ANÁLISE CRÍTICA DO ATUAL PROCESSO DE EXPANSÃO URBANA EM SÃO JOÃO DEL-REI (MG) A PARTIR DO BAIRRO COLÔNIA DO MARÇAL Rafael Begname Andrade Email: [email protected] Graduando em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), bolsista de iniciação científica do CNPq. Marcio Toledo Email: [email protected] Professor Adjunto do Departamento de Geociências UFSJ. Juliar de Souza Oliveira [email protected] Graduado em Geografia pela UFSJ. André Ribeiro Barbosa [email protected] Graduando em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei RESUMO: O processo de expansão urbana se dá por diferentes forças, mecanismos e agentes sociais que renovam o espaço urbano frequentemente, reconfigurando as funções e as formas para atender aos processos políticos e econômicos que emergem na estrutura sistêmica das relações sociais. Compreender quais forças, mecanismos e agentes dão movimento às transformações do espaço urbano constitui a ambição deste trabalho que a partir de uma realidade concreta se dedica a pensar estas questões. Nesse sentido, a escolha de São João del-Rei, especificamente do bairro Colônia do Marçal se apresenta como uma amostra de uma realidade maior, de um processo sócio-espacial que está concatenado à dinâmica capitalista de produção e consumo do espaço. Assim, nossa escolha não é aleatória, mas apresenta-se como tentativa de identificar e compreender as articulações das forças e dos agentes locais com a poderosa força do capital que dá movimento ao processo de expansão urbana desse município. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 994 Palavras-chave: Espaço urbano; Expansão urbana; São João del-Rei; Colônia do Marçal. ABSTRACT: The urban expansion process is performed by different social forces, mechanisms and agents, which often renew the urban space, redesigning functions and forms to assemble the political and economic processes that emerge on the systemic structure of the social relations. To understand which forces, mechanisms and agents drive the transformation of the urban space is the ambition of this work which, from a concrete reality, is dedicated to think such questions. To that end, the choice of São João delRei, specifically the Colônia do Marçal neighborhood, appears as a sample of a greater reality of a socio-spatial process that is linked to the capitalist production and consumption of the space dynamics. Consequently, our choice is not at random, but it is presented as an attempt to identify and to understand the articulation of the local forces and agents with the powerful force of the capital that drive the urban expansion process of this municipality. Keywords: Urban space; Urban expansion; São João del-Rei; Colônia do Marçal. 1. INTRODUÇÃO O objetivo desta pesquisa foi discutir e analisar o atual processo de expansão urbana do município de São João del-Rei, em Minas Gerais (Brasil) e suas implicações sócio-espaciais, a partir de um estudo de caso de um de seus Bairros chamado "Colônia do Marçal", no eixo norte/nordeste deste município. O crescimento da população de São João del-Rei nos últimos anos, assim como a expansão de sua malha urbana, em direção as áreas periféricas da cidade vem nos despertando o interesse em entender os processos de produção e reprodução do espaço neste município. O bairro Colônia do Marçal, foi escolhido como objeto de pesquisa por apresentar, nos anos 2000, forte especulação imobiliária, abertura de diversos empreendimentos como loteamentos e condomínios fechados e aumento da densidade de infraestruturas urbanas, além de significativa elevação no valor dos imóveis. Esta área da cidade tem possibilitado uma investigação mais aproximada da questão problema. O bairro exibe elementos importantes do fenômeno de expansão urbana, marcado pelo rearranjo do lugar, ligado a um rearranjo sócioespacial da cidade como um todo. Consideramos o espaço urbano como o “resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço”; uma "instância social", uma manifestação da sociedade em seu processo histórico, ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 995 carregado de símbolos, de desigualdades, de descontinuidade e cheio de conflitos que caracterizam as diferentes formas de uso e ocupação da terra (SANTOS, 1988; CORRÊA, 2004). Dessa forma, evidencia-se um importante aspecto da metodologia desta pesquisa que é a análise materialista-histórica. Concordamos com Milton Santos, para quem o objeto de estudo da Geografia é o presente, sendo toda a análise histórica, apenas, o indispensável suporte para a compreensão do espaço (SANTOS, 1985, p. 19). A expansão urbana, nos moldes de um sistema capitalista de produção se faz alicerçada na propriedade privada da terra que será disputada pelos diferentes agentes sociais que atuam nos processos de produção e reprodução do espaço urbano. Nesse sentido, procuramos identificar e analisar as conexões do processo de expansão urbana de São João del-Rei e suas particularidades com a dinâmica econômica do capitalismo que atualmente apresenta-se como uma realidade global. Acreditamos que o mundo se revela nos lugares (TOLEDO, 2011). Pierre George (1983) nos alerta que a cidade não se constitui em uma entidade autônoma, de modo que essa se insere em um contexto histórico-espacial especifico, tendo relações fundamentais, inseparáveis com o meio ambiente e o estado de desenvolvimento da conjuntura em que se encontra. Sob este prisma, a cidade é vista como parte de um sistema urbano que se configura a partir de uma série de relações estabelecidas desde sua gênese, a qual afirmará seus limites e atuação no plano local, regional e global. Devemos observar que as transformações que acontecem no espaço urbano se dão cotidianamente nos arranjos e rearranjos espaciais em um processo histórico contínuo, engendrados por diferentes agentes. Daí a pergunta, quem são esses agentes sociais que produzem e consomem o espaço urbano? Como se dão as relações entre eles? Quais as forças sociais que dão movimento ao processo histórico de construção da territorialidade urbana? O espaço urbano capitalista - fragmentado-articulado, reflexo, condicionante social, cheio de símbolos e campo de lutas - é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendrados por agentes que produzem e consomem espaço. São agentes sociais concretos, e não um mercado invisível ou processos aleatórios atuando sobre um espaço abstrato. A ação destes agentes é complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capitais, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos conflitos de classe que dela emergem (LOBATO CORRÊA, 2004, p.11). ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 996 O espaço manifesta a racionalidade capitalista e tem o seu valor de uso submetido ao seu valor de troca em um processo que busca mercantilização completa de seu conteúdo material e imaterial, que se dá a partir do imperativo da propriedade privada da terra, que na sociedade capitalista é legitimado estruturalmente por um complexo e poderoso conjunto de mecanismos jurídicos, simbólicos, políticos, econômicos, ideológicos e sociais (LEFEVBE, 2000). Assim, nossa contribuição se dá no sentido de compreender se dão as dinâmicas de apropriação e transformação do espaço urbano, dos fluxos do capital imobiliário, da exploração da mais-valia por via da produção e consumo do espaço, geradas pelas contradições estruturais do modo capitalista de produção em São João del-Rei. 2. O ESPAÇO URBANO: AGENTES TRANSFORMADORES Roberto Lobato Corrêa (2004) sugere que há cinco agentes sociais como principais produtores e consumidores do espaço urbano. Conforme esse autor cada um dos agentes sociais atua de maneira complexa e diferenciada sobre o espaço urbano e suas ações são determinadas, de um lado, pela dinâmica da acumulação capitalista e, de outro, de maneira complementar e integrada, pelas necessidades de reprodução das relações sociais. Os cinco agentes apresentados por Corrêa são: 1° os proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais; 2° os proprietários fundiários; 3° os promotores imobiliários; 4° o Estado; e o 5° os grupos sociais excluídos. As ações desses agentes implicam em uma constante reorganização do espaço urbano determinadas pelas relações de produção, por ações complementares e muitas vezes conflitantes entre esses agentes sociais. Os agentes modeladores do espaço são colocados a serviço do capital, impelidos sobre a mesma racionalidade, embora de forma muito desigual, visando a incorporação de novas áreas ao espaço urbano e intensificando a densificação do uso do solo assim como deterioração de algumas áreas, além da renovação urbana e relocação diferenciada da infraestrutura e mudança, coercitiva ou não, do conteúdo econômico e social da parte da cidade(CORRÊA, 2004, p. 11). Correa (2004), ainda aponta que, no sistema capitalista, os diferentes agentes sociais que produzem e consomem espaço, agem dentro de um marco jurídico e que, longe de ser neutra, a esfera jurídica que define as leis de apropriação e uso da terra tende a privilegiar à classe dominante. Esses diferentes agentes podem estar integrados, direta ou indiretamente, atuando em diferentes frentes para otimizar o processo de acumulação. Assim as estratégias podem mudar no tempo e no espaço ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 997 de acordo com as circunstâncias e exigências históricas da ordem de reprodução capitalista (CORRÊA, 2004). Nas cidades brasileiras as diferenças socioeconômicas são evidentes, destacando o contraste que separa ricos de pobres, expressão clara de uma sociedade marcada pela profunda concentração de renda, em que o único acesso à moradia é a partir do mercado, de forma que os desprovidos de capital são excluídos, impelidos a habitar as regiões desinteressantes para o capital imobiliário, regiões periféricas, áreas de risco e em muitos casos em ocupações desordenadas e clandestinas, constituindo os grupos sociais excluídos que por meio da autoconstrução vão produzindo, conjuntamente aos outros grupos sociais, um espaço urbano marcado pela fragmentação, segregação e desigualdade. Os promotores imobiliários, segundo Lefebvre (2001, p.32) visam o lucro e promovem não só a venda de um imóvel, mas também de um urbanismo. Eles são grandes produtores do espaço urbano, pois cumprem o papel parcial ou completo das diferentes operações no processo de incorporação, que constitui a realização do capital-dinheiro em capital-imóvel, definindo a viabilidade técnica e econômica do empreendimento, tamanho, qualidade e comercialização do imóvel a ser colocado no mercado. O capital-imóvel é posto no mercado pelos profissionais de venda como corretores, planejadores de venda e publicitários convertendo capital-imóvel em capital-dinheiro, só que agora acrescido de lucro. É adequado ponderar que o papel do Estado na produção do espaço urbano merece certo destaque, porque além de funções muito especificas e diferenciadas ele, direta ou indiretamente, atua como um grande industrial, proprietário dos meios de produção, promotor imobiliário e proprietário fundiário e imobiliário em áreas estratégias das cidades, sendo um grande consumidor de espaço urbano. No entanto, o Estado tem como prerrogativa na produção do espaço o papel especifico de regulador do uso e ocupação do solo que se dará por vários mecanismos jurídicos e políticos. Porém, o mais esperado pelas diferentes frações de classes é sua função de provedor de infraestrutura e serviços públicos. O Estado capitalista, regido pelos desígnios do capital, vai expressar na produção concreta do espaço as contradições estruturais desse sistema e sua ordem de reprodução, utilizando de seu arcabouço institucional, jurídico e material para privilegiar interesses de determinados grupos, conforme as correlações de força estabelecidas no seu interior. 2.1 INCENTIVOS DO ESTADO E INICIATIVA PRIVADA ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 998 Em 1964 foi criado o primeiro incentivo para a moradia o Sistema Financeiro Habitacional (SFH) e o Banco Nacional de Habitação (BNH). Até aquele momento, nunca havia existido algo do tipo. O BNH teve como objetivo facilitar o acesso à moradia para todas as camadas sociais, mas com um foco em especial nas famílias de baixa renda. Com a crise econômica em 1970 houve desemprego, queda no salário e aumento da inflação, o que resultou na extinção do BNH em 1986, passando para a Caixa Econômica Federal todas as responsabilidades administrativas do BNH tornando-a a maior executora das políticas habitacionais do Governo Federal. O Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social articula-se nos três níveis de governo, e tem o objetivo principal a urbanização de favelas, realocação das famílias em áreas de risco entre outros por meio do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, FDS – Fundo de Desenvolvimento Social, FAR – Fundo de Arrendamento Residencial, Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e do OGU – Orçamento Geral da União. Atualmente, devem-se destacar as facilidades imobiliárias que os bancos têm oferecido em linhas de créditos com juros reduzidos, uma vez que, o imóvel é um bem muito caro de modo que sua comercialização depende muito de financiamento em longo prazo aos demandantes fiscais, por isso faz-se necessário a participação ativa do Governo Federal. O Sistema de Habitação de Mercado que atende a população de classe média e média alta que por meio de construtoras pode efetivar empréstimos e financiamentos em longo prazo, com juros reduzidos. Atualmente, para imóveis acima de 40 mil reais, a Caixa Econômica Federal financia até 80% do valor do imóvel em até 20 vezes. O atual governo utiliza um novo método para incentivar a construção civil, além dos incentivos já citados acima, a redução de IPI de algumas matérias de construção e toda a linha branca de eletrodomésticos. 3. O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO: UMA TENDÊNCIA MUNDIAL Acompanhando uma tendência mundial o Brasil vem apresentando um acentuado crescimento de sua população urbana desde o início do século XX, sobretudo a partir da segunda metade deste século. Em contra partida a população rural vem apresentando um decréscimo em igual proporção. Ocorre um fluxo migratório em direção as cidades, principalmente a partir da segunda metade do século XX. De acordo com os Censos Demográficos do IBGE, em 1950 a população urbana brasileira era de 18.782.891 de habitantes, sendo a taxa de urbanização de 36,1%. Com a urbanização crescente da população brasileira, a taxa de urbanização ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 999 em 1970 era de 55,9%. Em cinquenta anos, entre 1950 e 2000, a população urbana aumentou 633,4% e em 2000 era de 137.755.550 habitantes, o que corresponde a uma taxa de urbanização de 81,2%. A população urbana aumentou quase três vezes mais do que a população total nesses cinquenta anos. Para este processo contribuiu o intenso êxodo rural e o grande crescimento vegetativo da população. Se a progressiva queda nas taxas de fecundidade foi responsável direta pela forte desaceleração no ritmo de crescimento demográfico do país, de outro lado, as migrações internas tornaram-se fundamentais para se entender o processo de redistribuição espacial da população... Mesmo que as metrópoles e suas periferias continuem atraindo expressivos contingentes demográficos, a intensificação nos fluxos de emigrantes tem refletido diretamente no crescimento demográfico de vários núcleos urbanos fora das principais Regiões Metropolitanas brasileiras, tornando mais densa a rede de cidades em cada uma de suas regiões de influência (LOBO; TÉSSIA, 2011, p.163). O estado de Minas Gerais, onde se localiza a cidade estudada, tornou-se, em anos recentes o segundo estado mais populoso do Brasil, com uma população predominantemente urbana. De acordo com o IBGE, 82% da população de Minas Gerais vive em áreas urbanas. A urbanização se deu, sobretudo, nas regiões sul e sudeste do estado, onde se concentra a maior parte de suas indústrias. 4. ESPECIFICIDADES HISTÓRICAS DA FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA CIDADE DE SÃO JOÃO DEL-REI (MG) A descoberta de ouro no interior de Minas Gerais e do ouro de aluvião encontrado no rio das Mortes, que corta o município de São João del-Rei, foi o que atraiu os primeiros imigrantes para o local, assim como as jazidas auríferas encontradas em diferentes lugares da região. Em 1704 foram descobertas novas jazidas auríferas nos locais atualmente conhecidos como Alto das Mercês e Senhor dos Montes, entre esses locais de extração de ouro e às margens do córrego do Lenheiro ergueu-se um expressivo núcleo urbano conhecido na época de Arraial Novo do Pilar que veio a desenvolver-se no atual centro histórico de São João del-Rei. A vila de São João del-Rei foi elevada a categoria de cidade em 1838 com cerca de 1600 casas, distribuídas em 24 ruas. Já na segunda metade do século XIX contava com hospital, casa bancária, teatro, biblioteca, serviço de correio entre outras infraestruturas urbanas que era realidade em poucas cidades brasileiras, destacandose como pólo regional. Mas o que marcou sensivelmente o desenvolvimento urbano de São João del-Rei, ainda no século XIX, foi a chegada da estrada de ferro Oeste de ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1000 Minas, inaugurada em 1881 que ligava a região de São João del-Rei aos principais ramais da estrada de ferro D. Pedro II. Em 1888 chegou a primeira leva de imigrantes italianos ao município que também teve uma representatividade muito importante ao desenvolvimento urbano de São João del-Rei. A cidade ganha um novo impulso econômico com a instalação da Companhia Industrial São Joanense de Fiação e Tecelagem, que atraiu novas indústrias do ramo para a região, elevando o papel político da cidade no estado de Minas Gerais, que propiciou, na época, a indicação de São João del-Rei a sediar a capital do estado, que posteriormente as discussões levaram a definitiva escolha de Belo Horizonte como capital mineira. A forte industrialização do município de São João del-Rei no início do século XX, ligados a "setores tradicionais", como a produção de têxteis, bebidas, artefatos de couro, móveis laticínios entre outros, estendeu-se até o final dos anos 50 quando uma profunda crise se abate na região (GAIO SOBRINHO, 1997). A recessão econômica dos primeiros anos da década de 1960 e, na sequencia, o deslocamento efetivo do eixo da industrialização de Minas para a região central do estado e para os “setores não tradicionais” aceleraram a desindustrialização sanjoanense, tornando a mesorregião do Campo das Vertentes uma área de declínio econômico (CARNEIRO, 2003, p.4). A partir da década de 1970, a crise econômica, em nível mundial e nacional, refletem fortemente no município de São João del-Rei que já vinha passando por um processo de desindustrialização. Neste contexto, os já escassos recursos públicos diminuem, o que agrava o quadro de crise. A reorganização econômica do município acaba, nas décadas seguintes, por configurar uma economia baseada em atividades econômicas ligadas ao setor terciário. O comércio torna-se a principal atividade econômica no lugar. 5. O ATUAL PROCESSO DE EXPANSÃO URBANA DE SÃO JOÃO DEL-REI Recentemente, o município de São João del-Rei tem passado por um significativo crescimento de sua população, sobretudo urbana, como podemos constatar no gráfico 1. Gráfico 1: crescimento da População Urbana e Rural em São João del-Rei (1970-2010) ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1001 Fonte: Censos, 1970-2010, IBGE. Outro demonstrativo do crescimento da cidade é a expansão de imóveis e infraestruturas tipicamente urbanas em suas áreas periféricas, assim como um crescente processo, de adensamento e verticalização da mancha urbana Os altos preços dos imóveis próximos à região central da cidade e sua relativa escassez, assim como a impossibilidade de verticalização do centro histórico, pela Lei 3531, de 6 de junho de 2000, de conservação e preservação do patrimônio histórico e seu entorno (Figura 1), somados ao expressivo crescimento da população de São João del-Rei em anos recentes, tem levado os agentes imobiliários a lançarem novos empreendimentos em áreas mais afastadas, anteriormente ocupadas por uma população predominantemente de baixa renda, ou pela atividade agropecuária, elevando os preços dessas áreas. Em São João del-Rei temos vários exemplos de bairros com empreendimentos dessa natureza em andamento, como condomínios e loteamentos nos bairros do Bonfim, Tijuco, Matozinhos, Colônia do Marçal entre outros, expandindo e adensando a malha urbana desse município. Figura 1: Centro Histórico de São João del-Rei e seu entorno Fonte: Prefeitura Municipal de São João del-Rei, 2013. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1002 Figura 2: Município de São João del –Rei (bairros) - 2013 1003 Fonte: Google mapas, 2013. As áreas de transição entre as cidades e o meio tipicamente rural representam áreas de possibilidades de empreendimentos imobiliários, são “faixas de transição,” que permanecem como reserva de mercado, esperando a valorização imobiliária para que em tempos oportunos possam ser colocados no mercado. [...] Nessas bordas é comum encontrarmos grandes áreas servindo de pastagens, mas nada mais são que uma “maquiagem” para glebas mantidas como reserva de valor por empreendedores urbanos; são, assim, terras de especulação que serão convertidas tempos depois em loteamentos populares ou condomínios fechados de alto status, dependendo de sua localização (SOUZA, 2003. p. 07). A estratégia dos proprietários fundiários é obter, a partir do valor de troca da propriedade a maior renda possível, interessados especialmente pela exploração do uso comercial ou residencial de alto status, quando amenidades naturais conjuntamente a manipulação do espaço permitem. Buscam transformar áreas periféricas rurais em áreas urbanas já que a terra urbana é mais valorizada que a terra rural. Quando destinadas a população de baixa renda os promotores imobiliários buscam transformar essas áreas, pressionando o Estado, para que esse leve a infraestrutura necessária à urbanização. Essa pressão pode ser direta dos promotores imobiliários sobre o Estado ou indireta quando esses oferecem os loteamentos sem a infraestrutura adequada e a população que ocupa esses loteamentos se encarrega de pressionar o poder público para tal, na maioria das vezes ambas as estratégias são utilizadas. No caso de um público de alto poder aquisitivo, os promotores imobiliários ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 buscam, por conta própria, oferecer uma infraestrutura diferenciada que atenda o nível de exigências correspondente a uma clientela solvável. As estratégias supracitadas transitam de acordo as diferentes possibilidades de lucro da terra, expresso basicamente pela clientela que essa pode atender que se dará em função de múltiplos aspectos como a localização, amenidades naturais, infraestrutura, preço entre outros aspectos determinantes em um mercado definido por frações sociais com diferentes capacidades de solvência. Nas cidades capitalistas, a divisão sócio-espacial nos põe à mostra as diferenças de classes, expressas nas enormes disparidades de bairros, como aqueles de classes mais abastadas com alto poder aquisitivo e de classes de baixa renda e os variantes matizes intermediários entre esses, inclusive na oferta de serviços públicos que no plano discursivo deveriam atender a toda a população, sem distinção de classe. No entanto, o que vemos são alguns bairros bem equipados, com infraestrutura urbana, constantemente renovada, enquanto em muitos outros bairros são parcialmente ou mesmo completamente desprovidos de tais infraestruturas adequadas à dignidade de seus concidadãos; regiões da cidade tradicionalmente esquecidas, como em muitos bairros periféricos dessa cidade, revelando também as condições de poder assimétricas dos distintos grupos sociais para fazer valer seus interesses estruturalmente conflitantes. O Estado expressará nos lugares as diferentes formas de concretizar suas ações, que se dará conforme as forças que permeiam seu arcabouço institucional em suas diferentes esferas de poder. Assim a capacidade de mobilização, de articulações, das classes populares define seu papel na disputa pelos recursos do Estado. 6. O BAIRRO COLÔNIA DO MARÇAL Esse breve histórico do início da ocupação do bairro Colônia do Marçal tem como objetivo compreender certos elementos do processo de expansão urbana em São João del-Rei. É importante destacar que não é pretensão deste trabalho o aprofundamento da discussão historiográfica, mas apenas sinalizar alguns elementos socioeconômicos e políticos no desenvolvimento desse processo que deixaram marcas sensíveis nessa sociedade. O ano de 1888 é muito representativo na história do Brasil, de Minas Gerais, de São João del-Rei, e do bairro, pois foi o marco da abolição da escravatura no Brasil, ano da inserção do Estado mineiro na política nacional de imigração que buscava atrair imigrantes europeus para suprir sua necessidade de mão de obra. Neste mesmo ano, a primeira leva de imigrantes italianos veio para São João del-Rei ocupando a região da várzea do Marçal, atual Colônia do Marçal, atraídos por uma eficiente ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1004 propaganda orquestrada pelo governo brasileiro na Europa. Os acontecimentos apresentados em suas diferentes escalas estão interconectados, se completam e intercruzam na história (BUZATTI, 2007). A região hoje designada Colônia do Marçal foi escolhida pelas autoridades governamentais da época como a área para ser construído o núcleo de habitação dos colonos, pois a oferta de lotes de terras e a construção de habitações fazia parte da política nacional de imigração como forma de atração desta esperada mão de obra (TEXEIRA, 2011, p.43). Nesse sentido a denominada área foi ocupada pelos imigrantes. "Dos que não foram requisitados para trabalhar na zona rural, alguns ficaram estabelecidos no comércio da cidade e 86% foram destinados ao núcleo colonial situado na Várzea do Marçal" (TEXEIRA, 2011, p.47). É importante nos atentarmos ao papel ativo que o Estado em suas diferentes esferas de atuação teve como agente construtor do espaço nessa época, pois esse assumiu as múltiplas funções. Primeiro pela promoção da imigração com políticas e eficientes propagandas de atração de imigrantes estrangeiros, depois como promotor imobiliário com a aquisição de terrenos e a construção de habitações destinadas aos imigrantes. De acordo com o censo do IBGE, no ano 2000, o bairro apresentava 2723 domicílios e 7002 habitantes, já no ano 2007 apresentou 3576 domicílios e 9900 habitantes, representando um aumento, tanto de domicílios quanto de habitantes, muito significativo, ilustrando claramente que o bairro vem passando por fortes transformações com um acréscimo de imóveis e habitantes muito expressivo (IBGE, 2000 e 2007). As principais consequências da expansão urbana de São João del-Rei nos últimos anos identificadas especialmente a partir do bairro Colônia do Marçal, foco desta pesquisa, foram: a forte especulação imobiliária, com a abertura de diversos empreendimentos imobiliários como loteamentos e condomínios, assim como uma elevada valorização dos imóveis. De acordo com o setor de engenharia da prefeitura desse município estão projetados para o bairro Colônia do Marçal diversos empreendimentos imobiliários privados, tais como residenciais e loteamentos dentre os quais podemos citar os residenciais Village Paraíso da Serra, Recanto da Serra, Jardim Coloniais, Balviere, Vila São Pedro, Jardim Aeroporto, Rincão Del Rei, e loteamentos como Solar da Serra, Recreio Das Alterosas, Vila Do Carmo, Nascente do Sol, Paisagem Solar da Serra, Portal Vila Rica, Nossa Senhora da Conceição, entre outros. Muitos desses condomínios e loteamentos já estão efetivados ou em vias de efetivação outros ainda permanecem como projeto. O condomínio Village Paraíso da Serra, por exemplo, promovido pela empresa Bilache construções e incorporações ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1005 sediada em Belo Horizonte, é um projeto de construção de um condomínio de dezesseis prédios de três andares cada, com área de lazer e estacionamento, financiado pela Caixa Econômica Federal em parceria com o programa federal de habitação, “Minha Casa Minha Vida”, que apesar de ter quase todos os seus apartamentos vendidos em planta, ainda continua no “papel". A quantidade de empreendimentos ambicionados no bairro pode, de forma geral, ilustrar o quanto este está sendo foco da especulação imobiliária, inclusive de incorporadoras de outros municípios como no supracitado exemplo. Imagem 1: novas construções, demarcação de lotes e asfaltamento no Bairro Colônia do Marçal Fonte: os autores (trabalho de campo), 2013. Figura 1: Apesar de o Google Earth informar que a imagem é de 2013 acreditamos que ela seja anterior a data informada pelo fato da rua não estar asfaltada e o pouco número de casas. Figura 2: Construção de nova residência; Figura 3: Asfaltamento de uma nova rua e criação de novos lotes; Figura 4: Construção de nova residência. As consequências, do ponto de vista socioeconômico já foram citadas, como a forte especulação imobiliária e a valorização das casas tornando certas áreas do bairro fortemente elitizadas. Do ponto de vista da administração pública municipal uma clara elevação das demandas por serviços básicos como: calçamento de ruas, transporte, iluminação pública, saneamento básico que inclui abastecimento de água ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1006 potável, manejo de água pluvial, coleta e tratamento de esgoto, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, assim como outros serviços esperados pela população. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos que o movimento no sentido norte/nordeste do município, identificado no bairro Colônia do Marçal, tem se dado de forma cada vez mais expressiva, o que fica demonstrado, inclusive, pelos novos empreendimentos que vem sendo realizados no bairro, como os exemplos supracitados, assim como os dados fornecidos pelo IBGE do crescimento de domicílios e habitantes no bairro. Por meio de trabalho de campo percebemos que a procura por lotes/casas no bairro vem se intensificando com o passar do tempo. Observamos que em seis meses a quantidade de casas construídas e/ou em construção teve um significativo aumento e para comprovação disso foram realizadas entrevistas com algumas imobiliárias, sendo destacado que a população que procura a Colônia do Marçal é uma população de classe média e alta e que tem como requisitos uma infraestrutura de qualidade e uma maior liberdade de planejamento arquitetônico. Tudo indica que a ação dos proprietários fundiários e promotores imobiliários, com a colaboração do Estado (que assegura os equipamentos urbanos como redes de esgoto, água e luz), têm auxiliado na promoção da expansão urbana do município para aquela direção revelando que o capital imobiliário vem com a ajuda do Estado, representado aqui pela escala do poder público municipal, atuando diretamente na produção e consumo desse espaço especifico, fomentando a expansão urbana, a valorização dos imóveis com o consequente reforço da especulação imobiliária. Acreditamos também que os problemas socioambientais advindos da expansão urbana podem acentuar-se em toda cidade, tendo em vista que as políticas de planejamento e desenvolvimento urbana de São João del-Rei não tem demonstrado a devida atenção a tais questões, uma expressão da política de planejamento territorial urbano no Brasil que se apresenta de forma descontínua com políticas imediatistas a mercê das oscilações eleitoreiras e outros vícios da política nacional. Assim, participamos deste debate, entendendo as dificuldades, a complexidade e a diversidade de perspectivas que envolvem o tema, de forma que possamos oferecer o resultado de nossa perspectiva e de nosso esforço à compreensão das forças que dão movimento à transformação do espaço urbano dessa cidade especifica e que estão em andamento, carecendo continuamente de ser pensado. Referências bibliográficas ACSELRAD, H. Discursos da sustentabilidade urbana. 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