Direito Civil e Internacional DA NECESSIDADE DE (RE)CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SOBERANIA EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS1 THE NEED OF (RE)BUILDING SOVEREIGNTY CONCEPT IN FACE OF SOCIAL RIGHTS Ana Carolina Peduti Abujamra2 Mestranda em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru); Especialista em Direito Empresarial pela ITE/Bauru; Advogada Claudio José Amaral Bahia Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP; Mestre em Direito Constitucional pela ITE/Bauru; Professor do Programa Stricto Sensu em Direito (Mestrado), mantido pela ITE/Bauru; Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito de Bauru/ITE; Advogado RESUMO As transformações advindas na nova ordem mundial – o processo de globalização – não se restringem aos aspectos econômicos, políticos e sociais, mas podem ser observadas em nível conceitual, no qual se presenciam alterações em diversos conceitos flexibilizados em face desse novo contexto. Dentre esses, é possível verificar uma crise conceitual da soberania, pois, diante das determinações da “mundialização” do capital, emerge a necessidade de se reformular a concepção clássica do conceito presente na Teoria do Estado. Tal globalização ora traz benesses aos direitos fundamentais sociais, ora se entremostra prejudicial a eles, tendo em vista a relativização da soberania e a ingerência de outros Estados nos que necessitam. Parar-se-á onde? PALAVRAS-CHAVE: Estado. Princípios. Soberania. Relativização. Direitos fundamentais ABSTRACT The transformations from the world new order or what is called – the globalization process –, do not stick only to economical, political and social aspects. Yet, they can be observed in the conceptual level, where we can see alterations in the several flexible concepts facing this new context. Among these, it is possible to examine the sovereignty conceptual crisis because facing the determinations of the capital internationalization; we can perceive the necessity of reformulating the classical conception of State theory currently used. 1 2 Enviado em 31/3, aprovado em 6/7 e aceito em 30/7/2009. E-mail: [email protected] Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 p. 21 Direito Civil e Internacional This globalization sometimes brings benefits to fundamental social rights, is now harmful to them in order to relativization of sovereignty, and the interference of other states in that they need. Where will we stop? KEYWORDS: State. Principles. Sovereignity. Relativization. Fundamental Rights SUMÁRIO 1 Introdução 2 Formação clássica dos Estados 3 Princípio westfaliano da igualdade jurídica entre os Estados 4 O modelo constitucional estatal 5 Principais formas de Estado 6 Da soberania nacional 6.1. Relativização do princípio da soberania nacional em face dos direitos sociais 7 Conclusão 8 Referências bibliográficas 1 Introdução O homem somente consegue evoluir em sociedade. Como indivíduo e ser autônomo, o homem procura realizar suas oportunidades conforme seus interesses próprios, e nem sempre por meios ou processos legais. Todavia, esta satisfação de interesses só lhe é possível em sociedade, quer dizer, em intercâmbio com outros homens. Desse intercâmbio, inevitavelmente surgem tensões, zonas de conflito de interesses, as quais somente são passíveis de solução por intermédio da função e da força ordenadora do Direito. Entrementes, é preciso esclarecer que o Direito não realiza tal tarefa de qualquer maneira, de qualquer modo; faz-no a partir de uma ideia de justiça, que o legitima, que o torna aceito pela comunidade onde aplicado. Em consonância com sua função criadora e fomentadora de segurança e certeza, o Direito estabelece normas de condutas jurídicas vindas do passado, visando a contemplar comportamentos humanos presentes e futuros. Contudo, tais diretrizes podem ser facilmente superadas se não existir uma eficaz e contínua atualização da compostura jurídica existente e aplicável a uma determinada sociedade. Uma constante do Direito é, portanto, a sua contínua renovação. Para que seja dotado de efetividade e de eficácia, o Direito deve, na medida do possível, acompanhar os fenômenos evolutivos que o circundam – sob pena de tornar-se obsoleto e inútil. Nesse contexto, um dos fenômenos mais comentados dos últimos tempos, seja para o bem seja para o mal, diz respeito, indiscutivelmente, à globalização, a qual, mesmo não havendo consenso doutrinário acerca de seu conceito e de suas espécies, espraia seus efeitos e consequências pelos mais diversos cantos do globo. Em sentido amplo, tal fenômeno revolve ao século XII, mais precisamente no que diz respeito à intensa atividade de mercadejo exercida pelos comerciantes medievais, p. 22 Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 Direito Civil e Internacional os quais, já naquela época, contavam com grandes organizações ao seu derredor, com o fito de protegerem seus interesses e direitos. Com o passar do tempo, o processo de globalização deixou de ser guiado apenas pelo viés econômico, pautando-se, hodiernamente, pela criação de processos e mecanismos de integração que ultrapassam as fronteiras estatais até então conhecidas e vigentes, mexendo, conjunta e simultaneamente, com a política, a cultura e as formatações sociais ali existentes, de modo que o direito não pode ficar alheio ou à margem desse processo integrativo. A globalização não trouxe apenas benesses, como a interação entre os povos, o compartilhamento de opiniões e tecnologias, um maior instinto de solidariedade social: muito em face de seu cunho econômico, percebe-se um aumento alarmante do número de pessoas que se encontram abaixo da linha da pobreza; um constante ataque ao meio ambiente pertencente a estas e às futuras gerações; um percentual de desemprego preocupante; além de questões magnas como marginalização, discriminação, intolerância racial, entre outros graves problemas. Não se pode negar que essa “modernização” abala ou, melhor, modifica conceitos jurídicos há muito sedimentados, como jurisdição, competência, soberania, nacionalidade, etc. Deve, pois, haver uma nova releitura de tais conceitos. O conceito tradicionalmente empregado em relação à soberania estatal nessa nova ordem mundial não pode mais ser interpretado de modo absoluto: o Estado absoluto soberano não sobreviverá. Não parece incompossível alargar-se o conceito de soberania, na exata medida em que, antes do surgimento das comunidades de países, já era inegável que, em certas ocasiões, verificava-se a necessidade de regulamentar as relações havidas entre nacionais e estrangeiros, circunstância a qual possibilitou a utilização de lei estrangeira dentro do território nacional sem comprometer a soberania dos Estados (princípio da extraterritorialidade) e a efetivação dos direitos sociais. O Brasil adotou o princípio da territorialidade moderada, segundo o qual a norma de outro país pode ser aplicada no território nacional, sempre respeitando-se, no entanto, os princípios maiores de nosso ordenamento jurídico e as convenções internacionais. Não se pode descurar que o legislador constituinte de 1988 já se mostrava atento e preparado para as mudanças paradigmáticas que estavam por vir, como bem nos dão conta os dogmas enfeixados no artigo 4º da Constituição. 2 Formação clássica dos Estados Leciona Mário Lúcio Quintão Soares (2004, p. 79), que antes do advento do Estado, havia sociedades pré-estatais, como a família patriarcal, o clã e a tribo, a fatria helênica, a gens romana, a gentilidade ibérica e o senhorio feudal, entre outras. Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 p. 23 Direito Civil e Internacional Num determinado momento histórico, um ou mais homens impuseram ou convenceram outros da necessidade da vida em sociedade como meio indispensável ao bem-estar de todos e de cada um. A partir do momento que os homens, voluntariamente ou por imposição de outros mais fortes ou mais inteligentes, compreenderam a necessidade de se agruparem, visando uma melhor garantia e segurança das condições de vida e desenvolvimento, o embrião do fenômeno estatal (sociedade) surgiu e não mais recrudesceu. Assim, na vida em sociedade, é indispensável um princípio de organização que assegure, harmoniosamente, a realização do bem-estar de cada um sem detrimento da liberdade dos demais. Se cada indivíduo, descurando do bem-estar coletivo, se preocupasse exclusivamente com os próprios interesses – sem a ação de um poder coercitivo, de uma força centrípeta que velasse pela coesão do todo em benefício comum –, a dissolução da sociedade não tardaria. A sociedade, tal qual se tem hoje, é o resultado do esforço de gerações passadas e de gerações presentes. Entretanto, nem sempre foi assim. Para a real compreensão do Estado Moderno, é necessária uma rápida digressão do contexto histórico-evolutivo da organização social humana. Fazendo coro a Paulo Bonavides (1999, p. 19): Esta locução política “Estado Moderno” só se faz inteligível na sua realidade contemporânea se houver primeiro remissão a elementos históricos que ilustram a natureza governativa da sociedade ocidental, já na Antiguidade, já na Idade Média. Por via desse cotejo ou paralelo se percebe quanto o Estado Moderno em verdade significa uma nova representação de poder grandemente distinta daquela que prevaleceu em passado mais remoto ou até mesmo mais próximo, como foi o largo período medievo. Em prosseguimento, na Grécia antiga a pólis (cidade-estado) era a unidade social natural para os gregos e definia simultaneamente o universo de sua interação social e o fundamento de seus valores, até a formação do Império de Alexandre, o Grande. Platão, nos aspectos político e social, é considerado um reformador. Seu caráter revolucionário verifica-se claramente em A República. Nessa obra, o filósofo descreve a cidade ideal e indica as causas da decadência que gradualmente levam à tirania, isto é, à pior das formas de governo. De acordo com Platão, da mesma maneira que o organismo biológico humano apresenta uma inteligência diretora, uma energia volitiva e uma parte consagrada à vida material, os mesmos elementos encontram-se no organismo social, e cada um desses p. 24 Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 Direito Civil e Internacional elementos corresponde uma classe especial: a inteligência seria representada pela classe dos sábios, a coragem, isto é, a energia volitiva, pela dos guerreiros, e o ônus da produção caberia a uma terceira classe, ou seja, a dos artesãos, artistas e lavradores, classe essa privada de direitos políticos, que forneceria o sustento material às duas outras. O indivíduo nada é; o Estado é tudo. A política é uma moral engrandecida baseada na psicologia do Estado. As três partes do corpo correspondem as três classes principais de A República: os sábios (magistrados) são a cabeça e a razão de Estado; os guerreiros são o coração e a força; e os artesãos, lavradores e artistas satisfazem as necessidades materiais do Estado. Contudo, a identidade do fim deve ser prejudicada por esta diversidade de funções. Seja qual for a posição que ocupe na sociedade, todo cidadão deve-a ao Estado (RIBEIRO, 2001, p. 48). Fundamentalmente, a política e a educação formam a mesma arte. O governo mais perfeito é o dos melhores – isto é, dos aristocratas, porque neles domina a razão. Todavia, tal forma de Estado não pode durar eternamente: sempre se observam, no ciclo histórico, momentos de aristocracia e tirania, e o tirano é o último dos homens. Para Plantão, a sociedade somente será “feliz” quando governada pelos filósofos, pois só eles possuem a ciência do justo. O governo é sempre a imagem e a consequência dos costumes políticos. Sem virtude, o Estado não pode subsistir. Assim, para Platão, a moral e a política são idênticas. Para ele, o princípio da penalidade é idêntico ao princípio da expiação. O fim das leis penais deve ser salvar o homem, e não fazê-lo sofrer por crueldade ou por interesse. A utilidade da justiça não pode fundar a lei penal. Qualquer lei deve expressar a essência ou a ideia do justo, dirigida à razão. Em Roma, verificava-se uma noção estatal afeta à preocupação, ao respeito assíduo com os interesses coletivos e com a chamada coisa pública. Até mesmo o imperador deveria se submeter como servidor. Foi nessa época que se originou a divisão que perdurou por muito tempo entre direito público e direito privado. Na Idade Média esse conceito romano foi derrubado. Passou-se a adotar, como base, três elementos principais: o cristão, o clássico e bárbaro. O princípio básico que norteia essa época é da autoridade, cuja origem se deve ao governo de Carlos Magno. Conforme leciona João Ribeiro Júnior (2001, 58-59): No desenrolar do século XIV, o regime econômico entra em declínio, e com ele todo o sistema que o acompanhava. É a crise, com sua mudança na hierarquia dos valores predominantes. Consequentemente, alvorece nova Era distinta da chamada Idade Média. Distinta nas circunstâncias econômicas, sociais e políticas; distinta da mentalidade – plena de novos conhecimentos –, que se forma no homem europeu; distinta no âmbito geográfico em que haverá de viver no futuro o homem ocidental. Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 p. 25 Direito Civil e Internacional Iniciava-se a Idade Moderna. Segundo Maquiavel, para fundar um Estado é preciso a obra de um só homem, mas para mantê-lo é necessário um governo republicano que equilibre as ambições e as exigências de todos. O Estado é a necessidade suprema, o único meio para realizar uma sociedade entre os homens, o caminho indispensável para travar as cobiças e evitar os efeitos da covardia. Tudo deve servir para a conservação e o desenvolvimento da república, até as ideias religiosas. Estas são avaliadas como puro elemento político, e Maquiavel julga que o catolicismo, ao menos na forma e nos efeitos produzidos na Itália de seu tempo, serve para sustentar o Estado, menos do que a antiga religião pagã. A criação e conservação do Estado precisam da virtude de determinados indivíduos, dando a esta palavra um significado político diferente, portanto, do significado moral e cristão. Maquiavel considera a virtude a aptidão para conhecer os fins e os meios necessários na ação política. Como o homem, o Estado é para ele um organismo destinado a perecer. O governante deve, nos períodos felizes, fazer com que os cidadãos não esqueçam esta lei fatal. Para o fim, pensa Maquiavel, servem os acontecimentos excepcionais – guerras, pestilência, terremotos –, contribuindo para dar novamente aos cidadãos o sentido do Estado, que, nas épocas felizes, tende-se a perder. No que diz respeito às forças armadas, sua ideia é a criação das tropas citadina (milícias). Após Maquiavel, em Hobbes, considerado o teórico do absolutismo, encontramos a explicação contratualista da sociedade, que perdurará até Rousseau – a sociedade nada mais é que um contrato. Hobbes argumentava que a única alternativa para assegurar a paz perpétua é quando as pessoas realizam uma convenção entre si, colocando-se sob uma poderosa autoridade soberana, de modo tal que qualquer rebelião contrária ao seu comando seja virtualmente impossível. Essa autoridade soberana deve estar autorizada a agir sempre no sentido de preservar as vidas daqueles que se submeteram a ela. E deve possuir um poder suficientemente grande para reprimir as paixões guerreiras naturais dos seus súditos, por meio da ameaça de um dano maior ainda. A autoridade soberana não é parte de qualquer contrato ou convenção, mas está limitada pela lei natural para buscar a paz e manter a justiça. Esta também pode criar qualquer lei artificial necessária para cumprir aquelas leis naturais. Para Hobbes, o direito de legislar depende simplesmente do poder para proteger e preservar a paz perpétua. No que diz respeito à moderna concepção de Estado Democrático, não se pode deixar correr ao largo a importância de Locke e Rousseau. Locke preconizou a necessidade de que para a existência de um governo tido por democrático, a sociedade participasse do processo da escolha e da realização das leis, que entendesse indispensáveis para uma vida harmônica, cuja execução restaria a cargo p. 26 Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 Direito Civil e Internacional de funcionários pertencentes ao próprio Estado, havendo, assim, uma união de esforços para atingir o bem comum. Ensina Bittar (2002, p. 198) a respeito do contrato social para Rousseau: Trata-se de um consenso estabelecido entre as pessoas com vista na fundação da sociedade. É ele o divisor de águas entre o estado de natureza e o estado cívico no qual vivem os seres humanos. É algo que artificial e convencionalmente se pactua formar, o que dá surgimento a uma pessoa que não se confunde com os indivíduos que compõem o pacto; está-se aqui a falar de uma pessoa pública ou corpo coletivo formado com base na união de forças e interesses de diversos indivíduos pactuantes. Em artigo apresentado no VIII Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública (Cidade do Panamá, 28 a 31/10/2003), sustenta Marcelo Fernando López Parra: Com as Revoluções Inglesa, Francesa e Americana esses conceitos foram amplamente discutidos, chegando-se, em síntese, aos seguintes pressupostos para que houvesse realmente um Estado Democrático: “supremacia da vontade popular [...], a preservação da liberdade e da igualdade de direitos”. [...] Surge, então o Estado Constitucional, que enquadra o Estado Democrático num sistema normativo fundamental, pois a burguesia queria afirmar seus direitos e assegurar sua permanência no poder, de forma escrita, para dificultar qualquer tentativa de retrocesso por parte dos nobres. Esta forma de Estado tem base nas discussões constitucionalistas e consagra “a ideia de que o Estado deve ter um governo de leis, não de homens.3 Com o tempo, percebeu-se uma precípua necessidade de que os atos proferidos e levados a efeito pela Administração pública fossem mais bem fiscalizados e controlados, em face da enorme diversidade de serviços públicos necessários à consecução da atividade estatal: surge o que se convencionou chamar de Estado Social. O Estado Social Constitucional, assim, caracteriza-se pela necessidade essencial de observância, respeito, concretização e aplicação das ideias contidas no corpo jurídico-político fundamental de uma sociedade, deixando assente que os representantes escolhidos para gerir o Poder Público, em qualquer de suas funções, não podem se furtar a cumprir as opções de consecução e desenvolvimento das políticas públicas voltadas a fomentar a proteção à dignidade, à isonomia e aos direitos sociais. A concretização do Estado constitucional de direito obriga-nos a procurar o pluralismo de estilos culturais, a diversidade de circunstâncias e condições históricas e os códigos de observação próprios de ordenamentos jurídicos concretos. 3 Disponível em: <http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0047704.pdf>. Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 p. 27 Direito Civil e Internacional A preocupação do Estado Social Constitucional deve ter fulcro na concretização dos direitos fundamentais pertencentes a todos os seus cidadãos – a isonomia não é quimera, mas finalidade primaz do ente estatal. 3 Princípio westfaliano da igualdade jurídica entre os estados O Tratado de Westfália, de 1648, marca o início dos acertos entre Estados-nação na Europa. Deliberou-se o fim das guerras religiosas e a “regulação” dos Estados sobre a religião. Tornou-se o tratado ícone do novo arranjo, em que o Estado-nação assume uma soberania incontrastável e exclusiva no cenário mundial. Há um forte enfoque na centralidade de uma etnia, uma raça sobre outras. O tratado ainda pôs fim à preponderância dos habsburgos, garantiu a segurança dos protestantes e estabeleceu o princípio do equilíbrio das potências da Europa, antes que Frederico II viesse a firmá-lo sob novas bases. Conforme assevera Fabio Floh (2008, p. 220), “o advento da Paz de Westfália é a criação definitiva do conceito Estado-nação, assim como o estabelecimento da sociedade internacional de Estados [...]”. O Tratado de Westfália institui quatro elementos, todos caracterizadores do novo sistema internacional que surgia: soberania, territorialidade, autonomia e legalidade. Em resumo, o novel modelo ali surgido definiu que o globo é divido em países, dotados de soberania e autonomia, não é válida qualquer autoridade que se proclame superior àqueles. Portanto, os processos de realização legislativa, de solução de conflitos, bem como a execução de suas normas jurídicas são de encargo exclusivo de cada país. Outro objetivo do tratado era fomentar os relacionamentos entre países (Estados); todavia, os interesses nacionais individuais estariam em primeiro plano – a criação de normas jurídicas internacionais tem por escopo estabelecer as condições mínimas de convivência entre os Estados, que passam a ser tratados de maneira isonômica, sem sobrepujança de um sobre outro, independentemente das diferenças e assimetrias econômicas, políticas e de poder – prestigia-se, ainda, minimizar os obstáculos à atuação livre dos referidos países. Os conflitos internacionais, em surgindo, tendem a ser resolvidos pelo uso da força, ou seja, pela guerra; a responsabilidade por atos ilícitos transacionais se restringe, unicamente, aos Estados neles envolvidos, ou, que demonstrem interesse direto na situação em questão. Esse modelo perdurou, intacto, durante muito tempo, mais precisamente até o surgimento das chamadas organizações internacionais, entre as quais pode-se citar a ONU, e suas diversas ramificações, como por exemplo, a Unesco, criada em 1945, como [...] resultado da conferência de Londres dos ministros da Educação de quarenta e quatro Estados. Sediada em Paris, ela apresenta a tradicional estrutura institucional de outros organismos internacionais: uma Conferência geral, um Conselho Executivo e uma Secretaria [...] (SEITENFUS, 2005, p. 232) p. 28 Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 Direito Civil e Internacional Como bem assevera Valério de Oliveira Mazzuoli (2007, p. 504), “as organizações internacionais [...] têm personalidade jurídica, da mesma forma que os Estados, podendo participar da cena internacional em seus mais variados campos de atuação [...]”. Em suma, o Tratado de Westfália restabeleceu a paz na Europa e inaugurou nova fase na história política do continente, propiciando o triunfo da igualdade jurídica dos Estados, com o que ficaram estabelecidas sólidas bases de uma regulamentação internacional positiva. Esta igualdade jurídica elevou os Estados ao patamar de únicos atores nas políticas internacionais, eliminando o poder da Igreja e conferindo aos mais diversos Estados o direito de escolher seu próprio caminho econômico, político ou religioso. Consagrou-se, assim, o modelo da soberania externa absoluta, e iniciou-se uma ordem internacional protagonizada por nações com poder supremo dentro de fronteiras territoriais estabelecidas. Um pouco mais tarde, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão trouxe alguns caracteres da soberania adotados por várias constituições: unidade, indivisibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. Os antecedentes históricos mostram que a ideia de Soberania é sempre analisada ao lado do estudo do poder. Os primeiros pensamentos sobre poder repousam na célebre frase de São Paulo, “dominis potest dei”, e nas ideias de Santo Agostinho ao pregar o respeito e a submissão dos príncipes ante o poder espiritual dos papas. O tratado de Westfália e seus reflexos são de grande influência ao Direito Constitucional, pois trazem fundamentos e princípios estatais como a igualdade soberana entre os Estados; o respeito aos limites internacionais; a prevalência do principio territorial sobre o pessoal; e a não intervenção por outros Estados em assuntos internos são fundamentos e consequências do Estado Democrático de Direito. 4 O modelo constitucional estatal Conforme conceitua Jorge Miranda (2002, p. 2): O Direito Constitucional é a parcela da ordem jurídica que rege o próprio Estado enquanto comunidade e enquanto poder. É o conjunto de normas (disposições e princípios) que recortam o contexto jurídico correspondente à comunidade política como um todo e aí situam os indivíduos e os grupos uns em face dos outros e frente ao Estado-poder e que, ao mesmo tempo, definem a titularidade do poder, os modos de formação e manifestação da vontade política, os órgãos de que esta carece e os atos em que se concretiza. Verifica-se que o Direito Constitucional se constitui em principal vertente da ordem jurídica de um Estado, inserido como tal dentro do Direito Público (coletividade), desdobrando seus efeitos para a estruturação do poder, cedendo-lhe os contornos de Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 p. 29 Direito Civil e Internacional atuação e os limites de sua atividade. Nas palavras de André Ramos Tavares, tal ramo do Direito tem sido, desde o final do século XX, o berço natural de positivação dos direitos humanos: toda a regulamentação afeta ao Direito Constitucional encontra-se positivada num corpo legislativo denominado Constituição. O termo “constituição” encontra nascedouro no Direito Romano, mais precisamente da expressão constitutiones principum, a qual se relacionava tão somente a atos normativos proferidos pelo imperador que ostentavam condição de lei – não guarda, portanto, qualquer similitude com a acepção atual. Para se ter uma correta visão do moderno conceito de Constituição, é mister buscar, nas raízes históricas da Antiguidade, os ensinamentos proferidos por Aristóteles, que em A Política já deixava assentado a existência de leis que tinham por escopo organizar e constituir o próprio poder, as quais, por evidente, diferenciavam-se de outras de natureza comezinha. Tal pensamento somente veio a ser reconhecido com o advento do Liberalismo, no século XVIII, cujo fito era delimitar o poder, asseverando a existência de leis que lhe seriam prístinas e superiores. A partir desse momento, o termo “Constituição” passou a designar o primeiro documento jurídico do Estado, id est, o corpo de regras que define a organização fundamental desse mesmo Estado a fim de garantir os direitos do homem. Surgia a primeira polêmica em relação ao conceito de constituição e as dificuldades que os operadores do direito teriam para concatená-lo de maneira escorreita. Nesse particular, vem à baila o pensamento de Hesse (1983, p. 4): [...] essa questão não pode resolver-se recorrendo a um conceito de Constituição consolidado ou, quando menos, majoritariamente admitido. Pois a teoria atual do Direito Constitucional, por mais que se encontrem amplas coincidências, não tem chegado a aclarar o conceito e a qualidade da Constituição ao ponto de se alcançar o consenso de uma opinião dominante. A compreensão, em cada caso, implícito do Estado e das Constituições atuais e, com frequência, algo mais pressuposto do que algo explicitamente fundamentado. Obviamente, denota-se que o termo “constituição” é mais utilizado para identificar a organização jurídica fundamental (conceito jurídico) – significando, mais acuradamente, o conjunto de regras atinentes à forma do Estado, à forma do governo, ao modo de aquisição e consecução do poder, à fixação dos seus órgãos e aos limites de sua ação. Todavia, não se pode olvidar a existência de outras definições que procuram, ao seu modo, traduzir e exprimir a compostura da matéria em apreço. Em sentido amplo, o vocábulo foge ao campo jurídico – representa a estrutura particular de qualquer coisa: todo ente tem a sua própria “constituição”. Apesar de com ele manter certa relação, tal acepção ainda está distante do ordenamento jurídico, pois contempla o universo do ser – e não do dever-ser, do qual o Direito faz parte. p. 30 Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 Direito Civil e Internacional Em verdade, reporta-se a soma das variantes políticas, econômicas, ideológicas, dentre outras, que consubstanciam a realidade social de um determinado ente Estatal, apresentando a sua peculiar maneira de ser. Em sentido substancial, já se percebe um maior conteúdo normativo do termo “constituição”, passando este a representar um conjunto de regras ou princípios que têm por pálio fomentar a estrutura do Estado, a organização dos seus órgãos supremos, bem como definir as respectivas competências destes.4 Em outras palavras, “constituição” representa o complexo de normas jurídicas fundamentais, escritas ou não, hábeis a reforçar as vigas mestras de um ordenamento jurídico, estabelecendo as relações jurídicas mínimas para a existência de um Estado. O sentido formal traz em seu bojo característica oposta àquela externada pelo substancial, ao definir “constituição” como a reunião de normas legislativas diferentes daquelas de natureza não basilar, em razão de as primeiras serem confeccionadas diante de um processo legislativo mais árduo e solene, somando-se a tais dificuldades a criação de um órgão com função especial de elaborá-la – a assembleia constituinte. O objetivo da constituição formal é tão somente ser um texto regularmente aprovado pela força soberana do Estado para lhe conferir sua estrutura, além de declinar os direitos fundamentais dos seus cidadãos. Modernamente, adotando a conceituação estabelecida por Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, pode-se definir Constituição como A organização sistemática dos elementos constitutivos do Estado, através da qual se definem a forma e a estrutura deste, o sistema de governo, a divisão e o funcionamento dos poderes, o modelo econômico e os direitos, deveres e garantias fundamentais, sendo que qualquer outra matéria que for agregada a ela será considerada formalmente constitucional. (2008, p. 3) Em razão das argumentações até agora levantadas, a Constituição não é – nem poderia ser – uma lei qualquer. Pode-se dizer que tal jamais poderá ser revogada, mas apenas alterada, vez que se apresenta como legislação hierarquicamente superior: é a lei fundamental, nuclear e básica de uma sociedade politicamente organizada. Com espeque na ponderação realizada por José Renato Nalini (1997, 37), temos que: O princípio da supremacia constitucional significa encontrar-se a Constituição no vértice do sistema normativo. Ela é o fundamento de validade de todas as demais normas, pois estabelece em seu corpo a forma pela qual a normatividade infraconstitucional será produzida. Todas as demais leis e atos normativos são hierarquicamente inferiores à Constituição. E se com ela incompatíveis, não têm lugar no 4 “La coexistencia de valores y princípios, sobre la que hoy deve basarse necesariamente una Constituicion para no renunciar a sus cometidos de unidad e integración y al mismo tiempo no hacerse incompatible con su base material pluralista, exige que cada uno de tales valores y princípios se asuma con carácter no absoluto, compatible con aquellos otros con los que debe conviver [...]” (ZAGREBELSKY, 2007, p. 14). Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 p. 31 Direito Civil e Internacional sistema jurídico, por não haver possibilidade de coexistência entre a Constituição e norma inconstitucional. Em suma, o princípio da supremacia da Constituição é decorrência de sua própria origem, haja vista que deriva do Poder Constituinte Originário, o qual apresenta natureza absoluta e inegável caráter de rigidez, sobrepondo-se, assim, às demais espécies normativas existentes. Portanto, é de observância obrigatória. O Estado Constitucional ratifica a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, exigindo, assim, observar-se o homem como centro do universo jurídico: esse reconhecimento abarca a todos, coletivamente ou individualmente. Percebe-se que da albergada constitucional da dignidade da pessoa humana resulta também a obrigação de o Estado garantir ao indivíduo um patamar mínimo de recursos, entre eles a saúde. O direito à existência digna não é assegurado apenas pela não abstenção do Estado em afetar a esfera patrimonial das pessoas sob a sua autoridade. Passa, também, pelo cumprimento de prestações positivas, destinadas a garantir a efetiva proteção aos direitos inerentes à saúde, à previdência e à assistência social, entre muitos outros. A cidadania também é outra vertente magna do Estado Constitucional: exige-se exigir que o cidadão tenha plena participação nas decisões e nos acontecimentos que envolvem os atos promovidos pela Administração Pública, não se perdendo de vista, como salienta Neme (2001, p. 311-312): É evidente que a atividade estatal é necessária na medida em que a colocação dos cidadãos no “estado de natureza”, distancia-se do ideal de igualdade formal e material pretendido por todas as declarações de direito e constituições democráticas. Sendo assim, alguns valores podem ser albergados como valores comuns ao projeto de inclusão, por serem independentes de carga filosófica ou política, podem ser utilizados em qualquer estado que tenha por objetivo diminuir ou, ao menos, minimizar os efeitos do tratamento desigual até aqui perpetrado. Portanto, a constituição não será mais usada como mero instrumento de retórica vazia, mas como verdadeiro documento político fundamental de concreção de vida digna para todos os cidadãos brasileiros, sem distinções de quaisquer naturezas. Seria, enfim, a verificação de um autêntico Estado Constitucional Social, que visa ao bem de seus convivas. 5 Principais formas de Estado Do ponto de vista da distribuição geográfica de poder, até o final do século XVIII, não se conhecia outra forma de poder senão o Estado unitário, ou seja, o que apresenta p. 32 Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 Direito Civil e Internacional um único centro irradiador de decisões políticas expressas em lei. Para facilitar a execução das decisões proferidas pelo Estado, o território pode ser dividido administrativamente, sendo, contudo, tais áreas subordinadas hierarquicamente à administração central. Diferentemente do Estado unitário, no Estado composto dois ou mais Estados unem-se por motivos diversos. Podem ser uniões transitórias, que não atingem a estrutura interna do Estado; ou com caráter mais jurídico, as quais influem diretamente na estrutura do Estado. A confederação é a união de Estados soberanos por meio de um tratado internacional, cujos membros podem retirar-se da união a qualquer momento – direito à secessão. Outra forma de Estado composto é o Estado federal, notadamente a mais utilizada nos tempos atuais. É necessário, pois, proceder ao estudo dos acontecimentos históricos que antecederam a criação do Estado federal e do princípio federativo, bem como dos conceitos relacionados. O federalismo tem sua origem a partir da proclamação da independência das 13 colônias inglesas que propiciou o surgimento dos Estados Unidos da América, em 1776. Pode-se definir uma federação como a aliança entre vários Estados para formar um Estado único, em que as unidades federadas preservam parte de sua autonomia política, enquanto a soberania é transferida para o Estado federal. O federalismo possibilita a coexistência de diferentes coletividades políticas dentro de um Estado único, havendo esferas de atribuições fixadas na própria Constituição entre a União e os Estados federados. Dentro do conceito de federalismo, reside um forte conteúdo autonomista, sendo esta talvez a seu característica mais marcante: a autonomia assegura aos membros da Federação o relacionamento entre as vontades parciais de cada um como a vontade central, revelando-se por intermédio de uma atividade político descentralizadora: Descentralizar implica a retirada de competência de um centro para transferi-las a outro, passando elas a ser próprias do novo centro. Se se fala em descentralização administrativa quer-se significar a existência de novos centros administrativos independentes de outros. Se a referência é descentralização política, os novos centros terão capacidade política (TEMER, 1993, p. 55-56). Para que a aludida descentralização política possa realmente ser efetivada e externar a autonomia dos Estados Federados, é mister separar as competências entre as vontades de tais entes e a vontade do ente central. Tal divisão deve ser determinada pelo texto constitucional, tornando-se parte de sua essência. Se determinada por legislação ordinária, a alteração seria de fácil execução e o pacto federativo estaria fragilizado, o que vem ao encontro com o seu objetivo. Todavia, não basta uma perfeita divisão de competências entre entes federados: é necessário, também, que lhes sejam outorgadas rendas suficientes para a consecução Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 p. 33 Direito Civil e Internacional dos projetos e das tarefas atinentes. Sem o devido suporte financeiro, a propalada autonomia federativa fica apenas no papel, sem qualquer aplicação. O pacto federativo normalmente estará consignado como cláusula pétrea de uma constituição, sendo esta escrita de modo a impedir a saída de qualquer dos Estados ou até mesmo a dissolução da união. A referida indissolubilidade, prescrita na lei maior, é outro elemento diferenciador do Estado Federal em relação à confederação – cuja origem vem embasada em um tratado firmado por Estados soberanos, sendo permitido o desligamento de qualquer deles. Outra característica do Federalismo é a representação das vontades dos Estados na consecução da vontade geral. Para tanto, criou-se um Poder Legislativo bicameral: há uma casa representativa do povo, a Câmara dos Deputados; e outra, com representantes dos Estados federados, o Senado. Fundados na isonomia que deve prevalecer entre os entes federados, com respeito ao poder central e entre si, cada um dos Estados deve exercitar a vontade parcial com o mesmo número de senadores, sob pena de infringir tal princípio. Necessária se faz, também, a presença de um órgão pertencente ao Poder Judiciário (imparcial, desvinculado dos demais) capaz de manter o pacto federativo, para que, em caso de dúvidas ou ataques à forma federativa, possa dizer o direito – no caso brasileiro, trata-se do Supremo Tribunal Federal. Ao proferir suas decisões, o Poder Judiciário fará valer a Constituição restabelecendo o necessário equilíbrio entre os poderes, minando as dúvidas relativas ao exercício das competências e garantindo o cumprimento do pacto federal. Por fim, com o objetivo de manter a federação em face de graves ameaças, encontra-se o remédio jurídico da intervenção federal, em que a União, representando todos os outros Estados-membros, afasta de forma temporária todas ou algumas prerrogativas inerentes à autonomia do Estado submetido ao processo interventivo – em última análise, não passa de instrumento da vontade dos Estados federados lesados por determinada situação. Nesse caso, a União decreta a intervenção federal no Estado em que está ocorrendo a situação reprimível, fazendo prevalecer as vontades parciais dos demais Estados, representada agora pela vontade federal, até cessar os motivos autorizadores do ato. Embora haja diferenças de organização entre os Estados federais, todos apresentam características comuns básicas aptas a identificá-los e distingui-los do Estado unitário. De acordo com os apontamentos e análises efetuados ao derredor do fenômeno do federalismo, percebe-se que esta forma estatal continua sendo vivificada nos mais diversos regimes políticos. Lembrando a necessidade de o Direito acompanhar a evolução do pensamento e das transformações sociais, a tradicional formatação federalista deve sofrer uma interpretação dinâmica, capaz de acompanhar as solicitações que lhe são feitas. p. 34 Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 Direito Civil e Internacional 6 Da soberania nacional O termo surge no final do século XVI, juntamente com o Estado Moderno. É decorrente da necessidade de neutralizar um contexto de instabilidade política, econômica e social presente no fim da Idade Média, gerada, entre outros fatores, pela disputa constante entre o poder temporal, do rei, e o poder espiritual, da Igreja, agravada pela descentralização do poder entre barões, condes, duques, entre outros nobres. Durante esse período, o termo “soberano” indicava mais uma privilegiada posição dentro de um sistema hierárquico do que propriamente a unicidade do poder político: cada nobre era soberano dentro de seus domínios. Na monarquia, tal poder estendia-se ao rei, vide a frase do rei Luís XIV, da França – “o Estado sou eu” – expressão máxima da Teoria do Direito divino do monarca e do absolutismo. O conceito de soberania transforma-se e adapta-se a cada época. No passado, ligada à figura do monarca – o qual encarnava o caráter da divindade –, hoje se apresenta de modo diverso. Sob o prisma da democracia, podemos dividir a doutrina em soberania popular e soberania nacional. A primeira, mais democrática, difunde a soberania a todos os membros da comunidade: sendo, por consequência, cada um deles seria titular de uma parcela desta, de modo que todos fossem iguais politicamente. A soberania nacional, de outro lado, em vez de pulverizar a soberania, absorve-a e delega a um único ente: a nação. A diferença básica entre ambas reside na legitimidade para o sufrágio popular: uma restringe tal legitimidade, e a outra a concede a todos os cidadãos. Evidentemente a questão da soberania não se adstringe apenas às citadas características doutrinárias e históricas: hoje seu conceito é bastante abrangente, sendo utilizado em muitas situações para justificar atos do Poder Público e – por que não dizer – dos entes privados. Apenas para citar exemplos da positivização deste conceito, nossa Constituição Federal declara que o Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, tem como fundamento a soberania (art. 1º, I) e rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da independência nacional (art. 4º, I). Soberania é a racionalização do poder, transformação da força em poder legítimo. Significa que a autoridade política mantém tanto a lei e a ordem dentro das fronteiras do seu território – interna, soberania no Estado – quanto a integridade dessas fronteiras perante o cenário externo, em que os Estados reconhecem-se com base no direito internacional – externa, soberania do Estado. Logo, Estado e sociedade dependem um do outro. O conceito de soberania envolve o conceito de Estado. O Estado soberano impõe a si os seus próprios limites. Aqui reside a principal diferença entre soberania e autodeterminação, facilmente confundidas: à soberania não cabe nenhuma espécie de limitação, enquanto a autodeterminação pode ter suas ações limitadas por algum outro tipo de poder. Um Estado soberano é autônomo, independente e tem poder supremo. Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 p. 35 Direito Civil e Internacional Segundo Paupério (1968, p. 17), “a vontade de um Estado soberano não depende de nenhuma outra vontade. É a vontade suprema garantida, se necessário pela força coatora de que dispõe, pela própria natureza, a entidade estatal.” Portanto, a soberania traduz-se na vontade própria do Estado, que, consequentemente, embasa a ideia clássica de supremacia interna e de independência internacional. Por fim, diante das transformações advindas da nova ordem social, o conceito clássico de soberania não responde mais às atuais circunstâncias. Até mesmo o papel do Estado transformou-se em decorrência da expressão política da globalização, ou seja, o programa neoliberal de governo. 6.1 Relativização do princípio da soberania nacional em face dos direitos sociais Nota-se historicamente uma mudança conceitual da soberania conforme as formas de organizações do poder. A ideia de poder supremo e incontestável que estava no centro da noção de soberania incomodava, e fez com que aparecessem pensadores que passaram a discordar deste pressuposto. Rousseau aparece como o grande pensador contratualista após Hobbes, adaptando a noção de pacto às suas teorias, mas afastando-se do autor inglês ao conceituar o estado de natureza e a soberania. Para Rousseau, a soberania é do povo, é expressão da vontade geral; e todo o poder é estabelecido em favor dos governados. A função do soberano, revogável a qualquer momento, é apenas executar as leis. Assim, ela não pode ser transmitida, é inalienável, indivisível, insuscetível de representação ou de limitação. Tal definição fora adotada por várias constituições, e consagra-se na Europa com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), quando o termo “soberania” firmou-se, trazendo em sua essência características de indivisibilidade, inalienabilidade, imprescindibilidade e unidade. Em tempos mais recentes, no início do século XX, discutindo a legitimidade do poder soberano, Leon Duguit analisa a soberania fazendo uma crítica à sua origem divina: ao utilizar-se da onipotência do termo, o Estado legitima o abuso do poder, por que este vem de Deus. Resgata em Rousseau a ideia de que soberania é uma vontade autodeterminada, cuja competência é, por conseguinte, independente de outra vontade. Nessa teoria, o príncipe tem direitos sobre seus súditos, mas os súditos não têm direito algum sobre ele – o direito divino sobrenatural. Na França, de acordo com Duguit, a doutrina do direito divino fora conhecida e afirmada no século XVII, que serviu ao rei para negar qualquer supremacia ao imperador germânico e ao papa. Luís XIV afirmava que a soberania da qual os reis estão investidos é uma delegação da providência divina, e que somente perante a Deus são os reis responsáveis pelo poder que lhes fora concedido. Após a crítica a respeito da criação da origem divina do poder soberano, Duguit trata da impossibilidade de manter o absolutismo, referindo-se ao princípio da soberania p. 36 Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 Direito Civil e Internacional no âmbito das relações internacionais de Estados soberanos. Para isso, cita a Liga das Nações, que seria como um super-Estado, acima dos demais Estados que a ela aderissem. A ideia que inspirou a Liga das Nações após a 1ª Guerra Mundial era impedir que uma potência qualquer desencadeasse novamente outra calamidade mundial, que viesse a impedir novamente o homem de trabalhar livre em seu território nacional. Em verdade, este pensamento foi um dos mais generosos e humanos em um tratado de paz, mas, na conjuntura em que se encontrava o mundo naquele momento, a Liga das Nações não teria como funcionar: o conceito absoluto de soberania ainda estava muito vivo nas relações internacionais para que nenhum participante do Tratado de Versalhes pudesse aceitar uma sociedade de nações como propunha-se a liga. Contudo, mesmo com o fracasso da Liga das Nações, da formação do Estado clássico após as revoluções americana e francesa para o Estado globalizado, plurinacional do século XXI há uma forte mudança. A ideia, já não tão nova, de que o fenômeno da globalização afeta de forma adversa a soberania do Estado Moderno é cada vez mais aceita em círculos acadêmicos, governamentais e internacionais. Com efeito, existe uma progressiva diminuição do campo de manobra dentro do qual as autoridades nacionais podem tomar decisões sobre matérias de interesse doméstico, independentemente do exterior. A sociedade mundial carece de um Estado moderno que se ajuste às necessidades supremas da humanidade, em que parece primária a noção de absolutismo da soberania dos Estados, noção ainda mais relativa à luz do Direito Internacional atual, cujo exercício está justificado em nome da paz e do bem comum da nação globalizada, quiçá a busca pela realização completa dos direitos sociais – podendo fornecer a todas as sociedades a saúde, educação, trabalho, etc. De acordo com Ferrajoli (2002, p. 39), a soberania externa absoluta conhece seu fim, ou a sua relativização, quando, no plano do direito internacional, são sancionadas a Carta da ONU, em 1945, e três anos mais tarde, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia-Geral da ONU. Com estes documentos, a soberania deixa de ser absoluta e subordina-se a duas normas fundamentais para o mundo – “o imperativo de paz e a tutela dos direitos humanos”. De fato, a Carta da ONU marca o fim do paradigma firmado com os Tratados de Westfália após a Guerra dos Trinta Anos e o nascimento de um novo direito internacional. O veto ao ius ad bellum, que aparece no preâmbulo e nos dois primeiros artigos da Carta da ONU, representa o fim do principal atributo da soberania externa e constitui a juridicidade do novo ordenamento internacional. O princípio da soberania enfrentou – após a formação do Estado moderno, a promulgação de constituições nacionais baseadas na declaração de 1789 e, mais recentemente, a formação das Nações Unidas – um progressivo processo de relativização. Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 p. 37 Direito Civil e Internacional Nesse panorama, a Constituição brasileira de 1988, ao menos em tese, impede que o Estado brasileiro alimente a autofagia do mercado e do próprio Estado. Mesmo sem inviabilizar a adoção do receituário neoliberal, estabeleceu os princípios da ordem econômica que, por via indireta, impõem limites às ideias neoliberais. São os seguintes princípios, contidos no art. 170: I. soberania nacional; II. função social da propriedade; III. defesa do consumidor; IV. defesa do meio ambiente; V. redução de desigualdades sociais e regionais; VI. a busca do pleno emprego; VII. tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. (grifo nosso) A ordem econômica brasileira é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, na concreção dos direitos fundamentais sociais. Seus fins, de acordo com a Constituição, documento mestre de uma sociedade constituída sob a condição de Estado de Direito, são assegurar a todos existência digna, conforme os ditames de justiça social. O governo brasileiro, ao adotar políticas econômicas, precisa estar mais atento aos ditames acima, bem como aos fundamentos e objetivos constitucionais, sob pena de dar azo a um sistema econômico demasiado liberado, porém pouco competitivo e pouco produtivo. Ao agir desta forma, estar-se-á atentando contra a ordem jurídica constitucional. Todo Estado moderno, de acordo com as diretrizes lançadas por Montesquieu, necessita ser dotado de três atributos: territorialidade (espaço físico), povo (aglomerado de pessoas que possuem a mesma cultura) e soberania. Este último conceito é um pouco mais complexo, por ser mais teórico: o espaço físico e o povo são conceitos facilmente verificáveis. A soberania nacional, na lição de Massino Severo Giannini (1997, p. 2), pode ser analisada tanto no âmbito interno quanto externo: No âmbito interno corresponde à efetividade da força pela qual as determinações da autoridade são observadas e tornadas de observância incontornável mesmo mediante coação; no âmbito externo, num sentido negativo, indica sujeição a determinações de outros centros normativos. Ao conceito de soberania estão conexos os do caráter originário e absoluto do poder soberano. O primeiro, no sentido de fundamento de si próprio, e segundo, no de capacidade de determinar, no campo de sua atuação, a relevância ou a irrelevância de qualquer outro centro normativo que ali atue. p. 38 Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 Direito Civil e Internacional Como dito ao longo deste trabalho, a soberania é, grosso modo, um poder de mando, exercido pelo Estado, obedecido pelo seu povo em determinado território. Em outras palavras, é um poder pelo qual o Estado (ente imaginário) pode fazer regras e ser obedecido, organizando a sua sociedade. Ainda sobre o aspecto teórico-doutrinário, pode-se atribuir certas características à soberania: ela é una – nunca poderá haver mais de um ordenamento sobre o mesmo povo no mesmo lugar, pois tal fato enfraqueceria ambos –, absoluta (incontestável) e imprescritível. Além disso, cada Estado é soberano dentro de seu território, e não cabe a intervenção de terceiros para resolver celeumas internas. A transnacionalização dos mercados, que transforma problemas regionais em mundiais, fez o Estado perder seu caráter absoluto sobre seu território, sujeitando-se muitas vezes às imposições do capital internacional. O neoliberalismo faz surgir as megaempresas multinacionais, com sedes em vários países, e que se mudam conforme as conveniências de momento. Iniciou-se uma verdadeira guerra fiscal entre países, entre seus estados e até mesmo entre seus municípios, a fim de oferecer maiores incentivos para a instalação de fábricas nos respectivos territórios. Isso faz com que os Estados legislem de forma a agradar essas empresas e a não perdê-las, abrindo mão de parte de sua soberania. O Estado também tem sua soberania abalada pelas privatizações impostas pelo neoliberalismo. Ao ceder setores estratégicos, os países passam a perder seu controle sobre esses setores, que ficam nas mãos do setor privado. É relevante, ainda, aludir a uma das facetas mais ingratas da integração econômica mundial: a contratação de empréstimos em grande escala. A política de endividamento externo provocou a desregulamentação financeira dos Estados, diluindo crescentemente as fronteiras entre os diversos sistemas nacionais na direção de uma globalização das finanças. Lamenta-se a significativa deterioração das economias endividadas. Ao contrair empréstimos para auxiliar em sua administração, o Fundo Monetário Internacional (FMI) impõe uma série de medidas a serem tomadas, as quais influem diretamente nas decisões governamentais, além de outras condições a que se deve sujeitar o comandatário para o empréstimo ser efetivado. Em suma, a globalização enfraquece o Estado, pois o desincumbe da administração da economia e da busca pelo bem-estar social. O papel estatal passa a ser o de simples agente coercitivo, de modo que todos obedeçam ao que as firmas de grande capital obrigam-no a legislar. Com o Estado como simples “marionete” dos interesses econômicos das megacorporações, o Direito estatal só poderia também estar em crise. Conceitos antes absolutos como hierarquização das normas – constituição federal como lei maior – e monismo jurídico – Estado como único autor do Direito – tiveram suas estruturas fortemente abaladas com o advento do neoliberalismo. Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 p. 39 Direito Civil e Internacional A atividade legislativa deixa de ser exclusiva do Estado, adotando-se ora o Direito Substituído (na União Europeia e nos casos de arbitragem, por exemplo, quando outro ordenamento senão o do Estado legisla); ora o Direito Suprido (ao adaptar sua legislação a diretrizes internacionais, como as adotadas pela Organização Mundial do Comércio); ora o Direito Suplantado, à revelia do próprio Estado, caracterizado pela lex mercatoria, procedimentos costumeiros adotados pelos empresários em suas transações financeiras (como letras de câmbio). Isso fere o princípio da unicidade da soberania, pois passam a vigorar, conjuntamente, vários ordenamentos jurídicos, cada um deles obedecido por determinado segmento social, conforme seus interesses. Ligado a isso vem o abalo no monismo jurídico, que passa a ser substituído por um pluralismo jurídico, com diversas legislações concomitantes. As constituições passam também a perder sua força e seu posto mais elevado; não influem mais para garantir um Estado de Bem-Estar Social. O Estado também deixa de garantir os mínimos direitos abordados em sua lei maior, como habitação, saúde, educação. Ocorre, portanto, uma redução significativa no poder de gerência estatal. Mitiga-se a tutela sobre o indivíduo e dos seus direitos ditos sociais: cada um está sozinho no mundo e deve, por seus próprios meios, “comprar” saúde, educação e alimentos. As garantias constitucionais sofrem grande impacto, pois todos estão à mercê do que determina o mercado. Alguns doutrinadores, entre os quais Canotilho (2000, p. 1.275-1.283), chegam a afirmar que, provavelmente, ou se extinguirão as constituições ou elas servirão como mera “carta de identidade” de uma nação. Ademais, também se busca, por parte de algumas megaempresas, uma espécie de Direito Global, válido em todo o planeta, de modo a se tomar as mesmas decisões em todos os países. Tal fato é deveras temerário, visto que abre portas ao desrespeito às desigualdades culturais entre as nações. Teoricamente, a soberania é concebida como a superioridade da essência do ordenamento estatal, permitindo que o poder estatal se sobreponha incontrastavelmente sobre outros poderes sociais. Um Estado soberano tem a capacidade de ter um governo próprio, notável e poderoso, independente de qualquer outro Estado ou potência mundial. Atualmente, o constitucionalismo moderno vem se contorcendo para tentar demonstrar que esse poder soberano continua intocado e absoluto, o que não condiz com a realidade. Tal princípio encontra limites em diversos valores, como nos direitos e garantias fundamentais, os quais se encontram reconhecidos pela Constituição como uma restrição a esse poder soberano, uma vez que têm aplicabilidade imediata e devem ser respeitados. Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 264) defende que: A soberania absoluta, na verdade, nunca existiu. Um Estado sempre teve de limitar-se às situações políticas, geográficas, econômicas que sua realidade impunha. p. 40 Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 Direito Civil e Internacional Mas, pelo menos, a sua não vinculação direta a tratados internacionais, bem como a existência de organismos internacionais na época davam ao Estado esse papel formal de ser a fonte mais alta geradora do direito. Enfim, por mais absoluto que esse poder deseja ser, ele não conseguirá porque sempre encontrará limites no conjunto de valores compartilhados pela comunidade internacional e principalmente nos interesses dos grandes grupos econômicos. Vale nesse instante a contribuição do professor Manoel Jorge e Silva Neto (2002, p. 164) sobre o tema: Guardo a convicção que a soberania preconizada como fundamento da República Federativa do Brasil não deve ser esquecida pelo presidente da República ou seu Ministro de Estado ao serem assinados os referidos “acordos” com o Fundo Monetário Internacional, porquanto relativizar o conceito é o mesmo que negá-lo como elemento constitutivo do Estado. Se relativizá-lo é o mesmo que negá-lo, conclui-se pela crise da soberania nacional motivada pelo atropelo econômico das grandes potências sobre as pequenas, pela perda contínua do poder de gerência do Estado, entre outras restrições causadas pela globalização. Diante de toda essa crise de paradigmas, cabe aos juristas buscar novas teses, novas teorias ou até mesmo novos princípios. O que se deve ter cuidado, entrementes, é nunca deixar de lado a justiça, finalidade máxima buscada pelo Direito, bem como a solidariedade e o respeito entre os entes políticos. 7 Conclusão Falar do fim da soberania como atributo do Estado Nacional parece, portanto, algo precipitado. Sem dúvida, com as transformações na ordem econômica, sociopolítica e tecnológica mundial, além dos acontecimentos históricos recentes, fica evidente o processo de relativização da soberania, sem que se perceba, no entanto, no horizonte histórico imediato, o seu desaparecimento. Encontra-se ainda distante de uma ordem político-jurídica internacional na qual o Estado-nação seja suplantado por alguma instância supranacional que cumpra com todas as suas funções internas e externas, tornando obsoleta e desnecessária a formação histórica que ocupou o cenário internacional nos últimos séculos. Por sua vez, a noção de soberania política e jurídica é um importante componente das relações do Estado brasileiro com a ordem jurídica internacional, apesar da sua ampla adesão aos tratados e convenções oriundos do Direito Internacional e dos acordos políticos firmados perante os diferentes países com os quais mantém relações. Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 p. 41 Direito Civil e Internacional Não se pode negar que, em países que enfrentam grandes e graves problemas sociais, como o caso brasileiro, o papel do Estado não poderá ser relegado ao de mero espectador dos acontecimentos, concedendo aos seus cidadãos a chamada igualdade formal – ou seja, a premissa de que, do ponto de vista abstrato, genérico e frio dos textos normativos existentes, todos são iguais, sem qualquer espécie de distinção ou discriminação. As questões apresentadas são complexas e polêmicas, próprias de um momento histórico “inacabado”, pois o desafio da globalização e seu consequente entendimento consistem no fato de se tratar de um processo ainda em curso, cujo espaçamento histórico não é suficiente para o pleno entendimento de suas implicações. p. 42 Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 21-46, 2009 Direito Civil e Internacional 8 Referências bibliograficas ARAUJO, Luiz Alberto David. Característicos comuns do federalismo. In: BASTOS, Celso (Coord.). Por uma nova Federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. ALMEIDA, Paulo Roberto de. A propriedade intelectual na política exterior e nos processos de integração econômica. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, ano 36, n. 2, 1993. AZAMBUJA, Darcy. 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