Vai faltar energia

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O globo
Vai faltar energia
José Chacon de Assis
(Presidente do CREA-RJ)
O prolongado período de estiagem que se abate sobre o Centro-Sul do
país coloca mais uma vez em risco os sistemas de abastecimento de água e de
geração de energia elétrica. O nível dos reservatórios que abastecem as principais
hidrelétricas do país está 54% aquém da média histórica. Em face deste quadro, o
Governo paulista vem adotando um programa de racionamento na distribuição de
água na região da Grande São Paulo, e o Governo federal vem anunciando
medidas para evitar racionamento de energia elétrica.
No ano passado, o Rio de Janeiro foi classificado como área crítica pelo
Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Porém, segundo o diretor-geral da
Agência Nacional de Energia, José Mário Miranda Abdo, não há área crítica, e as
iniciativas do ONS em estabelecer critérios para atender à necessidade adicional
de demanda de energia em determinadas áreas do sistema interligado, como São
Paulo e Rio de Janeiro, visam a dar confiabilidade ao sistema elétrico.
Recentemente, a Federação das Indústrias do Rio de janeiro (FIRJAN),
através de um minucioso relatório do Grupo de Acompanhamento do Setor
Elétrico, ligado à federação, apresentou um cenário nada otimista da produção e
consumo de energia elétrica até 2004. Recomenda a seus associados que iniciem
projetos próprios, ou em parcerias, para geração de energia elétrica o quanto
antes. Enfatiza que haverá racionamento em 2001, se medidas emergenciais não
forem tomadas.
Enquanto isso o ministro de Minas e Energia, Rodolpho Tourinho, anuncia
formalmente uma lista das usinas termelétricas que terão suas obras antecipadas
para tentar afastar a possível crise energética. Pretende antecipar a construção de
dez usinas, das 49 usinas termelétricas a serem construídas, segundo sua
previsão, até 2004, como parte do programa emergencial que deverá acrescentar
ao setor elétrico brasileiro um montante de 11000 MW (megawatts).
As dez usinas termelétricas acrescentarão 2000 MW ao sistema
interligado de Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país no próximo ano, sendo que
quatro dessas usinas serão construídas no Rio de Janeiro. Até 2004 o país
precisa aumentar em 40% sua capacidade de geração, o que significa acrescentar
26000 MW ao sistema elétrico interligado, sendo, na previsão do Governo, 11000
MW provenientes da geração térmica.
Diante desse quadro se constata que, por falta de planejamento e rigor do
Governo em relação às empresas privatizadas que não cumpriram suas metas
quanto a investimentos no setor, o país se encontra mais uma vez diante do risco
de desabastecimento de energia, se mantida a previsão de crescimento de 4% da
economia com a conseqüente expansão do consumo não atendida pelo aumento
da oferta de energia.
A vulnerabilidade do sistema elétrico brasileiro é fruto da falta de
investimento no setor nos últimos anos, bem como do modelo de privatização
adotado no país, que utilizou critérios semelhantes aos de países com
características bem diferentes.
Ao passo que no Brasil ainda existe uma grande parte da população sem
acesso ao serviço de energia elétrica, na Grã-Bretanha, um dos modelos tomado
como exemplo, o mercado consumidor é estável, sem crescimento, e toda a
população já era atendida pela rede de distribuição de energia elétrica. Além
disso, a maioria dos países que privatizaram o setor de energia elétrica tem como
característica a geração de origem térmica, enquanto o Brasil possui um parque
gerador no qual 93% da energia são de origem hídrica.
O Governo federal, ao administrar a escassez, oferece ao setor privado
um incentivo para que construa usinas de geração térmica a gás natural,
importado da Argentina e da Bolívia, e amplia a dependência do parque industrial
e consumidor para além das fronteiras, importando ainda um montante de 5400
MW de Uruguai, Venezuela, Bolívia, Argentina e Paraguai. E, se não bastasse,
financia empresas privatizadas, hoje controladas por grupos estrangeiros, com
recursos da Petrobras, Eletrobrás e BNDES, para que construam as usinas que
essas empresas se comprometeram a construir sozinhas durante o processo de
privatização.
É bom lembrar o aspecto perverso desse modelo para o consumidor, que
hoje paga tarifas bem maiores do que no período anterior às privatizações e terá
que pagar muito mais, dentro de dois ou três anos, dado que o custo da geração
térmica a gás natural chega a ser o dobro do valor praticado por Furnas, que hoje
é de R$ 35/MWh.
Temos nos posicionado inúmeras vezes e de forma crítica, em relação às
privatizações de setores estratégicos da economia do país, notadamente os de
energia elétrica, de petróleo, de telecomunicações, dentre outros serviços
essenciais à população. Temos denunciado a ineficiência das empresas recémprivatizadas, cuja qualidade dos serviços prestados tem acarretado muita
insatisfação aos usuários, além da invasão de empresas e profissionais
estrangeiros inabilitados, colocando em risco a segurança da sociedade e
desmantelando as equipes técnicas especializadas nacionais, aprofundando ainda
mais o desemprego.
Por isso, consideramos preocupante a situação do setor elétrico nacional.
Nesse sentido é oportuno, de imediato, a realização de um grande debate
nacional, envolvendo todos os segmentos produtivos da economia, dentre os
quais empresários, representantes do poder público, dos centros de excelência
das universidades e das entidades representativas da sociedade civil, para
apontar alternativas viáveis e concretas para a superação da crise enrgética que
se avizinha.
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