A sociabilidade e o capital social Em sociologia, a noção de

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Projeto: De Consumidor a Produtor de Informação: Cidadão no Contexto da Cultura Digital
Projeto de Pesquisa UFBa, 2013/2015
Título: Sociologia das redes sociais – Parte 2
Fonte: MERCKLÉ, Pierre. Sociologie des réseaux sociaux. Paris: La Découverte, 2004.
A sociabilidade e o capital social
Em sociologia, a noção de sociabilidade designa não a qualidade intrínseca de um indivíduo mas
simplesmente o conjunto de relações que um indivíduo entretém com os outros e as formas que essas
relações tomam. Para Degenne e Forsé (1994), o estudo da sociabilidade constitui uma espécie de grau zero
da análise estrutural. Pode-se preferir a concepção emprestada a Michel Forsé segundo a qual a
sociabilidade é também a forma mais simples e mais pura da “ação recíproca” no sentido simmieliano:
forma lúdica da socialização, ela se assemelha a um jogo sem restrições, no curso do qual é como se todos
fossem iguais.
Se nem sempre foi assim, a sociabilidade teria se tornado o processo no qual os indivíduos ocupando
posições diferenciadas, desiguais, exige uma relação igualitária, que os constrange ao jogo da estilização das
relações interpessoais. A sociabilidade pressupõe portanto a rede. Se não houvesse um espaço de posições
sociais diferenciadas, ela não teria nenhum sentido. E porque ela manifesta a rede como estrutura ideal,
molda uma relação entre iguais.
A sociabilidade pode ser vista como recurso individual, como resultado de estratégias colocadas em cena
por atores sociais que gerem um “capital social” de relações. De um ponto de vista que podemos qualificar
de macrosociológico, a sociabilidade pode ser considerada como um bem coletivo, um princípio de coesão
social.
Os estudos das formas de sociabilidade se organizam em torno de duas grandes questões: a das variações
sociais das práticas de sociabilidade em função dos atributos sociodemográficos individuais, e a da evolução
histórica da intensidade e das formas de sociabilidade.
Robert D. Putnam, em um artigo publicado em 1995 e em uma obra de 2000, ambos intitulados Bowling
Alone, sustenta uma tese que suscitou importante debate nos Estados Unidos: segundo ele, a sociabilidade
haveria conhecido, após 30 anos, um profundo declínio. Utilizando inúmeros dados sobre a evolução das
relações sociais nos Estados Unidos, ele mostra que se assiste a um declínio na participação política, cívica,
religiosa e sindical, ao tempo em que ocorre um debilitação das relações sociais informais: menor
quantidade de saídas, de recepções, de almoços familiares, etc.
Segundo Putnam, a sociabilidade é mais um bem coletivo do que um recurso privado, porque ela é um
questão para a coesão social e para a democracia: ela é o que ele decide chamar de “capital social”, que é
constituído pelas normas e redes que facilitam a confiança, a cooperação e a ação coletiva. A tese que
Putnam sustenta em Bowling Alone é de que o declínio do capital social faria recuar a confiança, tornaria
difícil a ação coletiva, debilitaria a democracia e ampliaria as desigualdades sociais. A tese que apreende o
capital social em nível macrosocial foi assumida em seguida pelo Banco Mundial e depois pela OCDE.
Esta concepção lembra aquela elaborada por James Coleman (1990) já a tomava como “bem público”, quer
dizer, um bem inalienável, dificilmente negociado, que não é propriedade de algum ator em particular mas
reside inteiramente na estruturação das relações sociais. Coleman, contudo, retirou implicações
microsociológicas fundamentais, largamente negligenciadas por Putnam: porque é um bem público, o
capital social constitui um recurso cujo controle é complexo, e suscita estratégias individuais em torno de
sua utilização. Esssa dimensão “individual” do capital social não é levada em conta na abordagem de
Putnam.
A ideia segundo a qual as relações de um indivíduo podem constituir por si mesmas uma forma específica
de recurso é uma ideia antiga que, segundo Degenne e Forsé, já pode ser encontrada numa formulação de
Hobbes que diz que ter amigos é ter poder. A noção teria aparecido pela primeira vez numa obra de L. J.
Notas técnicas – tradução livre dos capitulos III a VI
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Hanifan (1920).
Na França o sucesso da noção de “capital social” se deve à utilização feita por Pierre Bourdieu (1980, 19831986). Ele distingue analiticamente as contribuições de três formas de capital para a construção e
reprodução dos sistemas de diferenciação social: o capital econômico (material), o capital cultural (recursos
simbólicos, qualificação intelectual) e finalmente o capital social definido como conjunto dos recursos reais
ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizada de
interconhecimento e interreconhecimento. Aqui a perspectiva “desinteressada” privilegiada por estudos da
sociabilidade é substituída por uma visão “utilitarista” das relações sociais.
Em realidade Pierre Bourdieu dá ao capital social um papel secundário em sua elaboração teórica dos
mecanismos de reprodução social, uma vez que esse terceiro tipo de capital não constituiria uma forma
específica de recurso capaz de produzir efeitos próprios. O capital social de um agente seria proporcional a
suas próprias dotações em capital econômico e em capital cultural, eles mesmos fortemente ligados à sua
origem social.
A afirmação de Bourdieu segundo a qual o capital social não faria mais do que reforçar o efeito dos outros
tipos de capital, foi contudo invalidada por estudos empíricos. Nan Lin (1995) mostrou, contra a tese de
Bourdieu, que mesmo quando o nível de instrução é “neutralizado” no modelo de análise, o efeito dos
recursos sociais continuam sendo importantes, sendo que o capital social conserva toda a sua importância
em relação ao capital humano.
No trabalho de Bourdieu, a noção de capital social, em razão do seu papel secundário, em grande parte foi
usada metaforicamente e não levou a ferramentas analíticas. De fato, é sobretudo no seio do campo
específico, e mais especificamente anglo-saxônico, da análise das redes sociais que esta noção foi
reconhecida como fundamental e objeto de uma quantidade de estudos empíricos e de desenvolvimentos
teóricos.
No capítulo de Foundations of Social Theory (1990) consagrado à noção de capital social, Coleman começa
por distingui-lo do capital humano recorrendo a uma imagem clássica emprestada à teoria dos grafos. Ele
diz que a função do capital social reside no valor para os atores da sua posição na estrutura social
engendrada pelas “linhas” relacionais, valor que corresponde aos recursos aos quais eles podem aceder
para realizar os seus objetivos. Em seguida, os principais desenvolvimentos se devem a Mark Granovetter
(1973, 1974, 1983), Ronald Burt (1992, 1995) e Nan Lin (1982, 1995, 2001).
O capital social precisa ser definido como produto do tamanho de uma rede pessoal, do volume dos
recursos contidos na rede (isto é da informação e das diferentes espécies de capital detido pelos agentes
com os quais as relações se estabelecem) e das chances de acesso a esses recursos. O capital social não se
limita às relações diretas do indivíduos, mas inclui também as relações indiretas. Por consequência, se se
generaliza esta hipótese, o capital social de um indivíduo, longe de depender apenas do número e dos
recursos de suas relações, depende em realidade das características estruturais de rede que elas formam
em torno dele e entre si, tendo em conta a relações indiretas.
Granovetter (1973, 1982) explora as consequências teóricas desse princípio com a teoria da “força dos laços
fracos”. Ele e depois Ronald Burt (1992, 1995), com a teoria dos “buracos estruturais”, permitiram à análise
das redes sociais fazer alguns de seus avanços mais espetaculares, a partir de uma reflexão sobre a natureza
do capital social e dos processos pelos quais ele produz seus efeitos.
•
A força dos laços fracos
Em seu artigo fundador, Granovetter (1973) parte da definição da força de um laço como uma combinação
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da quantidade de tempo, de intensidade emocional, de confiança mútua e de serviços recíprocos que
caracterizam esses laços. Ele demonstrou que os laços fortes não são jamais as “pontes”. Ele conclui que
informação que circula no interior dos laços fortes ficará circunscrita ao interior dos “cliques” e, pelo
contrário, são os laços fracos que permitem fazê-la circular numa rede mais vasta, de clique em clique.
A partir dos resultados de suas pesquisas, Granovetter concluirá que os laços fracos, frequentemente
denunciados como fontes de anomia e de declínio da coesão social, poderia ser, pelo contrário,
instrumento indispensável à integração dos indivíduos no seio de uma comunidade, enquanto os laços
fortes engendrariam a fragmentação social.
A teoria da força dos laços fracos formulada por Granovetter no início dos anos 1970 conheceu
imediatamente grande sucesso e suscitou inúmeros debates e trabalhos, seja para provar empiricamente
suas hipóteses, seja por inspirar um esforço de elaboração de uma teoria estrutural mais geral do capital
social.
•
A teoria dos buracos estruturais (trous structuraux)
Ronald Burt (1992) objetiva dar um senso analítico à metáfora do capital social, mostrando a maneira como
a estrutura de uma rede oferece vantagens competitivas aos atores sociais. Ele parte da ideia formulada por
Pierre Bourdieu de que os atores têm a sua disposição três tipos de capital e que o capital social de um ator
consiste de suas relações. Mas Burt completa esta definição dizendo que o capital reside também na
possibilidade do ator explorar, a seu favor, os buracos estruturais que uma rede apresenta em torno dele.
Ele enfatiza a importância estratégica da ausência de relações na estrutura das redes sociais evidenciada
por White e outros (1976) e a noção de “laços fracos” de Granovetter. Ele toma emprestado também a
análise do papel do tertius gaudens (“terceiro ladrão”) desenvolvida por Theodore Caplow em sua obra
consagrada à teoria estrutural das coalizões (Deux contre un, 1968): o “terceiro ladrão” é aquele que está
em relação com dois atores que não têm relação entre si. Ele, por ocupar essa posição, tem condições mais
vantajosas que os outros dois. Ele pode entrar em acordo com um dos dois, pode arbitrar em sua vantagem
as condições conflituais ou ainda explorar os conflitos que ele mesmo suscita entre os atores.
É para definir analiticamente a fonte estrutural dessa vantagem que Burt elabora a noção de “buraco
estrutural”. Ele utiliza o termo para designar a separação entre dois contatos não redundantes. Contatos
não redundantes são conectados por um “buraco estrutural”. Um buraco estrutural é uma relação de nãoredundância entre dois contatos. Para Burt duas relações são redundantes do ponto de vista de um ator se
elas estão em relação direta entre si ou se elas são “estruturalmente equivalentes”, uma vez que nesse caso
elas jogam um papel idêntico nas redes e dão acesso aos mesmos recursos.
A elaboração da noção de buraco estrutural permitiu a Burt propor uma medida geral da restrição
estrutural que pesa sobre os atores. Segundo essa medida, a restrição se aproxima de 0 nas grandes redes
de contatos não redundantes e de 1 em pequenas redes de contatos fortemente interconectados. Dito de
outro modo, o constrangimento aumenta com a redundância, a autonomia aumenta com a exclusividade
das relações, e o capital social de um ator é função de seu grau de autonomia, que lhe confere uma
capacidade estratégica.
Quanto mais um ator dispõe de trous structuraux em torno dele (ou seja, quanto menos suas relações
sejam redundantes, menos se conheçam entre si ou ocupem posições estruturalmente equivalentes), tanto
mais ele espera tirar benefícios importantes de sua rede. O capital social não depende portanto apenas do
número de contatos mas também e sobretudo de sua não-redundância. Isso é o que leva Burt a definir a
“eficácia relacional” da rede de um ator em relação ao número de suas relações não redundantes e ao
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número total de suas relações.
Concluindo: vimos com a força dos laços fracos que uma abordagem microsociológica pode alimentar uma
reflexão macrosociológica, por exemplo sobre a coesão social, no caso de Granovetter. A noção de
“constrangimento estrutural” elaborada por Burt pode apoiar uma concepção estrutural do poder. O poder
de um indivíduo é proporcional ao número de suas relação e ao número de buracos estruturais em seu
ambiente relacional: quanto mais ele possui contatos, e quanto mais seus contatos são isolados uns dos
outros, maior é o seu poder.
Entretanto a autonomia estrutural não pode ser tomada sozinha como fonte de poder, uma vez que a
autonomia em uma posição marginal não fornece os mesmos recursos que uma autonomia numa posição
central.
Incontestavelmente, a análise das redes sociais combinando indicadores de autonomia estrutural
elaborados por Burt a partir de sua teoria do trous structuraux e as medidas de centralidade formalizadas
por Freeman1 propõe uma abordagem estrutural particularmente estimulante dos fundamentos do poder
nos grupos sociais, que permite ir além de uma dimensão exclusivamente diádica da apreensão das
relações de dominação.
Redes e coesão social
Os grupos sociais sob o olhar da análise estrutural
Segundo a sociologia das redes sociais, a escala adequada à articulação das formas de sociabilidade deve
ser considerada não mais a escala da sociedade em seu conjunto, mas aquela intermediária ou
“mesosociológica” das redes e dos “grupos” sociais.
De maneira um pouco esquemática, pode-se dizer que os sociólogos clássicos interpretam as relações entre
sujeitos apoiando-se em atributos individuais e não interpretam as atitudes dos atores sociais apoiando-se
em suas relações interindividuais.
A abordagem privilegiada para a análise das redes sociais deve consistir em reagrupar os indivíduos a partir
da existência de relações fortes entre eles, isto é, em função de uma observação da coesão e da densidade
dos conjuntos que eles formam.
Depois de havermos considerado que o número de relações dentro de uma rede poderia constituir um
indicador pertinente de sua integração, nós vimos que levar em conta certo número de outros indicadores
(duração, frequência, força das relações...), além de permitir discutir a tese do enfraquecimento da coesão
social, sugere que “medir” a coesão social pode ser muito mais complexo do que parecia inicialmente. É
justamente em torno da medida da coesão dos grupos sociais que se desenvolvem alguns dos conceitos
mais importantes da análise de redes, seja a noção de densidade, de conectividade ou de intensidade.
1 Linton Freeman (1979) propôs distinguir 3 formas de centralidade: a centralidade de grau, de proximidade e de
intermediação. A de grau corresponde ao número de contatos de um indivíduo, sem levar em conta as características
estruturais desses contatos nem as características do conjunto da rede. Freeman propôs um segundo indicador de
centralidade fundado na noção de “proximidade”. A partir do caminho mais curto entre os nós de um grafo, é fácil
calcular um índice de centralidade de proximidade a partir da soma das distâncias de um nó a todos os outros nós do
grafo. Freeman enfim propôs completar esse arsenal introduzindo a noção de intermediário: um indivíduo pode não
possuir um grande número de contatos, mas pode ocupar uma posição-chave por ser um ponto de passagem
obrigatório para os outros. Esse tipo de centralidade se mede pelo número de caminhos que passam pelo nó.
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A lógica da densidade
A noção mais evidente de coesão está ligada ao nível da interação diádica (entre dois indivíduos): é a de
adjacência, quer dizer, a ligação direta entre dois indivíduos. É a generalização deste princípio de adjacência
que a conduz, em sociometria particularmente, à elaboração de um primeiro tipo clássico de subconjunto
coesivo: o “clique”.
No sentido corrente, um clique é um conjunto de pessoas em que todas se conhecem entre si. Na
linguagem da teoria dos grafos, um clique é um conjunto de nós de um subgrafo completo, onde a
densidade é máxima: todas as ligações diretas (ligações de adjacência) possíveis estão aí presentes.
Esta definição de clique, consequentemente, faz um tipo de “grupo social” extremamente restritivo e
portanto extremamente raro nas sociedades complexas. Corre-se o risco assim de não se ver aparecer
cliques com menos de meia dúzia de indivíduos.
O critério de delimitação dos subconjuntos coesos foi contudo relaxado. Isso foi feito mediante o
enfraquecimento da exigência da completude das relações diretas, por conseguinte dos critérios de
densidade. Isso conduziu à distinção de “quase-cliques” – cliques onde faltam uma aresta – e , “ k-plexes” (kcomplexos) – conjuntos de nós em que cada uma é adjacente a todos os outros, exceto a uma quantidade k
de nós.
O último grau de enfraquecimento da lógica da densidade, levando sempre em consideração as ligações
diretas, corresponde à noção de “cluster”, introduzida por Barnes (1969) para designar conjuntos de
pessoas cujos laços mútuos são relativamente densos, mas que não constituem necessariamente um clique
no estrito senso do termo. Barnes utiliza critérios arbitrários para defini-los: ter ao menos 5 membros e
uma densidade de pelo menos 80%.
A lógica da conectividade
A primeira forma de enfraquecimento da noção de clique pode não ser ainda suficiente para fazer aparecer
grupos de tamanho significativo numa rede pouco densa. É então possível proceder a um segundo tipo de
enfraquecimento tendo em conta a existência de ligações indiretas enre indivíduos, passando por cadeias
de relações mais ou menos longas. A integração das ligações indiretas passa de uma lógica da “densidade”
para uma lógica da “conectividade”. Será considerado como um “grupo social” todo conjunto de indivíduos
ligados uns aos outros pelas relações diretas ou indiretas.
Mas neste nível de generalização, a noção de conectividade arrisca-se a ser problemática. As pesquisas
sobre o problema do “mundo pequeno” mostraram que existe um caminho entre dois indivíduos escolhidos
ao acaso. Daí a lógica da conectividade corre o risco de não fazer aparecer nada além de um único grupo
social constituído pelo conjunto de indivíduos da população estudada.
Mais uma vez a noção vai ser enfraquecida. Num primeiro movimento se distingue conectividade simples
de conectividade forte. O segundo movimento se encarna na noção de n-clique (um 2-clique, p. ex., é um
conjunto de nós de um grafo no qual existe um caminho entre todas as duplas de nós de tamanho igual ou
inferior a 2). Apesar da denominação semelhante, n-clique não pertence à mesma concepção de coesão
social do clique. Um clique é um grupo caracterizado por sua densidade, enquanto o n-clique é um grupo
caracterizado por sua conectividade.
A lógica da intensidade
Linton Freeman (1992) explorou uma nova lógica, a da intensidade das ligações diretas: a cada par de
indivíduos da população associada devendo ser associado um valor que corresponde à medida de sua
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proximidade (frequência de relações, tempo passado junto, diversidade de interações...). A distinção dos
membros que participariam de um grupo é definida pelas relações entre indivíduos cuja proximidade é
superior a um certo patamar.
Um novo paradigma sociológico?
As abordagens em termos de redes permitem dar um conteúdo analítico às noções fundamentais de grupo,
de coesão, de integração e de conflito, que de outra forma frequentemente permanecem sendo intuitivas e
metafóricas. Mas é forçoso constatar que continuam a ser extremamente teóricas e se prestam em geral a
um olhar exploratório dos dados empíricos ou confirmatório dos modelos propostos, e não a uma ótica de
conhecimento descritivo ou interpretativo.
A análise das redes não é senão uma técnica que visa simplesmente a descrição das estruturas sociais, uma
espécie de “sociografia” do mundo social. Ela busca as causas dos fatos sociais nas características dos
ambientes estruturais nos quais se inserem. A forma das redes pode ser tomada com um fator explicativo
dos fenômenos sociais analisados, porque, por exemplo, ela determina a acessibilidade a alguns recursos
sociais como o prestígio, a amizade, o poder. A rede é aqui utilizada como uma espécie de variável
contextual.
Ao mesmo tempo a análise das redes sociais pretende se distinguir da análise sociológica tradicional,
particularmente das abordagens funcionalistas, por uma concepção “formal” do determinismo social
trazido à luz: a restrição exercida pelas estruturas sobre os indivíduos é uma restrição “fraca” que deixa o
indivíduos livres para agir, ainda que considerando a existência dessas restrições. De fato, os antropólogos,
essencialmente britânicos, se distinguiram das abordagens estruturalistas e funcionalistas na medida em
que escolheram começar por analisar as relações sociais concretas, ignorando as normas e as prescrições
culturais, contrariamente por exemplo ao estruturalismo de Lévi-Strauss que começa por definir o modelo
sujacente de um sistema cultural antes de ilustrá-lo.
Uma das ambições da análise das redes sociais é, portanto, a de se opor ao determinismo cultural. Mas sua
ambição não é apenas dar conta dos “efeitos” das estruturas sobre os comportamentos: é também,
inversamente, da conta dos efeitos dos comportamentos sobre as estruturas. A questão que se coloca aqui
é a seguinte: como gerar uma rede? Em que medida uma estrutura social pode ser considerada como um
efeito emegente das interações? Trata-se ainda aqui de uma questão tradicional das ciências sociais, a
questão que Simmel chamava há já um século de a “coagulação” nas “formas sociais” do movimento
incessante das relações sociais.
Sem querer refazer a história do desenvolvimento dessa interrogação, podemos assinalar que Moreno já
tinha a hipótese de que as “correntes sociais” fluiriam através das redes como a água e que modelariam as
redes que percorrem.
Os autores mais marcantes da análise das redes partem de um certo número de hipóteses sobre a
racionalidade do comportamento “relacional” dos atores sociais, sem as quais lhes parece não ser possível
explicar a emergência das estruturas sociais. Alguns recorrem à teoria da escolha racional. Essas escolhas
não sendo baseadas na racionalidade absoluta do Homo economicus, mas numa racionalidade relacional
limitada ou relativa: cada indivíduo tem uma ordem de preferências, e ele escolhe aquilo que prefere entre
aquilo que tem meios para obter. Só a estabilidade de uma ordem de preferências e de um contexto que
delimite as oportunidades relacionais pode dar conta da aparição de “regularidades” nessas escolhas.
Mas assim como, a partir de premissas comuns, a análise das redes sociais se afastou da tradição
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funcionalista, ela pretende também se distinguir do individualismo metodológico colocando que as formas
sociais (as instituições, os grupos, as normas...) não emergem das escolhas e das ações individuais, mas das
interações. Ao invés de partir de indivíduos “separados”, ela postula que a unidade elementar do social é
justamente a “ligação” entre os indivíduos, e que os indivíduos são caracterizados não pelo que está neles
mas pelo que está entre eles.
Para Michel Forsé (2002) o “formalismo” é uma característica fundamental da análise das redes sociais. Esta
insistência na forma mais do que no conteúdo coloca um problema: a caracterização de uma rede pela
observação das relações que a constituem passa necessariamente pela definição das relações e, portanto,
pela atenção a seu conteúdo. A questão do conteúdo não pode portanto ser retirada da análise das
estruturas sem o risco de perder de vista complexidade das situações individuais.
Para Barnes (1972) não há uma teoria das redes sociais, e não poderá haver jamais: não haverá mais do que
uma ideia simples, segundo a qual as ações não são independentes das configurações estruturais que
constituem seu contexto.
Como conclusão: trinta anos depois do uso da noção de “rede social” feita pela primeira vez por Barnes
(1954), sua característica sem dúvida mais espetacular é a de suscitar muito mais o desenvolvimento da
própria ideia do que trabalhos empíricos fundados sobre esta ideia. Trinta anos depois, constata-se que a
análise das redes sociais mantém-se sendo o domínio privilegiado da formalização matemática e da
simulação mais do que da enquete empírica; da dedução mais do que da indução; da modelização mais do
que da interpretação.
A abordagem dominante em sociologia das redes sociais, a da análise estrutural institucionalizada
notadamente por White e o “grupo de Harvard” é marcada por uma forte tendência à simulação
experimental, à elaboração de modelos abstratos de sistemas relacionais e ao uso de uma lógica que se
pode qualificar como hipotético-dedutiva. Os índices aqui acumulados sugerem a ideia de uma oposição
teórica e metodológica forte entre uma abordagem “compreensiva”, apoiada na análise das redes
egocêntricas, herdadas da tradição antropológica, de uma parte, e, de outra parte, uma abordagem
“explicativa”, por vezes tentada pelo estruturalistmo, apoiada mais sobre a análise das redes completas,
questão da tradição sociométrica, e incarnada pela “análise estrutural” anglo-saxônica.
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