Criminalidade Econômica e Repatriação de Capitais

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"CRIMINALIDADE ECONÔMICA E REPATRIAÇÃO DE CAPITAIS:
UMA ABORDAGEM À LUZ DA POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA" 1
Carlo Velho Masi2
RESUMO
O presente estudo enfoca as medidas de incentivo à legalização e à
repatriação de capitais, no contexto das diferentes vertentes político-criminais da
contemporaneidade. Trata-se de um dos mais controversos temas que figura na
pauta de discussões concernentes à criminalidade econômica no Brasil. Para
abordar essa temática, busca-se realizar um levantamento do panorama da
Política Criminal nacional, trazendo à tona relevantes debates referentes aos
princípios que norteiam o Direito Penal no século XXI. Tendo por base essas
considerações iniciais, a abordagem focaliza-se no Direito Penal Econômico, sob
a
perspectiva
criminológica,
ao
mesmo
tempo
em
que
apresenta
os
delineamentos gerais de alguns dos delitos mais recorrentes que a prática
forense se depara nos últimos anos nessa seara. Ao final, almeja-se, ainda, uma
incursão nos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, no intuito de
analisar os reais efeitos pretendidos pelo legislador, bem como examinar os
posicionamentos incipientes dos sujeitos diretamente interessados em suas
implementações. Em linhas gerais, em virtude das mudanças axiológicas
ocorridas no seio da sociedade globalizada, verifica-se a necessidade de um
processo de gradual descriminalização dos delitos cuja objetividade jurídica
tutelada tenha cunho exclusivamente econômico, em prol da “administrativização”
do Direito Penal nesse ponto, como forma de garantir a eficácia do Princípio da
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo, pela banca examinadora,
composta pelos professores Vitor Antonio Guazzelli Peruchin (orientador), Alexandre Lima
Wunderlich e Felipe Cardoso Moreira de Oliveira, em 29 de dezembro de 2010.
2
Acadêmico de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
(IBCCRIM) e do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico (IBDPE). E-mail:
[email protected]
2
Intervenção Mínima. Logo, a extinção de punibilidade de delitos econômicos,
como forma de estimular o reingresso de capitais, seria plenamente legítima,
tanto do ponto de vista do interesse social envolvido, quanto do interesse políticocriminal, consagrando uma verdadeira ruptura com as tradicionais propostas de
combate ao crime organizado transnacional, o que se amolda perfeitamente a
uma política criminal liberal, caracterizada pela desvinculação entre a tutela penal
e os problemas estatais.
Palavras-chave: “Política Criminal”. “Criminologia”. “Sociedade de Risco”.
“Direito Penal Econômico”. “Crimes de Colarinho Branco”. “Repatriação de
Capitais”.
INTRODUÇÃO
No ano-base de 2008, o Banco Central do Brasil apurou um total de US$
170,397 bilhões em ativos de pessoas físicas e jurídicas brasileiras declaradamente
investidos no exterior3. Ao longo dos anos, verifica-se um significativo aumento
desses investimentos, o que demonstra uma gradual fuga de capitais. Todavia, os
dados oficiais servem apenas de estimativas para a verdadeira “cifra-negra” de
divisas remetidas e mantidas no exterior à margem do controle por parte dos órgãos
oficiais. No mais das vezes, seus detentores ficam no limiar entre a licitude e a
ilicitude, que não raro permeia a seara penal.
Nesse contexto, surgem no Brasil propostas de aplicação de um instituto já
conhecido de outros ordenamentos jurídicos, como Itália, Portugal, México,
Argentina, Alemanha, Estados Unidos e Suíça, com o propósito último de legalizar e
estimular o reingresso desses bens e valores, por meio de incentivos com
repercussão fiscal e criminal, a fim de aqui produzir riquezas, que revertam também
em benefício do País.
A repatriação de capitais está, pois, entre os mais recentes temas
enfrentados pela dogmática jurídica no campo do Direito Penal Econômico no Brasil.
Isso porque a questão adquire os mais tortuosos meandros, quando se entrechocam
3
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Capitais Brasileiros no Exterior (CBE). Disponível em: <http://www4.
bcb.gov.br/rex/CBE/Port/ResultadoCBE2007_2008.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2010.
3
duas correntes de opinião com argumentos bastante sensatos. Destarte, já não mais
se pode ignorar a proposição no âmbito do direito público, reclamando por uma
abordagem acadêmica que sistematize o foco das discussões e dissemine o assunto
na comunidade jurídica.
Este, em síntese, é o propósito do presente trabalho, que aborda a questão
sob o prisma da política criminal contemporânea orientadora da ação do legislador e
dos intérpretes da lei.
Para tanto, partimos de uma breve incursão ao sentido que a política
criminal adquire em nosso tempo, procurando, se não conceituar definitivamente
essa ciência, ao menos delimitar, dentro das mais destacadas vertentes, seu objeto
e primordiais funções. A respeito das perspectivas e tendências político-criminais,
buscamos alcançar aquelas questões mais relevantes, e não menos controversas,
que surgem no que ULRICH BECK denomina “sociedade de risco”4, conceito
retomado ao longo de todo o trabalho.
Desde já, pode-se inferir que, quando as infrações aos direitos e interesses
do indivíduo assumem determinadas proporções, os demais remédios de controle
social mostram-se insuficientes ou ineficazes para harmonizar o convívio social. O
Direito Penal surge, procurando resolver conflitos e suturando eventuais rupturas
produzidas pela desinteligência humana. É assim que HANS-HEINRICH JESCHECK
define os limites da legitimidade do poder punitivo estatal:
El poder punitivo del Estado no debe utilizarse de cualquier modo y en
cualquier medida para proteger la convivencia humana. El Derecho penal ha
de contribuir, ciertamente, a vencer el caos en el mundo y a contener la
arbitrariedad de las personas mediante la adecuada limitación de su
libertad, pero sólo puede hacerlo en una forma que sea compatible con el
nivel cultural global de la nación. [...] El Derecho penal debe al mismo
tiempo, rechazando la violencia y la arbitrariedad, procurar al individuo un
espacio en el que pueda decidir libremente y realizar sus resoluciones
conforme a su proprio criterio. Por eso, el Derecho penal no sólo restringe la
5
libertad, sino que también la crea .
A fim de atingir os objetivos propostos, procuramos manter uma postura
neutra (científica), passível de tratar de forma isonômica desde o tema do
4
5
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 2002.
JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal: parte general. 4. ed. corr. ampl. Granada:
Comares, 1993, p. 02-03.
4
abolicionismo penal, dos movimentos de lei e ordem e do direito penal do inimigo,
até o do minimalismo (quando abordamos o que RAÚL CERVINI chama de
processos de descriminalização 6) e do garantismo. Especial destaque damos à
análise econômica do Direito (Criminologia Atuarial) e ao fenômeno da
“administrativização” do Direito Penal, tendências que provar-se-ão fundamentais ao
longo do desenvolvimento.
É possível visualizar, de antemão, que a defesa de um modelo “ultraliberal” de
Direito Penal, atribuída especialmente aos doutrinadores vinculados à Escola de
Frankfurt, partidários da restrição da sanção penal às condutas atentatórias contra a vida,
a saúde, a liberdade e a propriedade, contrapõe-se à regulação dos delitos econômicos e
ambientais, circunscrita a um chamado “Direito de Intervenção”, representativo da
tendência mundial de introdução de novos tipos penais ou da reinterpretação das
garantias clássicas do Direito Penal substantivo e do Direito Processual Penal.
Por certo, uma das características do Estado Social e Democrático de Direito
é a intervenção nas relações sociais, de modo a garantir aos indivíduos o acesso às
oportunidades de obtenção de condições mínimas necessárias a uma vida digna.
Sem dúvida, o ordenamento jurídico é utilizado como instrumento de formalização
da relação que se estabelece entre o mercado e a sociedade civil, tendo o Estado
como mediador. Ocorre que, nesse contexto intervencionista, uma parcela da
legislação atua de forma subsidiária, pretendendo conferir um grau mais elevado de
proteção a determinados bens jurídicos, mediante a cominação de sanções
particularmente graves a eventuais autores de condutas específicas que acarretem a
lesão daqueles. Nesse ponto, RAÚL CERVINI e GABRIEL ADRIASOLA constatam a
ineficiência da intervenção penal:
[...] la intervención penal se caracteriza, entonces, por ineficiencia, en la
medida em que los grupos de poder económico, no alcanzados en concreto
por la intervención sancionadora, continuam questionando los procesos
económicos sin vínculos particulares, buscando procurarse el mayor grado
de inmunidad penal, a fin de proteger exclusivamente los intereses de unos
pocos. Es la lógica por la cual, a mayores capitales corresponde mayor
poder de negociación, y, por consiguinte, uma mayor capacidad de dirigir el
7
consenso, condicionando la acción legislativa .
6
7
CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
CERVINI, Raúl; ADRIASOLA, Gabriel. El derecho penal de la empresa: desde una visión garantista:
metodología, criterios de imputación y tutela del patrimonio social. Buenos Aires: B de F, 2005, p. XI.
5
Ademais, impossível desvincular um debate sobre Política Criminal da
Criminologia e, nesse sentido, apontar suas principais tendências. Aqui, muito
embora não abandonemos a imparcialidade, optamos por trilhar um caminho que
pode não ser o que ganhe o mais irrestrito apoio social ou mesmo da comunidade
acadêmica como um todo: o de visar sempre o resguardo do Estado Democrático de
Direito, primado de um Direito Penal Constitucional, em detrimento daquele a todo
custo orientado à eficiência.
É cediço que o jus puniendi corresponde à exclusiva faculdade de o Direito
Penal impor sanção criminal diante da prática do delito. Sua fundamentação está no
critério
da
absoluta
necessidade
e
encontra
limitações
jurídico-políticas,
especialmente nos princípios penais fundamentais. Verifica-se, então, que o Direito
Penal tem por função apenas preservar as condições essenciais a uma pacífica
convivência dos indivíduos. Assim, apenas nesta medida tem legitimidade a
intervenção jurídico-penal8.
Com essa perspectiva, elencamos alguns dos princípios que CEZAR
BITENCOURT reputa limitadores do poder punitivo estatal9, os quais nortearão
nossa pesquisa, não sem antes explicar a necessidade de suas existências,
diferenciá-los das regras e dos valores – categorias não menos relevantes –,
explicar suas funções gerais e tratar de sua eficácia no mundo dos fatos.
Dentro de cada um desses postulados elementares, cuidadosamente
ordenados em uma sequência lógica, envidamos esforços para identificar uma
definição básica, principais funções, legitimidade e visíveis perspectivas. O maior
destaque foi dado à exclusiva proteção de bens jurídicos e suas diversas
concepções, assinalando que sua proteção é a principal função do Direito Penal.
Também procuramos um aprofundamento um pouco maior naquele que talvez seja
o princípio que mais destaque demande, em virtude de sua constante inobservância
prática: o princípio da intervenção mínima, que decorre da fragmentariedade e da
subsidiariedade
do
Direito
Penal,
tendo
nítida
filiação
ao
princípio
da
proporcionalidade.
8
9
RODRIGUES, Anabela Miranda. A determinação da medida da pena privativa de liberdade. Coimbra:
Coimbra Editora, 1995, p. 268.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 11. ed. atual. São Paulo: Saraiva,
2007, v. 1.
6
Nada obstante, observa-se que o Direito Penal positivo vem paulatinamente
acolhendo novas ordens de direitos, afastando-se, assim, de uma concepção
obsoleta, a qual reconhecia como tais apenas aqueles bens ou interesses
suscetíveis de apropriação ou invocação individual. Logo, surgem os direitos de
segunda, terceira, quarta e quinta gerações10.
Basicamente, o que se pode antecipar acerca dessas colocações
introdutórias é que o Direito Penal clássico está visivelmente defasado para lidar
com algumas das novas realidades práticas que a sociedade moderna fez eclodir,
sobretudo a criminalidade econômica. Por conseguinte, é com fulcro nos princípios
hoje insertos na Constituição Federal que encontraremos uma verdadeira restrição
para o direito de punir do Estado, fazendo do Direito Penal uma ferramenta de
construção de uma sociedade mais igualitária e justa.
Note-se que o Direito Penal não existe de forma autônoma em face da
Constituição, mas tem por ela definidos tanto os limites, quanto os fundamentos de
sua estruturação11. A Carta Magna como fonte, a um só tempo, legitima e delimita o
Direito Penal incriminador12.
Uma Constituição possui pressupostos realizáveis e força normativa, não
sendo apenas um “pedaço de papel”, de modo a assumir força ativa e orientar a
conduta, estando presente na consciência geral da sociedade. Sendo assim, uma
norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. Dependerá
da possibilidade de ser concretizada (pretensão de eficácia) e deve considerar as
condições históricas de sua realização (naturais, técnicas, econômicas e sociais).
Através dessa pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e
conformação à realidade política e social13.
10
Segundo NORBERTO BOBBIO, a par do crescente processo de universalização dos direitos
humanos verificado no transcorrer do século XX, constata-se um nítido processo de proliferação
desses direitos, fenômeno que se deve, precipuamente, à consideração do homem não mais como
ente genérico, abstrato, mas como um ser em sua especificidade, ou, dito de outra forma, na
concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade (BOBBIO, Norberto. A era dos
direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 67-68).
11
FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas
penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 23.
12
A definição de uma “Constituição Penal”, como um conjunto de diretrizes normativas estabelecidas à
organização e ao funcionamento do sistema jurídico-penal requerido pela Constituição, as quais
compreendem os princípios e regras gerais respeitantes à matéria criminal (penal e processual penal)
positivados na ordem constitucional, tem por finalidade estabelecer limites dentro dos quais a construção
da política criminal haverá de situar-se para que legitimamente se desenvolva (Ibid.).
13
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1991.
7
A norma constitucional só terá eficácia, poder e prestígio se for determinada
pelo princípio da necessidade, baseando-se nas tendências dominantes do seu
tempo. Somente assim, afirmava KONRAD HESSE, a Constituição terá força ativa (a
imposição das tarefas por ela propostas estará associada à disposição do cidadão
em cumpri-las), “vontade de poder” (wille zur macht) e “vontade de constituição” (wille
zur verfassung)14.
No intuito de delimitar ainda mais o foco, dedicamos um capítulo à “nova”
criminalidade, na qual WINFRED HASSEMER observa uma intervenção estatal
socialmente legitimada, a míngua dos princípios fundamentais já expostos.
Problemas ambientais, drogas, criminalidade organizada, economia,
tributação, informática, comércio exterior e controle sobre armas bélicas –
sobre essas áreas concentra-se hoje a atenção pública: sobre elas apontase uma “necessidade de providências”; nelas realiza-se a complexidade das
sociedades modernas e desenvolvidas; [...] Nestas áreas se espera a
intervenção imediata do Direito Penal, não apenas depois que se tenha
verificado a inadequação de outros meios de controle não penais. O
venerável princípio da subsidiariedade ou da ultima ratio do Direito Penal é
simplesmente cancelado, para dar lugar a um Direito Penal visto como sola
ratio ou prima ratio na solução social de conflitos: a resposta penal surge
para as pessoas responsáveis por estas áreas cada vez mais
frequentemente como a primeira, senão a única saída para controlar os
problemas. Os instrumentos de controle amplamente providos pelo Direito
Penal são considerados adequados para emprego indiscriminado nestas
15
áreas .
Após uma digressão inicial de cunho criminológico, onde buscamos entender
a origem desse fenômeno, enfrentamos um tema bastante controverso e obscuro: o
crime organizado e a dificuldade de determinar o que seja uma organização
criminosa, ponto cujas conclusões serão constantemente reavidas no decorrer do
capítulo, em face da complexidade que esses grupos adquirem, dando novos rumos
ao Direito Penal Econômico, ramo que a cada dia ganha maior “autonomia”.
Em seguida, tratamos do que EDWIN SUTHERLAND batizou de white-collar
crimes (crimes de colarinho branco), aqueles crimes praticados por pessoas
dotadas de respeitabilidade e elevado status social, no âmbito de seu trabalho,
apresentando sua Differential Association Theory (Teoria das Associações
Diferenciais), que busca explicar, sob o ponto de vista sociológico, a white-collar
criminality (criminalidade do colarinho branco).
14
15
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1991.
HASSEMER, Winfred. Três temas de direito penal. Porto Alegre: ESMP, 1993, p. 47-48.
8
Mais adiante, sempre com o objetivo de tornar clara a discussão que, ao
final, provar-se-á o verdadeiro sentido desta monografia, analisamos três delitos de
especial repercussão: o crime de lavagem de capitais, previsto na controversa lei nº
9.613/98; o crime de evasão de divisas, inserto na lei que trata dos crimes contra o
sistema financeiro nacional (lei nº 7.492/86); e duas modalidades mais comuns do
crime de sonegação fiscal da lei nº 8.137/90 (arts. 1º, I, e 2º, II).
Para cada uma dessas figuras típicas procuramos enfrentar, dentre outros
aspectos, sobremaneira a objetividade jurídica tutelada. Para tanto, tivemos que expor
duas outras derivações do Direito Penal clássico: o Direito Penal Financeiro e o Direito
Penal Tributário. Isso, somado às demais dificuldades definitoriais, como o conceito
de sistema financeiro nacional, instituição financeira, evasão e elisão fiscais, todos
tratados em tópicos à parte, só faz evidenciar algo que propositadamente omitimos
até esse momento: a indissociabilidade entre o Direito Penal e os demais ramos do
conhecimento científico, quer adstritos ao próprio Direito, quer alienígenas,
compondo o que se passou a chamar de “ciências criminais”.
Ainda nesse capítulo, alguns temas não podem ser desprezados, porquanto
representam investigações paralelas de incomensurável relevância. Primeiramente,
a apresentação de um panorama dos esforços de combate ao crime de lavagem de
dinheiro, por meio de tratados e convenções interestatais e a criação de órgãos
nacionais e internacionais com o fim de promover a cooperação jurídica
internacional. Além disso, uma visão crítica acerca da real necessidade de
criminalização da conduta de evasão de divisas e o aprofundamento na
regulamentação brasileira da Declaração de Disponibilidades no Exterior. Por fim,
fazemos uma breve análise histórica das causas extintivas de punibilidade
relacionadas ao crime de sonegação fiscal, notadamente através dos sucessivos
programas de recuperação fiscal dos quais os governos têm lançado mão em
situações de crise.
Como adverte RUTH GAUER, trata-se de demandas que avivam cada vez
mais a imprescindível interdisciplinaridade com a qual o Direito e, mais
especificamente, o Direito Penal, é obrigado a conviver16. Aqui, a falta de condições
16
GAUER, Ruth Maria Chittó. Interdisciplinariedade & Ciências Criminais. In: FAYET JÚNIOR, Ney
(Org.). Ensaios penais em homenagem ao Professor Alberto Rufino Rodrigues de Sousa. Porto
Alegre: Ricardo Lenz, 2003, p. 681-691.
9
administrativas para exercer o controle sobre atividades próprias da esfera
legislativa resulta na imputação ao Direito Penal da missão de resolver os problemas
administrativos que não são de sua alçada. O Direito Penal passa a ser visto como
solução, de tal modo que, quando o Estado se depara com novas formas de
criminalidade, cria e usa desmedidamente novos tipos penais, movimento que
descaracteriza um Direito Penal fundado na intervenção mínima17.
No último capítulo, aborda-se o cerne da monografia, isto é, a discussão
acerca da legalização e repatriação de capitais no Brasil propriamente dita. Inicia-se
retomando os dados já angariados sobre disponibilidades no exterior, avaliando
cuidadosamente as razões que originaram esse quadro atual. Em prosseguimento,
identificamos uma série de normatizações que dificultam substancialmente o
cumprimento das disposições legais pelo contribuinte, corroborando uma verdadeira
“cultura de sonegação fiscal”. Evidencia-se que medidas de estímulo fiscal com
objetivos semelhantes à repatriação não são matérias novas sequer no cenário
nacional, encontrando diversos dispositivos desde o período ditatorial. Ademais,
reconhecendo que existem outras medidas igualmente válidas que atuariam
concomitantemente (v.g. Ação Civil de Extinção de Domínio e Alienação
Antecipada), uma breve análise do panorama político e econômico brasileiro permite
concluir que não existe cenário mais propício a esse tipo de debate do que o atual.
Desse modo, parte-se para um enfrentamento das peculiaridades dos
projetos de lei sobre a legalização e a repatriação de capitais em tramitação no
Congresso Nacional. Somente após esse estudo, passa-se ao enfrentamento de sua
repercussão no meio político-jurídico, momento em que inicialmente apresentamos
os posicionamentos de órgãos e entidades vinculadas ou não ao governo para, em
seguida, delimitar duas frentes de opinião que formam uma corrente favorável e uma
desfavorável à implementação das medidas.
Concluímos com a exposição dos efeitos jurídicos práticos propostos,
diferenciando as implicações criminais, concernentes a causas de extinção da
punibilidade, das implicações administrativo-fiscais ou tributárias, por meio da
17
CIPRIANI, Mário Luís Lírio. Direito penal econômico e legitimação da intervenção estatal – Algumas
linhas para a legitimação ou não-intervenção penal no domínio econômico à luz da função da pena
e da política criminal. In: D’ÁVILA, Fábio Roberto; SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder (Coord.).
Direito penal secundário: estudos sobre crimes econômicos, ambientais, informáticos e outras
questões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 457.
10
extinção ou exclusão do débito tributário. Com o fim de encontrar a verdadeira
natureza jurídica dessas medidas, esse último subtítulo trata de institutos de Direito
Penal (anistia, graça e indulto) e Direito Tributário (remissão, isenção e anistia) que
geram grande divergência na parca doutrina especializada que já manifestou opinião
nesse sentido.
Portanto, trata-se de um tema de ampla repercussão, que vem sendo
discutido há quase uma década no Brasil, ainda sem definição, sobretudo em face
dos entraves político-partidários.
Por um lado, a corrente favorável alega que a repatriação poderia trazer
grande retorno financeiro ao Brasil, para acelerar projetos de infraestrutura e
movimentar ainda mais a economia interna do país, culminando numa estabilização
financeira que reduziria os riscos de investimentos nacionais e estrangeiros. Além
disso, que as pessoas de um modo geral se sentiriam mais confortáveis em declarar
seus bens no Brasil, ao invés de remetê-los para o exterior, dada a conjuntura
econômica, favorecendo a cidadania fiscal18.
De outra banda, os argumentos contrários sustentam que, mesmo com as
vedações legais, os procedimentos de legalização e repatriação poderiam atrair
organizações criminosas com o intuito de fraudar a legislação para a prática de
lavagem de dinheiro, o que dificultaria sobremaneira a distinção entre o dinheiro de
origem lícita e o de origem ilícita. Outrossim, o benefício fiscal concedido feriria o
princípio da isonomia tributária, na medida em que privilegiaria o contribuinte que
outrora sonegou tributos, configurando uma espécie de prêmio ao “fugitivo fiscal”.
Após essa análise superficial dos argumentos lançados, indagamos acerca
da real natureza jurídica dos benefícios concedidos, no intento de compreendê-los
completamente, já que não se pode prescindir de sua plena identificação técnica
para, enfim, emitir um juízo de valor cientificamente embasado.
Eis os principais assuntos que pretendemos enfocar na presente
monografia, primando sempre pela observância de um método de investigação
18
Parece-nos evidente que aqueles que dispõem de quantias no exterior enfrentam grandes entraves
para usufruir desses valores, mesmo que fora do Brasil, ainda mais se considerarmos a espantosa
ampliação dos meios de controle internos e internacionais. Desse modo, essas aplicações
mantidas irregularmente beneficiam muito mais as instituições financeiras transnacionais e os
países que a elas dão guarida do que ao próprio titular, que dificilmente consegue multiplicar sua
riqueza, quando muito mantê-la.
11
científica num primeiro plano imparcial e, em decorrência das constatações fáticas,
em certos pontos crítica; nem sempre vinculada ao posicionamento predominante;
entretanto, indissociada de uma abordagem político-criminal moderna dos
fenômenos que objetiva tratar.
1 A POLÍTICA CRIMINAL CONTEMPORÂNEA E SUA RELAÇÃO COM OS
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS INFORMADORES DO DIREITO PENAL
Essas pensamos ser, em linhas gerais, as colocações introdutórias
fundamentais que situam o tema proposto dentro do contexto atual das discussões
político-criminais e criminológicas. Desde já, podemos extrair deduções que, em seu
conjunto, podem conduzir os rumos que o presente trabalho pretende tomar,
primando sempre por uma linha de investigação científica num primeiro momento
imparcial e, em decorrência das constatações fáticas, em certos pontos crítica.
Inicialmente, concordamos que o Estado jamais poderá partir do Direito
Penal para enfrentar os problemas sociais. Em verdade, temos que o Direito Penal
deve ser visto como um instrumento legal de controle do poder punitivo. A opção
legislativa de se valer desse ramo do direito como instrumento simbólico não se
justifica nem mesmo na proteção de valores de patamar constitucional19.
É através dos princípios hoje insertos na Constituição da República, que
visualizamos para além da fundamentação, uma verdadeira restrição para o direito
de punir do Estado, através da indicação de seus fins, alcance, fontes e exigências
de enunciados, fazendo do Direito Penal uma ferramenta de construção de uma
sociedade mais igualitária e justa.
A Constituição em um Estado Democrático de Direito se de um lado
consagra direitos fundamentais e estabelece limites ao poder público, instituindo
princípios básicos de proteção do indivíduo frente ao Estado, por outro fixa
diretrizes, com a finalidade de promover valores e ações de cunho social.
19
Muito menos se legitimaria a ingerência do Direito Penal para imposição de interesse de menor
relevo, como sucede com a chamada “administrativização do Direito Penal”, ou com a expansão
exagerada para figuras de perigo abstrato e de formas culposas, às vezes sem resultado material
significativo, com o recurso a elementos normativos com referências a outras leis.
12
A consagração de valores visa antes a dirigir a ação estatal no sentido da
sua realização, e não descrever condutas proibidas. O que importa como limite ao
poder de punir é o respeito obrigatório do legislador penal aos princípios
constitucionais. Portanto, o Direito Penal estaria limitado negativamente pela
Constituição.
Ao discorrer no presente capítulo sobre os princípios da Exclusiva Proteção
de Bens Jurídicos, da Intervenção Mínima ou da Necessidade, da Lesividade ou
Ofensividade, da Fragmentariedade, da Subsidiariedade, da Proporcionalidade, da
Razoabilidade, da Culpabilidade, da Humanidade e da Adequação Social, julgamos
ter tratado dos principais postulados que vinculam a ação do legislador, no intuito de
acautelar suas inclinações casuísticas. Tal interpretação se harmoniza com a via
que a presente linha de pesquisa pretende trilhar, na árdua missão de promover um
estudo embasado nos pressupostos fundamentais da razão e da justiça.
O poder-dever de punir revela-se, a nosso juízo, tanto na edição da
norma penal incriminadora, ou mesmo na aplicação da norma por meio do
processo, quanto na execução da pena concretizada na sentença condenatória.
Nesses três momentos, identificamos um conflito entre o jus puniendi e os direitos
e garantias do cidadão, consistindo os últimos em restrições intransponíveis ao
poder do Estado.
Dessa forma, entendemos que, no cenário atual, não é possível a eliminação
completa do Direito Penal. E nesse diapasão acompanhamos o pensamento do
ilustre professor CLAUS ROXIN, para quem
[...] a justiça criminal é um mal talvez necessário e que, por isso, se deve
promover – mas que continua sendo um mal. Ela submete numerosos
cidadãos, nem sempre culpados, a medidas persecutórias extremamente
graves do ponto de vista social e psíquico. Ela estigmatiza o condenado e o
leva à desclassificação e à exclusão social, consequências que não podem
ser desejadas num Estado Social de Direito, o qual tem por fim a integração
20
e a redução de discriminações .
Assim, a sociedade não suportaria a inexistência de uma reprimenda
àqueles que infringem a lei, lesando bens essenciais de alguém ou do próprio
Estado, cuja preservação se visa a promover por meio da ameaça penal. Na
20
ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 2.
13
irreparável análise de MIGUEL REALE JR., o poder de punir do Estado é uma
decorrência da “natureza das coisas” da vida associativa, que sucumbe na
anarquia se não houver uma centralização da produção e imposição de normas
sancionadoras21. O exercício legítimo da força só se justifica no Estado de Direito
se houver limites, na defesa dos mais relevantes interesses da vida social.
Evidentemente, constatamos uma tênue linha divisória que separa os
sistemas penais alternativos das alternativas ao direito penal. Isso porque
assentimos que o comportamento criminoso se distribui por todos os grupos sociais
e a nocividade social das formas de criminalidade próprias das classes dominantes
e, portanto, amplamente imunes, é muito mais grave do que toda a criminalidade
realmente perseguida.
No Brasil, identificamos uma tendência à criação de estratégias de combate
à criminalidade tipicamente repressivas. Qualquer outra medida de cunho alternativo
é covardemente atacada, no intuito de desqualificá-la em sua capacidade de
contribuir para a segurança, a partir da imposição do rótulo “política social”, como se
qualquer medida não repressiva ou não jurídico-formal fosse incapaz de contribuir
para a composição de um quadro de alívio do sentimento de insegurança e dela
própria. Nesses momentos, está-se diante de uma concepção conservadora de
segurança.
Ocorre que, num novo modelo de Justiça Criminal que vem sendo traçado
desde o final da década de sessenta, busca-se a extirpação das infrações penais
que não constituem um perigo efetivo à sociedade. No ponto, ganha excepcional
relevância a discussão dos bens jurídicos tutelados pelas normas penais.
O bem jurídico exerce, na esfera da Política Criminal, importante função, ao
orientar o legislador na decisão de qual conduta deve ser reprimida por meio da
ameaça penal. Auxilia ainda a definir, dentre múltiplas formas que a conduta possa
apresentar, qual aquela especial que, dadas suas características, exige-se seja
incriminada por ofender efetivamente um interesse avaliado como relevante.
Num Direito Penal do Estado Democrático de Direito verificamos dentre suas
principais características o respeito à autonomia ética, a precisa delimitação do
21
REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v.
1, p. 16.
14
poder público, a seleção racional dos bens jurídicos penalmente tuteláveis, a
previsibilidade das soluções, a racionalidade, a humanidade e a legalidade das
penas. A este Direito Penal opõe-se um Direito Penal autoritário, de muito maior
aceitação no meio social, inclusive em face da larga adesão da mídia.
Entretanto, não há como negar que o Direito Penal, tal como constituído pela
racionalidade moderna, desconstruído pela crítica sociológica, imobilizado e incapaz
de responder a questões como o crescimento da violência e o surgimento de novas
formas de criminalidade e tensionado pela sensação de insegurança e a demanda
punitiva, já sofre os efeitos da corrosão por via dos mecanismos de emergência na
luta contra o crime.
Diante dessa nova realidade, a manutenção de um paradigma reativo,
pautado pela lógica formal e dogmática da normatividade estatal, se de alguma
forma contribui para rechaçar (mais teórica do que efetivamente) os abusos por
parte do poder punitivo do Estado frente aos direitos e garantias dos cidadãos,
precisa ser urgentemente complementado por uma nova perspectiva de tratamento
da conflitualidade social contemporânea.
Esse, portanto, o norte que pretendemos adotar na busca por respostas iniciais
acerca dos reflexos penais da repatriação de capitais no Brasil. Parece-nos pacífico
que, com esse fim, exige-se uma ampla interação entre a Ciência do Direito Penal, a
Criminologia e a Política Criminal, de modo a orientar o legislador e o aplicador do
Direito Penal na busca pela formação e legitimação de uma efetiva Ciência Penal.
2 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA
No presente capítulo abordamos o cerne desta monografia, isto é, a
discussão acerca da legalização e da repatriação de capitais no Brasil
propriamente dita. Não é demais alertar que a perspectiva criminológica continua
lastreando essa análise, já que se procurou traçar um paralelo dessas medidas
com o ritmo da Política Criminal nacional contemporânea. Do mesmo modo, é
imperioso advertir a absoluta imprescindibilidade de nos valermos de ciências
auxiliares ao Direito Penal e questões que, muito embora aparentem, à primeira
15
vista, ser estranhas a essa matéria, guardam, em verdade, profunda relevância
para a compreensão desse novo cenário no âmbito da criminalidade econômica.
Iniciamos por avaliar a necessidade de implementação de estímulos à
repatriação de capitais, verificando que atualmente existe um significativo
percentual de riquezas brasileiras investidas no exterior. Constata-se aqui a falta
de dados estatísticos conclusivos, o que prejudica a avaliação. Entretanto,
propusemos uma análise comparativa baseada nos dados oficiais, dos capitais
nacionais declaradamente investidos em outros países, para concluir que, por
trás de tais estatísticas, existe uma cifra oculta de incríveis proporções,
abarcando milhares de contribuintes e centenas de bilhões de reais.
Gradualmente, ao longo das últimas décadas, implantou-se no Brasil uma
“cultura de sonegação fiscal” oriunda de sucessivos planos econômicos
fracassados, o que resultou no que denominamos de “intrincada teia normativa”,
um conjunto de normas jurídicas de diferentes âmbitos e escalões, que dificulta
sobremaneira o cumprimento das disposições legais por parte dos contribuintes.
Procuramos demonstrar que a criação de leis com incentivos fiscais no cenário
nacional não é matéria nova, mas que remonta à década de 60 do século XX,
com o governo de CASTELLO BRANCO.
Ao avaliar o atual cenário econômico brasileiro, encontramos um período
pós-crise econômica mundial, onde há grandes expectativas financeiras e as
reservas cambiais nunca estiveram tão altas, revelando uma alta receptividade a
investimentos estrangeiros e, porque não, dos próprios brasileiros. Alinhada a
essa conjuntura é a articulação política liberal do governo do presidente LUIZ
INÁCIO LULA DA SILVA, do Partido dos Trabalhadores (PT).
Evidentemente não se pode desconsiderar que existem outras medidas
que vem sendo aprimoradas com um objetivo similar, que não deixam de ser
válidas dentro de seus propósitos. São medidas que visam à recuperação de
ativos através da cooperação jurídica internacional.
Citamos a ação civil de extinção de domínio, que visa a potencializar a
recuperação de ativos de origem ilícita, bem como o instituto da alienação
antecipada, que consiste na alienação de bens cuja indisponibilidade tenha sido
decretada, com o imediato depósito dos valores arrecadados em conta judicial
16
remunerada. A nosso juízo, ambas as medidas são de extrema valia e além de
garantir eventuais indenizações na esfera cível, não permitem que esses bens
fiquem estagnados, sem o rendimento de lucros e, via de consequência, sem
movimentar a economia.
Em seguida, apresentamos um panorama, inclusive das mais recentes
movimentações, dos projetos de leis que tramitam no Congresso Nacional
relativamente ao tema da repatriação de capitais. Em linhas gerais, trata-se de
tentativas de estabelecer uma tributação favorecida sobre os investimentos
brasileiros no exterior, seja por meio da legalização – declaração e posterior
controle fiscal –, seja pela criação de incentivos tributários e penais ao reingresso
desses recursos.
Nesse desiderato, enfrentamos questões específicas dos projetos de lei
oriundos do Senado Federal – números 424/2003, do senador MARCELO
BEZERRA CRIVELLA (PRB/RJ) e 354/2009, de autoria do Senador DELCÍDIO
DO AMARAL GOMEZ (PT/MS) – e da Câmara dos Deputados – números
113/2003, de autoria do Deputado Federal LUCIANO DE SOUZA CASTRO
(PR/RR) e 5.228/2005, do Deputado Federal JOSÉ MENTOR GUILHERME DE
MELLO NETTO (PT/SP).
No tocante às Administrações Tributárias estrangeiras, não se olvidou de
fazer referência às experiências vivenciadas por diversos países, não só
integrantes da União Europeia, mas também da própria América Latina. Aqui
destacamos os dados mais recentes obtidos.
Na Argentina, a lei de repatriação de capitais injetou cerca de 18,113
bilhões de pesos ou US$ 4,7 bilhões de dólares na economia, através da adesão
de cerca de 36 mil contribuintes 22. Na Itália, estima-se que a repatriação que
terminou em 15 de dezembro de 2009 (Scudo Fiscale III) teria repatriado cerca de
100 bilhões de euros, sobretudo advindos da Suíça. Nas anistias de 2001 e 2003,
25 bilhões de euros saíram dos bancos suíços (aproximadamente 80% de
Lugano, sul da Suíça). Quase 19 bilhões de euros foram regularizados junto ao
22
Lei de repatriação de capitais injeta US$ 4,7 bi na economia argentina. Buenos Aires: Agência
Ansa, 02 set. 2009. Disponível em: <http://wwo.uai.com.br/UAI/html/sessao_4/2009/09/02/em_noticia
_interna,id_sessao=4&id_noticia=125751/em_noticia_interna.shtml>. Acesso em: 14 set. 2010.
17
fisco italiano (Agenzia delle Entrate), mas continuaram sob gestão na Suíça23. A
lei de repatriação turca, em vigor até 31 de dezembro de 2009, repatriou cerca
de 47.3 bilhões de euros (apx. U$ 31.5 bilhões) 24. Em Portugal, durante a crise
econômica europeia, o valor aplicado em paraísos fiscais subiu 3,5%, para um
total de 11,2 milhões de euros, e o reingresso de capitais reduziu-se em 14%,
para 9,8 milhões de euros, segundo o Banco de Portugal. Diante disso, o governo
português aprovou um novo projeto de anistia fiscal aos capitais depositados em
offshores, com prazo de 01 ano, medida que tenta, essencialmente, captar
liquidez para a economia no contexto de crise 25.
Acerca dos efeitos na seara penal, os projetos são bastante claros, mas
evidentemente não isentos de críticas.
Na proposição do Deputado JOSÉ MENTOR, as pessoas físicas e
jurídicas domiciliadas no Brasil que optassem pela legalização ou repatriamento
de recursos não declarados que mantivessem no exterior teriam extintas suas
punibilidades pelos crimes relacionados a esses capitais. Todavia, há um rol de
práticas delituosas que implicariam vedação à aplicação da lei e que, caso
constatadas posteriormente, acarretariam a aplicação de duras sanções, além da
aplicação da pena em dobro. Mais além, há previsão que não seria realizada
qualquer espécie de identificação do sujeito passivo para a emissão do
documento de arrecadação, ficando vedada a divulgação ou a utilização das
informações relativas ao repatriamento para a constituição de crédito tributário
relativo a outros impostos ou contribuições.
No projeto do Senador DELCÍDIO DO AMARAL, a declaração de bens e
direitos e a opção pela consolidação de débitos lá instituída (REFIS) extinguiria a
punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, econômica e financeira e contra
o Sistema Financeiro Nacional, além dos crimes de descaminho, falsidade material de
23
GONÇALVES, Claudinê. Anistia fiscal italiana tirou bilhões da Suíça. Lugano: swissinfo.ch, 16 dez.
2009. Disponível em: <http://www.swissinfo.ch/por/economia/Anistia_fiscal_italiana_tiroubi
lhoes_da_Suica.html?cid=7906964&rss=true>. Acesso em: 14 set. 2010.
24
TURKEY WINS $31.5 billion from repatriation law. Istanbul: World Bulletin, 04 jan. 2010. Disponível em:
<http://www.worldbulletin.net/news_detail.php?id=52170>. Acesso em: 14 set. 2010.
25
RIBEIRO, Luís Reis. Offshores: amnistia fiscal do governo terá alcance limitado e agrava a injustiça.
Lisboa: ionline, 08 maio 2010. Disponível em: <http://www.ionline.pt/conteudo/58890-offshoresamnistia-fiscal-do-governo-tera-alcance-limitado-e-agrava-injustica>. Acesso em: 14 set. 2010.
18
documentos públicos e privados, falsidade ideológica e crimes contra a
previdência social. Há expressa ressalta aos crimes de “lavagem de dinheiro”,
não abarcados pela lei, por envolverem recursos de origem criminosa.
A ideia introduzida por este projeto em especial, é a do estímulo à
cidadania fiscal, conjunto de direito e deveres dos cidadãos frente ao fisco
brasileiro. Busca-se incitar as pessoas físicas e jurídicas a aderir a um novo
modelo fiscal, que contempla a regularização, mediante tributação favorecida, de
suas situações fiscais pretéritas, regularizar e repatriar os capitais não declarados
gerados pela atividade econômica lícita.
Trata-se, pois, de um tema de ampla repercussão, que vem sendo
discutido há quase uma década e ainda não tem definição, sobretudo em face
dos entraves político-partidários, que, nada obstante, revelam a formação de
duas frentes opostas com contornos bastante definidos.
A corrente favorável alega que a repatriação poderia trazer um retorno
financeiro ao Brasil da ordem de US$ 50 bilhões, montante suficiente para
acelerar projetos de infraestrutura e movimentar ainda mais a economia interna
do país. Ampara-se, ainda, nas experiências de países desenvolvidos como Itália,
EUA, e Alemanha. Sustenta-se que as medidas beneficiam apenas os titulares de
recursos provenientes de sonegação fiscal que tiverem angariado os recursos de
forma lícita, não os tendo declarado anteriormente. Do contrário, são previstas
sérias punições. Outro argumento apresentado é o da diminuição do risco e dos
juros e aumento da arrecadação e dos investimentos. Isso porque se especula
que, com o ingresso desses capitais, a economia poderia se estabilizar e, com
isso, os juros e os riscos de investimento no Brasil cairiam, consequentemente
estimulando ainda mais o investimento nacional e estrangeiro. Além disso, as
pessoas de um modo geral se sentiriam mais confortáveis em declarar seus bens
no Brasil (cidadania fiscal) ao invés de remetê-los para o exterior, dada a
conjuntura econômica. Por fim, determinante é a regularização da situação fiscal
de inúmeros contribuintes para com a Receita Federal.
De outra banda, há consideráveis argumentos contrários a uma medida
de repatriação de capitais com extinção de punibilidade de crimes relacionados.
Teme-se que, mesmo com as vedações legais, esse processo poderia atrair
organizações criminosas que intentassem fraudar a legislação para a prática de
19
lavagem de dinheiro, o que dificultaria sobremaneira a distinção entre o dinheiro
de origem lícita e o de origem ilícita. É observado também que uma previsão de
total anonimato no procedimento de repatriação poderia representar uma
“oficialização” da prática criminosa.
Outra questão levantada é a de que a medida fere o princípio da
igualdade ou isonomia tributária 26, na medida em que privilegia o contribuinte que
outrora sonegou tributos, configurando uma espécie de prêmio ao “fugitivo fiscal”,
um incentivo à sonegação que disseminaria um sentimento geral de impunidade.
Ademais, há grande divergência quanto à extinção da punibilidade pelos crimes
de evasão de dividas e de sonegação fiscal. Alguns alegam que, sem a anistia
desses delitos, a lei não teria eficácia, e outros sugerem que seria suficiente uma
redução de pena ou substituição por penas alternativas, caso contrário revelarse-ia um propósito oculto nos projetos, que não o de trazer mais investimentos
para o Brasil.
Após a análise dos argumentos lançados, indagamos acerca da real
natureza jurídica dos benefícios concedidos, no intento de compreendê-los
completamente, já que não se pode prescindir de sua plena identificação técnica
para, enfim, emitir um juízo de valor cientificamente embasado.
Tem-se que a punibilidade não é uma característica do delito, e sim um
resultado de sua existência. A concreta possibilidade jurídica de o Estado aplicar
uma sanção em face do sujeito ativo de um crime encontra obstáculo nas
chamadas causas extintivas de punibilidade, fatores que implicam renúncia ao jus
puniendi ou à pretensão executória 27, seja pela não imposição de uma pena, seja
pela não execução ou interrupção do cumprimento daquela já aplicada.
No ordenamento pátrio, o artigo 107 do Código Penal contempla um rol
exemplificativo de medidas desse cunho. Porém, existem diversos casos
previstos na parte especial do Código, bem como em leis especiais. É o que
pretendem os projetos de repatriação de capitais.
26
27
Para um aprofundamento no tema recomendamos a leitura de VELLOSO, Andrei Pitten. O princípio
da isonomia tributária: da teoria da igualdade ao controle das desigualdades impositivas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010. 382p., obra na qual o autor trata do princípio da isonomia
tributária à luz da teoria geral da igualdade e da justiça fiscal.
O que motiva a criação de novas causas extintivas de punibilidade é sempre algum interesse
estatal de conveniência ou oportunidade política (PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal
brasileiro. v. 1: parte geral, arts. 1º a 120. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 77).
20
Via de regra, ainda que extinta a possibilidade de o Estado de impor uma
pena ao agente, remanesce o crime praticado. Não é o que ocorre com a anistia,
que faz desaparecer a infração penal, como se nunca tivesse sido cometida.
Uma lei de anistia é uma lei que descriminaliza temporariamente o
delito28. Para tanto, deve ser uma lei em sentido material e formal, ou seja, uma
lei editada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República.
Ao que tudo indica, portanto, os projetos de lei relativos à repatriação de
capitais referem-se a uma verdadeira anistia penal no que tange às implicações
criminais.
De outro lado, no que diz com a esfera tributária, coloca-se a discussão
sobre a extinção ou exclusão do débito tributário, que embora alheia ao direito
penal, aqui exerce papel primordial para se possa cogitar da viabilidade e eficácia
da repatriação de capitais. Enfrentamos, assim, as particularidades dos institutos
da remissão, isenção e anistia, porquanto surgiram diversas posições sobre qual
a verdadeira classificação do benefício instituído pelos projetos de repatriação.
A remissão fiscal é uma espécie de perdão legal do débito tributário, no
qual ocorre o fato gerador, mas não há lançamento do tributo. A isenção, por sua
vez, apresenta diversos significados, dentre eles a dispensa legal do pagamento
do tributo; uma hipótese de não-incidência tributária qualificada; e uma limitação
do âmbito de abrangência do critério antecedente ou do consequente da norma
jurídica tributária. Por fim, a anistia fiscal é o esquecimento das infrações
tributárias praticados e o perdão da multa ainda não aplicada.
Observando os termos dos projetos apresentados, chegamos à conclusão
de que os benefícios fiscais que se pretende conceder enquadram-se tanto no
conceito de remissão, abrangendo os tributos federais (obrigação principal) cujo
débito seria remido, quanto a de anistia, que aboliria a multa e os juros de mora
pelo atraso no pagamento. Logo, temos que coexistem os dois institutos, ao
menos pela atual redação dos projetos.
Nada obstante, há quem sustente que o proveito não se enquadra em
nenhuma das três definições apresentadas, antes representando a criação de
uma nova relação jurídica. Não se trataria de perdão na cobrança do crédito
28
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 202/204.
21
tributário principal ou acessório, mas sim de desconsideração de prática de
infração tributária e penal, concedendo ao contribuinte faltoso novo prazo para
retificação de sua declaração de bens e direitos, bem como a incidência de
alíquota diferenciada para tais contribuintes. Nesses termos, instituir-se-ia apenas
um regime de tributação diferenciado.
Cremos, no entanto, que o fato de ser criado um regime de tributação
diferenciado29, não exclui a remissão que é concedida relativamente aos débitos
tributários passados, tampouco a anistia, quanto a eventual multa pelo
descumprimento da obrigação tributária.
Finalmente, da análise das alíquotas propostas conclui-se que, se
considerarmos as faixas de regular tributação sobre o Imposto de Renda, há, sem
dúvida, um favorecimento do contribuinte que outrora sonegou os tributos,
retomando-se o debate sobre a violação à isonomia tributária.
Nesse passo, tendo delimitado os conceitos fundamentais e exposto os
debates mais prementes, remetemos à conclusão um posicionamento provisório
sobre a legalização e repatriação de capitais, com base nos subsídios até aqui
angariados.
29
Uma das principais controvérsias dos projetos é a definição de qual será o percentual da
alíquota a ser cobrada a título de imposto de renda. A partir do exercício de 2011 (ano calendário de 2010), a alíquota mínima de IRPF de 7,5% refere-se a uma base de cálculo
mensal de R$ 1.499,16 até R$ 2.246,75. A alíquota sobe para 15% para base de cálculo
entre R$ 2.246,76 até R$ 2.995,70 e atinge 22%, sobre uma base de cálculo mensal de R$
2.995,71 até R$ 3.743,19. O teto de 27,5% corresponde a rendimentos superiores a R$
3.743,19. (Alíquotas do Imposto de Renda Retido na Fonte. Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/ContribFont.htm>. Acesso em: 17 set. 2010).
No PLC 113/03, a alíquota sugerida originalmente era de 5%, indistintamente. Na redação
original do PLC 5.228/05, o tributo incidente seria de 3%, em caso de repatriação, ou de
6%, em caso de mera legalização e manutenção no exterior. Após sucessivas emendas,
sugeriu-se o aumento da primeira alíquota para 13% e a segunda para 20%. O PLS 424/03
não trouxe previsão expressa de alíquotas. Já o PLS 354/09 prevê que o imposto seja
cobrado à alíquota de 5%, em caso de declaração de bens e direitos sonegados já no
território nacional, ou 10%, para inclusão de bens e direitos sonegados no exterior, tanto
para casos de repatriação, quanto apenas para legalização. Duas particularidades desse
último projeto merecerem ser aqui destacadas: o desconto de 5% para pagamento em cota
única ou possibilidade de parcelamento em até 10 (dez) parcelas mensais de igual valor, e
a redução das alíquotas de tributação à metade se o contribuinte aplicar no mínimo 50% do
valor dos bens e direitos adicionados em cotas de fundos de investimentos destinados a
aplicação de recursos em projetos de infraestrutura, habitação, agronegócio, inovação e
pesquisa científica e tecnológica e, ainda, em bônus ou títulos de dívidas de emissão de
empresas brasileiras ofertados nos mercados externos.
22
CONCLUSÃO
O presente artigo traz as principais conclusões do trabalho de mesmo título,
no qual buscamos realizar uma análise criminológica e político-criminal das
propostas de legalização e repatriação de capitais em voga no Brasil. Com esse
objetivo, dividimos a monografia em três frentes de abordagem, iniciando pela
exposição do panorama contemporâneo da Política Criminal e de alguns dos
princípios norteadores do Direito Penal, perpassando a questão da criminalidade
econômica e diversas discussões a ela inerentes, para, finalmente, dissecar os
projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, bem como as linhas de
posicionamento formadas pelo embate relativo aos efeitos dessas proposições.
Estruturalmente, intentou-se manejar a inferência de forma ampla, sob uma
perspectiva sistemática, enunciando, por fim, alguns esboços de conclusões, com o
fim de estabelecer um delineamento capaz de disseminar as discussões no âmbito
acadêmico, de molde a propiciar o desencadeamento de pesquisas mais
aprofundadas.
Nada
obstante,
é
imperioso
tecer
algumas
breves
considerações
preliminares, de sorte a melhor situar a temática dentro da linha de raciocínio que se
pretendeu adotar.
Inicialmente, deve-se anotar que a função primordial do Direito Penal é, sem
dúvida, a proteção de bens jurídico-penais essenciais ao indivíduo e à comunidade.
Para cumprir esse desiderato, em um Estado Democrático de Direito, o legislador
seleciona os bens especialmente relevantes para a vida social, que, em razão disso,
merecem a tutela penal. Assim, o fato social que contrariar o ordenamento jurídico
passará a constituir um ilícito, cuja modalidade mais grave é o ilícito penal.
Ocorre que o atual modo de produção do Direito Penal exige uma urgente
reformulação, em face da complexidade que esse ramo do ordenamento jurídico
adquire na contemporaneidade, sendo obrigado a lidar com o surgimento de novas
categorias delitivas, as quais buscam tutelar objetividades jurídicas difusas,
concernentes aos conflitos coletivos e sociais emergentes.
Logo, entendemos que as discussões acerca das funções e limites do Direito
Penal, às luzes da ordem constitucional vigente, devem necessariamente passar por
23
uma reavaliação da concepção de bem jurídico, haja vista seu papel de
simultaneamente definir a função e limitar a legitimidade da intervenção do Direito
Penal.
Nesse viés, os bens jurídicos precisam ser vistos como concretizações dos
reais interesses (diretos ou indiretos) dos indivíduos, que, por suas cruciais
importâncias, merecem máxima proteção, haja vista que o fim de prover a segurança
através de suas tutelas é o que marca um limite racional à aspiração ética do Direito
Penal.
Temos que essa premente conflagração não deve ficar adstrita ao âmbito
legislativo, mas sim alcançar o âmago da formação dos operadores do Direito,
através de uma abordagem crítica, porém construtiva, e não meramente reprodutiva,
tampouco pessimista. Do contrário, prevalecerá o desrespeito às conquistas
históricas da Democracia.
É certo que o Estado não pode invadir a esfera dos direitos individuais do
cidadão, ainda quando haja praticado algum delito. Impreterivelmente, a onipotência
jurídico-penal do Estado deve contar com freios ou limites que resguardem os
invioláveis direitos fundamentais dos indivíduos. Esses limites materializam-se
através de princípios fundamentais consagrados na Constituição e caracterizam um
Estado pluralista e democrático.
Com essa perspectiva, o grande debate que se coloca é, pois, a legitimação
do Direito Penal, ou seja, sua justificação social como fenômeno interventivo nas
relações sociais.
Por bem considerar que a importância do sistema penal não mais deve ser
buscada nos inúmeros delitos positivados em seus códigos, porém na possibilidade
e compromisso de estar de acordo com a realidade de cada país e, por conseguinte,
solucionar e preencher as lacunas que a evolução dos povos vai deixando nas leis e
no próprio Direito.
Não se pode negar que, sendo espelho da realidade social vigente e,
segundo os paradigmas tidos pela sociedade como relevantes, o Direito Penal deve
estar em constante evolução, amoldando-se ao contexto dos valores das mais
variadas ordens insertas no seio social em que se faz presente sua aplicação. Desse
24
modo, utilizada pelo Direito Penal como meio de controle social, a pena precisa ser
justificada à luz dos princípios e valores constitucionais.
Defendemos que uma atuação estatal penal restrita aos delitos efetivamente
graves em relação aos indivíduos e ao grupo social, desde que observados os
postulados expressos nas convenções internacionais de direitos humanos e os
princípios constitucionalmente positivados, ainda tem uma tarefa positiva a cumprir
na
construção
de
uma
sociedade
mais
democrática,
justa
e
igualitária.
Consequentemente, não é possível admitir as teses que difundem a abolição do
sistema punitivo, já que o Direito Penal tem uma importância fundamental para as
relações humanas como ordem de paz e proteção.
No entanto, entendemos também que a adoção de estratégias de
confrontação de fatos socialmente danosos deve vir atrelada às prerrogativas de
liberdade e dignidade da pessoa humana, inspirada, assim, em critérios de
racionalidade e eficiência.
A intervenção racional do legislador deve pautar-se pelo estabelecimento de
tipos penais incriminadores bem delimitados e de fácil comprovação no plano
processual. De outro modo, essa interferência termina por ampliar alegoricamente o
âmbito de operatividade do Direito Penal, acarretando a produção das mais graves
violações das garantias constitucionais, o que resulta em uma intervenção de
natureza simbólica.
Por essas razões, a busca de meios de luta inspirados na efetividade
reclama a recuperação das exigências de taxatividade e determinação, em sintonia
com a ideia de um direito penal mínimo.
Sem embargo, temos ciência de que essa política criminal vai de encontro
àquela mais disseminada na atualidade, derivada do neokantismo conservador, que
encontra nos movimentos de lei e ordem seus maiores expoentes. Todavia, se o que
se busca é uma verdadeira justiça criminal, um Direito Penal mais justo, em
detrimento de ordenamentos que possuem fortes resquícios de um sistema
inquisitivo, é necessária uma releitura da legislação ordinária dirigida pelos valores
constitucionais.
Por óbvio, devem ser submetidas à pena tão-somente algumas condutas
antijurídicas, o que acentua o caráter fragmentário do Direito Penal. Esse processo
25
seletivo de condutas merecedoras de coerção penal é matéria de permanente
revisão, sendo manifesta a tendência à redução na política criminal dos países
centrais, que propugnam abertamente a “descriminalização” ou “despenalização” de
inúmeras condutas. Esse movimento é capitaneado pela constatação de que a pena
não retribui o injusto, nem sua culpabilidade, mas deve guardar certa relação com
ambos, como único caminho pelo qual pode aspirar a garantir a segurança jurídica,
e não afrontá-la.
Por decorrência lógica, a descriminalização deveria ocorrer em relação a
infrações que não ofendam, de forma expressiva, os novos interesses tutelados. Já
a penalização se deveria dar em face de delitos que tenham relevância social, por
ofenderem significativamente interesses protegidos na órbita constitucional. Isso
porque a proteção de bens jurídicos relevantes não apenas vincula o legislador,
mas, sobretudo, o Poder Judiciário, nos momentos de interpretação e aplicação das
leis.
Certo é, também, que o Direito Penal deve ser visto como ultima ratio, de
sorte que sua aplicação só estará legitimada à medida que haja efetiva lesão ou
concreta ameaça a um bem jurídico determinado e os meios dessa solução
impliquem o menor conteúdo possível de irracionalidade.
Tendo por base essas constatações, defendemos um processo de gradual
abolição dos delitos cuja objetividade jurídica tutelada tenha cunho exclusivamente
econômico, em prol da “administrativização” do Direito Penal nesse ponto, como
forma de observar (e preservar) o Princípio da Intervenção Mínima. Em um estágio
intermediário, entendemos que as penas pecuniárias e alternativas são suficientes
(ao lado das sanções administrativas) para lidar com a criminalidade econômica
isolada, uma vez que a pena carcerária, nesse âmbito, há muito já demonstrou sua
defasagem e plena ineficácia.
Nesse sentido, a extinção de punibilidade de delitos econômicos, com o
propósito de legalizar e repatriar capitais lícitos é plenamente legítima, tanto sob o
ponto de vista do interesse social envolvido, quanto pelo interesse político criminal,
consagrando uma verdadeira ruptura com as tradicionais propostas de combate ao
crime organizado transnacional.
26
Em última análise, visa-se atender às expectativas e anseios da sociedade,
no sentido de estimular as pessoas físicas e jurídicas a aderirem a um novo modelo
de relação entre o fisco e o contribuinte (cidadania fiscal) que contempla a
regularização, mediante tributação favorecida, de sua situação fiscal pretérita, com o
objetivo de ensejar a repatriação de capitais e declaração de recursos gerados pela
atividade econômica lícita, não declarados na forma da legislação vigente.
Ademais, uma medida que extinga a punibilidade de crimes contra a ordem
tributária e contra o sistema financeiro nacional nada mais faz do que reconhecer a
impossibilidade (ou ineficácia) de o Direito Penal conferir efetiva tutela aos bens
jurídicos lesionados por essas condutas ilícitas, o que se amolda perfeitamente a
uma política criminal liberal, que consagra a desvinculação entre problemas estatais
e a tutela penal.
Em face desse crescente movimento de “administrativização” (uso do Direito
Administrativo Sancionador), esses tipos tendem naturalmente se não ao
desaparecimento, a uma total reestruturação, por imperativo da própria lógica do
laissez-faire, prevalecendo o liberalismo econômico.
Não se nega que a Economia constitui um bem jurídico que merece
proteção, contudo não pela seara penal. Os atos contra a Economia devem ser
juridicamente analisados pelos demais ramos do Direito, que podem diligente e
celeremente dar uma resposta a essa criminalidade, sem o receio de invadir direitos
individuais fundamentais que o Direito Penal está obrigado a resguardar.
Recordemos que o discurso pela descriminalização nessa área vem pautando as
discussões criminais em âmbito mundial e que essa tendência não se refere à
abolição de condutas, mas representa tão-só a defesa de suas remessas para
outras áreas, persistindo a conduta antieconômica como um ilícito a ser punido.
Concomitantemente, visualiza-se nos processos de legalização e repatriação
de capitais medidas inegavelmente benéficas ao país, com os objetivos de promover
a melhoria do ambiente institucional e o desenvolvimento interno, através da
remoção dos obstáculos que, ao longo das últimas décadas, emergiram dos
sucessivos planos de estabilização monetária fracassados, quebrando regras
contratuais, desrespeitando direitos adquiridos e acarretando incertezas jurídicas
para os agentes econômicos.
27
No plano econômico, essas medidas possibilitarão atenuar os efeitos do
longo período inflacionário que induziu poupadores e investidores a buscar proteção
contra a desvalorização da moeda em outros ativos financeiros, moedas
estrangeiras ou sistemas econômicos, bem como neutralizar o aumento da carga
fiscal, consequência de medidas emergenciais, para fazer frente às recentes crises
internacionais. Permitir-se-á, ainda, o acréscimo da arrecadação tributária no médiolongo prazo, pela transformação de arrecadação potencial em efetiva, mediante a
incidência dos tributos sobre as receitas futuras do investimento financeiro.
Com isso, igualar-se-á o Brasil a diversos países que já se utilizaram de
mecanismos semelhantes para atrair capitais nacionais anteriormente investidos em
outros sistemas bancários, inclusive em países com tributação favorecida (paraísos
fiscais). Isso induzirá a redução dos níveis de dependência de moedas estrangeiras,
à medida que tais capitais, ao reingressarem no Brasil, reforçarão as reservas
cambiais líquidas e permitirão investimentos em infraestrutura, para o financiamento
de projetos estratégicos.
O que, de fato, pende de resolução é a amplitude da anistia penal e da
remissão fiscal que seriam concedidas. Todavia, cogitamos que talvez a medida
despenalizadora seja suficientemente hábil a estimular a regularização e
repatriação, diante do atual cenário econômico, sendo desnecessária a tributação
favorecida sobre esses bens e direitos, uma vez que o entrave penal constitui, por si
só, um sério impedimento ao retorno desses capitais.
No que diz com as implicações fiscais, não negamos que a remissão implica
o beneficiamento de um contribuinte em relação aos demais, porém, do ponto de
vista penal, o repatriamento é medida salutar, pois efetiva um discurso voltado à
intervenção mínima, caracterizador de um Estado Democrático de Direito.
É necessário colocar um freio ao ímpeto criminalizante do legislador e
medidas como essa são um primeiro impulso, possibilitando que o contribuinte
outrora sonegador, especialmente por motivos ligados à conjuntura políticoeconômica, ou seja, em flagrantes hipóteses de estado de necessidade ou
inexigibilidade de conduta diversa, possa legalizar seus recursos lícitos, já que hoje
o Brasil apresenta uma conjuntura favorável. Dentre os delitos que possivelmente
esse contribuinte poderia incorrer destacamos os crimes de evasão de divisas,
sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.
28
Perante uma nova ordem econômica mundial que, por sua vez, traz
profundas modificações axiológicas no âmbito das relações da sociedade
globalizada, a abordagem do Direito Penal torna-se anacrônica, mormente quando
se depara com o fenômeno da criminalidade econômica organizada de caráter
transnacional. Nessa perspectiva, exige-se um novo e eficaz posicionamento dos
Estados para implementação de um efetivo combate, através da adoção de medidas
alternativas de controle da disseminação da prática delitiva na sociedade. Ressaltese, uma vez mais, que é necessário adotar uma linha crítica que não se desvincule
dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.
Nessa senda, entendemos que a legalização e o repatriamento de capitais
são figuras que (res)surgem num momento histórico adequado, em que a liberdade
de expressão propicia um debate isonômico, que, por sua vez, possibilita a formação
de correntes divergentes de entendimento, com amplo potencial de argumentação e
investigação.
Um dos argumentos lançados contra as medidas de repatriação é
exatamente a dificuldade de domínio, em face da alta complexidade que atualmente
atingem as organizações criminosas interestatais.
Ocorre que, no âmbito internacional, reconhece-se que o Brasil possui uma
das polícias mais avançadas do mundo e que dispomos de órgãos de inteligência a
cada dia mais eficientes. Os incomensuráveis gastos com a contenção da
criminalidade organizada poderiam, em parte, ser destinados à fiscalização do
processo de repatriação, o que maximizaria suas chances de plena eficácia.
Outrossim, não é difícil perceber que a provável arrecadação decorrente justificaria
plenamente os investimentos estatais com a logística necessária. Porém, é
imprescindível a coalizão entre diversos órgãos com esse objetivo comum, dentre
eles a Polícia Federal, o Ministério Público, a Receita Federal, o Banco Central do
Brasil, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Departamento de
Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI). Entendemos também
que essa deve ser uma das prioridades a serem debatidas pela Estratégia Nacional
de combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA).
A criação de Varas Federais especializadas representa uma grande
evolução
no
cenário
nacional,
a
despeito
das
críticas
acerca
de
sua
29
constitucionalidade. A tendência é a aplicação dessa experiência bem sucedida no
âmbito federal à Justiça Comum, porquanto as justiças estaduais estão
demasiadamente atrasadas nesse ponto, basta observar os raríssimos casos de
processos por lavagem de capitais e sonegação fiscal que lá tramitam e os irrisórios
índices de condenações.
Contudo, no combate a esses crimes com feição transnacional e vasta
complexidade não basta a união de esforços entre órgãos internos; é imprescindível
a ampliação da cooperação jurídica internacional, pela utilização efetiva de acordos
bilaterais e tratados multilaterais de direito penal internacional, além da elaboração
de uma lei geral de cooperação internacional, que regule os procedimentos
necessários.
O que se defende é uma maior atenção a essa área, dada a relevante lesão
que causa à sociedade, infinitamente superior aos crimes dos quais se ocupa o
Direito Penal clássico, porém não sob o enfoque criminalizante.
Concluímos pela premência da ampla interação entre o Direito Penal, a
Criminologia e a Política Criminal, de modo a orientar o legislador e o aplicador do
Direito na solução desses novos problemas com os quais a sociedade moderna se
defronta. Argumenta-se, então, que os projetos relativos à legalização e repatriação
de capitais encontram substancial amparo nas orientações consagradas pela Lei
Fundamental, não se tratando apenas de planos de cunho arrecadatório.
É manifesto o significativo percentual de riquezas brasileiras investidas no
exterior irregularmente. Bem assim, tem-se verificado que o Direito Penal não
consegue intervir satisfatoriamente no campo da Economia, por vez que sua
estruturação clássica nunca almejou essa atuação. Por isso, a nosso juízo, há plena
legitimidade para implementar as medidas despenalizadoras intentadas.
Sem embargo, retomando a vinculação do presente trabalho à postura
pluralista exigida do hermeneuta da ciência jurídica, admitimos que não é possível a
obtenção de uma única resposta como correta para os problemas aqui
apresentados, já que, do contrário, negaríamos a própria base do sistema.
Considerando que a função do intérprete é procurar, dentre as várias interpretações
possíveis, aquela mais adequada, do ponto de vista racional, para o caso concreto,
entendemos que essa missão foi cumprida, na medida em que, para além de expor
30
diversos desdobramentos que a atualidade apresenta para a problemática enfocada,
apresentamos
uma
argumentação
lógico-dedutiva
particular,
embasada
no
levantamento realizado e orientada à busca de soluções factíveis, que tenham a
potencialidade de contribuir para a elucidação do questionamento apresentado.
Essa é, portanto, nossa singela contribuição para o estudo das ciências
criminais, no que tange à criminalidade econômica e à repatriação de capitais, sob o
enfoque da Política Criminal brasileira contemporânea. A partir desse estudo
introdutório, foi possível identificar uma progressiva especialização dentro do Direito
Penal, que passa a dividir-se em núcleos bastante delimitados e com pretensão de
autonomia. Porém, não se pode olvidar que ainda estamos tratando de Direito Penal
e que, por isso, não se pode abrir mão de determinadas diretrizes essenciais.
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