MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 62ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COM ARCA DE NATAL DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Avenida Marechal Floriano Peixoto, 550, Tirol – CEP 59020-500 – fone/fax: (84)3232-7180 A Sua Senhoria Luiz Roberto Leite Fonseca, Secretário Municipal de Saúde de Natal, e Sua Senhoria Cosmo Mariz (ou substituto no cargo), Presidente do Sindicato dos Agentes de Saúde do Rio Grande do Norte (SINDAS/RN) (Com cópia para o Procurador-Geral do Município de Natal, Dr. Carlos Santa Rosa Castim) Procedimento Preparatório nº 01.2015.6589-6 (PP nº 007/2015) Objeto: Acompanhar as medidas adotadas pela SESAP e SMS diante da alteração do padrão da ocorrência da microcefalia no estado Recomendação Ministerial nº 004/2015/62PmJ O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, por intermédio de seu representante que esta subscreve, no exercício das atribuições conferidas pelo art. 129, incisos II e III, da Constituição Federal, combinado com o art. 6º, inciso XX, da Lei Complementar Federal nº 75/93, no art. 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 8.625/93, e no art. 69, parágrafo único, alínea “d”, da Lei Complementar Estadual nº 141/96 e, ainda, Considerando que, nos termos do art. 127 da Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis; Considerando que o artigo 129, II, da Constituição Federal estabelece que é função do Ministério Público "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia"; Considerando que nos termos dos arts. 196 e seguintes, o acesso amplo, universal e com completa cobertura ao Sistema Único de Saúde integra o rol dos direitos individuais e coletivos do contexto sistemático da Constituição Federal; Considerando a previsão contida no artigo 2º, §1º, da Lei nº 8.080/90, que determina: •"art. 2º, §1º: O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que 1/6 assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação". Considerando que, desde o dia 06 de novembro de 2015, os agentes de combate às endemias do Município de Natal encontram-se em greve, conforme notícias divulgadas na imprensa local; Considerando que tramita nesta 62ª Promotoria de Justiça de Natal o Procedimento Preparatório nº 01.2015.6589-6, que tem como objeto o acompanhamento das ações de combate ao aumento dos casos de microcefalia; Considerando que, como confirmado pelo Ministério da Saúde, o aumento drástico dos casos de microcefalia nos bebês nascidos na região Nordeste está vinculado à transmissão do zika vírus através do mosquito Aedes aegypti; Considerando que, além da microcefalia, há a indicação de transmissão, pelo zika vírus, da Síndrome Guillain-Barré, doença neurológica rara e grave e que pode acometer o indivíduo em qualquer idade, com centenas de registros em 2015 nos vários estados do Nordeste, inclusive com 33 (trinta e três) casos confirmados no Rio Grande do Norte; Considerando que, além do próprio zika vírus e suas complicações, o mosquito Aedes aegypti é o vetor transmissor de outras doenças graves e presentes no nosso cenário epidemiológico, que são a dengue e a chikungunya, sem desconsiderar o risco de outras moléstias, como a febre amarela urbana; Considerando o crescimento assustador e diário dos casos de microcefalia no Nordeste em comparação com os anos anteriores, como se pode observar da compilação de dados contidos no sítio do Ministério da Saúde 1(dados até 28/11/2015), com os seguintes números do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, que são os três estados com maior incidência: CASOS DE MICROCEFALIA EM INVESTIGAÇÃO: ESTADO N° DE CASOS ATÉ 28/11/2015 PERNAMBUCO 646 PARAÍBA 248 RIO GRANDE DO NORTE Obs: Segundo informação oferecida em reunião pela SESAP em 02/12/2015, são 89 casos 79 1 http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/20925-ministerio-divulgaboletim-epidemiologico http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/novembro/30/coes-microcefalias---informe-epidemiol-gico---se-47.pdf http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/20805-ministerio-da-saudedivulga-boletim-epidemiologico 2/6 CASOS DE MICROCEFALIA NOTIFICADOS POR ANO: UF 2010 2011 2012 2013 2014 Pernambuco 7 5 9 10 12 Paraíba 6 2 3 5 5 Rio Grande do Norte 2 2 4 0 1 CASOS DE MICROCEFALIA NOTIFICADOS POR ANO NO BRASIL Brasil 2010 2011 2012 2013 2014 153 139 175 167 147 EVOLUÇÃO DAS NOTIFICAÇÕES DA MICROCEFALIA: UF 17/11/15 24/11/15 28/11/15 02/12/15 Pernambuco 268 487 646 - Paraíba 21 96 248 89* Rio Grande do Norte 39 47 79 *Segundo informação oferecida em reunião pela SESAP Considerando que, conforme dados de 28/11/2015 do Ministério da Saúde, neste ano de 2015, já existem 5 (cinco) óbitos em decorrência da microcefalia no Rio Grande do Norte; Considerando que o Estado do Rio Grande do Norte é o primeiro em número de mortes por microcefalia notificadas no país e o terceiro em números absolutos de notificações da doença2; Considerando que o combate e eliminação dos focos do mosquito Aedes aegypti são as únicas maneiras de prevenir novos casos de microcefalia nos 2 http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/novembro/30/coes-microcefalias---informe-epidemiol-gico---se-47.pdf 3/6 bebês e a síndrome de Guillain-Barré, decorrentes do zika vírus, além da dengue e chikungunya; Considerando que os agentes de combate às endemias são os únicos profissionais que atuam diretamente no combate aos focos do Aedes egypti, e que qualquer redução nos quadros desses profissionais trará prejuízo efetivo ao combate desse trabalho Considerando que o Estado do Rio Grande do Norte, por meio do Decreto nº 25.710, de 02 de dezembro de 2015, declarou situação de emergência em decorrência de todo esse cenário; Considerando que o Município de Natal decretou estado de emergência em Saúde Pública na sua rede de saúde, por meio do Estado do Rio Grande do Norte, por meio do Decreto nº 10.904, de 02 de dezembro de 2015; Considerando que, segundo informações veiculadas na imprensa pelo Secretário Municipal de Saúde de Natal, a Procuradoria-Geral do Município de Natal manejará, nesta data, demanda judicial questionando a legalidade do movimento grevista dos agentes de combate às endemias3; Considerando que se aproxima o período de chuvas, inclusive com previsão de antecipação da quadra chuvosa para a segunda quinzena do mês de dezembro de 2015 no Rio Grande do Norte4, que torna o ambiente propício para a proliferação do Aedes aegypti; Considerando que, embora não regulamentado o direito à greve no serviço público, o Supremo Tribunal Federal já decidiu serem a estes aplicáveis os dispositivos da Lei de Greve, no que couber; Considerando, todavia, que existe precedente do mesmo Supremo Tribunal Federal que excepciona esse direito de greve a algumas categorias, como aos servidores da saúde, nos seguintes termos: “Ocorre, contudo, que entre os serviços públicos há alguns que a coesão social impõe sejam prestados plenamente, em sua totalidade. Atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça --- onde as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária --- e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito” (Rcl 6568/SP)5. Considerando que, em se reconhecendo como viável a extensão do direito à greve aos servidores da saúde, o art. 9º da Lei Federal nº 7.783/89 (Lei de Greve) estabelece ser obrigação do sindicato ou comissão de negociação manter durante a greve equipes de profissionais para assegurar os serviços cuja paralisação resultar em prejuízo irreparável; 3 4 5 http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/bom-dia-rn/videos/t/edicoes/v/governo-do-rn-quer-convocarexercito-para-ajudar-no-combate-ao-zika-virus/4651069/ http://tribunadonorte.com.br/noticia/estado-tera-antecipaa-a-o-de-chuvas/298221 http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28greve+sa%FAde+eros+grau %29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/opw7caw 4/6 Considerando que pela mesma lei são serviços essenciais a assistência médica e hospitalar (art. 10, inciso II); Considerando que, segundo previsto no art. 11 da Lei de Greve, nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, não sendo possível, pois a suspensão de serviços; Considerando que a Lei de Greve não prevê percentual fixo para manutenção dos serviços durante o movimento paredista, sendo este percentual identificado de acordo com a necessidade de cada caso e dependendo do serviço que a greve atinge; Considerando que a referida lei define como necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, se não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população; Considerando que, diante do surto de microcefalia (que vem trazendo consequências irreversíveis e incalculáveis à população) e da decretação de estado de emergência pelo Município de Natal e Estado do Rio Grande do Norte em razão deste, qualquer percentual de adesão dos agentes de combate às endemias ao movimento paredista é inapropriado; Considerando que, mesmo que se entenda como possível e legal, o exercício do direito de greve deve se compatibilizar com outros direitos assegurados constitucionalmente, dentre eles, o direito à saúde; e Considerando que o não atendimento dos serviços obrigará o Ministério Público a adotar providências necessárias, inclusive de persecução criminal, caso seja configurada alguma conduta delituosa, sem prejuízo da interposição das respectivas ações de indenização por danos materiais e/ou morais cabíveis. RECOMENDA: a) ao Sindicato dos Agentes de Saúde do Estado do Rio Grande Norte (SINDAS/RN) que: a.1) em relação aos agentes de combate às endemias, se abstenham de afastar do trabalho de campo qualquer profissional que esteja apto a exercer sua função, mantendo a força de trabalho em sua totalidade, até que seja apreciado o pedido de análise de reconhecimento de ilegalidade da greve pelo Poder Judiciário e, caso seja reconhecida como legal, que seja garantido um percentual mínimo de 75% (setenta e cinco por cento) dos servidores em atividade, diante da decretação de estado de emergência municipal e estadual, em decorrência do surto de microcefalia e outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti; e 5/6 a.2) se abstenha de realizar qualquer manifestação ou movimento que impeça ou dificulte o acesso de usuários aos prédios onde estão instalados os serviços de saúde, assim como na sede da Secretaria Municipal de Saúde, sob pena de responsabilização; e a.3) proceda a devida comunicação desta recomendação a todos os sindicalizados, a respeito das consequências de recusa na prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, especialmente na possibilidade de responsabilização criminal, civil, administrativa e ética daqueles que obstarem, recusarem ou omitirem, de qualquer forma, a imediata assistência da pessoa em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, de modo a garantir o seu pleno cumprimento. b) à Secretaria Municipal de Saúde de Natal, que mantenha aberta e constante a negociação com as categorias dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, empreendendo todos os esforços legais no sentido da construção de uma solução célere ao impasse, minimizando os danos experimentados pela população. Neste sentido, o cumprimento da presente recomendação deve ser imediato e o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte acredita no bom senso e no poder de negociação da entidade sindical e da Secretaria Municipal de Saúde de Natal, com vistas a um exitoso processo de discussão, sob pena de serem tomadas outras medidas cabíveis, assinalando o prazo de 05 (cinco) dias para oferecimento de resposta. Publique-se. Natal/RN, 03 de dezembro de 2015. ___________________________________ Marcelo Coutinho Meireles Promotor de Justiça Substituto 6/6