica nas emissões de valores mobiliários e no volume de crédito concedido em reais desde meados de
2002. Espera-se que o mercado reaja e não fique paralisado em face da manutenção de políticas
macroeconômicas saudáveis. No entanto, mesmo se as emissões de debêntures atingirem os patamares de
2001, com emissões anuais de R$ 15 bilhões, e considerando que o setor de energia elétrica possa receber
50% das emissões históricas de concessionárias de serviços públicos, ou seja, metade de 22,2%, estima-se
um volume de recursos sendo aplicados ao financiamento do setor de energia elétrica de R$ 1,6 bilhão,
considerando a tendência histórica de maneira otimista.
Mesmo que esta seja uma estimativa grosseira, há ainda um enorme déficit de recursos para o
financiamento do setor nos próximos anos, pois nem todo financiamento às empresas do setor será
utilizado para novos investimentos. Aliás, é possível que as distribuidoras utilizem-se deste mercado para
rolar suas dívidas e equilibrar suas estruturas de capital ao longo de 2003 e 2004.
d.
Mercado de capitais internacional
O mercado de capitais internacional para o Brasil no primeiro semestre de 2002 apresentou uma boa taxa
de rolagem, acima dos vencimentos para o período. No entanto, as emissões estão concentradas em
nomes de primeira linha de setores específicos. Tradicionais emissoras como Petrobrás e Vale do Rio
Doce, com volumes significativos de suas receitas em dólares, e bancos de primeira linha caracterizaram o
perfil do emissor de títulos em dólares neste período. Empresas exportadoras do setor siderúrgico também
acessaram o mercado no primeiro semestre. A lista de emissões do período é mostrada no Anexo III.
Apesar do bom volume de emissões, o mercado de capitais internacional ainda não se recuperou do
processo de aversão ao risco iniciada em 2002. A alta liquidez internacional e o baixo retorno dos títulos
do tesouro americano pela maior parte do primeiro semestre levaram investidores a buscar os retornos
mais altos dos mercados emergentes, mas focando em nomes tradicionais de primeira linha. E boa parte
da demanda neste período, em particular para o Brasil, deveu-se à demanda de private banking para
títulos. Os investidores institucionais encontram-se ainda bastante retraídos. Este perfil de investidores
retornando ao mercado torna mais limitada a disponibilidade de recursos para emissões de mais longo
prazo e em volumes maiores.
Em adição ao comentário sobre o perfil de investidores que demandaram papéis brasileiros no primeiro
semestre de 2003, em julho o yield do treasury bond de 30 anos dos EUA subiu vigorosamente, em níveis
similares ao crash do mercado de renda fixa norte-americano de 1994. Este movimento está ligado a
expectativas do mercado com relação ao desempenho fiscal ruim do Tesouro Norte-americano e das
expectativas com relação à atuação não ortodoxa do FOMC (Federal Open Market Commitee) na
definição da política monetária, conforme sugerido em discursos de Alan Greenspan (FOMC governor),
mas que até hoje não se materializaram. Este movimento, totalmente exógeno aos mercados emergentes,
teve como conseqüência a elevação do retorno dos títulos do tesouro norte-americano de longo prazo,
aumentando a sua atratividade em relação aos títulos de mercados emergentes.
Finalmente, emissões corporativas de empresas com a maior parte de suas receitas em moeda local foram
poucas, a saber Sabesp, Telemar e Braskem. O setor elétrico não foi contemplado com emissões no
período, dada a situação financeira não ideal das grandes empresas do setor.
e.
Export Credit Agencies - ECAs
As agências de crédito à exportação de países desenvolvidos podem suportar com funding e garantias a
parcela dos investimentos previstos para o setor elétrico referente a importação de equipamentos.
Entre estas instituições podemos encontrar:
‰ US Eximbank / OPIC (Overseas Private Investment Corporation)
‰
JBIC (Japan Bank for International Cooperation)
‰
Hermes / KfW (Kreditanstalt für Wiederaufbau)
‰
NEXI (Nippon Export Insurance)
‰
SACE (instituto per i Servizi Assicurativi del Commercio Estero)
160
Estas instituições trabalham com diversas estruturas financeiras, geralmente garantindo o risco político e
de conversibilidade do empréstimo, e uma parte do risco comercial. De um modo geral, estas instituições
demandam a garantia do risco comercial por um banco comercial local, e/ou outro banco comercial no
país de origem.
US Eximbank, NEXI, SACE e Hermes atuam garantindo o risco político e parte do risco comercial
da operação para o provedor de fundos, geralmente um banco comercial do mesmo país. A estrutura
pode ou não exigir a garantia de risco comercial de um banco local (local significa país destino dos
investimentos). É comum que estas instituições tenham limite apenas para os bancos locais privados
de primeira linha, o que restringe o volume de recursos disponíveis para esta modalidade, uma vez
que estes bancos devam ter limites para os clientes importadores que podem estar ou não tomados
por outras operações.
OPIC, JBIC e KfW são instituições governamentais que provêm fundos para as operações de exportações
de produtos de seus países de origem. No entanto, a atuação delas não está restrita a trade finance. O
JBIC, anteriormente Japan Export Import Bank, evoluiu de um agente de financiamento de comércio
internacional para uma agência de produtos financeiros mais abrangentes, atuando como uma organização
multilateral algumas vezes. A operação realizada com a Embraer em 2003 demonstra esta forma de
atuação. O financiamento disponibilizado não tinha como condição a importação de equipamentos
japoneses desde que os preços de compra fossem a preços de mercados competitivos.
As ECAs terão certamente condições de participar dos esforços de investimentos do Brasil em geração de
energia. No entanto, com exceção provável do JBIC e OPIC, os volumes de crédito disponíveis estão
sujeitos às importações de equipamentos planejadas. Ainda, os volumes concedidos terão também
restrições relativas às exposições dos bancos comerciais repassadores de recursos, que podem ter seus
limites tomados junto àquelas instituições.
f.
Organizações Multilaterais
Organizações multilaterais apóiam projetos de infra-estrutura em países de economia emergente como
uma função precípua. Os objetivos gerais são financiamento de grandes projetos de infra-estrutura,
estímulo ao mercado de capitais, reforço de marco regulatório, reformas no setor público etc. A forma de
atuação geralmente envolve mecanismos de mitigação do risco de investimentos privados em projetos de
risco percebido mais elevado, funcionando como agentes catalisadores de investimentos privados nestas
economias.
Especificamente para o financiamento de projetos de infra-estrutura, estas organizações promovem
financiamentos no formato A/B Loans. Nestas estruturas a agência multilateral figura como lender-ofrecord pelo volume total do financiamento, e os bancos privados participantes figuram como provedores
de recursos para a operação, sob a chamada umbrella da instituição multilateral. A estrutura, além de
prover isenção de impostos, mitiga os riscos de conversão de moedas associados aos investimentos em
países de economia emergente, pois as instituições multilaterais apresentam um de facto status de credor
preferencial. Particularmente o IFC e o BID não apresentam casos de inadimplência por crise de
conversibilidade ou reestruturação de dívida externa no país de operação do devedor privado em seu
histórico desde a formação destas instituições.
Na crise da Argentina em 2001/2002 houve casos de inadimplemento comercial, ou seja, o
inadimplemento foi causado por problemas de liquidez e patrimoniais na empresa devedora. Embora
esteja claro para os bancos participantes que a umbrella da agência multilateral representa uma mitigação
de risco em crises de conversibilidade no país destino dos recursos (por exemplo centralização de câmbio
por deficiência de reservas em moeda forte) os episódios na Argentina deixaram claro que o risco
comercial não pode ser mitigado pela estrutura.
a.
Banco Mundial/IFC (International Finance Corporation)
Historicamente o Banco Mundial e a IFC têm apoiado projetos do setor de energia no Brasil. O Banco
Mundial apóia projetos do setor público nos níveis federal, estadual e municipal. Já a IFC suporta
financeiramente projetos e empresas do setor privado.
O Banco Mundial em 2002 proveu dois financiamentos junto à República do Brasil condicionados à
continuação das reformas no setor elétrico iniciadas em 1995, buscando promover a participação do setor
privado nos novos investimentos necessários ao setor. Estes financiamentos, todavia, foram diretamente
ao Tesouro, para financiar a necessidade global de recursos da República, e não eram condicionados a
nenhum projeto específico no setor elétrico.
161
O Banco Mundial tem participado também de projetos de incremento de infra-estrutura em regiões
carentes do Nordeste Brasileiro, em nível estadual. Estes projetos englobam iniciativas que vão de
saneamento básico a disponibilidade de energia elétrica, mas são de pequeno volume e focados em
regiões carentes.
A tendência recente dos projetos do Banco Mundial indica que seria uma alteração bastante significativa
na sua forma de atuação se a instituição viesse a financiar grandes projetos de infra-estrutura em geração
de energia, patrocinados diretamente pelo setor público.
A IFC, por sua vez, na linha de financiamento a projetos privados, atuou recentemente em três
oportunidades no Brasil:
1.
Termelétrica Macaé. Um projeto de US$ 656 milhões, envolvendo um A/B Loan de US$ 350
milhões e 4 anos de prazo, sendo US$ 275 milhões na parcela B a ser provida por bancos
internacionais. O principal investidor privado é a El Paso Corporation. Levado a mercado em
2002, este projeto conta com a participação da OPIC (Overseas Private Investment
Corporation), uma agência governamental norte-americana, em US$ 200 milhões, reduzindo as
necessidades de recursos de bancos privados para a faixa de US$ 60 milhões.
2.
Termo Fortaleza. Um projeto de US$ 250 milhões, com um A/B Loan de US$ 175 milhões e 10
a 12 anos de prazo, sendo US$ 112,5 milhões de bancos privados. O Project Sponsor é a Endesa
S/A. A planta está em construção e o pacote de financiamento está sendo levado a mercado.
3.
CPFL Energia. Um empréstimo corporativo de US$ 40 milhões para promover a reestruturação
do grupo CPFL. O objetivo declarado do financiamento é promover a reestruturação do controle
acionário, que envolve Votorantin, Bradesco, Camargo Corrêa e alguns dos principais fundos de
pensão atuando no Brasil. A estratégia adotada é promover uma melhora nos processos de
governança corporativa da empresa e permitir um IPO tanto no Novo Mercado da Bovespa como
na NYSE (New York Stock Exchange).
A IFC, mesmo estando ativa em projetos termelétricos brasileiros como demonstrado acima, tem
interesses estratégicos de atuação bastante diversificados entre vários países e setores econômicos. Sua
disponibilidade de recursos para um determinado setor e um único país é limitada pela sua política interna
de diversificação e pela exposição ao país.
Adicionalmente, a sua capacidade de auxiliar no financiamento do setor elétrico brasileiro está bastante
associada ao desempenho do mercado internacional de empréstimos sindicalizados para projetos na
América Latina. Este mercado encontra-se bastante prejudicado pela percepção negativa de risco de
investimento nos países da região. Esta percepção de risco é derivada de incertezas com relação ao marco
regulatório no Brasil, à situação econômica na Argentina e à turbulência política na Venezuela. Na região,
México e Chile são os países que estão conseguindo manter a percepção de riscos de investimentos em
um nível que permite a continuidade dos investimentos.
Por fim, o ambiente regulatório nos países de economia desenvolvida com relação à exposição dos bancos
comerciais a projetos de infra-estrutura tende a se tornar mais rígido. O Comitê de Basiléia deve
incrementar as exigências de capital e provisionamento para novos projetos, o que diminui o apetite dos
bancos para este tipo de financiamento.
Portanto, considerações de capacidade, ambiente regulatório e conjuntura de mercado impedem uma
participação mais efetiva da IFC nos investimentos em geração de energia no Brasil no curto e médio
prazo.
b.
BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento)
O principal canal de participação do BID para financiamento de projetos de energia elétrica é o seu
departamento do setor privado (PRI), criado em 1994. Um papel complementar é executado pela IIC
(Inter-American Investment Corporation), o braço para pequenas e médias empresas do BID.
O BID participou de nove empréstimos e seis financiamentos FUMIN (Fundo Multilateral de
Investimentos) no Brasil em 2002, totalizando US$ 690,4 milhões. Nenhum dos nove empréstimos foi de
iniciativa do PRI, e nenhum no setor de energia. Os dois últimos projetos do PRI para o setor de energia
foram aprovados em 2001, conforme os seguintes detalhes:
1.
Termo Bahia. Projeto de US$ 243,6 milhões patrocinado pela Petrobrás e ABB Equity Ventures,
sendo o A-Loan de US$ 57.8 milhões e o B-Loan de bancos privados de US$ 115,6 milhões,
aprovado em novembro de 2001.
162
2.
Termo Pernambuco. Projeto de US$ 403,5 milhões, patrocinado pela CELPE (Grupo
Guaraniana), sendo o A-Loan de US$ 42,4 milhões e o B-Loan de US$ 150 milhões, aprovado
em dezembro de 2001.
Anteriormente, em 2000, o BID também participou de outros projetos, a saber: as usinas hidrelétricas
Cana Brava e Dona Francisca, o projeto térmico Energia Norte e uma garantia de riscos de
conversibilidade para um empréstimo sindicalizado para a CPFL, recursos para financiar as despesas de
capital da distribuidora.
Após a lacuna de 2002, quando nenhum projeto foi realizado no setor, há dois projetos propostos no setor,
NovaTrans Energia e Termo Norte Fase II, e um financiamento proposto para prover recursos para o
programa de investimentos da Bandeirante Energia S/A. A Nova Trans, que totaliza investimentos de
US$ 403 milhões, é planejada para ter um A/B Loan de US$ 80 milhões, capital próprio da EnelPower
S.p.a. em torno de US$ 110 milhões e o restante será disponibilizado por bancos locais repassando
recursos de longo prazo do BNDES. E a Termo Norte Fase II, que é um projeto da El Paso Energy
International, envolve custos de US$ 230 milhões, sendo US$ 46 milhões de capital próprio, um A-Loan
de US$ 56 milhões, um B-Loan de US$ 72 milhões e US$ 56 milhões de repasses do BNDES.
O PRI do BID tem como instrumentos de atuação os A/B Loans, garantia parcial de risco de crédito e
garantia parcial de riscos políticos. As condições gerais de financiamento do BID para A Loans são:
‰
Participação do setor privado em mais de 50% do projeto.
‰
Participação de até US$ 75 milhões ou 25% dos custos do projeto
‰
Amortização flexível em até 20 anos
‰
Juros de mercado.
A garantia de riscos de crédito em moeda local tem a finalidade de permitir o alongamento dos prazos dos
empréstimos, promovendo uma melhoria de risco de crédito de papéis em moeda local para serem
tomados por investidores institucionais. Os limites são semelhantes ao do A- Loan, e o risco coberto é de
25% do projeto até US$ 75 milhões.
A garantia de riscos políticos do BID cobre riscos de quebra de contratos e expropriação de fundos pelo
governo, além de riscos de proibição de transferência e conversibilidade de fundos pela autoridade
monetária local.
O BID proporcionou nos últimos três anos aproximadamente US$ 9 bilhões em investimentos. Destes,
participou diretamente com US$ 3,5 bilhões em A/B Loans e garantias. Mantida essa média anual e
supondo que o Brasil possa receber de 20% a 25% dos novos projetos do BID, estamos falando em A/B
Loans e garantias no valor de cerca de US$ 300 milhões anuais.
6.5 Estrutura típica de financiamento para o setor
Imaginamos como estrutura típica para o setor, tanto em projetos de termelétricas quanto de
hidrelétricas, projetos de US$ 200 a US$ 600 milhões. Nestes projetos, a distribuição de fontes
muito provavelmente deveria contemplar 30-40% de recursos próprios, 0-40% de recursos
sindicalizados com apoio de uma agência multilateral, 10-30% de recursos em financiamento de
importação, 20-50% em repasses de recursos do BNDES. Não devemos esquecer que a participação
dos bancos comerciais brasileiros se fará por intermédio do repasse de recursos para importação de
equipamentos ou através de repasses de recursos do BNDES de longo prazo.
Não antevemos a participação de fundos na estrutura de projetos em construção. Em estrutura típica de
Project Finance, os riscos associados ao projeto não atendem, em princípio, aos requisitos destes
investidores. Depois de concluído o projeto, com a companhia operando, fundos abertos, fundos de
pensão e previdência fechados podem vir a participar com a estrutura de capital de longo prazo. No
entanto, isto só será possível com o marco regulatório definido e com contratos de longo prazo para
o fornecimento de energia sem expectativa de quebra.
Para a fase atual do mercado, o passado recente não indica que estruturas de capital alavancadas
sejam recomendáveis. Participações de terceiros no capital de empresas geradoras deveriam
limitar-se a 40-50% do capital no máximo, como regra prática, pois oscilações da demanda são
bastante possíveis no curto e médio prazo. Como vimos no capítulo 3, a capacidade de geração de caixa
das empresas distribuidoras do setor é muito sensível às variações da demanda por eletricidade. Estruturas
com participação excessiva de capital de terceiros podem não se sustentar se houver uma queda da
demanda por energia, mesmo que de pequena monta. As geradoras têm como garantia aos seus
163
financiamentos tomados com o sistema financeiro os contratos de longo prazo assinados com as
distribuidoras. Portanto, seus recebíveis têm o nível de risco do crédito das distribuidoras.
Os fundos abertos, fundos de pensão e de previdência fechados podem ser persuadidos a participar de
projetos de construção de unidades geradoras com garantias corporativas dos acionistas patrocinadores
destes projetos. No entanto, esta opção elimina a vantagem básica da estrutura de project finance, que é o
empreendimento se auto-financiar. Além do mais, esta opção também onera o endividamento dos
acionistas dos novos empreendimentos. Algumas empresas podem se ver excluídas de novas
oportunidades de investimento lucrativas pelo fato de seus balanços estarem com uma carga de
endividamento percebida como excessiva pelos financiadores.
Devido às dificuldades que os fundos abertos e fundos de pensão e previdência fechados têm de participar
de projetos em construção, é de extrema importância para o setor de energia elétrica que a situação de
crédito junto aos bancos comerciais seja saudável. Isto ocorre porque mesmo sem poder prover funding
diretamente aos projetos devido ao custo de oportunidade, os bancos comerciais repassam recursos ou do
BNDES ou de instituições de financiamento de comércio exterior de outros países. Estas participações
podem facilmente chegar a 60% do montante de investimentos dos projetos.
Outro detalhe importante dos novos projetos em estrutura de project finance é que normalmente os
contratos de longa duração com as distribuidoras são dados em garantia das operações de financiamento.
Ou seja, o credit rating desta garantia segue o credit rating da distribuidora compradora. De um modo
geral, distribuidoras em situação financeira precária prejudicam projetos, mesmo que o
empreendedor acionista do projeto tenha um rating muito melhor. Na prática, se a oportunidade de
negócio for realmente única, o empreendedor pode ser levado a tocar o projeto mesmo com uma estrutura
de capital pouco alavancada. Isto pode ser ótimo para o projeto, mas no geral encarece o custo da energia.
Isto porque é de conhecimento geral que em energia elétrica o custo do capital é determinante no
custo por MW instalado, o que influi no custo final da tarifa. Em uma situação de menos stress
financeiro, o custo de capital total fica menor com estruturas de capital com mais dívida. Isto leva a
tarifas menores entre a geração e a distribuição. Se os empreendedores forem obrigados a desenvolver
projetos com pouca dívida, o custo do capital total subirá, e com ele a tarifa.
6.6 Conclusões
Fizemos uma análise das possíveis fontes de recursos para o financiamento da expansão do setor de
energia elétrica brasileiro, levando em consideração o esgotamento da capacidade financeira do setor
público e, desta forma, analisando as fontes internas ao setor e fontes de terceiros. Como fontes internas
analisamos geração de caixa das empresas distribuidoras e encargos do sistema. Como fontes externas
analisamos mercado de capitais, bancos comerciais, instituições oficiais de crédito e organizações
multilaterais.
Antes de fazer um resumo quantitativo, devemos fazer uma observação com relação à classificação das
fontes de recursos. Embora tenhamos tratado de mercado de capitais, BNDES e bancos comerciais
separadamente, é preciso ter em mente que boa parte da atuação dos bancos comerciais em
financiamentos de longo prazo ocorre pelo repasse de recursos do BNDES. O mesmo ocorre com o
mercado de capitais. Boa parte dos registros de debêntures na CVM envolvem debêntures para a carteira
do BNDES e/ou para a carteira de bancos comerciais com funding de recursos do BNDES.
Portanto, em tese as fontes de recursos de longo prazo para investimentos em infra-estrutura, além
do capital próprio, reduzem-se ao mercado de capitais, principalmente o externo, a bancos
comerciais estrangeiros e aos recursos do BNDES. Tanto os recursos do BNDES como os recursos de
bancos comerciais tradicionalmente são repassados por bancos comerciais brasileiros. Portanto, o
financiamento ao setor passa necessariamente pelo aumento da exposição dos bancos comerciais às
empresas de energia.
Como vimos, o mercado de capitais internacional está limitado a emissões de empresas do setor
financeiro e a emissões de empresas tradicionais exportadoras. O setor elétrico tem como característica
receita estritamente em reais, ou seja, o endividamento externo envolve um risco de variação de
moeda. Embora o mercado financeiro brasileiro permita o efetivo hedge da operação em moeda
estrangeira, esta troca encarece o financiamento. Além disso, a participação do mercado internacional
de títulos não se fará diretamente nos projetos, mas sim com financiamentos às empresas de energia.
O mesmo pode ser dito do mercado de capitais local. Embora emissões de debêntures possam ocorrer
para financiamento de projetos, é improvável que estas debêntures sejam lançadas a mercado, ou para a
carteira de fundos abertos e fundos de pensão e previdência privados. Estes fundos têm requisitos de
164
qualidade de crédito nos títulos em carteira, tais como ratings de agências de crédito e níveis
diferenciados de disclosure. Antevemos somente debêntures privadas como possibilidades de
financiamento a projetos. Debêntures privadas são instrumentos de emissão simplificada que têm
investidor definido, com disposição de manter o papel pela sua maturidade. São, portanto, instrumentos
de crédito diferenciado. Alguns fundos de pensão e previdência fechados podem ser persuadidos a
participar de investimentos adquirindo debêntures privadas, mas este tratamento será caso a caso,
principalmente pela proximidade do fundo à empresa liderando o projeto, e sempre em volumes
pequenos.
O orçamento do BNDES para 2003 envolve desembolsos de R$ 6,7 bilhões para projetos de energia
elétrica, e adicionais R$ 1,4 bilhão para o programa emergencial das distribuidoras. Isto equivale a
quase um quarto do orçamento total do banco, em torno de R$ 35 bilhões. É um volume mais
significativo que a média dos anos 1995 a 2000, quando os desembolsos médios para o setor ficaram em
R$ 900 milhões.
No entanto, até julho de 2003 apenas R$ 1,3 bilhão havia sido desembolsado. Em um quadro de troca de
administração, uma certa lentidão nos processos em andamento é um resultado esperado. Em 23/6/2003 o
BNDES tinha R$ 3,8 bilhões em operações de financiamento aprovadas e enquadradas, em 34 projetos
para o setor elétrico. Estes projetos equivalem a investimentos de aproximadamente R$ 7 bilhões. Outros
31 projetos envolvendo investimentos de R$ 15,8 bilhões e financiamento de R$ 5,4 bilhões estavam em
análise. Portanto, é possível que a meta de investimentos no ano seja atingida. Mas é improvável que o
nível de desembolsos a um mesmo setor continue tomando 25% do orçamento do banco como uma
regra geral para os próximos anos.
A exposição do BNDES ao setor, como já dito anteriormente, está em torno de R$ 21 bilhões, R$ 7
bilhões em projetos, R$ 7 bilhões em financiamentos a privatizações e R$ 7 bilhões no RTE
(Recuperação Tarifária Extraordinária). O BNDES declarou a intenção de reduzir os
financiamentos a privatizações e o RTE e aumentar o financiamento a projetos. No entanto, na
medida em que as distribuidoras necessitam de rolagens de R$ 14 bilhões em 2003 e R$ 8 bilhões
em 2004, como vimos no capítulo 3, é improvável que o BNDES consiga redirecionar sua exposição
ao setor exclusivamente para projetos. Ainda, a rolagem de operações diminui o total disponível no
orçamento do banco para novos desembolsos. Portanto, supondo, de maneira otimista, que o BNDES
consiga manter um nível de 10% de seus desembolsos para o setor elétrico, estamos falando de R$ 4
bilhões médios ao ano até 2010.
A RGR e o CDE agregam R$ 2,6 bilhões ao ano de recursos disponíveis para financiamento, muito
embora o R$ 1,6 bilhão da CDE seja “carimbado”, ou seja, será obrigatoriamente direcionado para
projetos alternativos e não para grandes projetos tradicionais de hidrelétricas e termoelétricas.
Estes valores são consistentes com o histórico de investimentos de pouco mais de US$ 1 bilhão por
ano da Eletrobrás. Até certo ponto, o sistema Eletrobrás sofre do mesmo problema do BNDES. Parte de
seus créditos são junto às distribuidoras, que os estarão rolando ao longo dos próximos dois anos e meio.
Portanto, a capacidade para novos investimentos está limitada. Uma possível alternativa seria
prorrogar o ECE, com outra finalidade, o que traria R$ 1,4 bilhão a mais de fontes de recursos
para o setor.
Portanto podemos ver que o sistema de financiamento público ao setor elétrico consegue,
realisticamente, prover de R$ 7 a 8 bilhões anuais de recursos para novos projetos. Entre as
instituições multilaterais, o BID tem demonstrado bastante apetite para projetos de energia,
podendo participar com mais R$ 1 bilhão por ano. Portanto, havendo apetite por parte dos
empreendedores estratégicos do setor, o sistema oficial de crédito mais as agências multilaterais
podem prover recursos de terceiros na ordem de R$ 9 bilhões por ano, em uma primeira estimativa
e com uma perspectiva ligeiramente otimista.
Estes números agregados deixam claro que a realidade da segunda metade da década de 90
continua, ou seja, mesmo no setor elétrico há necessidade de investimento privado para
complementar as necessidades de aumento da capacidade de geração. A ausência de marco
regulatório definido afeta a demanda por financiamentos, ou seja, o investidor estratégico está receoso de
planejar novos investimentos em função de indefinições de políticas para o setor.
Defendemos a opinião de que distribuidoras financeiramente saudáveis são importantes para atrair
os investidores de mercado de capitais para suas estruturas de capital, provendo recursos de longo
prazo. Uma melhora na situação das distribuidoras permitiria o alongamento de seus passivos via
mercado de capitais, e em paralelo a redução da exposição dos bancos comerciais a estas empresas,
liberando linhas para novos projetos em estrutura de project finance. Os recursos de longo prazo do
165
BNDES e os recursos gerenciados pela Eletrobrás complementariam os recursos dos investidores
estratégicos no aumento da capacidade de geração. Ao término da fase de construção, as empresas
detentoras dos ativos de geração poderiam igualmente alongar seus passivos via mercado de capitais.
166
Sumário executivo
Serão necessários investimentos no setor
elétrico da ordem de R$ 20,0 bilhões anuais
para a próxima década, conforme o nosso
cenário de referência.
Desse total, cerca de R$ 13,6 bilhões devem ser
investidos na geração de energia, R$ 3,4 bilhões
na distribuição e R$ 3,0 bilhões na transmissão.
As possíveis fontes de financiamento são:
(i) Recursos intra-setoriais: geração interna,
RGR, CDE e ECE;
(ii) Recursos de terceiros: BNDES, bancos
comerciais, mercado de capitais local,
mercado de capitais internacional,
Export Credit Agencies e Organizações
Multilaterais.
Fontes de financiamento
Recursos
R$ bilhões
RGR
CDE
ECE
BNDES
Org. Multilaterais
1,0
1,6
1,4
4,0
1,0
Total
9,0
O sistema de financiamento público e as
agências multilaterais conseguem prover
recursos da ordem de R$ 9 bilhões anuais.
As projeções econômico-financeiras das
empresas distribuidoras indicam que não haverá
geração interna de recursos do setor para a
realização de investimentos. Haveria uma
necessidade de cerca de R$ 6 bilhões a serem
financiados pelo setor privado.
Se o modelo vigente fosse mantido, com a
energia sendo comercializada ao preço de
mercado, o preço tenderia a convergir ao custo
marginal de expansão do sistema gerando
recursos adicionais na ordem de 2 a R$ 4
bilhões por ano dependendo da taxa de elevação
do preço de mercado (20% em 3 anos ou 20%
em 10 anos).
Esses recursos potenciais não são contemplados
na estimação das fontes de financiamento
disponíveis para a expansão, dado que no novo
modelo proposto pelo Ministério de Minas e
Energia as geradoras seriam remuneradas pelo
custo de serviço e no modelo vigente a maior
parte desses recursos seria destinado a
beneficiar os consumidores.
Devido à ausência de um marco regulatório
definido, a atração de investimentos privados
constitui a principal dificuldade para que os
investimentos necessários sejam realizados.
♦♦
167
Referências
BNDES (2001). O apoio do BNDES ao Setor Elétrico. Informe Infra-Estrutura nº 57.
Castro, D. (2003). Apresentação do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento no Infra GTDC 2003.
São Paulo. BID.
Cavalcanti, J. C. (2003). Financiamento ao Setor Elétrico – A visão do banco de fomento brasileiro.
BNDES.
Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos (2002). Plano Decenal de
Expansão 2003-2012. Sumário Executivo. Brasília: Ministério de Minas e Energia.
Ferreira, P. C. e T. G. Malliagros (1999). Investimentos, Fontes de Financiamento e Evolução do Setor de
Infra-estrutura no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
Gomes, A., Abarca, C., Faria, E. e Fernandes, H. (2002). BNDES 50 anos – Histórias Setoriais – O Setor
Elétrico. Rio de Janeiro. BNDES.
Pacheco, C. W. (1999). Função Financeira da Eletrobrás. Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Pego, B., Cândido, J. O, e Pereira, F (1999). Investimento e Financiamento de Infra-Estrutura no Brasil:
1990/2002. Brasília. IPEA – Texto para discussão nº 680.
Umbria, F. (2002). Modelo de previsão de preços futuros de energia. Curitiba: Tradener.
168
ANEXO I – Resultados das privatizações
Resultados das privatizações de 1990 a 2002 – US$ bi
Ano
US$ bi
1991
2,0
1992
3,4
1993
4,2
1994
2,3
1995
1,6
1996
6,5
1997
27,7
1998
37,5
1999
4,5
2000
10,7
2001
2,9
2002
Fonte: BNDES
2,0
Resultados das privatizações de 1990 a 2002 – US$ bi
37,5
40,0
35,0
27,7
30,0
25,0
20,0
15,0
10,7
10,0
5,0
2,0
3,4
4,2
6,5
2,3
1,6
4,5
2,9
2,0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Fonte: BNDES
169
Resultado das privatizações por setor e por empresa de 1991 a 2002 – US$ milhões
Setores/Empresa
Data da oferta
Indústria
Receita de venda
19.066
Petroquímica
2.699
Petroflex
10/04/1992
234
Copesul
15/05/1992
862
Álcalis
15/07/1992
81
PQU
24/01/1994
287
Nitriflex
06/08/1992
26
Polisul
11/09/1992
57
PPH
29/09/1992
59
CBE
03/12/1992
11
Poliolefinas
13/03/1993
87
Oxiteno
15/09/1993
54
Acrinor
12/08/1994
12
Coperbo
16/08/1994
26
Ciquine
17/08/1994
24
Polialden
17/08/1994
17
Politeno
18/08/1994
45
Copene
15/08/1995
271
CPC
29/09/1995
100
Salgema
05/10/1995
139
CQR
05/10/1995
2
Nitrocarbono
05/12/1995
30
Pronor
05/12/1995
64
CBP
05/12/1995
0
Polipropileno
01/02/1996
81
Koppol
01/02/1996
3
Deten
22/05/1996
12
Polibrasil
27/08/1996
99
EDN
26/09/1996
Petróleo
Petrobrás
17
4.840
08/2000 e 07/2001
Mineração
4.840
10.764
Usiminas
24/10/1991
Cosinor
14/11/1991
1.941
15
Piratini
14/02/1992
107
CST
16/07/1992
354
Acesita
22/10/1992
465
CSN
02/04/1993
1.495
Cosipa
20/08/1993
586
Açominas
10/09/1993
599
Caraíba
28/07/1994
6
05/1997 e 03/2002
5.196
12/08/1992
182
CVRD
Fertilizantes
Fosfértil
419
Goiasfértil
08/10/1992
13
Ultrafértil
24/06/1993
206
Indag
23/01/1992
7
Arafértil
15/04/1994
11
Outros
344
Celma
01/11/1991
91
Mafersa
11/11/1991
49
170
Setores/Empresa
Data da oferta
Receita de venda
Embraer
07/12/1994
192
SNBP
14/01/1992
Infra-estrutura/Serviços
12
63.280
Instituições Financeiras
6.329
Meridional
04/12/1997
240
Banespa
20/11/2000
3.604
BEG
04/12/2001
269
BEA
24/01/2002
77
Credireal
07/08/1997
112
Banerj
26/06/1997
289
Cia. União de Seguros Gerais
20/11/1997
45
Bemge
14/09/1998
494
Bandepe
17/11/1998
153
Beneb
22/06/1999
147
Banestado
17/10/2000
869
Paraiban
08/11/2001
Energia Elétrica
29
22.238
Cachoeira Dourada
05/09/1997
714
CESP Paranapanema
28/07/1999
682
CESP Tietê
27/10/1999
472
Escelsa
11/07/1995
519
Light
21/05/1996
2.509
Gerasul
15/09/1998
880
Cerj
20/11/1996
587
Coelba
31/07/2003
1.598
CEEE-Norte-NE
21/10/1997
1.486
CEEE-Centro-Oeste
21/07/1997
1.372
CPFL
05/11/1997
2.731
Enersul
19/11/1997
565
Cemat
27/11/1997
353
Energip
03/12/1997
520
Cosern
12/12/1997
606
Coelce
02/04/1998
868
Eletropaulo Metropolitana
15/04/1998
1.777
Celpa
09/07/1998
388
Elektro
16/07/1998
1.273
EBE
17/09/1998
860
Celpe
17/02/2000
1.004
Cemar
15/06/2000
289
Saelpa
30/11/2000
185
Transporte Ferroviário
1.963
Oeste
05/05/1996
63
Centro-Leste
14/06/1996
316
Sudeste
20/09/1996
871
Tereza Cristina
22/11/1996
18
Sul
13/12/1996
208
Nordeste
18/07/1998
15
Paulista
10/11/1998
206
Ferroeste
10/12/1996
25
Flumitrens
15/07/1998
240
12/1997
262
Transporte Metroviário
Metrô-Rio
Transporte Marítimo
262
29
171
Setores/Empresa
Data da oferta
Receita de venda
01/02/1998
29
01/10/1998
67
CODESP - Porto de Santos
17/09/1997
251
CDRJ - Porto de Sepetiba
03/09/1998
79
CDRJ - Porto do Rio
03/11/1998
27
Conerj
Terminal de Ônibus
Terminal Garagem Menezes Côrtes
67
Portuário
421
CDRJ - Porto de Angra dos Reis
05/11/1998
8
CODESA - Cais de Capuaba
06/05/1998
26
CODESA - Cais de Paul
17/09/1997
9
CODEBA - Porto de Salvador
21/12/1999
21
CEG
14/07/1997
430
Riogás
14/07/1997
146
Gás
2.005
Comgás
14/04/1999
988
Gás Noroeste-SP
09/11/1999
143
Gás Sul-SP
26/04/2000
298
06/2000
106
Saneamento
Manaus Saneamento
106
Telecomunicações
29.811
Telefonia Celular (Bandas B+C+E)
29/07/1998
9.428
Telesp
29/07/1998
4.967
Tele Centro Sul
29/07/1998
1.778
Tele Norte Leste
29/07/1998
2.949
Embratel
29/07/1998
2.276
Telesp Celular
29/07/1998
3.082
Tele Sudeste Celular
29/07/1998
1.168
Telemig Celular
29/07/1998
649
Tele Celular Sul
29/07/1998
601
Tele Nordeste Celular
29/07/1998
567
Tele Leste Celular
29/07/1998
368
Tele Centro-Oeste Celular
29/07/1998
378
Tele Norte Celular
29/07/1998
161
Oferta aos empregados
29/07/1998
293
Região I (Tele Norte-Leste)
15/01/1999
46
Região II (Tele Centro-Sul)
27/08/1999
0
Região III (Telesp)
23/04/1999
41
Região IV (Embratel)
15/01/1999
42
CRT
01/06/1998
1.018
06/1999
50
Informática
Datamec
Participações Minoritárias
Federais
Estaduais
50
4.481
753
3.728
Dívidas transferidas
18.076
Obs.: Há uma pequena diferença no total das receitas das privatizações de 1991 a 1994 em relação ao total..
Fonte: BNDES.
172
ANEXO II – Empréstimos sindicalizados
Valor
(US$
milhões)
Cupom
(% ao ano)
Rentabilidade
(% ao ano)
09/jun/03 Sadia
55
prépagto X
libor + 2,12
12
-
-
10/jun/03 Bradesco
190
USCP
libor + 2,0
12
17/jun/03
17/jun/04
13/jun/03 Unibanco
225
securitização
libor + 4,25 ou 6,15%
6 anos
13/jun/03
15/jul/09
10/jun/03 Votorantim
50
prépagto X
libor + 3,5
36
-
-
23/jun/03 Açominas/Gerdau
33
prépagto X
libor+4,25
15
jul-03
out-05
14/jul/03
Data
anúncio Emissor
Prazo
(meses)
Data
Data
Liquidação Vencimento
02/jul/03 CSN
142
securitização
7,280%
7 anos
14/jul/03
02/jul/03 Embraer
200
emp. sindical.
libor + 2,97
7 anos
-
-
02/jul/03 Visanet
500
securitização
5,96%
8 anos
10/jul/03
15/jun/11
03/jul/03 Itau Europa (em euros)
170
emp. sindical.
Euribor+0,60
36
24/jul/03
22/jul/06
15/jul/03 Açominas/Gerdau
105
securitização
7,370%
7 anos
-
-
16/jul/03 Itaú
150
securitização
libor + 0,63
5 anos
23/jul/03
23/set/08
16/jul/03 Itaú
50
securitização
libor + 0,05
8
23/jul/03
23/mar/04
4,48%
10 anos
28/jul/03 CVRD
250
securitização
Fonte: Imprensa especializada. Elaboração: Tendências.
173
ANEXO III – Emissões de títulos privados – Bancos e empresas
Valor
(US$
milhões)
Cupom
(% ao ano)
07/jan/03 Bradesco
250
6,250%
6,375%
9
14/jan/03
14/out/03
09/jan/03 ABN AMRO
100
6,625%
6,650%
11
23/jan/03
23/dez/03
09/jan/03 Safra
200
6,875%
7,000%
6
16/jan/03
16/jul/03
10/jan/03 Unibanco
100
6,875%
7,000%
12
16/jan/03
16/jan/04
Data
anúncio
Emissor
Rentabilidade
(% ao ano)
Prazo
(meses)
Data
Liquidação
Data
Vencimento
10/jan/03 Itaú
200
6,250%
6,375%
11
17/jan/03
17/dez/03
10/jan/03 Votorantim
150
7,000%
7,250%
11
16/jan/03
11/dez/03
21/jan/03 BBA
25
6,500%
6,750%
11
23/jan/03
23/dez/03
23/dez/03
23/jan/03 ABN AMRO
50
6,625%
6,650%
11
23/jan/03
23/jan/03 Banco do Brasil
100
6,250%
6,375%
12
28/jan/03
28/jan/04
24/jan/03 Unibanco
54
6,750%
6,800%
6
03/fev/03
04/ago/03
03/fev/03 Bradesco
75
6,000%
6,250%
6
12/fev/03
12/ago/03
19/ago/03
05/fev/03 Votorantim
55
6,750%
6,850%
6
19/fev/03
05/fev/03 BankBoston
75
7,500%
7,500%
9
12/fev/03
23/nov/03
06/fev/03 Itaú
65
6,000%
6,150%
6
20/fev/03
19/ago/03
07/fev/03 Bradesco
150
5,750%
5,800%
10
19/fev/03
19/dez/03
13/fev/03 Banespa
50
7,250%
7,250%
12
20/fev/03
20/fev/04
18/fev/03 Unibanco
100
6,000%
6,050%
9
26/fev/03
26/nov/03
19/fev/03 ABN AMRO
50
6,750%
-
18
27/fev/03
27/ago/04
27/fev/03 CSN
85
9,500%
9,750%
12
05/mar/03
05/mar/04
11/mar/03 Banco do Brasil
120
7,260%
7,260%
7 anos
17/mar/03
15/mar/10
12/mar/03 Unibanco
125
5,000%
5,120%
6
17/mar/03
17/set/03
14/mar/03 Safra
250
6,625%
6,750%
9
31/mar/03
02/dez/03
21/mar/03 ABN AMRO
150
5,625%
5,700%
9
31/mar/03
31/dez/03
24/mar/03 Petrobrás
400
9,000%
-
5 anos
31/mar/03
01/abr/08
26/mar/03 Banco Modal
6
8,750%
8,75%
6
26/mar/03
26/set/03
26/mar/03 Banco Modal
17
10,000%
10,00%
12
26/mar/03
26/mar/04
31/dez/03
28/mar/03 Banespa
125
6,250%
6,350%
9
04/abr/03
02/abr/03 Votorantim
200
6,250%
6,500%
12
08/abr/03
02/abr/04
03/abr/03 ABN AMOR
100
5,625%
-
9
10/abr/03
31/dez/03
04/abr/03 Abril
10
12,000%
12,000%
8
10/abr/03
19/dez/03
07/abr/03 Bradesco
250
5,000%
5,500%
14
15/abr/03
02/jul/04
08/abr/03 Bradesco
107
5,125%
5,375%
8
16/abr/03
16/dez/03
10/abr/03 Unibanco
100
5,000%
5,250%
12
17/abr/03
16/abr/04
10/abr/03 CSN
75
9,750%
10,000%
24
23/abr/03
22/abr/05
11/abr/03 BNP Paribas
50
5,250%
5,350%
8
23/abr/03
23/dez/03
16/abr/03 Banco do Brasil
75
6,750%
6,750%
24
25/abr/03
25/abr/05
16/abr/03 BBA Itaú
100
5,250%
5,300%
12
08/mai/03
07/mai/04
17/abr/03 Banespa
50
6,250%
6,500%
18
24/abr/03
25/out/04
24/abr/03 Banif Primus
23
4,125%
4,125%
24
09/mai/03
09/mai/05
29/abr/03 Unibanco
75
5,625%
5,850%
18
06/mai/03
05/nov/04
30/abr/03 Bradesco
75
5,250%
5,250%
18
15/mai/03
16/nov/04
01/mai/03 Votorantim
80
7,250%
7,500%
30
09/mai/03
09/nov/05
07/mai/03 Banco BMG
25
8,500%
9,000%
12
21/mai/03
13/mai/04
09/mai/03 Unibanco
80
5,375%
5,625%
12
19/mai/03
19/mai/04
13/mai/03 Petrobrás
550
6,436%
6,436%
12 anos
21/mai/03
01/jun/15
13/mai/03 Itaú
150
5,000%
5,050%
18
28/mai/03
29/nov/04
14/mai/03 Petrobrás (securitização)
200
3,748%
3,748%
10 anos
21/mai/03
01/jun/13
174
Data
anúncio
Emissor
Valor
(US$
milhões)
Cupom
(% ao ano)
Rentabilidade
(% ao ano)
Prazo
(meses)
Data
Liquidação
Data
Vencimento
29/mai/06
14/mai/03 Safra
85
7,500%
7,625%
36
22/mai/03
14/mai/03 ABN AMRO
75
5,000%
5,100%
14
28/mai/03
28/jul/04
14/mai/03 Banif Primus
20
6,000%
6,000%
12
16/mai/03
10/mai/04
29/mai/03 CSN
100
6,850%
6,950%
12
05/jun/03
04/jun/04
02/jun/03 Banco BMG
15
7,500%
7,850%
12
12/jun/03
03/jun/04
03/jun/03 Bradesco
150
4,750%
4,800%
18
17/jun/03
20/dez/04
04/jun/03 Votorantim
180
6,000%
6,250%
24
17/jun/03
17/jun/05
05/jun/03 Banespa
125
6,250%
5,750%
18
17/jun/03
25/out/04
06/jun/03 Telesp Celular (TSPC)
150
6,750%
6,875%
18
24/jun/03
22/dez/04
11/jun/03 Usiminas
75
6,750%
6,875%
12
01/jul/03
30/jun/04
11/jun/03 BankBoston
75
6,000%
6,375%
24
17/jun/03
17/jun/05
11/jun/03 Safra
75
5,625%
5,750%
24
20/jun/03
20/jun/05
13/jun/03 Sabesp
225
12,000%
12,000%
5 anos
20/jun/03
20/jun/08
16/jun/03 CSN
150
7,875%
8,000%
24
25/jun/03
07/jul/05
27/jun/03 Petrobrás
500
9,125%
9,250%
10 anos
02/jul/03
02/jul/13
27/jun/03 BB (em euros)
173
4,500%
4,630%
12
07/jul/03
07/jul/04
07/jul/03 Unibanco
125
4,000%
4,000%
18
21/jul/03
21/jan/05
08/jul/03 BankBoston
65
5,625%
5,750%
30
15/jul/03
20/dez/05
11/jul/03 Braskem
75
10,500%
10,500%
12
16/jul/03
16/jul/04
11/jul/03 Votorantim
250
5,750%
5,875%
24
28/jul/03
28/jul/05
17/jul/03 Itaú BBA
100
4,750%
4,800%
24
28/jul/03
28/jul/05
15/jul/03 Bicbanco
10
6,000%
6,500%
12
21/jul/03
15/jul/04
22/jul/03 Santander/Banespa
50
5,125%
5,375%
24
29/jul/03
29/jul/05
21/jul/03 Ipiranga
135
7,875%
Fonte: Imprensa Especializada. Elaboração: Tendências.
7,875%
60
01/ago/03
01/ago/08
175
7. ASPECTOS INSTITUCIONAIS E A REGULAÇÃO POR INCENTIVOS
7.1 Conceitos básicos da regulação
A regulação está no centro das atividades do governo em diferentes áreas: serviços financeiros, definição
dos direitos dos consumidores, proteção ao meio ambiente, produção e distribuição de serviços de
utilidade pública etc. De um ponto de vista mais geral, podemos dizer que o caráter ou o tipo de regulação
adotado em uma economia define em que ponto entre a total nacionalização dos meios de produção e a
livre atuação dos mecanismos de mercado cada sociedade está disposta a se colocar. Neste sentido, o
estudo do processo regulatório é, ao mesmo tempo, uma questão econômica, política e legal.
A demanda por regulação decorre da observação generalizada de que os dois extremos do espectro,
estatização total dos meios de produção e livre funcionamento dos mercados, geram problemas de
ineficiência na alocação de recursos e uma distribuição não desejada, do ponto de vista da sociedade, do
excedente gerado. Como resultado, mecanismos de regulação que sejam capazes de fazer com que os
objetivos da sociedade, sejam de eficiência sejam de distribuição, sejam atingidos ou aproximados,
precisam ser desenhados e implementados.
Um dos principais resultados da teoria econômica é que, na ausência de imperfeições de mercado, o livre
funcionamento do mercado leva a uma situação de eficiência, no sentido de que é impossível melhorar a
situação de algum dos agentes sem piorar a situação de outro (eficiência no sentido de Pareto). Neste
sentido, o mercado é um mecanismo de regulação passível de gerar eficiência, mas tem pouco a dizer
sobre a distribuição dos resultados entre os agentes envolvidos. Uma situação na qual um agente se
apropria de todo o excedente gerado é tão eficiente quanto uma situação na qual o excedente é igualmente
distribuído entre todos os agentes.
Do ponto de vista puramente teórico, a questão da distribuição do excedente é considerada o campo
preferencial da taxação, enquanto a questão da eficiência deve ser resolvida pela regulação. Entretanto,
como veremos neste capítulo, do ponto de vista prático, a estrutura da regulação tem importante
influência sobre os dois fenômenos.
Vista sob esta ótica, a regulação se justifica quando não estão presentes as condições necessárias para que
o livre funcionamento dos mercados gere eficiência. Nestes casos, justifica-se a introdução de
mecanismos regulatórios que consigam produzir um comportamento dos agentes econômicos envolvidos
que melhore o funcionamento do mercado, no sentido de gerar mais eficiência.
Existem quatro situações nas quais o funcionamento do mercado é incapaz de gerar eficiência:
1. Competição imperfeita – uma das condições necessárias para que o funcionamento dos mercados
produza uma alocação eficiente de recursos, no sentido definido acima, é que os produtores sejam
tomadores e não formadores de preços. Ou seja, que os produtores não consigam, isoladamente ou em
grupos, afetar os preços que cobram por seus próprios produtos. Entretanto, existem determinadas
circunstâncias nas quais o próprio funcionamento do mercado pode gerar concentração da atividade
econômica em um ou poucos agentes. Como resultado, estes agentes acabam tendo poder de determinar
os preços a serem por eles cobrados no mercado.
Uma situação na qual este resultado é particularmente importante ocorre em setores nos quais a
tecnologia apresenta fortes economias de escala, ou seja, o custo unitário de produzir o bem diminui à
medida que o nível de produção aumenta. Nestes casos, quanto maior o volume de produção da firma
menor o custo unitário de produção e, dado o tamanho do mercado, uma única firma seria capaz de
produzir a menor custo que muitas firmas. Se, concomitantemente, a tecnologia é tal que os custos a
serem incorridos para entrar no mercado são elevados e não podem ser transferidos para a produção de
outros bens, produz-se uma situação na qual, uma vez estabelecida, a empresa poderá explorar seu poder
de mercado cobrando um preço acima daquele que produza eficiência (um preço que iguale o custo
marginal de produção) e, ainda assim, evitar a entrada de novos competidores.
Por outro lado, se o mercado for atendido por várias empresas, o custo unitário de produção do bem ou
serviço será maior do que se apenas uma empresa o fizer e as economias de escala que caracterizam a
tecnologia não seriam apropriadas pela sociedade. Nestes setores, a regulação é fundamental para evitar
que o exercício de poder de mercado por parte dos produtores gere um nível de produção e de excedente
menor do que o nível eficiente, ou para que a sociedade consiga se apropriar dos retornos de escala da
tecnologia.
176
2. Informação imperfeita – se deixados livres para funcionar, os mercados geram preços e níveis de
produção eficientes se houver informação perfeita entre os agentes. Ou seja, é necessário que todos os
agentes envolvidos tenham todas as informações necessárias para tomar suas decisões e que todos saibam
que todos têm informações. Na medida em que alguns agentes tenham mais informações do que outros,
ou que os conjuntos de informações de diferentes agentes sejam diferentes entre si (assimetria de
informações), cria-se a possibilidade de comportamentos estratégicos por parte dos agentes, permitindo
que estes manipulem as informações que somente eles possuem, em benefício próprio. Nestes casos,
existe quase sempre espaço para que uma intervenção regulatória melhore a posição de todos os agentes
na economia. Em geral, isto decorre do fato de o custo da obtenção da informação para os agentes
individuais ser maior do que para o regulador.
3. Externalidades – um terceiro fator importante que torna o resultado do funcionamento dos mercados
ineficiente é a existência de externalidades significativas, ou seja, situações nas quais o comportamento
de um dos agentes afeta a produção ou o bem estar de outro (poluição, por exemplo) sem que essa
situação afete preços ou interfira no mercado desse bem. Neste caso, a regulação pode ser utilizada para
melhorar o desempenho dos mercados onde existem externalidades. Sem dúvida, os agentes
individualmente podem se associar com o objetivo de resolver o problema da externalidade, tornando a
regulação desnecessária. Porém, em muitos casos, isto implica custos elevados para os agentes
individuais que têm que enfrentar um problema de free rider88 para se organizarem. Diante de situações
como estas é, em geral, menos custoso que um regulador seja encarregado de realizar esta tarefa.
4. Bens Públicos – um quarto fator é a presença de bens públicos. Estes últimos são definidos como bens
ou serviços que apresentam dois atributos. O primeiro é o de serem bens não rivais, isto é, seu custo
marginal de suprimento para um consumidor adicional é igual a zero. O segundo é o de serem não
exclusivos, isto é, a natureza do bem ou serviço não permite excluir uma parcela expressiva de
consumidores.
A regulação pode ser realizada por comando ou por incentivos. Na regulação por comando, o regulador
ordena que o regulado se comporte de uma determinada forma e verifica, a posteriori, se este
comportamento foi realizado. Na regulação por incentivos, o objetivo do regulador é desenhar
mecanismos capazes de gerar incentivos para que o regulado revele suas informações e, com isto, ao
maximizar seu lucro, comportarem-se de forma a atingir os objetivos perseguidos pelo regulador.
A questão da assimetria de informações é fundamental para justificar a escolha dos mecanismos de
regulação. Caso as informações fossem perfeitas, seria indiferente que tipo de mecanismo de regulação
seria utilizado. Qualquer mecanismo geraria o mesmo resultado. Bastaria ao regulador ordenar que o
agente se comportasse de uma determinada forma e depois verificar se o comando foi obedecido. Neste
caso, seria indiferente, do ponto de vista do resultado econômico, se a economia funcionasse com total
estatização dos meios de produção, e que a regulação fosse totalmente por comando, deixando o mercado
funcionar livremente, ou se mecanismos de regulação específicos fossem adotados para alguns setores e
não para outros. Na verdade, neste caso, faria pouco sentido falar em regulação por incentivos.
Entretanto, caso as informações sejam imperfeitamente distribuídas, os mecanismos de regulação não são
indiferentes, do ponto de vista do resultado econômico por eles gerado. Neste caso, como o conjunto de
informações das empresas, por exemplo, é diferente daquelas que possui o regulador e o custo de
obtenção destas informações é elevado para o regulador, a escolha entre diferentes tipos de mecanismos
de regulação, se por comando ou por incentivos, torna-se extremamente relevante para o resultado do
processo econômico. É então necessário que o desenho dos mecanismos de regulação seja capaz de
induzir os agentes a revelarem suas informações privadas para que a regulação produza os resultados
desejados. O formato da regulação se torna fundamental. Conhecer a distribuição da informação entre o
regulador e o regulado é de particular importância para que o mecanismo seja desenhado de forma a obter
o comportamento desejado pelo regulador.
Existe um outro aspecto que torna o uso de regulação por incentivos desejável: os incentivos à inovação
tecnológica. Neste caso trata-se de uma imperfeição decorrente do desconhecimento, tanto da empresa
como do regulador, com relação às inovações possíveis. A regulação por incentivos proporciona à
empresa a possibilidade de auferir lucros extraordinários caso ela consiga, através de inovações
tecnológicas, reduzir os seus custos. Assim, a empresa regulada terá o estímulo necessário para inovar,
resultando em possíveis ganhos de bem-estar à sociedade no longo prazo.
88
O problema do free rider é a situação na qual agentes individuais não contribuem para o provimento de um bem
público (ou redução de uma externalidade negativa) na expectativa de que outros o proverão.
177
7.2 As características do setor elétrico
A geração de serviços de utilidade pública, eletricidade, telecomunicações, água, saneamento etc.,
apresenta, na maior parte dos casos, as características enunciadas nos parágrafos anteriores que justificam
a adoção de regulação. Em geral, são setores com grandes economias de escala, onde as informações
disponíveis para um grupo de agentes (as empresas) são diferentes das informações disponíveis para
outros grupos (o regulador ou os consumidores) e, na maior parte das vezes, geram externalidades. Por
esta razão, a regulação é uma característica destes setores em todos os países do mundo.
Além dessas características, a energia elétrica apresenta uma série de peculiaridades. Em todo o mundo a
energia elétrica é comercializada de forma diferente que a maioria dos bens, dado que essas
peculiaridades impõem um grau de coordenação e comprometimento de longo prazo não necessário para
a produção e comercialização da maioria dos outros bens.
A energia elétrica é um bem: (i) essencial e sua demanda é inelástica no curto prazo, ou seja, a quantidade
demandada varia pouco em relação à variação do preço; (ii) não armazenável em sua forma pura; (iii)
com características de bem público na transmissão e distribuição; (iv) tecnicamente não discriminável e
cujos fluxos não podem ser guiados através das redes de transmissão e distribuição; (v) que conta com
mercados cativos na ponta consumidora; (vi) tecnicamente não discriminável e não regulável pelo lado da
oferta, ou seja, é muito difícil para um pequeno consumidor optar por este ou aquele fornecedor de
energia. Por estas características, a energia elétrica configura-se como um bem peculiar que exige uma
infra-estrutura institucional e regulamentação detalhada para ordenar a sua comercialização, com a
participação do Estado como regulador e como planejador. É assim no mundo todo.
Os segmentos de transmissão e distribuição de energia elétrica caracterizam-se por ser um monopólio
natural, ou seja, não passível de competição. Isso ocorre porque os custos são minimizados quando esses
serviços são prestados por um único agente. A atuação de vários agentes numa mesma rota de transmissão
ou área de distribuição resultaria numa redundância de linhas de transmissão e distribuição, o que elevaria
o custo, independentemente do grau de rivalidade existente entre as empresas. Tal redundância evitaria
que a sociedade se apropriasse das economias de escala existentes nestas atividades. A operação é
otimizada com o uso compartilhado das redes, o que requer um elevado grau de coordenação, que seria
mais difícil de se obter se as empresas detentoras das redes de transmissão e distribuição concorressem
entre si. O fato de no Brasil as usinas, em geral, estarem distantes dos centros consumidores e darem
cobertura mútua quanto às variações de hidrologia local aumenta a importância do extenso sistema
interligado de transmissão.
O grau de coordenação requerido na operação do setor elétrico brasileiro é maior do que na maioria dos
países, pois a geração no Brasil é predominantemente realizada por usinas hidrelétricas de grande porte
(cerca de 95% da energia gerada) espalhadas por uma vasta área geográfica interligada. Para aproveitar as
complementaridades decorrentes da diversidade hidrológica entre as bacias é necessário que o
planejamento e a operação do sistema sejam coordenados. O uso da água precisa ser maximizado de
forma conjunta em todas as usinas de uma bacia hidrográfica, independentemente de essas usinas
pertencerem a diferentes proprietários89.
Para possibilitar a entrada e concorrência nos segmentos de geração e comercialização de energia elétrica
é necessário que o uso das redes de transmissão e distribuição seja disponibilizado para todos os agentes
de forma não discriminatória. Para isso, é necessário que os procedimentos de obtenção de acesso às
redes de transmissão e distribuição e as tarifas de uso das redes sejam estabelecidos a partir de critérios
previamente conhecidos.
Outra característica do setor elétrico é que uma proporção muito elevada dos custos é composta de custos
fixos. A maior parte dos custos é incorrida quando as usinas de geração e as redes de transmissão e
distribuição são instaladas; os custos marginais de curto prazo (custos operacionais) são relativamente
baixos. Em outras palavras, é muito caro instalar uma usina de geração e colocar as redes de transmissão
e distribuição para funcionar, mas é relativamente barato fazê-lo para fornecer a energia elétrica após a
sua inauguração e dentro de sua capacidade instalada. Além disso, esses ativos são muito específicos, não
existindo, em geral, usos alternativos, o que significa que esses investimentos são irreversíveis.
Essas características põem as empresas e investidores do setor elétrico numa situação de extrema
vulnerabilidade, pois é necessário ter-se um alto grau de confiança de que após o investimento a
89
Existem avaliações de que, no Brasil, a operação integrada acresce 22% à disponibilidade de energia do
parque gerador em relação ao que se teria se cada usina operasse isoladamente.
178
remuneração recebida será suficiente para recuperar todo o investimento inicial e o custo de
oportunidade do capital.
7.3 As características institucionais do regulador
As características do setor elétrico apontadas acima sugerem que este deve ser regulado. Porém, uma vez
decidido que um (ou vários) setor(es) deve(m) ser regulado(s), três aspectos são de grande importância no
desenho da regulação:
a)
quais as características institucionais do regulador;
b) qual o processo através do qual a empresa que irá gerar o serviço será escolhida (a concessão);
c)
como determinar as tarifas a serem pagas pelos usuários destes serviços.
O poder regulador é uma prerrogativa da sociedade como um todo e a questão básica é: quais
características devem ser exigidas da(s) instituição(ões) que será(ão) responsável(is) pelo desenho e
implementação da regulação de tal forma que os objetivos desejados pela sociedade tenham a maior
probabilidade de serem efetivamente atingidos. Obviamente, estas características irão depender dos
objetivos a serem perseguidos pelo regulador.
Os principais objetivos da regulação são gerar uma quantidade de investimentos adequada para
atender à demanda pelo serviço, em termos de qualidade e quantidade, eficiência produtiva e uma
distribuição do excedente gerado entre consumidores e produtores que seja considerada “justa”
pela sociedade.
Um candidato que, a princípio, pareceria natural para exercer o papel de regulador em uma
sociedade democrática é o governo. Isto porque, tendo sido eleito pelo voto dos cidadãos, representa a
vontade da maioria destes cidadãos e, portanto, tem a representatividade e a legitimidade necessárias para
que as regulações dele emanadas sejam seguidas. Entretanto, como veremos a seguir, exatamente
porque, em qualquer democracia, os mandatos dos governos são relativamente curtos, sua
estrutura de incentivos é incompatível com a estrutura de incentivos necessária para gerar
investimentos em setores cujo retorno do capital investido se dá no longo prazo, como nos setores de
infra-estrutura. Como um dos principais objetivos do regulador é gerar uma oferta do bem ou serviço
(em quantidade e qualidade) que seja compatível com a demanda e que a produção seja realizada ao
menor custo e vendida ao menor preço possíveis, atingir estes objetivos exige investimentos. Se a
estrutura de incentivos do governo não for capaz de induzir estes investimentos, a sociedade terá que
conviver com escassez na oferta do serviço, seja em termos de quantidade ou qualidade.
A incompatibilidade entre a estrutura de incentivos do governo e a realização de investimentos pelas
empresas decorre das próprias características tecnológicas dos setores de serviços de utilidade pública e
da impossibilidade de se desenhar contratos completos. Estes setores se caracterizam por elevadas
necessidades de investimentos com longos prazos de maturação e, uma vez instalados, não poderem ser
deslocados para a produção de outros bens ou serviços ao longo de sua vida útil. Sendo assim, o
investimento somente será realizado se a empresa tiver segurança de que os contratos assinados
quando de sua realização, inclusive no que se refere à determinação das tarifas, serão cumpridos.
Somente assim, as empresas teriam certeza de que os custos variáveis de produção serão cobertos e a
remuneração do capital investido será compatível com a taxa de retorno vigente no mercado, no longo
prazo, dado o risco específico da atividade econômica.
Por outro lado, uma vez realizado o investimento, como o capital investido não é transferível para a
produção de outros bens ou serviços sem custos relevantes para a empresa, se os contratos forem
mudados pelo regulador de tal forma que a remuneração do capital investido seja inferior a taxa de
retorno do mercado, cobrindo apenas os custos variáveis de produção, não seria racional por parte da
empresa parar de produzir o serviço. Se ela o fizer, não apenas não conseguirá remunerar seu capital, mas
também, desde que a taxa de retorno não seja negativa, estará aumentando seu prejuízo.
Dadas estas características da tecnologia, o desenho dos contratos deve ser tal que minimize a
probabilidade de o regulador utilizar o fato de o investidor não poder se desfazer de seu
investimento, caso o retorno por ele gerado não seja adequado em relação à taxa de retorno do
mercado.
É impossível desenhar contratos completos, que consigam prever todas as situações que possam vir a
ocorrer ao longo de sua vigência. Sendo assim, qualquer contrato de longo prazo deve apresentar
cláusulas que o torne passível de revisão, diante de situações imprevistas ou diante de reavaliações
periódicas pré-determinadas. Se o horizonte do regulador for de curto prazo, aumenta a probabilidade de
179
que, ao fazer estas revisões, o regulador favoreça os resultados de curto prazo e não remunere o capital
investido. O resultado é um aumento do risco do investimento, do custo de capital para a empresa e uma
redução do investimento.
O ponto importante é que, como os contratos não são completos e, portanto, sempre têm cláusulas
prevendo revisões diante de situações imprevistas, uma vez realizado o investimento, o regulado
fica “refém” do regulador. Diante disto, para reduzir a incerteza e o custo do capital, o regulador tem
que ser “confiável” para o regulado, ao longo do período de maturação do investimento, no sentido de que
o regulador não irá utilizar a condição de “refém” para mudar as condições iniciais do contrato em
detrimento do regulado.
Um exemplo deste tipo de situação ocorre nas revisões das tarifas dos serviços de utilidade pública. Se a
avaliação pública do regulador estiver inversamente relacionada aos preços cobrados pelo serviço e se o
horizonte do regulador for de curto prazo, ou seja, se o desempenho de curto prazo dominar a atuação do
regulador, as empresas não terão segurança de que as revisões contratuais irão determinar tarifas
compatíveis com a adequada remuneração do capital investido. Este aumento de incerteza eleva o custo
do capital e reduz o volume de investimentos realizados.
Como os governos têm horizonte de curto prazo, caso a função de regulador seja por eles assumida,
a tentação para se apropriar da remuneração do capital é muito alta. Como as empresas percebem
esta estrutura de incentivos, elas não investem. Como o investimento é fundamental para garantir
que a oferta do bem ou serviço, em termos de quantidade e qualidade, seja adequada à demanda, o
desafio é que o desenho institucional conseguirá atingir este (e os outros) objetivo(s) enunciados
acima.
Os parágrafos acima sugerem que uma das características do regulador é ter um horizonte de longo
prazo, para que as incertezas sejam reduzidas e os investimentos ocorram em quantidade
adequada. Porém, este é apenas um lado da relação, a proteção dos investimentos das empresas. O outro
lado é a proteção dos consumidores da possibilidade de abusos de poder de mercado pela empresa.
Do ponto de vista do consumidor (e, na maior parte das vezes, do governo), para um mesmo nível de
qualidade do serviço, quanto menor a tarifa maior seu bem estar. Do ponto de vista da firma, ao contrário,
dada a qualidade do serviço, quanto mais próxima do nível de monopólio estiver a tarifa, maior seu lucro.
A função do regulador é exatamente compatibilizar os interesses destes agentes.
Note que o risco descrito acima está relacionado, principalmente, ao processo de revisão dos contratos de
concessão dos serviços de utilidade pública e menos à concessão propriamente dita. Isto porque os
contratos de concessão são definidos antes que esta se realize. Todas as cláusulas dos contratos são
conhecidas, assim como o regulador. Portanto, o preço pago pela concessão da exploração do serviço
reflete os termos do contrato e as características institucionais do regulador. Dadas as outras condições,
quanto mais favoráveis (desfavoráveis) às empresas e quanto mais longo (mais curto) for o horizonte do
regulador, maiores (menores) serão os preços obtidos pela concessão. No caso da revisão dos contratos, o
capital já foi investido e, portanto, as empresas estão “reféns” do regulador. Neste sentido, o pior cenário
do ponto de vista dos investidores e, portanto, do ponto de vista do volume de investimentos, é que
as características institucionais do regulador sejam mudadas ao longo do período do contrato, no
sentido de reduzir o compromisso de garantir a remuneração do capital investido pela empresa.
Mudanças deste tipo aumentam a incerteza e têm um efeito ainda mais perverso sobre possíveis
investimentos futuros. Nesta questão, estabilidade de regras é fundamental.
7.4 O papel das agências regulatórias
A atuação da regulação é necessária onde existam falhas de mercados, ou seja, quando os mercados não
fornecem sinais suficientes para garantir escolhas adequadas que levem ao equilíbrio entre ofertantes e
demandantes. A tradição em países que adotam sistemas regulatórios que não têm caráter
impositivo é delegar esta tarefa às chamadas agências reguladoras autônomas. Estas agências têm
características institucionais específicas, que evitam riscos como: oportunismo político, “captura”
por um dos agentes interessados no processo de regulação, desvio do interesse público, propensão à
discricionariedade, tendência ao inchaço das agências etc. Em geral, seus diretores são indicados pelo
poder executivo e aprovados pelo legislativo, não sendo passíveis de demissão durante o período de
mandato, exceto em situações especiais. Os mandatos dos diretores não coincidem com os mandatos dos
governantes e não são coincidentes entre si. Com isto, as diretorias das agências são compostas por
membros indicados por diferentes governos. Por outro lado, respondem pela sua atuação diretamente
diante do Poder Legislativo. Têm quadros técnicos especializados, carreiras bem definidas e
180
independência financeira. Os diretores são técnicos reconhecidamente competentes, sendo em alguns
casos, mas não exclusivamente, funcionários de carreira da própria agência.
Com este desenho, as agências se tornam instituições de Estado e não de governo. Este desenho
institucional favorece uma atuação autônoma em relação ao governo, às empresas e aos consumidores e
possibilita a tomada de decisões segundo um horizonte de longo prazo. Apesar de ser impossível garantir
que tais agências não serão “capturadas” por um dos agentes envolvidos no processo regulatório, esta
estrutura tem por objetivo minimizar a probabilidade de que isto ocorra.
Sua função é incentivar investimentos necessários ao desenvolvimento econômico, promover o bemestar da sociedade e propiciar a eficiência econômica. A regulação busca reproduzir as condições de
competição para que os consumidores tenham acesso aos produtos e serviços com a qualidade e níveis de
preços que obteriam em um ambiente competitivo. A ação regulatória costuma se concentrar em três
pontos: preços, qualidade e condições de entrada e saída.
O maior desafio das agências regulatórias é encontrar o ponto de equilíbrio que viabiliza um retorno justo
aos investidores de um lado (e, portanto, a operação e o investimento das empresas) e o excedente do
consumidor, de outro, na forma de disponibilidade de bens e serviços de qualidade, a preços razoáveis. É
importante destacar que o retorno dos investidores e o excedente do consumidor não devem ser vistos
como objetivos conflitantes. No longo prazo, esses dois objetivos se confundem, e ambos promovem o
bem-estar social. É importante lembrar que o investimento visa beneficiar o consumidor futuro, reduzindo
o custo de serviço e melhorando a qualidade do serviço futuro. Também é importante lembrar que o
investidor, em última instância, nada mais é que um consumidor que opta por postergar parte do seu
consumo presente por um consumo maior no futuro.
7.4.1 Características essenciais: autonomia e credibilidade
A qualidade do desenho institucional é condição essencial para que a agência regulatória cumpra seus
objetivos com eficiência e eficácia. A principal característica de uma agência regulatória é a sua
autonomia, que tem um papel decisivo para atrair investimentos privados. Segundo Mannheimer: “a
premissa básica para a própria existência e aceitação de um órgão regulador é a sua independência”90.
No setor elétrico, devido à existência de altos custos fixos, na maioria irreversíveis, e à necessidade de
investimentos de longa maturação, é imprescindível a autonomia da agência regulatória. Isto porque o
poder concedente tem grande incentivo para não honrar seus compromissos contratuais firmados
antes do investimento, pois, uma vez realizados, o poder concedente pode se apropriar dos lucros do
investidor, rompendo ou alterando os termos do contrato (reajustando suas tarifas para baixo, por
exemplo). O investidor, diante dessas circunstâncias, não tem alternativa senão continuar fornecendo o
serviço a fim de recuperar pelo menos parte do seu investimento.
Esse comportamento é vantajoso para o poder concedente e os consumidores no curto prazo. No
longo prazo, entretanto, o comportamento oportunista do governo prejudica os consumidores, pois
reduz a credibilidade necessária para a atração de novos investimentos requeridos para a expansão
e renovação do parque gerador e das redes de transmissão e distribuição. O resultado é um
encarecimento do serviço ou uma redução da qualidade e da oferta do serviço no longo prazo.
Apesar desse comportamento oportunista ser prejudicial no longo prazo, a extração da renda do investidor
é repetidamente observada em todo o mundo, e o Brasil não é uma exceção. A história brasileira está
repleta de casos de comportamento oportunista pelo governo: moratórias no pagamento da dívida
pública, confiscos, repressão das tarifas reguladas, congelamentos de preços, manipulação de
indexadores, quebra de contratos, desrespeito aos direitos de propriedade, mudanças arbitrárias de
regras etc. O governo é muito suscetível ao ciclo político, que tende a priorizar os interesses de
curto prazo (1-4 anos) em detrimento dos interesses de longo prazo.
Por outro lado, a agência também deve manter um certo distanciamento dos agentes do setor para evitar
ser capturada pelas empresas reguladas. Assim, as ações da agência deverão ser guiadas pelas
especificidades setoriais, resistentes às influências de grupos de pressão e afastadas das implicações
macroeconômicas de forma a: (i) reduzir os riscos dos investidores – reticentes em negociar com o poder
concedente em razão das incertezas inerentes à relações com o governo, e (ii) permitir o efetivo
cumprimento da missão regulatória, contribuindo para a promoção da eficiência econômica e do bemestar social.
90
Mannheimer, S. (1998). Agências estaduais reguladoras de serviços públicos. Revista Forense 343(setembro):
221-36.
181
Para que as agências regulatórias tenham a autonomia e credibilidade necessárias, vários elementos
básicos precisam ser atendidos:
(i)
a escolha dos dirigentes da agência regulatória deve ser pautada pela notória capacidade e
especialização técnica;
(ii)
os dirigentes devem ter mandatos fixos, estando protegidos do risco de demissões
imotivadas;
(iii)
a agência regulatória deve ter independência financeira e gerencial, sendo as suas receitas
compostas por recursos orçamentários próprios, provenientes de taxas de fiscalização
cobradas das empresas reguladas.
(iv)
efetiva autoridade das decisões da agência na mediação e na arbitragem de eventuais
conflitos entre consumidores, empresas e governo nas áreas de sua competência, sem correr
riscos de questionamentos junto a outras instâncias dos poderes constituídos, salvo por
ilegalidade;
(v)
transparência no processo decisório para garantir a isenção e legitimidade social da atuação
independente da agência.
7.4.2 O processo de concessão
O segundo aspecto importante no processo regulatório consiste na definição do mecanismo pelo qual será
determinado o preço a ser pago pela(s) empresa(s) pelo direito de exploração do serviço de utilidade
pública ao longo do período do contrato ou, no caso de privatização de empresa já existente, do
mecanismo de determinação do preço de venda da empresa estatal.
A imposição de barreiras à entrada de competidores nos setores produtores de serviços de utilidade
pública traz à tona duas questões importantes: primeiro, como escolher a(s) empresa(s) que irá(ão)
produzir o serviço e, segundo, como evitar que a(s) empresa(s) escolhida(s) se aproveite(m) da ausência
real e potencial de concorrência para explorar seu poder de mercado. Note que, neste caso, como existe
apenas uma empresa (ou poucas empresas) gerando o serviço, não existe concorrência efetiva e, como a
entrada é restringida, não existe concorrência potencial de possíveis entrantes.
Existem duas formas alternativas de escolher a empresa que terá o direito de explorar o serviço91: (i) pelo
maior preço pago por esse direito ou (ii) pela menor tarifa cobrada dos consumidores. Em ambos os casos
o resultado será o mesmo do ponto de vista de eficiência, desde que a estrutura das tarifas seja adequada,
mas distinto do ponto de vista de quem se apropria do excedente gerado.
Supondo-se a existência de um número suficientemente grande de interessados em explorar o serviço e
que seja impossível uma coalizão entre eles, se a concessão for realizada através de um leilão no qual
vence a empresa que oferecer pagar ao governo o maior preço pelo direito de explorar o serviço, a
concorrência entre as empresas candidatas irá fazer com que o preço pago pela concessão será tal que
todo o excedente gerado acima daquele suficiente para que a taxa de retorno do investimento realizado
seja igual à taxa de retorno deste mesmo investimento em outros setores com características similares em
termos de risco, prazo etc., seja transferida para o poder concedente.
Supondo que, uma vez realizada a concessão, a tarifa cobrada pelo serviço seja linear, a empresa ao
maximizar seu lucro irá cobrar o preço de monopólio. A empresa receberá a taxa de retorno de mercado
que inclui a reposição do capital investido na compra da concessão e que foi apropriado pelo
concessionário. Portanto, quem efetivamente paga a concessão são os usuários do serviço, que pagam
para a sociedade como um todo, o direito de usá-lo. Em outras palavras, ocorre uma transferência de
renda dos usuários do serviço para a sociedade como um todo.
Note que, neste caso, se a concessão significa privatização de uma empresa estatal, ou a concessão de um
serviço no qual tenha ocorrido algum investimento do Estado no passado, o consumidor estaria repondo
para a sociedade o investimento por ela realizado na empresa estatal.
Como, neste caso, a tarifa paga será o preço de monopólio, o resultado não será eficiente do ponto de
vista alocativo, havendo perda de bem-estar social em relação à situação na qual a concorrência entre
empresas igualasse o preço ao custo marginal de produção. Para evitar esta ineficiência, a solução é a
adoção de tarifa não linear, por exemplo, uma tarifa em duas partes, com uma parte fixa e outra
91
Note que, além da questão da licitação da concessão, existe uma questão adicional, que não será tratada neste
trabalho, que se refere à estrutura do leilão de concessão.
182
dependendo do consumo. Uma tarifa de duas partes significa que a empresa está discriminando preços
com base na quantidade consumida pelo consumidor.
Um resultado teórico importante é que, para que uma tarifa não linear gere um resultado eficiente, ela
deve ser tal que sua parte fixa seja igual ao total de capital investido pela empresa mais o excedente do
consumidor gerado. Neste caso, o preço a ser cobrado na parte variável da tarifa irá igualar o custo
marginal de produção (ver Baron, 1989). Entretanto, apesar de uma tarifa como esta ser eficiente, em
termos de alocação de recursos todo o excedente será apropriado pela empresa regulada. Como é quase
sempre politicamente impossível implementar tais tarifas, os reguladores tendem a se contentar com uma
estrutura de tarifas que promova uma alocação o mais eficiente possível. Assim, nas licitações o governo
geralmente estabelece um preço-teto para a tarifa a ser definida pela concessionária.
A segunda possibilidade seria escolher vencedor da licitação a empresa que se propuser a gerar o serviço
cobrando por ele a menor tarifa. Também neste caso, desde que haja um número suficiente de
competidores no leilão da concessão e não haja coalizão entre eles, vencerá a firma que oferecer uma
tarifa que gere uma taxa de retorno similar àquela que seria obtida se o investimento fosse realizado em
um empreendimento similar, em termos de risco, prazo etc, ao que está sendo concedido. Novamente, a
taxa de retorno seria a taxa de retorno de mercado (ver Demsetz, 1968).
Porém, existe uma diferença no que se refere a quem se apropria do excedente gerado. Neste caso, o
excedente gerado seria apropriado pelos consumidores do serviço.
A escolha de que processo de licitação deve ser adotado depende dos objetivos da concessão. Ambas
as formas de licitação extraem a renda extraordinária do produtor (da empresa concessionária). O
que diferencia as duas formas de licitação é que no primeiro caso é o governo que se apropria do
excedente enquanto, no segundo caso, é o consumidor que se apropria do excedente. Se o objetivo
for apenas atingir um ponto o mais eficiente possível, é indiferente o método de concessão adotado,
pois a definição de tarifa não linear induz a empresa a produzir no ponto mais eficiente possível.
Porém, se além da eficiência, o poder concedente tiver objetivos distributivos, a discussão sobre a
escolha do processo irá depender de qual é a função objetivo do poder concedente no que toca à
distribuição dos ganhos gerados. Por exemplo, se uma das razões para fazer a concessão é reduzir a
dívida pública, a licitação pelo maior preço ofertado é mais indicada. Neste caso, se os recursos forem
efetivamente utilizados para reduzir a dívida, toda a sociedade é favorecida. Da mesma forma, se o
processo inclui a privatização de uma empresa estatal ou de algum ativo do Estado, o método do maior
preço repõe os gastos de investimentos realizados pela sociedade naquela atividade, reposição esta
financiada pelos consumidores do serviço privatizado, enquanto o método da menor tarifa permite que os
consumidores se apropriem dos investimentos realizados privadamente. Por outro lado, se o objetivo é
maximizar o excedente do consumidor, dadas suas preferências e seu nível de renda, o método de menor
tarifa é o mais indicado.
7.4.3 Regulação e defesa da concorrência
Outro aspecto fundamental no desenho institucional das agências regulatórias é a sua interação com os
órgãos de defesa da concorrência. Segundo Salgado (2003), as agências reguladoras atualmente cumprem
o duplo papel de estruturar mercados onde antes só havia a atuação estatal e de garantir que esses
mercados se pautem por regras predefinidas, na qual na concorrência é sempre o parâmetro que guia a
atuação legal das agências em ambas as funções.
Oliveira (2001) proporciona um arcabouço para delimitar o espaço de atuação da agência reguladora e
dos órgãos de defesa da concorrência em setores regulados. Quatro arranjos institucionais são
examinados: (i) competência exclusiva da agência regulatória setorial; (ii) competências complementares,
definindo áreas de atuação exclusiva da agência regulatória e da agência de defesa da concorrência; (iii)
competências sobrepostas; e (iv) competência exclusiva da agência de defesa da concorrência.
Considerando a flexibilidade institucional, a presença de economias de escala ou escopo nas atividades
regulatórias e de análise concorrencial, os custos burocráticos de transação, o risco de captura e o
potencial de conflito judicial, pode-se definir qual é o arranjo institucional mais apropriado. Quando
existem grandes economias de escala e escopo na regulação, altos custos burocráticos de transação e
grande potencial de conflito jurisdicional, é melhor atribuir a competência do setor totalmente à agência
regulatória ou ao órgão de defesa da concorrência, dependendo se o setor requer mais regulação técnica
ou concorrencial, respectivamente. Por outro lado, se a flexibilidade institucional for importante e o risco
de captura for elevado, competências concorrentes ou complementares entre a agência reguladora e o
órgão de defesa da concorrência constituem o arranjo institucional mais adequado, sendo o segundo mais
adequado se houver um grande potencial de conflito jurisdicional. A próxima tabela resume as virtudes
183
(indicadas pelo sinal positivo, “+”) e as limitações (indicadas pelo sinal negativo “–”) de cada arranjo
institucional à luz dos cinco critérios mencionados.
Critérios para a escolha de configuração institucional ótima
CONFIGURAÇÃO
FLEXIBILIDADE
INSTITUCIONA
L
ECONOMIAS DE
ESCALA E
ESCOPO
CUSTOS DE
RISCO DE
TRANSAÇÃO
CAPTURA
CONFLITO
JURISDICION
AL
Regulação setorial
-
+
+
-
+
Competências concorrenciais
+
-
-
+
-
Competências complementares
+
-
-
+
+
Regulação antitruste
+
+
+
-
+
INSTITUCIONAL ÓTIMA
Fonte: Oliveira (2001).
7.5 A Agência Nacional de Energia Elétrica
No Brasil a questão da credibilidade é especialmente importante devido ao legado de repetidos
planos econômicos que promoveram o rompimento de contratos, a redução do valor real das tarifas
provocadas pelos reajustes abaixo do nível da inflação etc. O elemento chave para se obter a
credibilidade necessária é o estabelecimento de uma agência regulatória realmente autônoma, livre
das pressões para o atendimento dos interesses de curto prazo.
Assim, é necessário que os investidores tenham confiança de que os contratos não serão rompidos, ou
seja, de que o governo não irá arbitrariamente interferir no processo regulatório tentando, por exemplo,
reduzir tarifas antes de uma eleição ou para controlar a inflação. Quando as regras não são cumpridas os
investidores perdem a confiança e não entram neste mercado e, conseqüentemente, ocorre um menor
desenvolvimento econômico.
A criação desta Agência insere-se na revisão do papel do Estado na economia brasileira ocorrida na
década de 90. A operação dos setores de infra-estrutura, antes efetuada pelo Estado, foi substituída pela
iniciativa privada, o que resultou numa reestruturação desses setores. Essas mudanças exigiram o
desenvolvimento de novos marcos regulatórios. Como conseqüência, foi criado um novo aparato
institucional, formado por agências regulatórias de serviços públicos recém-privatizados e órgãos de
defesa da concorrência.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, foi criada
em 1996 pela Lei 9.427. As atribuições legais da Aneel são: (i) regular e fiscalizar a geração, a
transmissão, a distribuição e a comercialização da energia elétrica, atendendo reclamações de
agentes e consumidores com equilíbrio entre as partes e em beneficio da sociedade; (ii) mediar os
conflitos de interesses entre os agentes do setor elétrico e entre estes e os consumidores;
(iii) conceder, permitir e autorizar instalações e serviços de energia; (iv) garantir tarifas justas; (v)
zelar pela qualidade do serviço; (vi) exigir investimentos; (vii) estimular a competição entre os
operadores; e (viii) assegurar a universalização dos serviços.
A Aneel foi criada como uma autarquia especial, com autonomia gerencial e financeira,
competência para normatizar questões técnicas e autonomia decisória garantida pelos mandatos
fixos de sua diretoria, cuja formação fundamentaria a qualidade técnica e a neutralidade das
decisões.
Uma avaliação do desenho institucional da Aneel e de sua implementação, à luz das características
desejadas de uma agência regulatória delineadas anteriormente, indica que o desenho da Aneel satisfaz a
maior parte das características desejadas, mas existem alguns aspectos que precisam ser
aprimorados. A próxima tabela apresenta, de forma resumida, como o desenho institucional da Aneel
visa atender às diversas características desejadas de uma agência regulatória.
184
Principais características da Aneel
Autonomia
Autarquia especial;
Delegação normativa por meio de resoluções;
Poder de arbitragem;
Orçamento próprio.
Estabilidade
Mandato fixo de 4 anos;
Mandato não coincidente;
Critérios rígidos de exoneração de diretores.
Transparência
Minutas de resoluções submetidas a audiências públicas;
Atos de investidura no cargo submetidos ao Legislativo;
Critérios rígidos de exoneração de diretores;
Ouvidor (ombudsman);
Contrato de gestão.
Especialização
Quadro técnico especializado.
Cooperação
institucional
Agências estaduais;
Secretaria do Direito Econômico (SDE).
As principais falhas do desenho institucional são:
•
a inflexibilidade na política de recursos humanos da Agência, que dificulta a contratação e
retenção de pessoal qualificado;
•
a baixa transparência do processo de tramitação e decisão dentro da Aneel. Esse problema
poderia ser minimizado introduzindo-se um processo decisório formal no qual as decisões da
Aneel fossem realizadas por votação dos diretores, em reunião aberta, com exposição de
motivos, para proporcionar o máximo de transparência;92
•
a multiplicidade de fóruns nos quais os agentes podem apelar das decisões da Aneel, que
também contribui para prorrogar as incertezas quanto à validade das decisões da Agência. Para
minimizar esse problema dever-se-ia definir um único fórum especializado ao qual todas as
apelações às decisões da Aneel seriam submetidas;
•
o processo de prestação de contas da Agência é pouco eficaz. O processo de avaliação e
aprimoramento da Agência deveria concentrar-se na função da Agência, tendo em vistas
possíveis alterações na legislação que regulamenta sua atuação, tendo-se muito cuidado para não
ferir a independência da Aneel no processo. Levando em consideração a necessidade de
independência da Agência, a prestação de contas das decisões tomadas deveria se fazer não ao
Executivo, mas sim perante comissões especializadas do Legislativo, de preferência, do Senado.
Assim, a legislação que regulamenta a atuação da Agência poderia ser aprimorada ao longo do
tempo.
Com relação ao desempenho da Aneel, destacam-se alguns episódios de interferência do governo que
ferem o princípio de autonomia da Agência:
•
a criação da Câmara de Gestão da Crise de Energia para intervir no setor, por ocasião do
racionamento implementado em 2001;
•
o contingenciamento dos recursos financeiros da Agência, em 2003;
•
a determinação de não repasse da variação cambial para as tarifas em 2003.
Adicionalmente, as Revisões Tarifárias Periódicas das Distribuidoras, promovidas pela própria Aneel,
apresentaram várias alterações, como a criação da “empresa de referência” e a alteração de Base de
Remuneração, alterações que afetam negativamente o fluxo de caixa das distribuidoras.
São exemplos de intervenções, e no último exemplo, de incertezas quanto ao comportamento do
regulador, que prejudicaram a credibilidade do marco regulatório brasileiro em relação ao grau de
autonomia da agência regulatória.
92
A Aneel já aprimorou muito a transparência da agência através da implementação de audiências públicas, nas quais
as minutas de resoluções são apresentadas para receber críticas e sugestões e são feitos relatórios das contribuições.
185
7.6 A regulação de tarifas
A Aneel segmenta a receita requerida de cada distribuidora através de dois componentes: (i) a “Parcela
A”, que consiste nos custos não gerenciáveis da distribuidora, isto é, os custos dos elos a montante da
distribuição, que são repassados ao consumidor; e (ii) a “Parcela B”, que consiste nos custos gerenciáveis
da distribuidora. A Parcela B é regulada pela Aneel sob o regime de preço-teto e da regulação por
comparação.
O regime de preço-teto consiste na fixação de uma tarifa (o preço) para a energia fornecida pela
distribuidora por um prazo fixo. A tarifa deve ser fixada num nível que proporcione à distribuidora uma
receita suficiente para cobrir os investimentos requeridos, os custos operacionais e o amortecimento dos
investimentos passados. No período entre revisões tarifárias (também referido como reposicionamento
tarifário), a tarifa é mantida fixa sendo reajustada somente por um indexador pré-definido para preservar
o seu valor real. Além disso, a tarifa pode ser ajustada pelo “fator X” definido pelo regulador, que visa
compartilhar parte dos ganhos (ou perdas) de eficiência esperados no período com o consumidor.
Na revisão tarifária o preço de cada distribuidora é revisto levando-se em conta a “receita requerida”, isto
é, a receita necessária para cobrir “custos eficientes de operação e remunerar adequadamente os
investimentos incorridos com prudência”. A receita requerida é estimada levando-se em conta um estudo
comparativo de todas as empresas de distribuição, de acordo com os princípios de “regulação por
comparação”. Para determinar a receita requerida quatro componentes precisam ser calculados: (i) a base
de remuneração, (ii) o custo do capital, (iii) os custos operacionais e (iv) os novos investimentos
requeridos.
A base de remuneração é definida a partir do valor novo de reposição dos ativos dedicados à prestação do
serviço regulado da empresa calculado pelo método de “avaliação patrimonial a valor de mercado”. Os
ativos são depreciados mediante a aplicação de taxas definidas no Manual de Contabilidade do Serviço
Público de Energia Elétrica. Por esse critério, a contabilização dos ativos é baseada no custo corrente de
substitui-los por outros bens que efetuem os mesmos serviços e tenham a mesma capacidade dos ativos
existentes. Os efeitos de inovações tecnológicas não são diretamente considerados. Conforme a Nota
Técnica no 30/2003/SRE/Aneel, a base desse valor será comparada com “referenciais construídos pela
Aneel” 93, com vistas a “evitar que o consumidor remunere ativos cujo valor exceda o necessário para a
prestação do serviço”. A base de remuneração é composta de cinco componentes: ativo imobilizado em
serviço, almoxarifado de operação, ativo diferido, obrigações especiais e capital de giro.
O custo de capital da empresa é calculado utilizando-se o custo médio ponderado do capital próprio e de
terceiros. A Aneel arbitra a estrutura de capital que ela considera ser razoável. O custo do capital de
terceiros é auferido adicionando-se à taxa livre de risco os prêmios de risco compatíveis com o risco de
crédito da empresa regulada. O custo de capital próprio é determinado utilizando-se a metodologia CAPM
(capital assets pricing model).
O CAPM estima a taxa de retorno do capital próprio adequada para o nível de risco associado à
determinada atividade econômica. Nesse modelo se estabelece uma relação linear entre a rentabilidade e a
taxa de risco das diversas opções de investimento, de acordo com a seguinte fórmula:
R = Rf + β (Rm – Rf) + Ro,
onde:
R é a taxa de retorno adequada para a remuneração da atividade em questão;
Rf é o retorno de um ativo sem risco (tipicamente medido pelo rendimento dos títulos do
Tesouro dos EUA);
β é a medida de até que ponto os ganhos se deslocam com o mercado constituído por
uma combinação de todos as opções de investimento, cada um ponderado por sua
participação;
(Rm – Rf) é a diferença entre o retorno esperado da carteira de mercado e a taxa livre de
risco (prêmio de risco).
93
Apesar de a Nota Técnica 030/2003/SER/Aneel fazer referência à regulação por comparação (“referenciais
construídos pela Aneel”) na determinação da base de remuneração, a metodologia delineada na Resolução Aneel
493/2002 não faz menção ao uso de estudos comparativos. A Resolução concentra-se na definição de critérios e
procedimentos para a avaliação da base de remuneração das concessionárias por empresas avaliadoras independentes.
186
O termo Ro foi acrescentado à fórmula tradicional para incorporar outros riscos (o risco
país, o risco regulatório etc.).
O prêmio de risco de mercado, (Rm – Rf), é calculado a partir da diferença entre o rendimento médio de
um conjunto de empresas e o rendimento médio dos títulos do governo. O coeficiente β ajusta o risco do
mercado como um todo ao risco do negócio em questão. Esse coeficiente geralmente é estimado através
de uma regressão simples entre o rendimento do negócio específico e do mercado como um todo. Devido
à dimensão e estabilidade da economia dos EUA e à disponibilidade de dados, geralmente esse cálculo é
realizado para a economia americana e depois ajustado para o país em questão adicionando o risco país e
outros que possam ser relevantes, Ro.
Para estimar os custos operacionais da empresa, a Aneel adota o conceito do custo de uma “empresa de
referência”. Para isso, a Aneel aufere o custo operacional que seria incorrido por uma empresa eficiente
baseando-se nos custos de empresas atuando em áreas de concessão com as mesmas características
geográficas (tais como: a participação de consumidores ligados em cada nível de tensão; a densidade
demográfica; as características do relevo etc). Esse é um dos aspectos mais controversos do regime
regulatório adotado pela Aneel.
7.6.1 A regulação por incentivos
O regime de preço-teto é uma prática moderna de regulação por incentivos que vem sendo
crescentemente empregado em todo mundo. A regulação por incentivos proporciona duas vantagens
básicas, em contraposição com a regulação pelo custo de serviço: (i) a introdução de uma estrutura de
incentivos permite à empresa regulada buscar a eficiência; e (ii) a possibilidade de conduzir uma
regulação menos intrusiva. A introdução de uma estrutura de incentivos é considerada um elemento
muito importante, tendo em vista problemas clássicos dos setores regulados como o sobreinvestimento (efeito Averch-Johnson), a baixa inovação tecnológica e a adaptação lenta às novas
condições de mercado. Uma estrutura de incentivos deve mitigar esses problemas, promovendo grandes
benefícios sociais no longo prazo. Da mesma forma, a adoção de uma forma de regulação menos
intrusiva possibilita a redução do custo de regulação e a redução de possíveis distorções provocadas
pelo regime regulatório. Tais efeitos são importantes tendo em vista a assimetria de informações entre as
empresas reguladas e a agência reguladora, o que limita o seu poder de intervenção. Na prática, a
implementação do regime de preço-teto tem sido mais difícil e controversa do que se esperava. Os
principais problemas têm sido (i) a definição do fator X e (ii) a definição da tarifa inicial após cada
evento de Revisão Periódica.
O regime de preço-teto deveria ser mais importante do que o fator X, pois a introdução de uma estrutura
de incentivos induz os agentes a buscarem ganhos de eficiência. Uma empresa “acomodada”, entretanto,
poderá encarar o regime de preço-teto mais como uma restrição do que um incentivo. Neste caso, a
introdução de um redutor do preço-teto, através do fator X, pode ser um instrumento importante para
forçar as empresas acomodadas a otimizar as suas operações para aumentar a sua eficiência. É difícil
estimar qual é o ganho de eficiência plausível para uma determinada empresa, o que torna a definição do
fator X muito polêmica.
Dois aspectos devem ser considerados na definição do fator X. Primeiramente, o regulador deve buscar
identificar até que ponto os ganhos de eficiência das distribuidoras decorrem do dispêndio de esforço ou
da adoção de melhores tecnologias. No primeiro caso os ganhos de eficiência só ocorrem à medida que há
um dispêndio de esforço acima do normal. Já no segundo caso, os ganhos de eficiência são permanentes.
Em ambos os casos é necessário recompensar a iniciativa, pois, no primeiro caso, se não houver uma
recompensa pelo esforço despendido, os agentes se acomodarão, voltando à produtividade normal; e, no
segundo caso, a obtenção de ganhos de eficiência decorre de investimentos em novos equipamentos, ou
da introdução de novas formas de organização, técnicas ou processos que envolvem custos de
implementação e precisam ser remunerados. Em muitos casos, esses esforços ou investimentos são
intangíveis, isto é, não são quantificáveis contabilmente, o que torna praticamente impossível o
monitoramento desses esforços e investimentos pelo regulador. Para que haja um incentivo para se
promover novos ganhos de eficiência é necessário que parte dos ganhos de eficiência seja
apropriada pela empresa.
Em segundo lugar, o regulador deve adotar critérios objetivos e previsíveis para a definição do
fator X. Se a definição do fator X for muito arbitrária, ela resultará numa elevação do risco
regulatório prejudicando novos investimentos no setor. Tendo em vista que os intervalos entre as
revisões tarifárias no Brasil são relativamente curtos (4 a 5 anos), seria mais apropriado utilizar o fator
X de forma defasada de modo a repassar os ganhos de eficiência já alcançados de forma gradual no
187
período seguinte. Isso proporcionaria um retorno maior para as empresas que conseguissem aumentar a
eficiência de suas operações e reduziria a arbitrariedade na definição do fator X. O fator X poderia ser
baseado nos ganhos de eficiência da própria empresa ou em ganhos de eficiência factíveis à empresa,
dada a experiência de outras empresas do setor em condições similares.
A metodologia de definição do fator X utilizada pela Aneel adota três componentes: (i) a estimativa dos
ganhos de produtividade da distribuidora no período tarifário; (ii) o prêmio ou penalidade associada à
satisfação do cliente da distribuidora; e (iii) o reajuste com base na inflação a partir de uma média
ponderada de custos reajustados pelo IGP-M e pelo IPCA (os custos referentes aos “materiais e equipes”
são reajustados pelo IGP-M e os custos referentes à “mão-de-obra” são reajustados pelo IPCA).
O componente baseado na estimativa dos ganhos de produtividade da distribuidora é calculado utilizandose o método de fluxo de caixa descontado para estabelecer os ganhos de produtividade esperados no
período tarifário considerado. Os ganhos esperados são definidos utilizando-se o conceito de empresa de
referência. Os ganhos de produtividade que superarem os previstos serão apropriados pela empresa
durante o período tarifário. Na definição de ganhos de produtividade são considerados o número de
clientes, o montante de energia vendido, o crescimento do PIB, os investimentos a serem realizados pela
distribuidora, os custos operacionais eficientes, a depreciação e o imposto de renda.
A parte mais controversa dessa metodologia para a definição do fator X é o componente
determinado pelo grau de satisfação do cliente. A definição é baseada no Índice Aneel de Satisfação do
Consumidor (IASC), obtido através de pesquisas de opinião. Trata-se de um critério baseado na
percepção dos clientes, que é subjetiva e depende das expectativas e da experiência passada dos clientes,
além de fatores conjunturais como campanhas políticas ou de imprensa94. Além disso, a metodologia é
comparativa, variando conforme a posição relativa das empresas.
O terceiro componente do fator X é uma forma de alterar o indexador das empresas que fere os termos do
Contrato de Concessão.
A dificuldade de se definir a tarifa inicial para o período tarifário não é um problema novo. Esse problema
sempre existiu. Trata-se do problema de superar a assimetria de informações para definir qual é o nível
adequado para a tarifa. O regime de preço-teto visa reduzir esse problema fixando a tarifa por períodos de
tempo maiores, minimizando assim a necessidade de revisões tarifárias. Devido às alterações nas
condições de mercado e dos custos das empresas, é necessário, de tempos em tempos, reavaliar o nível
das tarifas de modo que elas reflitam as condições correntes. A instabilidade macroeconômica histórica
no Brasil faz com que as revisões tarifárias sejam mais importantes e freqüentes do que em países
mais estáveis. A definição da base de remuneração é um dos aspectos mais controversos na
regulação de tarifas.
A estratégia mais promissora para superar o problema da assimetria de informação é a regulação
por comparação, desde que certos princípios sejam respeitados, conforme próximo tópico.
A regulação por comparação pode proporcionar uma estrutura de incentivos ainda mais forte para induzir
a empresa a adotar melhores práticas e reduzir os seus custos.
7.6.2 A regulação por comparação
Como mencionado anteriormente, a regulação por comparação é utilizada explicitamente para se
estabelecer o custo operacional e, possivelmente, a base de remuneração das concessionárias na
determinação da receita requerida da concessionária. Apesar de não ser explicitamente apresentada como
regulação por comparação, todos os componentes da tarifa são de alguma forma balizados pela regulação
por comparação. A metodologia CAPM utilizada para determinar o custo do capital é baseada num estudo
comparativo do custo de captação de empresas de nível de risco semelhante. A definição do custo dos
investimentos requeridos também é elaborada comparando-se o custo de outras empresas no setor ou os
preços dos principais insumos praticados pelos fornecedores no mercado da concessionária.
94
Um exemplo de distorções comuns em avaliações de imprensa costuma ser a publicação do ranking de empresas
que sofrem reclamações de consumidores, classificado por número absoluto de reclamações. Empresas que prestam
serviços universais, como energia elétrica, têm grande chance de aparecerem nos primeiros lugares desses rankings,
pois mesmo tendo uma percentagem muito pequena de clientes insatisfeitos, o número final é elevado. E a publicação
de tais avaliações não científicas pode induzir a resultados distorcidos em pesquisas de opinião.
188
A regulação por comparação visa proporcionar à agência regulatória uma forma de contornar a assimetria
de informações. No regime de custo de serviço, o regulador define a tarifa a partir das informações
fornecidas pela empresa regulada. Essas informações podem ser auditadas para verificar a sua veracidade,
mas a agência regulatória não dispõe de um mecanismo muito eficaz para determinar se a empresa está
sendo bem administrada. Comparando os custos de uma empresa com a de outras – ajustados para as
características da área de concessão considerada – pode-se obter uma estimativa do que poderia ser o
custo da empresa se ela fosse gerenciada de forma diferente. Isso pode ser feito utilizando modelos
econométricos. No Reino Unido, por exemplo, os custos operacionais são estimados a partir de uma
regressão considerando o número de consumidores, quantidade de energia elétrica comercializada e a
extensão da rede de distribuição. Assim, pode-se estimar o custo da empresa incorporando informações
de outras empresas e estabelecer o mínimo custo factível.
A regulação por comparação é um complemento natural do regime de preço-teto, pois ela proporciona
uma forma de se definir as tarifas que beneficiam as empresas mais eficientes e penalizam as empresas
menos eficientes.
A aplicação desta metodologia não é simples e está sujeita a erros. Em todo o mundo a adoção da
regulação por comparação tem sido controversa e difícil. Por isso, é importante que o regulador seja
cauteloso na sua implementação para não comprometer o desempenho do setor no longo prazo. Se a
adoção dessa metodologia resultar em tarifas demasiadamente baixas, o desempenho das empresas
poderá ser afetado de forma significativa, comprometendo os investimentos futuros no setor.
Para minimizar o risco de inviabilizar uma empresa regulada ao fixar uma tarifa mais baixa é
importante adotar alguns cuidados: (i) estabelecer critérios objetivos, transparentes e constantes ao
longo do tempo, (ii) estabelecer prazos razoáveis para as empresas se adequarem aos padrões mais
eficientes e (iii) permitir que os parâmetros adotados para a “empresa de referência” estabelecidos
pela Aneel sejam contestados pelas empresas.
A falta de critérios objetivos foi um dos problemas enfrentados no Chile, por exemplo. Nesse país, a
metodologia adotada para definir os custos da empresa de referência é estabelecida pelas empresas de
consultoria empregadas para auxiliar na definição dos custos das empresas. Essa diversidade de
metodologias resultou em divergências principalmente quanto à definição de custos administrativos, o
que levou a discrepâncias crescentes e à contestação do processo no judiciário. A consistência dos
critérios ao longo do tempo também é essencial. A agência regulatória da Inglaterra, o Ofgem, optou por
manter inalterada a metodologia de definição da base de remuneração das empresas de distribuição para
minimizar o risco regulatório, mesmo considerando que a definição em vigor permitia ineficiências95.
Esse é um aspecto importante a ser considerado pela Aneel, pois por mais distorcida que seja a base de
remuneração das empresas estabelecida no passado, as privatizações foram realizadas considerando-se
esse regime regulatório nos seus estudos de fluxo de caixa.
Quando os custos estimados para a empresa de referência são muito inferiores aos da empresa
regulada é necessário proporcionar um prazo suficientemente longo para que a empresa possa se
adequar aos padrões mais eficientes. Além disso, ganhos de eficiência podem requerer mais
investimentos, elevando o custo no curto prazo. Adicionalmente, para evitar erros decorrentes da
omissão de fatores específicos da empresa regulada, é importante permitir que a empresa apresente
uma justificativa quando ela alegar que seus custos são mais elevados do que a receita requerida
calculada pelo regulador. O Ofgem, por exemplo, requer que a empresa revise a sua estimativa de
custos, ou que apresente uma justificativa para seus custos, quando estes são elevados em relação ao resto
do mercado. Ainda, consultores independentes são contratados para proporcionar uma terceira avaliação
dos custos da empresa.
Dadas as dificuldades enfrentadas na implementação da regulação por comparação e os erros constatados,
as agências regulatórias seriam prudentes em empregar a regulação por comparação com muita cautela.
As agências regulatórias não devem desprezar o fato de que a estimação de custos das empresas a partir
do conceito de “empresa de referência” pode resultar em graves erros com custos elevados para a
sociedade no longo prazo.
Dado o elevado do custo de capital no Brasil e a elevada participação dos custos fixos no setor elétrico,
talvez fosse o caso de se minimizar a discricionariedade da agência regulatória nos reajustes tarifários
periódicos, não se desviando muito da base de remuneração e custos operacionais efetivos das empresas.
Neste caso, mesmo que as tarifas resultantes fossem mais elevadas, no longo prazo as tarifas poderiam ser
95
Weyman-Jones (2001), p. 244.
189
menores devido à redução do risco do investidor, o que reduziria o custo do capital e otimizaria as
decisões de investimento.
7.7 O licenciamento ambiental
Outro elemento de fundamental importância para garantir a realização de investimentos no setor elétrico é
o estabelecimento de um processo de licenciamento ambiental eficiente. Investimentos na expansão do
sistema elétrico precisam ser aprovados pelos órgãos de defesa do meio ambiente. No âmbito federal essa
tarefa é delegada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama). Muitos
estados e municípios também possuem órgãos de licenciamento ambiental. O licenciamento ambiental é
de grande importância para se avaliar os impactos de cada projeto sobre o meio ambiente e para
estabelecer condições para mitigar ou compensar os efeitos sobre o meio ambiente. Por outro lado, à
medida que o processo de licenciamento e os critérios empregados se tornam imprevisíveis, o risco dos
empreendimentos no setor elétrico aumenta, elevando o custo dos investimentos e provocando atrasos na
sua implementação. Por isso, é essencial que esse processo seja regido de forma tempestiva, seguindo
rigorosamente critérios pré-estabelecidos, sem interferências políticas.
Infelizmente não é isso o que se observa. O licenciamento ambiental não é realizado de forma
tempestiva, os critérios de avaliação não são consistentes e observam-se flagrantes interferências
nos órgãos estaduais de licenciamento ambiental. Os atrasos na instalação de novas usinas de geração
elétrica ocorrem principalmente em função das dificuldades e da demora na obtenção de licenciamento
ambiental. Por exemplo, nos seis meses anteriores à redação deste relatório, duas usinas – a usina
hidrelétrica de Itapebi e a usina termelétrica de Três Lagoas – sofreram atrasos na data de entrada em
operação devido à não obtenção da licença de operação96.
O próximo gráfico apresenta o resumo geral dos novos empreendimentos de geração compilados pela
Aneel. Somente um terço das novas usinas planejadas para entrar em operação nos cinco anos
contemplados deverão seguir o cronograma original. Cerca de 40% sofrerá atrasos e mais de 25% das
usinas estão praticamente inviabilizadas. Esse último dado é o mais assustador. Considerando que cerca
de um quarto dos projetos estão sendo inviabilizados, torna-se muito difícil planejar a expansão do
parque gerador. Parte desses empreendimentos foi inviabilizada pela não obtenção de licenças
ambientais. Por exemplo, em junho de 2003, a concessão da hidrelétrica de Santa Isabel, no rio Araguaia,
foi devolvida devido a dificuldades na obtenção da licença ambiental. Segundo o consórcio formado por
BHP, Billiton, Alcoa, Vale do Rio Doce, Votorantim e Camargo Corrêa, a devolução deve-se ao fato de
que o Ibama considera que o rio Araguaia deve permanecer “virgem” em geração de energia.97 Isso
indica que os critérios de licenciamento ambiental precisam ser melhor explicitados para que os
empreendedores não percam tempo e dinheiro desenvolvendo projetos ambientalmente inviáveis ou
muito problemáticos.
Andamento de novas usinas concedidas e autorizadas (MW)
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
2003
2004
sem impedimentos
2005
2006
existem impedimentos
2007
graves problemas
Fonte: Aneel, 15/06/2003.
96
Essa situação tem, recentemente, dificultado inúmeros empreendimentos, e não apenas hidrelétricas. São muitos os
exemplos ocorridos na construção ou ampliação de estradas, ou, ainda, no próprio setor elétrico, gasodutos para
alimentar termelétricas ou uso de água para resfriamento.
97
O Valor, 24/06/2003.
190
Os noticiários apresentam casos flagrantes de interferência política nos órgãos de licenciamento
ambiental estaduais. Por exemplo, a Governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Garotinho, afirmou que a
licença ambiental para a construção de um oleoduto ligando a Bacia de Campos (RJ) a Guarema (SP) não
será concedida. Nas palavras da Governadora: “Não será dada a licença ambiental. Queremos que o
petróleo que produzimos seja processado no estado.” A obstrução do licenciamento ambiental do
gasoduto visa forçar a Petrobras a construir uma nova refinaria no estado do Rio de Janeiro para aumentar
a receita fiscal do estado98. Obviamente, essa resistência à concessão de licença ambiental para o
oleoduto não decorre de critérios ambientais, pois o impacto ambiental de uma refinaria seria
maior do que o do oleoduto. Trata-se de um nítido exemplo de que a atuação do órgão ambiental é
subordinada e manipulada pelo governo estadual para fins não relacionados ao meio ambiente.
Outro exemplo é proporcionado pelo Instituto Ambiental do Paraná, que suspendeu o processo de
licenciamento ambiental de 20 pequenas centrais hidrelétricas no estado por ordem do governador
Roberto Requião, alegando que a decisão de desenvolvimento dos recursos energéticos dos rios no estado
é competência exclusiva do Governador99. Independente do mérito do argumento, a interferência direta
através do órgão de licenciamento ambiental do estado demonstra que esse órgão é totalmente
subordinado ao governo do estado. Essa relação prejudica a análise técnica no licenciamento
ambiental, tornando-a um processo de natureza primordialmente política.
Um exemplo similar desse tipo de atitude foi noticiado pela Gazeta Mercantil em 19/08/2003, que
reproduzia o comunicado da Vale do Rio Doce informando que “o Pará descumpre os dispositivos
constitucionais por agir além da sua competência”. Tal afirmação refere-se a dispositivo aprovado na
semana anterior pela Assembléia Legislativa daquele estado que criava a figura do “poluidor-pagador”,
cujo objetivo é cobrar indenização de 10% pelos danos causados ao meio ambiente em decorrência da
exploração de recursos minerais. Segundo a Vale, a medida causa surpresa, pois a "Constituição já
determina ao minerador que recupere a área degradada". Evidenciou-se, na verdade, que o estado do Pará
quis retaliar a Vale, pelo fato de a mineradora escolher o Maranhão e não o Pará para instalar seu pólo
siderúrgico. O processo de escolha do local mais apropriado para a instalação da indústria foi resultado de
uma guerra fiscal entre os dois estados envolvidos. Como o Maranhão ofereceu mais vantagens aos
investidores, o governo do Pará está partindo para a retaliação pelo encarecimento do principal insumo da
nova siderúrgica.
7.7.1 A política nacional do meio ambiente
Conforme a Lei 6.938/81, a Política Nacional de Meio Ambiente tem como objetivo: “a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental, propícia à vida, visando assegurar, no país, condições
de desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da vida
humana”. Note que a lei define o objetivo da política ambiental em termos desenvolvimentistas e não
como algo que se contrapõe ao desenvolvimento. Nesse sentido, o licenciamento ambiental não deve
ser um entrave ao investimento e sim um orientador do investimento.
A missão do Ibama é delineada em 14 objetivos: (i) reduzir os efeitos prejudiciais e prevenir acidentes
decorrentes da utilização de agentes e produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como seus
resíduos; (ii) promover a adoção de medidas de controle de produção, utilização, comercialização,
movimentação e destinação de substâncias químicas e resíduos potencialmente perigosos; (iii) executar o
controle e a fiscalização ambiental nos âmbitos regional e nacional; (iv) intervir nos processos de
desenvolvimento geradores de significativo impacto ambiental, nos âmbitos regional e nacional; (v)
monitorar as transformações do meio ambiente e dos recursos naturais; (vi) executar ações de gestão,
proteção e controle da qualidade dos recursos hídricos; (vii) manter a integridade das áreas de preservação
permanentes e das reservas legais; (viii) ordenar o uso dos recursos pesqueiros em águas sob domínio da
União; (ix) ordenar o uso dos recursos florestais nacionais; (x) monitorar o estado de conservação dos
ecossistemas, das espécies e do patrimônio genético natural, visando à ampliação da representação
ecológica; (xi) executar ações de proteção e de manejo de espécies da fauna e da flora brasileiras; (xii)
promover a pesquisa, a difusão e o desenvolvimento técnico-científico voltados para a gestão ambiental;
(xiii) promover o acesso e o uso sustentado dos recursos naturais e (xiv) desenvolver estudos analíticos,
prospectivos e situacionais verificando tendências e cenários, com vistas ao planejamento ambiental.
Apesar de os órgãos ambientais geralmente serem vistos como exercendo um papel
antidesenvolvimentista (“negativo”), a lista de objetivos apresentada acima define a missão do Ibama em
termos primordialmente desenvolvimentistas (“positivo”). Os verbos utilizados nessa lista refletem essa
98
99
Gazeta Mercantil 27/06/2003.
Gazeta do Povo 17/06/2003.
191
visão pró-ativa. Dos 14 verbos utilizados, sete são positivos (promover, desenvolver e executar),
quatro são neutros (manter e ordenar) e três negativos (manter, intervir e reduzir), da perspectiva
desenvolvimentista.
Para que o Ibama possa de fato cumprir a sua missão é importante que a instituição passe a atuar de forma
mais pró-ativa em vez de reativa. Isto requer que a instituição atue de forma mais previsível para que os
próprios empreendedores possam internalizar a análise ambiental, isto é, que os empreendedores possam
fazer a sua própria avaliação da viabilidade ambiental do projeto.
7.7.2 O processo de licenciamento ambiental
A Lei 7.804/89 atribui ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) a
competência para o licenciamento de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito
nacional ou regional (que afete, no todo ou em parte, o território de dois ou mais estados). A Resolução
CONAMA 237/97 estabelece os princípios para a descentralização do processo de licenciamento
ambiental. No processo, é considerado o exame técnico realizado pelos órgãos ambientais dos estados e
municípios em que o empreendimento se localizar, requer-se uma certidão da Prefeitura Municipal
declarando que o local e o tipo de atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e
ocupação do solo e, quando necessário, a autorização de supressão de vegetação (regido pelo Código
Florestal, Lei 4.771/65) e a outorga para o uso da água, emitidas pelos órgãos competentes.
O licenciamento ambiental é o ato administrativo pelo qual o Ibama estabelece as condições, restrições e
medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor na localização, instalação,
ampliação e operação de empreendimentos utilizadores de recursos naturais, potencialmente poluidores
ou que possam causar degradação ambiental.
O processo de licenciamento ambiental apresenta três etapas básicas: (i) a Licença Prévia, (ii) a Licença
de Instalação e (iii) a Licença de Operação. Cada etapa visa avaliar diferentes aspectos do projeto. A
Licença Prévia (LP) estabelece as condições para a viabilidade ambiental do empreendimento em suas
fases de planejamento e concepção. O objetivo é incluir a análise ambiental na concepção do projeto a
fim de minimizar o impacto ambiental. Para a obtenção da LP é necessário realizar o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) e o correspondente Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA).100 O EIA e RIMA
devem ser elaborados por profissionais legalmente habilitados e devem seguir as diretrizes e abranger
todos os aspectos estabelecidos no Termo de Referência fornecido pelo Ibama para o projeto. A LP define
as condicionantes para que o projeto seja aprovado. A Licença de Instalação (LI) precede o efetivo início
de implantação do empreendimento. Ela é expedida após a análise das especificações do projeto
executivo do empreendimento e da apresentação dos planos, programas e projetos a serem implementados
em conformidade com as condicionantes definidas na LP. A última etapa é a obtenção da Licença de
Operação (LO), que autoriza o início da operação do empreendimento. A LO é expedida após a
verificação de que todas as condicionantes constantes na LP e LI foram atendidas e que os equipamentos
de controle de poluição estão em funcionamento. Os prazos para a emissão de cada licença dependem da
modalidade da licença e das normas federais e estaduais vigentes, mas não deve exceder 6 meses ou 12
meses quando um EIA/RIMA e audiências públicas forem requeridos. A contagem do prazo é suspensa
durante a elaboração de complementações e esclarecimentos pelo empreendedor.
Conforme a Resolução CONAMA 001/86, os seguintes empreendimentos no setor elétrico são
considerados de significativo impacto ambiental e, portanto, requerem licenciamento ambiental:
usinas nucleares, usinas de geração com uma potência superior a 10 MW, linhas de transmissão em
voltagem acima de 230 kV. O quadro seguinte apresenta o processo de concessão de aproveitamentos
hidrelétricos e mostra em que estágio cada uma das etapas de licenciamento ambiental ocorre.
100
Para projetos de pequeno impacto ambiental o EIA e RIMA não são necessários.
192
Processo de concessão de aproveitamentos hidrelétricos
Aprovação Estudos
de Viabilidade
LICITAÇÃO
Outorga Potencial
Contrato de
Concessão
Aprovação
Projeto Básico
Aprovação Estudos
de Inventário
INVENTÁRIO
Início Operação
Comercial
VIABILIDADE
LP
Licença
Prévia
PROJETO
BÁSICO
PROJETO
EXECUTIVO /
OPERAÇÃO
CONSTRUÇÃO
LI
Licença de
Instalação
LO
Licença de
Operação
Renovação
Fonte: Aneel.
Empreendimentos que provoquem perda de biodiversidade e de recursos naturais terão que pagar uma
taxa de compensação ambiental cujo valor será definido pelo Ibama, e será proporcional aos custos totais
previstos para a implantação do empreendimento. Os recursos obtidos com essa compensação são
destinados à implantação e manutenção de unidades de conservação tais como: estações ecológicas,
reservas biológicas, parques nacionais, monumentos naturais e refúgios de vida silvestre. Além dessa
compensação, conforme o Decreto 95.733/88, os projetos de médio e grande porte, executados total ou
parcialmente com recursos federais, com “efeitos negativos de natureza ambiental, cultural e social”,
deverão destinar no mínimo 1% do orçamento do projeto para a prevenção ou correção desses efeitos.
Em 2001, conforme determinado pela Câmara de Gestão da Crise do Setor Elétrico, foi estabelecido um
procedimento de licenciamento simplificado para os empreendimentos necessários ao incremento da
oferta de energia elétrica com pequeno potencial de impacto ambiental. Os prazos e procedimentos a
serem seguidos para esses empreendimentos estão delineados na Resolução CONAMA 279/01. Para esses
empreendimentos um Relatório Ambiental Simplificado (RAS) e um Relatório Detalhado dos Programas
Ambientais (RDPA) substituem o EIA e o RIMA.
7.7.3 Aprimorando o processo de licenciamento ambiental
Para que o licenciamento ambiental seja eficiente é importante que o processo e os critérios de análise
sejam sistematizados e padronizados. A sistematização e padronização também são importantes para que
a análise ambiental seja mais previsível e possa ser internalizada pelos empreendedores. Essa tarefa é
especialmente desafiadora porque o processo de licenciamento ambiental é descentralizado, envolvendo
dezenas de órgãos ambientais em todos os estados. Da mesma forma, é necessário investir na capacitação
do pessoal e na instrumentalização, racionalização e desburocratização dos órgãos ambientais para dar
mais agilidade ao processo de licenciamento ambiental.
O processo de licenciamento ambiental também pode ser aprimorado através de especialização e de
iniciativas pró-ativas. Esforços neste sentido incluem (i) a elaboração de guias e manuais específicos para
orientar a análise ambiental de projetos em determinadas áreas, (ii) a formação de equipes especializadas,
e (iii) uma interação estreita no planejamento da matriz energética realizado no âmbito do Conselho
Nacional de Política Energética.
O Ibama tem feito esforços neste sentido, tais como: (i) a criação do Centro de Licenciamento Ambiental
Federal; (ii) a elaboração de manuais e guias, dentre os quais destacam-se o Guia de Procedimentos do
Licenciamento Ambiental Federal, o Manual de Procedimentos do Licenciamento Ambiental Federal e
outros três manuais setoriais em elaboração (Energia, Mineração e Transportes); (iii) o programa de
capacitação e treinamento que tem oferecido cursos de nivelamento do conhecimento técnico e
treinamentos para técnicos do Ibama, outros órgãos ambientais e para a sociedade e (iii) a implementação
do Sistema de Licenciamento Ambiental Federal (SISLIC), um serviço de cadastramento de dados e
193
informações on line, que permite o acompanhamento de todos os processos de licenciamento ambiental
federal.
Dentre esses esforços destaca-se o Centro de Licenciamento Ambiental Federal (CELAF). O objetivo do
CELAF é criar um centro gerador e disseminador de conhecimento nas áreas de avaliação de impacto
ambiental e promoção do planejamento ambiental estratégico. O CELAF deverá gerenciar estudos
temáticos, proporcionar suporte técnico e jurídico aos núcleos de acompanhamento do licenciamento
ambiental em cada um dos estados e servir de elo de integração institucional entre os diversos órgãos
ambientais. Esse Centro deverá desempenhar um papel muito importante no aprimoramento do processo
de licenciamento ambiental.
7.8 A questão das reservas indígenas
Tendo em vista que boa parte do potencial hídrico inventariado do país encontra-se na Amazônia Legal,
um aspecto importante quando se analisa o potencial hídrico do país é o que se refere ao território
indígena. Na região, as reservas indígenas cobrem uma parte considerável do território, incluindo áreas
possivelmente alagadas quando da construção de usinas hidrelétricas.
A legislação que rege tais territórios é específica, sendo que os procedimentos legais para desapropriação
e remoção de indígenas, por exemplo, não são similares aos do restante do país. Cabe à União legislar
sobre essas reservas. Os índios têm a posse permanente de seus territórios, incluindo o “usufruto
exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes”101. O aproveitamento dos recursos
hídricos – incluindo o potencial energético – em terras indígenas só pode ser efetivado com autorização
do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas e assegurada sua participação nos resultados
econômicos. Não se aplica às terras indígenas, por exemplo, as funções de ordem econômica do Estado de
fiscalização, planejamento e estimulo à atividade econômica.
A Lei 6.001, de 19/12/1973, estabelece o estatuto do índio. Em seu artigo 20, listam-se as ocasiões nas
quais o Estado brasileiro pode vir a intervir em áreas indígenas, entre as quais destacamos o item d do
parágrafo 1º: “para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional”. No
entanto, apenas em caso de interesse nacional poderá ser efetuada a intervenção em reservas
indígenas que, conforme o parágrafo 2º, pode inclusive contemplar a remoção da população indígena da
área. Mas essa remoção poder-se-á configurar apenas sob condições específicas, conforme o artigo 20,
parágrafo 3º, reproduzido a seguir:
“Artigo 20, § 3º. Somente caberá remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou
desaconselhável a sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade
indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas.”
Na medida em que o critério de interesse nacional é bastante subjetivo, e poderá ser definido apenas pelo
Estado e, mais ainda, o critério de “todo impossível ou desaconselhável” necessário para a remoção
dessas populações, a exploração de boa parte do potencial hídrico do país apresenta um risco elevado e de
difícil avaliação.
7.9 Outras ingerências na regulação
As questões ambientais e indígenas, a autonomia das agências, os reajustes de tarifas e os índices
aplicados e várias outras questões também podem sofrer interferência do Poder Judiciário. São
freqüentes as intervenções de juízes em diversas instâncias que buscam alterar regras regulatórias em
inúmeros setores. Mesmo o corte de energia por inadimplência de consumidores tem sofrido
objeções da Justiça, o que inviabiliza, em alguns casos, o retorno dos investimentos.
Um caso particular na construção de hidrelétricas é representado pelo auto-intitulado Movimento dos
Afetados por Barragens (MAB). Suas ações, independentemente de suas justificativas, efetivamente
terminam por acrescentar incerteza aos resultados de um investimento, pois podem ocasionar atrasos
imprevistos na construção de hidrelétricas. Além disso, movimentações desse tipo, por vezes, acarretam
uma incerteza adicional quanto ao número de pessoas a serem realocadas nas áreas inundadas quando há
construção de barragens: esse número, em função de movimentos mobilizantes e da atração que podem
representar, pode ser alterado rapidamente após o anúncio da construção de um determinado projeto.
Por fim, o risco de interferências puramente políticas, sem outra racionalidade que não a lógica
política de obter popularidade e votos no curto prazo, independentemente dos custos ou de quem
101
Constituição Federal. Artigo 231, § 2º.
194
arca com esses custos, também afeta o setor. Um recente exemplo pode ser encontrado nas seguintes
declarações do governador do Paraná, conforme reportado pela Agência Estado em 22/08/2003:
Curitiba, 22 - O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), anunciou hoje, em
entrevistas à Rádio CBN e à Rede Paranaense de Comunicação, retransmissora da Globo, em
Curitiba, que estão sendo ultimados os preparativos para dar energia de graça a quem
consome até 100 quilowatt-hora por mês, uma promessa de campanha. "O pessoal do
mercado se desespere agora, corte os pulsos, sangre a jugular, porque nós não vamos cobrar
energia de pessoas pobres", afirmou, no Texas, nos Estados Unidos, onde está analisando o
setor energético norte-americano. Ele disse que espera iniciar o programa ainda este ano. O
anúncio de Requião ocorre dois dias depois dele ter desautorizado o reajuste de 15,27% na
tarifa de energia elétrica da Companhia Paranaense de Energia (Copel), decisão que
provocou acentuada queda no valor das ações da empresa. Segundo Requião, a sua decisão,
em junho, de não conceder aumento autorizado de 25,27%, transformando-o em desconto
para quem paga em dia, ajuda na saúde financeira da Copel, pois diminui a inadimplência,
em torno de R$ 160 milhões, e a empresa cumpre sua função social. "Imagina se o estado do
Paraná, com um governo como o nosso, vai se submeter ao desejo de ganância de meia dúzia
de sócios privados", disse o governador. "A Copel foi construída com dinheiro do Paraná,
está apresentando excelente lucro (R$266,1 milhões no primeiro semestre), mas ela não vai
sangrar o povo do Paraná e as nossas empresas em vida." Segundo ele, o comunicado à CVM
foi um "erro" da diretoria da Copel não avalizado pelo presidente, Paulo Pimentel, que o
acompanha na viagem.
Requião afirmou que as tarifas só serão reajustadas quando for "absolutamente necessário",
sendo precedido de explicações. "A Copel não é um cassino, onde se eleva o custo da energia ao
máximo possível." O governador entende que a decisão de não cobrar tarifa de famílias com
gasto de até 100 kw/h é "extremamente acertada, compatível com tudo o que existe no mundo,
com administração inteligente de energia elétrica".
Segundo o governador, serão beneficiadas cerca de 700 mil
pessoas, reunidas em 200 mil habitações. Em sua avaliação, custa
mais caro para o estado manter uma casa pobre sem energia
elétrica, visto que há excesso, do que abrir mão dessa conta, em
razão dos gastos com atendimento de saúde, principalmente em
regiões onde o frio é intenso. "Vamos zerar a energia abaixo de
100 quilowatt e vamos ter lucro com a melhor empresa de energia
do Brasil sem especulação de mercado", acentuou. (Evandro
Fadel).
Tal medida, se efetivamente implementada, constituiria um subsídio,
que pode ser perfeitamente justificável tanto do ponto de vista social
como econômico, como parece ser indicado no último dos parágrafos
citados, compensando os custos com externalidades positivas para o
restante da sociedade. Porém, o fato de tal subsídio ser concedido
internamente na concessionária, mesmo sendo essa uma empresa de
economia mista, sem explicitação de custos e responsáveis pelo seu
pagamento, irá gerar incerteza e intranqüilidade que podem afastar o
investidor. Constitui um forte exemplo de arbitrariedade e falta de
regras regulatórias que protejam investimentos.
Um requisito para que o mercado funcione e haja concorrência é o estímulo à existência de agentes que
possam, de um lado, optar livremente por consumir energia de uma ou outra geradora (e mecanismos que
permitam essa transação), e de outro que possam ofertar energia também livremente. Nesse contexto,
chama atenção outra medida recente que se caracteriza como ingerência na regulação. Trata-se do
Decreto 4.767 que permite às empresas estatais aditarem seus contratos iniciais, aparentemente excluindo
as empresas privadas de fazerem o mesmo ou equivalentes. Sendo esse o caso, estar-se-ia criando uma
reserva de mercado, impedindo que os produtores independentes concorram com as estatais na oferta de
energia. São medidas como estas, feitas de forma repentina e inesperada, que alteram de forma
significativa as regras do setor, que devem ser evitadas. Esse procedimento contrasta-se com o processo
de elaboração de resoluções da Aneel que publica uma minuta de todas resoluções normativas propostas e
promove audiências públicas para receber críticas e comentários antes de sua implementação.
195
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196
Sumário executivo
O setor elétrico, assim outros de infra-estrutura,
apresenta características que impõem a adoção
de regulação: (i) competição imperfeita, (ii)
informação imperfeita; e (iii) existência de
externalidades.
No desenho da regulação, três aspectos são muito
relevantes: (i) as características institucionais do
regulador, (ii) o processo de escolha do
fornecedor do serviço; e (iii) o processo de
determinação de tarifas.
A tradição em países que adotam sistemas
regulatórios de caráter não impositivo é delegar
esta tarefa à agências reguladoras autônomas.
Sua função é incentivar os investimentos
necessários, promover o bem-estar da sociedade
e propiciar a eficiência econômica.
Para que a agência regulatória cumpra seus
objetivos, a qualidade do desenho institucional é
essencial.
Autonomia e credibilidade são princípios
fundamentais. Em setores com altos custos fixos
e longa maturação de investimentos, o poder
concedente tem incentivo para não honrar seus
compromissos contratuais firmados antes do
investimento, rompendo ou alterando os termos
com o objetivo de favorecer a si próprio e os
consumidores no curto prazo, mas prejudicando
os consumidores futuros.
Em relação à concessão, dependendo dos
objetivos, há duas formas de escolher a empresa
que terá o direito de explorar o serviço: (i) pelo
maior preço pago por esse direito ou (ii) pela
menor tarifa cobrada dos consumidores.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
foi criada em 1996, como uma autarquia
especial, com autonomia gerencial e financeira,
competência para normatizar questões técnicas e
autonomia decisória garantida por mandatos
fixos de sua diretoria.
As principais falhas no desenho institucional da
Aneel são: (i) inflexibilidade na política de
recursos humanos; (ii) baixa transparência do
processo de tramitação e decisão; (iii)
multiplicidade de fóruns nos quais os agentes
podem apelar de suas decisões (Judiciário, entre
outros); (iv) a baixa eficácia no processo de
prestação de contas da Aneel.
Em relação à regulação de tarifas, a Aneel
segmenta a receita requerida de cada
distribuidora em: (i) “Parcela A”, que consiste
nos custos não gerenciáveis da distribuidora e (ii)
“Parcela B”, composta pelos custos gerenciáveis.
A “Parcela B” é regulada pela Aneel sob o
regime de preço-teto e da regulação por
comparação.
O regime de preço-teto é uma prática de
regulação por incentivos que proporciona duas
vantagens básicas, em contraposição com a
regulação pelo custo de serviço: (i) uma estrutura
de incentivos que pode permitir à regulada
buscar a eficiência, (ii) a regulação pode ser
conduzida de forma menos intrusiva.
Na prática, a implementação deste regime tem
sido mais difícil e controversa do que se
esperava. Os principais problemas têm sido (i) a
definição do fator X (ganhos de produtividade) e
(ii)
a
definição
da
tarifa
inicial
(reposicionamento tarifário) nos eventos de
Revisão Tarifária Periódica que requer a
definição de quatro componentes básicos: (i) a
base de remuneração, (ii) o custo do capital, (iii)
os custos operacionais e (iv) os novos
investimentos requeridos.
A regulação por comparação é utilizada
explicitamente para se estabelecer o custo
operacional e, possivelmente, a base de
remuneração
das
concessionárias
na
determinação
da
receita
requerida
da
concessionária. Visa proporcionar à agência
regulatória uma forma de contornar a assimetria
de informações. É um complemento natural do
regime de preço-teto, pois proporciona uma
definição de tarifas que beneficia as empresas
mais eficientes e penaliza as menos eficientes.
Dadas
as
dificuldades
enfrentadas
na
implementação da regulação por comparação, as
agências regulatórias seriam prudentes em
empregar a regulação por comparação com muita
cautela. As agências regulatórias não devem
desprezar o fato de que a estimação de custos das
empresas a partir do conceito de “empresa de
referência” pode resultar em graves erros com
custos elevados para a sociedade no longo prazo.
Dado o elevado do custo de capital no Brasil e a
elevada participação dos custos fixos no setor
elétrico, talvez fosse o caso de se minimizar a
discricionariedade da agência regulatória nos
reajustes tarifários periódicos, não se desviando
muito da base de remuneração e custos
operacionais efetivos das empresas. Neste caso,
mesmo que as tarifas resultantes fossem mais
elevadas, no longo prazo as tarifas poderiam ser
menores devido à redução do risco do investidor,
o que reduziria o custo do capital e otimizaria as
decisões de investimento.
Uma das causas dos atrasos na instalação de
novas usinas elétricas são as dificuldades e
demora no licenciamento ambiental. A redução
das incertezas vinculadas a esse processo
constituiria importante melhora na regulação.
197
Como boa parte do potencial hídrico
inventariado no país encontra-se na Amazônia,
um aspecto regulatório importante diz respeito à
legislação que rege os territórios indígenas. É
uma legislação específica que, associada a uma
interpretação freqüentemente ideológica e
emocional, traz grandes incertezas para
investimentos em hidrelétricas nessa região.
Por fim, ingerências com objetivos meramente
políticos não podem ser descartadas como fator
de incerteza regulatória, tendo acontecido
recentemente em alguns estados brasileiros, tanto
no setor elétrico como em outros.
Um exemplo particular desse tipo de ingerência é
o Decreto 4.767 que permite as empresas estatais
aditarem seus contratos iniciais, aparentemente
excluindo as empresas privadas de fazerem o
mesmo ou equivalentes. Sendo esse o caso, estarse-ia criando uma reserva de mercado,
impedindo que os produtores independentes
concorram com as estatais na oferta de energia,
contrariando mais um fundamento necessário ao
bom funcionamento do mercado de energia
elétrica: o estímulo ao produtor independente e
ao consumidor livre. ♦♦
198
8. CONCLUSÕES
Superada a escassez de energia em 2001, o setor elétrico brasileiro apresenta hoje um “excesso de
oferta”102, com uma capacidade momentânea de produção superior à demanda e elevação das tarifas para
os consumidores, que, atualmente, ainda são insuficientes para remunerar os custos das distribuidoras e
das geradoras. As empresas do setor acumulam prejuízos e algumas, sobretudo distribuidoras, enfrentam
sérias dificuldades econômico-financeiras. Mas o principal problema é a falta de perspectivas e a
insegurança sobre o futuro, que prejudica e paralisa novos investimentos e, assim, causará nova escassez
quando o crescimento do consumo não encontrar correspondência no aumento da oferta.
O modelo anterior sob o qual se desenvolveu o setor elétrico brasileiro, totalmente estatal, não é mais
viável. Como mostra uma análise da evolução das receitas e despesas do setor público feita na primeira
metade do Capítulo 6, o Estado brasileiro, assim como ocorre em praticamente todos os países do mundo,
não têm as mesmas condições fiscais que permitiram nesse setor, e em muitos outros, sua quase exclusiva
atuação no passado. As fontes de recursos estatais para o financiamento de projetos no setor concentramse no BNDES e em fundos específicos do setor e podem totalizar, supondo hipóteses otimistas de
destinação de recursos do BNDES ao setor, um máximo de R$ 8 bilhões anuais. Poderiam ser somados a
esses valores mais R$ 1 bilhão por ano provenientes de organismos de crédito multilaterais, mas o total
obtido de R$ 9 bilhões/ano representa menos da metade do volume de recursos necessários (conforme as
estimativas desenvolvidas no Capítulo 5) para viabilização dos investimentos que precisarão ser
realizados no setor em função do crescimento projetado para a economia brasileira.
Em função desses números, evidencia-se que o setor elétrico precisa das empresas privadas e do seu
investimento. Por ser um setor essencial, sem o qual não é possível o moderno desenvolvimento
econômico, o Setor Elétrico Brasileiro pode, por isso mesmo, ser muito atrativo para o capital privado.
A existência de regulação adequada é fator indispensável para a atratividade do setor elétrico, pois este
apresenta muitas das características que impedem que a operação através de um mercado totalmente livre
gere resultados ótimos do ponto de vista social. A energia elétrica é: (i) essencial e sua demanda é
inelástica no curto prazo, ou seja, a quantidade demandada varia pouco em relação à variação do preço;
(ii) não armazenável em sua forma pura; (iii) com características de bem público na transmissão e
distribuição; (iv) tecnicamente não discriminável e cujos fluxos não podem ser guiados através das redes
de transmissão e distribuição; (v) que conta com mercados cativos na ponta consumidora. Por estas
características, a energia elétrica configura-se como um bem peculiar que exige uma infra-estrutura
institucional e regulamentação detalhada para ordenar a sua produção e comercialização, com a
participação do Estado como regulador. É assim no mundo todo.
Dadas essas características, para que o setor funcione adequadamente em uma economia de mercado, ou
seja, para que a produção e distribuição de energia sejam feitas com a máxima eficiência (menor custo e
maior segurança) e, ao mesmo tempo, para que aconteça a atração do investimento privado, são
necessárias regras estáveis, sólidas e que incentivem esses investimentos. Em síntese, a definição de um
quadro regulatório adequado é a principal questão a ser resolvida no setor elétrico brasileiro. A existência
de um arcabouço regulatório e institucional coerente e estável é fundamental para o funcionamento e para
a continuidade dos investimentos no setor, de forma compatível com o nível necessário ao atendimento
das necessidades da economia e sociedade brasileiras.
Os princípios básicos necessários para a definição desse quadro regulatório são plenamente conhecidos e
analisados pela teoria econômica. O setor precisa ser regulado por um conjunto de leis e normas
(“Resoluções”) coerentes com aqueles objetivos maiores de eficiência (modicidade tarifária) e segurança
de abastecimento (atração de investimentos). É indispensável uma agência autônoma, com credibilidade e
tecnicamente capacitada, capaz de atuar com segurança e neutralidade em meio aos interesses específicos
de governos, consumidores ou agentes do mercado. Além disso, um dos pilares de um modelo eficiente
para o setor é a existência de agentes com liberdade de atuação no mercado, liberdade definida como a
possibilidade de efetuar decisões econômicas e comerciais que reflitam os incentivos gerados pelo
sistema de preços. Assim, a regulação precisa garantir a existência de agentes com liberdade de atuação
no mercado, ou seja, produtores independentes de energia e consumidores livres.
Nada disso constitui novidade. No entanto, a implementação dessa regulação é trabalhosa e tecnicamente
sofisticada, dada a complexidade do sistema elétrico brasileiro e suas peculiaridades, que não são
encontradas em praticamente nenhum outro país. As dificuldades para que se tenha uma regulação
102
Há um “excesso de oferta” no sentido que as geradoras estão subcontratadas e expostas aos preços baixos do
Mercado Atacadista de Energia Elétrica, o que proporciona uma receita insuficiente às geradoras no longo prazo.
199
eficiente são ainda aumentadas pelo fato de que sua formulação legal está fortemente sujeita a influências
políticas que não necessariamente apontam na direção daqueles objetivos principais. Por último, a
regulação do setor está também fortemente relacionada e dependente da participação de outras instâncias
regulatórias, como meio-ambiente e gás natural, e não apenas do setor elétrico.
Outra questão fundamental a ser resolvida é a atual e grave crise econômico-financeira de muitas
empresas do setor, tanto a maioria das distribuidoras como as geradoras. É, de certa forma, uma questão
teoricamente mais difícil que o re-desenho de um novo quadro regulatório, pois envolve inúmeros
agentes, exigindo negociação, criatividade e reconhecimento de perdas em um processo cujo caminho não
está definido a priori.
No contexto de uma grave crise econômico-financeira do setor, a definição de regras ótimas para os
investimentos futuros, sem solucionar os problemas existentes, não é suficiente para garantir o
direcionamento de novos recursos para este setor. A manutenção da fragilidade das empresas do setor
significa que estas não poderão efetuar investimentos e não poderão atuar solidamente como agentes
estáveis, prejudicando toda a cadeia produtiva do setor.
Essas são as principais conclusões deste estudo. Além de uma extensa revisão da literatura econômica
sobre regulação e sua aplicação ao setor elétrico, no Brasil e no exterior, essas conclusões foram
fundamentadas:
(i)
por uma ampla análise do setor no Brasil e dos fatos recentes que o afetaram;
(ii)
por projeções macroeconômicas sobre o desempenho global da economia e das necessidades
de energia decorrentes;
(iii)
por uma análise da estrutura tarifária; e
(iv)
por uma análise agregada da situação das empresas do setor, com foco nas distribuidoras,
que se constituem no principal canal de entrada de recursos no setor, as quais se encontram
em grande parte, no momento, em uma situação econômico-financeira delicada.
Cada uma dessas análises gerou um conjunto de conclusões, sintetizadas a seguir.
8.1 A crise e o racionamento em 2001
As condições hidrológicas foram desfavoráveis em 2001. Além dessa situação, que sempre pode ocorrer
em um sistema de base hídrica, os riscos foram ampliados por um crescente desequilíbrio estrutural entre
oferta e demanda, que ocorreu devido a redução de investimentos no setor, tornando o aumento de
capacidade insuficiente para acompanhar o aumento da demanda
Os investimentos anuais no setor eram, deflacionados para valores constantes de 2000, de cerca de
US$ 10 bilhões no final dos anos 80. Caíram na primeira metade da década de 90, recuperaram-se
parcialmente entre 1995 e 1998 e, com a interrupção da privatização do setor, caíram para US$ 3 bilhões
em 1999, fazendo com que a expansão da oferta de energia não acompanhasse a demanda. Como
examinado no Capítulo 1, os investimentos em termelétricas, que poderiam ter evitado o racionamento,
também foram efetuados em ritmo insuficiente devido, entre outros fatores, a incompatibilidades na
regulação do gás e da energia elétrica. Falhas nas regras fixadas para a operação do sistema também
prejudicaram a racionalização da oferta, pois as usinas termelétricas existentes não foram plenamente
empregadas durante o período de esgotamento dos reservatórios. O resultado foi a necessidade do
racionamento.
Apesar de haverem sido construídas usinas térmicas ou hidrelétricas em quantidade suficiente para evitar
o racionamento, a queda de consumo que se seguiu foi de tal ordem que atualmente o setor apresenta um
“excesso de oferta”. Outro efeito devastador da redução de mercado é que, apesar de sua elevação, as
tarifas para os consumidores são freqüentemente insuficientes para remunerar distribuidoras e geradoras.
As empresas do setor acumulam prejuízos e algumas enfrentam sérias dificuldades econômicofinanceiras. As desvalorizações cambiais agravaram esse quadro para as empresas com passivos em
moeda estrangeira. Essa situação é detalhada no Capítulo 3 em um modelo econômico-financeiro que
agrega, a título exemplificativo, as principais empresas de distribuição.
A condição de sobra de energia atual é passageira. Se a instalação de novas usinas e a expansão das redes
de transmissão e distribuição não for retomada em nível adequado e em tempo hábil, o país poderá sofrer
novas restrições de oferta dentro de três ou quatro anos.
200
É importante observar que, apesar de transitória, a sobra de energia das geradoras suscita efeitos
permanentes sobre a capacidade dessas empresas efetuarem novos investimentos. Os prejuízos gerados
por esse choque incorporam-se de forma permanente à lucratividade acumulada e liquidez das empresas.
Políticas destinadas a mitigar o efeito danoso dessas sobras sobre a saúde econômico-financeira do setor
propiciam maior capacidade de investimento tanto dessas empresas como de outras que para investir
dependerão da saúde econômico-financeira das demais empresas do setor.
8.2 A estrutura tarifária
Como analisado no Capítulo 2, as tarifas de fornecimento hoje vigentes mantêm, com pequenas
alterações, a mesma estrutura introduzida na década de 80. Comparadas às vigentes em outros países, a
tarifa média brasileira é baixa. A comparação internacional também sugere que a tarifa industrial no
Brasil é desproporcionalmente baixa comparada com a tarifa média residencial. Isto significa dizer que o
consumidor residencial no Brasil subsidia o consumidor industrial.
Entre 1995 e 2002, a tarifa média de fornecimento de energia elétrica aumentou 140% em termos
nominais e a residencial 175%. Em termos reais, deflacionados pelo IGP-M, a tarifa média aumentou
20,7% no mesmo período. Este aumento está diretamente relacionado ao aumento do componente de
custos não-gerenciáveis (Parcela A) das distribuidoras. A Parcela A de uma amostra de nove empresas do
setor apresentou um aumento real de 15,4% entre 1999 e 2002.
A elevação é explicada principalmente pelo aumento dos custos da energia de Itaipu, decorrente da
desvalorização cambial, e do aumento dos encargos de transmissão. Esse aumento foi apropriado,
sobretudo, pelas empresas geradoras e empresas transmissoras, em sua maioria estatais, e também pelo
governo através dos tributos. Já as distribuidoras, predominantemente privadas, sofreram reajustes
menores. A Parcela B, que representa os custos gerenciáveis das distribuidoras, ou seja, todos aqueles
custos necessários para sua operação, seus investimentos, pagamento dos empréstimos e remuneração dos
acionistas, para uma amostra de nove empresas apresentou uma redução real de 24,5% entre 1997 e 2002.
A carga tributária que incide sobre o setor elétrico brasileiro é muito superior à prevalecente em outros
países, pois dado o caráter essencial da energia elétrica, seja como insumo ou como bem de consumo
final, muitos países, coerentemente com o objetivo da eficiência, buscam minimizar a incidência de
impostos sobre o setor elétrico. Os tributos correspondem, no total, a cerca de 30% da tarifa de
fornecimento. O principal tributo é o ICMS e somente sua arrecadação sobre o setor elétrico corresponde
a 9,4% do montante de ICMS arrecadado pelos estados. Esses tributos cobrados de insumos básicos são
ineficientes, pois levam os agentes a empregar menos energia elétrica do que seria socialmente ótimo.
Na definição de uma estrutura tarifária ótima, deve-se levar em conta o fato de que o preço da geração de
energia elétrica não requer, em condições normais, uma diferenciação horosazonal. Dado o fator de carga
baixo da maioria das usinas de geração, o seu custo marginal de geração normalmente não apresenta
variações horosazonais significativas. No médio prazo, o custo marginal de geração pode ser alterado
pelas condições hidrológicas. E, no longo prazo, o custo marginal pode ser alterado à medida que a carga
aumenta, ocasionando um desequilíbrio entre a capacidade de oferta de energia assegurada e a demanda.
Já as tarifas de transmissão e distribuição devem levar em conta fatores horosazonais, pois diariamente a
carga do sistema aproxima-se dos limites de capacidade da transmissão e distribuição. Além disso, fatores
como perfil de consumo de cada classe de consumo e a demanda de energia reativa acarretam custos
adicionais, e devem ser considerados na determinação das tarifas.
8.3 A situação financeira das distribuidoras e os impactos para o sistema
A vitalidade e potencial de crescimento do setor também dependem de suas empresas. É conhecido o fato
de que grande parte das empresas do setor elétrico no Brasil enfrenta dificuldades econômico-financeiras.
Dada a gravidade e as conseqüências dessa situação, optamos por analisar com maiores detalhes a
situação econômico-financeira das distribuidoras de energia. Isto foi feito no Capítulo 3 mediante o
desenvolvimento de um modelo de agregação e simulação de resultados das empresas, considerando
premissas de comportamento futuro. Optou-se, neste trabalho, por analisar com detalhes apenas as
distribuidoras, pois há menor disponibilidade de dados públicos para as geradoras. Isto não significa que a
situação das geradoras também não mereça atenção ou não seja igualmente importante.
A análise realizada mostra que, de 1997 a 2001, as distribuidoras empreenderam um grande esforço de
recuperação de investimentos, investindo um volume de recursos acima de R$ 2,5 bilhões anuais. Mesmo
considerando o nível de investimentos necessários realizados, o endividamento do sistema até 2001
encontrava-se em níveis tidos como confortáveis. Em 2002, a situação financeira das empresas foi
201
gravemente prejudicada devido ao impacto da desvalorização cambial e à redução da margem operacional
em função da perda permanente do mercado de energia após o racionamento.
Na primeira simulação, o cenário mais provável para o setor nos próximos anos, que pressupõe um
crescimento anual projetado da demanda de cerca de 5,1% ao ano ao longo da década, incorpora as
revisões tarifárias das distribuidoras ocorridas em 2003 e assume que as tarifas serão reajustadas, nos
anos vindouros, de acordo com a variação do IGP-M (premissa otimista considerando-se freqüentes
manifestações contrárias de autoridades do Governo e até do Judiciário, apesar de seu uso estar previsto
nos contratos de concessão). Como os números para os próximos anos envolvem pesados volumes de
vencimentos e rolagens de dívidas das empresas do setor, a geração de recursos propiciada por essas
premissas permitirá um equilíbrio do setor somente após 2006. O déficit de fluxo de caixa das doze
distribuidoras no nosso cenário mais provável é de cerca de R$ 13 bilhões em 2003, R$ 7 bilhões em
2004 e R$ 6 bilhões em 2005.
Em um cenário de menor crescimento, a situação tende a permanecer grave. Projetamos que, já em 2005,
o patrimônio líquido do Sistema será negativo e continuará a ocorrer contínua deterioração dos
indicadores de crédito dessas empresas. Ganhos adicionais de eficiência das empresas nos itens da Parcela
B, em relação aos previstos e já compensados na determinação do fator X de reajuste das tarifas, geram
melhoras de resultado perceptíveis, porém incapazes de mudar significativamente a saúde financeira das
empresas em qualquer cenário factível.
O cenário de crescimento acelerado da demanda (6,4% ao ano) diminui em um ano o prazo necessário
para o retorno do equilíbrio econômico-financeiro das empresas do setor bem como apresenta uma
melhoria dos indicadores de crédito ao longo do período, em relação ao cenário básico.
Um cenário alternativo de aumento real das tarifas de 20% distribuído entre 2003 e 2005 mostra um
comportamento dos indicadores financeiros do Sistema semelhante ao cenário de alto crescimento da
demanda. A ampliação da lucratividade das empresas permite uma recuperação financeira mais rápida e
indicadores de crédito retornando a níveis confortáveis já em 2005. Apesar de também não propiciar uma
recuperação expressiva da capacidade destas empresas efetuarem investimentos vultosos em capital fixo,
este cenário representa uma redução do risco de financiamento do Sistema por parte dos agentes
financeiros (capital de terceiros).
Analisamos também a hipótese de não transformação em caixa dos saldos da Conta de Compensação da
Variação de Itens da Parcela A (CVA), que se mostra extremamente danosa às distribuidoras. A
manipulação desta conta, segundo as premissas deste estudo, pode levar a perdas de geração de caixa que
elevam o endividamento das 12 distribuidoras em até R$ 12 bilhões em 2006, ou seja, quase R$ 3 bilhões
anuais. Além do mais, a decisão de postergação do repasse dos saldos da CVA em março deste ano
resulta em perdas para as empresas e seus acionistas.
Enquanto o endividamento do setor não cair a níveis mais razoáveis, o que no cenário mais provável
acontece somente em 2007, haverá dificuldade de garantir projetos novos, simplesmente porque os
recebíveis das empresas estarão comprometidos com as rolagens das dívidas atuais.
Como as distribuidoras são os agentes que efetivamente recebem os recursos do consumidor final e os
repassam ao restante da cadeia, essa situação compromete a solidez financeira de todo o sistema.
8.4 As necessidades de energia para atender ao crescimento da economia
Para dimensionar as necessidades de crescimento do setor, o Capítulo 4 em sua parte inicial desenvolveu
um modelo macroeconômico visando projetar o crescimento da economia e estimou econometricamente
as relações entre o tamanho e crescimento da economia e as necessidades de energia elétrica.
Os cenários macroeconômicos propostos levam em consideração, dentre outros fatores, os limites ao
crescimento do PIB potencial na próxima década, a saber: a taxa de crescimento da População
Economicamente Ativa, a taxa de poupança e o crescimento da produtividade. Combinando-se diferentes
hipóteses quanto a esses fatores foram definidos três cenários. O primeiro, o cenário básico e considerado
mais provável, prevê uma taxa de crescimento potencial de 3,4% ao ano. O segundo cenário (crescimento
baixo) indica uma taxa de crescimento do PIB de 2,5% ao ano. Por fim, o terceiro cenário é um cenário de
crescimento acelerado no qual a taxa de crescimento anual do PIB se eleva a 4,5%. Os cenários adotados
de crescimento do PIB implicam diferentes taxas de crescimento da demanda: 5,1% para o cenário básico,
6,4% para o cenário de alto crescimento e 3,7% para o cenário de baixo crescimento.
Definidos os cenários para a expansão da economia, adotou-se um cenário de referência para o
crescimento da demanda nos próximos 10 anos. Trata-se de um cenário prudente que mescla um
202
crescimento anual da economia de 4,5% nos primeiros três anos (cenário de crescimento acelerado) e
3,4% nos seguintes (cenário de crescimento moderado). Estas hipóteses garantem uma posição prudente
de planejar a expansão do setor contemplando a possibilidade de uma taxa de crescimento otimista no
curto prazo sendo que, para períodos maiores, haveria tempo de se ajustar a expansão para acomodar
taxas de crescimento acima do esperado.
8.5 As necessidades de investimento no setor elétrico
A estimação dos valores requeridos de investimentos em capital fixo, destinados a fazer frente ao
crescimento da demanda previsto neste cenário de referência e à conservação da infra-estrutura existente,
foi desenvolvida no Capítulo 5. Partindo dos cenários de demanda, as estimativas incorporam premissas
quanto à composição da matriz energética, custos de manutenção dos ativos existentes (transmissão e
distribuição) e custos de instalação de novas usinas hidrelétricas, termelétricas e de fontes alternativas de
energia.
Dadas essas hipóteses e cenários, o investimento médio requerido para atender um aumento anual da
oferta de energia de 2.274 MW médios ao longo do próximo decênio (cenário de referência) foi estimado
em R$ 20,1 bilhões por ano, sendo R$ 13,6 bilhões em geração, R$ 3,0 bilhões em transmissão e R$ 3,4
bilhões em distribuição.
Esse número poderia ser menor (R$ 14,4 bilhões no total) em um cenário de crescimento menos intenso
(2,5% médios ao ano). E poderia ser maior (R$ 26,7 bilhões), em um cenário de crescimento mais
exuberante (4,5% ao ano) e plena implementação do Programa de Incentivo a Fontes Alternativas
(Proinfa) – que inclui investimentos muito menos eficientes em termos de capacidade de geração.
As possíveis fontes de financiamento para esses investimentos, analisadas e dimensionadas no Capítulo 6,
são: (i) recursos intra-setoriais: geração interna, subsídios intrasetoriais (RGR, CDE e ECE) e (ii) recursos
de terceiros: BNDES, bancos comerciais, mercado de capitais local, mercado de capitais internacional,
Export Credit Agencies e Organizações Multilaterais.
As fontes de recursos estatais para o financiamento de projetos no setor concentram-se no BNDES e em
fundos específicos do setor como a RGR, o CDE e o ECE. Atualmente, a exposição do BNDES ao setor é
alta, em torno de R$ 21 bilhões. O montante de desembolsos para o setor, previsto no orçamento de 2003
da instituição, atinge quase um quarto do orçamento total do banco, o que representa uma situação
extraordinária e limita os recursos do orçamento do banco para outros setores. Supondo, de maneira
otimista, que o BNDES consiga manter um nível de 10% de seus desembolsos para o setor elétrico,
estimamos a destinação de recursos de cerca de R$ 4 bilhões médios ao ano até 2010. A RGR e o CDE
agregam R$ 2,6 bilhões ao ano de recursos disponíveis para financiamento. O ECE poderia agregar mais
R$ 1,4 bilhões anuais a esse montante. Estes recursos têm sua aplicação direcionada obrigatoriamente a
algumas aplicações. Os recursos do ECE, por exemplo, serão obrigatoriamente direcionados para projetos
alternativos e não para grandes projetos tradicionais de hidrelétricas e termoelétricas. O sistema de
financiamento público ao setor elétrico consegue, realisticamente, prover até R$ 8 bilhões anuais de
recursos para novos projetos. Outra possível fonte de recursos públicos é a atuação de organismos de
crédito multilaterais. Haveria espaço para que os recursos oriundos destas instituições atingissem mais de
R$ 1 bilhão por ano. Desta forma, o sistema de financiamento público conjuntamente com as agências
multilaterais conseguem prover recursos da ordem de R$ 9 bilhões anuais.
As dificuldades econômico-financeiras por que passam as distribuidoras de energia, decorrentes
principalmente da crise do racionamento, indicam que este segmento não deve representar uma fonte de
geração de recursos para a realização destas inversões, em especial nos próximos anos que serão
marcados por pesados vencimentos de dívidas dessas empresas.
O Capítulo 6 analisou também o setor público como um todo, mostrando que, ao contrário do que
acontecia nas décadas de 60 e 70, atualmente o Estado brasileiro não tem mais condições fiscais para
realizar investimentos e assim prover recursos para o setor. Na União e nos estados, as despesas
obrigatórias ampliaram-se de forma expressiva e as possibilidades de ampliar o endividamento são
restritas. Muito pelo contrário, o esforço que se faz necessário é evitar o aumento da relação dívida/PIB
mediante a obtenção de superávits primários. Consensualmente, também é claro que não se pode
aumentar ainda mais a carga tributária. A conclusão a que se chega é que o desenvolvimento do setor
depende em grande parte da atração de investimentos privados
203
8.6 Os problemas regulatórios
A principal dificuldade para que os investimentos necessários sejam realizados é a falta de perspectivas e
a insegurança sobre o futuro devido à ausência de um marco regulatório definido. Sem essas condições,
não existe suficiente disposição e atração do capital privado para investir no setor.
Para que uma agência regulatória cumpra seus objetivos, a qualidade do desenho institucional é essencial.
A teoria econômica, conforme analisado no Capítulo 7, indica que autonomia e credibilidade são
princípios fundamentais. Isto porque em setores com altos custos fixos e longa maturação de
investimentos, o poder concedente tem incentivo para não honrar seus compromissos contratuais firmados
antes do investimento, rompendo ou alterando os termos com o objetivo de favorecer aos consumidores
no curto prazo, mas prejudicando os consumidores futuros, afastando investidores privados.
As principais falhas no desenho institucional da Aneel são: (i) inflexibilidade na política de recursos
humanos; (ii) baixa transparência do processo de tramitação e decisão; (iii) multiplicidade de fóruns nos
quais os agentes podem apelar de suas decisões; (iv) a ineficácia do processo de prestação de contas da
Agência perante a sociedade; (v) a redução da autonomia da agência na forma da dependência de recursos
orçamentários. Efetivamente, esses recursos são propostos e liberados pelo Executivo, que pode utilizar
estas faculdades como mecanismo de pressão sobre a agência.
Devido às dificuldades enfrentadas na implementação da regulação por comparação, seria prudente que as
agências regulatórias empregassem esta modalidade de regulação com muita cautela, pois não se deve
desprezar o fato de que a estimação de custos das empresas a partir do conceito de “empresa de
referência” pode resultar em graves erros, com custos elevados para a sociedade no longo prazo.
Além disso, talvez fosse o caso de se minimizar a discricionariedade da agência regulatória nos reajustes
tarifários periódicos, não se desviando muito da base de remuneração e custos operacionais efetivos das
empresas, dado o elevado custo de capital no Brasil e a elevada participação dos custos fixos no setor
elétrico. Neste caso, mesmo que as tarifas resultantes fossem mais elevadas, no longo prazo poderiam ser
menores devido à redução do risco do investidor, o que reduziria o custo do capital e otimizaria as
decisões de investimento.
Outra dificuldade para os investimentos são os riscos de atrasos decorrentes da dificuldade e demora no
licenciamento ambiental. A redução das incertezas vinculadas a esse processo constituiria importante
melhora na regulação. Como boa parte do potencial hídrico inventariado no país encontra-se na
Amazônia, outro aspecto regulatório importante diz respeito à legislação que rege os territórios indígenas.
É uma legislação específica que, associada a uma interpretação freqüentemente ideológica e emocional e
à intervenção de organizações estrangeiras, traz grandes incertezas para investimentos em hidrelétricas
nessa região.
Por fim, ingerências com objetivos meramente políticos não podem ser descartadas como fator de
incerteza regulatória. Vários eventos que comprovam esse risco de ingerência política têm acontecido
recentemente em alguns estados brasileiros, tanto no setor elétrico como em outros.
8.7 Perspectivas
Por fim, à luz do que foi sintetizado nos parágrafos anteriores deste capítulo, cabe uma breve
consideração sobre as perspectivas do setor.
Apesar de seu tamanho, sofisticação e eficiência, vimos que o futuro do sistema elétrico brasileiro causa
preocupações. O setor precisa continuar crescendo e investindo para atender à economia, mas após vários
anos de crise e indefinição, ainda não se consolidaram as condições necessárias para que isso aconteça.
As dificuldades que as empresas do setor enfrentam poderiam ser encaradas como episódicas, superáveis
face ao potencial de crescimento que existe para uma atividade tão essencial. Porém, a inconstância e a
indefinição da regulação ainda prevalecem, impedindo que as intenções de investimentos privados
existentes se materializem no volume indispensável para o setor. É sempre bom lembrar que o incentivo e
a atração do investidor são importantes, mas têm maior relevância ainda no Brasil, onde o capital é um
recurso relativamente mais escasso e caro comparado a outros países.
A solução dessa situação de crise passa por um desenvolvimento e consolidação da regulação. O setor
elétrico é complexo, permeado por detalhes técnicos e por características específicas que, muitas vezes,
são encontradas unicamente no Brasil. Porém, enquanto os detalhes dessa regulação são complexos, os
princípios que devem orientar seu desenvolvimento podem ser sintetizados em poucas palavras. O setor,
como acontece normalmente com toda a infra-estrutura, tem um horizonte de planejamento de longo
prazo. Por isso, a regulação deve oferecer segurança, tanto para o consumidor, de que haverá energia
204
suficiente e ao menor custo possível, como para o investidor, de que seus investimentos serão
reconhecidos e terão retorno. A regulação deve proporcionar aos agentes segurança, mas também
competição, incentivando tanto a busca das formas mais eficientes de produzir e distribuir a energia como
o repasse dessas eficiências à sociedade.
Em síntese, a situação atual do setor ainda é de crise e incerteza, mas existe um caminho muito claro para
a solução dos problemas. Requer trabalho, atenção a inúmeros detalhes e, sobretudo, a preservação dos
princípios de uma regulação estável que incentive os investimentos, a eficiência e a competição.
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Para obtenção do livro com o texto integral do estudo, entre em contato com:
Eliana Marcon
Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica
[email protected]
www.cbiee.com.br
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