A Fidelidade Partidária deve ser entendida como um instituto g

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Fidelidade Partidária
Cyntia Teixeira Pereira Carneiro1
Resumo: A Fidelidade Partidária deve ser entendida como um instituto garantidor da
Democracia em um Estado Democrático de Direito. Isso porque, o povo, legítimo detentor
do Poder do Estado, escolhe um candidato que vai representar seus ideais políticos, com
base na ideologia e plataforma defendida por determinado Partido Político. A partir deste
momento, estabelece-se um vínculo de confiança entre eleitor e candidato e entre este e
Partido Político. A quebra desta confiança, especialmente visando obter vantagens para si,
configura uma deslealdade, não só ao candidato em relação ao Partido Político pelo qual
fora eleito, mas, especialmente, uma lealdade ao eleitor.
Palavras-Chave: Fidelidade Partidária; Partido Político; Representação Política; Mandato;
Eleitor; Eleito; Parlamentar.
Conceito de Fidelidade Partidária
A democracia não se realiza somente na escolha pelo povo de seus representantes, é
necessário que esse processo seja livre, sem pressões, para que seja o espelho real da
vontade do povo, razão pela qual o voto deve ser direto, secreto e universal.
Nesse processo de escolha dos representantes somam-se dois elementos: o candidato e o
partido. Portanto, encerradas as eleições, os resultados deverão ser atribuídos não somente
ao candidato, mas também à força política do partido ao qual se encontra filiado.
O eleitor, na relação jurídico-constitucional do voto, escolhe um candidato que vai
representar seus anseios com base na ideologia e plataforma de um determinado partido
político.
A partir desse momento, é necessário que haja certo grau de confiança tanto do eleitor com
relação ao candidato e ao partido, quanto deste último em relação aos seus membros.
1
Professora de Teoria do Estado e Direito Constitucional da Faculdade de Direito Promove; Especialista em
Direito Público pela Universidade Gama Filho; Mestre em Ciências Jurídico – Políticas pela Universidade de
Lisboa; Advogada atuante na Área Pública, Trato e Cível.
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Não é admissível, muito embora seja realidade em diversas “democracias modernas”,
que o candidato que venceu as eleições deixe de representar aquele partido pelo qual foi
eleito, abandonando os programas e plataformas do partido e, o mais grave, a própria
ideologia que o eleitor acreditava ser coincidente com a sua, e se filie a outro partido que
adote ideologia diversa.
A essa lealdade e confiança que devem existir tanto na relação partido e filiados
quanto eleitor e eleito dá-se o nome de Fidelidade Partidária.
Vale destacar que é tarefa difícil encontrar um conceito que esgote todo o sentido e
amplitude da fidelidade partidária, por um lado porque não há muita bibliografia disponível
sobre o assunto e, por outro, devido ao fato de ser um tema ainda muito pouco desenvolvido.
Além disso, tem havido novos questionamentos e debates sobre o tema, o que gera dúvidas e
polêmicas.
Por isso, não pretendemos com esse artigo jurídico esgotar o tema fidelidade
partidária, mas, tão-somente, abordar alguns aspectos que julgamos de extrema importância
para a percepção do seu real significado, notadamente no que diz respeito ao seu tratamento
no âmbito interno do partido político.
A fidelidade partidária, ao contrário do que muito pensam, não se esgota pelo fato de
um candidato vitorioso nas urnas não abandonar o partido pelo qual foi eleito e se filiar a
outro, ou, ainda, de um filiado pertencer sempre a um determinado partido, sem nunca tê-lo
abandonado.
Dessa forma, podemos afirmar com segurança que nem toda saída de um filiado do
respectivo partido caracteriza uma infidelidade partidária. Há casos em que a saída de um
filiado se deve às suas convicções, consciência ou crença e, por se tratar de direitos
fundamentais do indivíduo, devem ser respeitados.
É princípio constitucional a liberdade de associação, não podendo ninguém ser
compelido a permanecer numa organização ou associação, no presente caso, no partido
político, contra sua vontade.
Mas, se por outro lado, determinada pessoa filia-se a um partido no intuito específico
de se candidatar a um cargo e, logo após eleito, abandona aquele partido e filia-se a outro, aí
sim, tal ato configura-se, ao menos do ponto de vista moral, uma infidelidade, não só ao
partido, mas também aos seus eleitores, que depositaram nele a confiança ao manifestarem
seu voto.
O parlamentar, no exercício de seu mandato, está autorizado a tomar decisão
3
individualmente ou qualquer ação ou decisão deverá estar intrinsecamente ligada à tomada
de decisão partidária?
O princípio basilar que rege os partidos políticos é o da Autonomia, entendido como
a capacidade conferida constitucionalmente aos partidos políticos de se auto-organizarem,
ou seja, de definirem sua estrutura interna, organização e funcionamento.
Assim, cada partido político deverá elaborar seu próprio estatuto, que deverá ser
seguido por todos aqueles que a ele se filiarem.
Mas, nem todas as questões discutidas internamente nos partidos políticos serão
objeto de debate junto às Bancadas Parlamentares. Haverá situações em que os assuntos
tratados no âmbito interno do Poder Legislativo irão ultrapassar os limites propostos na
esfera partidária, ou, ainda, haverá questões que atingem outros interesses prioritários para a
sociedade. Nessa situação, caberá a cada parlamentar decidir o seu voto analisando a
situação concreta.
Os partidos podem puni-los nesses casos, mesmo sob respaldo do estatuto? E a
fidelidade ao partido, não deve ser considerada?
Muitas vezes, são aplicadas penalidades aos parlamentares que agirem em
desconformidade com o respectivo partido, podendo eles ser advertidos, suspensos ou, até
mesmo, punidos com expulsão do partido político.
A legitimidade na representação impõe, como corolário do Estado Democrático de
Direito, que, através da livre escolha pelos cidadãos de seus representantes, estejam ali
representados os mais diversos segmentos da sociedade.
O Ordenamento Jurídico Brasileiro não prevê mecanismos que vinculem os políticos
aos seus compromissos programáticos, nem mesmo há previsão de punições para aqueles
que mudam de partido a todo o momento.
Na verdade, há uma desestabilização e um descrédito na política brasileira em razão
do número elevado de deputados que migram de seus partidos e rompem com a fidelidade
ao partido pelo qual foram eleitos e ao próprio eleitor.
A legislação eleitoral nada dispõe acerca da migração partidária, e, o máximo que
determina, é o prazo de um ano de filiação até a data da eleição para quem pretende disputar
o voto nos pleitos eleitorais.
Compete aos respectivos estatutos partidários prever as condutas proibidas e
estabelecer as sanções aplicáveis. Portanto, a punição aplicável aos parlamentares que não
seguem a orientação da bancada fica a cargo da norma intrapartidária e da sua efetividade.
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Enquanto os parlamentares perceberem que não serão punidos se trocarem de
legenda no curso do mandato ou se votarem contra a orientação do partido, continuarão a
agir com total descompromisso com as propostas partidárias.
Inexiste qualquer vínculo programático entre os partidos e os parlamentares. Assim,
o parlamentar fica livre para decidir se vai seguir a posição das bancadas, os acordos
políticos ou a sua própria posição frente à base eleitoral.
Controversa é a situação em que há divergência entre teses programáticas partidárias
e a prática de governo adotada pelo partido ao assumir o Poder Executivo, por exemplo.
O pragmatismo do poder, não raras vezes, impõe ao governante a adoção de medidas que
invertem prioridades ou que são até mesmo contrárias às anteriormente defendidas pelo
partido.
Essa situação ocorre, em regra, nos partidos políticos que representam a oposição,
pois pregam ideologia, comandam movimentos sociais em contraposição aos interesses das
elites, fomentam a luta dos trabalhadores por melhores condições, a luta pela reforma
agrária, dentre outros manifestos e, quando assumem o poder, vêem-se incapazes de
promover toda aquela mudança, cuja bandeira o partido político sempre ostentou.
O resultado imediato é a revolta dos militantes e dos próprios eleitores, pois aquele
que se encontra no poder representando os interesses que eles defendem contraria as bases
eleitorais e partidárias.
Assim, se o partido, ao assumir o poder, levado pelo pragmatismo da
governabilidade, optar por não proceder às rupturas necessárias à concretização de seu
programa, deixará de cumpri-lo, ou, até mesmo, adotará medidas incoerentes com sua
pregação histórica.
Nesse caso, o eleito, que tem compromisso com sua própria história de militância e
com os milhares de votos que recebeu com base em suas posições políticas, não pode
abdicar disso para acompanhar a opção do núcleo dirigente do governo, principalmente em
questões emblemáticas do Partido.
Nesse momento político, surge a questão da punição, ou seja, quem deverá ser
punido pelo partido político? O parlamentar que votou a favor da ideologia defendida
durante toda sua existência pelo partido, agindo contra a orientação da executiva partidária
ou do próprio chefe do Poder Executivo, que agiu contra a base ideária do partido?
É possível o partido punir alguém por se manter fiel ao que sempre acreditou, ao que
sempre pregou, pelo que sempre lutou, não raras vezes à custa de grandes sacrifícios e riscos
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de toda sorte?
No Brasil, uma das melhores definições institucionais dos partidos políticos vem do
Ministro Celso Melo, em acórdão do Supremo Tribunal Federal (Medida Cautelar na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 1096 - RS), que assim se expressou:
A essencialidade dos partidos políticos, no Estado de Direito, tanto mais acentua
quando se tem em consideração que representam eles um instrumento decisivo na
concretização do princípio democrático e exprimem, na perspectiva do contexto
histórico que conduziu à sua formação e institucionalização, um dos meios
fundamentais no processo de legitimação do poder estatal, na exata medida em que
o Povo - fonte de que emana a soberania nacional, tem, nessas agremiações, o
veículo necessário ao desempenho das funções de regência política do Estado.
Portanto, pelos preceitos de ordem constitucional e infraconstitucional, os partidos
políticos no Brasil são pessoas jurídicas de direito privado do tipo associativo, congregando
pessoas que têm objetivos e idéias políticas afins.
É dentro dessa estrutura partidária que o parlamentar brasileiro exerce o seu
mandato, que a ele pertence e não ao partido.
Nesse contexto histórico-político-social, coloca-se a questão da punição partidária
por defesa, ou não, do programa de governo.
A Lei dos Partidos Políticos - Lei nº 9.096, de 19 de novembro de 1995, em seu art.
24, dispõe o seguinte: “Na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve
subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às
diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do Estatuto.”
Contudo, a prática tem mostrado que é necessário que haja uma disciplina
intrapartidária a ser respeitada por todos os membros, não importando se ocupam cargos no
interior do partido político, no governo ou no poder legislativo, devendo-se aplicar o
princípio da igualdade no momento da apreciação e aplicação das penalidades.
Dessa forma, assim como os partidos dispõem de liberdade para qualificar as
condutas consideradas manifestações de infidelidade partidária ou de indisciplina, há que se
respeitar também os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição e a
legislação infraconstitucional para aplicação das penalidades. Isso porque, as penalidades
previstas no Estatuto não podem ser desprezadas por completo, de forma a reinar a
desordem absoluta e o conseqüente desrespeito aos princípios éticos e morais.
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Por outro lado, as penalidades não podem ser levadas a rigor extremista, a ponto de
se instaurar a ditadura partidária.
A análise da viabilidade ou não do instituto da fidelidade partidária não se faz de
forma simplificada. Em última análise, esse instituto político pode até mesmo esbarrar no
próprio texto constitucional, hipótese em que poderá ser declarada sua inconstitucionalidade,
se não for devidamente delimitada a sua esfera de abrangência.
Se, por um lado, o instituto da fidelidade partidária não pode desviar-se de sua
finalidade, que é a manutenção da unidade partidária, respeitando-se os preceitos estatutários
e, principalmente, sendo coerente à ideologia defendida pelo partido, por outro, não pode
transformar o eleito em mero autômato, totalmente dependente da vontade do partido,
violando direitos e garantias fundamentais assegurados constitucionalmente.
Embora seja de extrema importância a disciplina partidária, os direitos e garantias
fundamentais colocam-se em grau superior de importância. Seria ilícito e, até mesmo,
inconstitucional uma penalidade intrapartidária ao membro eleito que desobedecesse a
orientação partidária por questões de convicção, consciência ou crença.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispõe, no título relativo
aos Direitos e Garantias Fundamentais, no art. 5º, inciso VIII, que ninguém será privado de
direitos por motivo de crença religiosa ou convicção política ou filosófica.
Dessa forma, o membro de poder político não poderia ser punido por defender os ideais e
convicções que acredita.
Assim, em respeito ao dispositivo constitucional supracitado, deverá ser assegurado a
todos os indivíduos, sejam eles brasileiros ou estrangeiros, dentre outros direitos, o direito à
liberdade de manifestação do pensamento, externando as expressões dos ideais e convicções
que acredita.
Há que se restringir o instituto da Fidelidade Partidária, de forma a impedir a
violação aos direitos e garantias fundamentais do parlamentar, especialmente a sua liberdade
de consciência. É imprescindível que o Partido Político estabeleça suas diretrizes de forma
escrita, obrigando os seus filiados a segui-las, pois, no ato da adesão, houve o conhecimento
e a aceitação das regras e ideologias basilares.
Entretanto, é lícito ao parlamentar, desde que motivadamente, discordar de alguma
orientação ou decisão, por razões de foro íntimo ou de natureza política, ideológica,
religiosa e/ou ética, visando a preservar e a promover as liberdades pública e privada, de
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modo a possibilitar a maior realização possível das diversas singularidades humanas, que
não sejam contraditórias à própria promoção da liberdade.
Outro fator capaz de determinar o grau de fidelidade partidária é a disciplina interna
dos respectivos partidos políticos.
Os Estatutos Partidários definem, de modo generalizado, a estrutura e organização do
partido, além da disciplina partidária, dentre outros aspectos. Mediante uma análise
detalhada dos respectivos estatutos, tem-se uma noção do funcionamento do partido político
e do grau de fidelidade partidária de seus membros.
Os diversos estatutos partidários examinados reservam um capítulo à disciplina
partidária, no qual se observa comumente a previsão de penalidades a serem aplicadas em
caso de violação de alguma regra estatutária ou de algum princípio, que vão desde uma
simples advertência até a expulsão, dependendo de cada caso específico.
Também a constituição de órgãos competentes para julgamento dessas infrações e as
instâncias recursais está prevista nos estatutos analisados.
Normalmente, aqueles partidos políticos que possuem uma disciplina partidária mais
rigorosa tendem a obter maior fidelidade partidária de seus membros.
É incontestável que uma disciplina partidária extremamente rigorosa é prejudicial e
inconstitucional, pois se corre o risco de invadir a esfera protegida dos direitos
fundamentais.
Igualmente determinante na fidelidade partidária é a análise da relação entre o
partido no parlamento e/ou governo e sua direção nacional.
Na maioria das vezes, percebe-se que os partidos políticos detentores de uma
organização executiva forte e segura tendem a ser mais estáveis, e, conseqüentemente, com
maior índice de fidelidade partidária de seus membros.
Por outro lado, os partidos em que há grande independência entre o partido no
parlamento e/ou no governo e sua estrutura interna, tendem a não se preocupar em seguir as
orientações do executivo partidário, agindo da forma que melhor lhes convier.
Portanto, todas essas questões levantadas são determinantes para que se perceba um
grau maior ou menor de fidelidade partidária, restando claro que a quebra da fidelidade
partidária vai muito além do abandono daquele partido pelo qual se filiou, para abranger a
lealdade a ele, através do cumprimento do Estatuto, das diretrizes e dos princípios
estabelecidos pelo respectivo partido, que também determinará as penalidades cabíveis,
além da infidelidade ao próprio eleitor.
8
A Fidelidade Partidária deve ser entendida tanto sob a perspectiva partidária quanto
sob a perspectiva da legitimidade da representação.
Há, pelo menos, duas visões em confronto: uma considera que a exigência de
fidelidade decorre do fato de que o mandato é prioritariamente do partido, e não do
candidato; o outro lado contesta, argumentando que o eleito recebe um voto de confiança do
eleitor e deve comportar-se de acordo com sua consciência.
Encontra-se ainda aqueles que entendem que o mandato é igualmente do eleito, do
partido e da cidadania, uma vez que os votos não seriam exclusivamente partidários ou
ideológicos.
Não obstante existam vários projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados
e no Senado Federal acerca a Fidelidade Partidária, não há interesse político na sua
aprovação, pois os próprios deputados e senadores que irão votar a aprovação ou não desse
projeto não são ou não foram fiéis ao seu Partido Político.
Não está em causa o motivo democrático do instituto da fidelidade, que é duplo: o
vínculo do eleito com o programa partidário e a responsabilidade do representante perante o
eleitor.
A gigantesca crise econômica na qual vivemos dificulta muito na construção de uma
democracia sólida e eficiente. Entretanto, as dificuldades de nossa democracia em
construção resultam não só, mas também, de escolhas institucionais erradas quanto ao
sistema de governo, ao sistema de partidos e ao sistema eleitoral.
Infelizmente, como se não bastassem as dificuldades econômicas e gigantesca dívida
social acumulada, temos também um problema de reforma política que deve ser encarado
com urgência e seriedade.
O sistema eleitoral e a legislação partidária produziram um sistema de partidos
fragmentado e sem nitidez política, que não é capaz de estruturar o jogo eleitoral e de gerar
capacidade governativa.
A reforma política não irá resolver de imediato os problemas econômicos que se
arrastam há uma década, muito menos a terrível crise social em que nos encontramos, mas
pode contribuir para a criação de instituições políticas mais resistentes aos efeitos corrosivos
dos males da economia e do mal-estar social, além de ajudar a produzir governos capazes de
definir e implementar políticas destinadas a enfrentá-los.2
2
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. A importância da Reforma Política. Jornal da USP. Ano VI- 238
9
Em que medida a reforma política poderia minorar esse estado de coisas? A óbvia
resposta está na instituição de regras de fidelidade partidária, sem falar na introdução das
candidaturas por listas.
Seria ingenuidade supor que tais regras resolveriam um problema de fundo que
decorre principalmente da fragilidade e da inconsistência de nossos partidos políticos ou
ainda, que estaríamos no caminho da construção de partidos ideologicamente muito
consistentes, com militância atuante, quando o mundo de hoje aponta para um tendência
diversa.
Mas entre um ideal provavelmente inatingível e a passividade diante do quadro atual
vai uma larga distância.
A introdução de regras de fidelidade partidária induziria, entre outros benefícios, um
maior rigor na seleção dos candidatos à previsibilidade do comportamento dos partidos em
face das grandes questões nacionais, concorrendo ainda para melhorar a imagem da elite
política.
Pretende-se, com a reforma política, alterar o quadro partidário atual, substituindo-o
por partidos políticos com maior grau de seriedade e coerência, o que, por si só, representa
um grande passo no caminho do aperfeiçoamento das instituições democráticas.3
O legislador deve dispensar especial atenção ao restabelecimento da fidelidade
partidária, removida do texto constitucional como se fosse parte do Regime Autoritário.
No intuito de estar promovendo uma redemocratização, o constituinte de 1988
cometeu alguns equívocos, dentre eles foi a retirada do corpo da Constituição anterior do
instituto da Fidelidade Partidária, o que comprometeu o futuro das instituições democráticas,
dando ensejo ao triste e deprimente espetáculo da insensata dança das legendas, sempre
dispostas a acolherem políticos e parlamentares sem convicção ou apenas interessados na
decepcionante prática do fisiologismo.
Dentre os estigmas mais sérios que enodoam a imagem dos políticos nos dias de
hoje, sua descaracterização partidária é o mais expressivo.
A legislação deve restabelecer a fidelidade partidária nos mesmos termos em que
vigia antes de 1988, no entanto, deve criar regras bem nítidas para impedir a proliferação de
legendas.
3
FAUSTO, Boris. A Reforma Política. Folha de São Paulo. A 2, segunda-feira, 30 de junho de 2003.
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A fidelidade partidária deve direcionar os partidos políticos no sentido de se fixar um
núcleo programático, dispondo de rosto próprio, diferenciado, capaz de levá-lo à
identificação com a respectiva corrente de opinião.
Embora seja a ciência política e o direito público reconheça que o povo é o legítimo
titular do poder do Estado, na realidade, existe uma distância grande entre titularidade e o
exercício do poder.
Pinto Ferreira divide os princípios constitucionais em essenciais ou gerais e
derivados.
Entre os princípios gerais, cita o princípio democrático. Mais adiante, cita
instrumentos para utilização deste princípio, dentre eles o sistema representativo, o sistema
eleitoral, os partidos políticos, donde se conclui serem esses os princípios derivados do
princípio essencial da democracia.4
J.J. Gomes Canotilho afirma que a Constituição é formada por regras e princípios de
diferente grau de concretização.
Em primeiro lugar existe os princípios estruturantes, constitutivos e indicativos das
idéias diretivas básicas de toda ordem constitucional. Esses princípios ganham concretização
através de outros princípios, que são os princípios gerais. Esses últimos podem densificar-se
ou concretizar-se através de outros princípios especiais que podem ser concretizados por
várias regras constitucionais.
Tomando por base a constituição portuguesa, Canotilho indica o princípio
democrático como estruturante, o princípio da soberania popular como geral e o princípio da
renovação dos titulares de cargos públicos como especial.567
4
FERREIRA, Pinto. Princípios Gerais de Direito Constitucional Moderno 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1962, t.
I, p. 11.
5
CANOTILHO, J.J. Direito Constitucional, 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 180.
6
“O mandato se diz político representativo porque constitui uma situação jurídico-política com base na qual
alguém, designado por via eleitoral, desempenha uma função política na democracia representativa. É
denominado mandato representativo para distinguir-se do mandato de direito privado e do mandato imperativo,
eis que o representante não fica vinculado aos representados, por não se tratar de uma relação contratual. É
geral, livre, irrevogável, em princípio, e não comporta ratificação dos aos do mandato”.6
7
“O representante não o é mais de um corpo determinado, nem mesmo do colégio eleitoral que lhe conferiu o
mandato: representa toda a nação. A liberdade no desempenho de suas funções é plenamente garantida pelas
imunidades parlamentares, o que liquida o caráter
imperativo do mandato. Desaparece a
revogabilidade do mandato, o qual só se perde, para o representante, em casos
especialíssimos, por deliberação de seus pares”.7
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O mandato político é geral, para o desempenho de todas as funções autorizadas pelo
cargo, sem restrições.
O controle se realiza quando o eleito, no desempenho de sua função, vai além do que
autoriza seu cargo, mas isto já não diz respeito ao mandato, e sim abuso de autoridade
pública. Contra esse abuso existe o mandado de segurança, ação popular e outros.
Os partidos políticos são associações que, no Estado Contemporâneo, assumem
importância capital face a impossibilidade de o povo participar diretamente das ações
governamentais.
Além da origem associativa, os partidos também exigem programas a respeito de
uma orientação governamental e pessoas capazes para assumir os órgãos governamentais do
Estado.
A aprovação do pleito eleitoral é dupla, ao programa do partido e ao sujeito
apresentado pelo partido como competente para realizar esse programa nos órgãos públicos.
A exigência da filiação partidária para o exercício do poder por uma pessoa é o fio
condutor da aprovação a um programa, a uma orientação governamental de um grupo
específico, o partido político.
Isso faz com que o povo tenha uma expectativa de como será a atuação parlamentar,
o programa do partido traz sempre uma ideologia, levada ao governo.
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 17, parágrafo 1º, assegura a autonomia
partidária e prevê que os estatutos devem estabelecer normas de disciplina e fidelidade
partidária. Mas somente com a previsão dessas normas nos Estatutos o partido e o eleito
podem ter uma atuação mais coesa e uniforme, conforme a aprovação popular.
A disciplina há de entender-se como “respeito e acatamento ao programa e objetivos
do partido, às regras de seu estatuto, cumprimento de seus deveres e probidade no exercício
de mandatos ou funções partidárias.8
Dos atos de indisciplina partidários, o mais grave é o da infidelidade partidária, e
para elaboração de normas coercitivas é preciso conjugar os direitos do eleito, do povo, em
relação à legitimidade da representação, e os direitos do partido, enquanto afiançador do
eleito como sujeito competente para realizar seu programa.
A existência e efetividade de tais normas estatutárias fazem com que o mandato
deixe de ser puramente político, passando a ter contornos jurídicos, na medida em que
subordina a atuação do eleito à orientação do partido e às regras pré-estabelecidas pelo
12
programa do partido. Caso ele fuja a essa subordinação, ele fica sujeito às sanções por
indisciplina ou infidelidade partidárias. Essas sanções não são políticas, e sim jurídicas, pois
tem o condão de interferir nos atos do mandatário como pressuposto para manutenção do
mandato, sendo que o descumprimento das ordens do partido sujeita o representante às
sanções que podem chegar até a expulsão do partido.
Dessa forma, o partido político é a instituição que se encontra entre o povo e o
Estado, entre a vontade e o exercício da vontade.
Citando Maurice Duverger, o Prof. Afonso Arinos explica que o eleito, antes de ser
escolhido pelos eleitores, é escolhido pelo partido e os eleitores não fazem senão aprovar
essa escolha.
Por isso, pela teoria da representação jurídica, deve-se admitir que o eleito recebe um
mandato duplo: do partido e dos seus eleitores, em conjunto. Isso restringe visivelmente a
liberdade do mandato.
Para evitar o abuso, as sanções aos membros do partido ficam sujeitas ao exame do
judiciário (art. 5º, XXXV, CF), mas este exame é restrito à preservação do devido processo
legal e direitos materiais do punido.
A fidelidade e disciplina partidários densificam os princípios da representação
popular e do pluralismo político, dando mais efetividade a eles.
Por sua vez, os princípios da disciplina e fidelidade partidária são densificados por
regras contidas nos estatutos dos partidos.
Devemos ter em vista que os atos do eleito devem ser norteados pelo programa
político e pelas decisões de seu partido. Assim, para uma efetiva subordinação dos atos dos
representantes, é essencial que os atos de extrema infidelidade partidária possam ser punidos
com a perda do mandato do eleito.
A Constituição Brasileira de 1.988 não traz expressamente a possibilidade de perda
do mandato por infidelidade partidária.
Considerando-se que o parlamentar recebe duplo mandato, do povo e do partido,
pode-se considerar que há, implicitamente, o dever deste permanecer filiado.
Isso decorre, primeiro, da exigência de filiação partidária para ser candidato;
segundo, pela previsão de disciplina e fidelidade partidárias, existentes nos estatutos dos
partidos, com possível expulsão do parlamentar deste e; terceiro, a vinculação do eleito ao
partido é decorrência direta da teoria dos poderes implícitos, pois de nada adiantariam regras
8
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 1990, p. 349.
13
de disciplina partidária se o partido não pudesse dar sanção a uma indisciplina e de nada
valeria a filiação a um partido se o eleito pudesse trocar de partido depois.
A sanção à infidelidade partidária é conseqüência de desrespeito a uma ideologia
aprovada nas urnas pelo povo, e, por isso, necessária.
Embora a Constituição de 1988 não autorize expressamente a perda do mandato por
infidelidade partidária, pode-se presumir, pela teoria dos poderes implícitos, que o
parlamentar tem um vínculo ao partido pelo qual foi eleito, sujeito às regras de disciplina e
fidelidade partidária, podendo inclusive ser expulso do partido. Se isso ocorrer, ele deixará
de ser vinculada ao partido e perde a condição essencial para permanecer no cargo eletivo.
Portanto, ele será destituído do mandato por não manter um requisito essencial ao bom
desempenho dele, a vinculação ao partido.9
A participação popular é princípio ativo da Democracia. Esta sem povo igualmente
livre, educadamente crítico em sua liberdade e solidariamente atuante em sua condição
política é falácia, demagogia.
Para se cuidar do processo eleitoral como instrumento de realização da democracia,
há que se enfatizar três expressões: cidadania, participação popular e pluralismo.
A Democracia exige, pois, a cidadania ativa, livre, igualmente exercida pelos
membros da cidade política e pluralista, a fim da que todos quantos dela participem possam
por e expor sua ação, sua vocação e sua intenção política e social.
A dignidade da pessoa humana não pode ser obtida para poucos ou para alguns. A
fome de um homem indigna todos. A dor de uma pessoa adoece a sociedade. A
dignidade é de um povo ou é de ninguém. Não há classes ou categorias sociais
dignas numa sociedade em que a indignidade de outras prevaleçam.
Como o eleitor brasileiro ainda costuma votar em pessoas, em nomes, não nas
legendas partidárias, os partidos ficam na dependência permanente dos puxadores de votos.
Isso gera situações em que o partido apóia um candidato que apresenta pelas condições de
ser eleito, independente de sua afinidade e compromisso ao programa e ao próprio partido.
O partido escolhe não o que tem mais merecimento em sua postura, mas aquele que tem
maior força política. Assim, o candidato eleito, não se compromete com o partido, dele se
9
SOARES, Marcos Antônio Striquer. O princípio da representação popular e controle jurídico sobre os atos
do eleito. Revista dos Tribunais: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 5, n. 21,
p. 338 à 354, out/dez 1997.
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desligando quando não mais depende do partido, surgindo os desvios nos “usos e abusos das
legendas de aluguel”.
A previsão da fidelidade partidária confere maior estabilidade aos governos, eis que
os candidatos eleitos teriam um maior compromisso com as propostas e programas do
partido político.
A fidelidade partidária, por sua vez, dificultará aos eleitos a mudança de partido, pois
aqueles que o fizerem serão penalizados com a perda do mandato, sendo convocado
imediatamente o suplente para que assuma seu cargo, a fim de se manter a
proporcionalidade na representação.
Entretanto, o Instituto da Fidelidade Partidária não pode ser concebido de forma
absoluta. Há que se respeitar os direitos e garantias fundamentais do parlamentar,
especialmente sua liberdade de consciência e crença. Dessa forma, é facultado ao
parlamentar, desde que motivadamente, discordar de alguma orientação ou decisão tomada
pelo partido, por razões de consciência, visando preservar as liberdades individuais
constitucionalmente asseguradas e garantidas pelo Constituinte, sem que tal ato configure
infidelidade partidária.
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Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. A importância da Reforma Política. Jornal da
USP. Ano VI- 238
CANOTILHO, J.J. Direito Constitucional, 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 180.
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Cyntia Teixeira Pereira Carneiro: Professora de Teoria do Estado e Direito Constitucional
da Faculdade de Direito Promove; Especialista em Direito Público pela Universidade Gama
Filho; Mestre em Ciências Jurídico – Políticas pela Universidade de Lisboa; Advogada
atuante na Área Pública, Trato e Cível.
Professora de Teoria do Estado e Direito Constitucional da Faculdade de Direito Promove; Especialista em
Direito Público pela Universidade Gama Filho; Mestre em Ciências Jurídico – Políticas pela Universidade de
Lisboa; Advogada atuante na Área Pública, Trato e Cível.
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