RPCV (2015) 110 (593-594) 110-115 Utilização do cateter epidural em cadela portadora de bloqueio atrioventricular de segundo grau Mobitz tipo II submetida a mastectomia total bilateral: relato de caso Use of epidural catheter in a bitch carrying Mobitz type II second-degree atrioventricular block underwent total bilateral mastectomy: a case report Liliane D. Medeiros1, Caroline M. Bastos2, Marcelo Abidu-Figueiredo2, Carlos A. Santos-Sousa2, Rodrigo Mencalha1 2 1 Faculdade de Medicina Veterinária de Valença - FMVV, Valença, Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ- Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil. Resumo: A utilização de fármacos anestésicos tem sido associado a ocorrência de arritmias e complicações cardiovasculares. No presente trabalho foi relatado o caso de uma cadela portadora de bloqueio atrioventricular (BAV) de 2° grau Mobitz tipo II, detectado na avaliação cardiológica pré-cirúrgica, a qual foi submetida ao procedimento de mastectomia total bilateral. Em decorrência da urgência do procedimento optou-se pela realização da cirurgia de forma imediata. A cadela foi anestesiada com 6mg/kg de propofol e mantida sob vaporização de isoflurano. Ademais, foi inserido um cateter epidural entre o espaço intervertebral lombossacro sendo este posteriormente deslocado cranialmente até o dermátomo correspondente a terceira vértebra torácica. Através deste dispositivo foi administrando 2mg/kg de ropivacaína 1% e 0,1mg/kg de morfina 1% de modo a conferir adequada analgesia e reduzir as doses necessárias dos anestésicos gerais. Durante o procedimento cirúrgico, a arritmia manteve-se presente, com frequência cardíaca média de 37 batimentos por minuto, e arresponsiva a utilização de parassimpatolíticos (sulfato de atropina). As variáveis pressão arterial sistólica, diastólica e média se mantiveram dentro dos valores aceitáveis para a espécie ao longo de todo o ato cirúrgico. A abordagem do paciente com distúrbio de condução AV é de suma importância para o adequado planejamento anestésico-cirúrgico. As técnicas de bloqueios locorregionais surgem como valiosas ferramentas no que tange o controle da dor trans e pós-operatória, estabilidade hemodinâmica e ajuste adequado do plano anestésico. Palavras-chave: arritmias, cateter epidural, ropivacaína, anestesia Summary: The use of anesthetics has been associated with the occurrence of arrhythmias and cardiovascular complications. In this paper we report the case of a bitch carrying a Mobitz type II second-degree atrioventricular block (AVB) detected in the preoperative cardiac evaluation, which was submitted to total bilateral mastectomy procedure. Due to the urgency of the procedure we opted for the surgery immediately. The dog was anesthetized with propofol 6mg/kg and maintained under isoflurane vaporization. Moreover, an epidural catheter was inserted between the lumbosacral intervertebral space and this subsequently shifted cra*Correspondência: [email protected] Centro de Ensino Superior de Valença - Faculdade de Medicina Veterinária de Valença, CEP: 27600-000, Valença, Rio de Janeiro, Brasil. Tel: + 55 (24) 2453-1888. 110 nially to the third thoracic vertebra corresponding dermatome. Through this device were administered 2mg/kg of ropivacaine 1% and 0,1 mg/kg of morphine 1% in order to give adequate analgesia and reduces the general anesthetics doses. During the surgical procedure, the arrhythmia remained present, with a heart rate average of 37 beats per minute, and the use of parasympatholytic drugs (atropine) were unresponsive. The variables systolic, diastolic and mean arterial blood pressure remained in acceptable values throughout the surgery. The management of patients with AV conduction disturbance is of summary importance for the appropriate anesthetic and surgical planning. Locoregional anesthesia techniques emerge as valuable tools in terms of trans and postoperative pain control, hemodynamic stability and adequate adjustment of anesthetic depth. Keywords: arrhythmias, epidural catheter, ropivacaine, anesthesia Introdução O bloqueio cardíaco é um distúrbio da condução do impulso que pode ser permanente ou transitório, secundário a um comprometimento anatômico ou funcional. Pode ocorrer em qualquer local no qual impulsos elétricos sejam conduzidos, entretanto, é mais frequente entre o nodo sinoatrial (SA) e o átrio (bloqueio do SA), entre átrios e ventrículos (bloqueios atrioventriculares) e dentro do ventrículo (bloqueios intraventriculares) (Wogan et al., 1993; Barold, 2002). O bloqueio atrioventricular (BAV) Mobitz tipo II é o mais avançado grau de bloqueio que ocorre na junção atrioventricular (AV), feixe de His, ou abaixo, podendo inclusive progredir até ao bloqueio cardíaco total. As causas incluem fibrose idiopática, estenose hereditária do feixe de His, cardiopatia hipertrófica, infiltração neoplásica metástica e desequilíbrios eletrolíticos (Wogan et al., 1993). Tal enfermidade é uma alteração eletrocardiográfica significativamente grave, pois pode Medeiros L. et al. reduzir o débito cardíaco e inclusive culminar a morte do indivíduo (Tomiyasu et al., 1999). Na clínica de animais de companhia, a incidência do BAV de segundo grau é relativamente alta, sendo a exposição aos fármacos anestésicos, tal como o halotano, isoflurano, sevoflurano, desflurano uma das principais causas dessas intercorrências (Nunes et al., 2004; Trujillo et al., 2005; Ferreira et al., 2008). Dessa forma, é determinante ao anestesista amplo conhecimento da farmacologia e técnicas anestésicas de modo a ter o completo entendimento sobre a dinâmica orgânica do paciente a ser anestesiado. Pacientes submetidos à anestesia geral, comumente já apresentam alterações importantes em sua fisiologia, portanto, podem sob efeitos de fármacos, desenvolverem distúrbios fisiológicos importantes e até incoercíveis, se não identificados e tratados a tempo. É nesse sentido, que se torna possível afirmar que não se utiliza técnicas anestésicas, mesmo as mais simples, sem que se acompanhem os sinais vitais do paciente, dando assim uma maior segurança ao ato anestésico, pois, permite identificar a tempo uma eventual alteração que coloque em risco a vida do animal. O acompanhamento da frequência e ritmo cardíacos é de extrema importância na anestesia, principalmente em pacientes que dão entrada no centro cirúrgico já com histórico de alterações de condução. Fato este que atribui uma maior responsabilidade ao anestesista que terá que estabelecer técnicas corretivas e a utilização de fármacos que não intensifiquem o problema (Nunes, 2002). Dentre os conceitos da moderna anestesia, o uso de bloqueios locorregionais surgem como uma valiosa ferramenta de modo a diminuir as doses dos anestésicos gerais, sabidamente depressores do sistema cardiovascular de maneira dose-dependente, portanto, o adequado conhecimento das técnicas de bloqueios anestésicos é de suma importância de modo a fornecer analgesia, relaxamento muscular e minimizar os efeitos deletérios da anestesia geral. O objetivo deste trabalho é relatar um caso da utilização do cateter epidural em uma cadela portadora de bloqueio atrioventricular (BAV) de 2° grau Mobitz tipo II, detectado na avaliação cardiológica pré-cirúrgica, a qual foi submetida ao procedimento de mastectomia total bilateral em função da presença de nódulos ulcerados. RPCV (2015) 110 (593-594) 110-115 Relato de Caso Uma cadela mestiça de seis anos de idade foi atendida pelo setor de oncologia de uma clinica veterinária privada na cidade do Rio de Janeiro. As queixas principais relatadas pelos proprietários foram de emagrecimento progressivo e presença de tumores na região mamária. Ao exame físico, observou-se intenso sangramento em diversos nódulos mamários em função de áreas de ulcerações. Após realização dos exames físico e complementares foi constatada a presença de uma intensa leucocitose (92.800 cells/mm3) com desvio de neutrófilos nucleares a esquerda regenerativo e presença de bradicardia sinusal com marca-passo migratório e bloqueio atrioventricular de 2° grau Mobitz tipo II (Figura 1). Os demais parâmetros clínicos e laboratoriais estavam dentro da faixa de normalidade para a espécie. Posteriormente, o animal em questão foi encaminhado para o serviço especializado em cirurgia geral da clínica supracitada, e após elucidações quanto ao procedimento cirúrgico-anestésico e assinatura do consentimento esclarecido, a cadela foi submetida ao procedimento de mastectomia total bilateral e ovariossalpingohisterectomia. Após minuciosa avaliação pré-anestésica, foi optado pelo profissional anestesiologista abolir a etapa de medicação pré-anestésica, pois, em função das alterações prévias cardiovasculares, achou-se prudente evitar o uso de mais fármacos depressores do sistema citado. Portanto, após tricotomia, assepsia e punção venosa o animal foi submetido à pré-oxigenação com oxigênio a 100% de modo a aumentar a PaO2 e consequentemente as reservas orgânicas deste gás. Na sequência, procedeu-se a indução anestésica com 6mg/kg de propofol, por via intravenosa, e, após relaxamento laríngeo e abolição dos reflexos protetores o animal foi intubado com sonda endotraqueal com balonete adequada ao porte físico. Dessa forma, a cadela foi conectada ao circuito anestésico com reabsorvedor de gás carbônico e a manutenção anestésica foi realizada através da oferta de isoflurano em oxigênio a 100%. O plano anestésico foi regulado com base nos estágios de Guedel e a monitoração realizada através de um monitor multiparamétrico com os módulos de eletrocardiografia, oximetria de pulso com pletismografia, pressão arterial não invasiva e temperatura. Figura 1 - Traçado eletrocardiográfico registrado em derivação DII e amplitude 2N com velocidade de 25 mm/s registrado antes do procedimento cirúrgico. As setas mostram o bloqueio atrioventricular de 2° grau Mobitz tipo II 111 Medeiros L. et al. RPCV (2015) 110 (593-594) 110-115 Figura 2 – A: Introdução da agulha espinhal; B: Mensuração do tamanho do cateter epidural; C: Introdução do cateter epidural De modo a atender as exigências da moderna anestesia, foi procedida a realização do bloqueio do neuroeixo através da inserção de um cateter epidural. Após tricotomia da região lombossacra e rigorosa assepsia, foi introduzido um cateter no espaço epidural sendo este dispositivo deslocado cranialmente até o dermátomo correspondente à terceira vértebra torácica (Figura 2). Tendo estabelecido essa via de administração, foi injetada uma solução de cloridrato de ropivacaína 1% (2mg/ kg) e sulfato de morfina 1% (0,1mg/kg) sem conservantes de modo a fornecer analgesia e adequado relaxamento muscular. Durante todo o procedimento cirúrgico, a frequência cardíaca se manteve entre 37±4 batimentos por minuto com presença de bloqueio atrioventricular de 2 grau Mo- bitz tipo II; a pressão arterial sistólica, diastólica e média oscilaram entre 95±7 mmHg, 63±6 mmHg e 73±3, respectivamente. As variáveis saturações de oxigênio na hemoglobina (SPO2), frequência respiratória e temperatura corporal se mantiveram em níveis fisiológicos durante o ato operatório. Vale ressaltar que a administração de sulfato de atropina durante o procedimento anestésico-cirúrgico foi procedida de modo a tentar controlar a bradicardia, entretanto, não houve êxito farmacológico. Após o término do procedimento, o animal recebeu alta e foi encaminhado ao serviço de internação o qual permaneceu por 72 horas. Neste período, a cadela permaneceu com o cateter epidural para adequada analgesia, onde fora administrado 0,1 mg/kg de morfina 1% (a cada 24 horas) (Figura 3). Ademais, foram realizados Figura 3 - A: Administração pós-operatória de morfina por via epidural; B: Retirada do cateter no dia da alta médica. Figura 4 - Traçado eletrocardiográfico registrado em derivação DII e amplitude 2N com velocidade de 25 mm/s registrado após o procedimento cirúrgico. A seta mostra o bloqueio atrioventricular de 2° grau Mobitz tipo II. 112 Medeiros L. et al. eletrocardiogramas seriados de modo a acompanhar o desenvolvimento da arritmia, e, em todos os exames, o padrão arrítmico manteve-se presente (Figura 4). Durante todo o período de internação o animal foi rigorosamente monitorado no que tange o controle da dor através do uso da Escala Analgésica da Universidade de Melbourne. Não houve necessidade de intervenção analgésica ou alteração do protocolo em questão. Foi solicitado ao proprietário do animal o acompanhamento cardiológico periódico, entretanto, até o presente momento não houve retorno. Discussão O Bloqueio atrioventricular de segundo grau visível esta relacionado a uma diminuição da condução atrioventricular (AV) (Barold e Herweg, 2012). A literatura contém numerosas definições de bloqueio AV de segundo grau, especialmente o bloqueio AV Mobitz tipo II de segundo grau. O uso difundido de inúmeras definições do bloqueio do tipo II é o principal responsável por muitos problemas quanto ao diagnóstico desta condição clínica. Ainda segundo Barold e Herweg (2012) o bloqueio AV de segundo grau tipo II descreve o que parece ser uma condução tudo-ou-nada sem alterações visíveis no tempo de condução AV, antes e após o impulso bloqueado. O diagnóstico do bloqueio do tipo II requer uma taxa de despolarização sinusal estável, pois, a ausência de desaceleração sinusal é um critério importante neste bloqueio tendo em vista que uma onda vagal pode causar desaceleração sinusal simultânea e bloqueio nodal AV, que pode se assemelhar superficialmente ao bloqueio de tipo II. Estes dados corroboram com os observados no presente relato de caso o qual observou-se uma estabilidade sinusal em todos os traçados observados. Segundo Barold (2002), tal condição clínica é marcada pela presença de um prolongamento progressivo, ciclo a ciclo, no tempo de condução atrioventricular, até o aparecimento de uma despolarização atrial sem resposta ventricular. O conjunto de ciclos com prolongamentos dos intervalos PR, até a perda da resposta ventricular, constitui os chamados períodos de Wenckebach. O bloqueio atrioventricular de segundo grau Mobitz tipo II, é identificado pela presença de um padrão atrioventricular variável, porém, sempre mostrando um tempo de condução atrioventricular fixo nos batimentos que apresentam resposta ventricular. O bloqueio da condução Mobitz II é, geralmente, intermitente e, normalmente ocorre dentro do nó atrioventricular. As anormalidades de condução AV podem ser causadas por tônus vagal excessivo, fármacos (digitálicos, bloqueadores de canais de cálcio, anestésicos gerais, agonistas alfa-2 adrenérgicos, etc) e doença intrínseca do nodo AV e/ou do sistema de condução intraventricular. O bloqueio AV vagalmente mediado pode ser RPCV (2015) 110 (593-594) 110-115 definido como um bloqueio AV paroxístico, localizado dentro do nó AV e associada à diminuição da taxa de despolarização. Todos os tipos de bloqueio AV de segundo grau podem estar presentes (Alboni et al., 2013). Na clínica de animais de companhia, a incidência do BAV de segundo grau é relativamente alta (Saunders et al., 2003; Voet et al., 2003) e segundo Schrope e Kelch (2006) O implante de marcapasso deve ser fortemente considerada em todos os cães com bloqueio persistente de segundo ou terceiro grau independentemente de sinais clínicos evidentes. Se o tratamento médico for justificada, medicamentos vagolíticos pode ser a melhor escolha. A exposição aos fármacos anestésicos parece ser uma das causas mais importantes na instalação do BAV em pacientes livre de enfermidades primárias nas vias de condução elétrica do coração. (Nunes et al., 2004; Trujillo et al., 2005; Ferreira et al., 2008). Os anestésicos gerais estão entre os fármacos que mais alteram a fisiologia do sistema cardiovascular (Day e Muir, 1994; Voss et al., 2002). Dessa forma, todo o planejamento anestésico-cirúrgico deve ser rigorosamente calculado de modo a evitar intercorrências no período trans ou pós-operatório. Neste procedimento, foi escolhido o propofol como fármaco indutor da anestesia em função de sua menor influência nas vias de condução cardíaca do coração do cão (Ikeno et al., 1999; Warpechowski et al., 2010). Com a inserção dos novos conceitos que norteiam a anestesia moderna, a anestesia balanceada ou multimodal surge como uma grande alternativa para minimizar os efeitos deletérios dos anestésicos gerais (Ilkiw, 1999; Tonner, 2003). No presente estudo preconizou-se atender os princípios da anestesia balanceada a fim de evitar maiores repercussões sobre a dinâmica orgânica do animal. Os bloqueios locorregionais compõem o entendimento da moderna anestesia que tem como objetivo a associação de fármacos e/ou técnicas de modo a explorar efeitos sinérgicos, reduzindo dessa forma a quantidade ofertada dos anestésicos gerais sabidamente promotores de efeitos cardiodepressores. A anestesia balanceada, portanto, está cada vez mais presente no cotidiano do anestesiologista propiciando inquestionáveis benefícios como analgesia, relaxamento muscular, hipnose e diminuição do tempo de recuperação anestésico-cirúrgico (Ilkiw, 1999; Tonner, 2003; Columbano et al., 2012; Wakoff et al., 2013). A anestesia epidural é a técnica de bloqueio locorregional mais utilizada na rotina médico-veterinária conferindo potente analgesia retroumbilical e relaxamento muscular (Valverde, 2008). A partir desta consagrada técnica, surgiu a possibilidade da implantação de um dispositivo biocompatível no espaço epidural, de modo que de forma contínua fosse estabelecido uma via importante para administração de fármacos. A utilização do cateter epidural é uma das ferramentas mais eficazes para controle e alívio da dor pós-ope113 Medeiros L. et al. ratória. O cateter epidural é um dispositivo de material biocompatível, descartável, radiopaco, resistente e flexível, que se ajusta facilmente às particularidades anatômicas da coluna vertebral. A agulha apropriada para a punção epidural é de ponta romba, com fundo cego, dificultando dessa forma a canulação de vasos sanguíneos ou a perfuração da dura-máter. Em cães este cateter é introduzido por meio da punção com agulha de Tuohy no um espaço intervertebral lombossacro e deslocado cranialmente até a região do dermátomo correspondente a área desejada. As principais indicações da cateterização epidural se relacionam a cirurgias cruentas que cursem com dor de magnitude moderada a severa em região abdominal, torácica, membros pélvicos e torácicos (Swalander et al., 2000). No presente relato de caso, optou-se pelo uso desta técnica em função do alto nível de dor relacionado ao procedimento cirúrgico associado ao fato da alteração de condução AV. Os profissionais envolvidos com o caso, visaram minimizar ao máximo a exposição ao gás anestésico de escolha (isoflurano) através do completo bloqueio anestésico do neuroeixo. Durante todo o procedimento os parâmetros cardiovasculares e respiratórios permaneceram dentro de padrões de normalidade conotando dessa forma uma excelente estabilidade de plano anestésico. O uso de analgésicos opióides por via epidural está relacionado com a diminuição da concentração alveolar mínima dos anestésicos gerais (Muir et al., 2003; Credie et al., 2010; Campagnol et al., 2012), dessa forma, em associação ao uso da ropivacaína em nosso estudo, foi possível a manutenção superficial do plano anestésico. As principais intercorrências observadas com a cateterização epidural se relacionam ao deslocamento indevido do cateter, obliteração, dobras e falha na técnica, e os efeitos adversos farmacológicos estão de acordo com a escolha das drogas em questão (Swalander et al., 2000). Vale ressaltar que neste relato nenhuma das intercorrências e ou efeitos adversos supracitados foram observados. O sulfato de atropina é uma droga parassimpatolítica rotineiramente utilizada em âmbito cirúrgico (Winter et al., 2011). No presente relato, utilizou-se este fármaco no período transoperatório de modo a tentar estabilizar o ritmo AV. Em cães com bloqueio AV de primeiro grau ou segundo grau Mobitz tipo I, a falta de condução elétrica adequada através do nó AV é tipicamente um resultado do aumento do tônus do parassimpático, o que provoca um aumento na dispersão do grau de refratariedade do AV. Após a administração de atropina nestes cães, a condução AV tende a voltar ao normal. Em cães portadores de bloqueio AV de segundo grau Mobitz tipo II é mais frequentemente observarmos causas associadas a doença do nodo AV orgânica e, geralmente, estes não respondem à administração de atropina (Moise, 2000). Tal como esperado, no presente relato, não observou-se nenhuma melhoria na con114 RPCV (2015) 110 (593-594) 110-115 dução ou ritmo cardíaco após a administração de 0,04 mg/kg de sulfato atropina por via intravenosa. Ainda de acordo com a literatura, fármacos alternativos como a teofilina os antagonistas de adenosina, e isoproterenol podem ser utilizados (Moise, 2000). Neste caso clínico, optou-se por não administrar outros fármacos de eleição, pois, apesar da severa bradicardia e alteração de ritmo AV a pressão arterial manteve-se dentro de valores considerados satisfatórios. Conclusão Dessa forma, a abordagem do paciente com distúrbio de condução AV é de suma importância para o adequado planejamento anestésico-cirúrgico. As técnicas de bloqueios locorregionais, como o bloqueio do neuroeixo, surgem como valiosas ferramentas no que tange o controle da dor trans e pós-operatória, estabilidade hemodinâmica e ajuste adequado do plano anestésico. Não obstante, vale ressaltar a refratariedade do bloqueio AV de segundo grau Mobitz tipo II as drogas parassimpatolíticas como o sulfato de atropina. Bibliografia Alboni P, Holz A, Brignole M (2013). Vagally mediated atrioventricular block: pathophysiology and diagnosis. Heart, 99, 904-908. Barold SS (2002). Atrioventricular blobk revisited. Comprehensive Therapy, 28, 74-78. Barold SS e Herweg B (2012). Second-degree atrioventricular block revisited. Herzschrittmacherther Elektrophysiol, 23, 296-304. Campagnol D, Teixeira-Neto FJ, Peccinini RG, Oliveira FA, Alvaides RK, Medeiros LQ (2012). Comparison of the effects of epidural or intravenous methadone on the minumum alveolar concentration of isoflurane in dogs. The Veterinary Journal, 192, 311-315. Columbano N, Secci F, Careddu GM, Sotgiu G, Rossi G, Driessen B (2012). Effects of lidocaine constant rate infusion on sevoflurane requirement, autonomic responses, and postoperative analgesia in dogs undergoing ovariectomy under-based balanced anesthesia. The Veterinary Journal, 193, 448-455. Credie RG, Teixeira-Neto FJ, Ferreira TH, Aguiar AJ, Restitutti FC, Corrente JE (2010). Effects of methadone on the minumum alveolar concentration of isoflurane in dogs. Veterinary Anesthesia and Analgesia, 37, 240-249. Day TK e Muir WW (1994). Effects of halothane, enflurane, and isoflurane on supraventricular and ventricular rate in dogs with complete atrioventricular block. Veterinary Surgery, 23, 206-212. Ferreira SF, Vale DF, Ramos RM, Carvalho CB (2008). Eletrocardiograma na monitoração anestésico-cirúrgico de cães. Jornal Brasileiro de Ciência Animal, 1, 121-134. Ikeno S, Akazawa S, Shimizu R, Nakaigawa Y, Ishii R, Inoue S, Satoh M (1999). Propofol does not affect the canine cardiac conduction system under autonomic blockade. Canadian Journal of Anaesthesia, 46, 148-153. Medeiros L. et al. Ilkiw JE. Balanced anesthetic techniques in dogs and cats (1999). Clinical Techniques in Small Animals Practice, 14, 27-37. Moise NS (2000). Diagnosis and managment of canine arrhythmias. In: Fox PR, Sisson D, Moise NS. Textbook of canine and feline cardiology. Philadelphia: W.B Saunders Company, 331-385. Muir WW, Wiese AJ, March PA (2003). Effects of morphine, lidocaine, ketamine, and morphine-lidocaine-ketamine drug combination on minimum alveolar concentration in dogs anesthetized with isoflurane. American Journal of Veterinary Research, 64, 1155-1160. Nunes N (2002). Monitoração da anestesia. In: Fantoni DT, Cortopassi SR. Anestesia em cães e gatos. São Paulo: Editora Roca, 64-81. Nunes N, Rezende ML, Santos PS, Wang L (2004). Sevoflurano e desflurano sobre o ritmo cardíaco de cães tratados com infusão contínua de doses crescentes de adrenalina. Ciência Rural, 34, 125-130. Saunders AB, Miller MW, Gordon SG (2003). ECG of the month. Second degree atrioventricular (AV) block. American Veterinary Medical Association, 223, 15721574. Schrope DP e Kelch WJ (2006). Signalment, clinical signs, and prognostic indicators associated with high-grade second or third-degree atrioventricular block in dogs: 124 cases (January 1, 1997-December 31, 1997). Journal of American Veterinary Medical Association, 228, 17101717. Swalander DB, Crowe DT, Hittenmiller DH, Jahn PJ (2000). Complications associated with the use of indwelling catheters in dogs: 81 cases (1996-1999). Journal of American Veterinary Medical Association, 216, 368-370. Tomiyasu S, Hara T, Hasuo H, Ureshino H, Sumikawa K (1999). Comparative analysis of systemic and coronary hemodynamics during sevoflurane and isoflurane induced hypotension in dogs. Journal of Cardiovascular Pharmacology, 33, 741-747. RPCV (2015) 110 (593-594) 110-115 Tonner PH. Balanced anaesthesia today (2003). Best Practice & Research: Clinical Anesthesiology, 19, 475-484. Trujillo CV, Torre RA, Molina-Méndez FJ, Pérez ER, Robles C.L (2005). Bloqueio auriculoventricular Mobitz II secundário a la administración de bupivacaína subaracnóidea. Reporte de caso y revisión de la literatura. Revista Mexicana de Anestesiologia, 28, 239-243. Valverde A (2008). Epidural analgesia and anesthesia in dogs and cats. Veterinary Clinics of North American: Small Animal Practice, 38, 1205-1230. Voet AG, Bright JM, Gaynor JS (2003). ECG of the month. Second degree atrioventricular (AV) block. American Veterinary Medical Association, 223, 1734-1735. Voss F, Schreiner KD, Senges JC, Becker R, Bauer A, Kuebler W, Schoels W (2002). Refractory patterns and susceptibility to drug-induced polymorphic ventricular tachycardias in dogs with chronic atrioventricular block: relation to the type of anesthesia. Journal of Cardiovascular Pharmacology, 40, 651-659. Wakoff TI, Mencalha R, Souza NS, Santos-Sousa CA, Inácio e Sousa MD, Scherer PO (2013). Bupivacaína 0,25% versus ropivacaína 0,25% no bloqueio do plexo braquial em cães da raça beagle. Semina Ciências Agrárias, 34, 12591272. Warpechowski P, Dos Santos AT, Pereira PJ, De Lima GG (2010). Effects of propofol on the cardiac conduction system. Revista Brasileira de Anestesiologia, 60, 438-444. Winter RL, Congdon J, Boscan P (2011). Anesthesia Case of the Month. Journal of American Veterinary Medical Association, 238, 854-858. Wogan JM, Lowenstein SR, Gordon GS (1993). Seconddegree atrioventricular block: Mobitz type II. The Journal of Emergency Medicine, 11, 47-54. 115