“Borderline: a natureza eminentemente destrutiva nas relações

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“Borderline: a natureza eminentemente destrutiva nas relações”
Ilckmans Bergma Tonhá Moreira Mugarte
Maria Alexina Ribeiro
Universidade Católica e Brasília - UCB
RESUMO
O estudo visa a apresentação de um estudo de caso com diagnóstico de borderline,
dando ênfase à organização do transtorno psicopatológico e sua dinâmica familiar,
através do método de Rorschach e da abordagem sistêmica. Foram priorizados os dados
associados às defesas, às verbalizações e as respostas dadas à representação de si e
representação de objeto ao teste. A complexidade das representações de si e do outro no
borderline apontam para a compreensão dos padrões de relacionamentos e o
estabelecimento dos vínculos nesses sujeitos. O objetivo dessas análises foi identificar
associações entre identidade, as relações, os vínculos afetivos e os estilos parentais
como possíveis indicadores na personalidade borderline. O estudo demonstra como o
paciente borderline apresenta dificuldades nos limites, nas fronteiras e em manter
relações íntimas e duradouras com as pessoas. Estas associações caracterizam a natureza
eminentemente destrutiva nas relações do borderline.
Palavras-chave: borderline, vínculos afetivos, relações familiares, teste de Rorschach
1 – INTRODUÇÃO
O "Transtorno Borderline" tem sido definido em termos descritivos, pelo
Diagnositic and Statistical Manual, IV edition - DSM IV (APA, 2003) como um
transtorno de personalidade que aponta para nove critérios de diagnóstico, sendo cinco
suficientes para sua identificação. São eles: um padrão de relacionamentos interpessoais
instáveis e intensos; esforços frenéticos para evitar um abandono real ou imaginário;
perturbação da identidade; impulsividade; ameaças suicidas ou comportamento
automutilante; instabilidade afetiva; sentimentos crônicos de vazio; raiva e dificuldade
para controlar a raiva; e ideação paranóide transitória.
Alguns autores alertam para a importância de se verificar o processo de
formação e dissolução dos vínculos afetivos nos quadros Borderline. Segundo Agrawal,
Gunderson, Holmes e Lyons-Ruth (2004), os distúrbios nos vínculos afetivos sobre a
organização da personalidade borderline, demonstram estar ligados ao apego inseguro,
isto é, ligados às relações que não favorecem sentimentos de segurança e valorização.
De acordo com Bowlby (1969/1990) as relações de apego desenvolvem
referenciais internos que permitem ao sujeito, estabelecer trocas recíprocas com o outro
e a criar expectativas sociais positivas. Quando não há o predomínio destes sentimentos,
instalam-se as interações aversivas e as expectativas negativas nas relações. A partir
desse tipo de interação, a disponibilidade para o outro é diminuída e, geralmente se
evidencia momentos de estresse, instabilidade, insensibilidade, manifestações de
sentimentos de raiva, agressão e falta de empatia nas relações, presentes nos sintomas
borderline.
Com o objetivo de compreender os padrões de relacionamentos que o sujeito
portador do transtorno borderline estabelece com si mesmo e com os outros, procurouse associar os dados referentes à identidade, as relações, os vínculos afetivos e os estilos
parentais como possíveis indicadores na personalidade borderline. O ambiente familiar,
como sendo o primeiro laboratório para as trocas afetivas, adquire relevância no estudo
do transtorno borderline, no sentido de que as configurações familiares podem
influenciar ou repercurtir sobre a formação dos vínculos do sujeito. A história de vida
destes sujeitos, geralmente é marcada por um funcionamento familiar bastante
comprometido, denotando um contexto instável, caótico ou inseguro. Vários autores
(Bradley & Westen, 2005; Carvalho, 2004; Figueiredo, 2003; Reich & Zanarini, 2001;
Russ, Heim, & Westen, 2003; Villa & Cardoso, 2004) sinalizam que estes são os
precursores para a organização de personalidade borderline. Além disso, estão
associados as experiências traumáticas, histórico de negligências, abusos e violências de
diversas ordens.
Muitos autores (Cowan, 1997; Donley, 1993; Marvin & Stewart, 1990;
Minuchin, 1985) apontam que observações encontradas nos contextos familiares,
permitem um entendimento sobre os padrões interacionais. As dificuldades encontradas
nesses sujeitos giram em torno dos limites, às fronteiras e em manter relações íntimas e
duradouras com as pessoas ou sobre a construção dos vínculos. Os padrões interacionais
refletem na qualidade dos relacionamentos com o meio social. Assim o contexto
familiar não pode ser desprezado quanto às suas implicações na formação da empatia
com os outros ou sobre o sofrimento psíquico e as repercussões na má formação dos
vínculos afetivos em sujeitos com transtorno borderline.
A fim de atender os objetivos desse estudo, foi relevante analisar as relações no
contexto familiar. Verifica-se a importância de compreender as experiências e a história
familiar que colaboram ou não para as características de vinculação afetiva entre pais e
filhos, os padrões de apego estabelecidos e sua relação com a manifestação dos
sintomas
borderline.
Com
este
propósito, verificou-se
que
o
padrão
dos
relacionamentos são enraizados pela família e podem favorecer ou influenciar a
formação dos vínculos primários e, estes estão intimamente ligados à capacidade que o
sujeito tem para desenvolver as habilidades nos relacionamentos interpessoais futuros.
Outra linha útil na compreensão destes transtornos é abordar a dimensão do
funcionamento da personalidade do sujeito, verificado por estudos qualitativos, a partir
da utilização do método de Rorschach. Existem estudos (Romaro & Loireiro, 1997;
Chabert, 1999, Traubenberg, Silva & Yazigi, 2004; Vaz & Santos, 2006; Westen e
cols., 1990; Zilberleib, 2006) que têm tratado as dimensões da identidade e das relações
objetais em pacientes borderline. Neste estudo foi dada prioridade às respostas ao
Rorschach quanto às verbalizações de defesas, à representação de si e a representação
de objeto que evocaram a fragmentação, desvalorização, manipulação, necessidade de
gratificações dos objetos, impulsividade e dificuldades egóicas.
Assim, caracteristicamente a personalidade borderline, segundo vários autores
(Bradley & Westen, 2005; Bradley, Zittel e cols., 2005; Fonagy & Target, 2000;
Kernberg, 1995). é marcada por fragilidades nas vinculações afetivas, já que estes
fazem uso de defesas primitivas e manifestam dificuldades acentuadas no processo de
individuação e difusão da identidade. A falha no contexto da identidade é demonstrada
pela falta de integração do conceito de self, onde o sujeito apresenta um grau alto de
respostas defensivas, centradas no mecanismo de clivagem e identificação projetiva.
Além disso, há uma tendência do sujeito em pensar de forma egocêntrica, tornando
difícil a sua convivência com os outros, além de estabelecer uma natureza eminente
destrutiva nas relações pela dificuldade em diferenciar-se e de perceber os demais.
Chabert (2004) explora a questão do senso de identidade, através do eixo de
representação de si, onde afirma que no borderline há uma falta de identidade integrada
e esta é permeada por sentimentos de vazio crônico. A experiência subjetiva sobre as
percepções de si e dos outros tornam-se contraditórias, empobrecidas e superficiais. Não
há uma representação do EU de maneira integrada.
Segundo Traubenrberg (1998), a representação de objeto no borderline evoca
respostas de medo, abandono, vazio que provocam uma forte sensibilidade à rejeição, o
temor à solidão e ao conflito com o outro. Embora o borderline tenha uma necessidade
de conexão com os outros, na tentativa de preencher o vazio interno, manifesta-se diante
deste outro com sentimentos de raiva e ódio, decorrentes de sensações de rejeição,
incompreensão ou vitimização.
Sobre a complexidade dos aspectos representacionais e das vicissitudes da
constituição psíquica do transtorno borderline, o método de Rorschach e a abordagem
sistêmica mostraram-se complementares para o estudo, como meios de identificar as
categorias e as variáveis envolvidas no fenômeno da vinculação humana, possibilitando,
deste modo, propostas teórico-metodológicas compatíveis com tal complexidade.
2 – OBJETIVO
“Identificar associações entre identidade, as relações, os vínculos afetivos e os estilos
parentais como possíveis indicadores na personalidade borderline”.
3 – MÉTODO
3.1 – Pesquisa qualitativa: por meio do estudo de caso
3.2 – Participante:
Família de AMILY: formada pela mãe, 69 anos, pai, 70 anos, Any, 47, diagnosticada
com Transtorno borderline e , Emily, 44 e Jony 40.
4 – ANÁLISE DOS DADOS:
1) Dados do Teste de Rorschach:
Foram analisados os protocolos de Rorschach de acordo com a escola francesa
(ANZIEU, 1986; CHABERT, 2004; RAUSCH DE TRAUBENBERG, 1998).
2) Dados das entrevistas:
-Foram analisados de acordo com o método construtivo-interpretativo de Gonzáles Rey
(2002).
5 – INSTRUMENTOS
-Roteiro de entrevista semiestruturada do Ciclo de Vida Familiar;
-Teste de Rorschach.
6 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.1 – Any, sua família e as relações
1ª Zona de Sentido: “sempre tive que ser só” – experiência traumatizante de Darly
Retrata a história da mãe de Any (Darly) que teve que aprender a viver sozinha
porque sua mãe se suicidou quando ela tinha 5 anos. Passou a morar na casa de
parentes. Mudou várias vezes, passando a morar com vários tios, onde teve que se
adaptar a cada ambiente, onde expressavam sentimentos de ajuda e de humilhação.
2ª Zona de Sentido: “a gente se basta” – construção da família nuclear
Retrata o casamento de Sra Darly com Sr João e o nascimento dos filhos. Sra
Darly conta que não foi bem aceita na família de Sr João, que era de uma família
tradicional do interior de São Paulo, enquanto ela era de origem pobre da mesma região.
A sogra não aceitou o casamento e as vezes a humilhava também. Tiveram 3 filhos. Os
filhos nasceram no interior de São Paulo, mas o casal resolveu mudar de cidade.
Mudaram para Brasília, onde construíram a família nuclear em meio ao conflito com a
família de origem e sem grandes recursos financeiros. O Sr João era o provedor,
enquanto Sra Darly era dona de casa e cuidava dos filhos. Segundo relatos, a família se
bastava com esta dinâmica, ou seja, não estabelecida contatos interpessoais ou tinham
comunicação com as famílias de origens.
3ª Zona de Sentido: “Brasília permite viver numa relação de cada um por si” –
trajetória da vida de Any
Any até a adolescência não manifestou comportamentos que causasse
estranhamento, sempre foi boa aluna, começou a trabalhar cedo. Casou-se aos 25 anos.
No período do seu casamento passou a se isolar da família, com visitas raras à casa da
mãe e dos irmãos. A família diz que não percebia o afastamento de Any como algo
estranho.
Seu marido (Joaquim), com quem ficou casada por 15 anos não tinha um bom
relacionamento com a sua família. A relação com ele era regido pela submissão e
dependência emocional. A família tinha a impressão que ele a dominava. Não havia
interferência da família nesta relação.
Any perdeu um filho antes de nascer e nunca mais quis engravidar. A família diz
que ela nunca demonstrou sentimentos de dor ou algo parecido em relação a este
episódio de vida, apenas não falava sobre o assunto. O episódio de perder um filho na
vida de Any pode ter sido um marco em relação às perdas. A vivência da falta
caracteriza uma angústia e este vazio pode traduzir uma experiência borderline.
O casamento foi desfeito porque Any descobriu que ele tinha um caso com outra
mulher. Após a separação nunca mais se falaram. Alguns anos antes do término do
casamento, Any saiu de um trabalho estável para abrir um negócio com o marido. Ao
término do casamento a família soube que havia um rombo financeiro. No caso da
separação, uma das características do borderline é o ressentimento, que dependendo da
vulnerabilidade narcísica pode tornar-se indomável, violento e duradouro, provocando
desejo de vingança e ruptura relacional.
As relações entre os irmãos eram estabelecidas por meio indireto, a comunicação
só acontecia com trocas de ironias, sem muita intimidade ou confiança. Any tinha uma
maior abertura com a irmã (Emily), mas exercia sobre ela um controle, pois vivia lhe
emprestando dinheiro e segundo a irmã ela cobrava em tom de humilhação todas as
vezes. Emily destaca que sua irmã não tinha muitos amigos, mas que nos poucos
contatos ela estabelecia a superioridade sobre o outro, como descreve: “ela tinha sempre
algo na ponta da língua ... mas era algo que detonava o outro...tinha um tom de
arrogância e desqualificação do outro”. A irmã já presenciou várias humilhações de
Any com as pessoas, desde as empregadas domésticas aos amigos. Conta que quando
uma amiga ia casar ela tinha sempre um comentário inconveniente do tipo: “esta
aliança parece mais um bambolê”...”Pra quê este vestido se você está gorda” etc. A
irmã relata que vê poucas manifestações de carinho de Any, ela não é de agradar as
pessoas, de dar presentes em datas comemorativas, passa sempre uma frieza nos
contatos que estabelece.
Ao mesmo tempo, a irmã relata que nos ambientes onde Any é pouco conhecida,
ela oscila em termos de manifestar-se de maneira agradável com as pessoas. Any emite
mecanismos de clivagem, ou seja, ora se identifica com o objeto bom ora com o mau.
Esta alternância caracteriza a dinâmica típica da personalidade borderline que acentua a
sua inconstância e instabilidade nas relações.
Quando Any é questionada sobre as relações diz que “Brasília permite viver
numa relação de cada um por si” – para justificar que não procura estabelecer contatos
com as pessoas, prefere manter-se distante delas. Após a separação teve que procurar
ajuda familiar para suporte financeiro em relação às dívidas que havia adquirido. Após
esta reaproximação com a família, Any tem manifestado comportamentos regredidos,
passou a exigir a presença da mãe pra tudo e segundo a irmã: “passou a controlar a
vida dos pais em todos os aspectos, desde a escolha da empregada à rotina da casa”. A
irmã diz que como ela sempre esteve afastada, hoje é difícil frequentar a casa da mãe
quando ela está perto, pois ela quer controlar tudo.
4ª Zona de Sentido: “as pessoas e os médicos acham que eu vivo no vazio” – Sobre os
sintomas borderline
Nos últimos 3 anos, Any tem piorado os comportamentos agressivos
direcionados aos outros. Any sempre se recusou a procurar ajuda especializada. Nestes
últimos anos emagreceu muito, chegando a pesar 40 kg sendo que tem 1,65m. A mãe
exigiu que ela passasse um tempo em sua casa para alimentar-se direito. Durante este
período, foi levada pelos pais em médicos que a diagnosticaram com o transtorno
borderline.
Segundo o que os dados indicam, Any utiliza um funcionamento regressivo no
enfrentamento de crises e utiliza o corpo como meio de expressar seu sofrimento. Além
disso, emite o comportamento de retomar a relação primitiva com a mãe, ou seja, ser
alimentada por ela novamente.
Any, segundo os pais, passou a viver uma adolescência tardia, com
comportamentos estranhos que ela nunca havia manifestado. Passou a idolatrar a
cantora Amy Winehouse. Enquanto a cantora era viva fez novas dívidas para
acompanhar algumas turnês da cantora fora do país. Relatam que a filha antes não bebia
e agora já chega bêbada em casa. Após a morte da cantora, Any passou a se vestir como
ela e a manifestar alguns comportamentos parecidos.
Any utiliza o mecanismo da identificação projetiva, ou seja, encontra no outro
(Amy Winehouse), ilusoriamente a possibilidade de se tornar o outro, sem correr o risco
de deixar de ser ela mesmo. Esta projeção é sobre aquilo que ela não reconhece em si.
Este mecanismo é utilizado pela maioria das pessoas, mas é a intensidade e a qualidade
que determina se este mecanismo é patológico ou normal.
A mãe diz não entender a postura da filha, pois ela sempre foi boa aluna, uma
pessoa bem sucedida. Agora não trabalha mais, vive com estes comportamentos e
depende financeiramente e até emocionalmente dos pais novamente. Ao que parece
Any, como não reconhece o outro, volta contra si mesmo.
Any ainda não manifesta consciência de suas dificuldades, apenas relata que “as
pessoas e os médicos acham que eu vivo no vazio”. Any hoje não tem amigos para se
relacionar. Com os irmãos, não consegue interagir. Any diz que suas dificuldade são
porque as pessoas não a entendem, então ela prefere viver no seu mundinho. Any parece
se defender contra a angústia, apresentando uma identidade difusa, onde não se conhece
por dentro ou por aquilo que sente, mas por aquilo que os outros lhe dizem que ela é.
Ao que tudo indica Any vive uma ansiedade de separação intensa, típica da
personalidade borderline, onde liga-se ao outro mais por necessidade do que por afeto.
6. 2 - Dados do Rorschach
Representação de si
Integração da identidade
Any evoca um aumento de respostas globais que indicam um traço egocêntrico.
Demonstra a ausência de si mesmo integrada e ao mesmo tempo respostas de texturas
que expressam uma necessidade de contato. As representações são expressas por
imagens boas e más, o que corresponde a um ego contraditório, dissociado através do
mecanismo de clivagem. Any traz a representação de caricaturas, máscaras, objetos
bons e maus representados por: magos, bruxas, personagens de filmes, pessoa
meditando, etc.
Prancha I
R2 – “(...) enxergo uma máscara para Halloween”.
“(...) Halloween porque é de coisa para assustar”.
“(...) A Textura é escura para assustar”.
R4 – “(...) Consigo visualizar 2 pessoas de costas, uma encostada na outra,
como se fossem iguais, como se fosse um reflexo”.
R5 – “(...) Dá para ver reflexo, duas metades idênticas. Uma bruxa com nariz
comprido”.
Any manifesta dificuldades na adaptação às situações novas, passa a não
estabelecer diferenciação entre o interno e o externo e sente-se invadida. A necessidade
de simetria reflete uma busca de organização psíquica, já que se percebe de maneira
desorganizada e fragmentada.
Prancha V
R5 – AH!!! “(...) Tem 2 perfis de rostos, masculinos, idênticos, aquele queixo
pra frente e pontudinho...não é um desenho delicado...por isso masculino”
Esta resposta traduz a representação que Any tem de si mesmo, como tendo dois
perfis, que reflete a problemática da sua identidade. Segundo Chabert (1999), a Prancha
V revela a identidade pelo ponto de vista psíquico e explica fragilidade narcísica. Neste
caso, há muita proximidade identificatória de Any à prancha, ou seja, ela se percebe
como tendo dois perfis e um deles muito provavelmente não é de uma pessoa delicada.
Autoimagem
As respostas de simetria são vistas como uma identificação projetiva, o sujeito se
projeta em um mundo desorganizado (como o de Amy Winehouse). Ela provavelmente
se vê como “uma bruxa de nariz comprido”. Ao utilizar termos como “igual” ou
“idêntico”, instala um conflito direto ao conteúdo das respostas, pois estes termos
confirmam a história do sujeito. Como apresenta nas seguintes respostas:
R5 – “(...) Dá para ver reflexo, duas metades idênticas. Uma bruxa com nariz
comprido (Prancha I)
R1 – “(...) Dois duendes brincando. Dois idênticos. Não como se fosse idênticos.
Como se fossem gêmeos ... Colocaram o papel com figuras idênticas”. (Prancha
II)
R1 – “(...) Este aqui é como se fossem 2 seres magros girando”.
“(...) Sempre dois idênticos”. (Prancha III)
R5 – “(...) AH!!!-Tem 2 perfis de rostos, masculinos, idênticos, aquele queixo
pra frente e pontudinho”.
Representação de Objeto
Identificação com as figuras parentais
Prancha IV
Any demonstra certo respeito às figuras de autoridade (“ele é rei, está de
coroa”), mas manifesta certa reação à textura (pele), ou seja, demonstra certa
fragilidade em relação à figura paterna, provavelmente por um histórico de castigo ou
surra (“tiram o couro”). A noção de neblina ou tempo nublado pode indicar
sentimentos obscuros ou que não deseja enfrentar.
R1 – “(...) Isso aqui é uma rã aberta, tiram o couro, osso, está preparada para
fritar ou para ir para o forno... A pele dela e não ela (textura da pele)”.
R2 – “(...) NOSSA! Aqui (riu) eu já vi como se fosse um dragão de frente/só a
cara dele/ ele é rei, está de coroa.”.
R3– “(...) Também dá pra ver a formação rochosa. Como se fosse neblina. O
tempo está nublado”.
Prancha VII
Any, em relação à figura materna emite respostas direcionadas ao conteúdo de
imagens de satélite e raio X, que representam um desejo de controlar as ansiedades
frente às suas frustrações, através de recursos intelectuais. O sujeito tende a voltar-se
para o mundo interno, utilizando recursos introspectivos para manter certo
distanciamento e sem manifestar a emoção envolvida. Por outro lado, pode-se
caracterizar como um mecanismo que permite ao sujeito tolerar melhor a sua ansiedade.
R1 – “(...) Ah!! Este é um desenho visto de satélite. Foto de relevo, de uma área
que tem água. Sempre relaciona com o mar... as partes brancas é a terra”.
R2 – “(...) Um cogumelo planta, não é o de explosão atômica não”.
R3 – “(...) Eu vejo também, mais ou menos, a parte do corpo humano, quadril,
como se estivesse vendo o corpo humano num raio X, como se fosse a estrutura
óssea”.
R4 – “(...) Dois tigres, como se estivessem de boca aberta, rosnando um para o
outro. Não seria uma coisa agressiva, não sei como um tigre vai fazer isso sem
ser agressivo, mas...”.
Prancha IX
As respostas de Any sugerem uma mobilização dos conflitos, tensões e angústias
existenciais que não consegue elaborar, como expressa nas respostas:
ESTE! ESTE! EITA CARAMBA
R1 – “(...) Esse aqui é como se estivesse vendo o perfil do relevo terrestre, como
se tivesse tirado uma fatia da terra, vê os níveis da terra”.
RI: “(...) Um vulcão ... como se tivesse saindo bolha “.
Esta resposta de “vulcão” traduz uma representação violenta como meio de
expressar a ausência (“como se tivesse tirado uma fatia da terra”), que sinaliza o medo
de perder o objeto.
Any demonstra uma angústia de invasão, representada pelo choque ao branco e
que representam o vazio interior. Os “vãos brancos” sugerem uma necessidade de
preencher este vazio, como na resposta à Prancha II:
R1 – “(...) Também dá um visual de um tipo de máscara para fantasia que
aparece nestes vãos brancos ... Tem um vão para a orelha ... O olho redondo já
sugeriu uma máscara”.
Ao mesmo tempo, Any evoca uma resposta agressiva (Kob) como mecanismo
de defesa ao vazio. Além disso, apresenta uma defesa à sua representação, quando
completa: “Como se fosse um desenho animado”, com intuito de amenizar a
agressividade, como expressa na resposta à Prancha II:
R2 – “(...) Como se fosse uma nave espacial com fogo vermelho saindo uma
chama embaixo do foguete ... Como se fosse um desenho animado”.
7- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo análises deste estudo pudemos constatar a falta de habilidade de Any
em estabelecer uma relação intersubjetiva entre o interior e o exterior. A fim de avaliar a
totalidade de fatores que caracterizam o funcionamento borderline, foi possível
identificar associações entre a identidade, as relações, os vínculos afetivos à esta
intersubjetividade. O estudo demonstrou um quadro amplo sobre a dinâmica afetiva e
psicológica do indivíduo. A integração dos dados através dos métodos de Rorschach e
da abordagem sistêmica nos fez refletir sobre como as relações estabelecem uma
interdependência à organização da personalidade borderline.
Ambos os dados confirmaram as dificuldades de Any em estabalecer fronteiras,
limites e em manter relações íntimas e duradouras com as pessoas. A qualidade de suas
respostas demonstraram um distanciamento afetivo em quase todas as modalidades de
relação, mesmo com pessoas mais próximas, como são as relação entre pai/mãe e filho e
entre irmãos.
A projeção e o aparecimento de expressões de conflitos psíquicos e de temas
específicos nos fez compreender o modo de funcionamento de Any. Os dados oferecem
informações essenciais para traçar estratégias a fim de reestabelecer os vínculos, a partir
de recursos que favoreçam os sentimentos de valorização e apoio. Acredita-se que nesta
fase, Any estará mais aberta a aprender novas formas de se relacionar, até mesmo
porque hoje já permite que a família se aproxime dela.
A intenção é propor um estudo mais aprofundado sobre a personalidade
borderline, fazendo uma articulação entre o contexto terapêutico e o ambiente familiar.
A proposta é ampliar espaços para o acolhimento às dificuldades de Any. Os dados
demonstram esta inconsistência sobre a identidade que se confronta com uma maciça
expressão das necessidades emocionais. Desta forma, entender o funcionamento da
dinâmica familiar no contexto da personalidade borderline, torna-se um requisito
fundamental na compreensão dos vínculos. A visão ampla das abordagens teóricas
visam desenvolver a necessidade de caracterizar cada vez mais a dinâmica relacional em
casos como este, já que é justamente a falta que dá origem a natureza eminentemente
destrutiva do borderline.
8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS
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