DIABETES MELLITUS O termo diabetes mellitus (DM) aplica-se a um grupo de distúrbios metabólicos, de etiologia múltipla, que se caracterizam, bioquimicamente, por hiperglicemia crônica e, clinicamente, pelo desenvolvimento a longo prazo de complicações microvasculares (microangiopatia diabética). O diabetes mellitus deixou de ser apenas uma doença complexa para se tornar um problema relevante de saúde pública, em vista de sua prevalência elevada e ascendente, da morbidade e mortalidade determinadas pelas suas complicações crônicas e do seu enorme impacto social e econômico. No diabetes, a produção de insulina é deficiente, a glicose acumula-se no sangue e na urina, destruindo as células por falta de abastecimento. Insulina é o hormônio responsável pela redução da glicemia. Ela é um polipeptídeo de estrutura química plenamente conhecida, e pode ser sintetizada a partir de diversos animais. Mais recentemente, surgiram os medicamentos análogos de insulina, que não são propriamente a insulina em si, mas moléculas de insulina modificadas em laboratório. A insulina, de acordo com a duração do efeito, pode ser classificada em: curta duração ao redor de 6 horas; de efeito intermediário, com duração até 24 horas; e de longa duração ao redor de 36 horas. Já em relação ao tipo, há inúmeras preparações insulínicas, que variam de acordo com a origem e o tempo de ação. Os tipos são: regular, NPH, lenta, ultralenta, ultrarápida, lispro. As conseqüências humanas, sociais e econômicas são devastadoras: são 4 milhões de mortes por ano relativas ao diabetes e suas complicações, o que representa 9% da mortalidade mundial total. O grande impacto econômico ocorre notadamente nos serviços de saúde, como conseqüência dos crescentes custos do tratamento da doença e, sobretudo, das complicações, como a doença cardiovascular, a diálise por insuficiência renal crônica e as cirurgias para amputações de membros inferiores. 4 Em 1979, o National Diabetes Data Group (NDDG) classificou o diabetes mellitus em duas categorias principais: diabetes mellitus insulino-dependente (IDDM-DM tipo 1) e diabetes mellitus não-insulino dependente (NIDDM-DM tipo 2). Porém, em 1997, o Comitê de Experts da ADA recomendou a adoção de nova classificação, endossada logo a seguir pela OMS. Os termos IDDM e NIDDM foram eliminados, ficando apenas os termos tipo1 e tipo 2. O DM tipo 1 aplica-se à doença caracterizada por destruição da célula beta, com deficiência grave na secreção de insulina, sendo 95% causados por autoimunidade e 5% idiopáticos. Os pacientes geralmente são propensos à cetoacidose e requerem tratamento com insulina. Recentemente tem-se verificado um aumento de 3% a 4% na incidência anual do diabetes mellitus tipo 1 auto-imune (DM1A), com acometimento de crianças cada vez mais novas. Entretanto, também se tem observado que o DM1A pode surgir em qualquer faixa etária. O risco de desenvolver DM1A é fortemente influenciado pela população familiar para a doença. Aproximadamente 30% a 50% dos gêmeos monozigóticos e 3% a 6% dos parentes em primeiro grau de pacientes com DM1A desenvolvem a doença. Mas, a predisposição genética, embora necessária, não é suficiente para o desenvolvimento clínico da doença, já que 90% dos indivíduos com DM1A não têm parentes em primeiro grau com diabetes. O paciente acometido de diabetes tipo 1 requer tratamento continuado, durante toda a vida, sob a forma de substituição insulínica. Os objetivos terapêuticos do tratamento do paciente a longo prazo são a prevenção de microangiopatias associadas (retinopatia, nefropatia, neuropatia), a prevenção de complicações agudas, tais como, especialmente, hipoglicemias graves e cetoacidoses, bem como a obtenção de uma qualidade de vida limitada o menos possível pelo diabetes. O diabetes mellitus tipo 2 é a forma mais prevalente. Apresenta alterações etiopatogênicas e fisiopatológicas heterogêneas, como: disfunção das células 5 beta pancreáticas; aumento da produção endógena de glicose, induzidas por anormalidades genéticas e adquiridas; e resistência à insulina nos músculos, fígado e tecido adiposo. O termo “resistência à insulina” em humanos é frequentemente usado como sinônimo de redução da captação de glicose estimulada por insulina. No músculo, a resistência à insulina manifesta-se por redução na utilização de glicose pela via não-oxidativa, principalmente na formação de glicogênio. No fígado, a resistência à insulina leva à incapacidade de suprimir a produção hepática de glicose, mesmo na presença de hiperinsulinemia de jejum. No tecido adiposo, a resistência à insulina induz uma menor supressibilidade da lipólise, com maior liberação de AGL e glicerol. Os AGL podem agravar a resistência à insulina e alterar a secreção desse hormônio. As principais causas da resistência à insulina no músculo esquelético podem estar relacionadas a herança genética, obesidade e sedentarismo. Apesar de toda a pesquisa na área, não há, até o momento, um entendimento claro dos fatores que possam definir a predisposição genética para a resistência à insulina. Os objetivos terapêuticos primários para o diabetes mellitus tipo 2 são manter a qualidade de vida afetada o menos possível pela doença, ou seja, a prevenção de suas complicações agudas, dos sintomas de hiperglicemia, dos efeitos colaterais dos medicamentos, da excessiva morbidade e mortalidade cardiovascular e da microangiopatia. Os casos raros de DM foram classificados como “outros tipos específicos”, que são causados por defeitos genéticos na função da célula beta; defeitos genéticos na ação da insulina; doença do pâncreas exócrino; endocrinopatias; induzido por drogas ou agentes químicos; infecções; formas incomuns de DM imuno-mediado; outras síndromes genéticas associadas com DM; diabetes mellitus gestacional. 6 Os sintomas clássicos do diabetes são: poliúra, polidpisia, poligafia e perda de peso, pesar da fome aumentada ou normal. Até 1979 pelo menos cinco critérios distintos eram utilizados para se estabelecer o diagnóstico de DM, devido a dois fatos que tornam complexa a tarefa de se selecionar um nível de hiperglicemia que defina o DM: (1) a distribuição dos valores glicêmicos é unimodal na maioria das populações, e (2) o longo intervalo de tempo entre a instalação da hiperglicemia e o aparecimento de microangiopatia. Em 1997, a Associação Americana de Diabetes (ADA) sugeriu a priorização do diagnóstico através da determinação da glicemia de jejum. A solicitação de glicemia em jejum passou a ser considerada o padrão ouro para diagnóstico de DM. Porém, estudos mostram que o novo critério para glicemia em jejum (maior ou igual 126mg%) dobra aproximadamente o número de indivíduos classificados como diabéticos se comparado ao antigo critério (glicemia em jejum maior ou igual 140mg%). Sendo assim, o diagnóstico de diabetes mellitus continua sendo um desafio, e é essa a importância para que uma doença tão antiga tenha seus critérios diagnósticos modificados, para que não percamos de vista a importância de se manter a coerência e objetividade desses critérios. Como citado anteriormente, o diabetes mellitus é uma doença crônica de alta prevalência e elevada taxa de mortalidade no mundo. Essa doença apresenta complicações agudas, que ocorrem em função de alterações bruscas dos níveis de glicose sanguínea (glicemia), seja por aumento exagerado (hiperglicemia), seja por queda acentuada (hipoglicemia), onde ambas as situações são consideradas de emergência, uma vez que podem, potencialmente, se constituir em risco de morte. As complicações agudas do diabetes são, essencialmente, as situações de coma: coma diabético ou coma por cetoacidose, como hipoglicêmico e coma hiperosmolar. O coma diabético ou coma por cetoacidose só aparece no diabetes tipo 2 se houver grande estresse e mau controle metabólico. Por faltar insulina e haver 7 hormônios da contra-regulação em excesso, a gordura sofre alterações desagregando-se. A gordura é formada principalmente pelos triglicerídeos. Os triglicerídeos são quimicamente ésteres dos ácidos gordos e do glicerol. Os ácidos gordos libertam-se da gordura e entram na corrente circulatória. Estes ácidos gordos livres vão essencialmente para o fígado onde são convertidos nos chamados corpos cetónicos que vão, em grande quantidade, para o sangue. Porque são substâncias ácidas fazem baixar o pH sanguíneo e daí a acidose metabólica. Porque os corpos cetónicos têm o grupo químico cetona, daí a denominação de cetoacidose ou ácidocetose. O coma hiperosmolar é uma complicação das pessoas com diabetes tipo 2. Ocorre quando os valores da hiperglicemia são muito elevados. Não há formação de corpos cetónicos. Chama-se por isso, coma hiperglicémico, hiperosmolar não cetónico. Já o coma hipoglicêmico ocorre quando os valores das glicemias baixam muito. O nível a partir do qual aparecem sintomas é variável, mas considera-se, em geral, 40 mg/dl (plasma venoso). Há também as complicações crônicas que podem reduzir a quantidade e a qualidade de vida, como a microangiopatia diabética que tem como conseqüência nefropatia diabética e retinopatia diabética; a macroangiopatia diabética que tem como conseqüência deficiência circulatória em órgãos como o cérebro, o coração e os membros inferiores, causando derrames, infartos, úlceras nas pernas e gangrena nos dedos dos pés; e por último, a neuropatia diabética, que leva a uma perda da sensibilidade nervosa, formigamentos, impotência, alterações digestivas, urinárias e circulatórias, ressecamento da pele, lesões, úlceras de pernas e pés. Sabe-se que existe uma estreita relação entre a duração do diabetes e a prevalência da retinopatia diabética. A retinopatia diabética nada mais é do que um conjunto de alterações retinianas e vítreas e é a principal causa de cegueira entre 25 e 75 anos de idade. Estudos epidemiológicos norte-americanos, realizados no início da década de 1980, mostram que, para o diabetes mellitus tipo 1 (DM1), diagnosticado 8 antes dos 30 anos de idade, a prevalência de retinopatia diabética varia de 17% em pacientes com menos de cinco anos de duração do diabetes, a 98% em indivíduos com diabetes há mais de 15 anos. Para o DM1, a prevalência de retinopatia diabética proliferativa quinze anos após o início do diabetes, é de 25%. Embora seja mais difícil precisar o início do diabetes mellitus tipo (DM2), também existe uma estreita relação entre o tempo de duração da doença e prevalência de retinopatia diabética. Sabe-se também, através de dados epidemiológicos, que a hipertensão arterial é pelo menos duas vezes mais comum em indivíduos diabéticos do que na população geral e que, a hipertensão arterial é o maior fator de risco para o desenvolvimento da nefropatia. Em pacientes com diabetes mellitus tipo 1 observa-se que, entre os portadores de microalbuminúria, a incidência de hipertensão é de 15% a 25%, aumentando para 75% a 85% naqueles com nefropatia clínica, ou seja, macroalbuminúria. Embora não haja unanimidade quanto à relação temporal entre hipertensão arterial e nefropatia, os estudos indicam uma estreita ligação entre hipertensão e microalbuminúria, ambas surgindo precocemente no curso da nefropatia diabética tipo 1. Em contraste, no diabetes tipo 2, a associação entre hipertensão artéria e doença renal não é tão evidente. Em 40% a 50% dos casos, a hipertensão arterial é anterior ao diagnóstico do diabetes, embora os níveis tensionais aumentem à medida que progride a nefropatia. A incidência de nefropatia nos diabéticos tipo 1 era em torno de 4% nos primeiros 10 anos de diagnóstico, acelerando-se rapidamente para valores de 40% aos 25 anos de doença e voltando a declinar para 4% nos pacientes com mais de 30 anos de tratamento. Porém, devido a um tratamento dirigido para um controle estreito da glicemia e o desenvolvimento da detecção precoce de proteínas pela urina através da dosagem de microalbuminúria, a incidência de doença renal aos 20 anos de doença caiu de 30% para 9%. 9 Como já foi falado, é comum pacientes que têm diabetes ter hipertensão e, a coexistência de diabetes e hipertensão, no mínimo duplica o risco de evento cardiovascular. A doença cardiovascular é responsável por aproximadamente metade das mortes relacionadas ao diabetes. Haffner et al. Demonstraram que ser portador de diabetes eleva o risco de infarto do miocárdio, em proporção semelhante ao risco obersvado em pacientes com história de infarto prévio, porém sem diabetes. Outra complicação crônica no diabético são as neuropatias. A polineuropatia diabética é a forma mais comum de apresentação clínica das neuropatias diabéticas. O paciente tem uma alteração da sensibilidade nas extremidades inferiores, relata formigamento, dormência, dor. Isso tudo evolui no sentido ascendente. Além de dor e desconforto, os dois acontecimentos mais ameaçadores para a vida do diabético provocados pela polineuropatia são: o favorecimento à instalação do pé diabético e da artropatia diabética. Úlceras nos pés e amputações de membros inferiores são as principais responsáveis pela morbidade e gastos relacionados às complicações do diabetes. Segundo Levin, os problemas dos pés são responsáveis por 20% das internações de diabéticos. Há 50 anos, Joslin indicou que a gangrena dos pés não era uma inevitável conseqüência do diabetes. A identificação e a redução dos fatores de risco, a melhoria dos cuidados com os pés, a utilização de medidas como o uso de calçado para proteção dos pés, palmilhas de acomodação e amortecimento, remoção dos calos e lubrificação da pele são condutas que devem acompanhar a identificação do risco e a informação ao paciente. A mudança no estilo de vida do diabético, como a alimentação correta e exercícios físicos são essenciais para a prevenção, já que esses pacientes tendem a ter uma alimentação inadequada e são sedentários. O exercício regular é a atividade mais 10 importante que você pode fazer para controlar o açúcar sanguíneo e reduzir o risco de complicações diabéticas. O exercício fornece benefícios adicionais para os diabéticos, como: melhora na sensibilidade à insulina, que resulta em uma diminuição na quantidade necessária para manter o nível sanguíneo normal de açúcar; diminuição nos fatores de risco cardiovascular, com um aumento no HDL colesterol e uma redução no LDL colesterol e nos triglicerídeos circulantes; ênfase na fibrinólise (aderência reduzida das plaquetas sanguíneas e menos possibilidade de formação de coágulos, que levam ao infarto ou ao acidente vascular cerebral); melhora no estado psicológico e na administração do estresse associado ao diabetes ou a outros fatores; aumento na massa muscular e redução na gordura, que contribuem com uma melhora na sensibilidade à insulina e, por último, melhora em potencial no controle glicêmico geral, se o açúcar sanguíneo for monitorado e se forem feitos ajustes na dieta e nas medicações. O corpo precisa da disponibilidade de uma certa quantia de insulina circulante durante o exercício: quando reduzida, pode causar um resposta hormonal excessiva, que por sua vez eleva o nível de glicose sanguínea e a produção corporal de cetonas. Por outro lado, se o nível de insulina circulante for alto durante a atividade, poderá inibir a liberação de alguns hormônios que elevam a glicose e seus efeitos. Sem as ações desses hormônios, a taxa de captação de glicose sanguínea do músculo pode exceder a produção de glicose pelo fígado, resultando na hipoglicemia. É importante saber que indivíduos com perda significativa de sensibilidade nos pés devem evitar caminhar em esteiras ou ao ar livre, correr, etc. Nesses casos, os exercícios mais recomendados são: natação, ciclismo, remo e exercícios realizados na posição sentada. Casos com retinopatia proliferativa não tratada ou tratada recentemente devem evitar exercícios que aumentem a pressão intraabdominal, que tem efeito semelhante à manobra de Valsalva. Outro fator que deve ser levado em consideração é que indivíduos com risco cardiovascular >10% em 10 anos ou com sintomas de neuropatia autonômica que 11 desejam praticar exercícios vigorosos, se eram anteriormente sedentários, devem ser encaminhados ao cardiologista para orientação. Enfim, o diabetes mellitus é um doença crônica para a qual ainda não se obteve a cura. Assim sendo, as pessoas diabéticas têm que conviver com essa doença por toda vida. Tudo o que um diabético pode fazer é ter autocuidado, que nada mais é do que um conjunto de práticas exercidas com o intuito de conservar-se sadio, recuperar sua saúde ou de minimizar os efeitos de uma doença sobre sua vida. 12 Bibliografia: ADA Americam Diabetes Associaton. Armstrong DG, Nguyen HC, Lavery LA et al. Offloading the diabetic foot wound. 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