SO11 - Toxicidade dos Organofosforados 1º Objectivo – Descrever o que são os organofosforados Os organofosforados são compostos químicos de síntese, geralmente tóxicos, cujas propriedades químicas são actualmente aproveitadas para controlar pragas. Assim, estes compostos são considerados bons pesticidas, uma vez que após a entrada no organismo, vão actuar de forma diferente nas várias espécies, como é o caso do paratião e do malatião que são muito mais tóxicos para os insectos e aves do que para os restantes animais. Porém, a acção destes pesticidas não se restringe apenas às pragas, como seria de desejar, mas também têm efeitos nefastos nas outras espécies animais, incluindo o Homem. Do ponto de vista químico, os organofosforados são derivados do ácido fosfórico e têm propriedades apolares, pelo que não se dissolvem bem na água mas dissolvem-se bem na gordura. Uma vez que a pele possui uma grande quantidade de moléculas lipídicas, compreende-se que seja uma via de entrada destas substâncias. A estabilidade destas moléculas depende do pH, pois quando se encontram num meio alcalino (com pH entre 8 e 14), decompõem-se. Este dado é importante para a sua destruição. Contudo, estes compostos químicos têm outras aplicações além de pesticidas. São utilizados em Medicina no tratamento de algumas patologias como o glaucoma (doença dos olhos causada pelo aumento gradual da tensão ocular que lesa a visão e pode causar cegueira). TEPP Foi o primeiro Organofosforado a ser utilizado como insecticida. Tinha desvantagens como ser muito tóxico para os animais e se decompor facilmente em ambientes húmidos. Foi substituído pelo paratião. Paratião Passou a ser o insecticida mais utilizado devido à sua eficácia. É um insecticidatiofosfato de O,O-dietilo e de O-(4- acaricida com actividade por ingestão e nitrofenilo) contacto. In vivo é metabolizado a maloxão, a sua forma mais tóxica. A sua toxicidade é muito alta Malatião Foi o primeiro Organofosforado que mostrou um largo espectro de acção e uma baixa ditiofosfato de O,O-dimetilo e de S-(1,2- toxicidade para os mamíferos. É um dietoxicarboniletilo) insecticida-acaricida com acção por ingestão e contacto. In vivo é metabolizado a maloxão, a sua forma mais tóxica. A sua toxicidade é baixa Largamente usado por ser mais seguro que o paratião devido à rápida destoxificação pelos mamíferos. Disulfotão Clorotião Dimetoato É um insecticida-acaricida sistémico com actividade por ingestão e contacto. A sua ditiofosfato de O,O-dimetilo y de S- (N- toxicidade é moderada. metilcarbamoil) metilo) Fentião 3-metil 4-metiltiofenil dimetil tionofosfato Ecotiofato Iodeto de dietoxifosfiniltiocolina É um insecticida penetrante com acção por ingestão e contacto. A sua toxicidade é moderada. É muito tóxico para abelhas e aves. Derivado da colina extremamente potente; usado no tratamento do glaucoma; relativamente estável em soluao aquosa. 2º Objectivo – Explicar os alvos da sua acção ao nível bioquimico Os organofosforados fazem parte do conjunto dos inibidores da acetilcolinestérase. Os inibidores da acetilcolinesterase clinicamente pertencem a três grupos químicos distintos: álcoois simples possuidores de um grupo amónio quaternário; ésteres do ácido carbâmico de álcoois possuindo grupos de amónio quaternário ou terciário; derivados orgânicos do ácido fosfórico contendo um grupo lábil como o flúor ou um grupo orgânico -> organofosforados. A acetilcolinestérase é uma enzima responsável pela hidrólise da acetilcolina. A acetilcolina é um neurotransmissor que provoca a abertura do canal iónico no receptor nicotínico (ver nota) que vai criar um fluxo de sódio, de fora para dentro da célula, fluxo que produz um potencial pós-sináptico excitatório localizado – a despolarização (pertence á categoria – canais accionados por ligandos -> um dos mecanismos através dos quais os sinais extracelulares são transformados em mensagens intracelulares). As terminações nervosas colinérgicas (terminações nervosas que, sob estímulo, liberam acetilcolina nas suas extremidades) possuem um grande número de vesículas pequenas aglomeradas junto à região sináptica da membrana celular. Na maioria das terminações nervosas centrais e periféricas, as vesículas mais pequenas contêm no seu interior acetilcolina e ATP na proporção de 1:5 aproximadamente. A acetilcolina é sintetizada no citoplasma a partir de acetil-CoA e colina. Após a libertação da acetilcolina que ocorre quando um potencial de acção atinge as terminações nervosas, a sua concentração na fenda sináptica diminui rapidamente, mesmo durante a actividade neuronial intensa, limitando a extensão dos seus efeitos. São três os mecanismos implicados na remoção da acetilcolina da fenda sináptica: captação ou recaptação neuronial, difusão para fora da sinapse e inactivação por acção de uma enzima. Inactivação por acção de uma enzima: a hidrólise da acetilcolina limita rapidamente a acção deste neurotransmissor, constituindo uma fonte local de colina que pode ser reutilizada pelo terminal nervoso. A maioria das sinapses colinérgicas possui um elevado teor de acetilcolinestérase (ACh-E), a enzima responsável pela metabolização da acetilcolina em colina e acetato, como já tinha sido referido. Devido à elevada actividade desta enzima, a semi-vida da acetilcolina na fenda sináptica é muito curta. Na superfície da colinesterase há um cento activo para inactivação da acetilcolina, que contém um local aniónico carregado negativamente, que recebe a cabeça catiónica da acetilcolina (grupo quaternário) [-N+- (CH3)3)], e um local esterásico que aloja o grupamento éster e carbonila. A primeira etapa da ligação enzima-substrato dá-se pelo ataque nucleofílico da hidroxila da serina do local esterásico sobre o grupamento éster-carbonila, promovendo a quebra da ligação éster. A colina é libertada e a enzima fica na forma acetilada, tendo seu local aniónico livre. A enzima acetilada reage com a água, ácido acético é formado e a enzima é totalmente regenerada. A enorme eficácia da ACh-E na inactivação da acetilcolina libertada pela maioria das sinapses colinérgicas retira relevância aos processos de recaptação neuronial e difusão para o exterior da fenda sináptica. No entanto, na presença de inibidores da ACh-E, como os organofosforados, tanto a difusão da fenda sináptica como a captação de acetilcolina pelas terminações nervosas podem tornar-se relevantes. Nestas circunstâncias, a ligação da acetilcolina aos seus receptores pode atrasar o processo de remoção da sinapse. Os organofosforados actuam indirectamente, porque outros actuam directamente activando os receptores da acetilcolina enquanto que os organofosforados inibem a hidrólise da acetilcolina, inibindo a ACh-E. Através da inibição desta, os agentes de acção indirecta aumentam os níveis endógenos da acetilcolina na fenda sináptica e nas junções neuroefectoras. O excesso da acetilcolina activa os receptores colinérgicos desencadeando as respostas correspondentes. Todos os inibidores da acetilcolinestérase aumentam a concentração de acetilcolina endógena junto dos receptores da acetilcolina. No entanto, os mecanismos moleculares envolvidos nesta acção variam de acordo com os três grupos químicos, antes referidos. No caso dos organofosforados, estes libertam o grupo orgânico, mantendo a restante molécula ligada covalentemente através do átomo de fósforo ao radical hidroxilo da serina no local esterático do centro activo da enzima. Muitos dos organofosforados desenvolvidos como “gases de guerra” e pesticidas, mas também os que são utilizados clinicamente, não possuem grupos catiónicos e interactuam apenas com o local esterásico da enzima (o ecotiofato é uma excepção, já que possui um grupo amónio quaternário capaz de se ligar ao local aniótico). A falta do amónio quaternário na maior parte dos organofosforados favorece a inibição de outras hidrolases contendo serina, para além das colinestérases e, consequentemente, o aparecimento de efeitos secundários relevantes. A ligação covalente entre a enzima e o grupo fosfato é muito estável, sendo hidrolisada muito lentamente em solução aquosa. A recuperação da actividade enzimática após a sua inibição por compostos dificilmente hidrolisados depende da síntese de novas moléculas de enzima, o que pode demorar semanas (no caso do ecotiofato, ocorre uma hidrólise lenta ao longo de vários dias, de forma que a inibição enzimática não é considerável “irreversível” no sentido estrito). Após o passo inicial da ligação e hidrólise, a enzima fosforilada entra num processo de “envelhecimento”. Este processo envolve, aparentemente, a quebra de uma das ligações fosfato do inibidor, fortalecendo a ligação entre o inibidor e a enzima. O grau de “envelhecimento” da enzima varia com o agente organofosforado utilizado. Por exemplo, se forem administrados compostos nucleofílicos fortes antes do envelhecimento da enzima, é possível quebrar a ligação covalente entre os grupos fosfatos e a enzima. Estes compostos podem ser utilizados como regeneradores da colinestérase no tratamento precoce das intoxicações por organofosforados. Após o envelhecimento da enzima, as ligações entre a enzima e o inibidor são muito estáveis e difíceis de quebrar, mesmo que sejam usadas oximas regeneradoras. Devido às diferenças na duração de acção, os inibidores organofosforados são, por vezes, referidos como inibidores “irreversíveis” das colinestérases. Notas: A acetilcolina é sintetizada no citoplasma a partir de acetil-CoA e colina. Esta reacção é catalisada pela enzima acetiltransférase da colina (CHAT). Nos vertebrados esta enzima está localizada predominantemente nos neurónios colinérgicos. A CHAT é mantida em concentrações relativamente elevadas nas terminações nervosas, desaparecendo depois das desnervação crónica. Apesar da CHAT ser uma enzima citosólica, existe em maior densidade junto à membrana externa das vesículas sinápticas, o que favorece a captação rápida da acetilcolina sintetizada de novo pelos seus locais de armazenamento – as vesículas sinápticas. Após a síntese, a acetilcolina é transportada para o interior das vesículas sinápticas através de um trocador movido por um gradiente electroquímico de protões. O armazenamento resulta da acumulação de quantidades relativamente constantes de acetilcolina em cada vesícula sináptica. A acetilcolina libertada na fenda sináptica vai interagir com os seus receptores originando respostas características: estímulo e tono dos músculos esqueléticos, aumeno do peristaltismo intestinal, estímulo geral das secreções, esvaziamento da bexiga, broncoespasmo. Receptores nicotínicos da acetilcolina: são os do grupo dos receptores ou canais activados por ligandos mais estudados. Consistem em cinco subunidades separadas, mas estruturalmente relacionadas. Cada uma forma quatro hélices transmembranares, a segunda das quais está envolvida no poro central, em cada caso. O tipo de monómero e seu arranjo no complexo não é idêntico em todos os receptores deste tipo. No interior da estrutura, a acetilcolina liga-se a duas subunidades α, abrindo o poro por um curto período de tempo (1-2ms). Resíduos carregados negativamente organizam-se em três grupos, com a forma de um anel num interior. Estes são responsáveis pela especificidade do receptor do ião. Pensa-se que a ligação do neurotrnamissor modifica a posição das subunidades de tal maneira que o poro expande. A ligação da acetilcolina faz com que o canal de abra. No organismo humano há trás tipos de colinesterase: - Acetilcolinesterase, colinesterase verdadeira, específica ou eritrocitária, encontrada no tecido nervoso, na junção neuromuscular e nos eritrócitos, com afinidade específica para a acetilcolina - Pseudocolinesterase, colinesterase inespecífica ou plasmática, que hidrolisa vários ésteres, entre eles a acetilcolina e localiza-se principalmente no plasma , fígado, intestinos e nas células gliais no SNC. - Esterase neurotóxica, responsável pela acção neurotóxica tardia de alguns organofosforados nos nervos periféricos. 3º Objectivo - Discutir a sua toxicidade e implicações patológicas Tal como já foi referido os organofosforados são potentes agentes nervosos, uma vez que inibem a acção da acetilcolinesterase (AChE), responsável pela degradação do neurotransmissor acetil-colina, na fenda sináptica. A sua ingestão é uma das mais comuns causas de morte por envenenamento em todo o Mundo, sendo usado frequentemente para práticas suicidas em áreas agrícolas. Os organofosforados são actualmente utlizados para fins militares (DFP) e para fins industriais, cuja utilização mais comum é nos pesticidas. No entanto a toxicidade destes produtos varia enormemente. O grau de toxicidade dos organofosforados é influenciado por diversos factores, como: Potencial de risco de casa substância Dose Via de exposição Tempo de exposição A Dose é um dos factores que influencia o grau de toxicidade dos organofosforados, uma vez que diferentes concentrações de organofosforados provocam efeitos diferentes. Assim sendo utiliza-se a dose letal de uma substância na definição da toxicidade dos organofosforados. A dose letal de uma substância é uma medida do seu poder mortífero. Define-se dose letal (DL50) como a concentração de uma substância química capaz de matar 50% da população de animais testados, num intervalo de 14 dias. Essa dose mede-se em miligramas (mg) de substância por cada quilograma (kg) de massa corporal do animal testado. Organofosforados Azametifós Bromofós Diazonina DDVP Dimetoato Disulfoton Fenitrotion Fention Fentoato DL50 mg/Kg 1010 1600 300 56 150 2,6 503 330 400 Organofosforados Malation Metamidofós Mevinfós Monocrotofós Naled Paration Temefós Triclorfon DL50 mg/Kg 100 30 4 14 430 13 4202 560 No que diz respeito à via de exposição, os organofosforados são bem absorvidos por todas as vias, nomeadamente oral, dérmica, respiratória e mucosa. O tempo de exposição ao agente tóxico vai influenciar também o grau de toxicidade, sendo que Exposições rápidas terão consequências menos graves que exposições prolongadas (Intoxicações). Assim sendo, os sintomas variam consoante os factores que influenciam o grau de toxicidade. Estes sintomas relacionam-se todos com os sinais predominantes que se relacionam com a actividade muscarínica excessiva. Áreas afectadas Sistema digestivo Sistema Respiratório Sistema Nervoso Sistema Cardíaco Músculos Pele Organofosforados: Toxicidade e sintomas Intoxicação Intoxicação muito Intoxicação leve Intoxicação forte Moderada forte Náuseas Salivação Vómitos Aumento excessivo da salivaçao Cólicas Vómitos Diarreia Tosse Hipercrinia (aumento das secreções) Dispneia Hipoxemia Broncoespasmos Insuficiência Respiratória Dor de cabeça Coma Profundo Coma superficial MORTE Enjoos Convulsões Vertigens Contracção da pupila do olho Convulsões Depressão cardíaca e respiratória Sonolência Hipo e Bradicardia hiperventilação Fraqueza muscular mínima Fraqueza Fasciculações mais graves Fadiga Fasciculações Irritações Sudorese Sudorese excessiva O tratamento das intoxicações por organofosforados divide-se essencialmente em dois grande grupos: 1 – Medidas de primeiros socorros: a. Remoção do agente tóxico: - Retirar o intoxicado do local de exposição se for o caso; - Banho de água fria e sabão e troca das roupas em casos de absorção dérmica; - Provocar o vómito ou fazer lavagem gástrica em caso de ingestão. A lavagem gástrica pode ser efectuada com solução de bicarbonato de sódio a 5%(m/v); - Administrar laxantes como o sulfato de magnésio ou dulcolax (laxante que actua apenas quando em contacto com a mucosa intestinal). Não administrar laxantes oleosos, leite e alimentos ou produtos gordurosos; b) Verificação dos sinais vitais (Respiratórios e cardíacos): - Verificar se a boca contém muco ou vómito e removê-los; - Eliminar obstruções mecânicas, corrigindo a posição da língua, por exemplo; - Observar se a respiração espontânea é adequada. Caso contrario aplicar respiração artificial. 2 – Tratamento específico das intoxicações: a. Derivados das oximas promovem a reactivação da AChE b. Atropina em conjunto com pralidoxima Bloqueiam a acção de Acetilcolina, funcionando como um antídoto fisiológico, pois diminui as acções exageradas de acetilcolina nos receptores muscaríneos. c. Flúor d. Clonidina Inibe a libertação de mais acetilcolina. e. Diazempan