A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: avanços e desafios da atual conjuntura Adália de Sá Costa1 Resumo O presente artigo tem como objetivo trazer reflexões acerca dos avanços e desafios da Política de Saúde no Brasil na conjuntura atual. A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe uma série de avanços no âmbito das políticas sociais e, particularmente, a política de saúde enunciando a Reforma democrática do Estado. Entretanto, a partir da hegemonia neoliberal iniciou-se a restrição e redução de direitos sociais. Diante disso, iniciou-se o desarranjo das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), pela “falta dos recursos”, repercutindo na baixa da qualidade dos serviços, em contraposição aos princípios de universalidade, integralidade, descentralização e participação popular. Palavra-chave:Saúde, Estado, SUS e Reforma. Abstract This article aims to bring reflections on progress and challenges Health Policy in Brazil in the current conjuncture. The promulgation of the Constitution of 1988 brought a series of advances in the field of social policies and, particularly, health policy stating the democratic reform of the state. However, from the neo-liberal hegemony began the restriction and reduction of social rights. Given this, we began the breakdown of the guidelines of the Unified Health System (SUS), "lack of resources", reflecting the low quality of services as opposed to the principles of universality, comprehensiveness, decentralization and popular participation. Keyword: Health, State Reform and SUS. 1 Estudante. Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. [email protected] 1 INTRODUÇÃO A Política de saúde no Brasil tronou-se um importante campo de discussão acerca de como vem se configurando dentro da atual Política no Brasil e dentro de um cronograma histórico. No período de 1897 até 1930 Os assuntos relacionados com a saúde, como funções públicas, eram tratados no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, em específico, na Diretoria Geral de Saúde Pública. Médici relata que a assistência à saúde ofertada pelo Estado até a década de 1930 estava limitada às ações de saneamento e combate surgimento e desenvolvimento às endemias. É também dessa época, o do chamado sanitarismo campanhista, fortemente presente até o final da década de 1940. Em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde. As atenções predominantes dos governos até então, estavam voltadas às ações de caráter coletivo. A partir desta década a ênfase governamental começa a se deslocar para a assistência médica individual gerou força de trabalho a ser atendida pelo sistema de saúde. Tal fato aprofunda a necessidade de o Estado atuar na saúde do Trabalhador, mantendo e restaurando sua capacidade produtiva. Apesar da Lei 6.229/75 visar à regulamentação do Sistema Nacional de Saúde, na verdade não havia propriamente um sistema. As ações de saúde eram desenvolvidas de maneira fragmentada e sem nenhuma integração. A saúde coletiva era considerada um direito de todos e a assistência médica hospitalar individualizada direito apenas dos trabalhadores contribuintes do Sistema Nacional de Previdência Social. No Brasil, a intervenção estatal só vai ocorrer no Século XX, mais efetivamente na década de 1930. No século XVIII, a assistência médica era pautada na filantropia e na prática liberal. No século XIX, em decorrência das transformações econômicas e políticas, algumas iniciativas surgiram no campo da saúde pública, como a vigilância do exercício profissional e a realização de campanhas limitadas. Nos últimos anos do século, a questão saúde já aparece como reivindicação no nascente movimento operário. No início do século XX, surgem algumas iniciativas de organização do setor saúde, que serão aprofundadas a partir de 1930. Braga afirma (BRAGA; PAULA, 1985) que a Saúde emerge como “questão social” no Brasil no início do século XX, no bojo da economia capitalista exportadora cafeeira, refletindo o avanço da divisão do trabalho, ou seja, a emergência do trabalho assalariado. A saúde pública, na década de 1920, adquire novo relevo no discurso do poder. Há tentativas de extensão dos seus serviços por todo país. A reforma Carlos Chagas, de 1923, tenta ampliar o atendimento à saúde por parte do poder central, constituindo uma das estratégias da União de ampliação do poder nacional no interior da crise política em curso, sinalizada pelos tenentes, a partir de 1922. Para Oliveira e Teixeira (1986), o modelo de previdência que norteou os anos 30 a 45 no Brasil foi de orientação contencionista, ao contrário do modelo abrangente que dominou o período anterior (1923 -1930). Para os autores, um dos determinantes para a diminuição dos gastos foi, sem dúvida, o efeito produzido pelo rápido crescimento da massa de trabalhadores inseridos. A previdência preocupou-se mais efetivamente com a acumulação de reservas financeiras do que com a ampla prestação de serviços. A legislação do período, que se inicia em 1930, procurou demarcar a diferença entre “previdência” e “assistência social”, que antes não havia. Foram definidos limites orçamentários máximos para as despesas com “assistência médico-hospitalar e farmacêutica”. 2 A POLÍTICA DE SAÚDE NOS ANOS 1980 E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE REFORMA SANITÁRIA Nos anos 1980, a sociedade brasileira ao mesmo tempo em que vivenciou um processo de democratização política superando o regime ditatorial instaurado em 64, experimentou uma profunda e prolongada crise econômica que persiste até os dias atuais. As decepções com a transição democrática ocorreram, principalmente, com seu giro conservador após 1988, não se traduzindo em ganhos materiais para a massa da população. A saúde, nessa década, contou com a participação de novos sujeitos sociais na discussão das condições de vida da população brasileira e das propostas governamentais apresentadas para o setor, contribuindo para um amplo debate que permeou a sociedade civil. Saúde deixou de ser interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão política, estando estreitamente vinculada à democracia. Dos personagens que entraram em cena nesta conjuntura, destaca-se: os profissionais de saúde, representados pelas suas entidades, que ultrapassaram o corporativismo, defendendo questões mais gerais como a melhoria da situação saúde e o fortalecimento do setor público; o movimento sanitário, tendo o Centro Brasileiro de Estudo de Saúde (CEBES) como veículo de difusão e ampliação do debate em torno da Saúde e Democracia e elaboração de contrapropostas; os partidos políticos de oposição, que começaram a colocar nos seus programas a temáticas e viabilizaram debates no Congresso para discussão da política do setor e os movimentos sociais urbanos, que realizaram eventos em articulação com outras entidades da sociedade civil. As principais propostas debatidas por esses sujeitos coletivos foram a universalização do acesso; a concepção de saúde como direito social e dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema Unificado de Saúde visando um profundo reordenamento setorial com um novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização estadual e municipal, do processo decisório para as esferas o financiamento efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de gestão – os Conselhos de Saúde. Processo constituinte e a promulgação da Constituição de 1988 representaram, no plano jurídico, a promessa de afirmação e extensão dos direitos sociais em nosso país frente à grave crise e às demandas de enfrentamento dos enormes índices de desigualdade social. A Constituição Federal introduziu avanços que buscaram corrigir as históricas injustiças sociais acumuladas secularmente, incapaz de universalizar direitos tendo em vista a longa tradição de privatizar a coisa pública pelas classes dominantes. No final da década de 1980, já havia algumas dúvidas e incertezas com relação à implementação do Projeto de Reforma Sanitária cabendo destacar: a fragilidade das medidas reformadoras em curso, a ineficácia do setor público, as tensões com os profissionais de saúde, a redução do apoio popular em face de ausência de resultados concretos na melhoria da atenção à saúde da população brasileira e a reorganização dos setores conservadores contrários à reforma que passam a dar a direção no setor, a partir de 1988. A burocratização da reforma sanitária, segundo Fleury (1989), afasta a população da cena política, despolitizando o processo. A concretização da reforma tem dois elementos em tensão: o reformador - imprescindível para transformar instituições e processos, e o revolucionário - que é a questão sanitária, só superada com a mudança efetiva nas práticas e na qualidade de saúde da população. Considera – se que a construção democrática é a única via para se conseguir a Reforma Sanitária e a mobilização política uma de suas estratégias, sendo o desafio colocado para os setores progressistas da Saúde que deveria ser viabilizado na década de 1990. 3 A POLÍTICA DE SAÚDE NO GOVERNO LULA O Início do mandato do Presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva, foi marcado no campo da Saúde por mudanças oportunas e viáveis na atual conjuntura política. E também a eleição de Lula significou um marco político na história do país, pois foi a primeira vez que se elegeu “um representante da classe operária brasileira com forte experiência de organização política” (BRAZ, 2004). Com muitas dificuldades do cenário internacional, coma pressão dos mercados e do capitalismo financeiro acreditava-se que no Brasil estaria começando um novo momento histórico no qual as políticas de ajuste seriam enfrentadas. As transformações profundas não seria o alvo inicia, face aos acordos ocorridos, no entanto havia expectativas com relação às políticas sociais e à participação social. A legitimidade expressa nas urnas, para “exercer um governo orientado para mudar o Brasil numa direção democrático-popular” (NETTO, 2004) e para “uma político econômica direcionada ao mercado interno de massas, articulada a uma política social mais ousada” (BEHRING, 2004), não foi levada em consideração. Entretanto, é percebível que as propostas e reformas defendidas pelo governo Lula após o seu primeiro governo, dão seqüência a contra-reforma do Estado iniciada na gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC), encolhendo o espaço público democrático dos direitos sociais e ampliando o espaço privado não só nas atividades ligadas à produção econômica, mas também no campo dos conquistados. Segundo Behring (2004), no plano econômico todos direitos sociais os parâmetros macroeconômicos da era FHC estão sendo mantidos, permanecendo intocáveis: o superávit primário, a Desvinculação de Receitas da União (DRU)10, taxas de juros paramentadas pela Selic; apostas na política de exportação, com base no agronegócio; o aumento na arrecadação da união. Contudo essas orientações econômicas têm impactos nas políticas sociais. De acordo com Soares (2004), a tese central do governo é que a solução não está na expansão do gasto social, e sim na focalização. Continua-se com políticas focais, em detrimento da lógica do direito e da seguridade social universalizada. Para Marques & Mendes (2005), as políticas sociais no governo Lula estão estruturadas em três eixos que fundamentam a concepção de proteção social utilizada. O primeiro é o Projeto Fome Zero que ficou basicamente concentrado no programa Bolsa-Família; o segundo a contra- reforma da Previdência Social e o terceiro refere-se ao trato da equipe econômica aos recursos da Seguridade Social. A ação mais importante na área social é o programa de transferência de renda Bolsa Família, criado em 2003, com o desafio de combater a miséria e a exclusão social, através da unificação de todos os programas sociais e a criação de um cadastro único de beneficiários. Como continuidade da política de saúde dos anos 1990, destaca-se a ênfase na focalização, na precarização, desfinanciamento e a falta Seguridade Social. na terceirização de vontade Como exemplo de dos recursos política para viabilizar a humanos, no concepção de focalização, destaca-se a centralidade do programa saúde da família, sem alterá-lo significativamente para que o mesmo se transforme em estratégia de reorganização da atenção básica em vez de ser um programa de extensão de cobertura para as populações carentes (BRAVO, 2004; 2006). As ações referentes à atenção básica indicaram um compromisso do governo com a ampliação e fortalecimento do Programa Saúde da Família, através do aumento do financiamento e da ampliação de equipes de saúde da família (PAIM, 2005). Para a atenção hospitalar e de alta complexidade os autores destacamos o fortalecimento dos vínculos dos Hospitais Universitários (HU’s) com o Sistema Único de Saúde (SUS), através de algumas medidas a saber: recomposição dos quadros de servidores desses hospitais; nova forma de financiamento dos HU’s. Outras ações nesta direção: a estruturação do serviço de emergência, com o lançamento do Programa Nacional de Atenção Integral às Urgências e a criação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU); o estímulo e apoio a criação de Centrais de Regulação Regionais das Urgências. Com relação aos Programas Especiais foram mantidos os de combate ao Tabagismo e o Programa de AIDS. No que diz respeito à saúde da mulher houve um esforço de enfrentar a mortalidade Quanto ao Programa materna e formular uma política específica. de Tuberculose as medidas reforçaram evitar a resistência aos medicamentos e o aumento da adesão; entretanto, é necessário garantir a cobertura de atenção. Sobre a Assistência Farmacêutica o governo buscou a ampliação de laboratórios oficiais e criou as farmácias populares aumentou a fiscalização e o controle dos medicamentos. No segundo governo Lula é escolhido para ministro da saúde um ator que participou da formulação do Projeto de Reforma Sanitária dos anos 80. Em seu discurso de posse, o ministro José Gomes Temporão afirma que há uma tensão permanente entre o ideário reformista e o projeto real em construção, assim como aspectos culturais e ideológicos em disputa como as propostas de redução do Estado, de individualização do risco, de focalização, de negação da solidariedade e banalização da violência. Um dos possíveis caminhos de superação deste conflito certamente passa pelo reconhecimento da sociedade de pensar a saúde como um bem e um projeto social. É necessário, portanto, retomar os conceitos da Reforma Sanitária Brasileira que não se limitam à construção do SUS, mas ao aumento da nossa capacidade para interferir crescentemente na determinação social da doença. E os sujeitos deste processo são os usuários e os profissionais de saúde. Sem eles o projeto será derrotado. 4 CONSIDERAÇÕES Neste cenário, considera-se fundamental a socialização das informações a defesa das propostas do Projeto de Reforma Sanitária construído nos anos 80 e a mobilização e luta dos movimentos sociais. Os defensores da Reforma Sanitária e do Projeto Democracia de Massas só conseguirão contribuir para reverter as profundas desigualdades existentes na atual conjuntura brasileira aliando-se a um amplo movimento de massas que exija a redução do fosso entre a política macro-econômica e as políticas sociais com a elaboração de uma agenda que defenda a garantia dos direitos humanos e sociais e a ampliação da democracia nas esferas da economia, da política e da cultura. A defesa da saúde considerada como melhores condições de vida e trabalho tem que ser uma luta organizada e unificada dos segmentos das classes subalternas articulada com os conselhos, movimentos sociais, partidos políticos para que se possa avançar na radicalização da democracia social, econômica e política. Conforme afirma Netto (1990) a generalização e universalização dos institutos cívicos, ainda no marco do ordenamento capitalista, é fundamental, mas necessita-se ampliar seu conteúdo. Trata-se de postular uma democracia política com claros rebatimentos econômicos e sociais, ou seja, de construir uma democracia de massas organizada de baixo para cima. Este é um desafio posto na atual conjuntura: a ampliação da democracia política e social que conjugue as instituições parlamentares, os sistemas partidários, com uma rede de organização de base (sindicatos, conselhos, organizações profissionais e de bairro, movimentos sociais, democráticos, culturais, comunidades de inspiração religiosas). 5 REFERÊNCIAS NETTO, J. P. Democracia e Transição Socialista: escritos de teoria e política. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990. . A conjuntura brasileira: o Serviço Social posto à prova. In: Serviço Social & Sociedade. N° 79 São Paulo: Cortez, 2004. BRAVO, M. I. S. A Política de Saúde no Governo Lula: algumas reflexões. In: INSCRITA. N° 9. Brasília: CFESS, 2004. . A Política de Saúde no Brasil. In: MOTA, A. E. [et. al.] (Orgs.) Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2006a. . Desafios Atuais do Controle Social no Sistema Único de Saúde (SUS). In: Serviço Social & Sociedade. N° 88 São Paulo: Cortez, 2006b. BRAZ, M. O governo Lula e o projeto ético-político do Serviço Social. In: Serviço Social & Sociedade. N° 78 São Paulo: Cortez, 2004. PAIM, J. [et.al.] Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliação dos primeiros meses de gestão. In: Revistado Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. Saúde em Debate. N° 70. Rio de Janeiro: CEBES, 2005. SOARES, Laura Tavares; SADER, Emir; GENTILI, Rafael; BENJAMIN, César (Orgs. A reconfiguração das políticas sociais no contexto da globalização neoliberal. São Paulo: Vira mundo, 2004. BRASIL, Ministério da Saúde-PORTARIA Nº399/GM de 22 de fevereiro de 2006. FIOCRUZ, Radis Comunicação Em Saúde. N°. 53. Rio de Janeiro, 2007. REVISTA ÉPOCA. SOARES,Laura Tavares. O Debate sobre o Gasto Social do Governo Lula. In: Governo Lula.Maio, 2007.