surdez e oralismo

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CAMPANHA NACIONAL DE ESCOLAS DA COMUNIDADE
FACULDADE CENECISTA DE CAPIVARI – FACECAP
PEDAGOGIA
SURDEZ E ORALISMO
MARILIA BORTOLETO PIRES
Capivari, SP
2014
CAMPANHA NACIONAL DAS ESCOLAS DA COMUNIDADE
FACULDADE CENECISTA DE CAPIVARI – FACECAP
PEDAGOGIA
SURDEZ E ORALISMO
Monografia apresentada ao Curso de
Pedagogia da FACECAP/CNEC Capivari, para
obtenção do título de Pedagogo, sob a
orientação da Prof.ª Me. Elizaete Costa Arona.
MARILIA BORTOLETO PIRES
Capivari, SP
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
P746s
PIRES, Marília Bortoleto.
Surdez e Oralismo/ Marília Bortoleto Pires. Capivari - SP: CNEC, 2014.
42 p.
Orientadora: Prof.ª Me. Elizaete Costa Arona
Monografia apresentada ao curso de Pedagogia
1.Memorial 2.Autobiografia 3.Surdez 4.Oralismo 5. Deficiência
auditiva 6. Educação. I. Título. II Faculdade Cenecista de Capivari.
CDD. 371.9
DEDICATÓRIA
Primeiramente a Deus, que me deu todas as oportunidades que hoje tenho, assim
também a minha querida mãe, que me ensinou os caminhos certos para andar, que acreditou
ser esse sonho possível e contribuiu intensamente para que me tornasse um ser humano digno
e de caráter, uma pessoa pela qual não esperava que me tornasse professora, hoje graças ao
seu esforço, seu amor e sua fé o sou. Ao meu pai, que mesmo não estando mais entre nós,
contribuiu com sua lição de vida, para que eu tenha caráter e humildade. E também a minha
fonoaudióloga, parceira que acreditou na minha capacidade de evoluir e como minha mãe
sempre fala, “ela é o anjo que Deus enviou para nos orientar e nos ajudar”. Enfim, a todas as
pessoas, como meus colegas, professores, família, que contribuíram para o meu crescimento
espiritual, social e escolar. Muito obrigada! Amo todos vocês.
AGRADECIMENTO
Quero agradecer primeiramente a Deus por ter a família que tenho, por ter meus amigos,
pela oportunidade de chegar onde estou, não estaria me formando como professora, sem o
desempenho, a luta, a fé, o amor da minha querida mãe Neusa Aparecida Bortoleto Pires, do
meu Pai Adilson José Lopes Pires (em memória), do apoio da minha família, principalmente
da minha fonoaudióloga, segunda mãe de coração, minha professora e é claro minha
orientadora Prof.ª Me. Elizaete Costa Arona.
Quero agradecer as minhas colegas de estudo especialmente Eliane Colen, Janaina
Helena, Solange Magno, Cristiane Lima, Sirlei Daniela Gonçalves, Suzana Fernandes, minhas
amigas queridas, sempre “puxando” minha orelha para me esforçar nos estudos e a todas as
alunas que cursaram Pedagogia comigo, pela paciência e incentivo, que sempre em meus
momentos de timidez chamavam atenção dos professores para nunca ficar de costas para
mim.
Quero agradecer a todos os professores, coordenadoras e direção pela preocupação em
atender à minha necessidade da deficiência e meus estudos. Agradeço minha avaliadora
Cláudia B.C. de Nascimento Ometto pela direção e sugestão.
Quero agradecer Sr. Mário Lemblo e Sr. André Lemblo pela confiança e pelo recurso
financeiro para que pudesse pagar o meu curso. A Marta Araújo e Sileide Tavares pelas
revisões e correções ortográficas.
A todas as pessoas que passaram pela minha vida deixando suas marcas e outras que
foram passageiras, de alguma forma contribuíram para o meu crescimento como pessoa com
caráter e dignidade. Obrigada a todos, por tudo.
Você precisa ser surdo para entender...
Como é “ouvir” uma mão? Você precisa ser surdo para entender! O que é ser uma pequena
criança na escola, numa sala sem som com um professor que fala, fala e fala e, então quando
ele vem perto de você ele espera que você saiba o que ele disse? Você precisa ser surdo para
entender!
Ou o professor que pensa que para torná-lo inteligente você deve, primeiro, aprender como
falar com sua voz assim colocando as mãos no seu rosto por horas e horas sem paciência ou
fim até sair algo indistinto assemelhado ao som? Você precisa ser surdo para entender!
Como é ser curioso na ânsia por conhecimento próprio com um desejo interno que está em
chamas e você pede a um irmão, irmã e amigo que respondendo lhe diz: “Não importa”?
Você precisa ser surdo para entender!
Como é estar de castigo num canto embora não tenha feito realmente nada de errado a não
ser tentar fazer uso das mãos para comunicar a um colega silencioso um pensamento que
vem, de repente, a sua mente? Você precisa ser surdo para entender!
Como é ter alguém a gritar pensando que irá ajudá-lo a ouvir ou não entender as palavras de
um amigo que está tentando tornar a piada mais clara e você não pega o fio da meada
porque ele falhou? Você precisa ser surdo para entender!
Como é quando riem na sua face quando você tenta repetir o que foi dito somente para estar
seguro que você entendeu e você descobre que as palavras foram mal entendidas? E você
quer gritar alto: “Por favor, me ajude, amigo! Você precisa ser surdo para entender!
Como é ter que depender de alguém que pode ouvir para telefonar a um amigo ou marcar um
encontro de negócios e ser forçado a repetir o que é pessoal e, então, descobrir que seu
recado não foi bem transmitido? Você precisa ser surdo para entender!
Como é ser surdo e sozinho em companhia dos que podem ouvir e você somente tenta
adivinhar, pois não há ninguém lá com uma mão ajudadora enquanto você tenta acompanhar
as palavras e a musica? Você precisa ser surdo para entender!
Como é estar na estrada da vida encontrar com um estranho que abre a sua boca e fala alto
uma frase a passos rápidos e você não pode entendê-lo e olhar seu rosto porque é difícil e
você não o acompanha? Você precisa ser surdo para entender!
Como é compreender alguns dados ligeiros que descrevem a cena e fazem você sorrir e
sentir-se sereno com a “palavra falada” de mão em movimento que torna você parte deste
mundo tão amplo?
Autores: Willerd e Madsen
PIRES, Marilia Bortoleto. Surdez e Oralismo. Trabalho de Curso. Curso de Pedagogia.
Faculdade Cenecista de Capivari - CNEC. p. 42, 2014.
RESUMO
O tema é Surdez e Oralismo, baseado na minha autobiografia. Escolhi esse tema devido as
dificuldades encontradas durante meu desenvolvimento como pessoa. O objetivo desta
pesquisa busca relatar dificuldades e conquistas durante o meu desenvolvimento cognitivo e
da linguagem, na interação social e no processo emocional, buscando através de leituras de
autores como Launay e Borel-Maisony; Lopes Filho; Quadros e Moura e artigos como
Documentos do MEC, relacionando-os aos relatos apresentados por mim, pela minha mãe, e
da fonoaudióloga e dos professores. Buscou assim responder a principal questão: Pode o
surdo oralizado, tendo a língua portuguesa como a primeira língua, ter maior chance de
concluir o ensino superior na atual realidade da educação brasileira? O método utilizado foi o
memorial autobiográfico em forma de narrativa. Posso concluir, concordando com Vygotsky
que ao destacar que o sujeito não se torna sujeito ativo sem a interação com o próximo,
confirmo que minha aprendizagem não teria ocorrido sem ajuda do outro, ou seja, a minha
comunicação tanto como gestos, sinais, fala, escrita, expressão corporal e facial, começou a
partir do momento que interagi com o outro e me desenvolvi. Minha experiência mostra que é
possível um surdo profundo ter um desenvolvimento nos estudos e concluir o curso superior,
desde que este consiga se comunicar.
Palavras-chave: 1.Memorial 2.Autobiografia 3.Surdez 4.Oralismo 5. Deficiência auditiva 6.
Educação.
LISTAS DE ILUSTRAÇÕES
Imagem 1- Audiograma ........................................................................................................... 19
Imagem 2- Helen Keller .......................................................................................................... 30
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
1. COMPREENDENDO A SURDEZ E OS MÉTODOS DE DESENVOLVIMENTO DE
LINGUAGEM PARA O SURDO ........................................................................................ 15
1.1 O que é audição? ....................................................................................................... 15
1.2 O que é surdez? ......................................................................................................... 17
1.3 Métodos de desenvolvimento para linguagem do surdo ........................................... 20
1.3.1 Língua Brasileira de Sinais ........................................................................... 21
1.3.2 Oralismo com a Língua Portuguesa .............................................................. 22
1.3.3 Bilinguismo................................................................................................... 24
2. MINHA HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO.......................................................................... 25
2.1 O dia em que minha mãe descobriu minha surdez .................................................... 25
2.2 Perdas de audição ao decorrer da minha vida............................................................ 27
2.3 O primeiro passo ....................................................................................................... 29
2.4 Parceria da família com a Escola .............................................................................. 33
2.5 Experiência de Aprendizado no ensino Fundamental I............................................. 35
2.6 Experiência de Aprendizado no ensino Fundamental II ........................................... 35
2.7 No Ensino Médio ...................................................................................................... 36
2.8 Ensino Superior ......................................................................................................... 37
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 39
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 40
INTRODUÇÃO
Meu nome é Marilia, nasci dia 18 de Dezembro de 1992, na cidade de Capivari, interior
de São Paulo. Ao primeiro ano de vida fui diagnosticada com Perda Auditiva Neurossensorial
Profunda em ambas as orelhas, faço uso de aparelho auditivo apenas no lado esquerdo devido
as características da minha perda auditiva.
O silêncio para mim é o meu mundo, nunca havia ouvido antes. Hoje percebo que
quando alguém descobre que é surdo, parece que tudo passa a ser problema. Como se surdo
não pudesse viver sem sons, existe um fator real que torna os sons importantes, mas o silêncio
é o nosso mundo. É assim!
Minha família é composta por meu irmão gêmeo masculino e um irmão quatro anos
mais velho, moro com minha mãe, meu pai já é falecido. Hoje sou uma jovem de 21 anos me
graduando na área de Pedagogia. Como formação profissional escolhi ser professora de
LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) em escolas e universidades num futuro próximo.
Busquei compreender a palavra surdez, e segundo Lopes Filho “tem sido empregada para
designar qualquer tipo de perda de audição, parcial ou total. Recentemente a surdez adquiriu novo
significado. Surdo é um termo muito forte e depreciativo da condição do individuo, daí a tendência
atual em utilizar „deficiência auditiva‟ em seu lugar.” (LOPES FILHO, 1997 p.7). Porém hoje nós os
surdos preferimos ser chamados de surdos, pois não nos consideramos deficientes, sendo esta uma
característica pessoal, como algo da minha personalidade. Faz parte de mim.
Segundo o MEC (Ministério de Educação e do Desporto), deficiência auditiva é:
[...] a diminuição da capacidade de percepção normal dos sons, sendo considerado
surdo o individuo cuja audição não é funcional na vida comum, e parcialmente
surdo, aquele cuja audição, ainda que deficiente é funcional com ou sem prótese
aditiva. [...] Existem dois tipos principais de problemas auditivos. O primeiro afeta o
ouvido externo ou médio e provoca dificuldades auditivas “condutivas”,
normalmente tratáveis e curáveis. O outro tipo envolve o ouvido interno ou nervo
auditivo. “Chama-se surdez neurossensorial.” (BRASIL, 1997 p.31).
A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) foi oficializada como língua oficial do surdo
brasileiro por meio da LEI Nº 10.436, de 24 de abril de 2002. (BRASIL, 2002). Antes deste
período, era frequente que os profissionais especializados em trabalhar a comunicação do
surdo recebessem em sua formação orientação para o trabalho com o foco oralista,
defendendo ser este o melhor método a ser utilizado, desvalorizando assim a Língua de
Sinais, uma vez que esta era utilizada em núcleos e comunidades de surdos.
Na minha vivência diante da surdez não tive acesso a uma comunidade surda ou a uma
10
associação de surdos que me auxiliasse no processo de desenvolvimento durante o ensino
fundamental. Foi necessário minha família buscar apoio de profissionais especialista para
aprender a lidar com minha dificuldade, sendo orientada a trabalhar com minha oralização.
Somente na adolescência tive maior contato com outros surdos e ao observar estes colegas
surdos que usavam a LIBRAS como forma de comunicação, pude descobrir que eu não tive
grandes dificuldades no processo de educação, mas percebi que outros colegas surdos
usuários de LIBRAS, ao terminarem sua escolarização básica não eram capazes de ler e
escrever fluentemente ou deter domínio sobre os conteúdos pertinentes a este nível de
escolarização.
Diante deste dilema, decidi fazer um memorial com relatos da minha experiência como
surda oralizada, que tem como primeira língua o português, apresento como se deu meu
processo de interação social e desenvolvimento educacional.
Escolhi como metodologia o método autobiográfico, visando contar a minha própria
história, relacionando-a à visão de vários autores sobre o tema.
Assim, é importante compreender o que seja Memorial Autobiográfico que segundo
Brandão é “quando resgatamos as narrativas dos sujeitos trabalhamos com a lembrança única,
a experiência solitária da qual o informante é a única testemunha”. (BRANDÃO, 2005, pág.
02).
Apoiei também na definição de Severino para explicar minha escolha pelo método:
O Memorial constitui, pois, uma autobiografia, configurando-se como uma narrativa
simultaneamente histórica e reflexiva. Deve então ser composto sob a forma de um
relato histórico, analítico e crítico, que dê conta dos fatos e acontecimentos que
constituíram a trajetória acadêmico-profissional de seu autor, de tal modo que o
leitor possa ter uma informação completa e precisa do itinerário percorrido. Deve
dar conta também de uma avaliação de cada etapa, expressando o que cada momento
significou as contribuições ou perdas que representou. (2000. p. 175-176 Apud
SANTOS, 2005, s/p)
E em Silvana Goulart compreendi que o memorial é:
A lembrança é uma experiência individual que nasce múltiplas camadas de
experiência sociais. Cada memória pessoal é singular, mas aponta para um recorte
da memoria coletiva. A apreensão desse coletivo se faz a partir do enquadramento
dado por aquele que se lembra. A memória individual transforma-se em fonte
histórica, pois as pessoas são impregnadas de elementos que ultrapassam suas
próprias existências e que aludem aos conteúdos comuns dos grupos nos quais se
inserem. A história se concretiza a cada instante nas vidas particulares, e a memória
do grupo se imprime e se revela nas rememorações pessoais. (GOURLAT, 1997,
p.234).
11
Desta forma o método que utilizo nada mais é que contar minha própria história. Ela
surgiu teoricamente como método científico, que é explicado por Severino como um:
[...] instrumento pedagógico, o Memorial tinha como objetivo contribuir para
suscitar reflexões sobre Sociedade e Educação, oferecendo aos sujeitos participantes
a oportunidade de pensar sobre si mesmos no conjunto de relações que se
estabelecem no processo de formação social e educacional. Sendo assim, tem-se a
pretensão de compartilhar associações, articulações, descobertas, reflexões e
possibilidades que foram tergiversadas durante o Seminário e que permitiram pensar
no Memorial de Formação como um instrumento pedagógico promotor de demandas
reflexivas frente ao vivido e a atualidade, inseridas no contexto social passado e
presente, num movimento que envolve ações estruturais políticas, estatais e
institucionais, com atuação sobre os sujeitos de forma recursiva na vida em
sociedade. Um movimento que muitas vezes impede os sujeitos de pensarem sobre
suas próprias condições sociais de vida e que estas condições não são apenas suas,
mas de todo um conjunto social. Embora, se reconheça que há particularidades que
são próprias de cada sujeito, há nele um sujeito, coletivizado pelo processo de
socialização, como nos diz Severino: “A história particular de cada um de nós se
entretece numa história mais envolvente da nossa coletividade”. (SEVERINO, 2001,
p. 175 apud SANTOS JUNIOR e SILVA, 2005, s/p).
Compreendi que é um método recente, sendo este uma escrita em forma de narrativa
segundo esses mesmos autores os resultados e possibilidades podem ser:
Durante a apresentação dos Memoriais, observou-se que eles são instrumentos
pedagógicos que trazem inúmeras fontes de pesquisa, embora se reconheça que a
forma autobiográfica narrativa carrega em si uma carga de subjetividade não
encontrada em outros instrumentais pedagógicos. No entanto, é valido ressaltar que
subjetividade e objetividade se não andam par e passo e são dictomizados na ação
reflexiva. (SANTOS JUNIOR, SILVA, 2005, s/p).
Ao estudar os autores Santos Junior e Silva, compreendi que em sua pesquisa se
basearam na definição de Freire ao relatar que o Memorial transforma-se em subjetivismo e
objetivismo, assim:
Confundir subjetividade com subjetivismo, com psicologismo, e negar-lhe a
importância que tem no processo de transformação do mundo, da historia, é cair
num simplismo ingênuo. É admitir o impossível, um mundo sem homens, tal qual a
outra ingenuidade, a do subjetivismo, que implica homens sem mundo. Não há um
sem os outros, mas ambos em permanente integração. (FREIRE, 1987, p. 37 apud
SANTOS JUNIOR, SILVA, 2005, s/p).
Estes autores me mostraram também que os trabalhos desenvolvidos em forma de
Memoriais são instrumentos pedagógicos reflexivos, pois:
a) Promovem a articulação entre vivências sociais e educativas no contexto em que
ocorrem;
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b) dão ressignificação ao espaço, ao tempo e ao lugar vividos, ressituando-os;
c) permitem que se teçam interconexões entre as diferentes histórias de vida dos
sujeitos em termos políticos, sociais, educacionais e familiares;
d) fomentam reflexões sobre as condições materiais nas quais se produziram
determinados processos educativos;
e) denotam diferentes formas culturais de vida, de educação, de sociabilidade e de
valores humanos;
f) trazem à tona a vida real e concreta do cotidiano social e educativo, como foi
experienciado, carregado de afetos, de marcas e de sentimentos;
g) possibilitam que o sujeito se pense como parte integrante de uma história social
que não é só sua, identificando-se com as demais histórias;
h) enfim, incrementam a religação de saberes por demonstrarem diversas formas de
ensinar e de aprender. (SANTOS JUNIOR, SILVA, 2005, s/p).
Ainda sob a visão de uma pedagogia com pesquisa baseada na construção social, os
autores veem como possibilidade considerar o Memorial de Formação Escolar e Social como
um importante modelo de trabalho acadêmico poderá, pois este permite:
a) Ampliar o acervo de trabalhos de pesquisas sobre Sociedade e Educação;
b) contribuir com dados para a construção de uma cartografia da Educação Básica
Brasileira das últimas décadas do século passado
c) disseminar as experiências sociais e educativas exitosas registradas nos
Memoriais através de publicações em revistas, coletâneas de artigos, entre outras;
Assim sendo, os pensamentos e ações dos educadores possibilitam o prolongamento
de nossa Memória e de nossa História da Educação. (SANTOS JUNIOR, SILVA,
2005, s/p)
Desta forma, pude perceber que um memorial autobiográfico é um método científico
que respondeu ao meu desejo de relatar minha história.
Segui a orientação de Santos Junior e Silva (2005) para elaborar o memorial de
formação escolar e social, sugerindo que inicialmente se faça a leitura com perspectiva de
caráter mais cientifico recorrendo a referenciais teórico-metodológicos que dialogam com
memórias e narrativas autobiográficas de diferentes culturas para que se pudessem
contextualizar de forma mais ampla, com base nas leituras e os níveis e modalidades de
ensino, como a vida social e política vivido pelos sujeitos.
Segundo os mesmo autores, outros pesquisadores também utilizaram o método
autobiográfico, como Nóvoa (2000) que abordam histórias de vida de professores em
perspectiva autobiográfica, Pereira (2002) que fez reflexões sobre o significado e a
compreensão do desenvolvimento do ensino primário em Portugal da época em que viveram,
por meio de depoimentos, são os que relatam as suas trajetórias, Hampâté Bá (2003) que traz
seu relato em uma obra autobiográfica na qual reconstituiu sua vida educativa e social, e seu
itinerário social na cultura africana, mostrando a descrição de sua vida social, educativa, suas
marcas, seus traumas e suas lembranças. (Apud SANTOS JUNIOR e SILVA, 2005).
13
Para tanto, defini como objetivo dessa pesquisa relatar dificuldades e conquistas
durante o meu desenvolvimento cognitivo e da linguagem, na interação social e no processo
emocional, buscando através de leituras de autores Launay e Borel-Maisony; Lopes Filho;
Quadros e Moura., e artigos como Documentos do MEC relacionando-os aos relatos
apresentados, tanto o meu como da mãe, da fonoaudióloga e dos professores, com finalidade
de responder a principal questão: Pode o surdo oralizado, tendo a língua portuguesa como
a primeira língua, ter maior chance de concluir o ensino superior na atual realidade da
educação brasileira?
Dividi o trabalho em dois capítulos: o primeiro capítulo busca compreender por meio de
uma revisão bibliográfica os conceitos de: surdez, graus de perdas auditivas, audição, sons,
ondas sonoras, e quais são os métodos para o desenvolvimento de linguagem para o surdo
sendo três métodos: oralização com Língua Portuguesa, Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS) e Bilinguismo (Língua Portuguesa e LIBRAS) e no segundo capítulo a história de
superação com trajetória por mim revelada fazendo-se relação com a teoria dos autores
pesquisados.
Espera-se com este trabalho ajudar os surdos a identificarem mediante as dificuldades
encontradas e apontadas na pesquisa, como superar barreiras, bem como estimular futuras
pesquisas sobre os métodos de desenvolvimento da linguagem do surdo como apoio ao
processo educacional.
14
1. COMPREENDENDO A SURDEZ E OS MÉTODOS DE DESENVOLVIMENTO DE
LINGUAGEM PARA O SURDO
É comum encontrar o pensamento de que o surdo não é capaz de ter um
desenvolvimento de linguagem que o torne acessível ao ouvinte e que esse também tenha
garantido a acessibilidade ao mundo do ouvinte. Assim é importante compreender como se é a
audição dentro de seu processo físico e fisiológico. É o processo de aquisição de linguagem
tais como Oralismo, Bilinguismo e Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).
1.1 O que é audição?
A audição, no caso dos ouvintes, é o primeiro contato com o mundo a sua volta, ainda
que o sistema auditivo do feto já se encontre completo quanto à forma aos seis meses de
gestação. Deve se preocupar quando uma criança não tem audição, pois é um dos principais
meios de comunicação com a sociedade, uma vez que a ausência da audição pode afetar a
linguagem e também o desenvolvimento global da criança. (QUADROS, 1997)
A audição é o “funcionamento do córtex auditivo é associado a atividades como
analisar sons complexos” (PEREIRA, 2004, p. 547), ou seja, a audição é um processo que
envolve o funcionamento do cérebro, que pode identificar:
Os sons detectados (descriminação), atenção interaural (cada hemisfério seleciona o
estimulo vindo do lado oposto), ajustar o estímulo auditivo no contexto e prolongar
estímulos curtos (tempo), percepção do espaço auditivo (localização), formação de
conceitos auditivos em geral (compreensão). (PEREIRA, 2004, p. 547).
O ser humano é capaz de perceber sons de 20 Hz a 20.000Hz, sendo assim:
O ouvido humano é sensível somente aos sons cuja faixa de frequência situa-se entre
20 e 20.000 Hz, denominada faixa audível. Ondas sonoras situada abaixo de 20 Hz
são chamadas de infrassom e acima de 20.000 Hz de ultrassom. A faixa de
frequências audíveis difere para alguns animais, tais como gatos= 10Hz a 60 kHz;
cães= 15 Hz a 50kHz; morcegos= 10kHz a 120 kHz; golfinhos= 10kHz a 240 kHz.
Nestes experimentos foi determinada a faixa de audição humana, que compreendia a
área de frequência de 20 a 20.000 Hz, incluindo o limiar mínimo de detecção ou
audibilidade, isto é, a mais fraca intensidade sonora capaz de impressionar o ouvido
humano para um tom puro, em 50 % das vezes em que o estimulo sonoro é
apresentado por base a frequência de 1.000 Hz e a pressão sonora de referência de
20 PA. (OKUNO, CALDAS, CHOW, 1982 apud RUSSO, 1997, p. 73).
Segundo o SILMAN e SILVERMAN, 1991 “A classificação dos limiares da via aérea
15
nas frequências de 500, 1.000 e 2.000 Intensidades ouvida dentro da normalidade é de -10dB
a 25dB. ” (SILMAN e SILVERMAN, 1991 apud REDONDO, LOPES FILHO, 1997, p.107).
Definem como um gráfico onde apresentam as diferentes classificações dos limiares
auditivo como:
Normal: até 25 dB
Leve: de 26 a 40dB
Moderada: de 41 a 55 dB
Moderadamente/severa: de 56 a 70 dB
Profunda: maior que 91 dB.
Um sistema de classificação é considerado normal a média for igual ou menor a 15
dB. (SILMAN e SILVERMAN, 1991 apud REDONDO, LOPES FILHO, 1997,
p.107).
Segundo o Ministério da Educação para entender o gráfico do audiograma é preciso
entender as qualidades dos sons:
a) DECIBÉIS:
A intensidade ou volume dos sons é medida em unidades chamadas decibéis,
abreviadas para dB. Sessenta dB é a intensidade do som de uma conversa, e 120 dB
a de um avião a jato. Se uma pessoa “perder” 25 dB de volume, poderá ter
problemas de audição. A perda de 95 dB pode ensurdecer totalmente uma pessoa.
b) HERTZ
Hertz (Hz) é a unidade que determina o comprimento da onda sonora e envolve a
frequência do som, ou seja, a capacidade de perceber sons graves e agudo. Assim a
audição normal é aquela que situa entre 0 a 20 dB e entre 250 a 4.000 Hertz. Para
determinar a perda em um teste audiométrico geralmente são usadas as frequências
500, 1000, 2000 e 4000 Hz. (Brasil, 1997 p. 47 e 48)
E o Ministério da Educação define o som como:
O som é produzido quando alguma coisa faz o ar se mover. Esse movimento chamase vibração. Quando as moléculas de ar vibram, elas batem umas contra as outras,
fazendo com que as vibrações se espalhem pelo ar sob a forma de ondas, produzindo
o som. As ondas sonoras são invisíveis, mas podemos provar sua existência
colocando um diapasão na água. As ondas sonoras fazem a água movimentar-se e
respingar. (BRASIL, 1997, p.24).
Outra forma de conhecer o som é através da sensação proprioceptiva, ou seja, sentir a
vibração nas cordas vocais, colocando a mão sobre o pescoço, ao emitir o som, sentimos a
vibração na garganta, “quando queremos falar ou cantar, expiramos o ar dos pulmões através
16
das cordas vocais e isso faz as cordas vocais vibrarem e produzirem sons, que a língua e a
boca transformam em palavras”. (BRASIL, 1997, p.24).
1.2 O que é surdez?
A surdez pode ter diversas causas, assim:
A deficiência auditiva pode ser congênita ou adquirida. As principais causas da
deficiência congênita são hereditariedade, viroses maternas (rubéola, sarampo),
doenças toxicas das gestantes (sífilis, citomegalovírus, toxoplasmose), ingestão de
medicamentos ototóxicos (que lesam o nervo auditivo durante a gravidez). É
adquirida, quando existe uma predisposição genética (otosclerose), quando ocorre
meningite, ingestão de remédios ototóxicos, exposição a sons impactantes
(explosão) e virose, por exemplo. (BRASIL, 1997, p33).
Algumas surdezes podem ter início mesmo durante a gestação do bebê sendo
importante compreende-las, sendo estas:
Causas pré-natais: (A criança adquire a surdez através da mãe, no período da
gestação).
 Desordens genéticas ou hereditárias;
 Pressão alta, diabetes;
 Exposição à radiação;
 Sífilis, citomegalovírus, toxoplasmose, herpes [...].
Causas perinatais (a criança fica surda, porque surgem problemas no parto)
 Prematuridade, pós-maturidade, anóxia, fórceps;
 Infecção hospitalar;
 Outras
Causas Pós-natais (A criança fica surda, porque surgem problemas após seu
nascimento).
 Meningite
 Remédios ototóxicos, em excesso, ou sem orientação médica;
 Sífilis adquirida;
 Sarampo, caxumba;
 Exposição continua a ruídos ou sons muito altos;
 Traumatismos cranianos;
 Outros. (BRASIL, 1997, p.33, 34).
Para um diagnóstico de surdez existem várias avaliações a serem feitas, desde observar
a resposta comportamental da criança diante de sons ambientais até exames com médicos
especialista em audição, o otorrinolaringologista, “que pode examinar o canal auditivo e o
tímpano com um instrumento chamado otoscópio [...] ele verifica se há obturação no canal
auditivo ou se há perfuração na superfície do tímpano, inchaço ou deformação. ” (BRASIL,
1997 p.41).
17
Os exames para a detecção de surdez podem ser realizados a partir do nascimento da
criança por meio de exames objetivos como a Otoemissão Acústica (OEA)1, o BERA 2 e a
Imitanciometira3 ou por exames subjetivos como Audiometria Clinica Comportamental4.
Segundo o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 que regulamenta a lei
10.436: de 24 de abril de 2002.
Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda àquela que, por ter
perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências
visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de
Sinais - Libras.
Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total,
de quarenta e um decibel (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de
500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz. (BRASIL, 2014, p1.).
Já no art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000 é observado que:
Para uma maior compreensão das especificidades dos diferentes graus da perda
auditiva, estes podem ser demarcados como: Audição normal com limiar entre-10 a
25dB; Perda auditiva leve: Sons fracos não são ouvidos. É difícil entender a fala em
ambientes ruidosos, com limiar entre 26 a 40dB; Perda auditiva moderada: Sons
fracos e moderadamente fortes não são ouvidos. Entender a fala é muito difícil
quando a ruídos de fundo, com limiar entre 41 a 55dB; Perda auditiva severa:
Conversas tem que ser conduzidas em voz alta. Conversas em grupo só são possíveis
com muito esforço, com limiar entre 56 a 70dB; Perda auditiva profunda: mesmo
alguns ruídos muito fortes não são ouvidos. Sem um aparelho auditivo, a
comunicação não é mais possível, mesmo com muito esforço, com limiar acima de
71 dB. (GOODMAN, 1965 apud YANTIS, 1999, p1; PHONAK, 2014, s/p).
A empresa Phonak (2014) exemplifica em imagem um audiograma 5 com dos diferentes
graus de perda auditiva, comparando-os aos sons ambientais:
1
OEA - é o registro da energia sonora gerada pelas células ciliadas da cóclea (orelha interna) em resposta a sons
captados por um microfone miniaturizado colocado no conduto auditivo externo do recém-nascido .BERA - É o
exame do Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico e tem por objetivo avaliar a integridade funcional
das vias auditivas nervosas, desde a orelha interna até o córtex cerebral. Com ele é possível determinar se existe
ou não perda auditiva, assim como precisar seu tipo e grau.
2
BERA - É o exame do Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico e tem por objetivo avaliar a
integridade funcional das vias auditivas nervosas, desde a orelha interna até o córtex cerebral. Com ele é possível
determinar se existe ou não perda auditiva, assim como precisar seu tipo e grau.
3
A imitanciometria é um exame que permite avaliar as condições da orelha média e da tuba auditiva fornecendo
informações sobre a integridade funcional da membrana timpânica e da cadeia ossicular. Avalia também a
presença ou ausência dos reflexos do músculo estapédio que irão auxiliar no diagnóstico diferencial das perdas
auditivas identificando o local da lesão.
4
A Audiometria Comportamental é uma técnica de Audiometria Infantil, realizada em crianças de 06 meses até
02 anos de idade. É um exame para observar a presença e/ou ausência de reações reflexas aos estímulos sonoros.
O teste é uma técnica importante para coletar informações a respeito do desenvolvimento auditivo da criança e
ajuda na detecção de perdas auditivas mais graves.
5
Audiograma: é uma representação gráfica da capacidade auditiva, que por meio de um teste a audição é medida
em diferentes faixas de frequência, buscando definir o menor limiar auditivo para cada tom. O resultado é
representado por uma curva característica no audiograma. (Phonak, 2014).
18
Imagem 1: Imagem dos sons ambientais e dos fonemas em um Audiograma
6
Ao observar o exemplo do gráfico, verificamos como se apresentam diferentes
estímulos sonoros dentro do audiograma, assim se uma pessoa apresenta uma perda leve de
audição, terá dificuldades em ouvir os barulhos das folhas ao balanço do vento, sons dos
pássaros cantando e outros sons com a mesma intensidade, no caso do sujeito surdo, com
perda de acima de 80 dB, ou seja, perda severa ou profunda, não sendo possível o sujeito
ouvir as vozes das pessoas, som da TV, rádio, barulho de carro quando dirige, toque de
celular e muitos outros sons ou ruídos, porém pode ouvir som com intensidade muito forte
como a turbina de avião, explosão de uma bomba, tiro de uma arma etc.
Segundo a lei, para ser considerada surda a pessoa deve ter perda auditiva bilateral,
parcial ou total. No meu caso, tenho uma Perda Auditiva Neurossensorial Profunda na orelha
esquerda e na orelha direita Perda Auditiva Neurossensorial Profunda, com respostas
auditivas apenas em frequências graves.
A surdez neurossensorial pode se manifestar em qualquer idade, desde o pré-natal
até a idade avançada. A cóclea é um órgão muito sensível e vulnerável aos fatores
genéticos, às doenças infantis, aos sons muitos altos e a alguns medicamentos.
Muitos idosos também sofrem de surdez neurossensorial. (BRASIL, 1997, p.37).
6
Imagem 1 - Disponível em:
<http://www.phonak.com.br/b2c/pt/hearing/understanding_hearingloss/types_of_hearing_loss.html>. Acesso em
09/04/2014.
19
No caso do sujeito surdo, o silêncio parece ser natural, a “audição”, para nós, olhos,
pois interagimos por meio da visão, Portanto, será que faz falta a audição para quem nunca
“ouviu sons”? Muitos acreditam que não ouvir é um problema, é claro que, por exemplo, ao
atravessar a rua e não ouvir a buzina do carro pode provocar um acidente. Quando alguém
bate na porta da casa e o sujeito não ouve a campainha, pode acontecer de a pessoa ficar
esperando e não ser atendida.
O sentimento dos surdos em relação à audição é expresso por Nembri (2008, p. 118)
como: “por fim, ser surdo num mundo ouvinte é ter, sobretudo, o sonho de ser, de alguma
forma, ouvinte um dia, mas respeitando a surdez”.
1.3 Métodos de desenvolvimento para a linguagem do surdo
A linguagem é uma forma de comunicação com o outro, pode ser expressa por meio da
fala, oralmente, visualmente, por meio da música como uma forma de expressar seus
pensamentos.
A linguagem é, ao mesmo tempo, uma função e um aprendizado: como função
possibilita ao ser humano falar, pois o sistema simbólico linguístico que a criança
deve assimilar é adquirido progressivamente pelo contato com o meio em que vive.
Por si só, a linguagem é a comunicação com o outro e é o modo mais elaborado e
exclusivamente humano de comunicação (LAUNAY e BOREL-MAISONNY, 1989,
p.3)
Vygotsky destaca que a linguagem é resultado da relação com o outro, pois a
aprendizagem não é adquirida sozinha e sim com o próximo, a sua “teoria da associação é
igualmente inadequada para explicar o desenvolvimento do significado das palavras na
infância”. (VYGOTSKY, 2008, p.152).
Launay e Borel-Masisonny (1989) destacam que nos primeiros meses de vida a criança
começa o processo chamado de lalação, sendo importante a criança passar por essa fase de
associação dos sons vocálicos às palavras, a fim de adquirir significados desde a infância.
Portanto, é importante o papel da família neste processo, pois é o primeiro grupo social
em que o bebê está inserido, sendo o primeiro acesso a linguagem para a criança, pela qual
chamamos de linguagem materna. Assim, a nossa primeira língua é adquirida a partir do
outro, e a família é o nosso primeiro agente.
20
Fazendo uma análise bibliográfica podemos perceber que os primeiros albucios
adquirida pela a crianças numa forma de comunicar com o outro, a imitação da fala da criança
começa com a família pois interage primeiro.
A palavra, segundo Vygotsky, está associada diretamente ao pensamento, assim um
sujeito que tem palavras é um sujeito que pensa:
O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e
da linguagem, que fica difícil dizer se trata de um fenômeno da fala ou de um
fenômeno do pensamento. Uma palavra sem significado é um som vazio; o
significado, portanto, é um critério da „palavra‟, seu componente indispensável.
Pereceria, então, que o significado poderia ser visto como um fenômeno da fala.
Mas, do ponto de vista da psicologia, o significado de cada palavra é uma
generalização ou um conceito. E como as generalizações e os conceitos são
inegavelmente atos de pensamentos, podemos considerar o significado como um
fenômeno do pensamento. (VIGOTSKI, 1998, p.150e 151).
Fontana e Cruz ao retratarem a elaboração do conceito da palavra pela criança explicam
que:
Vygotsky considera que a elaboração conceitual pela palavra, desenvolvida
culturalmente pelos indivíduos como forma de refletirem cognitivamente suas
experiências, não ocorre naturalmente na criança. Ela começa nas fases mais
precoces da infância, por meio do emprego da função mais simples da palavra- a
nomeação-, e o seu desenvolvimento depende das possibilidades que cada indivíduo
tem (ou não) de compartilhar e elaborar em suas interações os conteúdos e as formas
de organização de conceitos. (1997, p.95)
É importante o papel do outro para adquirirmos conceitos e significados, assim o
exemplo de outras pessoas nos proporciona aprendizado. A imitação do outro é a forma como
adquirimos a aprendizagem, assim surge a linguagem pelo qual o sujeito interage com o
outro, o surdo que não ouve sons, não tem como imitar o outro falando naturalmente, ele
então recebe estímulos diferentes dos ouvintes. (VYGOTSKY, 2008).
Lembrando que o sujeito ouvinte e o sujeito surdo têm um processo de aprendizagem da
linguagem diferenciada, para o ouvinte é automático aprender com o outro por meio de
treinamento, imitação e observação auditiva, já o surdo é mais visual, sendo mais trabalhoso,
porém existe forma de adquirir a aprendizagem da linguagem.
Para desenvolver a comunicação do surdo poder ser utilizados diversas metodologias de
trabalho, sendo eles: Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), Oralismo com a Língua
Portuguesa e o Bilinguismo, como veremos a seguir:
21
1.3.1
Língua Brasileira de Sinais
A Língua Brasileira de Sinais, abreviada como LIBRAS, foi uma conquista dos surdos,
sendo reconhecida como uma língua que possui parâmetros, regras gramaticas, assim como as
outras línguas. PEREIRA (1993), num estudo sobre a sintaxe da LIBRAS declara que:
É possível afirmar que a ordem dos sinais segue, na maior parte das vezes, a mesma
ordem dos vocábulos do português oral, ou seja, sujeito-verbo-complemento
Exemplos-PEGAR CIGARRO COLOCAR (boca) ACENDER FUMAR. Um
aspecto que chamou a atenção e que de certa forma interfere na sintaxe, diz respeito
ao uso simultâneo das duas mãos, sendo que cada uma para produzir um sinal, o que
parece dar uma ideia de continuidade e concomitância. (Apud MOURA; LODI e
HARRISON, 1997, p. 343, 344).
A Língua Brasileira de Sinais deve ser respeitada como uma língua assim também como
a Língua Portuguesa. O surdo na sua maioria considera a LIBRAS a língua mais
compreensível para eles, pois a “fala” são as mãos e o “ouvido” são os nossos olhos, ou seja, a
LIBRAS é uma língua visual, a ausência dos sons é compensada pela nossa visão.
1.3.2 Oralismo com a Língua Portuguesa
O desenvolvimento da linguagem por meio do Oralismo para o surdo é possível, apesar
de não ter o retorno da própria fala pela audição, o surdo pode aprender a falar por meio
percepção do tato e da sensação cenestésica, sentindo vibrações nas cordas vocais e nos
órgãos fonoarticulatórios. Lenzi sobre a fala do surdo defende que:
(...) os surdos, como seres humanos que são, possuem, também, essa
capacidade, o que explica que sua possibilidade de adquirir a língua falada
em seu país. Desenvolvendo a função auditiva e dispondo dessa capacidade
inata, o surdo precisa receber a linguagem de maneira natural, como
acontece com a criança que ouve. (1995, p.44 apud QUADROS, 1997, p.22).
O oralismo puro ou estimulação auditiva foi desenvolvido na Clark School For The
Deaf, no final do século XIX, é um método atual.
Para seus adeptos, a criança surda deve ser exposta à língua falada e aos sons,
sempre usar aparelho de amplificação sonora, se possível, e sofrer treinamento
auditivo. O trabalho começa com o treinamento de atenção para a leitura orofacial e
inclui elementos sonoros isolados, combinações de sons, palavras e finalmente a
fala, devendo ter continuidade em casa, através do envolvimento de toda a família.
Esta participação familiar continua é uma das características do oralismo. (MOURA;
LODI e HARRISON, 1997 p.337).
22
A criança surda para ser oralizada precisa do apoio da família, da sociedade, da terapia
com a fonoaudióloga para desenvolver a linguagem falada. Porém:
Para Skilar (op. cit., 1996), a Itália aprovou o oralismo para facilitar o projeto geral
de alfabetização do país, eliminando um fator de desvio linguístico (Língua de
Sinais), uma vez que eles procuravam uma unidade nacional e linguística. As
ciências humanas e pedagógicas aprovaram porque o oralismo respeitava a
concepção filosófica aristotélica em que o mundo de ideias, abstrações e da razão é
representado pela palavra, enquanto o mundo do concreto e do material o é pelos
Sinais. Outro Fator importante para Skilar foi a força do clero, que num primeiro
momento rejeitou o oralismo como representante do poderio alemão, mas que depois
percebeu-o como uma força importante por motivações espirituais e confessionais (e
de controle). (Apud MOURA; LODI e HARRISON, 1997, p. 336).
Como podemos ver o oralismo era bem valorizado, o surdo no século XIX não tinha
valor, por não ter palavras para se comunicar e como forma de tentativa para inseri-lo na
sociedade de alguma forma, o oralismo era um método bastante usado, a língua de sinais era
ignorada. Porém muitos cleros que faziam voto de silêncio se comunicavam um com o outro,
por meio de gestos, por isso apoiaram a Língua de Sinais, como uma língua natural e não
amaldiçoado, também eram contra o oralismo. (MOURA; LODI e HARRISON, 1997).
Segundo Moura, Lodi e Harrison, existem vários métodos de oralismo como o Método
Multissensorial, o Método de linguagem por associação de elementos e o Método
Unissenssorial.
O Método multissensorial/unidade silábica começa com treinamento de atenção para
leitura orofacial, usando sons isolados, silabicamente, palavras e depois a fala. São utilizados
visão e tatos. É um dos mais usados numa abordagem oral. (MOURA; LODI e HARRISON,
1997, p. 337, 338).
O Método de linguagem por associação de elementos ou método da “língua natural”, foi
desenvolvido por Mildred Groht tendo como base é que a criança deve aprender por meio de
atividade. O professor fala sem parar e as crianças devem fazer perguntas apenas com a fala.
A autora diz que esse método é utilizado, porém algumas crianças tem um rendimento bom
outras não, depende do treinamento que a criança adquire. Esse método dificulta a
conversação entre surdos. É um treinamento descontextualizado, a leitura orofacial pode ser
desenvolvida, mas para utilidade no dia a dia. (MOURA, LODI e HARRISON, 1997, p. 337,
338).
O Método uni sensorial ou abordagem aural refere- se a um programa de reabilitação
para a criança surda. A família deve ser participativa nesta abordagem que enfatiza um
treinamento auditivo sem relação com uso formal de leitura orofacial. O objetivo é a
23
integração da criança mesmo surda no mundo ouvinte, “os oralistas acreditam que todas as
crianças surdas têm alguma adição residual que pode ser aproveitada. É neste sentido, o de
uma perda, no caso audição, que é classificado esta abordagem”, o surdo nesta abordagem não
é classificado com um ser diferente ou com dificuldade, apenas tem algo que lhe falta para ser
integrado na sociedade como um ser normal, e não um deficiente. (MOURA; LODI e
HARRISON, 1997, p. 339).
1.3.3
Bilinguismo
O bilinguismo é um conjunto de duas línguas, sendo abordado neste trabalho a Língua
Portuguesa e a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), assim:
O bilinguismo para surdos e seus desdobramentos político-pedagógicos, é um fato
novo no cenário educacional para todos os educadores. Ele passa a fazer parte das
políticas educacionais brasileiras apenas no final da década de 1990, decorrente da
pressão de movimentos sociais, das contribuições de pesquisas na área da
Linguística e da educação e da incorporação desses novos conhecimentos e
tendências às agendas governamentais. (MOREIRA, FERNANDES, 2007, s/p)
MOURA (1997) defende que o bilinguismo é educacional, portanto os professores têm
o peso maior na aprendizagem da criança, pois ela observa que:
Que a proposta do bilinguismo é educacional, social e cultural independentemente
de maneira como concebe a segunda língua a ser adquirida pelo surdo. Assim o
papel do professor, dos pedagogos e dos linguistas é muito maior que o do
fonoaudiólogo. Nada impede que um fonoaudiólogo atue nos aspectos pedagógicos,
educacionais, linguísticos e sociais, dentro da escola, mas o seu trabalho clinico é
restrito, uma vez que o ambiente escolar é o que vai ser responsável pelo
desenvolvimento global do surdo. Portanto, este trabalho deve ser realizado numa
equipe que participe dos mesmos pressupostos teóricos. (MOURA; LODI e
HARRISON, 1997, p. 352).
O fonoaudiólogo tem um papel importante no processo de aprendizagem do surdo,
porém, precisa trabalhar em conjunto com a escola e a família na proposta do bilinguismo,
uma vez que são duas línguas, o surdo precisa estar sempre aprendendo com a prática da
comunicação bilíngue em todos os seus espaços sociais, aproveitando a interação com o outro.
Moura defende que a prática bilíngue “não pode se dar apenas clinicamente. Na verdade o
fonoaudiólogo pode realizar o trabalho clínico, mas somente em conjunto com a escola”
alcançará resultados. (MOURA, LODI e HARRISON, 1997, p.353).
24
2. MINHA HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO
2.1 O dia em que minha mãe descobriu minha surdez
Quando tinha pouco menos de um ano de vida minha mãe notou que não respondia aos
estímulos para falar, mas por ser gêmea, acabava fazendo tudo que meu irmão fazia, como
quando mandava tirar a roupa para tomar banho, meu irmão obedecia, e eu observava e fazia
igual. Desta forma, minha mãe demorou a perceber que havia algo errado. Mas o que a
motivou a duvidar sobre a minha audição, foi quando antes de um ano de vida meu irmão
começou a balbuciar algumas palavras, eu porém apenas movia os lábios, tentando repetir
tudo o que ele fazia. Copiava suas ações, mas não formava as mesmas sílabas balbuciadas por
ele, e geralmente não produzia som. Certo dia chegou um senhor que vendia verdura, sempre
buzinava bem alto, várias vezes ao chegar, neste dia estava de costa para o portão, e minha
mãe observou que não tive reação, a não ser quando meu irmão correu para atendê-lo e
levantei-me para ver o que era. Isto motivou a preocupação da minha mãe, pois eu sempre o
atendia com alegria, mas desta vez nem percebi. Então ela começou a buscar ajuda, pois ainda
não existia o teste da Orelhinha pela OEA.
A surdez pode ser descoberta antes da criança completar um ano, segundo Launay e
Borel-Maisoony (1989, p.18) precocemente, assim, “aos seis meses, torna-se possível uma
espécie de diálogo: a criança repete o ruído, quando o adulto se cala, para fazê-lo repetir o
som e escutá-lo novamente. Ela passa, então, a imitar realmente os sons emitidos pelo outro. ”
Os pais podem observar que a criança emite os sons tentando imitar o adulto, o surdo
porém não tem percepção auditiva para imitar os sons, mas pode fazer o movimento labial
repetindo a ação do outro por meio do visual.
Em 1992, quando nasci, não era obrigatório o Teste de Orelhinha como nos dias atuais:
O Teste da Orelhinha ou Triagem Auditiva Neonatal é um exame importante para
detectar se o recém-nascido tem problemas de audição. Após a sua realização é
possível iniciar o diagnóstico e o tratamento das alterações auditivas precocemente.
O Conselho Federal de Fonoaudiologia e outras entidades brasileiras recomendam
que o exame seja realizado na maternidade, antes da alta hospitalar. O teste da
orelhinha é rápido, indolor e não tem contraindicação. A Lei Federal nº 12.303/2010
tornou obrigatória e gratuita a realização do exame e espera-se que todos os
hospitais e maternidades do Brasil ofereçam o teste. (BRASIL, 2014).
Em caso de suspeita de perda auditiva a OEA facilita o diagnóstico precoce durante a
triagem auditiva neonatal recomendada pelo Ministério da Saúde:
25
Quando detectado algum problema, o bebê é encaminhado para um serviço de
diagnóstico, onde serão realizados a avaliação otorrinolaringológica e exames
complementares. Nessa fase muitos bebês apresentarão audição normal e alguns
terão a perda auditiva confirmada. Uma vez confirmados o tipo e o grau da perda
auditiva, o bebê será encaminhado para um programa de intervenção precoce a fim
de orientar a família, preparar para o uso de aparelhos de amplificação ou implante
coclear e terapia fonoaudiológica. O fonoaudiólogo tem papel fundamental durante
todas as fases do processo de detecção, diagnóstico e intervenção precoce nas
alterações auditivas. (BRASIL, 2014).
No entanto quando bebê não tive esta oportunidade, por morar no interior de São Paulo,
na pequena cidade de Capivari. Onde não havia instituição de apoio ao surdo, nem
comunidade surda ou um serviço de saúde direcionado à avaliação auditiva em bebês. Diante
destas dificuldades fui encaminhada para o hospital universitário da UNICAMP.
Na UNICAMP foram realizados avaliações médicas e o exame BERA para avaliar a
perda auditiva, sendo este exame um:
Exame de Potências Auditivos de Tronco Cerebral que consiste em uma avaliação
moderna não invasiva, objetiva da evolução neurológica do comportamento
auditivo, assim por meio de eletrodos fixados na sua cabeça em postos específicos
faz-se o registro da atividade elétrica que ocorre no sistema auditivo, da orelha
interna até o córtex cerebral, em respostas a estímulos acústicos. (MUNHÓZ et al
2000 apud BOMFIM, 2011, p29.).
Embora já desconfiasse que algo estivesse errado comigo, foi um grande susto para
minha mãe. Relata ela que sentiu um misto de todos os sentimentos que o ser humano pode
provar. Entre os quais o medo do desconhecido e a insegurança em ser capaz de suprir as
minhas necessidades, porém não perdeu o amor e a fé.
Após a realização do exame com o resultado positivo do diagnóstico, minha mãe foi
encaminhada para a APASCAMP (Associação de Pais e Amigos do Surdo de Campinas),
segundo o próprio site explica:
Fundada em Campinas aos 8 de Junho de 1986, a APASCAMP começou com um
grupo de pais de deficientes auditivos. Todos eles frequentavam o Centro de
pesquisa e Reabilitação Gabriel Porto (CEPRE), onde buscavam terapias para seus
filhos. Algumas Famílias carentes, sem condições de adquirir aparelhos auditivos,
chamaram a atenção de outros pais que resolveram se mobilizar numa campanha
junto às empresas representantes de Aparelhos de Amplificação Sonora (AAS),
conseguindo diversas doações. (APASCAMP, 2014, s/p).
Fui acompanhada na APASCAMP por algum tempo, e permaneci em acompanhamento
médico na UNICAMP até os nove anos. Neste período minha mãe relata que conheceu muitas
crianças surdas com comportamento agitado que a deixaram assustada e com receio de que eu
também não conseguisse me comunicar e ficasse como elas.
26
Conforme Holzheim (1997, p 421), “o atraso no diagnóstico resulta em frustação,
estresse e sentimento de impotência familiar, além de privar a criança de receber os benefícios
da estimulação auditiva, fala e linguagem e do uso precoce do aparelho auditivo”, porém, “Os
profissionais na área médica reconhecem a importância da detecção e assistência precoce dos
problemas auditivos, mas infelizmente ainda hoje há um grande atraso na identificação de
muitas crianças surdas. ” (p. 421).
Por isso, a importância de os pais levarem seus filhos para exame auditivo ainda bebê,
considerando que o diagnóstico precoce favorece a prevenção de problemas e diminuem os
atrasos de linguagem. Assim, quanto mais cedo se dá a descoberta da surdez, os pais poderão
ser orientados por profissionais a trabalhar com a surdez com a perspectiva de uma linguagem
mais desenvolvida. Em contra partida, quando mais tardio a descoberta, mais a criança será
atrasada para desenvolver a linguagem, podendo levar a frustação e decepção.
2.2 Perdas de audição ao decorrer da minha vida.
Antes dos nove anos de idade eu usava aparelho auditivo no lado direito, por falta de
condição financeira para comprar dois aparelhos, portanto fiz uso apenas unilateral. Com
nove anos de idade após alta da fonoterapia, retornei ao consultório da fonoaudióloga para
avaliação auditiva com queixa de que o aparelho havia se quebrado. Durante as avaliações foi
verificado que havia perdido a audição na orelha melhor, que apresentava diagnóstico de
Perda Auditiva Neurossensorial Severa, ficando este com Perda Neurossensorial Profunda.
Lembro-me de que comecei a sentir grande desconforto a sons intensos. Assim, antes não
usava aparelho no ouvido direito pela qual tinha maior perda e desconforto, sendo neste
momento necessário mudar o uso do aparelho da orelha esquerda para a orelha direita, por ser
a melhor opção.
Almeida (1997) defende a importância de usar o aparelho auditivo, em pessoas que
possuem algum tipo de deficiência:
Podemos citar os indivíduos portadores de perdas auditivas profundas, para os quais
o uso de amplificação pode facilitar a leitura orofacial, complementando a
informação auditiva e auxiliando o indivíduo a monitorar e controlar a sua própria
voz, além de possibilitar a detecção dos sons ambientais de alerta e defesa contra o
perigo. (ALMEIDA, 1997 p. 464).
27
Segundo os autores Bevilacqua, Costa Filho e Martinho (2004), o implante coclear hoje
está mais sofisticado e é recomendável para sujeitos surdos com perdas profundas, eles
defendem que:
Com os avanços tecnológicos das últimas décadas, o implante coclear (IC) ou
ouvido biônico, um dispositivo eletrônico de sofisticada tecnologia, capaz de
substituir o órgão sensorial da audição deixou de ser um instrumento apenas de
investigação cientifica, tornando-se atualmente, um efetivo recurso clinico,
suficientemente hábil para melhorar a qualidade de vida de indivíduos portadores de
deficiência auditiva neurossensorial bilateral de graus severos e profundos.
(BEVILACQUA; COSTA FILHO e MARTINHO, 2004, p. 751).
Fui encaminhada para avaliação complementar no Hospital Universitário da Unicamp e
posteriormente para Bauru no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais
(HRAC/Centrinho) da Universidade de São Paulo (USP), a fim de verificar a possibilidade de
receber um Implante Coclear por meio de cirurgia. No entanto, não foi recomendado pelos
especialistas destas duas instituições devido aos riscos de rejeição ao implante. Tanto a fono,
como minha mãe, estavam temerosas pela perda da fala aprendida, porém mantive minha
comunicação como antes com apresentável aumento de desenvolvimento nesse aspecto. Os
especialistas ficaram admirados com a qualidade da minha fala diante do meu diagnóstico.
Durante o processo de avaliação na tentativa de saber a causa da perda súbita do resíduo
auditivo da OD e procurar uma solução, infelizmente não houve resposta após vários exames
clínicos, então trocaram o uso do aparelho auditivo do lado direito para o lado esquerdo.
Hoje com 21 anos de idade, utilizo o aparelho auditivo do lado esquerdo, no lado direito
não faço uso devido ao incomodo que sinto, pois tenho a impressão que minha cabeça vai
“explodir de dor”. Desta forma pretendo, usá-lo apenas no lado esquerdo que é o lado que me
adapto melhor e ouço tranquilamente. Quando uso aparelho auditivo ouço muitas coisas, não
posso avaliar se ouço tudo ou pouco, pois de fato nunca ouvi como um ouvinte normal.
Mesmo com uso de aparelho percebi que nem tudo ouço, como as folhas se batendo ao vento,
os pássaros cantando, as conversas paralelas ao meu lado, e alguns sons que ouço muitas
vezes não os reconheço como uma torneira pingando na pia.
Existem muitas causas para perda de surdez: doenças como meningite, rubéola, uso
constante de fone de ouvido, trabalhar em ambientes ruidosos. No meu caso, a causa da minha
perda auditiva nunca foi identificada, apenas é confirmada a ser uma perda congênita.
Segundo minha mãe, a gravidez transcorreu sem anormalidade, tudo estava adequado, durante
o parto ou logo após não houve complicações.
Devido ser gêmea, meus pais demoraram a perceber que eu era surda. Somente
28
descobriram quando já tinha próximo a um ano de idade. Somente ficou claro que a perda
auditiva era congênita, pois não tive nenhuma doença após o nascimento que justificasse este
diagnóstico e que piorou com o passar do tempo.
2.3 O primeiro passo...
Minha mãe no início teve muitas dificuldades em lidar com o próprio sentimento ao
saber da minha surdez. Naquele momento o sentimento que a dominava era o desejo de que
eu pudesse me comunicar, entender o mundo ao meu redor e ser entendida evitando
segregação e sofrimento. Foi importante procurar meios para que eu pudesse falar, então o
primeiro esforço para o desenvolvimento da fala, foi procurar um caminho, só encontrando
alguma ajuda na cidade de Campinas.
Durante esta procura ela conheceu a biografia de Helen Keller, que era surda e cega e
com mínimos recursos. No início do século XIX tornou-se uma celebridade americana
segundo seu relato. Minha mãe falava: “eu me animei e vi que poderia ter um resultado
positivo embora ainda não soubesse por onde começar, pois percebi que foi possível a tão
grande e tão admirável superação com ela, eu também poderia lutar e ter êxito com minha
filha, não medi esforços e comecei a difícil tarefa em busca da oralização”. (INFORMAÇÃO
ORAL).
Imagem 2 - Hellen Keller 7
7
Imagem 2 - Disponível em http://www.sayingsplus.com/helen-keller-quotes.html. Acesso em 07/03/14.
29
Hellen Keller foi uma mulher nascida em Alabama, nos Estados Unidos, ficou cega e
surda, devido uma doença na infância. Estudou Filosofia aos 24 anos, se tornou escritora,
socialista e conferencista. Era proficiente, além do inglês, no francês, no alemão e no latim.
(BAGGINS, 1912). Conhecer sua história fez com que minha mãe buscasse insistentemente
uma oportunidade para eu aprender a falar, desenvolvendo assim a oralização.
A oralização é uma forma falada, por meio da via oral surge uma comunicação, mas
para que seja oralizado, desde criança precisa estar desenvolvendo a fala, no caso do ouvinte é
natural, ou seja, é automática, a criança vai aprendendo repetindo até desenvolver uma fala
mais articulada. (MOURA, 1997).
Durante a procura e de alguns esforços em vão, segundo minha mãe fui levada a uma
fonoaudióloga por um ano e não tive nenhum progresso, ela sentiu-se frustrada por não ver
resultado positivo, não tenho lembranças desta fonoaudióloga. Certo dia, fomos ao
otorrinolaringologista por uma infecção no ouvido, e este especialista fez uma crítica de que
meus pais não estavam buscando ajuda pra mim e que precisava de fonoterapia, minha mãe
chateada relatou que estava em acompanhamento fonoterápico há mais de um ano, assim ele
sugeriu que mudássemos de fonoterapeuta.
A terapia fonoaudióloga centrada na família propõe uma parceria ao longo de todo o
processo de intervenção. A participação familiar tem sido valorizada por autores
como Sanders (1980), Boothoyd (1982), Luterman (1984), Atkins (1992), Buscaglia
(1993) e Clark (1994) que enfatizam a importância deste envolvimento como
elemento fundamental no trabalho de habilitação da criança surda. (Apud
HOLZHEIM, 1997, p. 415).
É importante o papel da família como vimos, mas também é de extrema importância o
envolvimento do fonoaudiólogo, pois “Qualquer atitude terapêutica só poderá ser
desenvolvida com eficiência se o fonoaudiólogo tiver a capacidade de trabalhar junto ao caso
sob uma perspectiva mais ampla” (HOLZHEIN, 1997, p. 429).
Desta forma, minha mãe procurou outro profissional. Após a primeira consulta com a
nova fonoaudióloga minha mãe me relatou que foi muito difícil admitir que, com todo amor
que ela dedicava estava fazendo errado, pois segundo a fonoaudióloga ela me protegia muito,
evitando assim meu desenvolvimento.
No relato da fonoaudióloga deixa claro que orientou minha mãe desde o primeiro
contato da importância de dar mais espaço para eu me desenvolver e apresentou a proposta de
trabalho que envolvia somente a oralização, uma vez que tinha o diagnóstico de perda severa
em uma das orelhas.
30
Como citado no capítulo anterior a proposta que foi feita pela fonoaudióloga é o método
de oralização, apesar de haver outras propostas para o surdo adquirir a linguagem. Skilar
(1996) esclarece que a oralização era o método mais usado e valorizado na época, portanto os
fonoaudiólogos na sua formação adquiriram essa proposta fundamental para seus trabalhos
clínicos com os pacientes.
Até os quatro anos e meio eu apenas conseguia me comunicar com a minha mãe, onde
usávamos sinais e gestos caseiros. No retorno a consulta fonoaudiológica após a avaliação já
foi possível produzir diversos fonemas.
A proposta foi de fazer fonoterapia duas vezes por semana onde minha mãe foi
orientada a intensificar os exercícios em casa. Mas como minha família não tinha condições
financeiras, muitas vezes só era possível ir à consulta uma vez, e às vezes de 15 em 15 dias.
Durante o trabalho da fonoaudióloga e do esforço da minha mãe em casa nos treinos diários,
obtive um resultado além das expectativas da família.
A avaliação da fonoaudióloga verificou que somente apresentava a fase de lalação, com
balbucios vocálicos, que parecia ser a tentativa de pronunciar o fonema /p/. Desde o primeiro
encontro foi trabalhado a pronuncia dos fonemas utilizando o método de treinamento de fala
da pesquisadora Borel Maisonny, onde os fonemas são desenhados pelo movimento do corpo,
auxiliando a criança a perceber o movimento dos órgãos fonoarticulatórios. Já neste encontro
deu se a aprendizagem da pronúncia dos fonemas /a/, /e/, /i/, /o/, /u/ e /p/. Minha mãe foi
orientada a continuar o trabalho em casa a fim de reforçar o aprendizado.
A cada retorno aprendia um ou dois fonemas novos, assim em no máximo um ano já
pronunciava todos os fonemas, foi também trabalhado em paralelo a aquisição da fala, a
leitura orofacial e o conhecimento das letras, tanto na escrita como na leitura, bem como o
significado do novo vocabulário.
Desta forma, foi sugerido a minha mãe que todo treinamento fosse realizado utilizando
todas as formas de linguagem possíveis para auxiliar na fixação do aprendizado e na minha
comunicação.
Sendo utilizado o estimulo a fala,
- A percepção visual e tátil-cinestésica (percepção do próprio corpo),
- A leitura Labial (orofacial),
- A leitura da letra,
- A escrita da letra.
31
Cada fonema aprendido era acompanhado da letra e de imagens de objetos que em seu
nome continha o fonema associado à letra aprendida.
Dificuldades que surgiram a princípio, como perceber e pronunciar os fonemas que
possuem o mesmo ponto articulatório, e principalmente para diferenciar os fonemas surdos
dos fonemas sonoros sem o apoio auditivo, com p/b/m (bilabiais) ou f/v (surdo sonoro).
Minha mãe passou a dedicar todo o tempo possível para estimular e ensinar-me a
linguagem, incluindo também minha família neste processo para o auxílio do meu
desenvolvimento. Os exercícios foram intensificados e ela passou a fazer com que todos
aproveitassem qualquer situação para me estimular a falar.
Segundo a fonoaudióloga, como sequência ao trabalho foi necessário estimular a
compreensão do significado concreto de cada palavra que era pronunciada, lida ou escrita.
Assim diversas dificuldades foram surgindo, uma vez que o Português utiliza algumas
palavras com diversos significados, dependendo do contexto em que está inserida.
Com o tempo fui adquirindo novo vocabulário a cada dia de treinamento e aprendizado.
Minha mãe ficou responsável por trabalhar a fixação e a significação, assim, fez uso do
processo social para facilitar. O espaço escolar também auxiliou-me no processo de
amadurecimento e de aprendizado. Fiquei em acompanhamento fonoterápico dos quatro aos
nove anos de idade.
Bonfim ao citar Vygotsky, fala sobre a importância da interação com o meio:
A interação do sujeito com o meio no qual será inserido, possibilitará ao mesmo, as
trocas de informações e vivências de cada sujeito já inserido no mesmo ambiente e,
consequentemente, o sujeito no processo de aprendizado e construção da linguagem
conquistará com maior sucesso o objetivo que almeja alcançar.
Essa interação se dá com o contato entre os envolvidos ao longo do processo de
desenvolvimento da linguagem, o que de fato difere do sujeito surdo que, sem o
estímulo auditivo e sem a mediação necessária baseada no aspecto visual e gestual,
com certeza não desenvolverá sua linguagem e consequentemente não poderá se
inserir na sociedade de forma adequada, mas os métodos usados de maneira correta
proporcionarão o desenvolvimento da língua de sinais ou da fala do sujeito não
ouvinte, ao longo do desenvolvimento desse processo. (2011 p. 16 e 17)
É perceptível que nossa aprendizagem, sabedoria e pensamento vêm a partir de trocas
que fazemos com o outro, dificilmente inventamos algo, portanto a nossa linguagem, o nosso
vocabulário, vem da cultura em que vivenciamos. Cada palavra é um novo significado, para o
surdo, é difícil associar apenas a palavra com a fala sem o significado, então ele deve associar
a palavra com a imagem e assim surgir o significado para o surdo.
32
2.4 Parceria da família com a escola...
Com indicação da fonoaudióloga, fui matriculada na escola infantil, aos quatro anos,
sendo necessário procurar uma escola particular, pois na época a idade de início escolar na
rede pública era de seis anos. A escola adventista recebeu-me sem nenhuma objeção. Porém o
ano transcorreu sem nenhum progresso, eu não conseguia interagir e a escola não tinha
conhecimento de como proceder no meu caso. No segundo ano foi mais tranquilo, pois já
estava adaptada e segura, mas a fala ainda era bastante restrita.
A pré-escola na rede pública recebia alunos a partir de seis anos de idade, foi quando
passei a frequentar uma escola pública. Minha mãe foi bem recebida pela professora C que se
prontificou a me receber, porém informou à mãe que não tinha nenhum conhecimento sobre a
deficiência auditiva, mas a tranquilizou mostrando seu interesse em fazer o melhor. Este ano
marcou o início da minha superação. A professora C dedicou-se de uma forma tão intensa que
foi fundamental para o meu progresso. Nesta fase a fonoaudióloga intensificou a terapia
introduzindo conceitos de leitura e escrita associados à fala para que assim possibilitasse
manter o interesse nos conteúdos ministrados e manter meu desempenho igual ao da sala.
A fonoaudióloga orientou aos professores como lidar com o processo de aquisição de
fala e como estes poderia auxiliar o trabalho fonoterapêutico. No trabalho escolar, orientou os
educadores que sempre que possível fizessem uso do método de trabalho da fala Borel
Maisonny como apoio na percepção da leitura e da escrita. Orientou também sobre a minha
posição para sentar na sala de aula, observando o resíduo auditivo da melhor orelha. Salientou
a importância do professor sempre falar de frente pra mim, uma vez que estava aprendendo a
leitura labial. Explicou a importância de trazer os conteúdos curriculares sempre de forma
mais concreta possível, uma vez que o surdo tem dificuldade para compreender a informação
subjetiva. Minha mãe sempre fez trabalho de fixação e compreensão dos conteúdos
ministrados também na escola.
Em casa foi escrito o nome de todos os móveis e objetos da casa colados nos mesmos.
Então antes dos colegas de sala de aula eu já havia aprendido todo alfabeto e formava sílabas,
sendo que algumas palavras usadas no cotidiano já havia memorizado, sempre associando os
grafemas aos fonemas. Na escola a professora C trabalhou em sala de aula com a técnica
usada pela fonoaudióloga. Toda aprendizagem desenvolvida sempre foi por meio de jogos e
brincadeiras, observando a importância do lúdico na aprendizagem da criança.
Algumas situações de aprendizado foram difíceis e até certo ponto engraçadas, por
33
exemplo, eu tinha aprendido as cores na escola e em casa minha mãe passou a ensinar os
nomes das flores, ensinou sobre a flor “Rosa Amarela” e a mostrou. Eu sabia o que era uma
flor, e facilmente compreendi o que era uma flor amarela. Ao me ensinar sobre a rosa criou
confusão, pois não compreendia porque não era simplesmente flor, gerando com isto um
longo exercício que durou meses. A “rosa” era uma cor pra mim, assim como o amarelo, mas
eu não tinha entendido que as cores também poderiam ser nome de objetos ou de pessoas.
Então minha mãe usou todas as formas possíveis para que eu pudesse entender, exemplificou
diferentes significados de algumas palavras dependendo de seu uso, então me mostrou uma
amiga que se chamava Rosa e também outra que se chamava Margarida, deixando claro que
suas amigas tinham os nomes iguais aos das flores, depois ela pegou as flores e me mostrou
que estas também podiam ter nomes diferentes. Assim, comecei a olhar numa outra
perspectiva para os meus colegas de escola, percebi que muitos deles tinham nomes iguais aos
de objetos ou algo, alguns colegas que tinham sobrenomes como Leite, Costa, Cremonese, e
aceitei desta forma que podia existir nomes iguais aos objetos ou plantas. Este processo levou
três meses para eu compreender. Outros conteúdos também foram de difíceis compreensão e
aceitação como é o caso do meu sobrenome, Pires que demorou uns nove meses para eu
aceitar que era igual ao prato pequeno que ficava embaixo da xícara.
A maior preocupação dela era que eu me fizesse entender, pois no processo da
comunicação oral pode acontecer a supressão de palavras, por isto é de extrema importância
ter um conhecimento do vocabulário e da contextualização. No caso dos deficientes auditivos
é muito maior a dificuldade, por isto a preocupação para que eu tivesse um vocabulário mais
ampliado e dar-me condições de expressar, ela passou a fazer exercícios práticos sugeridos
pela fonoaudióloga e alguns criados por ela própria para que eu tivesse melhor entendimento
da construção de frases para expressar o pensamento e o diálogo.
Na aquisição de novas palavras em meu vocabulário, era necessário a construção de
conceitos objetivos, que me fizessem sentido. Portanto, palavras simples para o ouvinte como
aprender o que é água, para que eu entendesse foi necessário mostrar que tem muitas formas
de água, então minha mãe colocou sobre a mesa: gelo, água quente, água fria, morna, suja,
limpa, vapor, água da chuva, do rio, porque eu precisava saber que toda palavra que fosse
dizer, não podia ir sozinho. Foi assim que compreendi formar pequenas frases, pois uma
palavra precisa de outra para compor a fala, a escrita e a leitura. Desta forma foi com o ovo,
que foi necessário conhecer ovo frito, ovo cru, ovo da galinha, ovo da pata, ovo da lagartixa,
omelete, ovo cozido, ovo de codorna e tudo mais que ela conseguiu encontrar em recortes e
34
reportagens. O mais difícil foi que eu tive que comer ovos a semana inteira. E ainda muitas
outras palavras necessitaram desta construção gradativa de conceito. Saindo da imitação para
a compreensão do significado da mesma.
2.5 Experiências de aprendizado no Ensino Fundamental I
Do Ensino Fundamental I tenho poucas recordações em relação a minha construção de
conhecimento, pois esta época eu não tinha preocupação em relação com dificuldade com o
conteúdo. No entanto, minha professora na primeira série relatou oralmente que eu sempre
tive o desempenho na aprendizagem um pouco à frente dos colegas da sala de aula. Não
apresentava grandes dificuldades, aprendia com facilidade, tinha bom comportamento, era
disciplinada, e sempre ajudava os meus colegas a ler, escrever e a entender a matéria passada
pela professora.
Na segunda série tive um pouco de dificuldade no processo de aprendizado, pois a
professora, segundo relatos de minha mãe, não apresentava o mesmo interesse em meu
processo de inclusão, o que me deixou um pouco deslocada na sala de aula.
Tive a mesma professora na terceira série e na quarta série a pedido da própria
professora, que se ofereceu para continuar a trabalhar comigo, não tive problemas nesta etapa.
Devido à perda auditiva na orelha direita os fonoaudiólogos da CEDALVI (Centro de
Atendimento aos Distúrbios da Audição, Linguagem e Visão) de Bauru encaminharam uma
carta especificamente para a minha professora, orientando-a que me colocasse sentada na
primeira fileira preferencialmente no meio. Também foi instruída a sempre falar de frente
para mim, com articulação orofacial bem elaborada para que pudesse compreender a leitura
labial. Apesar de que minha fonoaudióloga sempre instruiu os professores desde o ensino
infantil, esses mesmos profissionais reforçaram a importância da instrução, nesta época tinha
entre 8 a 9 anos.
2.6 Experiências de aprendizagem no Ensino Fundamental II
No ensino fundamental II meus professores eram esclarecidos sobre minha limitação
para a comunicação, onde deveriam me sentar na sala de aula, bem como a necessidade de
falar sempre olhando para frente, nunca dando as costas para mim.
35
No meu primeiro dia de aula estava animada com a nova escola, mas estranhei o fato de
não ter mais apenas um professor e sim vários, ficando com medo da confusão. Eu não
entendia porque toda hora tinha que pegar meu material e mudar de sala, ficava sempre
seguindo meus colegas para não me perder. E assim, demorei duas semanas para compreender
que essa troca de sala era uma troca de disciplina e encontrava o professor da disciplina em
cada sala que entrava. Pouco tempo depois houve nova mudança no remanejamento escolar e
agora estando eu pronta para ir para a nova sala, vi que meus colegas continuaram sentados e
percebi depois de dois dias, que não eram mais os alunos que trocavam a sala e sim o
professor, o que neste caso se tornou mais fácil para mim.
No processo de aprendizagem eu tinha as mesmas dificuldades que meus colegas,
obtendo um melhor desempenho em matemática e um pouco mais de dificuldade em
português, nas demais disciplinas sempre acompanhei bem e os professores não tinham essa
preocupação em manter a atenção voltada só para mim devido minha “deficiência”, pelo
contrário, sempre ajudava meus colegas na atividade quando surgia dúvida, os professores me
tratavam de igual para igual, como se eu não tivesse nenhuma dificuldade.
Porém quando não entendia a matéria, por conta da minha timidez, eu esperava terminar
a explicação e passar a atividade, me sentava ou ficava ao lado do professor e colocava o
caderno sobre a mesa, pedia para me explicar a matéria novamente, quando entendia voltava
ao meu lugar e continuava a atividade, quando não entendia pedia para ele explicar
novamente quantas vezes fossem necessárias para eu entender, depois ajudava os meus
colegas.
Nunca fui reprovada na escola e sempre fui uma aluna muito esforçada segundo meus
professores e tive ótimo rendimento, mesmo a despeito de minhas limitações na comunicação.
2.7 No Ensino Médio
Meu primeiro ano no ensino médio, com aumento de disciplina, tive professores novos
que não me conhecia, nesta época já tinha uma linguagem mais desenvolvida e elaborada e
podia me comunicar com facilidade. Sempre que chegavam esses mesmos professores novos,
me deparava com esses relatos. Segundo Professor I: “Surda? Onde? Me parece tão normal,
não percebi que você é surda, foi bom você falar, vou ficar de frente sempre pra você,
qualquer coisa você me dá um toque”. Professor II relatando para Mãe em uma reunião de
pais: “Sua filha é uma excelente aluna, não tem muitas dificuldades na minha matéria, aliás,
36
é a melhor da classe na disciplina de matemática, não falta, não deixa de fazer tarefas,
porém conversa bastante com os colegas”.
Fui sempre uma aluna dedicada e alcançava bom rendimento nas avaliações, mesmo
tendo que me apoiar sempre na leitura labial, as vezes dificultada pela posição do professor ao
ministrar aulas de costas para mim. Assim, posso dizer que relacionado ao conteúdo tive
dificuldades semelhantes às das minhas colegas, sendo as disciplinas mais difíceis a meu ver
Química e Biologia, por falta de associação de teoria com a prática ou por meio de
demonstração.
Estudava no período matutino no primeiro ano de ensino médio, aos 16 anos, estando
no segundo ano comecei a trabalhar em uma tecelagem, sendo esta uma multinacional, onde
permaneço até o momento. Devido ao trabalho passei a estudar no período noturno, por falta
de costume com a rotina de trabalho e estudo, tive um rebaixamento na nota, era de nota 9 e 8,
caiu para 7, 6 e 5, voltei a melhorar minhas notas no terceiro ano de ensino médio, já
acostumada com a rotina.
Ainda no ensino médio fiz a opção por fazer Pedagogia influencida por minha
fonoaudióloga que mostrou a importância de ter surdos atuando nos espaços educacionais,
sendo exemplo pra outros surdos, com minhas conquistas, e influenciando ouvintes a
valorizar o surdo, independente de sua perda auditiva. Como aprendi LIBRAS desde a
adolescência, quero contribuir no processo de inclusão ensinando outros educadores a lidar
com a comunicação de surdos que não são oralizados como eu.
2.8 Ensino Superior
Uma professora do ensino superior entrevistada relatou: “Hoje a Marília é minha aluna
no curso superior de Pedagogia e também faz uso de prótese auditiva como apoio a leitura
labial. Marilia é uma boa aluna, com rendimento muito bom em todas as disciplinas”.
Mesmo com uso de prótese ainda hoje necessito da leitura labial, pois nunca fiz uso apoio na
comunicação por meio do interprete de LIBRAS, mas sempre foi necessário lembrar os
professores da minha condição de surda, e durante a projeção de filmes colocar legenda nos
mesmos, bem como evitar comentar os filmes no ambiente escuro.
Durante o curso superior passei por alguns momentos de maior rebaixamento em minha
audição devido crises de sinusite, afetando também a orelha média, causando inflamação na
orelha média (otite), chegando a durar três meses, período em que ficava sem ouvir, não
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conseguindo manter minha atenção na aula, porque uso a audição junto com o apoio labial
para aprender a matéria e prestar atenção no professor. Infelizmente houve queda em meu
rendimento, mas ainda assim estou concluindo o curso de Pedagogia.
Muitas vezes somente a leitura labial traz confusão, pois alguns professores falam
rápido demais, outros não articulam bem os fonemas, o que torna difícil quando tento
compreender o que o professor está dizendo só visualmente, uma vez que alguns fonemas têm
o mesmo ponto de articulação, como “l”, “t”, “d” e “n” que são articulados com o contato da
língua com o palato, ou labiodental como “s” e “z”, e assim por diante. Desta forma, existem
frases que posso entender de uma forma errada, mas é compreensível segundo o contexto,
uma vez que há palavras que se articulam da mesma forma e são diferentes como “vaca” e
“faca”.
Estas dificuldades não impediram de chegar a conclusão do curso, e de aprender novos
conceitos, conteúdos, e de continuar sonhando em me especializar cada vez mais, esperando
fazer o mestrado e doutorado, podendo por meio de pesquisas contribuir mais para a
sociedade.
38
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse trabalho de conclusão de curso apresentou um relato em forma de Memorial
Autobiográfico da minha história, sendo um momento em que aprendi muito e fiz importantes
descobertas sobre minha trajetória na visão de outros sujeitos com que tive o prazer de
conviver.
Assim creio que meu Memorial Autobiográfico pode contribuir para o conhecimento
tanto de quem o escreve, como para quem irá ler esta trajetória de vida e comparar com o que
estudiosos retratam sobre o tema estudado, neste caso a surdez.
O objetivo desta pesquisa buscou responder a questão principal: Pode o surdo oralizado,
tendo a língua portuguesa como a primeira língua, ter maior chance de concluir o ensino
superior na atual realidade da educação brasileira?
Sabendo que existem diferentes graus de perda auditiva, como leve, moderada, severa e
profunda, e quanto maior o rebaixamento auditivo maior a dificuldade exposta ao sujeito no
processo de construção de linguagem, necessitando da intervenção da família, da
fonoterapeuta e da escola.
O principal instrumento de trabalho para estimular o desenvolvimento da linguagem do
surdo usado no século XX foi a oralização, mesmo não sendo o mais efetivo, pois há outros
métodos como o bilinguismo e a Língua de Sinais que são mais facilmente aproveitados pelos
surdos de perda auditiva severa e profunda.
Eu sou oralizada e tenho a Língua Portuguesa como a minha primeira língua, aprendi
Libras somente após ser oralizada sendo esta a minha segunda língua, da qual apenas faço o
uso com outros surdos.
Por não ser fácil ao surdo o aprendizado do Português tive que me empenhar para
entender o significado das palavras e da construção das frases, sempre estudei na sala regular
sem apoio de interprete de Libras, apenas com uso de aparelho de amplificação auditiva e
apoio de leitura orofacial. Cheguei até o ensino superior e muitas das minhas amigas surdas
não conseguiram prosseguir em seus estudos.
Há possibilidade de afirmar que minha experiência com o oralismo demonstrou que o
fato de ter a Língua Portuguesa como primeira língua foi um facilitador ao processo de
inclusão, pois ainda hoje é difícil o processo de inclusão de surdos usuários da LIBRAS no
universo escolar.
Desta forma, é possível afirmar que um surdo oralizado com o português como a
primeira língua tem maior chance de acesso e de concluir o ensino superior que o sujeito
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surdo que utiliza apenas da LIBRAS. Assim o ideal é que o surdo tivesse a possibilidade de
cursar o curso superior com apoio de interprete de LIBRAS.
Percebi ao decorrer da pesquisa, que para a sociedade, um surdo é um problema, mas
para o surdo será que a surdez é mesmo um problema? Creio que o desenvolvimento da
linguagem é essencial para obter uma educação de qualidade, mas a sociedade não tem o
conhecimento para adaptar-se a comunicação com o surdo.
Ainda concluo que diante de todo o desenvolvimento do trabalho, da minha história de
vida, cada obstáculo superado, cada luta, a minha própria superação e o sucesso de toda
minha família me torna uma VENCEDORA!
Assim posso fazer minhas as palavras de Mahatma Gandhi:
“Nas grandes batalhas da vida, o primeiro passo para a vitória é o desejo de vencer‟.
40
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