DISCURSO, COGNIÇÃO E SOCIEDADE: PAPÉIS SOCIAIS DOS PARTICIPANTES DA GUERRA DO CONTESTADO Sueli Terezinha de Oliveira PALAVRAS-CHAVE: Discurso da história do Brasil. Guerra do Contestado. Papéis sociais. João Maria. 1. Introdução Objetivamos apresentar, neste trabalho, um recorte de nossa pesquisa de doutorado, que se situa na área da Análise de Discurso, com vertente sociocognitiva da qual Van Djik (1997) é seu maior representante. Segundo ele, as categorias básicas analíticas são a sociedade, cognição e discurso. Tais categorias são inter-relacionadas de modo que uma se define pela outra. Entende-se discurso como uma prática sócio-cognitiva - interacional, convencionada na e pela sociedade. Essa convenção pode ser descrita como um contexto discursivo. Dessa forma, cada prática social discursiva é convencionada pelos seus próprios participantes e os papéis que cada qual representa na interação sócio-comunicativa. Todo o discurso se define pelos seus participantes,por isso é importante dizer quem é o participante do discurso, quem são essas pessoas e que cada um desses participantes representa um papel social, que deve ser caracterizado. Por isso em nossa pesquisa, estamos analisando os papéis sociais dos participantes da Guerra do Contestado1 e os discursos produzidos por eles, destacando a figura de João Maria. 2. Revisão de Literatura Para Van Dijk (1997), a sociedade é formada por um conjunto de grupos sociais que estão em constante conflito. Cada grupo social é definido pelas suas formas de conhecimento com as quais representam o mundo. Esses conhecimentos são resultado da projeção de um ponto de vista que seleciona no mundo determinados aspectos do referente focalizado. Um ponto de vista é guiado por interesses, objetivos e propósitos que são comuns a todas as pessoas que se reúnem com um grupo. Dessa Resumo expandido de trabalho apresentado na Sessão (Análise Crítica do Discurso) do Eixo Temático em Linguística (Estudos da Língua e da Linguagem II) do 4º. Encontro da Rede Sul Letras, promovido pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem no Campus da Grande Florianópolis da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em Palhoça (SC). Estudante de Doutorado do Programa de Pós-graduação de Língua Portuguesa daPontifícia Universidade Católica de São Paulo –PUCSP. Professor na Universidade do Contestado – UnC/SC. [email protected] 1A Guerra do Contestado foi um conflito armado ocorrido nos estados do Paraná e de Santa Catarina, onde já havia um confronto de terras contestadas, no periodo de 1912 a 1916. Envolveu aproximadamente 20 mil pessoas, entre elas caboclos, jagunços, ex-soldados, camponeses que lutaram contra as forças do governo, primeiramente estadual e depois federal.Segundo Thomé (1992) o Contestado também foi um movimento messiânico, ao contar com pessoas religiosas que se apresentavam como profetas, investidas de poder místico pelos próprios caboclos, que nelas acreditavam e lhes foram fiéis. Os responsáveis pela caracterização messiânica deste movimento foram os “monges” conhecidos genericamente por “João Maria”, que desde 1840 até por volta de 1908 deixaram registros em todo o Sul do Brasil. Eram idolatrados pelos caboclos, que os viram desaparecer tão misteriosamente como surgiram. 826 forma, cada grupo social diferencia-se entre os demais, pois os interesses, objetivos e propósitos não são os mesmos. Na perspectiva de Nélo (2001) o poder legitima-se nas interações sociais, instância que forma as opiniões. E segundo Van Dijk (2000), a maioria das construções que fazemos em nossa vida social é discursiva, as interações sociais articulam-se e constituem-se discursivamente, e é no discurso onde se produzem, reproduzem-se, estabilizam-se os saberes sociais nos quais se expressam ideias, crenças, normas e valores, servindo assim ao processo de orientar as ações humanas. É, por isso, que a relação discurso e sociedade se encontra mediada pelos processos de cognição, que se relacionam como uma tríade, ou seja, é necessário dar conta dos aspectos cognitivos, compreendendo que os conhecimentos e crenças são adquiridos e repassados discursivamente em contextos sociais. E assim, os usuários da língua constroem uma representação não só do texto, mas também do contexto social, em que ambas interagem. Com relação à cognição, ela é definida pelas formas de conhecimentos construídas por cada grupo social. Estas formas de conhecimento é que possibilitam interpretar e pensar os acontecimentos do mundo. O conjunto desses conhecimentos é designado marco de cognição social do grupo. Como cada grupo tem seu próprio marco de cognição social, ocorrem conflitos entre os grupos, dados os interesses, objetivos e propósitos serem diversificados. Entretanto, haverá sempre uma unidade imaginária, nessa diversidade de cognições em razão dos discursos públicos institucionalizados que constroem conhecimentos sociais extragrupais. Conforme Van Dijk (1990), as pessoas que compreendem acontecimentos reais ou eventos discursivos são capazes de construir uma representação mental, principalmente uma representação mental significativa, somente se tiverem um conhecimento mais geral a respeito de tais acontecimentos. O discurso sendo uma prática social, um ato social, com o controle sobre os atos das pessoas, pode controlar seu discurso, porque é através do discurso que se controla a mente das pessoas, pois há uma interface entre o poder e a mente das pessoas. É através do controle da mente que se podem controlar as práticas sociais, especificamente práticas comunicativas como o discurso, porque é através desse discurso que opiniões, atitudes, conhecimentos, ideologias têm acesso ao público. O discurso relaciona-se fundamentalmente com o conhecimento, por duas razões: a maioria de nossos conhecimentos sobre o mundo vem do discurso: dos meios de comunicação, de textos, de conversas. Ou seja, nosso conhecimento de mundo é construído pelo discurso, pois para analisar o discurso não se pode ignorar o conhecimento e suas estruturas, ou seja, há que ter uma noção de conhecimento. Conhecimento é um recurso fundamental do poder, é um acesso preferencial ao discurso, porque é um acesso à mente das pessoas. Portanto, todas as formas de conhecimento são construídas no e pelo discurso. Conforme van Dijk (1997), o que, para um leitor, é importante em um discurso, pode não ser para outro, o que resultará numa construção macroestrutural de modelo. Da mesma maneira, dependerá de opinião, a partir de experiências pessoais, ou seja, atitudes, regras, valores ou ideologias mais gerais na memória social podem ser relacionadas com os acontecimentos a que se refere o texto. Como por exemplo, os problemas enfrentados pelos caboclos, pelos ervateiros, pelos donos de pequenas propriedades. Enfim por todas as pessoas que estavam envolvidas e que de alguma maneira estavam sofrendo ou procurando algo em que se apoiar e que o escritor a partir de suas experiências e conhecimento de mundo relatou. Portanto, cada falante apresenta um modelo que está em constante transformação, também com relação aos acontecimentos. Por isso, frases, histórias e experiências geralmente são utilizadas para apresentar situações e relatos, e muitas vezes, assume-se que tais relatos são modelos de memória atualizados, isto é, no momento em que se está descrevendo ou narrando o acontecimento. 827 2.1. Discurso da História O corpus de nossa análise é selecionado pelo discurso da História, que é narrativo e se define como uma prática sociointeracional na qual o Poder representa em língua, a partir de textos, os acontecimentos ocorridos. Para iniciar a nossa fala sobre o discurso da história é importante ressaltar, conforme Ormundo (2001) “a História não trabalha com a reconstrução do fato acontecido, mas com as versões deste fato, registradas em documentos. Considerando-se tais versões, o historiador reconstrói o acontecido no passado, tornando-o um fato histórico”. E esse fato histórico é que será apresentado como verdade nos contextos sociais, como um discurso. Sellan (2011) nos propõe que o discurso da História é um discurso institucionalizado e como tal é imposto pelas classes de poder como algo incontestável, que não se questiona, e, por essa razão, de alguma maneira, direciona comportamentos e ideologias. É também o que podemos constatar nesta pesquisa, a qual procura analisar o modo como o discurso da História constrói e mantém ideologicamente representações sociais sobre um acontecimento, a Guerra do Contestado, focando principalmente na figura do monge João Maria, que teve uma participação ativa nesse acontecimento. Portanto, podemos observar que o objetivo central da história é transmitir os fatos ocorridos em cada época da civilização humana, e para que isso ocorra há a necessidade de pessoas que os registrem, ou seja, os historiadores que contarão sob o seu ponto de vista, sua maneira de ver o fato narrado. Vale ressaltar que para Van Dijk (2000), a História é construída pelo Poder. Este, por meio do Controle, cancela, a partir de seus interesses, os valores sociais considerados negativos para si e maximiza os valores que lhe são favoráveis, de maneira a construir uma nova escala que passa a ser projetada nas cognições sociais. Conforme podemos observar no trecho retirado da Barsa que nos apresenta um discurso institucionalizado: “O clima de tensão social revelou-se propício a agitadores. Destacou-se entre eles um desertor da polícia militar paranaense, Miguel Lucena Boaventura, que se fazia chamar de “monge” José Maria.” As palavras, propício e agitadores, referem - se a pessoas que estão se aproveitando de uma situação, o mesmo ocorre com a palavra desertor que segundo o dicionário é uma pessoa que abandona uma causa ou um compromisso; trânsfuga, ou seja, são pessoas desfavoráveis ao bem comum. Portanto, o discurso da História, como um discurso público institucionalizado, produz e reproduz ideologia. Sendo assim, é interessante destacar que a guerra do Contestado, ocorrida entre o período de 1912 a 1916, não é relevante para a representação em textos oficiais do discurso da história para situar um episódio altamente conflitante que resultou na morte de 10.000 pessoas. Além de condenações e prisões durante os meados do século passado. Também podemos observar, a presença de João Maria em muitos acontecimentos relacionados à Guerra do Contestado. Segundo os relatos, primeiro curando, fazendo milagres, desaparecendo. Em seguida, convertendo o povo em seus discípulos e desaparecendo novamente e por fim indo à luta, como líder de guerrilhas, com armas na mão e morrendo em um dos confrontos. “o monge prega a rebelião. Abandonada pelo poder público, a população não tinha a quem recorrer. Carentes de esperança, ignorantes e supersticiosos, os sertanejos buscavam conforto com curandeiros, peregrinos e profetas que vagavam pelo território. Três deles foram considerados santos. E, no imaginário da população cabocla, fundiram-se num só personagem: o messias do sertão.” O discurso da História é um discurso público, pois tudo que tem acesso ao público é discurso público, isto é, o que não tem acesso ao público é um Evento Discursivo Particular – 828 auditório particular: eu e tu. Já, no discurso público todo mundo pode ler – nem sabe para quem está direcionado, quem vai ler – eu e todos e como tal é organizado por três grandes categorias: Poder, Controle e Acesso. O poder, destacamos como sendo a reunião de pessoas que têm o papel social de tomar decisões, que de forma geral, são os donos de uma empresa, ou seja, no caso dessa pesquisa exerceu grande influência na época da Guerra do Contestado, a “Brazil Railway Company”2 – cuja filial era denominada “Southern Brazil Lumber and Colonization”, sob a chefia de Percival Farquhar. Como controle, a reunião de outras pessoas, outros participantes que têm o dever de executar o que o poder quer, no caso, os funcionários, na sua maioria americanos, que tomavam as decisões e o acesso, é como foi distribuído para poder chegar ao público. Todo o discurso é sempre caracterizado por um macroato, por exemplo, no discurso do jornal, o macroato dele é construir opinião para o público. Enquanto que no discurso da história, o macroato dele é de transformar acontecimentos do mundo em monumentos é por isso que esse discurso transita na elaboração de dois grandes mitos: o Herói e o Vilão. Com relação à Guerra do Contestado, para alguns, João Maria era um herói, um profeta conforme Kaiser (2014) “A partir da batalha de Irani, entretanto, a terra já maculada pelos trilhos da ferrovia e pelas clareiras abertas na floresta agora se encontrava manchada com o sangue do povo sertanejo e de seu profeta.” E Derengoski "Dele não há fotos nem desenhos. Apenas se sabe que era um profeta benquisto, falando ao povo o que ele queria ouvir”. E para outros, um vilão, conforme a Barsa,”não era um místico, mas um rebelde.” E também conforme Cardoso (2014), era um estuprador: “Já José Maria de Santo Agostinho era, de acordo com a história, o soldado desertor Miguel Lucena de Boaventura. Tendo, segundo os acontecimentos históricos, sido condenado por estupro, surgiu na política em 1912. Se o discurso da História transforma em monumento as ações dos personagens da História do Brasil, necessariamente o fato histórico é construído por dois papéis centrais Herói x Vilão. No caso dessa pesquisa, o João Maria representa o herói para o povo que o segue, ou seja, os que perderam suas terras, seu trabalho, sua segurança e vilão para o governo, haja vista, que ele, o João, é apresentado nos textos como quem incitou o povo para lutar, e como tal aparece como fanático, estuprador, chefe de guerrilha, curandeiro, desertor e assim por diante. Como o discurso da História é controlado pelo Estado, necessariamente na ideologia do poder do fato histórico há a construção do herói x vilão através de valores positivos e negativos. 2.2. Discurso Enciclopédico Segundo Nunes (2014), o discurso enciclopédico transforma os saberes urbanos dispersos em um saber organizado, disponível, reduzido, tendo em vista um público amplo. O discurso enciclopédico tem um macroato de fala. O macroato de fala é informativo, só que ele é uma informação na horizontal, não é na vertical, é o “genérico”, só apresenta umas pinceladas, ele não entra em profundidade intensa. O macroato de fala é transferir um saber “generalizador”, mas ele é guiado pela ideologia, pois são discursos públicos. Nunes (2014) evidencia que ao divulgar nos verbetes os saberes urbanos, em sua diversidade, a enciclopédia é um índice da circulação dos discursos sobre a cidade na 2A Brazil Railway, concessionária do trecho ferroviário que cruzava Paraná e Santa Catarina, era o Holding do maior grupo empresarial estrangeiro atuante no Brasil nas primeiras décadas do século XX – o Trust of Toronto, conglomerado multinacional de origem canadense com sede nos Estados Unidos e negócios em todo o mundo. No Brasil, o grupo incluía diversas empresas, entre elas a Southern Brazil Lumber and Colonization, criada especificamente para retirar a madeira da região do Contestado e depois vender a terra para colonização (KAISER, 2014, p. 59). 829 contemporaneidade. E tais saberes são reduzidos, organizados, transformados já que seu público é amplo. Por isso para ele O discurso enciclopédico é um dos que tendem a estabilizar sentidos em uma conjuntura. Ele está ligado em grande medida aos discursos de organização da cidade. Mais especificamente, trata-se de um discurso de divulgação, que faz circular os saberes urbanos a um público leitor amplo, local e global, e nessa medida temos uma posição de mediação entre os especialistas na cidade, as instituições, os discursos administrativos, legislativos, governamentais, científicos, e os sujeitos leitores (NUNES, 2014, p. 2). Portanto, o discurso enciclopédico está fundamentado nos posicionamentos dos geógrafos, dos urbanistas, dos demógrafos e dos juristas. Na Enciclopédia Larousse (1964, p. 1991), o termo Contestado é relacionado à Guerra, primeiramente há uma contextualização na qual definem a região como despovoada e inculta e ocupada por foragidos do território do Rio Grande do Sul, e devido a serem ignorantes e miseráveis recorriam a beatos e à crença em forçassobrenaturais e nesse surge o ex-soldado Miguel Lucena de Boaventura, desertor da Força Pública do Paraná, começou a reunir sertanejos para, em nome da fé, e aproveita-se para isso, da imagem mítica de um monge já famoso na região, João Maria. Observamos na Enciclopédia Barsa (1964, p.), que o termo guerra não aparece, mas sim conflito social devido à disputa de terras, e também não há fanatismo e sim misticismo: “O conflito social que a agitou, temperado de misticismo, prolongou-se de 1911 a 1915”. Observamos também, que só aparece a figura do 3º João Maria, como desertor da polícia, e que se fazia chamar de Monge e que rotulou seus adeptos de quadros santos, ou seja, João Maria é uma pessoa que surge, consegue alguns adeptos que o tratavam como o antigo João Maria e que morre no final da luta. Conforme Fairclough (1999), existe uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social: ele contribui para a constituição de todas as dimensões das estruturas sociais ao mesmo tempo em que é moldado e restringido por elas. Assim sendo, constitui e ajuda a construir identidades, relações sociais e os sistemas de conhecimento e de crenças. 2.3. A ideologia e o poder Para falar sobre ACD tem que se falar sobre ideologia. Van Dijk propõe em seu livro uma teoria de ideologia como uma fundação das cognições sociais de um grupo que é a base de suas práticas sociais e sobretudo de seus discursos. Enesta análise do discurso se pode explicar como este discurso ideológico se manifesta em uma estrutura de polarização, como se enfatiza ou se destaca o que é bom ou mau. . A ideologia aparece nos grupos caracterizados pelas relações de dominação, ou seja, de poder, portanto essa relação nos interessa, visto que, na Guerra do Contestado havia um grupo que procurava por meio de valores e crenças impor seu poder e ideias. Na perspectiva de Thompson (1995), alguns dos valores e crenças socialmente partilhados constituem os elementos da ideologia dominante que, por estar difundida na sociedade, garante a adesão das pessoas à ordem social para estabelecer e sustentar relações de dominação, pois para ele, ideologia é sentido a serviço do poder. Argumenta que o conceito de ideologia pode ser usado para se referir às maneiras como o sentido serve, em circunstâncias particulares, para estabelecer e sustentar relações de poder que são sistematicamente assimétricas – que ele chama de “relações de dominação. 830 Vale ressaltar que para Thompson (1990), o estudo da ideologia exige que se investiguem as maneiras como o sentido é construído e usado pelas formas simbólicas de vários tipos: as falas linguísticas do dia a dia, as imagens, os textos mais complexos. Ou seja, com relação à nossa pesquisa, como os textos apresentam A Guerra do Contestado e os personagens que fizeram parte, entre eles, os soldados, os caboclos, e a figura de João Maria. É necessário investigar, também os contextos sociais nos quais essas formas simbólicas são empregadas e articuladas. Questionar, se necessário, de como o sentido é mobilizado pelas formas simbólicas em contextos particulares, para estabelecer e sustentar relações de dominação. Silveira (2000, p. 34) trata a cultura, a partir da ideologia: a identidade cultural de um povo é definida pelo seu modo de ser que está presente em suas atitudes e estas decorrem de representações sociais avaliativas, ou seja, formas de conhecimento social que convergem da diversidade cultural dos marcos de cognições sociais grupais para uma unidade nacional. 2.4. Papéis sociais – representações sociais Este item se refere ao estudo dos papéis sociais representados em língua nos textos relativos à guerra do Contestado que representam a perda de terras, a perda da produção, o abandono da Igreja e a necessidade de definição das fronteiras estatais pela luta do sustento e também do papel social do Messianismo no Brasil. Esses textos mantêm intertextualidade e interdiscursividade. Também analisa em que medida o poder representa os papéis sociais e de que maneira esses papéis seriam representados para verificar os papéis sociais diferentes e o papel do poder no comando desse conflito e o papel dos monges que participaram do acontecimento. Para Moscovci (2013), nossas representações são também instituições que partilhamos e que existem antes de termos nascido; nós formamos novas representações a partir das anteriores por similitude ou contra elas. As atitudes não expressam conhecimento como tal, mas uma relação com certeza e incerteza, crença ou descrença em relação a esse conhecimento. Com relação às representações sociais, para Moscovici (1996, p. 22) referem-se às “formas de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, representantes de uma visão prática e concorrente na construção de uma realidade comum a um grupo social”. Para ele, as representações sociais encontram-se próximas de um saber de senso comum, seja por sua importância nas interações no dia a dia e na vida social, ou por seus vínculos com as relações de poder, o que pode ser identificado a partir das práticas sociais que abrangem processos de natureza linguístico - discursiva. Em nossa investigação sobre a Guerra do Contestado, observamos uma das principais representações sociais que é a figura do monge José Maria. Segundo Moscovici (2013, p. 10) “as representações sociais são entidades quase tangíveis. Isto é, elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. Ou seja, nós nunca conseguimos nenhuma informação que não tenha sido di(e)storcida por representações “superimpostas” aos objetos e às pessoas que lhes dão certa vaguidade e as fazem parcialmente inacessíveis. Estamos rodeados, tanto individualmente quanto coletivamente, por palavras, ideias e imagens que penetram nossos olhos, nossos ouvidos e nossa mente, quer queiramos quer não, e que nos atingem, sem que saibamos ou percebamos, isto é, não nos damos conta de que o tempo todo, somosbombardeados por informações. Em sua fala Derengoski (2014) apresenta João Maria como um personagem que apesar do tempo permanece na memória do povo da região: “quase um século depois do surto messiânico e 831 anti-imperialista do Contestado, a crença em São João Maria ainda existe em muitos rincões do Planalto Sul-Brasileiro. Algumas frases do santo correm de boca em boca num tom apocalíptico e ameaçador. É importante ressaltar que, ao mesmo tempo, em que a autor menciona que foi apenas um surto messiânico e anti-imperialista, menosprezando, ou talvez tentando desmistificar a figura de João, ele repete duas vezes a palavra santo. Ou seja, podemos observar que a imagem que as pessoas têm de João Maria, de certa forma, permanece no imaginário do autor do texto, por meio de suas marcas no texto. Moscovici (2013) propõe que as representações sociais possuem duas funções: elas convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos que encontram, fornecendo-lhes uma forma definitiva, localizam-nas em uma determinada categoria e de maneira gradual as põem como um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um determinado grupo. E todos os novos elementos se unem a esse modelo, sintetizando-se nele. A segunda função, conforme Moscovici (2013), das representações sociais são as funções prescritivas, isto é, elas se impõem sobre nós com uma força irresistível. Esta força é uma combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado. Por exemplo, se observamos uma pessoa com determinadas atitudes já a “rotulamos”, de fanático, de louco. Nós não nos damos conta, mas já temos em nossa mente um sistema de representação, que nos leva a essa rotulação. Para Moscovici (2013), é no momento em que o conhecimento é transformado em crença a qual congrega os indivíduos, que se torna uma força que pode convertê-los de membros passivos a atuantes, ou seja, participantes nas ações coletivas e em tudo que lhes pareça importante para a vida em comum. É o que podemos constatar no texto de Kaiser (2014, p. 30), em suas pregações, o monge dava voz e propósito ao sentimento de injustiça que roia o espírito dos sertanejos. E assim cada comunidade em seu dia a dia vai produzindo a partir de suas práticas sociais maneiras de se apresentar perante as demais comunidades. Segundo Van Dijk (1997), o contexto global é uma estrutura mental que se apresenta como um esquema sócio-cognitivo que se compara à estrutura social, apresentada pela teoria dos papéis. Esse contexto se define por seus participantes, suas ações, tempo e lugar, controlados pela categoria Poder. Nos textos lidos relacionados ao Contestado, há os papéis sociais representados pelos personagens, em que destacamos a figura de João Maria, porém há o papel do Estado que não aparece nos textos. Mas está representado pelo seu poder, quando refere-se, por exemplo, na fala de que a guerra foi santa, uma luta de fanáticos, pela posse de terras, para não dizer que o principal interesse e preocupação do governo era que havia uma luta contra a república em favor da monarquia. Já que o povo dessa região contestada já havia aclamado um imperador constitucional da Monarquia Sul Brasileira, e este apresentou uma carta aberta à nação. Ou seja, há um não dito. 3. Metodologia Para a análise, aqui delineada segmentamos alguns materiais didáticos utilizados que poderão contribuir para a compreensão do nosso recorte discursivo: Discurso, Cognição e Sociedade: papéis sociais dos participantes da Guerra do Contestado. Os materiais selecionados se vinculam da seguinte forma: Guerra do Contestado: a revolta dos caboclos no sertão catarinense,escrito pelo jornalista Jakzam Kaiser, publicado no ano de 2014 pela editora: Letras Brasileiras em Florianópolis foi doado a todos os alunos das escolas públicas de Santa Catarina, por meio da Secretaria Estadual de Educação no início do ano de 2015. 832 O outro material que está sendo analisado foi escrito pelas professoras Soeli Regina Lima e Marli Antunes em 2010: A Guerra do Contestado em sala de aula. Foi doado aos alunos das séries iniciais da rede municipal de Três Barras, pela Secretaria de Educação, Cultura e Esporte. Conforme Bourdieu (1974, p.22) a escola é a sede da reprodução cultural e o sistema de ensino é a solução mais dissimulada para o problema da transmissão de poder, pois contribui para a reprodução da estrutura das relações de classe dissimulando, sob a aparência de neutralidade, o cumprimento dessa função. O livro Sangue, suor e lágrimas no chão do Contestado, escrito por Nilson Thomé em 1992, é pesquisado pelos acadêmicos de graduação do curso de História, bem como pelos demais acadêmicos das primeiras fases de todos os cursos de graduação da Universidade do Contestado. E o livro de Maurício de V. de Queiroz, de 1981, Messianismo e conflito social, também pesquisado pelo curso de História da UnC. Também está sendo analisado o termo Contestado na Enciclopédia Barsa e na Enciclopédia Larousse. Eem revistas, jornais regionais e nacionais e nos livros de história geral. 4. Considerações provisórias Até o momento observamos que se o discurso da História transforma em monumento as ações dos personagens da História do Brasil, necessariamente o fato histórico é construído por dois papéis centrais Herói x Vilão. No caso dessa pesquisa, o João Maria representa o herói para o povo que o segue, ou seja, os que perderam suas terras, seu trabalho, sua segurança e vilão para o governo, haja vista, que ele, o João Maria, é apresentado nos textos como quem incitou o povo a lutar, e como tal aparece como fanático, estuprador, chefe de guerrilha, curandeiro, desertor e assim por diante. Já no discurso Enciclopédico observamos que o termo guerra não aparece, mas sim conflito social devido à disputa de terras, e que há o governo de um lado com um grande poder e de outro os caboclos guiados por João Maria. Observamos também que nos textos lidos relacionados ao Contestado, há os papéis sociais representados pelos personagens, em que destacamos a figura de João Maria, porém há o papel do Estado que não aparece nos textos. Mas está representado pelo seu poder, quando se refere, por exemplo, na fala de que foi uma luta de fanáticos, pela posse de terras, para não dizer que o principal interesse e preocupação do governo era que havia uma luta contra a república em favor da monarquia. Referências BOURDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas, Perspectivas, São Paulo, 1974 CARDOSO, Luiz Muricy. A guerra do fim dos tempos.Revista Leituras da História, n. 74. set. 2014. DERENGOSKI, Paulo Ramos. Contestado: no sertão dos profetas. História Viva. São Paulo, n.74, ed. 130,p. 14-25, ago. 2014. DIJK, Teun A. van. Cognição, discurso e interação. Organização e apresentação de Ingedore V Koch. 2.ed. São Paulo: Contexto, 1999. ______. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, 1997. ENCICLOPEDIA BARSA. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1964. ENCICLOPEDIA DELTA LAROUSSE. Rio de Janeiro:Editora Delta, 1960. 833 FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001, 2008(reimpressão). KAISER, Jakzam. Guerra do Contestado: a revolta dos caboclos no sertão catarinense. 2.ed. Florianópolis: Letras Brasileiras, 2014. LIMA, Soeli Regina; ANTUNES, Marli. A Guerra do Contestado em sala de aula. Canoinhas: Gráfica Diário do Planalto, 2010. MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social.Trad. Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2003. ______. A máquina de fazer deuses. Rio de Janeiro: Imago, 1996. NÉLO, Maria José. Discurso, cognição e sociedade: marco de cognições sociais e aspectos da identidade cultural do brasileiro. São Paulo: PUCSP, 2001. NUNES, J. H. A cidade enquanto objeto do discurso enciclopédico. In: RUA[online]. 2014, Ed. Esp. Consultada no Portal Labeurb:Revista do Laboratório de Estudos Urbanos do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade. Disponível em:<http://www.labeurb.unicamp.br/rua/>.Acesso em: 15 fev. 2016. ORMUNDO, Joana da Silva; WETTER, Walquiria. Práticas de linguagem na globalização: introdução à análise crítica em uma perspectiva transdisciplinar. São Paulo: Editora Patuá, 2013. SELLAN, Aparecida R.B. Cognição, discurso e sociedade: aspectos da identidade cultural do paulista e os descaminhos da revolução de 1932. São Paulo:PUCSP,2001. SILVEIRA, Regina Célia Pagliuchi. Textos do discurso científico: pesquisa, revisão e ensaio. São Paulo:Terracota, 2012. THOMÉ, Nilson. Sangue, suor e lágrimas no chão do Contestado. Caçador: INCON Edições/ UnC, 1992 THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social e crítica na era dos meios de comunicação de massa.Trad. do Grupo de Estudos sobre Ideologia, comunicação e representações sociais da pós-graduação do Instituto de Psicologia da PURCS. 6.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. 834