O FUNCIONAMENTO DO DISCURSO DA SOBRE QUALIDADE COMO TRABALHO DA IDEOLOGIA NEOLIBERAL Leiliane Lopes da Silva(1); Ana Maria Di Renzo(2) Bolsista PIBIC/CNPq do PROJETO VOZES DA CIDADE; (2) Profa. Dra. Ana Maria Di Renzo - Orientadora (1) Resumo: O corpus desta pesquisa se constitui de entrevista com professores, diretores e pais, sujeitos que estão diretamente ligados à instituição escola. Os discursos desses sujeitos nos possibilitarão compreender quais os sentidos de “qualidade” são atribuídos ao ensino oferecido pela escola particular, ou seja, como se dá o efeito do trabalho ideológico que sustenta tal discurso, assim como o funcionamento da ideologia neoliberal que faz funcionar o sentido de qualidade em nossa sociedade atual. Esta pesquisa tem como referencial teórico a Análise de Discurso de linha francesa, que proporciona uma análise reflexiva do “discurso sobre” a Escola Privada como lugar da qualidade de ensino na relação com o ensino oferecido pela Escola Pública. É, pois, pela Análise de Discurso que poderemos compreender como um dizer funciona discursiva e historicamente por meio da materialidade da língua. Por essa razão, nos importa a Análise de discurso como o lugar que nos permite pensar a organização do texto com a existência, que reúne sentidos a partir de uma memória, no caso a memória “da qualidade de ensino”. Em síntese, o que nos interessa é compreender o significado de qualidade de ensino para a Escola Pública e para a Escola Particular e em que medida a política neoliberal está presente na concepção de qualidade. INTRODUÇÃO Esta pesquisa tem como principal objetivo analisar o funcionamento do discurso sobre qualidade no par “escola pública” e “escola particular”, a fim de perceber quais os sentidos que cada instituição adota como qualidade de ensino, dando visibilidade, nesse funcionamento, da ideologia neoliberal que legitima o sentido de qualidade no ensino ofertado em nossa sociedade. Nossas análises e reflexões serão realizadas pelo viés da Análise de Discurso, desenvolvida na França por Michel Pêcheux e, no Brasil, por Eni Orlandi (Unicamp). Essa inscrição teórica trabalha com a noção de discurso enquanto materialidade da linguagem, cujo funcionamento está marcado pela relação da língua com a ideologia e com a história. Os dispositivos teóricos de interpretação nos permitirão compreender o texto enquanto corpus e unidade de análise, considerando no funcionamento da língua o sujeito e a situação. Enquanto a materialidade da ideologia é o discurso, a materialidade deste é a língua. Logo, na Análise de Discurso a relação entre língua e ideologia é mediada pelo discurso, porque dentre outras questões, nos permite compreender que o sujeito é estruturado por uma relação com a memória e com a ideologia. Traçamos em nossa pesquisa o histórico da educação no país, passando pelos teóricos que discutem a escola como Althusser, Foucault, Petitat, Benjamin Constant entre outros. O que torna possível perceber a historicização do sentido de qualidade de ensino. O corpus dessa pesquisa se constitui de entrevistas com pais, diretores, professores sujeitos diretamente relacionados ao funcionamento da instituição escolar. Entrevistamos professores, especialmente, de Língua Portuguesa, a fim de perceber como tais profissionais estabelecem relações entre as práticas lingüísticas no espaço escolar e o sentido de qualidade no/do ensino. Os resultados das entrevistas realizadas com profissionais, pais e alunos tanto da Escola Pública como da Privada mostram que os sentidos de qualidade para a Escola Particular estão centrados na disciplina que envolve seus alunos, como também a que deve se submeter os funcionários. Essa concepção de “qualidade” vem sendo concebida historicamente, pois a chegada da República, na década de 20, ressignificou o movimento pela educação e, conseqüentemente, a busca pela qualidade do ensino oferecido, por meio de objetivos bem definidos, ou seja, organizar o trabalho no país era a forma de condensar as expectativas de modernização e controle social depositadas na educação. A escola foi então designada para prover de racionalização o trabalho escolar segundo o modelo da fábrica. Educar o país significou, naquele momento, impor um conjunto de dispositivos de distribuição de deveres que visaram a integração, dinamização, disciplinarização, e hierarquização das populações. Os estudos sobre a educação no sentido da qualidade, considerando o funcionamento ideologia neoliberal, são recentes no país, pois a partir da década de 90, com a implantação do modelo econômico e social que foi o neoliberalismo, é que essas discussões foram suscitadas. Com o neoliberalismo há um sucateamento do sistema público de proteção social e um apoio maciço as políticas de abertura financeira e comercial, tais como as privatizações, a noção de “publicização” implantada nesse período, retratando a transferência de serviços sociais públicos para o setor privado, sob o argumento de não serem considerados “atividades exclusivas” do Estado. Há então, com esse movimento, uma depreciação do público e uma valorização do privado como forma de isentar o governo de suas atribuições, passando-se a investir mais no privado, como por exemplo, na educação privada. Tem-se então, o germe do discurso da qualidade de ensino, que legitima o discurso de qualidade e superioridade da escola particular sobre a pública. O resultado dessa análise nos possibilita uma melhor compreensão da constituição dos sujeitos e dos sentidos e suas relações, em especial, nesta pesquisa, com o de sentido produzido pelos sujeitos sobre qualidade para a escola pública e para a escola privada. MATERIAIS E MÉTODOS A fundamentação teórica para a realização desta pesquisa é a Análise de Discurso de linha francesa. *Porque dentre outras questões, nos permite compreender que o sujeito é estruturado por uma relação com a memória e com a ideologia. O Corpus se constituiu de entrevistas com professores, diretores, pais e alunos de ambas as instituições, sobre as quais incidimos nossas análises a partir dos dispositivos teóricos e analíticos da Análise do Discurso. RESULTADOS /DISCUSSÃO Diferentes foram os sentidos de qualidade de ensino encontrados por nós na análise do corpus. Para a Escola Pública o sentido de qualidade está exatamente na estrutura física que possui a Escola Privada, utilizando-a como parâmetro para a definição de qualidade de ensino, reafirmando o funcionamento da ideologia neoliberal em valorizar o privado em detrimento do público. Já para a Escola Particular o sentido de qualidade está na disciplina, nos horários, no comportamento dos alunos. Na escola pública, qualidade de ensino é “poder construir juntos”, o que faz funcionar os discursos: “escola para todos” ou “amigos da escola” que desliza para ler juntos, debater com a comunidade, implícitos nos fragmentos retirados das entrevistas: “eu acho que o ponto positivo é você ter uma escola que o pai e a comunidade de uma forma geral ela pode participar, sugerir, modificar, é diferente dos métodos que você recebe pronto nas escolas particulares”. Ao contrário, na escola particular, os métodos são regulados ideologicamente pelas relações com o poder automático (as apostilas). Enfim, em nenhum momento o ensino das ciências, das letras e das artes, tampouco as políticas lingüísticas foram citadas como indicativos de qualidade de ensino para as duas redes de ensino. Por fim, ainda que nosso objetivo não fosse definir o que é qualidade de ensino para qualquer uma das redes, percebe-se que o que está posto no lugar de qualidade é “estrutura física”, “disciplina”, “autoridade”, “controle”, “uniformidade”. CONCLUSÃO Pelo resultado obtido com a pesquisa, torna-se necessário um outro estudo, desta vez direcionado para compreender como vem se desenvolvendo, no interior dessas escolas, as políticas públicas de ensino, principalmente no que diz respeito a leitura e escrita, já que o ensino das ciências, das letras e das artes sequer foram mencionados como indicativos de qualidade de ensino para essas instituições. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. 9º ed. Rio de Janeiro: Graal, 2003. ARANHA, Maria L. A; MARTINS, Maria H P. 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