trabalho

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A LEITURA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:
RESPONSABILIDADE DE QUEM?
Maria Vitória da Silva – UFSCar / UESB
Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira – UFSCar
O trabalho ora apresentado é parte da minha pesquisa de mestrado que está em
fase de desenvolvimento. A motivação para este estudo tem origem na experiência
profissional, ao longo de doze anos, como docente e coordenadora em escolas da rede
estadual e municipal do Ensino Fundamental, em Feira de Santana – BA, em contato
com situações de leitura e escrita junto a alunos e professores.
O texto discute, inicialmente, a concepção de leitura enquanto um processo
complexo e contínuo, que se estende a toda a escolarização do indivíduo. Em seguida
apresenta reflexões sobre o que pode ser feito pelos professores das diversas disciplinas
nas séries finais do Ensino Fundamental para que o aluno desenvolva as suas
habilidades de leitor competente, tanto na escola como em situações extra-escolares que
envolvam eventos de letramento.
Resultados de avaliações nacionais e internacionais1 sobre o desempenho em
leitura dos alunos nos diversos níveis de ensino têm demonstrado que um número
significativo de alunos não consegue fazer uso da leitura e da escrita no seu cotidiano.
Tal constatação parece paradoxal, pois uma das finalidades da escola é favorecer a
apropriação do código escrito e, conseqüentemente, o uso desse conhecimento na vida
diária dos alunos.
A vida cotidiana é marcada pelo uso do código escrito e por práticas letradas
ainda que em contextos de oralidade - por exemplo, um noticiário de jornal, uma novela
ou uma música. Segundo Marcuschi (2001), esses exemplos são gêneros textuais que
apresentam uma concepção discursiva escrita e um meio de produção sonoro.
Na sociedade contemporânea, marcada pelo avanço da tecnologia da informação
e da comunicação, o indivíduo necessita cada vez mais dominar não apenas os
rudimentos da leitura e da escrita resultantes da apropriação do sistema escrito, como
também, fazer uso dessa tecnologia nas práticas cotidianas, tendo em vista que a lectoescrita enquanto fato histórico
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Relatório PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) 2000; INEP. 2003
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(...) se tornou um bem social indispensável para enfrentar o
dia-dia, seja nos centros urbanos ou na zona rural. Neste sentido, pode
ser vista como essencial à própria sobrevivência no mundo moderno.
Não por virtudes que lhes são imanentes, mas pela forma que se impôs
e a violência com que penetrou nas sociedades modernas e impregnou
as culturas de modo geral. Por isso friso, que ela se tornou
indispensável, ou seja, sua prática e avaliação social a elevaram a um
status mais alto, chegando a simbolizar educação, desenvolvimento e
poder. (MARCUSCHI, 2001,p.16-17)
Comungando com Marcuschi (2001), é possível afirmar que os usos da escrita
têm adquirido, ideologicamente, um valor social até superior à oralidade, impondo um
déficit ao indivíduo que não domina esse conhecimento, o qual é adquirido em
contextos formais de ensino, ou seja, na escola.
Nessa perspectiva, a escola, instituída socialmente como espaço de letramento
acadêmico, tem a responsabilidade de propiciar condições para que o desenvolvimento
dessa aprendizagem aconteça de maneira efetiva. A apropriação da leitura enquanto
“processo mediante o qual se compreende a linguagem escrita” (SOLÉ,1998, p.23) é de
responsabilidade de toda a escola numa perspectiva progressiva que se estende a todas
as séries do Ensino Fundamental. Pressupõe-se que à medida que o aluno passe para a
série subseqüente, a sua competência leitora aumente. Entretanto, como já foi afirmado
anteriormente, em várias situações, o aluno tem saído dos muros da escola sem o
domínio da competência lingüística. (PISA, 2000)
A leitura é uma “atividade complexa e plural, que se desenvolve em várias
direções” (JOUVE, 2002, p.17). Portanto, a escola precisa se transformar em um lugar
onde as razões para ler sejam intensamente vividas por todos os seus membros. E, ao
mesmo tempo, precisa assumir que a tarefa de formar leitores e usuários competentes da
escrita não se restringe apenas ao período de alfabetização nas primeiras séries e nem “à
área de Língua Portuguesa, já que todo professor depende da linguagem para
desenvolver os aspectos conceituais de sua disciplina” (BRASIL, 1998, p.31).
Entretanto, de maneira geral, percebe-se no interior da escola uma compreensão,
construída histórica e socialmente, de que a aprendizagem da leitura é responsabilidade
apenas do professor de Língua Portuguesa e do professor das séries iniciais do Ensino
Fundamental. Segundo Kleiman (1999), a leitura e a escrita precisam ser vistas pelos
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professores das diversas disciplinas como atividades de linguagem fundamentais para o
desenvolvimento do indivíduo na sociedade contemporânea.
A partir de alguns dados coletados previamente na escola selecionada para o
desenvolvimento desta pesquisa, é possível afirmar que essa visão aos poucos vem
sendo redimensionada. A princípio, verificou-se nas reuniões pedagógicas uma
preocupação de envolver todos os professores com o trabalho de leitura. Essa
preocupação estava atrelada ao fato de que no ano letivo de 2002, 47% dos alunos da 5ª
série tinham sido reprovados, sendo que nos anos subseqüentes esse índice continuou
elevado – os professores afirmavam que esse elevado índice de reprovação devia-se ao
fato dos alunos apresentarem dificuldades para ler e escrever ortograficamente. Na
opinião dos professores, os alunos liam apenas palavras ou frases simples, com pouca
compreensão.
Após várias discussões, ficou acordado que todos os professores deveriam
trabalhar com leitura em suas aulas, ou seja, deveriam ler para seus alunos, realizar
leituras coletivas e solicitar que alguns alunos lessem individualmente. Verificou-se
também, o empenho de alguns professores em articular o conteúdo específico da
disciplina com questões relacionadas ao código escrito.
Estas ações apresentam-se como um exercício de aprendizagem tanto para o
professor como para o aluno, que, por vezes, também já traz no seu imaginário a
concepção de que as demais disciplinas não precisam se preocupar com a leitura.
Vale destacar que vários obstáculos dificultam a efetivação do trabalho com a
leitura nas séries finais do Ensino Fundamental. Essa fase apresenta características
diferentes das séries iniciais: multiplicidade de professores; disciplinas que são
ministradas de maneira independentes; curto tempo de duração das aulas; grande
quantidade de alunos que cada professor tem por turma para completar sua carga
horária; entre outras.
Além das características citadas, observamos também como obstáculos: a
percepção de vários professores de que a leitura é uma questão apenas do professor de
Língua Portuguesa; a falta de domínio de um referencial teórico que embase a aquisição
da língua escrita; a falta de tempo para estudo, discussão e elaboração de atividades; a
baixa auto-estima dos alunos que não são alfabetizados ou apresentam dificuldades para
ler e escrever; a discrepância entre o nível de domínio da lecto-escrita dos alunos na
mesma sala – alunos não alfabetizados estão na mesma classe com alunos com
competências de leitura e escrita que os habilitam a estarem cursando a 5ª série.
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Apesar dos obstáculos elencados, é possível vislumbrar possibilidades de
superação por meio da inquietação e até da indignação de alguns professores ao
perceberem que seus alunos estão entrando e saindo da escola sem o domínio da leitura
e escrita; por meio do estudo da produção de conhecimento na área; da reflexão a partir
das vivências em sala de aula e de um trabalho coletivo.
A compreensão da leitura depende do conhecimento de mundo, do
conhecimento prévio de cada indivíduo e das leituras anteriores. É uma atividade
interativa, em que o leitor vai modificando sua visão de mundo a partir do diálogo com
o texto. Nessa perspectiva, o professor necessita mediar esse processo, por meio de
estratégias de leitura específicas, tendo em vista que cada disciplina tem as suas
especificidades (símbolos, códigos, expressões, nomenclaturas) que só um leitor
experiente é capaz de compreender. Por leitor experiente, entende-se aquele que tem um
tempo e uma diversidade de leituras maior que o aluno, que possui experiências de
leitura diversificadas e que é capaz de fazer inferências no texto a partir de outras
leituras.
É importante destacar que cada leitura é única e exige habilidades e
conhecimentos diferenciados, a depender do tipo de texto como, por exemplo: um
problema matemático, uma descrição de rochas, um poema, uma história em
quadrinhos.
Solé (1998) destaca que os professores, enquanto leitores experientes, utilizam
suas estratégias de leitura de forma inconsciente no seu cotidiano. Entretanto, na ação
pedagógica essas estratégias não são transpostas para atividades de leitura com seus
alunos, a fim de que possam ser ensinadas, contribuindo para dotar o aluno dos recursos
necessários para melhorar suas próprias estratégias. O ensino das estratégias de leitura
deve permitir que o aluno planeje a tarefa geral de leitura (seja na escola ou no
cotidiano) tendo em vista seus objetivos.
De acordo com Solé (1998) é necessário ensinar as estratégias de compreensão
leitora para formar leitores autônomos, capazes de aprender a partir dos textos, de
estabelecer relações entre o que lê e o que faz parte do seu acervo pessoal, de transferir
o que foi aprendido para outras situações. Para tanto, é necessário que todos os
professores da 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental se conscientizem da sua
responsabilidade junto ao professor de Língua Portuguesa para contribuírem com o
processo de letramento de seus alunos.
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Reiteramos que não existe uma fórmula específica que propicie ao aluno a
aprendizagem do código escrito, no entanto, a escola como um todo, enquanto “a mais
importante das agências de letramento” (KLEIMAN,1995,p.20), deve se responsabilizar
pelo processo de letramento dos alunos, deve se preocupar com suas leituras, com o
material que estes têm para ler, com o que justifica o fato de aprenderem. Faz-se
necessário que os professores se apropriem do que tem sido produzido sobre leitura e
escrita para enfrentar os dilemas da sala de aula, referentes a esse conhecimento, com
maior preparo e maleabilidade.
Para finalizar é imprescindível considerar que é necessária a realização de
estudos mais aprofundados, relacionados ao tema de leitura nas escolas de séries finais
do Ensino Fundamental, buscando elementos que possibilitem contribuir com a prática
dos professores das diversas disciplinas, visando à articulação entre os conteúdos
específicos e a leitura, como mediação no processo de aprendizagem do aluno.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental.Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
INEP. Qualidade da Educação: uma nova leitura do desempenho dos alunos da 4ª
série do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/INEP, ABRIL 2003.
JOUVE, Vincent. A leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
KLEIMAN, Ângela B; MORAES, Silva E. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo
redes. Campinas: Mercado de letras, 1999.
______ Ângela B.(org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a
prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de letras, 1995.
MARCUSCHI, Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 2ª ed.
São Paulo: Cortez, 2001.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. Trad. Cláudia Shilling. 6ª ed. Porto Alegre:
ArtMed, 1998.
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