Desenvolvimento e estudo de estabilidade de formulações

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Revista de Ciências
Farmacêuticas
Básica e Aplicada
Rev Ciênc Farm Básica Apl., 2014;35(3):385-392
ISSN 1808-4532
Journal of Basic and Applied Pharmaceutical Sciences
Desenvolvimento e estudo de estabilidade de
formulações extemporâneas de uso oral a partir de
comprimidos comerciais contendo espironolactona
Aline Marques Rosa1; Mirella Carla Galana Gerlin1; Isabella Correa Alcântara1; Rubia Adrieli Sversut1; Teófilo Fernando
Mazon Cardoso1; Patrik Oening Rodrigues1; Marcos Serrou do Amaral2; Nájla Mohamad Kassab1*
1
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil.
2
Instituto de Física, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil.
RESUMO
INTRODUÇÃO
O objetivo desse trabalho foi desenvolver e avaliar
a estabilidade de formas farmacêuticas líquidas
extemporâneas, a partir de amostras comerciais
(comprimidos), contendo espironolactona, para que
possam ser empregadas em pacientes pediátricos ou
adultos com dificuldade de deglutição. A metodologia
empregada para a análise do teor e da estabilidade
do fármaco espironolactona nos comprimidos e nas
dispersões utilizando água, carboximetilcelulose (CMC)
1,5% e xarope simples foi a Cromatografia Líquida
de Alta Eficiência (CLAE), utilizando coluna de sílica
C18 (250 mm x 4,6 mm x 5 µm), fluxo de 1 mL/min,
comprimento de onda 240 nm e fase móvel metanol:água
(75:25 v/v). As formulações extemporâneas foram
analisadas durante 35 dias nas temperaturas de 8, 27
e 40 ºC. A dispersão aquosa apresentou teor muito
abaixo do esperado, com variações significativas em
todas as temperaturas, devido à rápida sedimentação.
A dispersão aquosa de CMC 1,5% apresentou teor
adequado na temperatura de 27 ºC com variações
indesejadas nas demais temperaturas. A dispersão
de xarope simples apresentou-se estável nas três
temperaturas, com teor adequado e sem variações
significativas. Não foi observado produto de degradação
em nenhuma das formulações propostas. Por ser
de fácil preparação, autoconservante, estável e de
sabor agradável, a dispersão de xarope simples é a
formulação extemporânea recomendada, pois garante
teor satisfatório por dose e, portanto, favorece aumento
à adesão e à eficácia do tratamento.
Palavras-chave:
Pediatria.
Cromatografia
líquida.
Formulações extemporâneas. Edema. Hipertensão arterial
e dispersão.
A maioria dos medicamentos disponíveis no
mercado nacional não apresenta forma de dosagem de
uso pediátrico, pois grande parte deles está sob as formas
farmacêuticas de comprimidos e cápsulas. Indivíduos
adultos que apresentam dificuldades de deglutição e
crianças são os pacientes que mais sofrem, pois não
conseguem ingerir facilmente estes produtos (Allen,
2000a). A carência de formas farmacêuticas pediátricas
adequadas obriga os médicos a recorrer ao uso de
comprimidos triturados, dissolvidos em solventes ou
administrar o conteúdo das cápsulas. Por conseguinte,
estas fórmulas se administram sem informação a
respeito de sua biodisponibilidade, eficácia e toxicidade
(Calderón-Guzmán et al., 2012).
Na prática, uma vez que o medicamento está
disponível no mercado para uso adulto, também se
utiliza em crianças fora das indicações autorizadas. As
fórmulas com doses para adultos frequentemente são
manipuladas pela equipe de enfermagem do hospital, ou
são preparados de maneira improvisada pela farmácia
hospitalar, para satisfazer a necessidade de pequenas
doses para pacientes pediátricos internados. Estas
manipulações podem requerer, por exemplo, cortar e
esmagar comprimidos, distribuir e mesclar fármacos
com outros agentes antes de sua administração.
Estas práticas expõem a um risco elevado de erros
porque a biodisponibilidade dos fármacos depois
de tais manipulações é muitas vezes desconhecida
e imprevisível. Também falta informação sobre
sua compatibilidade e estabilidade, além de trazer
riscos de inexatidão de dose, contaminação, perda de
estabilidade, incompatibilidade e interações (CalderónGuzmán et al., 2012; Costa et al., 2009a).
Nos EUA é comum a prescrição de medicamentos
off label, isto é, quando um medicamento é indicado ao
paciente de maneira diferente daquela indicada pela bula
ou autorizada pela Anvisa para pacientes pediátricos,
principalmente os hospitalizados (Paula et al., 2011;
Autor correspondente: Nájla Mohamad Kassab – Centro de Ciências
Biológicas e da Saúde, Curso de Farmácia - Laboratório de Tecnologia
Farmacêutica, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Caixa Postal
549, CEP 79070-900, Campo Grande-MS, Brasil.
E-mail: [email protected]
Formulações líquidas de espironolactona
Costa et al., 2009b; Brito, 2012), como por exemplo, as
formulações extemporâneas de espironolactona.
A literatura relata que muitos medicamentos
que não estão disponíveis comercialmente na forma
líquida foram preparados de modo extemporâneo.
As formulações extemporâneas desempenham um
importante papel na terapêutica, principalmente na
clínica pediátrica e especialmente em crianças menores
de seis anos de idade, já que nesta faixa etária são
incapazes de ingerir comprimidos ou cápsulas (Allen,
2000b).
Geralmente, formulações extemporâneas são
facilmente preparadas e permitem flexibilidade de
dosagem. Tais formulações devem conter excipientes
adequados para uso pediátrico e assegurar a
palatabilidade, além da estabilidade física, química e
microbiológica (Salgado et al., 2005).
A espironolactona inibe a ação da aldosterona
através da sua ligação ao receptor de mineralocorticoides,
impedindo sua translocação nuclear (Bhattacharya
& Alper, 2009). É um fármaco empregado na clínica
pediátrica para o tratamento de hipertensão arterial,
edema associado à excreção excessiva de aldosterona,
insuficiência cardíaca e hipopotassemia, porém, a única
forma farmacêutica disponível no mercado nacional é
o comprimido para uso oral (Pinto & Barbosa, 2008;
Royal Children’s Hospital, 2010).
Segundo Cortizas et al. (2003) a espironolactona
é utilizada por 6,1% dos pacientes pediátricos e
representa 2,6% das prescrições em seis hospitais
espanhóis. Além de ser o medicamento mais utilizado
como forma magistral (2,5% das prescrições),
preparado como suspensão. A espironolactona é um dos
medicamentos frequentemente referido pelos médicos
como inexistente na forma líquida para uso oral, porém
necessário (10,42%), sendo um dos mais prescritos
(15,13%), e uma dos mais receitados em subdoses
(Costa et al., 2009a).
Até o momento, foram encontrados apenas
dois trabalhos na literatura científica relatando o
desenvolvimento de formulações líquidas contendo
espironolactona. A estabilidade das preparações
extemporâneas desenvolvidas por Salgado et al. (2005)
foi avaliada exclusivamente na temperatura de 22 ±
3 0C, enquanto que Mendes et al. (2013) avaliaram
a estabilidade da suspensão de espironolactona,
desenvolvida a partir da matéria-prima, nas temperaturas
de 5 ±¬ 3 0C e 25 ± 2 0C.
Assim, o presente trabalho teve por objetivo
desenvolver e avaliar a estabilidade físico-química de
formulações extemporâneas de espironolactona para
uso oral infantil, uma vez que não existem disponíveis
comercialmente formulações adequadas à administração
pediátrica,
empregando
como
metodologia
a
cromatografia líquida de alta eficiência para o estudo de
estabilidade e determinação do teor de fármaco presente
na forma farmacêutica.
386
MATERIAL E MÉTODOS
Reagentes, solventes e equipamentos
A metodologia empregada para a análise do fármaco
espironolactona como Substância Química de Referência
(SQR) e nas formas farmacêuticas de comprimido e
dispersões utilizando água, carboximetilcelulose (CMC)
1,5% e xarope simples foi a Cromatografia Líquida de
Alta Eficiência (CLAE), utilizando Cromatógrafo DionexThermofisher® modelo Ultimate 3000 acoplado a um
detector UV/VIS e coluna de sílica C18 (250 mm x 4,6
mm x 5 µm). A fase móvel constituiu-se de metanol:
água (75:25 v/v), conforme metodologia desenvolvida
por Laxman et al. (2010), comprimento de onda e vazão
foram empregados 240 nm e 1,0 mL/min, respectivamente.
Os comprimidos utilizados para o desenvolvimento das
formulações foram Aldosterin® – 100 mg, lote D709004,
do laboratório Cellofarm. A SQR de espironolactona foi
adquirida do laboratório DEG/FRAGON, lote 100408,
98,58% de pureza. Todos os solventes empregados foram
de grau espectroscópico e analítico e a água purificada foi
obtida pelo equipamento Direct®-Q 3.
Obtenção da curva de calibração
Diluiu-se 12,5 mg da SQR com metanol em balão
volumétrico de 25 mL e obteve-se a solução estoque
de 500,0 µg/mL. Diluições seriadas foram realizadas,
empregando fase móvel a partir da solução estoque. Assim,
resultaram as concentrações de 8,0; 12,0; 20,0; 28,0 e 32,0
µg/mL de espironolactona. A curva foi obtida a partir de
médias aritméticas de resultados analíticos obtidos em
triplicatas para cada concentração.
Determinação do peso médio e teor de substância ativa
nos comprimidos
O teste consistiu na pesagem individual de 20
comprimidos. Após este procedimento se determinou a
média aritmética, o desvio padrão (SD) e o coeficiente
de variação (CV%), conforme recomendações descritas
na Farmacopeia Brasileira (Brasil, 2010). A determinação
do teor de espironolactona foi realizada em triplicata,
pesando-se 45,25 mg a partir de 20 comprimidos triturados,
equivalentes a 12,5 mg de fármaco, em balões volumétricos
de 25 mL. O volume final dos balões foi completado com
metanol e novas diluições foram realizadas de maneira a
obter a concentração final de 20,0 µg/mL em cada balão.
Cada solução foi injetada em triplicata no cromatógrafo a
líquido com loop fixo (20 µL). A quantidade de fármaco
existente nos comprimidos foi calculada em relação à
equação da reta obtida na curva de calibração, a partir da
média das triplicatas.
Desenvolvimento das formulações
Três formas farmacêuticas líquidas foram preparadas
a partir de comprimidos triturados e pulverizados contendo
espironolactona.
Rev Ciênc Farm Básica Apl., 2014;35(3):385-392
Formulações líquidas de espironolactona
Dispersão aquosa
A dispersão aquosa de concentração 4,0 mg/mL
foi preparada pesando-se rigorosamente o equivalente
a 4320 mg de espironolactona e transferida para um gral
de capacidade volumétrica de 500 mL. Gradativamente,
foi adicionada água até a formação de uma mistura com
aspecto de pasta, a qual foi sendo dispersa com o auxílio
do pistilo. A mistura foi transferida para uma proveta, e o
volume final obtido foi 1080 mL, completados com água.
A dispersão foi distribuída e armazenada em 18 frascos de
vidro âmbar com capacidade volumétrica de 60 mL.
Dispersão aquosa de CMC
Para a obtenção da dispersão aquosa de
carboximetilcelulose (CMC) de 1,0 mg/mL, foram
pesados o equivalente a 1080 mg de espironolactona. O
procedimento de preparo foi semelhante à dispersão aquosa.
Entretanto, o veículo utilizado foi uma dispersão de CMC
1,5%. O volume final foi de 1080 mL. A formulação foi
armazenada em 18 frascos de vidro âmbar com capacidade
volumétrica para 60 mL.
Dispersão de xarope simples
A preparação dessa forma farmacêutica foi
semelhante aos procedimentos anteriores descritos. O
veículo empregado foi xarope simples, preparado conforme
recomendação do Formulário Nacional da Farmacopéia
Brasileira 2ª edição (Brasil, 2012). A concentração final
obtida foi de 1,0 mg/mL.
Estudo de estabilidade físico-químico e ensaios para a
avaliação da qualidade das formulações extemporâneas
A avaliação da estabilidade físico-química da
espironolactona foi realizada pelo período de 35 dias, onde
a aparência física, cor, odor, pH, presença de produtos de
degradação e a determinação do teor de fármaco foram
monitorados frente a diferentes veículos e temperaturas
de armazenamento. O estudo empregou as temperaturas
de 8, 27 (± 2) e 40 ºC. Seis frascos de cada formulação
(frasco-teste) foram armazenados nas temperaturas citadas
e, para as formulações preparadas com SQR, apenas um
frasco. As análises foram realizadas uma vez por semana
nos seguintes tempos: zero dia, 7º, 14º, 21º, 28º e 35º dia.
Para cada tempo, um frasco foi analisado.
A determinação dos valores de pH das formulações
foi realizada através do medidor de pH da marca BEL®,
modelo W3B, empregando eletrodo de vidro previamente
calibrado com soluções tampão de pH 4,01 e 7,00. Após a
agitação dos frascos para redispersão do conteúdo, o teor
de substância ativa nas formulações foi determinado da
seguinte forma:
Dispersão aquosa – Foram pipetados e transferidos
5 mL do frasco âmbar de (concentração 4 mg/mL) para
um balão volumétrico de 100 mL, completou-se o volume
com metanol. Homogeneizou-se o conteúdo e, deste, uma
alíquota de 5 mL foi transferida para balão volumétrico
de 50 mL, onde o volume final foi completado com
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fase móvel, obtendo-se assim a concentração de 20 µg/
mL. Esta dispersão foi centrifugada a 3000 rpm por 3
minutos e filtrada. Injetou-se, em triplicata, 20 µL do
filtrado no cromatógrafo a líquido e o teor foi determinado
comparando-se com a curva de calibração da solução
padrão. Este procedimento foi repetido durante o período
da análise.
Dispersão aquosa de CMC 1,5% – Foram pipetados
e transferidos 5 mL do frasco âmbar de concentração 1 mg/
mL para um balão volumétrico de 50 mL, completou-se
o volume com metanol. Homogeneizou-se o conteúdo e,
deste, transferiu-se 5 mL para um balão volumétrico de 25
mL, completando-se o volume com fase móvel. Obtevese a concentração de 20 µg/mL. O procedimento para
obtenção da concentração final foi semelhante ao descrito
para a dispersão aquosa.
Dispersão de xarope simples – Utilizou-se o mesmo
procedimento descrito acima para a dispersão aquosa de
CMC 1,5%.
Ensaios para a avaliação do tempo de viabilidade das
formulações
Com o intuito de avaliar o período de utilização
das formulações após abertura do frasco, sob o ponto de
vista físico-químico, todos os frascos das três formulações
avaliados no primeiro dia (dia zero) foram analisados nos
demais períodos de tempo propostos no estudo, os quais
foram denominados de frasco-controle.
Cálculos para determinação da validade
A determinação da validade foi realizada de acordo
com as leis cinéticas de degradação (Carstensen & Rhodes,
2000).
RESULTADOS
Curva de calibração
A curva de calibração obtida apresentou r2=
0,9998. A equação da reta utilizada para calcular o
teor da especialidade farmacêutica e das formulações
extemporâneas, foi Y = 1,0842x - 0,0037, onde y é a área
obtida de cada leitura no cromatógrafo e x é a concentração
de fármaco presente na amostra.
Peso médio e teor de substância ativa nos comprimidos
contendo espironolactona
O peso médio com o desvio-padrão encontrados
foram 362,12 + 9,92 mg e o teor de fármaco encontrado
nos comprimidos utilizados para o estudo foi de 104,14%
do teor declarado.
Estudo de estabilidade físico-química e ensaios para
avaliação da qualidade das formulações extemporâneas
O pH de todas as formulações propostas foi medido
no primeiro e no último dia de estudo. O pH manteve-se
em 6,0 nas diferentes temperaturas avaliadas ao longo de
35 dias.
387
Formulações líquidas de espironolactona
Dispersão aquosa: Inicialmente essa formulação
apresentou-se com aspecto leitoso quando agitada, devido
à presença dos excipientes. Entretanto, todo material
suspenso, não solúvel, foi decantado em pouco tempo de
repouso e o sobrenadante ficou praticamente transparente.
A Figura 1 ilustra os cromatogramas da
dispersão aquosa no primeiro e último dia do estudo,
respectivamente.
Dispersão aquosa de CMC 1,5%: Apresentou-se
mais viscosa que a dispersão aquosa, de coloração leitosa,
sem formação de sedimento por período de tempo suficiente
para a retirada das alíquotas, com o material particulado
bem distribuído.
As Figuras 1(c) e 1(d) ilustram os cromatogramas
da dispersão aquosa de CMC 1,5% no primeiro e último
dia do estudo, respectivamente.
Dispersão de xarope simples: A dispersão de xarope
simples apresentou-se mais viscosa que a dispersão aquosa,
de coloração amarela clara e com o material particulado
bem distribuído, sem formação de sedimento por longo
período de tempo.
As Figuras 1(e) e 1(f) ilustram os cromatogramas
da dispersão de xarope simples no primeiro e último dia do
estudo, respectivamente.
Figura 1. Cromatogramas das dispersões :(a, b) aquosa; (c, d) aquosa 1,5% CMC; (e, f) xarope simples; (a, c, e) dia 0, (b, d, f) 35º dia.
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Rev Ciênc Farm Básica Apl., 2014;35(3):385-392
Formulações líquidas de espironolactona
Tabela 1. Concentração e teor de substância ativa obtidos nas
formulações extemporâneas em diferentes temperaturas.
Formulação
extemporânea
Temperatura (°C)
8
27
40
Teor (%)
Dispersão
aquosa
Dispersão
aquosa de
CMC
Dispersão
de xarope
simples
FT 0 dia
---
29,64
---
FT 35ºdia
9,91
18,52
44,66
FC 35°dia
73,88
6,89
11,85
FT 0 dia
---
100,21
---
FT 35ºdia
100,49
96,14
114,17
FC 35°dia
86,22
101,78
109,41
FT 0 dia
---
103,88
---
FT 35ºdia
102,93
96,41
102,93
FC 35°dia
94,43
97,58
96,11
Conc.: concentração; FT: frasco teste; FC: frasco controle; Tracejado (---): não
mensurado
Os resultados referentes à concentração e teor de
fármaco presentes nas formulações extemporâneas estão
ilustrados na Tabela 1.
Ensaios para a avaliação do tempo de viabilidade das
formulações
A Figura 2 ilustra o teor de fármaco presente na
dispersão de xarope simples no início e no final do estudo
de estabilidade nas temperaturas de 8, 27 e 40 ºC.
Figura 2. Teor de fármaco presente na dispersão de xarope
simples no início e no final do estudo de estabilidade nas
temperaturas de 8, 27 e 40 ºC.
Cálculos para determinação da validade
Os cálculos teóricos de degradação cinética
realizados para os frascos-teste demonstraram que a
dispersão de xarope simples, armazenado na temperatura
de 8 ºC, permanece viável por pelo menos 12 meses,
na temperatura de 27 ºC a validade é de 49 dias e na
temperatura de 40 ºC a viabilidade é de 12 meses. Já os
Rev Ciênc Farm Básica Apl., 2014;35(3):385-392
cálculos realizados para os frascos-controle indicaram que
a dispersão de xarope simples armazenada em 8, 27 e 40 ºC
permanecem viáveis por 39, 57 e 47 dias, respectivamente.
DISCUSSÃO
Curva de calibração
O resultado encontrado denota linearidade entre
as áreas dos picos cromatográficos obtidos entre as
concentrações de espironolactona no intervalo de 8 a
32 µg/mL, o que demonstra que o método desenvolvido
por Laxman (2010) é reprodutível e pode ser usado com
segurança para a determinação de espironolactona em
formulação farmacêutica.
Peso médio e teor de substância ativa nos comprimidos
contendo espironolactona
A variação de peso dos comprimidos de
espironolactona encontrou-se dentro dos limites
especificados pela Farmacopéia Brasileira (Brasil, 2010),
pois o coeficiente de variação encontrado foi menor
que 5%. O peso médio foi realizado para verificar se os
comprimidos encontravam-se dentro dos parâmetros
farmacopeicos para serem empregados na preparação das
formulações extemporâneas. O teor de fármaco encontrado
está de acordo com o preconizado pela Farmacopeia
Americana (USP, 2012), o que garante, em parte, uma
quantidade adequada de princípio ativo nas formulações.
Estudo de estabilidade físico-química e ensaios para
avaliação da qualidade das formulações extemporâneas
As formulações foram preparadas a partir de
comprimidos triturados, pois esta forma farmacêutica
normalmente faz parte do rol de padronização de
medicamentos hospitalares, além de ser mais fácil
a aquisição e o armazenamento do que a SQR. As
preparações compostas apenas pelas SQR apresentaram
teores semelhantes aos encontrados nas formulações
preparadas com comprimidos triturados, demonstrando que
os excipientes presentes nos comprimidos não interferiram
na concentração final das formulações extemporâneas.
Apenas três frascos contendo a SQR espironolactona foram
preparados para cada formulação extemporânea, a fim de se
obter um padrão comparativo para controle do teor.
Com relação à dispersão aquosa, pôde se verificar
que o teor de espironolactona teve variação superior
a 10% (Tabela 1). Além do fármaco ser praticamente
insolúvel em água, a falta de um agente dispersor
dificultou a homogeneização do conteúdo dos frascos,
pois foi perceptível a rápida decantação das partículas,
impossibilitando a uniformidade da dispersão e resultando
no baixo teor de fármaco encontrado. Por isso, acredita-se
que esta preparação extemporânea possa levar a subdoses
e, consequentemente, à falha no tratamento dos pacientes.
Problemas semelhantes foram encontrados no
trabalho de Albuquerque (2007) ao propor uma formulação
extemporânea para pirazinamida, um fármaco pouco
389
Formulações líquidas de espironolactona
solúvel em água, empregando dispersão aquosa sem agente
dispersor de conteúdo, o qual resultou na impossibilidade
do doseamento do fármaco.
Diferentemente dos resultados aqui encontrados,
Santos e colaboradores (2005), avaliaram a estabilidade
física, química e o teor de ácido fólico presente na
dispersão aquosa extemporânea, sem agente dispersor, onde
concluíram que a formulação se manteve estável durante
todo período de estudo (14 dias) e com teor adequado na
temperatura de 2 a 8 °C, mesmo se tratando de um fármaco
pouco solúvel em água.
A dispersão aquosa de CMC 1,5% foi preparada
na concentração de 1 mg/mL para facilitar a tomada
de ensaio e homogeneização. Os resultados obtidos
demonstraram que tal formulação é adequada quando
armazenada na temperatura de 27 ºC, pois se manteve
estável com variações de teor dentro dos limites
aceitáveis. Já na temperatura de 40 ºC, após 35 dias
notou-se acréscimo do teor, que pode ser devido ao
aumento da solubilidade em função da temperatura,
ou pela evaporação do veículo, tornando a formulação
mais concentrada. Na temperatura de 8 ºC a dispersão
aquosa de CMC 1,5% não se manteve viável, uma vez
que apresentou teor abaixo do aceitável no último dia de
estudo, conforme evidenciado na Tabela 1.
Mendes et al. (2013) avaliaram a estabilidade
de uma dispersão aquosa de CMC 0,18% contendo
espironolactona para ser empregada em pacientes
pediátricos hospitalizados, durante 7 dias nas temperatura
de 5 ±¬ 3 0C e 25 ± 2 0C. Ao final do estudo, concluíram
que a formulação permaneceu estável. Porém, é sabido
que conservantes podem causar alergias, principalmente
em crianças. Além disso, o uso da matéria-prima, ao
invés de comprimidos triturados, pode constituir uma
dificuldade, já que a maioria dos hospitais adquire a
especialidade farmacêutica e não o fármaco (SQR) para o
tratamento dos pacientes.
Na formulação extemporânea composta por
xarope simples, os teores obtidos não tiveram variação
superior a 10%, pois, uma vez agitado, o pó se mantinha
suspenso e permitia a retirada de alíquotas adequadas
de forma homogênea para as análises. Este fato também
foi observado por Albuquerque (2007) no doseamento
da preparação extemporânea xarope simples contendo
pirazinamida. Através dos resultados encontrados, pôdese perceber que a melhor temperatura de armazenamento
para o xarope extemporâneo de espironolactona é a
ambiente (27 ± 2 ºC), pois a variação do teor foi a
menor quando comparada com os teores encontrados nas
temperaturas de 8 e 40 °C (Tabela 1).
Resultados semelhantes foram encontrados
no estudo de Salgado et al. (2005), onde analisaram
a estabilidade química, física e microbiológica de
suspensões de xarope simples de espironolactona durante
60 dias nas temperaturas de 5 ºC e 22 ºC. Ao final do
estudo, concluíram que as suspensões permaneceram
estáveis.
390
Outros estudos analisaram a estabilidade de
formulações extemporâneas compostas por xarope
contendo clopidogrel (temperatura ambiente e
refrigeração) e acupril (temperatura de 5 ºC), e constaram
estabilidade maior do que 30 dias (Skillman et al., 2010;
Freed et al., 2005).
Os cromatogramas (Figura 1) mostraram que o
fármaco não sofreu degradação química em nenhuma
das formulações propostas até o último dia do estudo,
uma vez que não se detectou o aparecimento de qualquer
novo pico que pudesse ser atribuído a um eventual
produto de degradação da espironolactona. Portanto, os
problemas relacionados ao teor da dispersão aquosa e
da dispersão aquosa de CMC 1,5%, ocorreram devido à
falta de uniformidade do conteúdo ocasionada por uma
instabilidade física das formulações.
Dentre as três formulações preparadas, a
dispersão de xarope simples foi a que demonstrou
melhor comportamento em termos de estabilidade,
manutenção do teor de fármaco e uniformidade de dose.
A dispersão de xarope simples tem como vantagens
ser uma formulação simples, de fácil preparação,
sabor adocicado, com propriedades auto conservantes
e, por isso, algumas vezes, é desnecessária a adição
de substâncias que tenham essa função, evitando-se
assim riscos de reações adversas, principalmente a
pacientes pediátricos hipersensíveis ao metilparabeno e
propilparabeno (Silva et al., 2008).
Um estudo realizado por Tonazio et al. (2011)
apontou que além dos conservantes acima citados,
outros excipientes como benzoato de sódio, sulfitos,
corante amarelo tartrazina e sorbitol podem provocar
danos à saúde de pacientes pediátricos. A especialidade
farmacêutica utilizada para o desenvolvimento das
formulações extemporâneas não continha nenhum
dos excipientes mencionados acima, o que assegura a
utilização sem riscos em crianças.
De acordo com os resultados encontrados,
pode-se afirmar que a dispersão de xarope simples de
espironolactona é a formulação extemporânea mais
indicada, pois propicia aumento da adesão ao tratamento
e garante sua eficácia.
Ensaios para a avaliação do tempo de viabilidade e
validade das formulações
Todas as formulações foram submetidas ao estudo
de viabilidade. Entretanto, não foi possível finalizar o
teste para a dispersão aquosa e dispersão aquosa de CMC
em virtude da falta de uniformidade e reprodutibilidade
das doses. Por apresentar vantagens em relação às demais
formulações propostas, a preparação extemporânea com
xarope simples foi escolhida para a realização do teste de
viabilidade e validade. Observou-se que até o 35º dia de
estudo não houve perda significativa de fármaco, tanto nos
frascos-teste, quanto nos frascos-controle, isto é, mais de
90% do fármaco permaneceu estável na formulação nas
temperaturas de 8, 27 e 40 °C.
Rev Ciênc Farm Básica Apl., 2014;35(3):385-392
Formulações líquidas de espironolactona
Embora os cálculos teóricos realizados para a
determinação da validade da dispersão de xarope simples
tenham mostrado que tanto os frascos-teste quanto os
frascos-controle são estáveis físico-quimicamente, a
validade do frasco-teste nas temperaturas de 8 e 40 ºC foi
maior que a validade do frasco-controle nestas mesmas
temperaturas. Já na temperatura ambiente, os cálculos
indicaram que ambos os frascos apresentaram período de
validade semelhante, mas como o estudo experimental de
viabilidade foi compreendido por 35 dias, é possível que a
formulação seja válida apenas por este período.
Os resultados encontrados demonstram que o
frasco-controle de dispersão de xarope simples tem
viabilidade e validade longas, isso é importante porque
ela pode ser utilizada em pacientes que estejam em
tratamento por período de tempo prolongado.
Apesar do estudo experimental e teórico indicar
que a dispersão de xarope simples de espironolactona
pode ser armazenada e utilizada por pelo menos um mês,
independente da temperatura, com garantia de estabilidade
físico-química, testes de estabilidade microbiológica
precisariam ser realizados para certificar a qualidade da
formulação.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao CNPq e a FUNDECT
(Processo nº 23/200.215/2010) pelo auxílio financeiro que
possibilitou a realização deste trabalho.
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Recebido em 5 de Agosto de 2013
Aceito em 19 de setembro de 2013
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