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Gliconeogénese; Rui Fontes
Gliconeogénese
1-
A gliconeogénese é um termo usado para incluir o conjunto de processos pelos quais o organismo pode
converter substâncias não glicídicas (como aminoácidos, lactato, piruvato, glicerol e propionato) em
glicose ou glicogénio.
2-
Durante o jejum aumenta a actividade lipolítica (hidrólise dos triacilgliceróis em glicerol e ácidos gordos)
no tecido adiposo e a maioria dos órgãos (nomeadamente os músculos e o fígado) usa os ácidos gordos
como combustível preferencial. Contudo, os eritrócitos e, em grande medida, os neurónios dependem do
catabolismo da glicose para a síntese de ATP. Embora a glicogenólise hepática (formação de glicose a
partir do glicogénio armazenado no fígado) seja, durante as primeiras horas de jejum, a principal fonte da
glicose que é vertido no sangue, à medida que o tempo de jejum aumenta a gliconeogénese vai sendo cada
vez mais importante.
3-
Quer na glicogenólise quer na gliconeogénese forma-se glicose-6-P e a formação de glicose só pode ocorrer
por hidrólise da glicose-6-P. Porque a enzima responsável por este processo (glicose-6-fosfátase, uma
enzima do retículo endoplasmático) existe no fígado, no rim e no intestino delgado (enterócitos) são estes
os órgãos responsáveis pela manutenção de níveis de glicemia compatíveis com a actividade dos neurónios e
dos eritrócitos durante o jejum. O fígado tem, neste contexto, um papel mais importante que o rim e muito
mais importante que o intestino. O GLUT 2 é um uniporter para a glicose presente na membrana
citoplasmática destes órgãos: quando a concentração de glicose é maior no citoplasma que no plasma
sanguíneo a glicose sai das células e o contrário acontece na condição inversa.
4-
Três das enzimas da glicólise catalisam reacções fisiologicamente irreversíveis:
cínase da glicose (ou hexocínase IV): ATP + glicose → glicose-6-P + ADP
cínase 1 da frutose-6-P: ATP + frutose-6-P → ADP + frutose-1,6-bisfosfato
cínase do piruvato: ADP + fosfoenolpiruvato → ATP + piruvato
(1)
(2)
(3)
Na gliconeogénese, também são fisiologicamente irreversíveis as reacções catalisadas pelas enzimas que
permitem a conversão de piruvato em fosfoenolpiruvato (equações 4 e 5), a conversão de frutose-1,6bisfosfato em frutose-6-P (equação 6) e a conversão de glicose-6-P em glicose (equação 7).
carboxílase do piruvato: ATP + H2O + piruvato + CO2 → ADP + Pi + oxalacetato
carboxicínase do fosfoenolpiruvato: GTP + oxalacetato → GDP + fosfoenolpiruvato + CO2
frutose-1,6-bisfosfátase: frutose-1,6-bisfosfato + H2O → frutose-6-P + Pi
glicose-6-fosfátase: glicose-6-P + H2O → glicose + Pi
(4)
(5)
(6)
(7)
Assim, as conversões de glicose em glicose-6-P e de frutose-6-P em frutose-1,6-bisfosfato que são
catalisadas por cínases na glicólise são revertidas pela acção de fosfátases na gliconeogénese. A conversão
de fosfoenolpiruvato em piruvato na glicólise é revertida pela acção sequenciada de duas enzimas: a
carboxílase de piruvato1 que catalisa a formação de oxalacetato a partir de piruvato (processo anaplerótico) e
a carboxicínase do fosfoenolpiruvato que catalisa a formação de fosfoenolpiruvato a partir de oxalacetato
(processo cataplerótico). Nos órgãos capazes de gliconeogénese, a actividade relativa das enzimas
envolvidas nas transformações referidas determina não apenas a velocidade mas também o sentido
(anabólico ou catabólico) no metabolismo da glicose.
5-
1
Muitas das enzimas envolvidas na gliconeogénese também participam na glicólise: catalisam reacções
fisiologicamente reversíveis e o sentido em que estas reacções evoluem (anabólico ou catabólico) depende
das concentrações citoplasmáticas dos compostos (reagentes e produtos) envolvidos nessas reacções. Essas
enzimas são a enólase, a mútase do fosfoglicerato, a cínase do 3-fosfoglicerato, a desidrogénase do
gliceraldeído-3-P, a isomérase das trioses-P, a aldólase e a isomérase das hexoses-P. É de notar que a
reacção catalisada pela cínase do 3-fosfoglicerato (ATP + 3-fosfoglicerato ↔ 1,3-bisfosfoglicerato + ADP)
funciona no sentido da conversão de ATP em ADP durante a gliconeogénese mostrando claramente que, em
As carboxílases do piruvato e do propionil-CoA são duas sintétases que contêm como grupo prostético a biotina (também
designada de vitamina B8).
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jejum, não existe no fígado deficit de ATP. A oxidação hepática dos ácidos gordos libertados no tecido
adiposo fornece ao fígado a energia necessária para a síntese de ATP. É também de notar que, no decurso da
gliconeogénese, na reacção catalisada pela desidrogénase do gliceraldeído-3-P (NADH + 1,3bisfosfoglicerato ↔ NAD+ + Pi + gliceraldeído-3-P), o NADH se oxida a NAD+, o contrário do que ocorre
na glicólise. A oxi-redútase directamente responsável pela formação do NADH citoplasmático indispensável
à gliconeogénese pode ser a desidrogénase do malato citoplasmática (malato + NAD+ → oxalacetato +
NADH), a desidrogénase do lactato (lactato + NAD+ → piruvato + NADH) e a desidrogénase do glicerol-3P citoplasmática (glicerol-3-P + NAD+ → dihidroxicetona-P + NADH).
6-
Os eritrócitos produzem continuamente lactato e os músculos, mesmo em jejum, dependem da glicólise
anaeróbia para realizarem esforços que consomem ATP a uma velocidade maior que a velocidade de
formação de ATP na fosforilação oxidativa. O lactato vertido no sangue pode, no fígado e no rim, ser
convertido em glicose e por isso se diz que o lactato é um composto glicogénico. As enzimas e os
transportadores envolvidas na conversão do lactato em glicose são o transportador de ácidos
monocarboxílicos da membrana citoplasmática (simporter com um protão), a desidrogénase do lactato, o
simporter piruvato/H+ da membrana interna da mitocôndria, a carboxílase do piruvato, a carboxicínase do
fosfoenolpiruvato da matriz da mitocôndria, o transportador do fosfoenolpiruvato da membrana interna da
mitocôndria, a enólase, a mútase do fosfoglicerato, a cínase do 3-fosfoglicerato, a desidrogénase do
gliceraldeído-3-P, a isomérase das trioses-P, a aldólase, a frutose-1,6-bisfosfátase, a isomérase das hexosesP, a glicose-6-fosfátase e o GLUT2. É de notar que, quando o lactato é o substrato da gliconeogénese, o
NADH necessário para acção catalítica da desidrogénase do gliceraldeído-3-P é formado aquando da acção
da desidrogénase do lactato; ambas as desidrogénases são enzimas citoplasmáticas, de forma que, quer a
redução do NAD+ (lactato + NAD+ → piruvato + NADH) quer a oxidação do NADH (1,3-bisfosfoglicerato
+ NADH → gliceraldeído-3-P + NAD+ + Pi) ocorrem no citoplasma. O conjunto de reacções envolvidas na
conversão de lactato em glicose pode ser resumido na seguinte equação soma:
2 lactato (C3H6O3) + 2 GTP + 4 ATP + 6 H2O → glicose (C6H12O6) + 2 GDP +4 ADP + 6 Pi
(8)
A formação da glicose a partir de lactato (processo endergónico) só é possível porque está acoplada com a
hidrólise de ATP e do GTP (processos exergónicos). O gasto de ATP ocorre aquando da acção da
carboxílase do piruvato e da cínase do 3-fosfoglicerato enquanto o gasto de GTP ocorre aquando da acção
da carboxicínase do fosfoenolpiruvato.
7-
A esmagadora maioria dos aminoácidos (as excepções são a lisina e a leucina) também são substratos
da gliconeogénese. Em jejum aumenta a hidrólise das proteínas endógenas e o esqueleto carbonado da
maioria dos aminoácidos libertados no processo hidrolítico pode gerar glicose no fígado. Neste contexto são
particularmente importantes a alanina e o glutamato. A alanina pode, por acção catalítica da transamínase
da alanina (alanina + α-cetoglutarato ↔ piruvato + glutamato), gerar piruvato e o piruvato pode, através da
acção da carboxílase do piruvato, gerar oxalacetato. Quer a transamínase da alanina que a carboxílase do
piruvato são enzimas da mitocôndria e, portanto, a conversão alanina → oxalacetato ocorre na matriz
mitocondrial. Não existe na membrana interna da mitocôndria transportador para o oxalacetato: a passagem
do oxalacetato da matriz mitocondrial para o citoplasma envolve a desidrogénase do malato mitocondrial
(oxalacetato + NADH ↔ malato + NAD+), o antiporter malato/α-cetoglutarato que catalisa a saída do
malato da matriz para o citoplasma e a desidrogénase do malato citoplasmática (malato + NAD+ ↔
oxalacetato + NADH). O oxalacetato citoplasmático é substrato da carboxicínase do fosfoenolpiruvato
citoplasmática (oxalacetato + GTP → fosfoenolpiruvato + CO2 + GDP) e o fosfoenolpiruvato
citoplasmático formado pode, por acção das mesmas enzimas já referidas no ponto 6, converter-se em
glicose. De notar que a conversão da alanina em glicose envolve enzimas e transportadores da lançadeira do
malato a operar em sentido inverso ao que acorre na glicólise aeróbia.
8-
Todos os aminoácidos que no decurso do seu catabolismo geram intermediários do ciclo de Krebs (processos
anapleróticos) são substratos da gliconeogénese. O glutamato servirá como exemplo. Através da acção de
transamínases (glutamato + α-cetoácido-X ↔ α-cetoglutarato + α-aminoácido-X) ou da desidrogénase do
glutamato (glutamato + NAD+ → α-cetoglutarato + NH4+ + NADH) o glutamato converte-se em αcetoglutarato. Por acção de enzimas do ciclo de Krebs, o α-cetoglutarato pode gerar malato que, saindo da
mitocôndria, pode oxidar-se a oxalacetato (desidrogénase do malato citoplasmática); o oxalacetato formado
pode, via fosfoenolpiruvato, gerar glicose. Tal como no caso da alanina, também aqui, a enzima
directamente responsável pela redução do NAD+ citoplasmático é a desidrogénase do malato citoplasmática.
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Gliconeogénese; Rui Fontes
9-
A lipólise no tecido adiposo (hidrólise dos triacilgliceróis endógenos), para além de ácidos gordos, também
liberta glicerol para o sangue. Ao contrário do que acontece em muitos tecidos (nomeadamente no tecido
adiposo), no fígado (e rim) existe uma enzima que é capaz de catalisar a transformação do glicerol em
glicerol-3-P (cínase do glicerol: glicerol + ATP → glicerol-3-P + ADP) iniciando o processo de conversão
do glicerol em glicose. A transformação do glicerol-3-P (3C) em glicose (6C) envolve a actividade das
seguintes enzimas (todas citoplasmáticas): desidrogénase citoplasmática do glicerol-3-P (glicerol-3-P +
NAD+ ↔ dihidroxiacetona-P + NADH), isomérase das trioses-P (dihidroxiacetona-P ↔ gliceraldeído-3P), aldólase (dihidroxiacetona-P + gliceraldeído-3-P ↔ frutose-1,6-bisfosfato), frutose-1,6-bisfosfátase
(frutose-1,6-bisfosfato + H2O → frutose-6-P + Pi), isomérase das hexoses-P (frutose-6-P ↔ glicose-6-P) e
glicose-6-fosfátase (glicose-6-P + H2O → glicose + Pi). A equação soma que descreve a conversão de
glicerol em glicose no fígado (e rim) é a seguinte:
2 glicerol + 2 NAD+ + 2 ATP + 2 H2O → glicose + 2 NADH + 2 ADP + 2 Pi
(9)
No caso do glicerol (ao contrário dos casos do lactato, alanina e glutamato) a sua conversão em glicose não
envolve a redução do 1,3-bisfosfoglicerato em gliceraldeído-3-P (desidrogénase do gliceraldeído-3-P). O
NADH formado durante a conversão de glicerol-3-P em glicose poderá ser oxidado pelo oxigénio via
lançadeira do malato e complexos I, III e IV da cadeia respiratória ou reduzir o 1,3-bisfosfoglicerato
formado a partir de outros substratos da gliconeogénese que, eventualmente, estejam simultaneamente a
entrar no fígado2.
10-
No homem, a maioria dos ácidos gordos tem um número par de carbonos (cadeia par) e geram no seu
catabolismo acetil-CoA que reage com o oxalacetato por acção catalítica da síntase do citrato. Nesta reacção
não há formação de intermediários do ciclo de Krebs (não é uma reacção anaplerótica). Por outro lado, a
conversão de acetil-CoA em piruvato também não pode ocorrer porque a reacção catalisada pela
desidrogénase do piruvato (piruvato + NAD+ + CoA → acetil-CoA + NADH + CO2) é fisiologicamente
irreversível. Porque o acetil-CoA não pode contribuir para a síntese de compostos que sejam substratos da
gliconeogénese os ácidos gordos de cadeia par não são glicogénicos. Pelo contrário, os ácidos gordos de
cadeia ímpar podem dar origem (para além de acetil-CoA) a propionil-CoA (o grupo propionil contém 3
carbonos). O propionil-CoA pode por acção de uma sintétase (carboxílase do propionil-CoA: propionilCoA + CO2 + ATP + H2O → D-metil-malonil-CoA + ADP + Pi) e de duas isomérases gerar succinil-CoA
que é um intermediário do ciclo de Krebs. Para além do glicerol, do lactato, do piruvato, da alanina, do
glutamato e de muitos outros aminoácidos também os ácidos gordos de cadeia ímpar são glicogénicos.
11-
Sendo parte importante nos processos homeostáticos, as enzimas que catalisam as reacções
fisiologicamente irreversíveis na glicólise e na gliconeogénese são, no fígado e rim, reguladas de tal forma
que quando a glicemia está elevada as primeiras estão activadas e as segundas inibidas. O contrário acontece
quando a glicemia está diminuída. Isto não significa que a actividade das enzimas “próprias da glicólise” se
anule quando a gliconeogénese está activada ou que a actividade das enzimas “próprias da gliconeogénese”
se anule quando a glicólise está activada. Na verdade, a cínase da glicose e a glicose-6-fosfátase funcionam
simultaneamente sendo o somatório das reacções catalisadas por estas enzimas a hidrólise de ATP (ver
equações 1 e 7) e o mesmo se pode dizer do par cínase frutose-6-fosfato/fosfátase da frutose-1,6-bisfosfátase
(ver equações 2 e 6). Uma situação semelhante acontece no caso da cínase do piruvato/carboxílase do
piruvato e carboxicínase do fosfoenolpiruvato (ver equações 3, 4 e 5). Quando existe acção simultânea de
enzimas com papéis metabólicos biológicos opostos tendo como único resultado a hidrólise de “ligações
ricas em energia” do ATP ou do GTP diz-se que estamos em presença de um ciclo de substrato (ou “fútil”).
O que se passa é que, nas condições metabólicas em que as enzimas “próprias da glicólise” estão mais
activas, as enzimas “próprias da gliconeogénese” estão inibidas e o fluxo soma, em todos os ciclos de
substrato acima referidos, tem o sentido da oxidação de glicose (catabólico); na condição inversa o fluxo
soma tem o sentido da formação da glicose (anabólico).
2
No homem há normalmente a utilização simultânea de vários substratos da gliconeogénese. Se um deles for o glicerol, o
fornecimento de NADH citoplasmático para a reacção catalisada pela desidrogénase do gliceraldeído-3-P poderá ser da
responsabilidade da desidrogénase do glicerol-3-P. Se admitirmos que n moles de glicerol e n moles de alanina (ou glutamato)
são, no fígado, convertidos em n moles de glicose podemos pensar que o processo de conversão da alanina (ou do glutamato)
não envolve a desidrogénase do malato (como apontado nos pontos 7 e 8) mas ocorre via conversão do oxalacetato em
fosfoenolpiruvato na matriz mitocondrial e transporte deste para o citoplasma.
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12-
A regulação da actividade das enzimas marca-passo da glicólise e da gliconeogénese pode envolver a (i)
indução ou a repressão dos genes codificadores dessas enzimas, (ii) variação na concentração
intracelular de reguladores alostéricos ou (iii) de substratos assim como (iv) activação ou inibição por
fosforilação reversível. Os mecanismos que condicionam a regulação da actividade das enzimas que
catalisam os passos irreversíveis da glicólise e da gliconeogénese hepáticas e renais são complexos
envolvendo também a acção de hormonas que se libertam noutros tecidos. Assim, são parte importante
nestes processos homeostáticos a insulina (que aumenta no sangue em resposta a aumentos na glicemia e
tem acção hipoglicemiante) e a glicagina (que aumenta no caso inverso e tem acção hiperglicemiante).
Estas hormonas pancreáticas exercem os seus efeitos regulando a actividade de enzimas e de
transportadores.
13-
Em jejum, a hipoglicemia estimula as células α dos ilhéus pancreáticos a produzir glicagina. A glicagina
liga-se ao seu receptor na face externa da membrana dos hepatócitos estimulando a cíclase do adenilato
(ATP → AMPc + PPi) e a consequente acumulação de AMP cíclico (AMPc) que é activador alostérico da
“cínase de proteínas dependente do AMPc” (PKA). A PKA é uma cínase que tem como substrato aceitador
de fosfato múltiplas enzimas e proteínas reguladoras da expressão genética (ATP + proteína → ADP +
proteína-P). A glicagina induz os processos que levam à formação de glicose estimulando a síntese de
AMPc que leva à activação da PKA que catalisa a fosforilação de proteínas. Quando as proteínas
fosforiladas pela PKA são enzimas cuja actividade promove a formação de glicose a forma fosforilada é a
forma activa; pelo contrário, quando são enzimas cuja actividade promove o consumo de glicose a
fosforilação pela PKA induz a sua inactivação.
14-
Dois dos substratos da PKA são a cínase do piruvato hepática e uma “enzima bifuncional” envolvida na
regulação do par fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato/cínase 1 da frutose-6-P. Em concordância com o papel
da cínase do piruvato na glicólise a forma fosforilada desta enzima é menos activa; ou seja, a glicagina,
via PKA, inibe a cínase do piruvato hepática e, consequentemente, a glicólise. Também em concordância
com o papel da fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato na gliconeogénese e da cínase 1 da frutose-6-P na
glicólise a fosforilação da “enzima bifuncional” induzida pela glicagina, via PKA, vai implicar a activação
da fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato (activação da gliconeogénese) e a inibição da cínase 1 da frutose-6-P
(inibição da glicólise). A “enzima bifuncional” regula a concentração intracelular de um composto (frutose2,6-bisfosfato) que, não sendo intermediário da glicólise nem da gliconeogénese tem um papel fulcral na
regulação destas vias metabólicas: a frutose-2,6-bisfosfato é, simultaneamente, activador alostérico da
cínase 1 da frutose-6-P e um inibidor alostérico da fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato. A “enzima
bifuncional” tem duas actividades: cínase 2 da frutose-6-P (ATP + frutose-6-P → ADP + frutose-2,6bisfosfato) que leva à formação de frutose-2,6-bisfosfato e fosfátase da frutose-2,6-bisfosfato (frutose-2,6bisfosfato + H2O → frutose-6-P + Pi) que leva à sua hidrólise. Via frutose-2,6-bisfosfato a activação da
cínase 2 da frutose-6-P implica activação da cínase 1 da frutose-6-P; pelo contrário, a activação da fosfátase
da frutose-2,6-bisfosfato implica a activação da fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato. Em concordância com
isto a fosforilação pela PKA da “enzima bifuncional” tem como consequência a diminuição da concentração
intracelular da frutose-2,6-bisfosfato porque, na sua forma fosforilada, a “enzima bifuncional” tem
predominantemente uma actividade hidrolítica: ou seja, na forma fosforilada diminui a actividade de
cínase 2 da frutose-6-P e fica estimulada a actividade de fosfátase da frutose-2,6-bisfosfato. Embora se
desconheça a fosfátase que é activada, a insulina provoca rápida desfosforilação da “enzima bifuncional”
provocando aumento da concentração de frutose-2,6-bisfosfato com activação da glicólise e inibição da
gliconeogénese [1].
15- Resumindo os pontos 13 e 14 no que se refere à regulação da cínase 1 da frutose-6-P (glicólise) e da
fosfátase da frutose-1,6-bisfosfátase (gliconeogénese):
a) glicemia↓ ⇒ glicagina ↑ ⇒ AMPc↑ ⇒ PKA↑ ⇒ enzima bifuncional fosforilada ⇒ frutose-2,6bisfosfátase↑ ⇒ frutose-2,6-bisfosfato↓ ⇒ frutose-1,6-bisfosfátase↑ ⇒ gliconeogénese↑
A activação de uma cínase (PKA) pela glicagina vai activar duas fosfátases (frutose-2,6 e frutose-1,6bisfosfátase). A correcção homeostática da hipoglicemia envolve a activação da gliconeogénese.
b) glicemia↑ ⇒ insulina↑ ⇒ fosfátase da enzima bifuncional↑ ⇒ enzima bifuncional desfosforilada ⇒
cínase 2 da frutose-6-P↑ ⇒ frutose-2,6-bisfosfato↑ ⇒ cínase 1 da frutose-6-P↑ ⇒ glicólise↑
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A activação de uma fosfátase (fosfátase que desfosforila a enzima bifuncional) pela insulina vai activar duas
cínases (as cínases 2 e 1 da frutose-6-P). A correcção homeostática da hiperglicemia envolve a activação da
glicólise.
16-
A hidrólise dos triacilgliceróis endógenos está aumentada no jejum e gera glicerol e ácidos gordos. O
glicerol é, como primeiro passo da sua transformação em glicose, fosforilado no fígado. Os ácidos gordos
de cadeia par (os mais abundantes) não são substratos da gliconeogénese mas tem um importante papel no
processo. A sua oxidação leva à formação de acetil-CoA e ATP. (i) A acetil-CoA é, simultaneamente, um
activador alostérico da carboxílase do piruvato (gliconeogénese) e, via activação da cínase da
desidrogénase do piruvato (ATP + desidrogénase do piruvatoactiva → ADP + desidrogénase do piruvatoPinactiva), um inibidor da oxidação do piruvato e, consequentemente, da oxidação da glicose. Embora a
fosforilação da desidrogénase do piruvato (piruvato + CoA + NAD+ → acetil-CoA + CO2 + NADH) não
esteja dependente da acção da PKA também aqui a hipoglicemia tem como consequência a fosforilação de
uma enzima. (ii) O ATP gerado no catabolismo dos ácidos gordos fornece energia necessária para a
gliconeogénese e para as outras actividades do hepatócito.
17-
Para além dos mecanismos alostéricos e de fosforilação reversível já apontados, também têm importância na
regulação da glicólise e na gliconeogénese, a regulação da síntese das enzimas próprias da glicólise e
gliconeogénese ao nível da transcrição. No fígado, a insulina estimula a síntese da cínase da glicose
(enzima da glicólise) e reprime a síntese da cínase da desidrogénase do piruvato, cujo papel é o de catalisar a
fosforilação (e consequente inibição) da desidrogénase do piruvato: a insulina promove a oxidação da
glicose aumentado a concentração intracelular da cínase de glicose e a percentagem de desidrogénase do
piruvato que está na forma desfosforilada (a activa). A insulina também inibe a síntese de “enzimas próprias
da gliconeogénese” como a carboxicínase do fosfoenolpiruvato e a glicose-6-fosfátase. A glicagina e os
glicocorticoides têm efeitos opostos estimulando a gliconeogénese. Está melhor estudada a acção da
glicagina como estimuladora da síntese da carboxicínase do fosfoenolpiruvato e de glicose-6-fosfátase.
Estes efeitos também são mediados pelo AMPc e pela PKA. A PKA, estimulada pelo AMPc, fosforila uma
proteína nuclear denominada CREB (cAMP response element binding protein; proteína ligante do elemento
de resposta ao cAMP) que é um factor de transcrição; o CREB fosforilado liga-se a uma região específica
que existe nos promotores dos genes da carboxicínase do fosfoenolpiruvato e da glicose-6-fosfátase
denominada CRE (cAMP response element) e esta ligação induz a transcrição dos genes referidos e o
consequente aumento de concentração das enzimas codificadas. Por mecanismos em grande parte
desconhecidos a insulina inibe a transcrição dos mesmos genes; a consequente diminuição da
concentração de carboxicínase do fosfoenolpiruvato e da glicose-6-fosfátase diminui a velocidade da
gliconeogénese e a produção de glicose pelo fígado.
18-
Por si só, o valor da glicemia tem importância na regulação da velocidade de entrada de glicose para o
fígado via GLUT2 e na actividade da cínase da glicose (ATP + glicose → ADP + glicose-6-P). Esta enzima
hepática, porque tem um Km elevado (de cerca de 8-10 mM), é sensível às variações fisiológicas da
glicemia (4-12 mM na veia porta). Além disto, quando a concentração de glicose é baixa no hepatócito a
cínase da glicose está ligada a uma proteína inibidora; quando a concentração de glicose aumenta quebra-se
a ligação entre a cínase da glicose e a proteína inibidora e a cínase fica activa.
19-
A regulação da glicólise versus gliconeogénese pode ser resumida atentando na regulação recíproca das
enzimas envolvidas em cada um dos 3 ciclos de substrato pertinentes. (i) No ciclo glicose/glicose-6-P a
glicocínase (hexocínase IV) é directamente activada pela glicose que entra para o fígado e a sua síntese é
estimulada pela insulina; por sua vez, a síntese da glicose-6-fosfátase é reprimida pela insulina e estimulada
pela glicagina. (ii) No ciclo frutose-6-P/frutose-1,6-bisfosfato é relevante o efeito alostérico da frutose-2,6bisfosfato: a cínase-1 da frutose-6-P é activada enquanto a frutose-1,6-bisfosfátase é inibida. Por sua vez a
concentração intracelular da frutose-2,6-bisfosfato depende da regulação recíproca das duas actividades da
“enzima bifuncional” onde é relevante o seu estado de fosforilação, por sua vez dependente da razão entre as
concentrações plasmáticas de insulina (que activa uma fosfátase da “enzima bifuncional” fazendo com que
esta funcione como cínase-2 da frutose-6-P) e glicagina (que activa a PKA que fosforila a “enzima
bifuncional” fazendo com que esta funcione como fosfátase da frutose-2,6-bisfosfato). (iii) No ciclo
fosfoenolpiruvato/piruvato/oxalacetato têm especial relevância a inibição da cínase do piruvato via
fosforilação (dependente da PKA) induzida pela glicagina e a síntese da carboxicínase do fosfoenolpiruvato
estimulada pela mesma hormona e reprimida pela insulina.
1. Wu, C., Khan, S. A. & Lange, A. J. (2005) Regulation of glycolysis-role of insulin, Exp Gerontol. 40, 894-9.
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