Discurso, cognição e sociedade - Ciências da Linguagem – UNISUL

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DISCURSO, COGNIÇÃO E SOCIEDADE: PAPÉIS SOCIAIS
DOS PARTICIPANTES DA GUERRA DO CONTESTADO
Sueli Terezinha de Oliveira
PALAVRAS-CHAVE: Discurso da história do Brasil. Guerra do Contestado. Papéis sociais. João Maria.
1. Introdução
Objetivamos apresentar, neste trabalho, um recorte de nossa pesquisa de doutorado, que
se situa na área da Análise de Discurso, com vertente sociocognitiva da qual Van Djik (1997) é seu
maior representante. Segundo ele, as categorias básicas analíticas são a sociedade, cognição e
discurso. Tais categorias são inter-relacionadas de modo que uma se define pela outra.
Entende-se discurso como uma prática sócio-cognitiva - interacional, convencionada na e
pela sociedade. Essa convenção pode ser descrita como um contexto discursivo.
Dessa forma, cada prática social discursiva é convencionada pelos seus próprios
participantes e os papéis que cada qual representa na interação sócio-comunicativa. Todo o
discurso se define pelos seus participantes,por isso é importante dizer quem é o participante do
discurso, quem são essas pessoas e que cada um desses participantes representa um papel social,
que deve ser caracterizado. Por isso em nossa pesquisa, estamos analisando os papéis sociais dos
participantes da Guerra do Contestado1 e os discursos produzidos por eles, destacando a figura
de João Maria.
2. Revisão de Literatura
Para Van Dijk (1997), a sociedade é formada por um conjunto de grupos sociais que estão
em constante conflito. Cada grupo social é definido pelas suas formas de conhecimento com as
quais representam o mundo.
Esses conhecimentos são resultado da projeção de um ponto de vista que seleciona no
mundo determinados aspectos do referente focalizado. Um ponto de vista é guiado por interesses,
objetivos e propósitos que são comuns a todas as pessoas que se reúnem com um grupo. Dessa

Resumo expandido de trabalho apresentado na Sessão (Análise Crítica do Discurso) do Eixo Temático em
Linguística (Estudos da Língua e da Linguagem II) do 4º. Encontro da Rede Sul Letras, promovido pelo
Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem no Campus da Grande Florianópolis da
Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em Palhoça (SC).

Estudante de Doutorado do Programa de Pós-graduação de Língua Portuguesa daPontifícia Universidade
Católica de São Paulo –PUCSP. Professor na Universidade do Contestado – UnC/SC. [email protected]
1A Guerra do Contestado foi um conflito armado ocorrido nos estados do Paraná e de Santa Catarina, onde
já havia um confronto de terras contestadas, no periodo de 1912 a 1916. Envolveu aproximadamente 20
mil pessoas, entre elas caboclos, jagunços, ex-soldados, camponeses que lutaram contra as forças do
governo, primeiramente estadual e depois federal.Segundo Thomé (1992) o Contestado também foi um
movimento messiânico, ao contar com pessoas religiosas que se apresentavam como profetas, investidas
de poder místico pelos próprios caboclos, que nelas acreditavam e lhes foram fiéis. Os responsáveis pela
caracterização messiânica deste movimento foram os “monges” conhecidos genericamente por “João
Maria”, que desde 1840 até por volta de 1908 deixaram registros em todo o Sul do Brasil. Eram idolatrados
pelos caboclos, que os viram desaparecer tão misteriosamente como surgiram.
826
forma, cada grupo social diferencia-se entre os demais, pois os interesses, objetivos e propósitos
não são os mesmos.
Na perspectiva de Nélo (2001) o poder legitima-se nas interações sociais, instância que
forma as opiniões. E segundo Van Dijk (2000), a maioria das construções que fazemos em nossa
vida social é discursiva, as interações sociais articulam-se e constituem-se discursivamente, e é no
discurso onde se produzem, reproduzem-se, estabilizam-se os saberes sociais nos quais se
expressam ideias, crenças, normas e valores, servindo assim ao processo de orientar as ações
humanas.
É, por isso, que a relação discurso e sociedade se encontra mediada pelos processos de
cognição, que se relacionam como uma tríade, ou seja, é necessário dar conta dos aspectos
cognitivos, compreendendo que os conhecimentos e crenças são adquiridos e repassados
discursivamente em contextos sociais. E assim, os usuários da língua constroem uma
representação não só do texto, mas também do contexto social, em que ambas interagem.
Com relação à cognição, ela é definida pelas formas de conhecimentos construídas por
cada grupo social. Estas formas de conhecimento é que possibilitam interpretar e pensar os
acontecimentos do mundo. O conjunto desses conhecimentos é designado marco de cognição
social do grupo. Como cada grupo tem seu próprio marco de cognição social, ocorrem conflitos
entre os grupos, dados os interesses, objetivos e propósitos serem diversificados. Entretanto,
haverá sempre uma unidade imaginária, nessa diversidade de cognições em razão dos discursos
públicos institucionalizados que constroem conhecimentos sociais extragrupais.
Conforme Van Dijk (1990), as pessoas que compreendem acontecimentos reais ou
eventos discursivos são capazes de construir uma representação mental, principalmente uma
representação mental significativa, somente se tiverem um conhecimento mais geral a respeito
de tais acontecimentos. O discurso sendo uma prática social, um ato social, com o controle sobre
os atos das pessoas, pode controlar seu discurso, porque é através do discurso que se controla a
mente das pessoas, pois há uma interface entre o poder e a mente das pessoas. É através do
controle da mente que se podem controlar as práticas sociais, especificamente práticas
comunicativas como o discurso, porque é através desse discurso que opiniões, atitudes,
conhecimentos, ideologias têm acesso ao público.
O discurso relaciona-se fundamentalmente com o conhecimento, por duas razões: a
maioria de nossos conhecimentos sobre o mundo vem do discurso: dos meios de comunicação, de
textos, de conversas. Ou seja, nosso conhecimento de mundo é construído pelo discurso, pois para
analisar o discurso não se pode ignorar o conhecimento e suas estruturas, ou seja, há que ter uma
noção de conhecimento.
Conhecimento é um recurso fundamental do poder, é um acesso preferencial ao discurso,
porque é um acesso à mente das pessoas. Portanto, todas as formas de conhecimento são
construídas no e pelo discurso.
Conforme van Dijk (1997), o que, para um leitor, é importante em um discurso, pode não
ser para outro, o que resultará numa construção macroestrutural de modelo. Da mesma maneira,
dependerá de opinião, a partir de experiências pessoais, ou seja, atitudes, regras, valores ou
ideologias mais gerais na memória social podem ser relacionadas com os acontecimentos a que se
refere o texto. Como por exemplo, os problemas enfrentados pelos caboclos, pelos ervateiros,
pelos donos de pequenas propriedades. Enfim por todas as pessoas que estavam envolvidas e que
de alguma maneira estavam sofrendo ou procurando algo em que se apoiar e que o escritor a
partir de suas experiências e conhecimento de mundo relatou.
Portanto, cada falante apresenta um modelo que está em constante transformação,
também com relação aos acontecimentos. Por isso, frases, histórias e experiências geralmente são
utilizadas para apresentar situações e relatos, e muitas vezes, assume-se que tais relatos são
modelos de memória atualizados, isto é, no momento em que se está descrevendo ou narrando o
acontecimento.
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2.1. Discurso da História
O corpus de nossa análise é selecionado pelo discurso da História, que é narrativo e se
define como uma prática sociointeracional na qual o Poder representa em língua, a partir de
textos, os acontecimentos ocorridos.
Para iniciar a nossa fala sobre o discurso da história é importante ressaltar, conforme
Ormundo (2001) “a História não trabalha com a reconstrução do fato acontecido, mas com as
versões deste fato, registradas em documentos. Considerando-se tais versões, o historiador
reconstrói o acontecido no passado, tornando-o um fato histórico”. E esse fato histórico é que será
apresentado como verdade nos contextos sociais, como um discurso.
Sellan (2011) nos propõe que o discurso da História é um discurso institucionalizado e
como tal é imposto pelas classes de poder como algo incontestável, que não se questiona, e, por
essa razão, de alguma maneira, direciona comportamentos e ideologias. É também o que podemos
constatar nesta pesquisa, a qual procura analisar o modo como o discurso da História constrói e
mantém ideologicamente representações sociais sobre um acontecimento, a Guerra do
Contestado, focando principalmente na figura do monge João Maria, que teve uma participação
ativa nesse acontecimento.
Portanto, podemos observar que o objetivo central da história é transmitir os fatos
ocorridos em cada época da civilização humana, e para que isso ocorra há a necessidade de
pessoas que os registrem, ou seja, os historiadores que contarão sob o seu ponto de vista, sua
maneira de ver o fato narrado.
Vale ressaltar que para Van Dijk (2000), a História é construída pelo Poder. Este, por meio
do Controle, cancela, a partir de seus interesses, os valores sociais considerados negativos para si
e maximiza os valores que lhe são favoráveis, de maneira a construir uma nova escala que passa
a ser projetada nas cognições sociais. Conforme podemos observar no trecho retirado da Barsa
que nos apresenta um discurso institucionalizado: “O clima de tensão social revelou-se propício a
agitadores. Destacou-se entre eles um desertor da polícia militar paranaense, Miguel Lucena
Boaventura, que se fazia chamar de “monge” José Maria.”
As palavras, propício e agitadores, referem - se a pessoas que estão se aproveitando de uma
situação, o mesmo ocorre com a palavra desertor que segundo o dicionário é uma pessoa que
abandona uma causa ou um compromisso; trânsfuga, ou seja, são pessoas desfavoráveis ao bem
comum. Portanto, o discurso da História, como um discurso público institucionalizado, produz e
reproduz ideologia.
Sendo assim, é interessante destacar que a guerra do Contestado, ocorrida entre o período
de 1912 a 1916, não é relevante para a representação em textos oficiais do discurso da história
para situar um episódio altamente conflitante que resultou na morte de 10.000 pessoas. Além de
condenações e prisões durante os meados do século passado.
Também podemos observar, a presença de João Maria em muitos acontecimentos
relacionados à Guerra do Contestado. Segundo os relatos, primeiro curando, fazendo milagres,
desaparecendo. Em seguida, convertendo o povo em seus discípulos e desaparecendo novamente
e por fim indo à luta, como líder de guerrilhas, com armas na mão e morrendo em um dos
confrontos.
“o monge prega a rebelião. Abandonada pelo poder público, a população não tinha a quem
recorrer. Carentes de esperança, ignorantes e supersticiosos, os sertanejos buscavam conforto com
curandeiros, peregrinos e profetas que vagavam pelo território. Três deles foram considerados
santos. E, no imaginário da população cabocla, fundiram-se num só personagem: o messias do
sertão.”
O discurso da História é um discurso público, pois tudo que tem acesso ao público é
discurso público, isto é, o que não tem acesso ao público é um Evento Discursivo Particular –
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auditório particular: eu e tu. Já, no discurso público todo mundo pode ler – nem sabe para quem
está direcionado, quem vai ler – eu e todos e como tal é organizado por três grandes categorias:
Poder, Controle e Acesso.
O poder, destacamos como sendo a reunião de pessoas que têm o papel social de tomar
decisões, que de forma geral, são os donos de uma empresa, ou seja, no caso dessa pesquisa
exerceu grande influência na época da Guerra do Contestado, a “Brazil Railway Company”2 – cuja
filial era denominada “Southern Brazil Lumber and Colonization”, sob a chefia de Percival
Farquhar. Como controle, a reunião de outras pessoas, outros participantes que têm o dever de
executar o que o poder quer, no caso, os funcionários, na sua maioria americanos, que tomavam
as decisões e o acesso, é como foi distribuído para poder chegar ao público.
Todo o discurso é sempre caracterizado por um macroato, por exemplo, no discurso do
jornal, o macroato dele é construir opinião para o público. Enquanto que no discurso da história,
o macroato dele é de transformar acontecimentos do mundo em monumentos é por isso que esse
discurso transita na elaboração de dois grandes mitos: o Herói e o Vilão.
Com relação à Guerra do Contestado, para alguns, João Maria era um herói, um profeta
conforme Kaiser (2014) “A partir da batalha de Irani, entretanto, a terra já maculada pelos trilhos
da ferrovia e pelas clareiras abertas na floresta agora se encontrava manchada com o sangue do
povo sertanejo e de seu profeta.” E Derengoski "Dele não há fotos nem desenhos. Apenas se sabe que
era um profeta benquisto, falando ao povo o que ele queria ouvir”. E para outros, um vilão, conforme
a Barsa,”não era um místico, mas um rebelde.” E também conforme Cardoso (2014), era um
estuprador: “Já José Maria de Santo Agostinho era, de acordo com a história, o soldado desertor
Miguel Lucena de Boaventura. Tendo, segundo os acontecimentos históricos, sido condenado por
estupro, surgiu na política em 1912.
Se o discurso da História transforma em monumento as ações dos personagens da História
do Brasil, necessariamente o fato histórico é construído por dois papéis centrais Herói x Vilão. No
caso dessa pesquisa, o João Maria representa o herói para o povo que o segue, ou seja, os que
perderam suas terras, seu trabalho, sua segurança e vilão para o governo, haja vista, que ele, o
João, é apresentado nos textos como quem incitou o povo para lutar, e como tal aparece como
fanático, estuprador, chefe de guerrilha, curandeiro, desertor e assim por diante.
Como o discurso da História é controlado pelo Estado, necessariamente na ideologia do
poder do fato histórico há a construção do herói x vilão através de valores positivos e negativos.
2.2. Discurso Enciclopédico
Segundo Nunes (2014), o discurso enciclopédico transforma os saberes urbanos dispersos
em um saber organizado, disponível, reduzido, tendo em vista um público amplo.
O discurso enciclopédico tem um macroato de fala. O macroato de fala é informativo, só
que ele é uma informação na horizontal, não é na vertical, é o “genérico”, só apresenta umas
pinceladas, ele não entra em profundidade intensa. O macroato de fala é transferir um saber
“generalizador”, mas ele é guiado pela ideologia, pois são discursos públicos.
Nunes (2014) evidencia que ao divulgar nos verbetes os saberes urbanos, em sua
diversidade, a enciclopédia é um índice da circulação dos discursos sobre a cidade na
2A
Brazil Railway, concessionária do trecho ferroviário que cruzava Paraná e Santa Catarina, era o Holding
do maior grupo empresarial estrangeiro atuante no Brasil nas primeiras décadas do século XX – o Trust of
Toronto, conglomerado multinacional de origem canadense com sede nos Estados Unidos e negócios em
todo o mundo. No Brasil, o grupo incluía diversas empresas, entre elas a Southern Brazil Lumber and
Colonization, criada especificamente para retirar a madeira da região do Contestado e depois vender a
terra para colonização (KAISER, 2014, p. 59).
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contemporaneidade. E tais saberes são reduzidos, organizados, transformados já que seu público
é amplo. Por isso para ele
O discurso enciclopédico é um dos que tendem a estabilizar sentidos em uma conjuntura.
Ele está ligado em grande medida aos discursos de organização da cidade. Mais
especificamente, trata-se de um discurso de divulgação, que faz circular os saberes urbanos
a um público leitor amplo, local e global, e nessa medida temos uma posição de mediação
entre os especialistas na cidade, as instituições, os discursos administrativos, legislativos,
governamentais, científicos, e os sujeitos leitores (NUNES, 2014, p. 2).
Portanto, o discurso enciclopédico está fundamentado nos posicionamentos dos
geógrafos, dos urbanistas, dos demógrafos e dos juristas.
Na Enciclopédia Larousse (1964, p. 1991), o termo Contestado é relacionado à Guerra,
primeiramente há uma contextualização na qual definem a região como despovoada e inculta e
ocupada por foragidos do território do Rio Grande do Sul, e devido a serem ignorantes e miseráveis
recorriam a beatos e à crença em forçassobrenaturais e nesse surge o ex-soldado Miguel Lucena de
Boaventura, desertor da Força Pública do Paraná, começou a reunir sertanejos para, em nome da fé,
e aproveita-se para isso, da imagem mítica de um monge já famoso na região, João Maria.
Observamos na Enciclopédia Barsa (1964, p.), que o termo guerra não aparece, mas sim
conflito social devido à disputa de terras, e também não há fanatismo e sim misticismo: “O conflito
social que a agitou, temperado de misticismo, prolongou-se de 1911 a 1915”.
Observamos também, que só aparece a figura do 3º João Maria, como desertor da polícia,
e que se fazia chamar de Monge e que rotulou seus adeptos de quadros santos, ou seja, João Maria
é uma pessoa que surge, consegue alguns adeptos que o tratavam como o antigo João Maria e que
morre no final da luta.
Conforme Fairclough (1999), existe uma relação dialética entre o discurso e a estrutura
social: ele contribui para a constituição de todas as dimensões das estruturas sociais ao mesmo
tempo em que é moldado e restringido por elas. Assim sendo, constitui e ajuda a construir
identidades, relações sociais e os sistemas de conhecimento e de crenças.
2.3. A ideologia e o poder
Para falar sobre ACD tem que se falar sobre ideologia. Van Dijk propõe em seu livro uma
teoria de ideologia como uma fundação das cognições sociais de um grupo que é a base de suas
práticas sociais e sobretudo de seus discursos. Enesta análise do discurso se pode explicar como
este discurso ideológico se manifesta em uma estrutura de polarização, como se enfatiza ou se
destaca o que é bom ou mau.
.
A ideologia aparece nos grupos caracterizados pelas relações de dominação, ou seja, de
poder, portanto essa relação nos interessa, visto que, na Guerra do Contestado havia um grupo
que procurava por meio de valores e crenças impor seu poder e ideias.
Na perspectiva de Thompson (1995), alguns dos valores e crenças socialmente partilhados
constituem os elementos da ideologia dominante que, por estar difundida na sociedade, garante a
adesão das pessoas à ordem social para estabelecer e sustentar relações de dominação, pois para
ele, ideologia é sentido a serviço do poder.
Argumenta que o conceito de ideologia pode ser usado para se referir às maneiras como o
sentido serve, em circunstâncias particulares, para estabelecer e sustentar relações de poder que
são sistematicamente assimétricas – que ele chama de “relações de dominação.
830
Vale ressaltar que para Thompson (1990), o estudo da ideologia exige que se investiguem
as maneiras como o sentido é construído e usado pelas formas simbólicas de vários tipos: as falas
linguísticas do dia a dia, as imagens, os textos mais complexos. Ou seja, com relação à nossa
pesquisa, como os textos apresentam A Guerra do Contestado e os personagens que fizeram parte,
entre eles, os soldados, os caboclos, e a figura de João Maria. É necessário investigar, também os
contextos sociais nos quais essas formas simbólicas são empregadas e articuladas. Questionar, se
necessário, de como o sentido é mobilizado pelas formas simbólicas em contextos particulares,
para estabelecer e sustentar relações de dominação.
Silveira (2000, p. 34) trata a cultura, a partir da ideologia: a identidade cultural de um povo
é definida pelo seu modo de ser que está presente em suas atitudes e estas decorrem de
representações sociais avaliativas, ou seja, formas de conhecimento social que convergem da
diversidade cultural dos marcos de cognições sociais grupais para uma unidade nacional.
2.4. Papéis sociais – representações sociais
Este item se refere ao estudo dos papéis sociais representados em língua nos textos
relativos à guerra do Contestado que representam a perda de terras, a perda da produção, o
abandono da Igreja e a necessidade de definição das fronteiras estatais pela luta do sustento e
também do papel social do Messianismo no Brasil. Esses textos mantêm intertextualidade e
interdiscursividade.
Também analisa em que medida o poder representa os papéis sociais e de que maneira
esses papéis seriam representados para verificar os papéis sociais diferentes e o papel do poder
no comando desse conflito e o papel dos monges que participaram do acontecimento.
Para Moscovci (2013), nossas representações são também instituições que partilhamos e
que existem antes de termos nascido; nós formamos novas representações a partir das anteriores
por similitude ou contra elas. As atitudes não expressam conhecimento como tal, mas uma relação
com certeza e incerteza, crença ou descrença em relação a esse conhecimento.
Com relação às representações sociais, para Moscovici (1996, p. 22) referem-se às “formas
de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, representantes de uma visão prática e
concorrente na construção de uma realidade comum a um grupo social”. Para ele, as
representações sociais encontram-se próximas de um saber de senso comum, seja por sua
importância nas interações no dia a dia e na vida social, ou por seus vínculos com as relações de
poder, o que pode ser identificado a partir das práticas sociais que abrangem processos de
natureza linguístico - discursiva.
Em nossa investigação sobre a Guerra do Contestado, observamos uma das principais
representações sociais que é a figura do monge José Maria. Segundo Moscovici (2013, p. 10) “as
representações sociais são entidades quase tangíveis. Isto é, elas circulam, se entrecruzam e se
cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo
cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós
produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. Ou seja, nós nunca
conseguimos nenhuma informação que não tenha sido di(e)storcida por representações
“superimpostas” aos objetos e às pessoas que lhes dão certa vaguidade e as fazem parcialmente
inacessíveis.
Estamos rodeados, tanto individualmente quanto coletivamente, por palavras, ideias e
imagens que penetram nossos olhos, nossos ouvidos e nossa mente, quer queiramos quer não, e
que nos atingem, sem que saibamos ou percebamos, isto é, não nos damos conta de que o tempo
todo, somosbombardeados por informações.
Em sua fala Derengoski (2014) apresenta João Maria como um personagem que apesar do
tempo permanece na memória do povo da região: “quase um século depois do surto messiânico e
831
anti-imperialista do Contestado, a crença em São João Maria ainda existe em muitos rincões do
Planalto Sul-Brasileiro. Algumas frases do santo correm de boca em boca num tom apocalíptico e
ameaçador.
É importante ressaltar que, ao mesmo tempo, em que a autor menciona que foi apenas um
surto messiânico e anti-imperialista, menosprezando, ou talvez tentando desmistificar a figura de
João, ele repete duas vezes a palavra santo. Ou seja, podemos observar que a imagem que as
pessoas têm de João Maria, de certa forma, permanece no imaginário do autor do texto, por meio
de suas marcas no texto.
Moscovici (2013) propõe que as representações sociais possuem duas funções: elas
convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos que encontram, fornecendo-lhes uma
forma definitiva, localizam-nas em uma determinada categoria e de maneira gradual as põem
como um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um determinado grupo. E todos
os novos elementos se unem a esse modelo, sintetizando-se nele.
A segunda função, conforme Moscovici (2013), das representações sociais são as funções
prescritivas, isto é, elas se impõem sobre nós com uma força irresistível. Esta força é uma
combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de
uma tradição que decreta o que deve ser pensado. Por exemplo, se observamos uma pessoa com
determinadas atitudes já a “rotulamos”, de fanático, de louco. Nós não nos damos conta, mas já
temos em nossa mente um sistema de representação, que nos leva a essa rotulação.
Para Moscovici (2013), é no momento em que o conhecimento é transformado em crença
a qual congrega os indivíduos, que se torna uma força que pode convertê-los de membros passivos
a atuantes, ou seja, participantes nas ações coletivas e em tudo que lhes pareça importante para a
vida em comum.
É o que podemos constatar no texto de Kaiser (2014, p. 30), em suas pregações, o monge
dava voz e propósito ao sentimento de injustiça que roia o espírito dos sertanejos. E assim cada
comunidade em seu dia a dia vai produzindo a partir de suas práticas sociais maneiras de se
apresentar perante as demais comunidades.
Segundo Van Dijk (1997), o contexto global é uma estrutura mental que se apresenta como
um esquema sócio-cognitivo que se compara à estrutura social, apresentada pela teoria dos
papéis. Esse contexto se define por seus participantes, suas ações, tempo e lugar, controlados pela
categoria Poder.
Nos textos lidos relacionados ao Contestado, há os papéis sociais representados pelos
personagens, em que destacamos a figura de João Maria, porém há o papel do Estado que não
aparece nos textos. Mas está representado pelo seu poder, quando refere-se, por exemplo, na fala
de que a guerra foi santa, uma luta de fanáticos, pela posse de terras, para não dizer que o principal
interesse e preocupação do governo era que havia uma luta contra a república em favor da
monarquia. Já que o povo dessa região contestada já havia aclamado um imperador constitucional
da Monarquia Sul Brasileira, e este apresentou uma carta aberta à nação. Ou seja, há um não dito.
3. Metodologia
Para a análise, aqui delineada segmentamos alguns materiais didáticos utilizados que
poderão contribuir para a compreensão do nosso recorte discursivo: Discurso, Cognição e
Sociedade: papéis sociais dos participantes da Guerra do Contestado.
Os materiais selecionados se vinculam da seguinte forma: Guerra do Contestado: a revolta
dos caboclos no sertão catarinense,escrito pelo jornalista Jakzam Kaiser, publicado no ano de 2014
pela editora: Letras Brasileiras em Florianópolis foi doado a todos os alunos das escolas públicas
de Santa Catarina, por meio da Secretaria Estadual de Educação no início do ano de 2015.
832
O outro material que está sendo analisado foi escrito pelas professoras Soeli Regina Lima
e Marli Antunes em 2010: A Guerra do Contestado em sala de aula. Foi doado aos alunos das séries
iniciais da rede municipal de Três Barras, pela Secretaria de Educação, Cultura e Esporte.
Conforme Bourdieu (1974, p.22) a escola é a sede da reprodução cultural e o sistema de
ensino é a solução mais dissimulada para o problema da transmissão de poder, pois contribui para
a reprodução da estrutura das relações de classe dissimulando, sob a aparência de neutralidade,
o cumprimento dessa função.
O livro Sangue, suor e lágrimas no chão do Contestado, escrito por Nilson Thomé em 1992,
é pesquisado pelos acadêmicos de graduação do curso de História, bem como pelos demais
acadêmicos das primeiras fases de todos os cursos de graduação da Universidade do Contestado.
E o livro de Maurício de V. de Queiroz, de 1981, Messianismo e conflito social, também pesquisado
pelo curso de História da UnC.
Também está sendo analisado o termo Contestado na Enciclopédia Barsa e na
Enciclopédia Larousse. Eem revistas, jornais regionais e nacionais e nos livros de história geral.
4. Considerações provisórias
Até o momento observamos que se o discurso da História transforma em monumento as
ações dos personagens da História do Brasil, necessariamente o fato histórico é construído por
dois papéis centrais Herói x Vilão. No caso dessa pesquisa, o João Maria representa o herói para o
povo que o segue, ou seja, os que perderam suas terras, seu trabalho, sua segurança e vilão para o
governo, haja vista, que ele, o João Maria, é apresentado nos textos como quem incitou o povo a
lutar, e como tal aparece como fanático, estuprador, chefe de guerrilha, curandeiro, desertor e
assim por diante.
Já no discurso Enciclopédico observamos que o termo guerra não aparece, mas sim
conflito social devido à disputa de terras, e que há o governo de um lado com um grande poder e
de outro os caboclos guiados por João Maria.
Observamos também que nos textos lidos relacionados ao Contestado, há os papéis sociais
representados pelos personagens, em que destacamos a figura de João Maria, porém há o papel
do Estado que não aparece nos textos. Mas está representado pelo seu poder, quando se refere,
por exemplo, na fala de que foi uma luta de fanáticos, pela posse de terras, para não dizer que o
principal interesse e preocupação do governo era que havia uma luta contra a república em favor
da monarquia.
Referências
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RJ: Vozes, 1995.
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