UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS – UEA FUNDAÇÃO DE MEDICINA TROPICAL DO AMAZONAS – FMTAM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA TROPICAL MESTRADO EM DOENÇAS TROPICAIS E INFECCIOSAS ROSSICLÉIA LINS MONTE MICROBIOLOGIA DO CENTRO DAS TONSILAS PALATINAS: COMPARAÇÃO ENTRE A PUNÇÃO ASPIRATIVA POR AGULHA FINA E A BIÓPSIA INCISIONAL ALEX DE SANTANA VIDAURRE Manaus 2005 ii ALEX DE SANTANA VIDAURRE MICROBIOLOGIA DO CENTRO DAS TONSILAS PALATINAS: COMPARAÇÃO ENTRE A PUNÇÃO ASPIRATIVA POR AGULHA FINA E A BIÓPSIA INCISIONAL Dissertação apresentada no Programa de Pós Graduação em Medicina Tropical da Universidade do Estado do Amazonas em convênio com a Fundação de Medicina Tropical, para obtenção do grau de Mestre em Doenças Tropicais e Infecciosas. Orientador: Co-orientadora: Prof. Dr. João Bosco Botelho Profª. Rossicléia Lins Monte, MsC Prof. Dr. Wornei Miranda Braga Manaus 2005 iii FICHA CATALOGRÁFICA VIDAURRE, Alex de Santana Microbiologia do core das tonsilas palatinas: comparação entre a punção aspirativa por agulha fina e a biópsia do core tonsilar / Alex de Santana Vidaurre – Manaus-AM: UEA; FMTAM, 2005. 64 p.: il. Dissertação (Mestrado em Doenças Tropicais e Infecciosas) 1. microbiologia 2. core tonsilar 3. punção aspirativa por agulha fina I. Título iv Dedicatória À minha amada esposa pelo companheirismo e carinho, suportes tão fundamentais quando me encontro longe de minha cidade natal e família. v AGRADECIMENTOS Agradeço a Universidade do Estado do Amazonas e a Fundação de Medicina Tropical do Amazonas pela possibilidade de realizar este mestrado. Ao Professor Doutor João Bosco Botelho pelo seu incentivo, orientação sensata e por ser um modelo de professor cirurgião cientificamente produtivo. À Professora Mestre Rossicléia Lins Monte, competente bacteriologista, pelo seu árduo trabalho e paciência ao participar da minha orientação e realizar o processamento bacteriológico do material deste estudo. À Professora Doutora Maria Ivanilde Araújo pela gentileza durante a análise estatística dos resultados. À Professora Doutora Maria das Graças Vale Barbosa, coordenadora do mestrado, pela incansável cobrança para manter o nível de qualidade necessário ao Mestrado em Doenças Infecciosas e Tropicais. Ao Professor Doutor Wilson Duarte Alecrim pela sua perspicácia em discutir as deficiências do suabe da superfície tonsilar tendo sugerido o estudo de um novo método de coleta. Aos Professores Doutor Wornei Silva Miranda Braga, Doutor Clemêncio Cesar Cortez e Doutora Hellen Emilia Menezes de Souza, pelas críticas construtivas durante o período de qualificação que possibilitaram elevar a qualidade deste trabalho. Aos meus colegas otorrinolaringologistas, Dra. Viviane Oliveira Saldanha, Dr. Carlos Eduardo Vale Barros, Dr. Alexandre Borges Barbosa, Dr. Álvaro Siqueira da Silva, Dr. Givanildo de Pádua Pires e Dr. Waldyr Moyses de Oliveira Junior pela valiosa contribuição na coleta de dados. vi Aos meus pais, Vanderli Lopes Vidaurre e Miraldina Margarida de Santana Vidaurre, pelo esforço e dedicação ao longo de suas vidas que possibilitaram a minha formação. Aos pais das crianças participantes deste estudo, que possibilitaram o meu aprimoramento confiando a mim os seus filhos. vii RESUMO As doenças tonsilares representam um problema de saúde importante devido a sua elevada freqüência nos consultórios médicos de pediatras e otorrinolaringologistas. O conhecimento da flora bacteriana que coloniza as tonsilas palatinas tem se tornado cada vez mais importante em razão da sua participação na patogênese da tonsilite de repetição e na hipertrofia tonsilar obstrutiva crônica. Diversos estudos têm mostrado uma mudança ao longo dos anos da composição da flora bacteriana responsável pelas doenças tonsilares devido ao uso freqüente de antimicrobianos. A maioria dos estudos sobre a microbiologia tonsilar evidenciou discrepâncias significativas entre as floras bacterianas presentes na superfície e no core tonsilar. Estudos mais recentes têm avaliado a capacidade da punção aspirativa em contribuir na identificação da flora bacteriana presente no core tonsilar. O presente estudo avaliou a composição e o perfil de resistência antimicrobiana da flora bacteriana presente no core tonsilar dos pacientes operados pelo pesquisador no período de fevereiro a junho de 2005 na cidade de Manaus. Também foi comparada a eficácia da punção aspirativa por agulha fina à biópsia incisional após tonsilectomia na identificação da flora bacteriana do core tonsilar. Foram estudados 31 pacientes e os microrganismos identificados se distribuíram da seguinte maneira: Streptococcus pneumoniae (38,7%); Staphylococcus aureus (38,7%); Streptococcus pyogenes (12,9%); Neisseria meningitidis (6,5%) e Haemophilus influenzae (3,2%). Somente 26% das bactérias isoladas eram produtoras de beta-lactamase e todas eram da espécie Staphylococcus aureus. A punção aspirativa por agulha fina apresentou uma correlação de 100% com a biópsia incisional quando excluídos os falsos negativos desta última. Comparado aos estudos internacionais, a porcentagem de 26% de bactérias produtoras de beta-lactamase é baixa. Discordando da literatura internacional, que vem observando redução da incidência de Streptococcus sp., neste estudo a sua freqüência (52%) continua elevada, estando distribuída entre o Streptococcus pneumoniae (38,7%) e o Streptococcus pyogenes (12,9%). Em concordância com a literatura nacional e internacional a freqüência de identificação do Staphylococcus aureus (38,7%) mostrou-se elevada, embora a porcentagem de espécies produtoras de beta-lactamase (66,7%) tenha se mostrado relativamente baixa quando comparado a outros estudos em que se situa em torno de 100%. Em concordância com estudos nacionais, foi verificada baixa freqüência do Haemophilus influenzae (3,2%) divergindo dos estudos internacionais que vêm observando um aumento na freqüência deste microrganismo. Em concordância com alguns estudos que isolaram a Neisseira meningitidis, este estudo observou uma frequência reduzida de identificação da mesma (3,2%). Palavras-chave: Microbiologia - core tonsilar - punção aspirativa por agulha fina viii ABSTRACT Tonsil diseases are an important health problem since they account for a substantial percentage of visits to pediatricians and otohinolaryngologists offices. The knowledge of tonsil flora is becoming increasingly important due to its participation in the pathogenesis of recurrent tonsillitis and chronic obstructive tonsil hypertrophy. Several studies have shown a change in the flora responsible for tonsil diseases over the last decade. Most studies on tonsil microbiology have indicated marked discrepancy between bacterial flora present in tonsil surface and core. More recent studies have assessed the fine needle aspiration capacity to evaluate the bacterial flora present in the tonsil core. This study has reviewed the tonsil core bacterial composition and antibiotic resistance in patients submitted to tonsillectomy between February and June 2005 in the city by the author. The effectiveness of the fine needle aspiration in the identification of tonsil core bacterial flora as compared to the tonsil core bioppsy following the tonsiloctomy was also assessed. Thirty-one patients were studied. The identified microorganisms were distributed as follows: Streptococcus pneumoniae (38,7%), Staphylococcus aureus (38,7%); Streptococcus pyogenes (12,9%); Neisseria meningitidis (6,5%) e Haemophilus influenzae (3,2%). Only 26% of the isolated bacteria were found to be beta-lactamase producers and all of them belonged to the Staphylococcus aureus species. The fine needle aspiration showed a 100% correlation with tonsil core biopsy when the false negatives of the latter were excluded. Compared to international studies, the 26% frequency of betalactamase producer bacteria is low. In disagreement with the international literature, which has been observing a reduction in the incidence of Streptococcus sp., in this study its frequency (52%) continues to be high, and it is distributed between Streptococcus pneumoniae (38,7%) and Streptococcus pyogenes (12,9%). In agreement with the national and international literature the identification frequency of Staphylococcus aureus (38,7%) is high, although the percentage of beta-lactamase producers species were low (66,7%) when compared to other studies in which it is situated around 100%. In agreement with national studies low frequency of Haemophilus influenzae (3,2%) was observed, in spite of increasing frequency of this microorganism in the international studies. In agreement with some studies which have identified the Neisseria meningitidis, a low identification frequency (3,2%) of this microorganism was observed. Key-words: Microbiology - tonsil core - fine needle aspiration ix LISTA DE FIGURAS Figura 1 Posição cirúrgica Figura 2 Punção do core tonsilar Figura 3 Tonsila palatina seccionada Figura 4 Cocos gram-positivos agrupados em massas irregulares observados sob microscopia ótica com lente de imersão Figura 5 Cocos gram-positivos agrupados e aos pares observados sob microscopia ótica com lente de imersão Figura 6 Cocos gram-positivos aos pares e em cadeias observados sob microscopia ótica com lente de imersão Figura 7 Diplococos gram-negativos observados sob microscopia ótica com lente de imersão Figura 8 Teste de sensibilidade à bacitracina e optoquina evidenciando sensibilidade à bacitracina característica do Streptococcus pyogenes Figura 9 Teste de sensibilidade por difusão em disco do Staphylococcus aureus em Agar Mueller-Hinton Figura 10 Teste de sensibilidade por difusão em disco do Streptococcus spp. Agar Mueller-Hinton acrescido com 5% de sangue de carneiro Figura 11 Distribuição dos pacientes segundo o tipo da doença tonsilar Figura 12 Frequência das bactérias identificadas Figura 13 Perfil de resistência do Streptococcus pneomoniae aos antibióticos Figura 14 Perfil de resistência do Streptococcus pyogenes aos antibióticos Figura 15 Perfil de resistência do Staphylococcus aureus aos antibióticos Pág. 12 Pág. 13 Pág. 14 Pág. 15 Pág. 16 Pág. 16 Pág. 17 Pág. 19 Pág. 23 Pág. 24 Pág. 26 Pág. 27 Pág. 28 Pág. 29 Pág. 29 x LISTA DE TABELAS Tabela 1 Padrão para interpretação de halos de inibição Tabela 2 Condições para o método de Kirby-Bauer (disco-difusão) Pág. 21 Pág. 22 xi SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1 2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo geral 2.2 Objetivos específicos 9 9 9 3. METODOLOGIA 3.1 Modelo de estudo 3.2 Universo de estudo 3.3 Critérios de inclusão 3.4 Critérios de exclusão 3.5 Procedimentos 3.6 Análise dos dados 3.7 Aspectos éticos 10 10 10 10 11 11 24 25 4. RESULTADOS 26 5. DISCUSSÃO 31 CONCLUSÃO 43 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 44 ANEXOS Anexo A – Termo de consentimento livre e esclarecido Anexo B – Questionário clínico 48 48 52 1 1. INTRODUÇÃO A mucosa que reveste as vias aéreas superiores e digestivas encontra-se protegida por complexo sistema imunossecretor conforme observado por Weckx e Weckx (1988). Conforme descrito por Gray e Gross (1988), o tecido linfático localizado no trato respiratório superior, envolvendo a faringe, recebe o nome de anel linfático de Waldeyer, sendo constituído pelas tonsilas palatinas, nasofaríngea ou vegetações adenoideanas, peritubárias e lingual. Weckx e Weckx (1988) reforçaram o conhecimento corrente de o anel linfático de Waldeyer representar a primeira linha na defesa contra microrganismos exógenos, principalmente nas crianças. Gorfien et al. (1999) descreveram que a tonsila palatina normal apresenta a superfície revestida por camada de epitélio escamoso estratificado, de onde se originam invaginações que se estendem profundamente no interior das tonsilas. Essas estruturas constituem as criptas responsáveis pela importante função da captação de antígenos inalados ou ingeridos. Conforme descrito por Weckx e Teixeira (1997), ao redor das criptas encontram-se numerosos folículos linfóides cujo número é dependente do estado de ativação imunológica da tonsila palatina. Os centros germinativos localizados dentro dos folículos linfóides são constituídos principalmente de linfócitos do tipo B. A estrutura tecidual localizada entre os folículos linfóides, chamada de área extrafolicular, apresenta maior concentração de linfócitos do tipo T. 2 Segundo Weckx e Weckx (1988) relataram, ao nível das criptas, as bactérias são retidas pelos macrófagos que vão apresentá-las aos linfócitos T, os quais interagem com os linfócitos B gerando duas respostas: produção de imunoglobulinas ou tornam-se células de memória que passam para circulação sangüínea. Brook (1984), utilizando a técnica de imunofluorescência em tecidos tonsilares, verificou que as tonsilas produzem as cinco classes de imunoglobulinas (IgA, IgG, IgM, IgE e IgD). Segundo Endo (2000), a IgA secretora é o anticorpo responsável pelo mecanismo de defesa imunológica local mais importante do trato respiratório superior provendo barreira imunológica contra diferentes elementos exógenos, incluindo bactérias patogênicas e vírus. Brook (1984) afirmou que, para a proteção adequada do hospedeiro contra doenças infecciosas virais e bacterianas, são importantes a manutenção da homeostase microecológica e função imune desse tecido linfático. Dessa forma, as tonsilas palatinas têm papel imunológico importante, tanto pelo sítio especial para captação de antígenos quanto pela capacidade de imunogênese loco-regional e sérica. Entretanto, segundo Weckx e Teixeira (1997), os processos infecciosos associados aos cursos de antibioticoterapias podem ocasionar alterações irreversíveis na estrutura e no equilíbrio microecológico da flora das tonsilas palatinas. Gaffney e Cafferkey (1998) consideraram que as antibioticoterapias de repetição selecionam germes com níveis crescentes de resistência antimicrobiana os quais permaneceriam alojados no centro germinativo das tonsilas palatinas podendo alterar a sua função imunológica. 3 Habitualmente os estudos, como os de Brook, Yokum e Shah (1980), Stjernquist-Desatnik, Prellner e Schalen (1991) e Kielmovitch et al (1989), dividem as doenças crônicas das tonsilas palatinas em: — Tonsilite de repetição; — Hipertrofia tonsilar obstrutiva. Entretanto, conforme observado por Endo et al (1995), as duas patologias coexistem em freqüência elevada. A tonsilite de repetição se caracteriza por infecções amigdalianas agudas recorrentes com necessidade do uso de antibióticos. Segundo Weckx e Weckx (1988), a hipertrofia tonsilar obstrutiva se caracteriza pelo aumento irredutível das tonsilas palatinas ocasionando obstrução à passagem de ar, gerando ronco noturno e participando na patogênese de otites, sinusites e de todas as outras manifestações decorrentes de respiração inadequada. Timon, Cafferkey e Walsh (1991) observaram que as doenças tonsilares, constituídas pelas tonsilites de repetição e a hipertrofia tonsilar obstrutiva, são responsáveis por porcentagem importante das consultas médicas dos pediatras, clínicos gerais e otorrinolaringologistas, gerando grande custo financeiro. Palumbo (1987) observou que, com a falência freqüente dos tratamentos clínicos, a tonsilectomia é uma das cirurgias pediátricas mais comumente realizadas nos Estados Unidos da América. A hipertrofia tonsilar obstrutiva e a tonsilite de repetição estão entre as indicações mais freqüentes para a remoção das tonsilas palatinas. 4 Brook e Foote (1990) e Gaffney et al. (1993) descreveram que a microbiota normal da faringe é composta por uma ampla variedade de microrganismos sendo representada principalmente por: — Haemophilus sp.: — Haemophilus influenzae (H. influenzae); — Haemophilus parainfluenza (H. parainfluenzae). — Streptococcus sp. — Streptococcus pyogenes (S. pyogenes); — Streptococcus viridans (S. viridans); —Streptococcus pneumoniae (S. pneumoniae). — Staphylococcus sp. — Staphylococcus epidermidis (S. epidermidis); — Staphylococcus aureus (S. aureus). — Neisseria sp. — Neisseria meningitidis (N. meningitidis). Brodsky, Moore e Stanievich (1988), Kielmovitch, Keleti e Bluestone (1989) e Brodsky e Koch (1993) acreditam que a flora bacteriana que coloniza as tonsilas palatinas esteja intimamente relacionada com os quadros de infecções de repetição, falhas no tratamento e até mesmo com o seu crescimento exagerado. Assim, o conhecimento da flora bacteriana que coloniza as tonsilas palatinas tem se tornado cada vez mais importante devido a sua participação na patogênese da tonsilite de repetição e da hipertrofia tonsilar obstrutiva. 5 Brodsky e Koch (1993), Stjernquist-Desatnik, Prellner e Schalen (1991), Rosen, Samuel e Vered (1977), Brook, Yocum e Shah (1980) e Dedio et al. (1988) observaram que são muitos os agentes infecciosos envolvidos na tonsilite de repetição. Dentre as bactérias, as mais freqüentes estão: — Streptococcus beta-hemolítico do grupo A; — Haemophilus influenzae; — Staphylococcus aureus. Costa et al. (2003), em estudo realizado na Universidade Federal de São Paulo, entre 1996 e 2000, descreveram a positividade de 30% das faringoamigdalites para o Streptococcus pyogenes, sendo o agente etiológico mais importante. Weckx e Teixeira (1997) ressaltaram que a importância dessas infecções está na capacidade de ocasionarem complicações com alto índice de morbidade, tais como os abscessos, febre reumática e glomerulonefrite. Brodsky e Koch (1993) descreveram que as culturas provenientes da orofaringe, na população infantil, têm apresentado, ao longo dos anos, uma diminuição da incidência de Streptococcus pyogenes e aumento de Staphylococcus aureus. Pichichero (1998) acredita que os processos infecciosos recorrentes das tonsilas e a freqüente incapacidade da penicilina em tratá-los possam estar relacionados à colonização local por microrganismos produtores de beta-lactamase que dificultariam a erradicação do Streptococcus pyogenes. 6 Estudos como os de Brook, Yocum e Foote (1995), Uppal e Bais (1989) e Timon et al (1990) observaram que embora, de um modo geral, o Streptococcus pyogenes venha se mantendo sensível à penicilina, ao longo dos anos tem ocorrido um aumento da prevalência de bactérias produtoras de beta-lactamase. Desta forma, tem-se observado grande preocupação em torno da mudança na sensibilidade aos antimicrobianos apresentada por outros microrganismos como o Staphylococcus aureus e o Haemophilus influenzae. Gaffney e Cafferkey (1998) consideram que a presença do Haemophilus influenzae resistente à penicilina no centro tonsilar esteja envolvida com a patogênese da tonsilite de repetição. Conforme discutido por Weckx e Teixeira (1997), a hipertrofia tonsilar pode ocorrer, sem significado patológico, começando na infância e mantendo-se até a puberdade. O tamanho da tonsila, em si mesmo, é de pequeno significado clínico, a menos que esteja aumentado o suficiente para produzir obstrução mecânica da via aerodigestiva. Weckx e Teixeira (1997) ainda observam que as tonsilas hipertrofiadas apresentam homeostase bacteriana alterada, com poucos microrganismos comensais nas criptas e concentração aumentada de bactérias potencialmente patogênicas. Brodsky e Koch (1993) acreditam que a hipertrofia tonsilar obstrutiva possa estar relacionada à colonização local por microrganismos, que estimulariam a proliferação de elementos linfóides ocasionando o aumento do volume tonsilar, visto que as quantidades de células T-helper, T-supressor e células B são maiores nas tonsilas hipertróficas quando comparadas aos controles. 7 Gaffney et al. (1993) determinaram que concentrações maiores de Staphylococcus aureus e Haemophilus influenzae foram encontradas na hipertrofia tonsilar obstrutiva em paridade à tonsilite de repetição, oferecendo o suporte ao provável papel etiológico desses patógenos na hipertrofia tonsilar obstrutiva. Como reforço, Brodsky, Moore e Stanievich (1988) demonstraram evidências da relação do Haemophilus influenzae, e Brodsky e Koch (1993) da presença do Staphylococcus aureus com a hipertrofia tonsilar obstrutiva. Tradicionalmente, o suabe da superfície tonsilar era o único método de coleta de material para o estudo da microbiologia tonsilar. Posteriormente, estudos como os de Kielmovitch et al. (1989), Uppal e Bais (1989) iniciaram a investigação da microbiologia na profundidade da tonsila e a coleta do material no centro tonsilar após a ressecção cirúrgica. Gaffney e Cafferkey (1998), Timon, Cafferkey e Walsh (1991) e Kurien et al (2003) empregaram a aspiração por agulha fina como método de coleta do material do centro tonsilar. Segundo Gaffney e Cafferkey (1998), este método apresenta a vantagem de reduzir a possibilidade de contaminação por germes da superfície tonsilar. Vários pesquisadores estudaram a correlação entre a microflora da superfície com a do centro tonsilar. Embora os resultados apresentem algumas divergências, a maioria dos estudos, como os de Timon et al. (1990); Rosen, Samuel e Vered (1977); Brook, Yokum e Shah (1980); Surow et al. (1989) e Uppal e Bais (1989) evidenciou a incapacidade do suabe superficial em indicar os patógenos existentes no centro tonsilar. Apesar de essa conclusão ser partilhada pelo maior 8 número de autores, não é exclusiva, porque outros, em minoria, como Kielmovitch et al. (1989) e Costa et al (2003), observaram a concordância entre as duas microfloras. Kurien et al (2003) destacaram que o suabe da superfície tonsilar continua sendo utilizado na prática clínica, apesar de as controvérsias sobre os resultados obtidos com esse método de coleta de material para cultura e identificação dos organismos responsáveis pela infecção tonsilar. Dessa forma, o suabe da superfície tonsilar ainda é utilizado com freqüência como guia na seleção do tratamento da tonsilite. Gaffney e Cafferkey (1998) indicam a punção aspirativa por agulha fina para seleção do antibiótico mais apropriado, conforme o microrganismo isolado, no tratamento de pacientes com tonsilite de repetição evitando o uso inadequado da antibioticoterapia. A patogênese das doenças tonsilares ainda se encontra sob discussão. A seleção da antibioticoterapia apropriada para os pacientes com tonsilite de repetição é dificultada pelas limitações dos métodos tradicionais de coleta do material da microflora tonsilar e pelo aumento da incidência de bactérias produtoras de beta-lactamase. A prevalência das bactérias produtoras de beta-lactamase varia de acordo com o país e suas regiões. Estudos já foram publicados, principalmente, na Região 9 Sudeste do Brasil; entretanto, na Região Norte não foram encontrados estudos sobre o assunto. 2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo geral Analisar a microbiologia do centro da tonsila palatina de pacientes submetidos à tonsilectomia. 2.2 Objetivos específicos — Avaliar a eficácia da punção aspirativa por agulha fina comparada à biópsia incisional após tonsilectomia na identificação da flora bacteriana do centro tonsilar; — Comparar a flora bacteriana do centro tonsilar dos pacientes submetidos à tonsilectomia em nosso estudo com as relatadas por outros autores; — Avaliar o perfil de resistência antimicrobiana da flora bacteriana do centro tonsilar na população estudada. 10 3. METODOLOGIA 3.1 Modelo de estudo Estudo clínico seccional. 3.2 Universo de estudo 3.2.1 População de estudo Pacientes submetidos à tonsilectomia, indicada por hipertrofia tonsilar obstrutiva e tonsilite de repetição, no Hospital Universitário Getúlio Vargas, Hospital Santa Júlia, Hospital Adventista de Manaus e Hospital Maternidade Santo Alberto localizados na cidade de Manaus. 3.2.2 Amostra Pacientes submetidos à tonsilectomia no período de fevereiro a junho de 2005. 3.3 Critérios de inclusão Pacientes com indicação de tonsilectomia eletiva bilateral determinada por: 11 — Tonsilite de repetição, definida como condição clínica determinante de cinco ou mais episódios de tonsilite por ano durante dois anos consecutivos; — Hipertrofia tonsilar obstrutiva ocasionando respiração oral de suplência. Os pacientes ou seus responsáveis receberam informações claras sobre os objetivos do estudo por meio do termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo B). 3.4 Critérios de exclusão Pacientes que usaram antibióticos de qualquer tipo nas cinco semanas prévias a tonsilectomia. 3.5 Procedimentos 3.5.1 Coleta e transporte do material Na última consulta ambulatorial anterior à realização da tonsilectomia, os pacientes ou seus responsáveis responderam ao questionário padronizado (Anexo C), com a finalidade de obter as informações sobre a história da doença e o exame físico. Duas técnicas de coleta do material do centro tonsilar foram realizadas: — Punção aspirativa por agulha fina; — Biópsia incisional do centro tonsilar. 12 A punção aspirativa por agulha fina foi realizada com o paciente sob anestesia geral antes do início da tonsilectomia. Esse procedimento de coleta obedeceu as seguintes rotinas: 1. Anestesia geral 2. Posição do paciente na mesa cirúrgica: — Cabeça em hiperextenção; — Abertura da boca mantida com o afastador de Mac Ivor (Figura 1). Figura 1: Posição cirúrgica 3. Punção aspirativa com agulha fina: — Realizada com agulha de raqui número 22 acoplada à seringa de 5ml; — Sob a visão direta, a agulha é inserida na tonsila palatina numa profundidade de 0,5 cm em área que não contenha criptas, conforme mostra a Figura 2; — O êmbolo da seringa é então tracionado até a marca de 2,5ml e mantido neste nível; 13 — A agulha é então avançada na estrutura anatômica por mais 1 mm, em seguida retirada 2mm e, outra vez, recolocada na posição original; — A série de movimento é repetida duas vezes; — Antes da retirada da agulha do interior da tonsila, o êmbolo não é tracionado para reduzir a possibilidade de aspiração dos germes da superfície tonsilar; — O material obtido é acondicionado no frasco de meio de cultura da marca BAC HEMOCULT ADULTO (1). Figura 2: Punção do core tonsilar Após a realização da tonsilectomia com o eletrocautério, foram feitas as biópsias incisionais nas peças cirúrgicas obedecendo as seguintes rotinas: — As peças cirúrgicas foram submergidas durante um minuto em solução degermante de iodopovidona a 10%; — Posteriormente, lavadas com soro fisiológico estéril; 14 — As tonsilas foram secionadas no meio com uma lâmina de bisturi estéril e realizada uma biópsia incisional do seu centro (Figura 3); — Os tecidos obtidos nas biópsias incisionais foram adicionados a frascos estéreis e imersos em solução salina. 1 BAC HEMOCULT ADULTO ANAERÓBIO/AERÓBIO 45 ml de meio + 05 ml de sangue colhido estéril Fornecedor: DIAGNÓSTICOS MICROBIOLÓGICOS ESPECIALIZADOS Rua Tiradentes, 1320 - Tel.: (18)621-8670 - Araçatiba - S.P. CNPJ: 65 013 120/0001-79 Figura 3: Tonsila palatina seccionada O transporte dos materiais foi realizado imediatamente após o término do procedimento cirúrgico. Os materiais obtidos das tonsilas palatinas, pelos dois métodos de coleta, foram enviados ao Laboratório de Microbiologia da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMTAM). 3.5.2 Identificação presuntiva 15 Após 24 a 48 horas, das placas que apresentaram crescimento visível, foram realizadas colorações de Gram das colônias isoladas para confirmação da morfologia e características tintoriais bacterianas (KONEMAN, 2001). Os cocos Gram-positivos agrupados em massas irregulares ou em cachos de uva foram identificados presuntivamente como Staphylococcus sp. (Figura 4). Os cocos Gram-positivos agrupados aos pares ou em cadeias foram identificados presuntivamente como Streptococcus sp. (Figuras 5 e 6). Figura 4: Cocos Gram-positivos agrupados em massas irregulares observados sob microscopia ótica com lente de imersão de aumento de 630x 16 Figura 5: Cocos Gram-positivos agrupados e aos pares observados sob microscopia ótica com lente de imersão de aumento de 1000x Figura 6: Cocos Gram-positivos aos pares e em cadeias observados sob microscopia ótica com lente de imersão de aumento de 630x Os estreptococos podem ser classificados, segundo a capacidade de produzir halo de hemólise, em 3 tipos: 17 1 — Tipo α (alfa) ou enverdescente, que produz em torno das colônias halo de hemólise parcial de coloração verde, em virtude de uma alteração da hemoglobina por um sistema óxido-redutor contido na célula bacteriana. 2 — Tipo β (beta), ou hemolítico, que produz uma área de clareamento, por hemólise total. 3 — Tipo γ (gama), ou inerte, que não produz coloração verde nem halo de hemólise. Os diplococos Gram-negativos dispostos com as faces côncovas adjacentes foram identificados presuntivamente como Neisseria sp. (Figura 7). Figura 7: Diplococos Gram-negativos observados sob microscopia ótica com lente de imersão de aumento de 1000x Os bacilos Gram-negativos com característica identificados presuntivamente como Haemophilus sp. pleomórficas foram 18 3.5.3 Identificação confirmatória Provas bioquímicas e reações sorológicas foram utilizadas na identificação confirmatória (KONEMAN, 2001): 1. Gênero Staphylococcus sp. contém duas espécies: a) Staphylococcus aureus — Capacidade hemolítica em meios de Agar-sangue — Testes bioquímicos da catalase e coagulase positivos. b) Staphylococcus epidermidis — Testes bioquímicos da catalase positivo e coagulase negativo. 2. Gênero Streptococcus sp.: a) Foi utilizado o Streptex ® 2, teste rápido de aglutinação em látex: — Partículas de látex poliestireno revestidas com anticorpos identificam antígenos grupo-específicos presentes na parede celular do estreptococo por meio da ocorrência da aglutinação; — Possibilita agrupar os estreptococos patogênicos para o homem, os quais se filiam aos grupos A, B, C, F, G (beta-hemolíticos) e ao grupo D (geralmente alfa). b) Teste de sensibilidade à bacitracina e optoquina por difusão em disco: — Streptococcus pyogenes — sensível à bacitracina (Figura 8); 19 — Streptococcus pneumoniae — sensível à optoquina. Figura 8: Teste de sensibilidade à bacitracina e optoquina evidenciando sensibilidade à bacitracina característica do Streptococcus pyogenes 2 Fabricado por: MUREX BIOTECH LIMITED Distribuído por: ABBOTT LABORATÓRIOS DO BRASIL LTDA. Rua Michigan, 735 Cidade Monções – São Paulo – SP CNPJ: 56.998.701/ 0001-16 20 3. Gênero Neisseria sp. contém duas espécies com potencial patogênico: a) Neisseria gonorrhoeae; b) Neisseria meningitidis; — Positividade das provas bioquímicas da citocromo-oxidase e da catalase; — Isolamento no meio seletivo de Thayer-Martin; — Utilização do Slidex® meningite-Kit 5 3 — teste rápido de aglutinação em látex foi utilizado para definição do sorogrupo. 3.5.4 Teste de sensibilidade aos antimicrobianos O teste de sensibilidade por difusão em disco, descrito por Kirby e Bauer, utiliza um papel de filtro impregnado com antibiótico que ao entrar em contato com a superfície úmida do agar absorve a água e o antibiótico se difunde no meio circundante. À medida que aumenta distância em relação ao disco, ocorre uma redução logarítmica da concentração do antibiótico. A sensibilidade bacteriana ao antimicrobiano é avaliada pelo diâmetro do halo em que a concentração do antibiótico é capaz de inibir o crescimento bacteriano fornecendo resultados em categorias definidas como sensível, intermediário e resistente, conforme documento M2-A8 do National Committee for Clinical Laboratory Standards (NCCLS), que padroniza a técnica de disco-difusão. Os microrganismos com crescimento puro ou predominante foram identificados e submetidos a teste de sensibilidade por difusão em disco aos seguintes antimicrobianos segundo a padronização especificada no documento 21 3 ® SLIDEX MENINGITE-KIT 5 ® Fornecedor: BIOMÉRIEUX BRASIL, S.A. Estrada do Mapuá, 491 – Jacarepaguá – Rio de Janeiro – CEP: 22710-261 CNPJ: 33.040.635/0001-71 Tabela 1: Padrão para interpretação de halos de inibição Antimicrobiano Ampicilina Staphylococcus sp Haemophilus sp Streptococcus sp Amoxacilina Amoxacilina+clavulanato Azitromicina Haemophilus sp Demais bactérias Cefoxitina Ceftriaxona Haemophilus sp Streptococcus sp Demais bactérias Ciprofloxacina Haemophilus sp Demais bactérias Eritromicina Staphylococcus sp Streptococcus sp Oxacilina Staphylococcus aureus Staphylococcus sp coagulase negativa S. pneumoniae Penicilina Staphylococcus S. pneumoniae Concentração do disco Padrão interpretativo (zonas em mm) Resistente Sensível <28 <18 <13 <19 >29 >22 >24 >26 >20 <13 <14 >12 >18 >18 <13 >26 >24 >21 5µg <15 >21 >21 15µg <13 <15 >23 >21 <10 >13 <17 - >18 >20 <28 - >29 >20 10µg 25µg 20/10µg 15µg 30µg 30µg 1µg 10UI 22 Streptococcus sp Tetraciclina Haemophilus sp S.pneumoniae Streptococcus sp Demais bactérias Sulfametoxicilina 30µg 25µg - >24 <25 <18 <18 <14 - >29 >23 >23 >19 >15 Observações • Para Haemophilus spp, a ampicilina prediz todo o grupo penicilínico (sensível >22 mm); • Para Streptococcus pneumoniae, oxacilina 1µg prediz todo o grupo penicilínico sensível >20 mm; • Para Staphylococcus spp oxacilina 1µg – sensível >13 mm; • Para Neisseria spp, oxacilina 1µg prediz todo o grupo penicilínico zona <26 mm – relativamente resistente para penicilina e ampicilina; • Para Streptococcus sp, penicilina (10UI) – sensível >28 mm. Tabela 2: Condições para o método de Kirby-Bauer – disco-difusão Microrganismo Staphylococcus spp. Meio de cultura Método de inoculação Suspensão direta da colônia (escala 0,5 de McFarland) Suspensão direta da colônia (escala 0,5 de McFarland) Agar MuellerHinton (Figura 9) Streptococcus Agar Muellerpneumoniae e Hinton acrescido outros de 5% de sangue Streptococcus spp. de carneiro (Figura 10) Haemophilus spp. Haemophilus test Suspensão direta medim (HTM) da colônia (Escada 0,5 de McFarland) Tempo e condições de incubação 16 a 18h (24h para oxacilina) a 35°C 20-24h a 35°C 5% de CO 2 16-18h a 35°C 5% de CO 2 23 Neisseria spp. Agar Mueller- Suspensão direta 20 a 24h a 35ºC Hinton acrescido da colônia (escala 5% de CO 2 de 5% de sangue 0,5 de McFarland) de carneiro Fonte: Rossi, F., Andreazzi, D.B., Resistência Bacteriana – Interpretando o antibiograma, Atheneu, 2005, p.14 Figura 9: Teste de sensibilidade por difusão em disco do Staphylococcus aureus em Agar Mueller-Hinton 24 Figura 10: Teste de sensibilidade por difusão em disco do Streptococcus spp. Agar Mueller-Hinton acrescido com 5% de sangue de carneiro 3.6 Análise dos dados A análise estatística descritiva foi realizada utilizando o programa Epi Info versão 6.04d, fornecido gratuitamente por Centers for Disease Control & Prevention (CDC-USA). Avaliada a capacidade da punção aspirativa por agulha fina em identificar os germes presentes no centro tonsilar por meio de uma comparação com a biópsia incisional após a tonsilectomia. A comparação entre os dois métodos de coleta foi realizada por meio da aplicação dos testes exato de Fischer e qui-quadrado do programa STATISTIC versão 06. 25 3.7 Aspectos éticos Os procedimentos das coletas efetuados no estudo não ofereceram riscos adicionais aos inerentes ao ato cirúrgico da tonsilectomia a qual foi realizada por indicação que independe da existência do estudo. A inocuidade dos procedimentos de coletas foi documentada por estudos prévios. Todos os pacientes somente foram incluídos nos estudos após ficarem cientes de sua participação na pesquisa mediante a aplicação de termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo B). 26 4. RESULTADOS Foi realizado estudo microbiológico das tonsilas palatinas em 31 pacientes submetidos à tonsilectomia, sendo 26 (83,9%) com hipertrofia tonsilar obstrutiva associada a tonsilites de repetição, 4 (12,9%) com hipertrofia tonsilar obstrutiva e 1 (3,2%) com tonsilite de repetição (Figura 11). Hipertrofia tonsilar obstrutiva+Tonsilite de repetição 26 (83,87%) Tonsilite de repetição 1 Hipertrofia tonsilar (3,23%) obstrutiva 4 (12,90%) Figura 11: Distribuição dos pacientes segundo o tipo da doença tonsilar A idade média aproximada dos pacientes estudados foi de 8 anos com desvio padrão aproximado de 3, tendo o paciente mais jovem a idade de 5 anos e o mais velho 15 anos. A distribuição pelo sexo evidenciou 11 (35,5%) pacientes do sexo masculino e 20 (64,5%) pacientes do sexo feminino. A história de uso freqüente de antibióticos foi positiva em 26 (84%) dos pacientes. Somente 5 pacientes (16%) não tinham feito uso de antimicrobianos. 27 Em todos 31 pacientes, a biópsia incisional e a punção aspirativa por agulha fina foram realizadas nas duas tonsilas palatinas totalizando 62 amostras para estudo bacteriológico. A comparação dos germes identificados nas tonsilas palatinas, esquerda e direita dos pacientes, possibilitou observar que, em todos os casos, uma mesma bactéria foi responsável pela doença nas duas tonsilas palatinas. Na descrição da flora bacteriana observada, foram utilizados os germes identificados por meio da punção aspirativa por agulha fina nos 31 pacientes, os quais se distribuíram da seguinte maneira, como mostra a figura 12: — Streptococcus pneumoniae: 12 pacientes (38,7%); — Staphylococcus aureus: 12 pacientes (38,7%); — Streptococcus pyogenes: 4 pacientes (12,9%); — Neisseria meningitidis: 2 pacientes (6,5%); — Haemophilus influenzae: 1 paciente (3,2%). Streptococcus pyogenes 4 (12,90%) Neisseria meningitidis 2 (6,45%) Haemophilus influenzae 1 (3,23%) Staphylococcus aureus 12 (38,71%) Figura 12: Freqüência das bactérias identificadas Streptococcus pneumoniae 12 (38,71%) N = 31 28 Ao se realizar uma avaliação global do perfil de resistência antimicrobiana das bactérias isoladas nos 31 pacientes estudados, 8 (26%) eram produtoras de beta-lactamase, nenhuma (0%) era resistente à ciprofloxacina, 14 (45%) eram resistentes à azitromicina e 4 (13%) eram resistentes à ceftriaxona. As bactérias identificadas das espécies dos Streptococcus pneumoniae e Streptococcus pyogenes eram todas sensíveis aos antibióticos do grupo das penicilinas (penicilina, amoxicilina, amoxicilina associada ao ácido clavulânico e ceftriaxona) e à ciprofloxacina. Em relação à azitromicina, observou-se resistência em 12 (50%) dos Streptococcus pneumoniae e 1 (33%) dos Streptococcus pyogenes, conforme mostram as figuras 13 e 14. 0,00 Oxacilina 100,00 100,00 Antimicrobianos Ciprofloxacina 0,00 100,00 Penicilina 0,00 100,00 Amoxicilina 0,00 100,00 Amoxicilina+clavulanato 0,00 50,00 50,00 Azitromicina 100,00 Ceftriaxone 0,00 0 N = 12 10 20 30 40 50 Percentual 60 70 80 90 100 Sensível Resistente Figura 13: Perfil de resistência do Streptococcus pneumoniae aos antibióticos 29 0,00 Oxacilina 100,00 100,00 Antimicrobianos Ciprofloxacina 0,00 100,00 Penicilina 0,00 100,00 Amoxicilina 0,00 100,00 Amoxicilina+clavulanato 0,00 25,00 Azitromicina 75,00 100,00 Ceftriaxone 0,00 0 10 20 30 40 N=4 50 60 70 80 90 100 Sensível Resistente Percentual Figura 14: Perfil de resistência do Streptococcus pyogenes aos antibióticos Dentre as 12 bactérias identificadas da espécie do Staphylococcus aureus, 8 (66,7%) eram resistentes à penicilina. Estas 8 bactérias corresponderam a todas as bactérias produtoras de beta-lactamase identificadas neste estudo. Dentre as cepas de Staphylococcus aureus produtoras de beta-lactamase, somente uma (12,5%) era sensível à amoxicilina associada ao ácido clavulânico. Todas eram sensíveis à oxacilina e à ciprofloxacina. Em relação à azitromicina e à ceftriaxona, observou-se resistência em 4 (33,3%) dos Staphylococcus aureus. 100,00 Oxacilina 0,00 100,00 Antimicrobianos Ciprofloxacina 0,00 33,33 Penicilina 66,67 41,67 Amoxicilina 58,33 41,67 Amoxicilina+clavulanato 58,33 66,67 Azitromicina 33,33 66,67 Ceftriaxone 33,33 0 N = 12 10 20 30 40 50 Percentual 60 70 80 90 100 Sensível Resistente Figura 15: Perfil de sensibilidade do Staphylococcus aureus aos antibióticos 30 As duas bactérias identificadas da espécie Neisseria meningitidis eram sensíveis à ciprofloxacina e aos antibióticos do grupo das penicilinas. Para este microrganismo, a azitromicina não foi testada. Uma bactéria identificada da espécie do Haemophilus influenzae era sensível à ciprofloxacina e aos antibióticos do grupo das penicilinas. Em relação à azitromicina, observou-se que essa bactéria era resistente. A avaliação da capacidade da punção aspirativa por agulha fina em identificar os germes presentes no centro tonsilar foi realizada por meio da comparação com os resultados obtidos das biópsias incisionais. Em 6 pacientes, não houve crescimento bacteriano a partir do material obtido por meio da biópsia incisional. Em 25 pacientes houve crescimento bacteriano a partir dos materiais obtidos por meio dos dois métodos de coleta totalizando 50 tonsilas palatinas estudadas. Para uma comparação inicial dos dois métodos de coleta na identificação dos germes presentes no centro tonsilar, foram utilizados todos os pacientes, incluindo os pacientes em que não houve crescimento bacteriano do material da biópsia incisional. Nessa comparação, o teste exato de Fischer foi significativo (p=0,0001), demonstrando que a identificação dos germes dependia do método utilizado caracterizando a existência de diferença entre os dois métodos. Numa segunda comparação dos dois métodos de coleta na identificação dos germes presentes no centro tonsilar, foram excluídos os 6 pacientes em que não houve crescimento bacteriano a partir do material obtido por meio da biópsia incisional. Nessa comparação, o teste qui-quadrado não foi significativo (p=0,473) 31 demonstrando que os dois métodos identificavam da mesma forma os germes presentes no core tonsilar. 5. DISCUSSÃO Diversos estudos, como os de Brodsky, Moore e Stanievich (1988), Kielmovitch at al. (1989) e Brodsky e Koch (1993), acreditam que a flora bacteriana que coloniza as tonsilas palatinas esteja intimamente relacionada com os quadros de infecções de repetição, falhas no tratamento e até mesmo com o seu crescimento exagerado. O conhecimento da flora bacteriana que coloniza as tonsilas palatinas tem se tornado cada vez mais importante devido à sua participação na patogênese da tonsilite de repetição e na hipertrofia tonsilar obstrutiva crônica. Segundo Brandão et al. (1996), entende-se por flora normal uma população microbiana que convencionalmente habita superfícies saudáveis, estando internas e composta externas por de bactérias, indivíduos fungos e protozoários. As superfícies são colonizadas por mecanismos relacionados à aderência dos microrganismos e que permitem a sua sobrevivência, estabelecendose delicado balanço entre o hospedeiro e a flora. Brandão et al. (1996) ainda afirmam que são atribuídas à flora normal a função de limitar o crescimento de microrganismos patogênicos, possivelmente controlar o crescimento de fungos e vírus, degradar toxinas bacterianas e estimular o sistema imune do hospedeiro. 32 Brook e Foote (1990) e Gaffney et al. (1993) descreveram que a microbiota normal da faringe é composta por uma ampla variedade de microrganismos sendo representada principalmente por Haemophilus sp., Streptococcus sp., Staphylococcus sp., Neisseria sp. e Bacteroides sp. Stjernquist-Desatnik, Prellner e Schallen (1991), comparando a microbiologia de tonsilas com história de tonsilite de repetição ou hipertrofia tonsilar obstrutiva crônica com a de tonsilas normais, observaram um menor número de patógenos do trato respiratório nas biópsias dos centros das tonsilas normais. Os resultados desse estudo sugerem que tanto o estreptococo beta-hemolítico do grupo A quanto o Haemophilus influenzae não fazem parte da flora do core de tonsilas normais em adultos. O equilíbrio microecológico, o qual se estabelece nas interações entre o hospedeiro e a flora e entre os próprios componentes da flora bacteriana, está sujeito a influências exógenas multifatoriais, como, por exemplo, o uso de agentes antimicrobianos capazes de causar mudanças radicais e rápidas na flora normal como observado nos estudos de Brodsky e Koch (1993) e Machowian (1982). Scheifele e Fussel (1981) documentaram que a administração recorrente da penicilina ocasiona uma alteração na flora microbiana oral, com a seleção de cepas produtoras de beta-lactamase. Neste estudo, 26 (84%) dos pacientes apresentam história positiva de tonsilite de repetição e uso freqüente de antibióticos sugerindo a possibilidade de observarmos em nossos resultados uma freqüência elevada de 33 bactérias produtoras de beta-lactamase. O aumento da freqüência de insucessos da antibioticoterapia observado na prática clínica diária foi documentado por estudos realizados por Brook e Yocum (1984) que observaram um aumento da incidência de tonsilites não responsivas à terapia antimicrobiana rotineira. Brook (1984) relatou uma freqüência de recorrência entre 20 a 40% nas tonsilites estreptocócicas após os tratamentos convencionais com penicilina apesar da pouca mudança no padrão de resistência dos estreptococos. Brook (1984) atribui este fenômeno a mudanças do tipo e sensibilidade dos organismos presentes no core tonsilar. Os trabalhos de Dedio et al. (1988) e Brook (1984), por meio da cultura do core tonsilar após tonsilectomia, evidenciaram uma predominância de Haemophilus influenzae e Staphylococcus aureus, muitos dos quais produtores de beta-lactamase. Os organismos produtores de beta-lactamase reduzem a eficácia da penicilina pela sua inativação enzimática possibilitando a persistência da infecção. A tentativa de identificar essas bactérias por meio do suabe superficial das tonsilas palatinas tem sido desencorajada por diversos autores, como Rosen, Samuel e Vered (1977) e Brook e Yokum (1984), que documentaram a incapacidade do suabe em prever os patógenos presentes na profundidade da tonsila. Evidências clínicas suportando a habilidade de bactérias produtoras de betalactamase em proteger o estreptococos beta-hemolítico do grupo A foram primeiramente obtidas por Knudsin e Miller (1964) em estudo que se limitou à pesquisa de Staphylococcus aureus produtores de beta-lactamase na superfície da 34 tonsila. Esse estudo demonstrou uma freqüência significantemente mais elevada de Staphylococcus aureus produtor de beta-lactamase entre os pacientes que apresentaram falha ao tratamento com penicilina do que entre aqueles em que o tratamento apresentou sucesso. Brook e Gober (1984) documentaram que bactérias produtoras de betalactamase podem emergir rapidamente na orofaringe após tratamento com penicilina, tendo sido isoladas de três (14%) das 21 crianças antes do tratamento com penicilina e 10 (48%) das 21 crianças após 7 dias de tratamento com penicilina. Em concordância com outros estudos da microbiologia do core tonsilar, foram identificadas Streptococcus bactérias pyogenes, das espécies Staphylococcus Streptococcus aureus, Neisseria pneumoniae, meningitidis e Haemophilus influenzae. Em 8 (26%) pacientes foram isoladas bactérias produtoras de beta-lactamase. Gaffney et al. (1993) observaram que 40,2% das tonsilas palatinas continham uma ou mais bactérias produtoras de beta-lactamase, incluindo Haemophylus sp, Staphylococcus aureus e Moraxella catarrhalis como resultado de seleção bacteriana induzida pela administração de antibióticos. Timon et al. (1990) identificaram em 60% dos pacientes bactérias produtoras de beta-lactamase. Assim, apesar da freqüência elevada (84%) de pacientes com história de tonsilites de repetição e uso freqüente de antibióticos, a freqüência de 26% de bactérias produtoras de beta-lactamase mostrou-se relativamente baixa. Brook, Yocum e Foote (1995) e Timon et al. (1990) demonstraram que nos últimos anos tem-se observado uma mudança no padrão microbiano da flora 35 adenotonsilar, com aumento de bactérias produtoras de beta-lactamase, que inativam os antibióticos do grupo das penicilinas. Estudos têm demonstrado uma diminuição na incidência de estreptococos beta-hemolítico e aumento de Staphylococcus aureus, nas adenoamigdalites. Pignatari et al. (1987) afirma que, embora nos Estados Unidos da América o Staphylococcus aureus geralmente não seja considerado um germe colonizante freqüente das vias aéreas, a população brasileira é particularmente susceptível, albergando este germe com maior freqüência. Em concordância com a afirmação de Pignatari et al. (1987), o Staphylococcus aureus esteve entre as bactérias mais freqüentemente isoladas, tendo sido identificada em 12 (38,7%) pacientes. No estudo de Bastos et al (2000) sobre a microbiologia do centro tonsilar em 67 crianças no Hospital Clementino Fraga Filho na cidade do Rio de Janeiro, o Staphylococcus aureus também foi a bactéria isolada com maior freqüência tendo sido identificada em 38,8% dos pacientes sendo todas produtoras de betalactamase. Neste estudo, dentre os 12 pacientes em que foi identificado o Staphylococcus aureus, 8 (66,7%) eram espécies produtoras de beta-lactamase sendo elas as únicas bactérias produtoras de beta-lactamase isoladas. Estudos como os de Rosen, Samuel e Vered (1977), Brook, Yocum e Shah (1980), Brodsky, Moore e Stanievich (1988), DeDio et al. (1988) e Kielmovitch et al. (1989) evidenciaram taxas elevadas de identificação no centro tonsilar do Haemophilus influenzae e do estreptococos beta-hemolítico do grupo A tanto na tonsilite de repetição quanto na hipertrofia tonsilar obstrutiva, quando comparado às 36 tonsilas normais. Stjernquist-Desatnik, Prellner e Schalen (1990) observaram uma maior freqüência de isolamento desses agentes na cultura de tecido tonsilar do que no suabe da superfície faríngea. Timon et al. (1990), ao avaliarem as alterações na bacteriologia tonsilar nas tonsilites de repetição no período de 1980 a 1989, observaram que a freqüência de isolamento do Haemophilus influenzae subiu de 39% para 62%, dos quais os produtores de beta-lactamase compreendiam somente 2% em 1980 subindo para 44% em 1989. Timon et al. (1990) também observaram a predominância de espécies do Haemophilus influenzae no centro tonsilar. Nos dois grupos estudados, com uma década de diferença, o Haemophilus influenzae permaneceu sendo o patógeno mais freqüentemente isolado do centro tonsilar. Conforme outros estudos nacionais de Bastos et al. (2000) e Endo et al. (1995), que apresentaram baixa freqüência de isolamento do Haemophilus influenzae quando comparado aos estudos internacionais, observou-se que o Haemophilus influenzae compreendeu somente 3,2% (01 paciente) das bactérias isoladas. Bastos et al. (2000) não identificaram em sua casuística nenhum caso e Endo et al. (1995) isolaram o Haemophilus influenzae em 26,3% de seus pacientes. Timon et al. (1990) ainda relataram que a freqüência de isolamento do Staphylococcus aureus subiu de 6 para 40%, sendo todos produtores de betalactamase. Desta forma, o Staphylococcus aureus tornou-se mais proeminente no segundo período e o estreptococo beta-hemolítico tornou-se menos comum. Além disso, foi observado um aumento significativo do número de microrganismos 37 produtores de beta-lactamase, de 9% dentre os pacientes do grupo de 1980 para 60% no grupo de 1989. Esses autores relacionaram estas alterações com as mudanças de hábitos na prescrição de antibióticos. Conforme observado por Endo et al. (1995), durante décadas o Streptococcus pyogenes foi considerado o maior responsável pelas tonsilites agudas e de repetição. Entretanto, como Timon et al. (1990) e Uppal e Bais (1989) também observaram alterações temporais no perfil etiológico da tonsilite de repetição, com a progressiva redução da incidência do Streptococcus pyogenes ao longo dos anos, de 91% em 1929 para 39% em 1985, enquanto a incidência do Staphylococcus aureus vem apresentando aumento gradual. Este estudo observou uma freqüência de 52% (16 pacientes) de isolamento do Streptococcus sp., sendo todos sensíveis à penicilina. Em conformidade com os estudos de Brodsky, Moore e Stanievich (1988) e Gaffney e Cafferkey (1998), verificou-se uma porcentagem elevada do Streptococcus pneumoniae, o qual foi observado em 12 (38,7%) pacientes, enquanto o Streptococcus pyogenes foi observado em 4 (12,9%) pacientes. Brodsky, Moore e Stanievich (1988), ao estudarem 54 crianças, identificaram o Streptococcus pneumoniae em 10 (21%) pacientes e o Streptococcus pyogenes em 10 (21%) pacientes. Gaffney e Cafferkey (1998), ao estudarem o centro tonsilar em 119 crianças, identificaram o Streptococcus pneumoniae em 9 (7,6%) pacientes e o Streptococcus pyogenes em 24 (20,2%). Estudos como os de Endo et al. (1995) e Uppal e Bais (1989) identificaram somente cepas de Streptococcus pyogenes. 38 Poucos estudos, como os de Brook, Yocum e Shah (1980), Mitchelmore et al. (1994), Brook (1987) e Brodsky, Moore e Stanievich (1988), identificaram a Neisseria meningitidis entre as bactérias causadoras da doença tonsilar. Segundo BrooK (1987), a Neisseria meningitidis pode causar tonsilite sintomática ou assintomática e estas podem ser o pródromo para ocasionar doenças invasivas como a septicemia ou a meningite. Conforme Brodsky, Moore e Stanievich (1988), que a identificaram numa freqüência baixa (3,7%), neste estudo, a Neisseria meningitidis pôde ser identificada em 2 (6,4%) pacientes. O estudo de Uppal e Bais (1989) ressaltou a ineficácia dos antibióticos convencionalmente utilizados nos tratamentos das tonsilites de repetição. Consideraram que o aumento gradual da incidência do Staphylococcus aureus como causa das tonsilites provavelmente fosse devido a um aumento rápido da resistência deste microrganismo aos antibióticos convencionais. Uppal e Bais (1989) observaram que a cultura do suabe do core tonsilar realizado após a tonsilectomia identificou a presença do Staphylococcus aureus em 51% dos pacientes. Brook, Yocum e Foote (1995) também observaram que tanto a freqüência de identificação de bactérias produtoras de beta-lactamase quanto o seu número por tonsila aumentaram durante o estudo. Bactérias produtoras de beta-lactamase foram detectadas em 37 tonsilas (74%) durante o primeiro período, 46 tonsilas (92%) no segundo período e 47 tonsilas (94%) no terceiro período. Todos os Staphylococcus aureus isolados durante os três períodos produziam beta-lactamase. Um aumento 39 similar foi notado com Haemophilus influenzae tipo b – de 17% no primeiro para 55% no segundo período e 50% no terceiro período. De acordo com os estudos de Brook, Yocum e Foote (1995), Uppal e Bais (1989) e Timon et al. (1990), surgiu o conceito de bactérias emergentes, aquelas geralmente patogênicas em outros sítios, não consideradas colonizadoras da faringe, agora patogênicas nas infecções bacterianas recorrentes do trato respiratório alto. Brook, Yocum e Foote (1995) consideram que a confirmação da existência de alterações ao longo do tempo da flora microbiana no centro das tonsilas com infecções de repetição indica a necessidade de monitoramento dessa flora na comunidade. Embora a porcentagem das tonsilas que abrigam bactérias produtoras de beta-lactamase seja crescente em todas as localizações, os tipos de bactérias envolvidas podem variar. Tradicionalmente o suabe da superfície das tonsilas palatinas tem sido o único método de coleta de material da microflora das tonsilas. Muitos autores, como Timon et al. (1990), Brook, Yokum e Shah (1980), Surow et al. (1989) e Uppal e Bais (1989), relataram as limitações deste método para detectar as bactérias localizadas na profundidade das tonsilas. Rosen, Samuel e Vered (1977) observaram uma discrepância em torno de 30 a 40% dos casos. Desta forma, segundo Rosen, Samuel e Vered (1977) e Brook, Yokum e Shah (1980), os microrganismos identificados no centro tonsilar diferem dos identificados na superfície tonsilar e podem representar melhor os verdadeiros patógenos, em contraste com as espécies colonizadoras. A possibilidade de certos microrganismos confinados ao centro tonsilar permanecerem sem tratamento pode ser a causa da perpetuação ou da recorrência da doença. Assim, análises como as de Kielmovitch, Keleti e Bluestone (1989) e Uppal e Bais (1989) tiveram a preocupação de estudar a microbiologia da profundidade da tonsila. 40 Inicialmente, estudos como os de Kielmovitch, Keleti e Bluestone (1989), Uppal e Bais (1989) coletavam material do centro tonsilar somente após a sua ressecção cirúrgica. Kielmovitch, Keleti e Bluestone (1989) não observaram nenhuma diferença qualitativa entre a flora presente na superfície e no centro tonsilar na hipertrofia tonsilar obstrutiva e na tonsilite de repetição. Embora a concentração, principalmente das bactérias aeróbias produtoras de beta-lactamase, tendesse a ser mais elevada no grupo de pacientes com tonsilites de repetição do que no grupo com hipertrofia tonsilar obstrutiva, essa diferença entre os dois grupos não alcançou significância estatística. O Staphylococcus aureus apresentou a maior freqüência de produção de beta-lactamase dentre os organismos aeróbios nos dois grupos estudados, enquanto o Haemophilus influenzae foi a bactéria aeróbia produtora de beta-lactamase mais prevalente nos dois grupos. Recentemente a punção aspirativa por agulha fina (PAAF) tem sido empregada como método de coleta de material do centro tonsilar devido à sua vantagem em reduzir a possibilidade de contaminação por germes da superfície tonsilar como afirmado por Gaffney e Cafferkey (1998). Seguindo esta tendência atual também foi avaliada a capacidade da PAAF em identificar os microrganismos presentes no centro tonsilar como forma de familiarização com o método. Em concordância com Timon, Cafferkey e Walsh (1991), que foram os primeiros a avaliar a confiabilidade deste teste em pacientes sob anestesia geral, observou-se neste estudo uma correlação de 100% entre a PAAF e a cultura de material obtido após a ressecção cirúrgica na identificação dos germes presentes no 41 centro tonsilar. Esta freqüência de concordância entre a PAAF e a biópsia incisional na identificação dos germes presentes no centro tonsilar foi obtida num grupo de pacientes em que foram excluídos os pacientes em que não houve crescimento bacteriano do material obtido a partir da biópsia incisional. A aplicação do teste quiquadrado demonstrou que, nesse grupo, os dois métodos identificavam da mesma forma os germes presentes no centro tonsilar. As culturas negativas observadas nos materiais obtidos por meio das biópsias incisionais foram consideradas falsos negativos, devido a inferioridade do meio de transporte destas (solução salina). Nenhum falso negativo foi observado no material obtido por meio da punção aspirativa por agulha fina, pois este era imediatamente injetado no interior do frasco de hemocultura após a realização do procedimento de coleta. A PAAF não se popularizou devido a controvérsias existentes sobre a sua tolerabilidade em pacientes acordados. Entretanto, Gaffney e Cafferkey (1998) e Kurien et al. (2003) estudaram a acurácia do método nas condições menos favoráveis da anestesia local. Gaffeny e Cafferkey (1998) observaram que a PAAF é um método acurado de coleta de material do centro da tonsila palatina em pacientes com tonsilite aguda de repetição. O perfil de bactérias isoladas a partir da PAAF e do suabe do centro da tonsila em todos os pacientes submetidos à tonsilectomia neste estudo foi idêntico em 53% e com uma relação próxima em 85% dos casos. Kurien et al. (2003), avaliaram a confiabilidade da cultura do espécime obtido por meio da PAAF comparando com a do suabe do centro tonsilar (o padrão ouro). A sensibilidade e o valor preditivo positivo para estes procedimentos sob anestesia geral e local foram calculados. No primeiro grupo aonde a PAAF foi realizada sob anestesia geral, a sensibilidade foi de 100% e o valor preditivo positivo 42 de 92%. No segundo grupo, aonde a PAAF foi realizada sob anestesia local, a sensibilidade da cultura foi de 93% e o valor preditivo positivo foi de 82%. Desta forma, foram observados excelentes índices de sensibilidade e valor preditivo positivo tanto sob anestesia geral quanto sob anestesia local. Além disso, o procedimento foi bem tolerado sob anestesia local em crianças mais velhas e nos adultos. Por meio da PAAF, Gaffney e Cafferkey (1998) observaram que, embora o Haemophilus influenzae seja reconhecido como flora normal da faringe, em nenhum dos aspirados de tonsilas normais houve o crescimento do mesmo em contraste com a elevada prevalência dele nas tonsilas palatinas dos pacientes com tonsilite de repetição. A comparação dos aspirados das tonsilas normais e das doentes sugere que as tonsilas não são um reservatório do Haemophilus influenzae no indivíduo normal, mas a colonização das tonsilas pelo mesmo encontra-se intimamente relacionada à ocorrência da tonsilite de repetição. Nos pacientes com tonsilite de repetição em que o Haemophilus influenzae foi isolado pela PAAF, o suabe da superfície falhou em isolar a mesma bactéria em um número significativo de pacientes. Gaffney e Cafferkey (1998) recomendaram a realização da PAAF nos pacientes com tonsilite de repetição como forma de identificar o microrganismo causador e de direcionar a antibioticoterapia evitando a utilização de antibióticos de forma repetida e sem orientação diagnóstica. 43 CONCLUSÃO Neste estudo, observou-se que as espécies bacterianas presentes nas tonsilas palatinas dos pacientes submetidos à tonsilectomia, no período de fevereiro a junho de 2005, na cidade de Manaus, foram Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenes, Staphylococcus aureus, Neisseria meningitidis e Haemophilus influenzae. A punção aspirativa por agulha fina é um método eficaz na identificação dos germes presentes no centro tonsilar tendo apresentado uma correlação de 100% com a biópsia incisional quando excluídos os falsos negativos desta última. Somente 26% das bactérias identificadas neste estudo eram produtoras de beta-lactamase. Esta porcentagem, quando comparada a outros estudos nacionais e internacionais, mostrou-se relativamente baixa. Neste estudo, foi observada uma elevada freqüência de Staphylococcus aureus (38,7%), dos quais 66,7% eram produtores de beta-lactamase. Esta porcentagem é bastante menor quando comparada às relatadas por outros estudos nos quais se aproxima de 100%. Embora as literaturas nacional e internacional demonstrem o aumento na freqüência do Haemophilus influenzae e redução na freqüência do Streptococcus sp., neste estudo, ocorreu o contrário. 44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASTOS, A.G.D.; PEREIRA, C.F.A.; RODRIGUES, F.A.; SARMENTO, K.; MARQUES, M.P.C.; TOMITA, S. Microbiologia do Centro Germinativo de tonsilas palatinas. In: XXXV Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, 2000, Natal-RN, Anais, p.80. BRANDÃO, K.G.; PEREIRA, R.C.C.M.; BORDASCH, A.; PIGNATARI, S.S.N. Bacteriologia da adenóide hipertrófica e normal em crianças. Rev Paul Pediatria, v.14, n.01, p37-42, mar.1996. 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JBM, v. 54, n. 5, p. 47-54, mai.1988. 48 ANEXOS ANEXO A : Termo de consentimento livre e esclarecido Investigador: Dr. Alex de Santana Vidaurre Instituição: Fundação de Medicina Tropical do Amazonas / Mestrado em Doenças Infecciosas e Tropicais Telefone: 238-1711 Ramal:251 Título: MICROBIOLOGIA DO CENTRO DAS TONSILAS PALATINAS: COMPARAÇÃO ENTRE A PUNÇÃO ASPIRATIVA POR AGULHA FINA E A BIÓPSIA Nome do Paciente:_____________________________________________ Nº do Protocolo: __________________________________________ Patrocinador: Fundação de Medicina Tropical do Amazonas Descrição e objetivo do estudo A finalidade desta pesquisa é avaliar quais são as bactérias presentes nas amídalas dos pacientes que precisam ser operados devido a amidalites de repetição ou pelo aumento acentuado do seu volume ocasionando obstrução respiratória. Durante a realização da cirurgia será coletado material através da realização de punção aspirativa com agulha fina e, após o término da cirurgia, a amígdala será dividida na metade e realizada uma biópsia do seu centro. Nenhum destes métodos oferece riscos adicionais aos do procedimento cirúrgico previamente indicado. Os materiais obtidos serão submetidos a exames de cultura para identificação das bactérias e avaliação da resistência destas aos antibióticos. Diversos estudos mostraram a diferença existente entre as bactérias localizadas na superfície e no centro das amígdalas. As bactérias causadoras das doenças amigdalianas encontram-se no centro, não sendo observadas na sua superfície. 49 O estudo da capacidade da punção aspirativa em identificar as bactérias presentes no centro da amígdala é importante, pois este se tornará um método de coleta mais adequado que o suabe de sua superfície. A identificação das bactérias causadoras das doenças amigdalianas possibilitará o estudo do perfil de resistência a antimicrobianos na cidade de Manaus, sendo esta informação de grande valor, visto que a resistência bacteriana aos antimicrobianos encontra-se em níveis diferentes de acordo com a região estudada. Eu recebi a explicação de que eu/meu filho serei (será) incluído no estudo da microbiologia das tonsilas palatinas. Minha participação (de meu filho) é absolutamente voluntária. Riscos associados ao estudo Os estudos que avaliaram a punção aspirativa por agulha fina das amígdalas mostraram que a mesma não apresenta riscos adicionais ao procedimento da amigdalectomia previamente indicado. O procedimento da biópsia do centro da amígdala será realizado somente após a sua remoção cirúrgica não oferecendo riscos ao paciente. Benefícios Participando neste estudo, nem eu ou meu filho obteremos qualquer benefício adicional, mas estaremos contribuindo para o conhecimento da microbiologia das tonsilas palatinas e do perfil de resistência antimicrobiana na cidade de Manaus. Confidencialidade e avaliação dos registros Minha participação (de meu filho) neste estudo será confidencial e os registros ou resultados dos procedimentos de coleta relacionados ao estudo serão mostrados 50 apenas a representantes da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, bem como a autoridades normativas nacionais ou internacionais, com o objetivo de garantir informações de pesquisas clínicas ou para fins normativos. Minha identidade (de meu filho) permanecerá sempre em confidencialidade. Direito à retirada do estudo Eu tenho o direito de fazer qualquer pergunta referente aos riscos potenciais ou conhecidos para mim/meu filho durante minha (dele/dela) participação neste estudo. Eu serei notificado com referência a qualquer nova informação relacionada com o estudo, eu serei capaz de contatar Dr. _________________________, cujo número de telefone é ________________________________. Eu tenho o direito de retirar minha participação/de meu filho neste estudo a qualquer momento. Participação voluntária A minha participação/de meu filho neste estudo é voluntária. Se eu (ele/ela) recusar a participação neste estudo, não haverá qualquer tipo de retaliação ou perda de benefícios a que eu/meu filho tenha direito. Eu tenho direito de manter uma cópia assinada deste documento. Consentimento Pós-Informação E, por estar devidamente informado e esclarecido sobre o conteúdo deste termo, livremente, expresso meu consentimento para minha inclusão, como sujeito, nesta pesquisa. 51 __________________________________________________________ Paciente ou Representante Legal ______________________________________________________________ Pesquisador Responsável Manaus, __ / __ / __ (p/ analfabeto) Impressão dactiloscópica 52 Anexo B: Questionário clínico Identificação 1 – Nome: ______________________________________________________ 2 – Data de nascimento: ___ / ___ / _____ 3 – Nome do pai (< 18 anos): ______________________________________ 4 – Nome da mãe (< 18 anos): _____________________________________ 5 – Telefone: _______________________________________ 6 – Endereço: ______________________________________________________ 7 – Hospital de origem: _______________________________________________ História da doença 6 – História de amígdalite de repetição: ( ) Sim 7 – Uso freqüente de antibióticos: ( ) Sim 8 – Respiração bucal de suplência: 9 – Episódios de apnéia: ( ( ( ) Sim ) Sim ( ( ) Não ) Não ( ) Não ) Não 10 – Utilizou antibiótico nas últimas 5 semanas: ( ) Sim ( Exame físico 11 – Hipertrofia de tonsilas palatinas: ( ( 12 – Palato ogival: ( ) Sim ( ) Grau I ( ) Grau III ( ) Grau II ) Grau IV ) Não 13 – Alterações de arcada dentária: ( ) Sim ( ) Não ) Não