Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos

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ISSN 1413-7100
34
abril a julho de 2002
REVISTA DO INSTITUTO
DE PESQUISAS E ESTUDOS
Esta edição contém produções científicas desenvolvidas
no Centro de Pós-Graduação da ITE - Bauru.
REVISTA DO INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS (DIVISÃO JURÍDICA)
Faculdade de Direito de Bauru,
mantida pela Instituição Toledo de Ensino (ITE).
Edição quadrimestral - Nº 34 - abril a julho de 2002.
EDITE - EDITORA DA ITE
Praça 9 de Julho, 1-51 - Vila Falcão - 17050-790 - Bauru - SP - Tel. (14) 220-5000
CONSELHO EDITORIAL
Cláudia Aparecida de Toledo Soares Cintra, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Iara de Toledo Fernandes, José
Roberto Martins Segalla, Jussara Susi Assis Borges Nasser Ferreira, Luiz Alberto David Araujo, Luiz Antônio Rizzato
Nunes, Lydia Neves Bastos Telles Nunes, Maria Isabel Jesus Costa Canellas, Maria Luiza Siqueira De Pretto, Murilo
Canellas, Pedro Walter De Pretto.
SUPERVISÃO EDITORIAL
Maria Isabel Jesus Costa Canellas
COORDENAÇÃO
Bento Barbosa Cintra Neto
* Os textos são de inteira responsabilidade de seus autores
Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos : Divisão Jurídica.
Instituição Toledo de Ensino de Bauru. -- n. 34 (1996) - . Bauru
(SP) : a Instituição, 1996 v.
Quadrimestral
ISSN 1413-7100
1. Direito - periódico I. Instituto de Pesquisas e Estudos. II.
Instituição Toledo de Ensino de Bauru
CDD 340
Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos
n. 34
p. 1-401
2002
ÍNDICE
Apresentação
Maria Isabel Jesus Costa Canellas
11
DOUTRINA NACIONAL
Óptica Constitucional – A Igualdade e as Ações Afirmativas
Marco Aurélio Mendes de Faria Mello
15
A ditadura pós-moderna
Giovani Clark
25
Gênese e evolução dos direitos humanos fundamentais
Oscar de Carvalho
31
Reestruturação do pacto federativo brasileiro frente ao processo mundial
de globalização: o papel do Congresso Nacional
Miguel Angelo Napolitano
53
O Senado Federal e as operações externas de natureza financeira:
o problema dos acordos Brasil-FMI
Valerio de Oliveira Mazzuoli
61
Lex mercatoria e autonomia da vontade
Ana Paula Martins Amaral
85
A flexibilização da exigência do depósito elisivo na lei falimentar
Robson Zanetti
93
A iniciativa recursal do Ministério Público nas ações acidentárias
Mílton Sanseverino
105
Prescrição e decadência tributárias: pontos polêmicos
Francisco Ramos Mangieri
119
Fraude de execução na alienação onerosa de bens e o devido processo legal
Gelson Amaro de Souza
127
Desrespeito à regra processual da livre distribuição
George Marmelstein Lima
151
Da tutela antecipada, seus requisitos e efeitos
Heitor Luiz Ferreira do Amparo
171
Medida liminar em ação rescisória
Reis Friede
179
Objeção de pré-executividade
Paulstein Aureliano de Almeida
191
A Ética do Promotor de Justiça Criminal
Rômulo de Andrade Moreira
203
Procriações artificiais
Taciana Jusfredo Simões Pinto
211
Ou a desmilitarização das polícias militares, ou a limitação do Direito Penal
Militar aplicado a seus integrantes
Luiz Augusto de Santana
227
Cooperativas de trabalho
Antonio de Paiva Porto
235
Responsabilidade solidária dos sócios na execução trabalhista. Bloqueio de
contas bancárias
Francisco Antonio de Oliveira
251
Trabalhador fumante & combate ao tabagismo
Mauro Cesar Martins de Souza
259
A ciência do direito informático
Mário Antônio Lobato de Paiva
269
PARECER
Os cortes de contas em face da Consituição Federal – Princípios aplicáveis
ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo – Parecer.
Ives Gandra da Silva Martins
293
CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO
Resumos de dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito (Área de Concentração: Sistema Constitucional de Garantia de Direitos), em nível de Mestrado, da Instituição Toledo de Ensino.
Responsabilidade civil em face dos danos ambientais
Ari Alves de Oliveira Filho
311
O dano ambiental e sua reparação
Luiz Ricardo Guimarães
313
Responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto no
código de proteção e defesa do consumidor brasileiro
Magali Ribeiro
315
A indenização do dano estético
Raul Vieira Cunha Rudge
317
Os objetivos da República Federativa do Brasil na
Constituição Federal de 1988
Valéria de Andrade Mello
319
Conteúdo jurídico das expressões relativas aos
direitos fundamentais na Constituição de 1988
Vladimir Brega Filho
321
O ingresso do tratado internacional na ordem jurídica interna
José Roberto Anselmo
323
Responsabilidade civil: imprensa e dano moral
Reinaldo Antonio Aleixo
325
Compensação do dano moral
Lisandra Silveira Bonachela Mansano
327
Responsabilidade Civil do Estado por atos do magistrado
Homero Morales Massarente
329
Responsabilidade civil extracontratual do Estado por atos do poder executivo
Adriana Rufino da Silva
331
Estudo crítico da reparação do dano moral e algumas
tendências do judiciário brasileiro
Sérgio Saliba Murad
333
Uma visão histórica da responsabilidade civil
Joaristavo Dantas de Oliveira
335
NÚCLEO DE PESQUISA DOCENTE
The scientific research and the internet
Daniel Freire e Almeida
339
ESTUDOS JURÍDICOS
Harmonia sistêmica do ordenamento jurídico?
Balizas para a solução de conflito aparente de normas
Alexandre Sormani
349
Desconto no IPVA: é constitucional?
Sérgio Resende de Barros
353
Como tornar efetiva a norma ambiental
Heraldo Garcia Vitta
357
Ingresso nos tribunais
Agapito Machado
361
A tradição do pendura precisa ser mantida!
Luíz Flávio Borges D’Urso
365
ACÓRDÃOS
TST. Remessa de Ofício em Ação Rescisória nº TST-RXOFAR-748.490/2001.3,
em que é Remetente TRT da 13ª REGIÃO. Autora UNIÃO FEDERAL e Interessados ANA MARIA NUNES MODESTO E OUTROS.
“A interpretação dada pela egrégia suprema Corte a uma norma, no que tange ao aspecto de sua constitucionalidade, atua ex nunc, como óbice a que se argua a existência anterior de decisões controvertidas nos tribunais inferiores”.
Anelia Li Chum ( Juíza Relatora)
371
TST. Remessa de Ofício em Ação Rescisória nº TST-RXOFAR-748.501/2001.1,
em que é Remetente TRT da 10ª REGIÃO. Autora UNIÃO FEDERAL e Interessados GILMAR NAZARÉ GUEDES LEAL E OUTROS.
“Se o Tribunal já exauriu sua atuação jurisdicional no caso concreto, a oposição de qualquer exceção não tem o condão de deslocar o termo inicial do prazo decadencial. Tratando-se de remessa de ofício, embora sugerida a multa por litigância de má-fé, entendo imprópria a agravação da pessoa de direito público. Remessa de ofício improvida”.
Anelia Li Chum ( Juíza Relatora)
TST. Remessa Ex Officio em Mandado de Segurança nº TST-RXOFMS752.536/2001.2, em que é Remetente TRT da 16ª REGIÃO. Impetrante MUNICÍPIO DE SÃO VICENTE FÉRRER, Interessados MARIA DAS DORES PACH CO
SOUZA E OUTROS e Autoridade Coatora JUIZ TITULAR DA VARA DO TRABALHO DE PINHEIRO.
“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem-se firmado no sentido de admitir o
mandado de segurança mesmo quando a decisão for passível de recurso, se este não
possuir efeito suspensivo e se o ato puder ensejar dano de difícil reparação. Por sua vez,
373
o Tribunal Superior do Trabalho endossa amplamente tal posicionamento, admitindo o
mandado de segurança ainda que, em tese, pudesse a parte ajuizar embargos à execução ou interpor agravo de petição. Recurso provido para, afastado o descabimento, determinar o retorno dos autos ao TRT de origem para que aprecie o mérito do mandado de segurança”.
Anelia Li Chum ( Juíza Relatora)
375
3ª TURMA TRT DA 15ª REGIÃO. Acórdão 007917/2001-SPAJ do Processo
035222/2000-AP-7, publicado em 5/3/2001. Agravo de Petição.
“ECT – EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. DESNECESSIDADE
DE PRECATÓRIO. EXECUÇÃO NORMAL. Na qualidade de empresa pública que explora atividade econômica, a ECT tem seus bens passíveis de penhora, a teor do disposto no art. 173, § 1º, da Constituição Federal, que não recepcionou a regra inscrita no art. 12 do Decreto-lei nº 509/1969, sujeitando-se a reclamada, pois, ao regime
próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. A execução deve reger-se pelas normas gerais aplicáveis ao processo do trabalho e não via precatório, até porque a executada tem receita própria e seu lucro não
é recolhido aos cofres públicos. Agravo de petição improvido”.
Mauro Cesar Martins de Souza ( Juiz Relator)
379
3ª TURMA TRT DA 15ª REGIÃO. Acórdão 007887/2001 do Processo
032568/2000-AP-0, publicado em 5/3/2001. Agravo de Petição.
“IMPENHORABILIDADE - O art. 649, VI do CPC, refere-se a impenhorabilidade dos
utensílios e instrumentos necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão. Veículo não é considerado essencial ao desenvolvimento do exercício da atividade empresarial, sendo certo, ademais, que tal benefício não se estende à pessoa jurídica”.
Mauro Cesar Martins de Souza ( Juiz Relator)
3ª TURMA TRT DA 15ª REGIÃO. Acórdão 007901/2001-SPAJ do Processo
033824/2000-AP-4, publicado em 5/3/2001. Agravo de Petição.
“EXCESSO DE PENHORA. INEXISTÊNCIA. Sem nomeação válida, correto o procedimento de proceder-se à penhora livremente de tantos bens quantos bastem à satisfação do débito (CPC, arts. 656 e 659 c/c CLT, art. 883), descabendo à devedora invocar
excesso de penhora. Deve-se considerar que o valor da condenação será atualizado e
que há encargos a serem suportados pela reclamada-agravante, a qual poderá a qualquer tempo substituir os bens constritados por dinheiro (CPC, art. 668) ou, oportuna-
381
mente exercer seu direito à remição (CPC, art. 787) ou, ainda, em caso de arrematação, eventual sobra de numerário será devolvida à executada (CPC, art. 710). Agravo
de petição improvido”.
Mauro Cesar Martins de Souza ( Juiz Relator)
383
TJSC - QUINTA CÃMARA DE DIREITO PÚBLICO. Apelação cível n. 01.009343-0,
Comarca da Capital, em que é apelante JOSÉ RONALDO NUNES sendo apelado o ESTADO DE SANTA CATARINA E OUTROS.
“AÇÃO POPULAR – PRETENDIDA NULIDADE DE CONTRATO DO PODER PÚBLICO –
ILEGALIDADE E LESIVIDADE – PRESSUPOSTOS DE TUTELA JURISDICIONAL E NÃO
CONDIÇÕES DA AÇÃO – ADEQUAÇÃO DO PEDIDO INICIAL À SATISFAÇÃO DO INTERESSE QUE O AUTOR PRETENDE VER TUTELADO”.
Volnei Carlin (Desembargador Relator)
385
TJSC - QUINTA CÃMARA DE DIREITO PÚBLICO. Apelação cível n. 00.018719-4,
da comarca de Tijucas, em que é apelante VLADIMIR LOZZA BITTENCOURT,
sendo apelado o MUNICIPIO DE BOMBINHAS:
“AÇÃO POPULAR – DEFESA DO MEIO AMBIENTE – CABIMENTO – ART. 5°, LXXIII,
DA LEX FUNDAMENTALIS – INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL A PARTIR DA MAGNA CARTA”.
Volnei Carlin (Desembargador Relator)
391
TJSC - QUINTA CÃMARA DE DIREITO PÚBLICO. Apelação cível n. 01.014910-9,
Comarca da Capital, em que é apelante JOSÉ RONALDO NUNES, sendo apelados ESTADO DE SANTA CATARINA e OUTROS.
“AÇÃO POPULAR – PRETENDIDA NULIDADE DE ADMISSÃO DE BOLSISTAS PELO PODER PÚBLICO – ILEGALIDADE E LESIVIDADE – PRESSUPOSTOS DE TUTELA JURISDICIONAL E NÃO CONDIÇÕES DA AÇÃO.
Volnei Carlin (Desembargador Relator)
395
INFORMAÇÕES AOS COLABORADORES
399
APRESENTAÇão
O pós-11 de setembro vem se mostrando inovador e surpreendente para todos.
Numa edição histórica do Oscar, atores negros foram premiados e homenageados. Halle Barry foi escolhida a melhor atriz e Denzel Washington o melhor ator.
Sidney Poitier, 75 anos, foi homenageado com um prêmio honorário. Coroando o
Oscar negro, a noite foi conduzida por Whoopi Goldberg.
O que teria mudado e até mesmo revolucionado a tão famosa Academia?
Preconceitos vieram por terra. Fez-se justiça ao talento de atores negros, que
há anos fazem sucesso mas, não eram reconhecidos pela Academia.
Implicitamente, a cerimônia do Oscar continha um pedido de desculpas e até
mesmo um certo remorso.
No final do mês de abril, o sonho de criar um tribunal penal internacional para
julgar os responsáveis pelos mais hediondos crimes se realizou.
O Estatuto de Roma (1998) foi ratificado na sede da ONU, em Nova York, por
mais dez países, ultrapassando em seis o número mínimo para entrar em vigor.
O TPI será financiado pelos países que o ratificaram e por fundos transferidos
pela ONU. Será composto por 18 juízes e um promotor-chefe, que terão mandato
de 9 anos.
O TPI julgará acusados de genocídio, de crimes de guerra e de crimes contra
a humanidade.
Entretanto, por questões práticas, só começará a funcionar em 2003, em Haia
(Holanda).
No Brasil, o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de
Redação da Câmara dos Deputados, devendo ser votado em breve. Após aprovado
na Câmara, ele deverá ser votado no Senado. O Brasil é favorável ao estatuto, embora, ainda, não o tenha ratificado.
Segundo Kofi Annan, secretário-geral da ONU, “um sonho antigo acaba de tornar-se realidade”. Para Francisco Rezek, ex-ministro da Justiça do Brasil e juiz na Corte Internacional de Justiça, o evento é histórico e abre caminho para que, no futuro, haja um justiça internacional eficaz.
Inicialmente, o TPI (Tribunal Penal Internacional) não terá grande influência sobre a justiça internacional, pois potências geopolíticas como os EUA, a Rússia e a China ainda não o ratificaram. Não obstante, o primeiro passo já foi dado
e, agora, é só uma questão de tempo para verificarmos os resultados de tão inovadora criação.
Realmente, o pós-11 de setembro mostrou-se inovador e surpreendente.
Algo mudou e para melhor. Devemos aproveitar essas mudanças de conceitos
para aprimorarmos nossa sociedade e a nós mesmos.
É isso que busca a RIPE, a inovação, a escolha do melhor caminho, através
de publicações de textos altamente qualificados que tragam possíveis soluções às
diversas questões. Soluções que serão utilizadas na prática para melhorar nossa
sociedade.
Possibilitado o debate de idéias, caminhamos para o futuro sabedores de que
nosso trabalho foi cumprido, pois, nas palavras de Henfil (cartunista):
“Não é o desafio com que nos deparamos que determina quem somos e o
que estamos nos tornando, mas a maneira com que respondemos ao desafio. Somos combatentes, idealistas, mas plenamente conscientes. Problemas para vencer, liberdade para provar. E, enquanto acreditarmos no nosso sonho, nada é ao
acaso”.
Maio de 2002.
Maria Isabel Jesus Costa Canellas
doutrina Nacional
Óptica Constitucional
A Igualdade e as Ações Afirmativas
Marco Aurélio Mendes de Faria Mello
Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal
Texto extraído de palestra proferida, em 20 de novembro de 2001, no Seminário
“Discriminação e Sistema Legal Brasileiro”, promovido pelo Tribunal Superior do Trabalho.
As Constituições sempre versaram, com maior ou menor largueza, sobre o
tema da isonomia. Na Carta de 1824, apenas se remetia o legislador ordinário à eqüidade. Na época, convivíamos com a escravatura, e o escravo não era sequer considerado gente. Veio a República e, na Constituição de 1891, previu-se, de forma
categórica, que todos seriam iguais perante a lei. Mais do que isso: eliminaram-se
privilégios decorrentes do nascimento; desconheceram-se foros de nobreza, extinguiram-se as ordens honoríficas e todas as prerrogativas e regalias a elas inerentes,
bem como títulos nobiliárquicos e de conselho. Permanecemos, todavia, com uma
igualdade simplesmente formal. Na Constituição de 1934, Constituição popular, dispôs-se também que todos seriam iguais perante a lei e que não haveria privilégios
nem distinções por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos
pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas. Essa Carta teve uma
tênue virtude, revelando-nos o outro lado da questão. É que a proibição relativa à
discriminação mostrou-se ainda simplesmente simbólica. O discurso oficial, à luz da
Carta de 1934, foi único e ingênuo, afirmando-se que, no território brasileiro, inexistia a discriminação. Na Constituição outorgada de 1937, simplificou-se, talvez por
não se admitir a discriminação, o trato da matéria e proclamou-se, simplesmente,
que todos seriam iguais perante a lei. Nota-se até aqui um hiato entre o direito -
16
faculdade de direito de bauru
proclamado com envergadura maior, porquanto fixado na Constituição Federal - e a
realidade dos fatos. Sob a égide da Carta de 1937, veio à balha a Consolidação das
Leis do Trabalho, mediante a qual se vedou a diferenciação, no tocante ao rendimento do prestador de serviços, com base no sexo, nacionalidade ou idade. Essa
vedação, porém, não pareceu suficiente para corrigir desigualdades. Na prática,
como ocorre até os dias de hoje, o homem continuou a perceber remuneração
superior à da mulher. Vigente a Constituição de 1937, promulgou-se o Código Penal
de 1940, que entrou em vigor em 1942. Perdeu-se, à época de tal promulgação, a
oportunidade de se tratar de maneira mais eficaz a discriminação. Foi tímido o nosso
legislador, porque apenas dispôs sobre os crimes contra a honra e aqueles praticados contra o sentimento religioso. Já na progressista Constituição de 1946, reafirmou-se o princípio da igualdade, rechaçando-se a propaganda de preconceitos de
raça ou classe. Introduziu-se, assim, no cenário jurídico, por uma via indireta, a lei
do silêncio, inviabilizando-se, de uma forma mais clara, mais incisiva, mais perceptível, a repressão do preconceito. Sob a proteção dessa Carta, deu-se a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, em dezembro de 1948. Proclamou-se em bom
som, em bom vernáculo, que “todo o homem tem capacidade para gozar os direitos
e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, cor, sexo, língua, opinião pública ou de outra natureza, origem nacional
ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição”. Admitiu-se, aqui e no
âmbito internacional, a verdadeira situação havida no Brasil, em relação ao problema. Percebeu-se a necessidade de se homenagear o princípio da realidade, o dia a
dia da vida em sociedade. No Brasil, a primeira lei penal sobre a discriminação surgiu
em 1951, graças ao trabalho desenvolvido por dois grandes homens públicos:
Afonso Arinos e Gilberto Freire. Só então se reconheceu a existência, no País, da discriminação. E é sintomática a justificativa dessa lei, na qual se apontou, como a revelar o racismo, o que vinha acontecendo em carreiras civis, como a da diplomacia,
e em carreiras militares, especialmente a Marinha e a Aeronáutica. Ressaltou-se que
o exemplo deve vir de cima, que cumpre ao Estado adotar uma postura que sirva de
norte, que sinalize ao cidadão comum. E o Judiciário, como atuou diante desse
diploma que enquadrava, não como crime, mas como contravenção penal, a discriminação, considerada a raça ou a cor? O Judiciário mostrou-se excessivamente
escrupuloso e construiu uma jurisprudência segundo a qual era necessária a prova,
pelo ofendido, do especial motivo de agir da parte contrária. Resultado prático:
pouquíssimas condenações, sob o ângulo da simples contravenção, ocorreram. Daí
a crítica de Afonso Arinos, falando à “Folha de São Paulo”, em 8 de junho de 1980
“... a lei funciona, vamos dizer, à brasileira, através de uma conotação mais do tipo
sociológico do que, a rigor, jurídico...”. Outras leis foram editadas: em 1956, sobre o
genocídio; em 1962, o Código Brasileiro de Telecomunicações, sobre a radiodifusão;
e, em 1964, o Brasil veio a subscrever a Convenção nº 111 da Organização
Internacional do Trabalho, que teve a virtude de definir, em si, o que se entende
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como discriminação: “Toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça,
cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha o
efeito de anular a igualdade de oportunidade ou de tratamento em emprego ou
profissão”. Na Constituição Federal de 1967, não se inovou; permaneceu-se na vala
da igualização simplesmente formal, dispondo-se que todos são iguais perante a lei,
sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Previuse, no entanto, que o preconceito de raça seria punido pela lei e, nesse ponto,
talvez, tenha-se dado um passo a mais ao emprestar-se estatura maior - constitucionalizando-se, portanto - à punição do preconceito. As leis ordinárias, no entanto,
mostraram-se insuficientes ao fim visado. Na época, a visão distorcida que predominava, a escancarar nefasto e condenável preconceito, era de que “pretos e pardos”
têm propensão para o crime. Sentenciava-se sem investigar as causas da delinqüência. Em 1967, com a Lei da Imprensa, proibiu-se a difusão de preconceitos de raça
ou classe e introduziu-se a capitulação do preconceito, da discriminação, como um
crime, não mais simples contravenção penal. A Convenção Internacional sobre
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil, em 26
de março de 1968, dispôs: “Não serão consideradas discriminação racial as medidas
especiais” - e adentramos aqui o campo das ações afirmativas, da efetividade maior
da não-discriminação - “tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso
adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da
proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos
igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades” - no sentido amplo - “fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência” - e, hoje,
ainda estamos muito longe disso -, “à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos”. O artigo quarto dessa convenção versa sobre medidas especiais, de caráter
temporário, destinadas a acelerar a igualdade entre o homem e a mulher, mulher
que hoje forma o grande número, a maioria de nossa população. Na Constituição
de 1969 - a Emenda nº 1, de 1969, verdadeira Constituição -, repetiu-se o texto da
Carta imediatamente anterior, proclamando-se, de forma pedagógica - e esse trecho
encerra a principiologia -, que não seria tolerada a discriminação.
Esse foi o quadro notado pelos constituintes de 1988, a evidenciar, como já
afirmado, uma igualização simplesmente formal, uma igualdade que fugia aos
parâmetros necessários à correção de rumos. Na Constituição de 1988 - dita, por
Ulysses Guimarães, como cidadã, mas que até hoje assim não se mostra não por
deficiência do respectivo conteúdo, mas pela ausência de vontade política de implementá-la -, adotou-se, pela primeira vez, um preâmbulo - o que é sintomático -, sinalizando uma nova direção, uma mudança de postura, no que revela que “nós,” todos nós e não apenas os constituintes, já que eles agiram em nosso nome - “representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte
para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício de direitos
18
faculdade de direito de bauru
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna
e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. E, aí, a Lei
Maior é aberta com o artigo que lhe revela o alcance: constam como fundamentos
da República Brasileira a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e não nos
esqueçamos jamais de que os homens não são feitos para as leis; as leis é que são
feitas para os homens. Do artigo 3º vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação
afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar
o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual. Nesse preceito são considerados como objetivos fundamentais de nossa República: primeiro,
construir - preste-se atenção a esse verbo - uma sociedade livre, justa e solidária;
segundo, garantir o desenvolvimento nacional - novamente temos aqui o verbo a
conduzir, não a uma atitude simplesmente estática, mas a uma posição ativa;
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, por último, no que nos interessa, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Pode-se afirmar, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática,
meramente negativa, no que se proibia a discriminação, para uma igualização eficaz,
dinâmica, já que os verbos ”construir”, “garantir”, “erradicar” e “promover” implicam, em si, mudança de óptica, ao denotar “ação”. Não basta não discriminar. É preciso viabilizar - e encontramos, na Carta da República, base para fazê-lo - as mesmas
oportunidades. Há de ter-se como página virada o sistema simplesmente principiológico. A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa. E é necessário que essa seja a
posição adotada pelos nossos legisladores. Qual é o fim almejado por esses dois artigos da Carta Federal, senão a transformação social, com o objetivo de erradicar a
pobreza, que é uma das formas de discriminação, visando-se, acima de tudo, ao bem
de todos, e não apenas daqueles nascidos em berços de ouro? No âmbito das
relações internacionais, a Constituição de 1988 estabelece que devem prevalecer as
normas concernentes aos direitos humanos. Mais do que isso, no artigo 4º, inciso
VII, repudia-se o terrorismo, colocando-se no mesmo patamar o racismo, que é uma
forma de terrorismo. Dispõe ainda o artigo 4º sobre a cooperação entre os povos
para o progresso da humanidade. Encontramos aqui princípios, mais do que princípios, autorizações para uma ação positiva. E sabemos que os princípios têm tríplice
função: a informativa, junto ao legislador ordinário, a normativa, para a sociedade
como um todo, e a interpretativa, considerados os operadores do Direito. No
campo dos direitos e garantias fundamentais, deu-se ênfase maior à igualização ao
prever-se, na cabeça do artigo 5º da Constituição Federal, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, assegurando-se aos brasileiros e
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19
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade. Seguem-se setenta e sete incisos, cabendo
destacar o XLI, segundo o qual “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos
direitos e liberdades fundamentais”; o inciso XLII, a prever que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Veja-se que nem a passagem do tempo, nem o valor “segurança jurídica”, estabilidade nas relações jurídicas, suplantam a ênfase dada pelo nosso legislador constituinte de 1988 a esse crime odioso, que é o crime racial. Mais ainda: de
acordo com o § 1º do artigo 5º, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Sabemos que os trabalhos da Assembléia
Constituinte - e isso é proclamado por aqueles que os acompanharam - foram
desenvolvidos sem maioria constante, e esse aspecto afigurou-se salutar. Daí a
existência de certos dispositivos na Carta de 1988 a projetarem no tempo o exercício de direito constitucionalmente assegurado, preceitos esses que ressalvam a
necessidade de regulação dos temas a serem tratados, portanto, pelos legisladores
ordinários. Entretanto, em relação aos direitos e às garantias individuais, a Carta de
1988 tornou-se, desde que promulgada, auto-aplicável, cabendo aos responsáveis
pela supremacia do Diploma Máximo do País buscar meios para torná-lo efetivo.
Consoante o § 2º desse mesmo artigo 5º, os direitos e garantias expressos na
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, e, aqui, se passou a contar com os denominados direitos e garantias
implícitos ou insertos nos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte. A Lei nº 7.716, de 1989, de autoria do deputado Carlos Alberto Caó,
veio capitular determinados procedimentos, à margem da Carta Federal, como
crime. Deveriam ter sido previstas, além da pena de prisão, também penas de multa
em valores elevados. É o caso de perguntarmos: o que falta, então, para afastarmos
do cenário as discriminações, as exclusões hoje notadas? Urge uma mudança cultural, uma conscientização maior por parte dos brasileiros; falta a percepção de que
não se pode falar em Constituição Federal sem levar em conta, acima de tudo, a
igualdade. Precisamos saldar essa dívida, ter presente o dever cívico de buscar o
tratamento igualitário. Como já ressaltou o presidente do Tribunal Superior do
Trabalho, ministro Almir Pazzianotto, cuida-se aqui de dívidas históricas para com as
impropriamente chamadas minorias. Esse resgate, vale reafirmar, é um ônus da
sociedade como um grande todo. Consideremos, agora, o princípio da realidade: é
necessário pôr em prática o que está no papel. No Direito do Trabalho, o princípio
da realidade é acionado no dia-a-dia, sobrepondo-se, em face da relação jurídica, ao
que consignado no ajuste que aproximou tomador e prestador de serviços. A revista
IstoÉ, de 10 de outubro último, publicou estatística do IBGE segundo a qual a população brasileira é formada por 24% de analfabetos, sendo que, destes, 80% são
negros. O DIEESE, em relação a São Paulo, apontou que, na área do desemprego,
22% são negros, enquanto que 16% são brancos. O salário médio em São Paulo, para
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faculdade de direito de bauru
mulher negra, é de R$399,00; mulher branca, R$750,00; homem negro, R$601,00;
homem branco, R$1.100,00. Na publicação “Mulheres Negras - Um Retrato da
Discriminação Racial no Brasil”, colhem-se outros dados: formandos em universidades, de acordo com o Ministério da Educação: 80% brancos e 2% negros.
População - como ali registrado - “pretos e pardos”: 45%; 60% das famílias chefiadas
por mulheres negras têm renda inferior a um salário mínimo; expectativa de vida:
negros, 64 anos; brancos, 70 anos; domicílios sem esgoto sanitário: 50% são chefiados por negros, enquanto 26%, por brancos; mortalidade de menores de cinco
anos: 76 em mil, em relação aos afro-descendentes; 45 em mil, em relação aos brancos; violência na cidade do Rio de Janeiro, cometida pela polícia, de 1993 a 1996:
29% das vítimas são negras, em relação a um grupo racial de 8%, 40% de pessoas de
“cor parda” em um grupo racial de 31%, 29% de brancos em um grupo racial de
60%. A prática comprova que, diante de currículos idênticos, prefere-se a arregimentação do branco e que, sendo discutida uma relação locatícia, dá-se preferência
- em que pese à igualdade de situações, a não ser pela cor - aos brancos. Revelamnos também, no cotidiano, as visitas aos shopping centers que, nas lojas de produtos sofisticados, raros são os negros que se colocam como vendedores, o que se dirá
como gerentes. Em restaurantes, serviços que impliquem contato direto com o
cliente geralmente não são feitos por negros. Mais ainda, existem locais em que há
a presença maior de negros, a atuarem, no entanto, como manobrista, leão de chácara, etc. Há exceções no Brasil. Já contamos, felizmente, com algumas grandes
empresas que procuram equilibrar essa equação; uma delas começou com essa
política em 1970, mas mesmo assim, até aqui, só conseguiu compor o quadro funcional com 10% de negros. Iniciativas semelhantes servem para escancarar o problema, para abrir nossos olhos a esse impiedoso tratamento que resulta, passo a
passo, numa discriminação inaceitável.
É preciso buscar-se a ação afirmativa. A neutralidade estatal mostrou-se nesses anos um grande fracasso; é necessário fomentar-se o acesso à educação; urge
contar-se com programa voltado aos menos favorecidos, a abranger horário integral,
de modo a tirar-se meninos e meninas da rua, dando-se-lhes condições que os
levem a ombrear com as demais crianças. O Estado tem enorme responsabilidade
nessa área e pode muito bem liberar verbas para os imprescindíveis financiamentos
nesse setor; pode estimular, mediante tal liberação, as contratações. E o Poder
Público deve, desde já, independentemente da vinda de qualquer diploma legal, dar
à prestação de serviços por terceiros uma outra conotação, estabelecendo, em editais, quotas que visem a contemplar os que, até hoje, têm sido discriminados. O
setor público tem a sua disposição, ainda, as funções comissionadas que, a serem
preenchidas por integrantes do quadro, podem e devem ser ocupadas também consideradas as ditas minorias nele existentes. O exemplo vivo tivemos há pouco no
Ministério do Desenvolvimento Agrário, por iniciativa do ministro Raul Jungmann.
Não se há de cogitar que esse procedimento conflita com a Constituição Federal,
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porque, em última análise, objetiva a efetividade da própria Carta. As normas
proibitivas não são suficientes para afastar do nosso cenário a discriminação.
Precisamos contar - e fica aqui o apelo ao Congresso Nacional - com normas integrativas. No momento, tramita no Senado Federal o Projeto PLS nº 650, de iniciativa do senador José Sarney, que almeja instituir quotas de ação afirmativa para a população negra no acesso aos cargos e empregos públicos, à educação superior e aos
contratos do fundo de financiamento ao estudante do ensino superior, quota essa
que, diante do total dessas minorias - e apenas são minorias no tocante às oportunidades -, mostra-se singela: 20%. Essa legislação deve vir com um peso maior.
Sabemos que um preceito pode ser dispositivo ou imperativo. O Tribunal Superior
do Trabalho, por exemplo, lida com preceitos imperativos, porque se percebeu a
necessidade de o Estado intervir para corrigir desigualdades, e de nada adiantaria tal
intervenção se às normas de proteção ao hipossuficiente, ao trabalhador, se
emprestasse a eficácia dispositiva, na hipótese de lacuna, de ausência de manifestação da vontade. Em um mercado desequilibrado como o brasileiro, no qual, por
ano, precisamos de cerca de um milhão e seiscentos mil empregos para receber a
força jovem que chega ao mercado de trabalho, é inimaginável que se cogite de flexibilização do Direito do Trabalho. Aliás, os constituintes de 1988 levaram em conta
essa realidade, no que, potencializando o direito coletivo, só permitiram tal flexibilização no tocante a três temas, como se revelassem, de forma categórica, inafastável, a impossibilidade de se incluir outras exceções no cenário trabalhista. Estes
temas referem-se à possível modificação de parâmetros via contrato coletivo, acordo coletivo ou convenção coletiva, quanto a salários, jornada de trabalho, carga
horária semanal e regime de turno de revezamento. Deve-se reafirmar: toda e qualquer lei que tenha por objetivo a concretude da Constituição Federal não pode ser
acusada de inconstitucional. Vem-nos de um grande pensador do Direito, Celso
Antônio Bandeira de Mello, o seguinte trecho: “De revés, sempre que a correlação
lógica entre o fator de discrímen e o correspondente tratamento encartar-se na
mesma linha de valores reconhecidos pela Constituição, a disparidade professada
pela norma exibir-se-á como esplendorosamente ajustada ao preceito isonômico
(...). O que se visa com o preceito isonômico é impedir favoritismos ou
perseguições. É obstar agravos injustificados, vale dizer que incidam apenas sobre
uma classe de pessoas em despeito de inexistir uma racionalidade apta a fundamentar uma diferenciação entre elas que seja compatível com os valores sociais
aceitos no Texto Constitucional”. Entendimento divergente resulta na colocação em
plano secundário dos ditames maiores da Carta da República, que contém algo que,
longe de ser um óbice, mostra-se como estímulo ao legislador comum. A Carta
agasalha amostragem de ação afirmativa, por exemplo, no artigo 7º, inciso XX, ao
cogitar da proteção de mercado quanto à mulher e ao direcionar à introdução de
incentivos; no artigo 37, inciso III, ao versar sobre a reserva de vaga - e, portanto, a
existência de quotas - nos concursos públicos, para os deficientes; no artigo 170, ao
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faculdade de direito de bauru
dispor sobre as empresas de pequeno porte, prevendo que devem ter tratamento
preferencial; no artigo 227, ao emprestar também um tratamento preferencial à criança e ao adolescente. Veja-se a experiência brasileira no campo da legislação
ordinária. A Lei nº 8.112/90 - porque, de certa forma, isso foi previsto na
Constituição Federal - fixa a reserva de 20% das vagas, nos concursos públicos, para
os deficientes físicos. A lei eleitoral, de nº 9.504/97, dispõe sobre a participação da
mulher, não como simples eleitora, o que foi conquistado na década de 30, mas
como candidata. Estabelece também, em relação aos candidatos, o mínimo de 30%
e o máximo de 70% de cada sexo. A proteção aqui concorre também em benefício
dos homens. Talvez tenha o legislador receado uma interpretação apressada, levando em conta um suposto conflito com a Constituição Federal, ao prever, como ocorreu anteriormente, uma quota específica para as mulheres. Por outro lado, a Lei nº
8.666/93 viabiliza a contratação, sem licitação - meio que impede o apadrinhamento
-, de associações, sem fins lucrativos, de portadores de deficiência física, considerado, logicamente, o preço de mercado. No sistema de quotas a ser adotado, deverá
ser considerada a proporcionalidade, a razoabilidade, e, para isso, dispomos de
estatísticas. Tal sistema há de ser utilizado para a correção de desigualdades.
Portanto, deve ser afastado tão logo eliminadas essas diferenças.
O que pode o Judiciário fazer neste campo? Pode contribuir, e muito, tal como
a Suprema Corte dos Estados Unidos da América após a Segunda Guerra Mundial.
Até então, tinha-se apenas a atuação do legislador. Percebeu aquela Suprema Corte
que precisava, realmente, sinalizar para a população, de modo a que prevalecessem,
na vida gregária, os valores básicos da Constituição norte-americana. Toda e qualquer interpretação de preceito normativo revela um ato de vontade. E aí vale repetir: os homens não são feitos para as leis, mas as leis, para os homens. Qual deve ser
a postura do Estado-juiz diante de um conflito de interesses? Há de ser única: não
deve potencializar a dogmática para, posteriormente, à mercê dessa dogmática,
enquadrar o caso concreto. Em face de um conflito de interesses, deve o juiz idealizar a solução mais justa, considerada a formação humanística que tenha e, após,
buscar o indispensável apoio no direito posto. Ao fazê-lo, cumprirá, sempre, ter presente o mandamento constitucional de regência da matéria. Só teremos a supremacia da Carta quando, à luz dessa mesma Carta, implementarmos a igualdade. A ação
afirmativa evidencia o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica, e,
neste caso, cabe citar uma pensadora do Direito, a nossa Carmem Lúcia Antunes
Rocha: “A ação afirmativa é um dos instrumentos possibilitadores da superação do
problema do não cidadão, daquele que não participa política e democraticamente
como lhe é na letra da lei fundamental assegurado, porque não se lhe reconhecem
os meios efetivos para se igualar com os demais. Cidadania não combina com
desigualdade. República não combina com preconceito. Democracia não combina
com discriminação. E, no entanto, no Brasil que se diz querer republicano e
democrático, o cidadão ainda é uma elite, pela multiplicidade de preconceitos que
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subsistem, mesmo sob o manto fácil do silêncio branco com os negros, da palavra
gentil com as mulheres, da esmola superior com os pobres, da frase lida para os
analfabetos... Nesse cenário sócio-político e econômico, não seria verdadeiramente
democrática a leitura superficial e preconceituosa da Constituição, nem seria verdadeiramente cidadão o leitor que não lhe rebuscasse a alma, apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa história feita pelas mãos calejadas
dos discriminados”. É preciso ter sempre presentes essas palavras. A correção das
desigualdades é possível. Por isso, façamos o que está ao nosso alcance, o que está
previsto na Constituição Federal, porque, na vida, não há espaço para arrependimento, para acomodação, para o misoneísmo, que é a aversão, sem se querer perceber a origem, a tudo que é novo. Mãos à obra, a partir da confiança na índole dos
brasileiros e nas instituições pátrias.
A DITADURA PÓS-MODERNA
Giovani Clark
Doutor Mestre em Direito Econômico pela UFMG. Professor da PUC/MG.
Membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico e autor de obra publicada.
Nesses tempos pós-modernos, o Brasil se envereda por uma ditadura1 “quase
invisível” e de difícil constatação para o cidadão comum, porque ela se apresenta
sem as características de épocas passadas. Nos antigos regimes autoritários, nem tão
antigos assim, não existiam eleições diretas para os governantes, os opositores eram
perseguidos e “desapareciam”, os braços armados do Estado impunham o controle
social e a imprensa era censurada, encobrindo as barbaridades dos donos do poder.
Os três poderes do Estado eram concentrados nas mãos do ditador, chamado
de presidente, digno representante da elite econômica do país, apesar de existência
formal do Legislativo, Executivo e Judiciário. As ditaduras passadas patrocinaram,
ainda, anos perdidos, em virtudes de políticas econômicas suicidas, onde o povo era
exterminado, paulatinamente, a cada plano econômico e o país abdicava de sua soberania para ser “defendido” pelo “Tio Sam”, paladino da perversa economia de
mercado e combatente dos “demoniados” socialistas.
Para o pensador italiano Norberto Bobbio (1986), a democracia dos idos atuais
caracteriza-se pela alternância de classes dominantes no poder, mostrando, assim, a
sua descrença na chegada dos dominados a aquele, através dos mecanismos da de1 Uma das principais características das ditaduras é de estarem reunidos os poderes estatais, Executivo, Legislativo
e Judiciário, nas mãos de um homem, ou de um grupo, ou de uma classe.
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faculdade de direito de bauru
mocracia burguesa. No Brasil, desde o golpe de 01/04/1964 não existem mudanças
de elites no poder, somente uma persiste encastelada naquele.
O formato atual do Estado, com a existência de três poderes independentes e
harmônicos, surgiu devido às revoluções burguesas para dar fim à acumulação das
funções estatais na pessoa do rei absolutista. Todavia, recentemente no Brasil, assistimos a um fenômeno inverso, ou seja, o retorno, em padrões “inovadores”, da concentração dos poderes do Estado no chefe Executivo, originando, assim, um presidencialismo imperial ou uma ditadura pós-moderna.
Nas ditaduras atuais, o presidente imperial não pode ser contrariado, vigora o
“mito” da idéia única, encarnada na “glória” da economia de mercado, com sua sanha consumista e na implantação da globalização, ou melhor, da renovação do pacto colonial em bases pós-modernas. Ser oposição, ou simplesmente discordar, é um
sacrilégio, gera reações dos detentores do sistema, via seus veículos de comunicação2, orquestrados para perpetuar a domesticação social e ridicularizar os inimigos.
Isto, sem contar com os cortes de verbas e os rigores da lei para os adversários.
Os Poderes Legislativo e Judiciário também não exercem as suas funções de
fazer as leis e julgar os conflitos sociais, respectivamente, como idealizou Montesquieu. Em nosso “autoritarismo civil”, o Executivo subtrai do Legislativo a missão de
legislar, por intermédio da eclética representatividade de seus pares, editando as
vergonhosas medidas provisórias, que de provisórias só têm o nome, e igualmente
aos famigerados decretos-lei das ditaduras Vargas e Militar, normatiza todas as matérias de direito, desobedecendo a Carta Magna de 1988 (art. 62 da C.F.).
O Legislativo não só permite o uso arbitrário das medidas provisórias, mesmo
tendo competência constitucional para frear os abusos, exigindo o cumprimento
dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência, mas, também, curva-se,
em sua maioria, aos caprichos do rei/presidente votando de acordo com seus desejos, em virtude da força extraordinária do orçamento estatal (onde se distribui benefícios aos aliados), da distribuição fisiológica de cargos públicos e para manter o
sistema socioeconômico excludente para inúmeros e benevolente para poucos.
Caso o legislador não vote ao sabor das ordens do “soberano”, provavelmente cairá
no ostracismo, será execrado pelos donos do poder e varrido do mapa político na
próxima eleição.
O Judiciário, em nossa ditadura pós-moderna, também perdeu a sua independência em julgar os conflitos à luz do direito. As escolhas dos membros dos tribunais superiores, por vezes, não obedecem aos critérios de mérito pela carreira jurídica, mas sim a outros, tais como a capacidade do escolhido em “juridicizar” os atos
do Executivo. E em alguns julgamentos, as decisões prolatadas não estão de acordo
2 Segundo Carlos Muzzi, em artigo intitulado “Política”, no Jornal da OAB/MG, em março de 1999, p.2, o governo
federal brasileiro gastou 600 milhões de reais em publicidade oficial em 1998, enquanto o governo americano, em
igual período, gastou 400 milhões.
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com os comandos constitucionais, e sim com a vontade política dos dominantes
(STF e o apagão).
As eleições no presidencialismo imperial são utilizadas como fantasia social,
os seus resultados são previsíveis, ganham sempre os homens do regime, e quando
são imprevisíveis, mudam-se as normas eleitorais. Ademais, é freqüente os ocupantes do poder, via manobras múltiplas, escolherem os seus adversários dentre os opositores, e desta forma encenam o jogo democrático, garantem o discurso de autoridade e impõem a pseudo legitimidade de um governo, nitidamente, privado3, onde
o dinheiro é o grande precursor da democracia.
Como no passado, a ditadura pós-moderna gera milhares de seres humanos
descartáveis, implantando o holocausto social a cada política econômica genocida,
efetivada ao prazer do “poder invisível”, ou melhor, do poder econômico privado,
os reais ditadores e donos da nação, já que para eles a divindade é o lucro e as trevas o bem estar social entre os homens.
O “autoritarismo civil” da atualidade continua pagando uma divida externa impagável4 e já paga, há muito tempo, por nós. Graças à mágica dos juros extorsivos a
dívida só aumenta. Portanto, continuamos curvados diante do cassino global dos
bancos internacionais, liquidando nossas riquezas naturais, aniquilando a soberania
e semeando a miséria, para pagar o que não devemos.
Por sinal, não é por obra dos deuses que a miséria aumentou no país. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU de 2001, o Brasil está 69º lugar, das 162 nações pesquisadas, atrás da Argentina, em grave crise econômica desde o final do século passado, e da Colômbia, em guerra civil à anos. Em matéria de
acesso da população aos avanços tecnológicas estamos, também, pessimamente colocados, ou seja, 43º lugar, entre 72 países investigados.
O mega poder do Executivo tem inúmeras razões, mas explica-se, em parte,
pela necessidade de o Estado intervir no domínio econômico e social, em uma economia de mercado, onde a lei de oferta e procura não funciona naturalmente, ficando inviável aquela sem a ação estatal, devido as demandas e interesses plurais e conflitantes, sempre à espera de normas adequadas e imediatas. Sendo o Legislativo naturalmente lento, pela sua diversidade de representação política, e pouco familiarizado para normatizar tais interesses antagônicos, principalmente as matérias econômicas, a missão foi “absorvida” pelo Executivo.
A execução do orçamento pelo Executivo é ainda um grande instrumento do
agigantamento de seu poder, por intermédio do gasto do dinheiro público se ativa
3 Em entrevista concedida ao Jornal do Advogado da OAB/MG, em julho de 2001, p.13-14, o jurista português José
Joaquim Gomes Canotilho diz que vivemos em tempos de governos privados e a legitimação do poder político significa a legitimação democrática do dinheiro.
4 De acordo com Mozar Benedito, no livro “Dívida Externa”, 2º ed., São Paulo… Edições Loyola, publicado em
2000, no ano de 1989, a nossa divida externa era de 115 bilhões de dólares. Só o governo atual pagamos 60 bilhões,
ou seja, mais de 140 bilhões de dólares acima da dívida, mas continuamos a dever 243 bilhões.
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ou inibe setores da economia, influenciando o processo produtivo, podendo gerar,
assim, riqueza para alguns e apartheid social para muitos, ou a cassação dos privilégios de poucos e a justiça distributiva para todos.
De acordo com o nosso direito positivo, a lei de orçamento depende da lei do
plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentaria, todas de competência exclusiva
do Executivo para sua iniciativa, e apesar de serem aprovadas pelo Legislativo tal
competência reforça, ainda, mais o mega poder daquele.
Paralelamente, o Judiciário não está aparelhado para julgar os conflitos que
envolvem as normas de Direito Econômico, nem para enfrentá-las. A sua lentidão e
seu pequeno envolvimento com tais normas levam à insegurança jurídica, dilatada
pelas constantes mudanças e especificidades técnicas daquelas, facilitando, assim as
aberrações legais e o avanço do presidencialismo imperial.
Hoje, apenas a existência formal dos três poderes não garante mais a separação das funções do Estado, nem muito menos a democracia. Mesmo porque o Estado ganhou outras competências e missões, sendo ineficazes os atuais três poderes
para dar sustentáculo à democracia.
Existe a necessidade de criarmos novos centros estatais de poder, democráticos, eficazes, com participação social plural, e dotados de capacidade de decisão,
para juntar-se aos três poderes de Montesquieu. Um deles poderia ser o “Poder Econômico”, ou seja, o 4º poder5, que seria implantado nos Municípios, Estados e
União, com a função de regulamentar suas políticas econômicas, contribuindo assim
para definhamento das ditaduras pós-modernas, bem como de seus mecanismos e
tecnologias de dominação, próprias da sociedade do século XXI, a fim de conquistarmos uma democracia real e socialmente justa.
BIBLIOGRAFIA:
1. AZUMBULA, Darcy. Teoria Geral do Direito. 30ª ed. São Paulo: Globo, 1993. 397 p.
2. BENEDITO, Mouzar. Dívida externa. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000. 90 P
3. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 4ª ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1986. 171 p.
4. BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 5ª ed. Belo Horizonte: Del
Rey, 1993. 239 p.
5. CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Apontamentos sobre regulação e política econômica: a modernidade medieval. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 37, p. 263 – 311. 2000.
5 O Poder Econômico, enquanto 4º poder estatal, é defendido, também, pelo jurista mineiro Washington Peluso Albino de Souza, em sua obra Direto Econômico, São Paulo, Saraiva, 1980, p. 439.
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29
6. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Livraria Almedina,
1993. 1228 p.
7. COMPARATO, Fábio Konder. Para viver a democracia. São Paulo: Brasiliense, 1989.
214 p.
8. DALLARI, Dalmo de Abreu. O Renascer do direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
141 p.
9. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 5ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2000. 366 p.
10. MUZZI, Carlos Victor. Política. Jornal do Advogado: Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais da Caixa de Assistência dos Advogados, Belo Horizonte, ano
XXII, n.º 182, mar./1999, p. 02.
11. SOUZA, Washington Peluso Albino. Direito econômico. São Paulo: Saraiva, 1980.
626 p.
12. ______ Primeiras linhas de direito econômico. 4ª ed. São Paulo: LTr, 1999. 614 p.
GÊNESE E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
FUNDAMENTAIS
Oscar de Carvalho
Delegado de Polícia em Araçatuba.
Professor de Direito Administrativo na UNIP de Araçatuba.
Mestrando em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito de Bauru.
1.
INTRODUÇÃO
Os direitos do homem têm origem histórica. Portanto, se quisermos compreender a fase atual do desenvolvimento desses direitos é preciso lançarmos um
olhar sobre a história. Com base nessa perspectiva metodológica, escrevemos o presente trabalho porque entendemos que o homo sapiens é um ser concreto cujas aspirações são realizadas na história, numa incessante busca rumo ao aperfeiçoamento moral das instituições por ele constituídas .
Convém assentarmos, desde logo, que somente a partir do momento em que
limites foram colocados ao poder incontrastável do Estado é que o conceito de direitos humanos firmou-se na história. Portanto, e considerando que foram as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII que estabeleceram o postulado da liberdade do indivíduo em face do Estado, é desse momento em diante que se desenham
as concepções sobre os direitos humanos.
O Estado constitucional, de poderes limitados, aparece nesse período, sendo
certo que sua “essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na
proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem”1, ha1 Ingo Wolfgang, in A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 36.
faculdade de direito de bauru
32
vendo que se dar razão àqueles que “ponderam ser a história dos direitos fundamentais, de certa forma, também a história da limitação do poder”2.
Com efeito, a idéia de limitação do poder do governante é ínsita ao conceito de
direitos humanos.3 Pelo simples fato de ser biológico que é, o homem detém determinados direitos que o Estado não pode atingir ou derrogar, devendo, ao contrário, buscar protegê-los. Sem a garantia dos direitos mínimos de liberdade não há que se falar em
direitos humanos. Dessa idéia surgiu a força geratriz dos direitos humanos, e é a partir
dela que foram historicamente engendrados outros novos direitos de diferente índole.
É inegável, porém, a existência de contributos anteriores que culminaram no irromper dos direitos humanos. Desde os tempos antigos lutas foram travadas e idéias
de fundo religioso ou filosófico lançadas em torno da dignidade essencial do ser humano. Séculos depois essas idéias encontraram condições históricas propícias e se desenvolveram, fundando-se, assim, sistemas de direito protetores da dignidade do homem.
2.
A PROTO-HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS
2.1. Grécia e Roma antigas
O mundo antigo não conheceu o primado da liberdade individual e por via
de conseqüência nele não se fizeram presentes as condições históricas necessárias
ao desenvolvimento dos direitos humanos. As relações sociais daquela época estavam centradas nas forças da religião e da família, e não havia uma esfera de tolerância relativamente às liberdades individuais. Para a conservação dos interesses da polis tudo era permitido, e tanto em Roma como na Grécia antigas o Estado não encontrava limites na órbita de sua atuação.
Discorrendo sobre a cidade antiga, Fustel de Coulanges4 assenta que nela o cidadão não tinha disposição sobre seu corpo e tampouco sobre sua alma. O corpo
pertencia ao Estado e destinava-se à sua defesa, sendo o serviço militar obrigatório
em Roma até os quarenta e seis anos e em Esparta e Atenas pela vida inteira. Da alma
também cuidava o Estado, que imperava de modo absoluto sobre a matéria religiosa e educacional, ditando todas as regras. O homem devia submeter-se à religião da
2 Idem, mesma página.
3 Embora reconheça a importância da colocação de limites à atuação do Estado como importante mecanismo para
o estabelecimento dos direitos humanos, João Baptista Herkenhoff, in Curso de Direitos Humanos, volume I, p.
52, assenta que considerar, como pretendem alguns autores, “que as história dos Direitos Humanos começou com
o balisamento do Estado pela lei” é errônea. Segundo ele porque essa concepção “obscurece o legado dos povos
que não conheceram a técnica da limitação do poder mas privilegiaram enormemente a pessoa humana nos seus
costumes e instituições sociais”. Outra é a nossa visão, pois a história tem demonstrado que onde o Estado não
tem seus poderes contidos o desenvolvimento dos direitos humanos não encontra campo fértil para disseminação.
Aliás, para a confirmação dessa afirmativa basta lançarmos olhos sobre os diversos regimes totalitários que hodiernamente proliferam pelo globo terrestre e que tripudiam sobre os direitos da pessoa humana.
4 Fustel de Coulanges, A Cidade Antiga, pp. 158/160.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
33
cidade, e o desobediente era severamente punido. A educação também não era de
forma alguma livre, e os pais não podiam educar os filhos de acordo com as suas
convicções, porque estes em realidade não lhes pertenciam, mas à cidade.
Não eram apenas estas as restrições impostas aos cidadãos antigos, pois muitas outras existiam.
O Estado podia, sempre que necessitasse, tomar a fortuna dos cidadãos. Impunha-se-lhes o celibato e se imiscuía até mesmo nas pequenas coisas. A legislação
de Esparta, por exemplo, regulamentava o penteado das mulheres e a de Atenas determinava que elas, quando viajassem, não levassem mais de três vestidos. Em Rodes havia lei que impedia o homem de fazer a barba e em Esparta uma outra que
exigia fossem raspados os bigodes.
Em Roma e em Esparta as leis determinavam aos pais que matassem os filhos
nascidos disformes ou monstruosos. Os deficientes não tinham, naquele tempo, o
direito de viver e a Cidade-Estado impunha-lhes a pena de morte, o que era tido
como uma boa regra para o bem estar da utilidade comum.
Não havia, pois, naquele tempo, liberdades individuais tal como as conhecemos hoje. Para Fustel de Coulanges “A pessoa humana tinha muito pouco valor, perante essa autoridade santa e quase divina que se chamava pátria ou Estado”.5
Sem embargo dessas considerações, o certo é que algumas idéias sobre o conceito de democracia surgiram na Grécia antiga e depois tiveram lugar também na república romana. Na Grécia, os cidadãos reuniam-se em praça pública, a ágora, para decidirem sobre a vida da cidade e deliberarem sobre os negócios públicos, e daí derivaram as
concepções de participação popular na formação da vontade do Estado e bem assim a
idéia de limitação do poder, que é caudatária do conceito de direitos humanos.
Fábio Konder Comparato, aliás, é preciso em dizer que “a proto-história dos
direitos humanos começa já no século VI A. C., com a criação das primeiras instituições democráticas em Atenas, e prossegue no século seguinte, com a fundação da
república romana”.6 O certo é que muitos são os autores que apontam nas instituições romanas e gregas os primeiros elementos que contribuíram para o eclodir do
pensamento democrático nos séculos vindouros, e é mesmo de se desconsiderar
essa contribuição, em que pese as contingências e peculiaridades daquele período
remoto da história humana.
2.2. O Contributo do cristianismo
Tanto em Roma como na Grécia antigas imperava o paganismo e era comum
o culto a diversos deuses e deusas7. Cada cidade tinha seus próprios deuses e a re5 Op. cit. p. 159.
6 A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, p. 39.
7 Na Grécia eram cultuados os deuses do Olimpo, como Zeus, que governava os demais deuses, Ares, o deus da
Guerra, Posêidon, deus dos mares, e Atena, deusa da sabedoria, dentre outros.
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ligião um caráter particular e familiar, sendo comuns as festas, sacrifícios e homenagens a esses deuses.
Com o surgimento do monoteísmo, houve a concepção de que haveria um
único Deus e essa idéia trouxe conseqüências profundas para a história do pensamento humano8. Em Gênesis, primeiro livro do Antigo Testamento, está estabelecido que o homem é o ponto culminante da criação divina, tendo sido criado à imagem e semelhança de Deus9. Ora, se o homem é feito à imagem e semelhança de
Deus significa que ele é portador de uma natural dignidade, e, forte nessas premissas, os Padres da Igreja iniciaram a construção de uma doutrina que engendrou a
concepção dos direitos naturais do homem.10
Os ensinamentos de Cristo, o Filho de Deus, estão contidos nos quatro Evangelhos e constituem a mais bela página da afirmação da dignidade humana na história. Ao proferir o Sermão da Montanha, Cristo estabeleceu, de forma radical, os
princípios morais básicos que deveriam nortear a ação humana. Proibiu a pena de
morte e abominou a lei de talião, ensinou o amor aos inimigos e determinou a caridade entre os homens11.
A miséria humana, as guerras e atrocidades não seriam tantas tivessem tais ensinamentos sido seguidos no decorrer da história. Muitos homens da própria Igreja, porém, trataram de malversá-los e não cumpri-los. Disso é exemplo as fogueiras
dos tempos da Santa Inquisição, nas quais muitos padeceram, inclusive Giordano
8 Fábio Konder Comparato, op. cit, p. 1, preleciona que “A justificativa religiosa da preeminência do ser humano no
mundo surgiu com a afirmação da fé monoteísta. A grande contribuição do povo da Bíblia à humanidade, uma das
maiores, aliás, de toda a história, foi a idéia da criação do mundo por um Deus único e transcendente. Os deuses
antigos, de certa forma, faziam parte do mundo, como super-homens, com as mesmas paixões e defeitos do ser humano. Iahweh, muito ao contrário, como criador de tudo o que existe, é anterior e superior ao mundo”.
9 Gên. 1, 26: “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre a terra, e sobre todo o reptil que se move sobre a terra”.
10 Paulo Gustavo Gonet Branco, in Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 105, ensina que “É
comum apontar-se a doutrina do cristianismo, com ênfase especial para a escolástica e a filosofia de Santo Tomás,
como antecedente básico dos direitos humanos. A concepção de que os homens, por serem criados à imagem e semelhança de Deus, possuem alto valor intrínseco e uma liberdade inerente à sua natureza, anima a idéia de que eles
dispõem de direitos que devem ser respeitados por todos e pela sociedade política. Santo Tomás de Aquino defendia um direito natural, fundada na concepção do homem como criatura feita à semelhança de Deus, e dotada de
especiais qualidades. Esse direito subordinava o direito positivo e a discrepância entre um e outro autorizava o direito de resistência do súdito”.
11 O Sermão da Montanha encontra-se no Evangelho de Mateus, e nele Cristo diz expressamente: “Ouvistes o que
foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será réu de juízo. Eu, porém, vos digo que qualquer que,
sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo, e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu de
sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno(Mat. 5, 21-22). Ouvistes o que foi dito: Olho
por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer de bater na face direita, oferece-lhe também a outra(Mat. 5, 38-39). Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo, e aborrecerás o teu
inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei o bem aos que vos
odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem (Mat. 43-44).
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Bruno, que preferiu a morte a abjurar o teor de suas idéias e o princípio da liberdade de pensamento.
A mensagem de Cristo, porém, encontrou ecos profundos na consciência humana e a sua força moral muito contribuiu para o aprimoramento das instituições
sociais e políticas, havendo quem nelas encontre os fundamentos últimos dos direitos humanos.
Constituindo-se numa doutrina que tinha como base todo o gênero humano,
não distinguindo entre judeu, nem grego, macho ou fêmea, porque todos são um
em Jesus Cristo, conforme é o ensinamento de São Paulo Apóstolo em sua epístola
aos Gálatas12, o cristianismo contribuiu profundamente para o desenvolvimento da
idéia de existência de uma igualdade natural entre os homens.
Com efeito, e diferentemente do que acontecia com a religião antiga, o cristianismo tinha na universalidade sua nota característica. Enquanto a religião grega ou romana era politeísta e nutria-se em vários deuses, cada um deles sendo venerado em uma
cidade ou polis, havendo proibição de o estrangeiro participar nos cultos domésticos,
o cristianismo não pertencia a casta alguma, cidade ou corporação, tendo desde o início chamado toda a humanidade, determinando Cristo a seus apóstolos que todos os
povos fossem evangelizados13. Daí o advento do ideal de unidade de todo o gênero humano e a quebra dos preconceitos de raça ou cor, estabelecendo-se uma idéia geral de
igualdade entre todos os membros da grande família humana.
Os ideais do cristianismo foram, e para muitos ainda são, a viga mestra sobre
a qual se assenta a luta histórica pelos direitos do homem. Sem dúvida alguma os
ensinamentos de Cristo são dotados de profunda força moral e aquele que sobre
eles se debruçar sem preconceitos com certeza enxergará um norte para o estabelecimento da ação humana.
2.2. O Medievo inglês – Magna Carta
Na idade média a sociedade era dividida em castas ou estamentos e três eram
as ordens sociais existentes: o clero, a nobreza e o restante da população, em sua
maior parte constituída pelos servos. Apenas os membros do clero e da nobreza gozavam de certo grau de liberdade e eram tidos como iguais, enquanto que os servos
não eram homens livres e estavam submetidos aos senhores feudais, barões e bispos, que formavam o clero e a nobreza.
Não havia, pois, igualdade jurídica entre os homens naquele período. Os servos estavam presos à terra e eram vassalos dos senhores feudais. Os privilégios de
nascimento é que determinavam a sorte dos homens e quem nascesse servo por
toda a vida seria servo enquanto que aquele que nascesse numa família nobre estava destinado ao domínio sobre a inferior classe dos servos.
12 Gál., 4,28.
13 Fustel de Coulanges, op. cit., p. 263.
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Nesse quadro é que o Rei João Sem Terra, da Inglaterra, editou, em 1215, a
Magna Carta. Vendo-se premido pela espada dos barões, não teve outra alternativa
senão conceder-lhes alguns direitos que logo depois buscaria anular perante o Papa.
A importância desse documento histórico deve-se, todavia, ao fato dele ter sido o
primeiro que buscou limitar o poder do governante, em que pese não se aplicar à
generalidade dos homens daquele período, mas tão somente aos “homens livres”,
ficando excluída grande parcela da população daquele tempo, que era constituída
pela vassalagem.
A concepção da Magna Carta como documento de proteção dos direitos das
classes privilegiadas da sociedade medieval não lhe retira, porém, a importância histórica. Para Canotilho, “a Magna Charta, embora contivesse fundamentalmente direitos estamentais, fornecia já ‘aberturas’ para a transformação dos direitos corporativos em direitos do homem”.14 Com efeito, foi fundamentalmente a partir da edição da Magna Carta, confirmada por diversos reis que sucederam a João Sem Terra,
que as liberdades dos ingleses foram se afirmando no decorrer da história.15
Dentre outros dispositivos importantes e que serviram de base para a construção dos direitos humanos da atualidade, na Magna Carta se dispõe que não poderia haver tributação sem consentimento dos governados (cláusula 12: “Nenhuma taxa de
isenção do serviço militar nem contribuição alguma será criada em nosso reino, salvo
mediante o consentimento do conselho comum do reino...”), o princípio do due process of law (cláusula 39: “Nenhum homem livre será detido ou preso, nem privado de
seus bens, banido ou exilado ou, de algum modo, prejudicado, nem agiremos ou mandaremos agir contra ele, senão mediante um juízo legal de seus pares ou segundo a lei
da terra”.), e o respeito à propriedade privada (cláusula 30: “Nenhum dos nossos xerifes ou bailios, ou qualquer outra pessoa, poderá servir-se dos cavalos e carroças de propriedade de um homem livre, sem o seu consentimento”, e cláusula 31: “Nem nós nem
nosso bailios apossar-nos-emos, para nossos castelos ou obras, de madeiras que não
nos pertençam, exceto com o consentimento do proprietário”).16
Podemos dizer, sem medo de errar, que a Magna Carta constitui o início de um
movimento tendente à colocação de freios ao poder real que mais tarde gerou a
doutrina do constitucionalismo e o estabelecimento dos direitos humanos.17
14 J.J. Gomes Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 352.
15 Nesse sentido é o ensinamento de René Davi, in O Direito Inglês, p. 73.
16 Fábio Konder Comparato, A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, pp. 79/82.
17 Antônio Henrique Perez Luño, in Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constituición, pp. 111/112 estabelece que “La historia del proceso de positivación de los derechos fundamentales comienza en la Edad Media. En
esta época cuando nos encontramos com los primeros documentos jurídicos en los que, aunque de forma fragmentaria y com significación equívoca, aparecen recogidos ciertos derechos fundamentales”, para depois logo afirmar
que dentre os documentos dessa época histórica “el que ha alcançado mayor significación en la posteridad y el más
importante en el proceso de positivación de los derechos humanos es la Magna Charta libertatum o Carta Magna,
contrato suscrito entre el rey Juan y los obispos y barones de Inglaterra el 15 de junio de 1215”.
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3.
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O SURGIMENTO DO ESTADO DE PODERES LIMITADOS
Foi com a derrocada do feudalismo e do regime absolutista dos reis e o estabelecimento do Estado liberal clássico que os direitos do homem pela primeira vez
tiveram lugar firme na história dos povos. Com espeque, sobretudo na idéia de liberdade, os revolucionários ingleses, americanos e franceses criaram um novo tipo
de Estado, de poderes limitados, pondo-se fim aos poderes absolutos do governante e engendrando-se uma nova forma de sociedade política.
A limitação do poder do Estado e a garantia dos direitos individuais foram as
duas idéias básicas que moveram o espírito revolucionário. Concebeu-se que a sociedade política seria produto de um acordo de vontades havido entre os homens,
residindo no povo a fonte de todo o governo. Esses foram os postulados básicos que
deram origem ao Estado constitucional moderno.
Na história das revoluções inglesa, americana e francesa é que vamos encontrar o primeiro momento da afirmação histórica dos direitos humanos. Pela concepção da colocação de limites ao poder do Estado, tais revoluções abriram a porta para
o reconhecimento da dignidade da pessoa humana em sede de direito positivo, possibilitando o posterior desenvolvimento desses direitos.
3.1. A revolução inglesa
A história inglesa do século XVII está permeada pela luta entre o rei e o Parlamento. Enquanto o rei procurava manter poderes de natureza absoluta, o Parlamento buscava firmar sua supremacia ante o rei, sendo certo que com a vitória final do
Parlamento, em 1688, limites definitivos foram colocados ao poder do rei e a partir
de então a Inglaterra passou a ser um Estado de poderes divididos e limitados.
Em 1628 o Parlamento, buscando a contenção do poder real, impôs ao rei Carlos I a Petição de Direitos (Petition of Rights), pela qual “problemas relativos a impostos, prisões, julgamentos e convocações do exército não poderiam ser executados
sem a autorização parlamentar”18. Esse documento, que reafirmava o conteúdo da
Magna Carta, não foi, porém, cumprido pelo rei, que logo em seguida dissolveu o Parlamento. Em 1640, porém, o Parlamento foi novamente convocado e quando o rei
Carlos I tentou outra vez dissolvê-lo instalou-se a guerra civil. As forças parlamentares
venceram a guerra e a carreira de Carlos I teve triste fim, sendo ele executado.
Após o período republicano, sob a égide de Oliver Cromwell(1649-1658), a
monarquia voltou a reinar e Carlos II, filho de Carlos I, foi coroado rei. Visando a garantia das liberdades individuais, o Parlamento votou, em 1679, a Lei do Habeas
Corpus (Habeas Corpus Act). Novos impasses aconteceram e, em 1683, Carlos II novamente dissolveu o Parlamento.
18 José Jobson de Andrade Arruda, História Moderna e Contemporânea, p. 103.
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Com a morte de Carlos II, seu irmão Jaime I, católico convicto, assumiu o trono. Temendo o retorno do catolicismo e da monarquia absolutista, o Parlamento rebelou-se e, em 1688, houve a revolução gloriosa. Jaime II fugiu para a França e Guilherme de Orange foi coroado rei, tendo antes, porém, sido obrigado a assinar a Declaração de Direitos (Bill of Rights), documento histórico de suma importância na
história inglesa, que colocou fim ao absolutismo e instaurou a monarquia parlamentar naquele País.
Com a revolução inglesa de 1688 e a edição da Declaração de Direitos, “foi estabelecida pela primeira vez no Estado moderno a separação de poderes como garantia das liberdades civis”.19 Embora não fosse uma declaração nos moldes da americana e francesa, que vieram cem anos depois, a Bill of Rights serviu, sem dúvida alguma, para garantir as liberdades dos ingleses, tendo razão René David em dizer que
“A Inglaterra é o país da Europa em que as liberdades públicas foram mais cedo protegidas contra o despotismo do soberano”.20
Cabe lembrar que a revolução inglesa não colocou fim à nobreza e ao clero,
como aconteceu posteriormente na França com o eclodir da revolução de 1789. A
história inglesa tem suas peculiaridades e o aprimoramento das instituições políticas daquele país deu-se através de um processo evolutivo lento e constante, e não
mediante rupturas bruscas, como aconteceu noutros lugares. O certo, porém, é que
ao limitar em definitivo o poder do rei, a glorious revolution garantiu a liberdade
dos ingleses e seus postulados inclusive serviram de parâmetro para as posteriores
revoluções americana e francesa.
3.2. A revolução americana
Ao transporem o Atlântico e fundarem as primeiras colônias na América, os
colonos ingleses trouxeram consigo o gérmen da liberdade que desde cedo raiou na
Inglaterra. Esse sentimento de liberdade, que se fez presente desde os primeiros
momentos da história americana, influiu profundamente no desenvolvimento das
instituições daquele povo, e trouxe colaboração marcante para o desenvolvimento
da doutrina dos direitos do homem .
Em razão das opressões que a coroa inglesa impunha às treze colônias, mormente a exigência de tributos exorbitantes e o impedimento do livre comércio, teve
início o processo de independência. Em 4 de julho de 1776, houve a Declaração da
Independência, documento redigido em sua maior parte por Thomas Jefferson, no
qual estão estabelecidos os princípios fundamentais que iriam reger o futuro Estado norte–americano.
Na Declaração da Independência estão firmados dois postulados básicos:
o do governo consentido, baseado na vontade popular, e a existência de direitos
19 Fábio Konder Comparato, A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, p. 90.
20 O Direito Inglês, p. 76.
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inatos e inerentes a todos os homens. De fato, logo no início do documento está
escrito que “todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais figuram a vida, a liberdade e a busca da
felicidade”21, e que “para assegurar esses direitos, entre os homens se instituem
governos, que derivam seus justos poderes do consentimento dos governados”.22 A importância histórica da Declaração de Independência reside no fato
dela ter sido “o primeiro documento político que reconhece, a par da legitimidade popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independentemente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura e posição social”, no dizer
de Fábio Konder Comparato.23
Contemporânea à Declaração da Independência, a Declaração de Direitos
do Bom Povo da Virgînia constitui o Bill of Rights que melhor representa o espírito da época, cuja base filosófica era a doutrina do iluminismo e o pensamento
jusnaturalista24. Redigida por George Mason e datada de 12 de junho de 1776
(antes mesmo, pois, da Declaração da Independência), esse documento preceitua os princípios da democracia liberal e assenta a igualdade jurídica entre os
homens (Seção 1), a origem popular do poder (Seção 2), a tripartição de poderes (Seção 5), os direitos do cidadão no campo criminal (Seção 8, 9 e 10),
a liberdade de imprensa (Seção 12) e de religião (Seção 16), dentre outros princípios importantes. Essa Declaração, que tinha cunho marcadamente individualista, estabeleceu, anos antes da revolução francesa, os marcos fundamentais da
doutrina protetora dos direitos do homem.
No transcorrer do processo da luta pela independência o exército americano
contou com o apoio de forças francesas e espanholas e ao final o inimigo inglês foi
vencido. Em 1783 a Inglaterra assinou o Tratado de Versalhes, reconhecendo a independência das treze colônias americanas, rompendo-se, em definitivo, os laços que
ligavam estas à metrópole inglesa.
21 A Declaração da Independência, in Documentos Históricos dos Estados Unidos, p.65.
22 Idem, mesma página.
23 Op. cit., p. 101.
24 A base filosófica das revoluções americana e francesa têm como assento a idéia de que o indivíduo tem direitos anteriores e superiores ao Estado, conforme as formulações do pensamento jusnaturalista, que apregoava a existência, numa esfera ideal, de um estado de natureza anterior ao estabelecimento da sociedade política, no qual os
homens seriam naturalmente livres e iguais. Norberto Bobbio, in A Era dos Direitos, p. 73, preleciona que “A doutrina dos direitos do homem nasceu da filosofia jusnaturalista, a qual – para justificar a existência de direitos pertencentes ao homem enquanto tal, independentemente do Estado – partira da hipótese de um estado de natureza, onde os direitos do homem são poucos e essenciais: o direito à vida e à sobrevivência, que inclui também o direito de propriedade; e o direito à liberdade, que compreende algumas liberdades essencialmente negativas” . Diversos foram os representantes do jusnaturalismo, figurando dentre os mais importantes Jonh Locke, Rousseau e
Montesquieu .
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Durante os anos da guerra, e mesmo após ela, as antigas treze colônias, agora Estados livres e soberanos, viveram sob o pacto confederativo.25 Problemas houveram na consecução e implementação desse pacto e em 1787 doze Estados americanos, Rhode Island não compareceu, votaram, em Filadélfia, a Constituição americana, que após ingentes debates acabou ratificada por todos os Estados, nascendo,
desta forma, a federação norte–americana.
A Constituição de 1787, além de implantar, pela primeira vez na história, o presidencialismo e a federação, estabeleceu, sob a inspiração da doutrina de Montesquieu, a tripartição de poderes e o governo de origem popular, com base no voto.
A preocupação fundamental era no sentido da manutenção da preservação da autonomia dos Estados–membros e das garantias individuais, estabelecendo-se o sistema de freios e contrapesos como mecanismo de contenção do poder estatal.
Devido uma preocupação crescente com os direitos individuais, em 1791 as dez
primeiras emendas à Constituição norte–americana foram editadas, as quais ficaram conhecidas como o Bill of Rigths (Declaração de Direitos) daquele País. Previu-se a liberdade de imprensa, de religião e de reunião, assegurou-se os direitos dos acusados e a
inviolabilidade das pessoas contra busca e apreensão arbitrárias, proibindo-se as penas
cruéis e as fianças exageradas, afora outros direitos fundamentais do cidadão.
O constitucionalismo americano dos primeiros tempos teve como escopo fundamental à proteção dos direitos individuais do homem burguês. Com a garantia das
liberdades, pensava-se, o indivíduo teria condições de desenvolver plenamente suas
potencialidades e assim colaborar para a felicidade comum de toda a nação.
3.3. A revolução francesa
Enquanto a revolução americana foi uma guerra de independência acontecida em razão da tirania da Coroa Inglesa, conforme está explicitado na própria Declaração da Independência26, a revolução francesa pôs fim a toda a uma ordem social vigente, deitando por terra os antigos privilégios do regime feudal.27
25 Os Artigos da Confederação foram adotados no dia 15 de novembro de 1777 como um meio de convivência
entre os treze novos Estados americanos. Após ratificados, entraram em vigor em 1º de março de 1781. Cada um
dos Estados mantinha a sua soberania e independência, como aliás preceituava o dispositivo segundo: “Cada Estado conservará sua soberania, liberdade e independência, e todo poder, jurisdição e direitos que não forem, por
essa confederação, expressamente delegados aos Estados Unidos, reunidos em congresso”. Nesse sentido veja-se
Documentos Históricos dos Estados Unidos, p. 68.
26 Nela se diz: “A história do atual Rei da Grã-Bretanha compõe-se de repetidos danos e usurpações, tendo todos
por objetivo direto o estabelecimento da tirania absoluto sobre estes Estados”. O rei é acusado de diversas arbitrariedades e crimes contra os habitantes das colônias inglesas da América, e após elencá-las como motivos bastantes
os insurretos declaram o rompimento de todo vínculo político com a Coroa Britânica.
27 Norberto Bobbio, in A Era dos Direitos, p. 114, diz que “Não se pode comparar com proveito uma guerra de
independência (uma guerra de libertação, como diríamos hoje) de um povo que se propõe ter uma Constituição
política construída à imagem e semelhança da metrópole(a república presidencialista, como se sabe, tem como
exemplo o modelo da monarquia constitucional), por um lado, e, por outro, a derrubada de um regime político e
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Os Estados Unidos da América foram constituídos desde cedo por uma classe
de proprietários imbuídos de espírito igualitário, não se reproduzindo, em território americano, a sociedade estamental européia, em que pese a escravidão negra
existente principalmente nos Estados do Sul28. Na França, diferentemente, vigorava
ainda final do século XVIII o regime feudal, com a sociedade dividida em três ordens
estamentais: o clero, a nobreza e o restante da população, que formavam, respectivamente, o Primeiro Estado, o Segundo Estado e o Terceiro Estado.
O clero e a nobreza, embora constituíssem a parte minoritária da população,
eram ordens privilegiadas, pois seus integrantes não pagavam impostos e gozavam
de outros favores concedidos pela monarquia sob a forma de pensões e cargos públicos. Sob os ombros do Terceiro Estado, cerca de 98% da população, pesavam todos os encargos, e seus integrantes, formados desde a grande burguesia até servos
ainda em condição feudal, tinham que pagar impostos e contribuições para o rei,
clero e nobreza. A revolução francesa pôs fim a esse quadro, estabelecendo a igualdade de todos perante a lei, e varrendo de uma vez por todas do território francês
os privilégios do Antigo Regime, inclusive o absolutismo dos reis.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, traduz o espírito
da revolução francesa e “representa o atestado de óbito do Ancien Régime, constituído pela monarquia absoluta e pelos privilégios feudais”.29 Essa Declaração, que teve
como base os princípios da teoria contratualista e os ideais do jusnaturalismo, garantiu os direitos do cidadão burguês ao estabelecer a igualdade perante a lei e o direito
de propriedade, tendo-o como “inviolável e sagrado”, além de também prever as franquias da liberdade individual e os direitos do indivíduo em face do Estado.
Outro ponto importante da Declaração de 1789 foi o fato dela erigir como fundamento a origem popular do poder. O poder seria, a partir daí, concebido não mais
como um direito divino dos reis, mas como a expressão da vontade geral do conjunto dos cidadãos.
Certo é que as concepções burguesas derivadas da revolução francesa conceberam uma soberania popular limitada, pois nem todos os membros componentes
do povo alcançaram o direito de participar do processo político. Buscando, sobretudo, a proteção da classe dos proprietários, estabeleceu-se o voto censitário e a
mulher não tinha o direito de votar. Destarte, e em que pese haverem revolucionários que quiseram avançar, mormente dentre os jacobinos, as idéias conservadoras
acabaram prevalecendo e é por isso que a revolução francesa é tida como o ponto
de uma ordem social que se queira ver substituída por uma ordem completamente diferente, seja no que se refere
à relação entre governantes e governados, seja no que se refere à dominação de classe”.
28 Somente com a Guerra da Secessão ( 1861-1865) é que teve fim a escravidão negra nos Estados Unidos. Os negros, porém, até hoje constituem parcela marginalizada da população daquele País, em que pese os esforços de superação havidos principalmente após a década de sessenta do século XX.
29 Fábio Konder Comparato, A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, p. 144.
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culminante de um momento histórico que engendrou as condições para o desenvolvimento do Estado liberal e do capitalismo da era contemporânea.
A igualdade estabelecida pela revolução francesa foi uma igualdade meramente jurídica e de natureza formal. Foi, sem dúvida alguma, um imenso avanço, pois
até aquele período sequer igualdade jurídica havia, já que vigorava o regime dos estamentos. Os problemas das classes menos favorecidas da sociedade, porém, não foram resolvidos, uma vez que as contradições sociais permaneceram e acabaram sendo aprofundadas devido a exploração a que ficaram expostas as classes trabalhadoras durante o período da revolução industrial. Estas, embora libertadas do jugo feudal, tinham apenas a sua força de trabalho para vender, uma mera mercadoria segundo as concepções liberais vigentes, e como o Estado não interferia nas relações trabalhistas a força do capital sempre imperava, impondo os patrões todas as regras do
regime laboral, gerando-se gritantes injustiças sociais.
Mas o certo é que o espírito da revolução francesa estabeleceu as condições
da democracia moderna, a doutrina do constitucionalismo e o Estado de poderes limitados. Os revolucionários estavam imbuídos de um ideal de universalidade e a revolução francesa espraiou sua força por toda a Europa e por outros continentes do
globo terrestre, constituindo-se num um marco referencial da doutrina dos direitos
do homem.
4.
O APARECIMENTO DO ESTADO SOCIAL
As revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII geraram as condições para o
desenvolvimento do capitalismo moderno. Destruídas as estruturas do antigo regime feudal, duas novas classes sociais apareceram: os patrões, proprietários dos
meios de produção, e os trabalhadores, que tinham apenas a sua força de trabalho
para vender.
A vertente econômica da ideologia liberal apregoava que o Estado não deveria se intrometer nas relações de produção. Valia a lei do contrato. A força do trabalho era uma mercadoria como as outras, e o entendimento direto e livre entre patrões e empregados é que fixava as relações trabalhistas.
O bom Estado era o que deixava o indivíduo agir livremente. Toda intromissão nas relações havidas entre os indivíduos era tida como um atentado à liberdade
individual e à lei do contrato. O mercado é que deveria governar livremente os rumos das relações econômicas e sociais.
Esse pensamento, defendido vigorosamente pelos ideólogos burgueses e
implementado na prática das relações sociais, gerou profundas desigualdades.
Durante a revolução industrial, diz-nos a história, as condições de trabalho eram
extenuantes e os trabalhadores ficavam inteiramente submetidos ao poderio dos
patrões, com intensa exploração do trabalho infantil e feminino, jornada de tra-
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balho excessiva e que chegava a quinze horas diárias, baixos salários e desemprego reinante.30 Os direitos do indivíduo, formalmente defendidos pela ideologia liberal burguesa, constituíam-se numa quimera, prevalecendo na realidade da vida
a exploração do homem pelo homem e o desrespeito aos mais comezinhos princípios de humanidade.
A reação não tardou a aparecer. As classes trabalhadoras organizaram-se e os
movimentos operários fizeram suas reivindicações. Paulatinamente, direitos foram
sendo conquistados e leis protetoras dos direitos do homem trabalhador editadas.
O movimento socialista, mormente o socialismo científico de Karl Marx, a
doutrina social da Igreja, com a edição da encíclica Rerum Novarum, em 1891, pelo
Papa Leão XIII31, as greves operárias e outros fatores históricos causaram as primeiras fissuras no edifício do velho Estado liberal clássico. Na passagem do século XIX
para o século XX novos ventos sopravam, e a alteração no papel do Estado tornouse inevitável, em que pese as muitas resistências existentes em diversos países constituintes do bloco ocidental.
Em 1917 houve a revolução russa e a implantação do primeiro Estado socialista da história32. A Constituição Mexicana, do mesmo ano, “foi a primeira a atribuir
aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais”33, dando uma dimensão social aos direitos do homem. Em 1919, houve a edição da Constituição alemã
de Weimar, que seguiu na mesma senda e instituiu os novos direitos sociais e econômicos, lançando as bases da democracia social 34.
30 Segundo Leonel Itaussu A . Mello e Luís César Amad Costa, in História Moderna e Contemporânea, p. 152, “A
exploração da mão-de-obra infantil e feminina, a longa jornada de trabalho, as duras condições de produção, os acidentes nas máquinas, os ínfimos salários e o desemprego constante constituíam o dia a dia da classe operária nos
primórdios da Revolução Industrial”.
31 “Com a encíclica Rerum Novarum, Leão XIII concede uma importância particular aos direitos do homem no
campo social ligado à função do poder público, chamado para defender a Justiça nas relações de trabalho. Depois
de deplorar as condições miseráveis às quais estavam reduzidos os trabalhadores, toma a defesa pessoal de sua causa e indica claramente os direitos e deveres dos patrões e dos trabalhadores (Hélio Bicudo, in Direitos Humanos e
sua proteção, p. 26)”.
32 Com a ascensão de Stálin ao poder, o Estado socialista soviético demonstrou ser em realidade um Estado despótico e que não respeitava os direitos dos indivíduos, nele havendo profundos atentados contra os direitos do homem.
33 Fábio Konder Comparato, op. cit., p. 184. Na mesma obra, p. 187, o autor diz que “(...) a Constituição mexicana, em reação ao sistema capitalista, foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura no mercado. Ela firmou o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre trabalhadores e empresários na relação contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregadores por acidentes do trabalho e lançou, de modo geral, as bases para
a construção do moderno Estado Social de Direito”.
34 A Constituição de Weimar foi produzida numa época de incertezas, após a derrocada alemã na Primeira Grande
Guerra Mundial. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, in Direitos Humanos Fundamentais, p. 48, relata que a situação
social era tão grave que a Assembléia Constituinte sequer teve condições de reunir-se em Berlim, razão porque reuniu-se na cidade de Weimar, onde foi elaborada e votada a Constituição.
44
faculdade de direito de bauru
A grande depressão e a queda da bolsa de Nova York, em 1929, demonstrou
as fragilidades das teorias do liberalismo econômico clássico. O governo teve de intervir com profundidade na economia e a partir daí o papel do Estado nas democracias ocidentais nunca mais seria o mesmo.
O Estado, deixando de lado o viés do liberalismo clássico, passou a interferir
nas relações econômicas e sociais objetivando fundamentalmente a implantação de
uma maior igualdade material entre os homens. Abandonando a política abstencionista, que apenas servia aos interesses das classes capitalistas, o Estado passou a
atuar positivamente com o escopo de assegurar a justiça social entre os homens, garantido-se o direito ao trabalho, à previdência, à educação e à saúde, dentre outros
direitos sociais. Para tanto, foram instituídos serviços públicos e engendrada uma
política fiscal que desse suporte aos gastos do Estado, de tal sorte que todos, principalmente os mais afortunados, pudessem contribuir, através da tributação, para a
correção das injustiças sociais.
O Welfare State35 apareceu para a superação das contradições históricas derivadas do liberalismo clássico, que apenas garantia liberdade efetiva aos homens
componentes das classes dominantes da sociedade, os burgueses, e não se preocupava com as questões sociais e o pauperismo da população. Não suprimiu, ao contrário do que aconteceu nos chamados Estados socialistas do já derribado bloco soviético, as liberdades fundamentais do indivíduo. Ao contrário, buscou garanti-las de
maneira efetiva ao estender ao conjunto da população direitos econômicos e sociais
básicos, sem os quais o indivíduo não tem condições de desenvolver a plenitude de
suas potencialidades.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Estado social fincou bases firmes nos países componentes do bloco ocidental. A proteção social cresceu nos países desenvolvidos da Europa e América do Norte. Em países em desenvolvimento, como o Brasil36, ainda é incipiente a atuação do Estado no campo social, em que pese os esfor-
35 Paulo Bonavides , in Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 186, nos oferece uma idéia do que seja o Estado social: “Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto estado
faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da
educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o
desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra
a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estendeu sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área da iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado social”. O Estado social sobre o qual discorremos e propugnamos, em face do objeto do nosso
estudo, é o Estado social com fundamento democrático, que garante os direitos sociais sem sufocar as liberdades
fundamentais do indivíduo.
36 A primeira constituição brasileira que previu cláusulas próprias do Estado social a de 1934. O Título IV cuidava
da ordem econômica e social, e o Título V trazia preceitos sobre a família, a educação e a cultura.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
45
ços dos últimos tempos, principalmente em decorrência das cláusulas sociais inseridas na Constituição de 1988 e que agora muitos conservadores renitentes teimam
em querer derrubar em face dos ventos neoliberais que sopram pelos rincões do
planeta.
5.
A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Embora os revolucionários franceses já tivessem esboçado o caráter universal
dos direitos humanos, a verdade é que o processo de internacionalização desses direitos somente aconteceu de maneira efetiva após o flagelo da Segunda Guerra
Mundial.37 Com efeito, devido às atrocidades praticadas durante o conflito bélico,
principalmente o holocausto judeu na Alemanha, a comunidade internacional compreendeu que somente a proteção incondicional do ser humano em escala internacional é que poderia trazer paz duradoura ao planeta.
Objetivando a manutenção da paz e segurança internacionais, a Organização
das Nações Unidas foi criada em 1945, através da Carta de São Francisco. Posteriormente, em 1948, a ONU editou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, documento que pode ser considerado o Bill of Rights do homem habitante do planeta Terra.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem consolida o movimento de internacionalização dos direitos humanos e abre novas perspectivas para o futuro.38
Buscando a proteção integral do ser humano, prevê, ao lado dos tradicionais direitos de liberdade, os direitos de igualdade, reunindo, numa feliz síntese, os princípios do Estado liberal e democrático e os princípios do Estado social. Os direitos civis e políticos – direitos de liberdade –, são elencados nos arts. 3º a 21, ao passo que
os direitos sociais, econômicos e culturais – direitos de igualdade –, estão previstos nos arts. 22 a 28.
37 É certo, porém, que antecedentes anteriores colaboraram para a internacionalização dos direitos humanos. Flávia Piovesan, in Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p. 131 e seguintes, aponta o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho como os primeiros marcos do processo de
internacionalização dos direitos humanos. O Direito Humanitário, que é constituído pelo conjunto de leis e costumes de guerra, tem a Convenção de Genebra de 1864 como seu primeiro documento representativo. Nesse documento previram-se normas de proteção às populações civis e aos militares feridos ou doentes durante o conflito bélico, engendrando-se e ainda a criação da Cruz Vermelha. A Organização Internacional do Trabalho e a Liga
das Nações, criadas logo após a Primeira Grande Guerra, indubitavelmente também constituem um esforço no sentido da proteção dos direitos do homem. Quanto à Liga das Nações, é preciso lembrar, não atingiu ela os objetivos
almejados, tanto que não impediu o eclodir da Segunda Guerra Mundial.
38 Muitos documentos internacionais a respeito dos direitos do homem foram editados a partir de então. Buscando a implementação da Declaração de 1948, a Assembléia Geral da ONU editou, em 1966, dois pactos internacionais de direitos humanos, ambos ratificados pelo Brasil em 1992: O Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, que previu os direitos liberais de liberdade, e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de viés socialista.
46
faculdade de direito de bauru
Em razão de trazer em seu bojo os direitos civis e políticos ao lado dos direitos econômicos, culturais e sociais, podemos dizer que a Declaração dos Direitos do Homem adotou a concepção da indivisibilidade e interdependência
dos direitos humanos. O homem concreto não pode gozar da liberdade se não
lhe for propiciado condições mínimas de vida, e de nada adiante dizer-se ao
mendigo que ele tem liberdade para morar debaixo da ponte! É uma quimera a
liberdade sem a igualdade, e a igualdade sem a liberdade39, e os direitos do homem somente são efetivamente realizados quando há uma complementaridade
entre esses valores.
Com o movimento de internacionalização perdeu força a visão exclusivista de
que os direitos do homem devem ser tratados exclusivamente no âmbito interno
das constituições dos Estados que integram o globo terrestre.40 Existe uma tendência cada vez maior nos dias atuais no sentido da universalização e proteção internacional dos direitos do homem. Essa visão tem razão de ser no fato de que hoje se
compreende que enquanto houver fome e miséria no planeta, enquanto a democracia e a liberdade não se cristalizar nos diversos países que integram o globo terrestre, vale dizer, enquanto os direitos humanos não forem respeitados em todos os lugares, não existirão condições efetivas para o estabelecimento de uma paz frutífera
e duradoura entre os povos da Terra.
A própria noção de soberania dos Estados é hodiernamente colocada em
cheque ante a internacionalização dos direitos do homem. Os Estados existem
fundamentalmente para propiciar felicidade aos indivíduos, mas muitas vezes
acabam por atropelar-lhes os direitos mais elementares, como o direito à vida, o
direito à igualdade e o direito à liberdade. Atrocidades são cometidas por toda a
parte em nome e por agentes do Estado, e os massacres e genocídios não cons-
39 Numa síntese bastante feliz, Flávia Piovesan, op. cit. , p. 161, nos ensina que “(...) sem a efetividade dos direitos
econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a mera categorias formais, enquanto que,
sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo
sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de verdadeira significação. Não há mais como cogitar
da liberdade divorciada da justiça social, como também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade.
Em suma, todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível, em que os diferentes
direitos estão necessariamente inter-relacionados e são interdependentes entre si”.
40 Norberto Bobbio assinala três fases de evolução dos direitos do homem. A primeira delas é a da formulação filosófica, da doutrina do jusnaturalismo, que teve em Jonh Locke seu primeiro e principal formulador na era moderna. A segunda fase é a do acolhimento dessa doutrina pelo legislador, o que ocorre com as Declarações de Direitos dos Estados Norte – americanos e da Revolução Francesa. Nessa etapa, os direitos humanos são positivados e
valem no interior do Estado que os reconhecem. E a terceira e última fase é, podemos assim dizer, a da internacionalização dos direitos humanos, quando tais direitos adquirem universalidade e positividade, sendo dirigidos a
todos os homens. Numa palavra: “os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvemse como direitos positivos particulares e encontram sua plena realização como direitos positivos universais (in A
Era dos Direitos, p. 30).”
Revista do instituto de pesquisas e estudos
47
tituem, infelizmente, fatos incomuns, como nos dá exemplo casos da história recente.41
Ante a primazia dada ao ser humano na esfera internacional, já se reconhece
hoje que o homem é sujeito de direitos no âmbito internacional, figurando ele ao
lado dos demais sujeitos de direitos internacional – Estados e outras organizações
que integram a comunidade internacional. Esse reconhecimento implica no estabelecimento de direitos e deveres relativamente ao ser humano enquanto membro integrante da comunidade mundial, podendo ele comparecer perante os organismos
internacionais tanto na condição de vítima de violações dos direitos humanos como
na condição de acusado de violação desses mesmos direitos.
Em face mesmo do movimento de internacionalização dos direitos humanos surgiu no planeta uma consciência no sentido de que a paz e a segurança internacionais somente serão alcançados em definitivo com amplo desenvolvimento econômico, social e cultural de todos os povos. A democracia e a estabilidade
internacionais não podem ser atingidas enquanto existir um fosso avassalador entre nações ricas e pobres, enquanto existirem povos exploradores e povos explorados. A humanidade é uma teia que se interliga de norte a sul, de leste a oeste,
e o que acontece numa parte do globo acaba afetando os povos da Terra como
um todo.
Diante dessa constatação, o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio
ambiente e qualidade de vida, à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural da humanidade, são alçados à condição de novos direitos humanos.
Documentos internacionais recentes dispões sobre tais direitos, destacando-se
a Declaração Sobre o Direito ao Desenvolvimento42, a Declaração sobre o Direito dos Povos à Paz43 e a Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento44,
consagrando-se, assim, os direitos de solidariedade na consciência da comunidade universal.
41 É o caso dos massacres perpetrados em Kosovo e em determinados Estados africanos, com perda de milhares
de vidas. Na China também ocorrem constantes violações dos direitos humanos, e nos dias atuais vemos Israel tripudiar sobre os direitos das populações palestinas, mormente após a adoção da política direitista e de linha dura
do Primeiro Ministro Ariel Sharon. Nem se diga então do regime Talebã, em boa hora defenestrado, o qual inclusive apoiou os atentados terroristas do mundialmente persona non grata Osama Bin Landen. Embora existe hoje um
movimento pelos direitos humanos no âmbito internacional, impera, muitas vezes, a preocupação com a Realpolitik e somente quando há interesses econômicos dos grandes Estados em jogo é que as intervenções acontecem.
42 A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 4 de
dezembro de 1986. No artigo 1.1. dessa Declaração se dispõe que “O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual os direitos humanos e liberdades
fundamentais possam ser plenamente realizados”.
43 Adotada pela Assembléia Geral da ONU em sua resolução nº 39/11, de 12 de novembro de 1984.
44 Derivada da Conferência das Nações Unidas, acontecida no Rio de Janeiro entre os dias 3 a 21 de junho de 1992.
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48
6.
A TEORIA DAS GERAÇÕES DE DIREITOS
Os direitos do homem tiveram gestação no decurso da história, conforme visto, sendo certo que foram paulatinamente sendo incorporados nos direitos positivos dos países. Com base nessa constatação, a doutrina elaborou a teoria das gerações de direitos, buscando com isso explicar as diversas fases porque passaram o desenvolvimento dos direitos humanos.
São três as gerações de direitos apontadas pela doutrina corrente, havendo
autores que já falam em uma quarta geração de direitos humanos fundamentais.45
Os direitos de primeira geração são os direitos de liberdade, os direitos de segunda
geração são os direitos de igualdade e os direitos de terceira geração são os direitos
de fraternidade, correspondendo eles, assim, àquele tripé apontado pelos revolucionários franceses: liberdade, igualdade e fraternidade.
Cabe assinalar que há autores que preferem a expressão “dimensões de direitos” a “gerações de direitos”. Assim entendem porque o termo “gerações” poderia
dar a falsa idéia de que uma geração de direitos excluiria a outra, o que em verdade
não acontece em razão da unidade e indivisibilidade de todos os direitos humanos,
que são cumulativos e complementares entre si.46 A questão, porém, é meramente
terminológica e no que concerne ao conteúdo das diversas gerações de direitos não
ocorre dissensão na doutrina.
6.1. Direitos de primeira geração.
Os direitos de primeira geração, ou direitos de liberdade, apareceram com o
surgimento do Estado liberal clássico, que pôs fim aos poderes absolutos do governante e inaugurou a democracia ocidental moderna. São, pois, fruto das revoluções
inglesa, americana e francesa, principalmente destas duas últimas, que, imbuídas
dos ideais postos pelo jusnaturalismo, conceberam a existência de direitos naturais
e inalienáveis do indivíduo em face do Estado, além de firmarem o primado da origem popular do poder.
São, pois, os direitos de primeira geração, “os primeiros a constarem do documento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em gran45 Nesse sentido veja-se Paulo Bonavides, in Curso de Direito Constitucional, para quem “os direitos de quarta geração correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social (p. 524)”, sendo eles “o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo”, dos quais “depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão máxima de universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência (p.525)”.
46 Ingo Wolfgang Sarlet, in A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 47, preleciona que (...) não há como negar que
o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo “dimensões” dos
direitos fundamentais, posição esta que aqui optamos por perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina”.
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49
de parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do ocidente”, no dizer de Paulo Bonavides.47
Com efeito, a idéia de liberdade política e civil fundou o moderno constitucionalismo ocidental. A velha concepção de que o poder do Estado repousa na pessoa
do monarca caiu por terra e em lugar dela firmou-se convicção no sentido da origem popular do poder. Disso resultou a escolha dos governos pelos governados,
através do exercício do voto popular, num primeiro momento restrito em razão da
doutrina do voto censitário, mas posteriormente estendido ao conjunto dos cidadãos, inclusive às mulheres, numa fase mais recente da história. Paralelamente a
essa concepção, como fruto mesmo da limitação do poder estatal, surgiu a idéia da
existência de direitos individuais oponíveis ao Estado, vale dizer, direitos que o Estado não poderia atingir ou derrogar sob pena de as liberdades do indivíduo restarem infirmadas.
Como exemplo de direitos oriundos dessa primeira geração de direitos temos
o direito de propriedade, o direito à igualdade perante a lei (igualdade formal), o direito à liberdade de imprensa e livre manifestação do pensamento, o direito à liberdade de crença e de religião, os direitos do cidadão no campo criminal e os direitos
de participação política. Tais direitos são caracterizados pelo fato de estarem assegurados na medida em que o Estado abstenha-se de perturbar-lhes o exercício, daí advindo o seu caráter fundamentalmente negativo.
6.2. Direitos de segunda geração
Direitos de segunda geração são aqueles que surgiram com o aparecimento
do Estado social. São os direitos sociais, econômicos e culturais, como o direito à
saúde, o direito à educação, o direito ao trabalho e o direito ao lazer. A finalidade de
tais direitos é firmar uma igualdade material entre os homens, retirando-os do estado de pobreza e erigindo-os a uma verdadeira condição de cidadãos do Estado.
Sem condições mínimas de subsistência o homem não tem como desenvolver os potenciais de sua personalidade. Ele precisa ser alimentado, vestido, educado. O Estado liberal burguês do século passado não assegurava a efetividade dos direitos sociais e isso gerava profunda desigualdade entre os homens. Como reação
a esse quadro, o Estado passou a adotar políticas públicas e a interferir no campo
das relações econômicas privadas objetivando evitar ou ao menos minorar a intensa exploração do homem pelo homem no campo do trabalho.
Os direitos de segunda geração, ou direitos de igualdade, são realizados através de uma atuação positiva do Estado no campo social. São direitos a prestações,
diferentemente do que acontece com os direitos de primeira geração, que se realizam a partir de uma abstenção do Estado.
47 Curso de Direito Constitucional, p. 517.
50
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Para a realização dos direitos de segunda geração o Estado deve prestar serviços públicos aos cidadãos, criando escolas, creches, unidades de saúde, etc. Em caso
de denegação de direitos dessa espécie, já se concebe inclusive exigência judicial deles, em face de dispositivos inseridos nas constituições modernas que garantem a
aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.
6.3. Direitos de terceira geração
Os direitos de terceira geração foram firmados na história recente e sua
gênese liga-se ao processo de internacionalização dos direitos humanos.48 Estão
assentados nos valores da solidariedade ou fraternidade e têm como titulares
não as pessoas individualmente, mas “o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”.49
Tais direitos estão ainda em fase de elaboração50. Foram concebidos a partir de
uma visão crítica acerca da existência de profundas desigualdades existentes entre
os diversos povos da Terra, divididos entre nações ricas e pobres, e bem assim em
face do surgimento de uma consciência universal que enxerga a possibilidade do
próprio comprometimento da continuidade da vida humana sobre o planeta, caso
medidas urgentes não sejam adotadas e implementadas.
Os direitos de terceira geração surgem neste momento da história em face do
avançado nível tecnológico a que chegamos. A aldeia global hoje é o lugar onde se
dá o ataque à camada de ozônio, a exploração econômica que os povos ricos impõem sobre as nações do terceiro mundo e o possível surgimento de guerras nucleares que podem levar à extinção da vida na Terra.
Segundo Paulo Bonavides, a teoria já identificou cinco direitos de terceira geração, a saber: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação51. Todos eles assentam-se na idéia de solidariedade internacional entre todos
os povos e indivíduos que habitam o planeta Terra.
48 Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Direitos Humanos Fundamentais, p. 58.
49 Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 523.
50 Ingo Wolfgang Sarlet, in A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 51, escreve que “ No que tange à sua positivação, é preciso reconhecer que, ressalvadas algumas exceções, a maior parte destes direitos fundamentais da terceira dimensão (inobstante cada vez mais) não encontrou seu reconhecimento na seara do direito constitucional, estando, por outro lado, em fase de consagração no âmbito do direito internacional, do que dá conta um grande número de tratados e outros documentos transacionais nessa seara”.
51 Op. cit, p. 523.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
7.
51
CONCLUSÕES
Pelo que restou exposto no curso do presente trabalho, verifica-se que os direitos humanos têm origem histórica. São eles fruto das lutas em favor da liberdade
e da igualdade, da busca da felicidade e da dignidade humanas.
A fase de positivação dos direitos humanos na história dá-se sobretudo com
as revoluções americana e francesa, havendo ainda o contributo da revolução inglesa. Tais revoluções, que tiveram como norte o princípio da liberdade, engendraram
os direitos de primeira geração, que hoje estão estampados nas Constituições de cunho democrático.
Sem embargo de os direitos humanos terem se afirmado no período do liberalismo clássico, é certo, porém, que em tempos anteriores houveram lampejos que
contribuíram para o eclodir de tais direitos. Esses gérmens encontram-se nos primórdios da democracia grega e romana, nos ideais lançados pelo cristianismo e no
direitos dos ingleses, com especial destaque para a Magna Charta Libertatum .
Num movimento dialético, e como reação às injustiças sociais propiciadas
pelo velho Estado liberal, apareceram os movimentos que geraram o Estado de cunho social, o Welfare State, cuja preocupação é a realização da igualdade material
entre os homens. Os chamados direitos sociais formam a segunda geração de direitos fundamentais.
Numa fase mais recente da história, sobretudo após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, aconteceu o fenômeno da internacionalização dos direitos humanos e o surgimento de uma terceira geração de direitos, cujo norte fundamental é a idéia de solidariedade entre todos os habitantes do planeta Terra.
Uma geração de direitos não exclui a outra. Os direitos humanos fundamentais
são complementares entre si, de tal sorte que para a realização da felicidade humana
sobre a Terra é necessário que todos eles sejam integralmente implementados.
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Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix [s.d.].
Reestruturação do pacto federativo
brasileiro frente ao processo mundial de
globalização: o papel do Congresso Nacional
Miguel Angelo Napolitano
O autor é mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino, em
Bauru, SP, graduado em Direito pela mesma Instituição, e em Comunicação Social
com habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” - Unesp, campus de Bauru, SP. É funcionário da
1ª Vara da Justiça Federal, em Bauru, SP.
A onda globalizante atinge os quatro cantos do planeta. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação da ONU - Organização das Nações Unidas - e o início da formação de blocos econômicos, impulsionados com o surgimento do BENELUX - união alfandegária entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo - os Estados soberanos percebem a necessidade de união e de efetivamente darem aplicabilidade aos
conceitos de fraternidade. O processo de uniões e associações ultrapassou o âmbito do comércio e já atingiu outras áreas, sobretudo vinculadas à economia. A prova
mais cabal da assertiva está no fato de Japão e Coréia, dois países sem tradição futebolística, terem se unido a fim de, juntos, hospedarem em 2002 o maior evento esportivo do futebol: a Copa do Mundo.
Neste mesmo ano, outra prova de integração globalizante veio com o lançamento do Euro, a unidade monetária comum de 12 países da União Européia. Com
a entrada em circulação do Euro, moedas centenárias e históricas como o Franco,
simplesmente deixaram de existir. Os franceses abriram mão de tudo o que o Franco lhes representava, em prol da imbricação de uma integração européia mais vigo-
54
faculdade de direito de bauru
rosa e coesa. É o lema dos Mosqueteiros, “um por todos e todos por um”, em seu
grau máximo.
O exemplo francês deve ser seguido. Não se trata de ceder espaço no campo
internacional, mas, sim, de se reestruturar do pacto federativo brasileiro, a fim de
que Estados, Distrito Federal e Municípios possam, também levar a cabo o lema do
“um por todos e todos por um” na defesa dos interesses nacionais brasileiros.
A tendência é que os processos de reengenharia adentrem com mais força o
território de Estados soberanos à medida que grande blocos econômicos são formados. Com a proposta da Alca - Área de Livre Comércio das Américas - um enorme
bloco econômico formar-se-á da Terra de Grant (extremo Norte do Canadá) à Terra
do Fogo (extremo Sul da Argentina), sendo Cuba a única exceção do continente
americano.
O megamercado vai exigir enorme competitividade de todos os Estados envolvidos, sob pena de sucumbência ao poderio dos mais vigorosos economicamente. Assim, mister se faz uma discussão sobre a reestruturação do pacto federativo
brasileiro.
Tendo dimensões continentais, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados
de extensão territorial, e robusta capacidade econômica a nível mundial, o Brasil
possui concretas possibilidades de auferir vantagens de um megamercado. No entanto, devido ao fosso social existente na sociedade brasileira interna corporis e às
enormes diferenças regionais, o país perde competitividade. É o chamado “custo
Brasil”.
O respeito às características essenciais de cada uma das regiões do Brasil,
com o aproveitamento das potencialidades naturais, é essencial para alavancar o
desenvolvimento sustentado de todo o território. A riqueza tem que ser distribuída. Não uniformemente, visto que o espaço brasileiro não é homogêneo. As
vocações inerentes a cada localidade devem ser observadas ao serem distribuídos
os investimentos.
A Constituição Federal de 1988, no parágrafo único do artigo 23, que trata das
competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
deixou margem ao Congresso Nacional para reestruturar o pacto federativo brasileiro ao dispor que “lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União
e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.
Ora, consoante ensinamento de Maria Helena Diniz, in Dicionário Jurídico
(vol. 1, Saraiva, São Paulo, 1998, p. 885), cooperação, na linguagem jurídica, é “esforço comum ou combinação de recursos ou de trabalho para atingir uma determinada finalidade”, ou ainda “atuação em benefício de outrem”, ou “prestação de auxílio para obtenção de um fim comum”. Dessa maneira, cooperar nada mais é que
operar, agir, em conjunto ou conjuntamente, ou seja, é a promoção da coordenação
das atividades da União com a dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, fi-
Revista do instituto de pesquisas e estudos
55
cando afastada a interpretação leiga que se possa conferir ao vocábulo “cooperação”, no sentido de assistencialismo, uma vez que em uma federação, com entes autônomos, não cabe tal entendimento.
No que tange aos Municípios, é preceito constitucional, insculpido no artigo
29, XII, a “cooperação das associações representativas no planejamento municipal”.
Partindo-se tal princípio, o Congresso Nacional, cumprindo a atribuição que lhe fora
conferida pelo parágrafo único do artigo 23, tem o condão de elaborar Lei Complementar fixando normas para a cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e
Municípios.
A participação de todos os entes federados no planejamento nacional configurará respeito às diversidades regionais e locais, maior engajamento de cada uma das
esferas e possibilidade de desenvolvimento de projetos auto-sustentáveis. Afinal, a
convivência harmoniosa da diversidade é um dos trunfos do federalismo.
O FEDERALISMO: CARACTERÍSTICOS E EVOLUÇÃO
Caldas Aulete, conceitua federalismo como o “sistema de governo, que consiste na reunião de vários Estados em um só corpo de nação, conservando cada um
deles a sua autonomia em tudo que não afete os interesses comuns” (Dicionário
contemporâneo da língua portuguesa em 5 volumes. 2ª edição brasileira, Rio de Janeiro: Delta S.A., 1964, volume 3, p. 1739).
As origens desse sistema de governo remontam à união das 13 colônias americanas, cada uma delas abrindo mão de sua soberania para um poder central, a fim
de juntas, conseguirem enfrentar os ingleses. No entanto, historicamente, os Estados Unidos da América aparecem como uma Confederação de Estados, da qual cada
Estado-membro poderia se desligar no momento em que bem desejasse.
Com a Constituição de 1787, a coesão entre os Estados norte-americanos se
intensifica e nasce o Estado Federal, indissolúvel. A idéia é, então, copiada pelo mundo afora, sem haver, no entanto, modelo único de federalismo.
Tal sistema é bastante dinâmico em sua estrutura e pode ser adaptado a toda
sorte de realidade sócio-econômico-cultural.
O federalismo tem natureza híbrida, sendo ressaltado por Dalmo de Abreu Dallari em “O Estado Federal” a necessidade de se ter em mente a criatividade do ser humano para as adaptações das verdades teóricas relativas a seus comportamentos.
A grande característica do federalismo, entretanto, é manter a união de entes
distintos, com características próprias, sob o comando do mesmo poder central.
Uma de suas aparentes ambigüidades está na aspiração de manter tanto a unidade
quanto a diversidade.
No Brasil, o federalismo surge com a proclamação da República.
Ao contrário do ocorrido nos Estados Unidos, aqui a Federalização acontece
às avessas. Não há reunião de vários Estados, mas, sim, a cisão de um grande terri-
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faculdade de direito de bauru
tório unitário, com a transformação das antigas províncias do Império em Estados
Federados da República. Desde então o Federalismo brasileiro passa por períodos
de maior ou menor centralização, com conseqüências na autonomia dos entes federados. Quanto maior a centralização, menor é a autonomia dos entes.
Afonso Arinos de Melo Franco, em “Algumas Instituições Políticas no Brasil e
nos Estados Unidos” (p. 72-73) chega a afirmar que em períodos de extrema centralização do poder, como de 1937 a 1945 (primeiro governo de Getúlio Vargas) e durante o regime militar, o federalismo desaparece do Brasil, pois sua essência consiste exatamente na preservação da autonomia dos entes federados, o que não ocorreu em ditos períodos, visto que a Carta Constitucional de 1967 transformou algumas áreas municipais em território de segurança nacional, com prefeitos nomeados
pelo governador do respectivo Estado, tendo o Ato Institucional de número 5, de 13
de dezembro de 1968, extingüido por completo a federação brasileira, em termos
jurídico-constitucionais.
Luiz Alberto David Araujo, em “Característicos comuns do Federalismo” in
“Por uma nova federação” (Editora Revista dos Tribunais, 1995 p. 39-52) no mesmo
sentido, preleciona que a autonomia é um dos principais característicos da Federação e, para que haja autonomia do ente federado, é necessária uma descentralização
política. Michel Temer, em “Elementos de Direito Constitucional” (16ª edição. rev. e
ampliada. Malheiros, p. 57-58), explica o que vem a ser descentralização, afirmando
que implica a “retirada de competências de um centro para transferi-las a outro, passando elas a ser próprias do novo centro”.
A Constituição de 1988 avançou em termos teóricos ao incluir o Município
como ente federado ao lado dos Estados Membros e do Distrito Federal, cada qual
com suas próprias competências administrativas, legislativas e tributárias. A despeito disso, Celso Ribeiro Bastos considera a Constituição de 88 extremamente centralizadora. Para ele, o pressuposto de democracia cinge-se à descentralização do poder, por entender que as chances de um ordenamento ser democrático aumentam
à medida da proximidade do centro de tomada de decisões com os diretamente envolvidos. De acordo com o autor, o constituinte de 1988 não aproveitou intensamente a oportunidade de democratização do país:
O traço principal que marca profundamente a nossa já capenga
estrutura federativa é o fortalecimento da União relativamente às
demais pessoas integrantes do sistema. É lamentável que o constituinte não tenha aproveitado a oportunidade para atender ao que
era o grande clamor nacional no sentido de uma revitalização do
nosso princípio federativo.
A análise da descentralização política requer a observação, em primeira instância, da distribuição de competências. Esta deve ter sede constitucional, sob pena de
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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o pacto federativo se tornar flácido, com a quebra do ajuste sobre o qual se assenta
a idéia federalista.
A distribuição de competência deve, necessariamente, ter aporte financeiro,
seja através da possibilidade de captação de recursos, ou de repasse de verbas.
Outro pressuposto da descentralização reside na possibilidade de auto-organização do Estado-membro, o que implica a tripartição das funções do Estado, em
consonância com a doutrina de Montesquieu: a executiva, a legislativa e a judicial.
De se destacar que, na Federação, o órgão legislativo tem, notadamente, feição bicameral, a fim de se ter uma casa representativa do povo e outra dos Estadosmembros.
A fim de se manter, uma federação deve conter dispositivos de segurança a
sua manutenção. Trata-se da intervenção federal. No Brasil, somente será caso de intervenção quando houver rompimento dos princípios constitucionais sensíveis, ou
em qualquer das hipóteses do artigo 34.
Ainda sobre descentralização, Janice Helena Ferreri Morbidelli, em “Um Novo
Pacto Federativo para o Brasil”, traça um paralelo entre a federação brasileira e a canadense para demonstrar que a conquista de maior autonomia pelos entes federados não significa a perda de poder por parte da União. Segundo a tese da autora, o
federalismo contemporâneo é caracterizado pela expressão “federalismo cooperativo”, no qual os entes que compõem a federação deixam de ter atuação estanque e
passam a colaborar com outros entes, seja da mesma espécie ou de espécie diferente, sem que haja choque de competências.
A Constituição de 1988 prescreve a colaboração entre as unidades federadas
no parágrafo único do artigo 23, deixando a fixação de normas para a cooperação a
cargo do legislador ordinário, mediante Lei Complementar. O parágrafo único do
artigo 23 consagra, assim, o princípio da solidariedade, realçando o aspecto da coresponsabilidade dos entes federativos. O princípio da solidariedade visa ao tratamento específico e diferenciado de cada um dos entes federados, uma vez que cada
um tem características próprias e suas necessidades não são idênticas.
O Estado federal moderno não pode mais ser visualizado como
produto da atuação isolada de níveis de governo. Ele cedeu lugar
à cooperação na qual o processo governamental coloca as esferas
de governo em nível de igualdade para manter o equilíbrio do Estado federal” (o. c., p. 236).
Nos Estados Unidos, a prática cooperativa foi introduzida a partir do governo
de Franklin Delano Roosevelt, com meio para se debelar a depressão causada com
a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. Dessa maneira, conclui-se que a simetria
configura a origem do Estado federal, porém seu desenvolvimento clama pela assimetria. Tal é a trajetória da federação canadense.
faculdade de direito de bauru
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O Estado Federal do Canadá nasceu centralizado, com nítida predominância
do poder da União sobre os poderes provinciais, a fim de se tentar coibir uma iminente conquista por parte dos vizinhos Estados Unidos. Contudo, com o decorrer
dos anos, foi-se promovendo um rebalanceamento do Poder. A reconfiguração não
implicou reforma constitucional, mas sim a modificação do entendimento dos membros da Suprema Corte Canadense, que tem papel preponderante na interpretação
da distribuição de competências. Com isso, as decisões da Suprema Corte do Canadá fizeram expandir o federalismo cooperativo, com a fixação de competências concorrentes; com a criação de programas de custos divididos (shared-cost programs);
com a aceitação de administração conjunta em assuntos de interesses de dois níveis
de governo, e estabelecendo-se o chamado federalismo executivo. Janice Helena
Ferreri Morbidelli exemplifica a intensidade do federalismo executivo canadense
mencionando o número de reuniões entre os executivos federal e provinciais. Em
um único ano aconteceram no Canadá mais de 500 encontros para a coordenação e
colaboração de práticas conjuntas entre as diversas esferas de poder (o. c. p. 156).
Sobre descentralização, a mesma autora menciona que nos anos 80, com a Rodada Tóquio das negociações do Acordo Geral de Tarifas e Comércio - GATT, o governo federal canadense consultava as províncias, sob o fundamento de que tinham
o direito de opinar sobre os futuros acordos internacionais a serem assumidos pela
federação (o. c. p. 161).
É interessante fazer estudo comparativo com o Canadá, pois a federação canadense torna-se peculiar ao abrigar a Província de Quebèc, de cultura, língua e tradições francófonas.
A despeito do vasto território, da geografia inóspita, das diferenças culturais,
étnicas e regionais do Estado canadense, a Federação é tida pela ONU como um dos
países com o melhor IDH - índice de desenvolvimento humano - do mundo. O IDH
reflete o nível de qualidade de vida de uma população.
Assim, de se concluir que parte da boa qualidade de vida conquistada pelos
canadenses se deu pelo fato de o centro de tomada de decisões estar bem próximo
das comunidades envolvidas, como reflexo da descentralização estrutural e do federalismo cooperativo.
Fica, então, o registro, para que se reflita sobre o assunto no Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARAUJO, Luiz Alberto David. Característicos comuns do federalismo in Por uma
nova federação, coordenador Celso Bastos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990.
BASTOS, Celso Ribeiro; BRITO, Carlos Ayres de Interpretação e Aplicabilidade das
Normas Constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
59
CALDAS AULETE, Francisco Júlio. Dicionário contemporâneo da língua portuguêsa, 2ª edição brasileira. Rio de Janeiro: Delta, 1964.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, vol 1 (A-C). São Paulo: Saraiva, 1998.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Algumas instituições políticas no Brasil e nos Estados Unidos. Rio - São Paulo: Forense, 1975.
MORBIDELLI, Janice Helena Ferreri. Um novo pacto federativo para o Brasil. São
Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999.
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 16ª edição revista e ampliada.
São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
O SENADO FEDERAL E AS OPERAÇÕES EXTERNAS DE
NATUREZA FINANCEIRA: O PROBLEMA DOS
ACORDOS BRASIL-FMI
Valerio de Oliveira Mazzuoli
Professor de Direito Constitucional e Direito Internacional Público na
Faculdade de Direito de Presidente Prudente-SP e na Universidade do
Oeste Paulista – UNOESTE. Classificado em primeiro lugar no
“Primeiro Concurso Nacional de Monografias” sobre os 50 Anos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, realizado
pela PUC-Minas, UFMG e OAB-MG. Advogado no Estado de São Paulo.
1.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por finalidade interpretar o art. 52, inciso V, da Constituição Federal de 1988, que trata das operações externas de natureza financeira de
interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, à luz dos princípios e regras do moderno Direito Internacional. O trabalho visará, também, estabelecer as diferenças existentes entre os acordos firmados pelo
Estado brasileiro junto ao Fundo Monetário Internacional – FMI e os acordos internacionais referidos pelo art. 49, inc. I, da Constituição, que impõe a todos os tratados internacionais o referendo do Congresso Nacional, antes de sua ratificação pelo
Presidente da República.
Para tanto, num primeiro momento, mister analisar os dispositivos constitucionais referentes à processualística de celebração de tratados internacionais e, num
segundo momento, diferenciar os “tratados internacionais”, notadamente os trata-
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faculdade de direito de bauru
dos-contrato, dos chamados State contracts ou acordos administrativos internacionais, que não se revestem da qualidade de tratados. Num terceiro momento, será
discutida a necessidade de serem ou não os acordos administrativos internacionais
aprovados pelas duas Casas do Congresso Nacional.
Por fim, será discutido qual o verdadeiro papel do Senado Federal no procedimento de aprovação dos stand-by arrangements entre o Brasil e o FMI.
2.
A COMPETÊNCIA PARA CELEBRAR TRATADOS NA CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA DE 1988
A competência para celebrar tratados foi intensamente discutida na Assembléia Constituinte de 1987 a 1988. Por um imperdoável lapso do legislador, no encerramento dos trabalhos, a Comissão de Redação não foi fiel à vontade do Plenário
e provocou o surgimento de dois dispositivos aparentemente antinômicos: os artigos 49, I, e 84, VIII, da Constituição.1 Eis o que dispõem:
Artigo 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(…)
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos
a referendo do Congresso Nacional; (…)
Artigo 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional; (…)
Da simples leitura dos artigos transcritos é possível perceber que a vontade do
Executivo, manifestada pelo Presidente da República, não se aperfeiçoará enquanto
a decisão do Congresso Nacional sobre a viabilidade de se aderir àquelas normas
não for manifestada, no que se consagra, assim, a colaboração entre o Executivo e o
Legislativo na conclusão de tratados internacionais.
Essa conjugação de vontades entre o Executivo e o Legislativo, aliás, sempre
esteve nas Constituições brasileiras. Excetue-se, apenas, o texto da Constituição do
Império, de 1824, que dizia, no seu art. 142: “São atribuições do Imperador: (…)
X – Fazer tratados de aliança ofensivos ou defensivos, de subsídio e comércio, levando-os, porém, ao conhecimento da Assembléia Geral, logo que o interesse e segu1 Para um estudo aprofundado de tais dispositivos, vide VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, “O poder legislativo e os tratados internacionais: o treaty-making power na Constituição brasileira de 1988”, in Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n.º 30, pp. 105-143, dez./2000 a mar./2001; Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 355, pp. 119142, mai./jun. 2001; e também na Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 38, n.º 150, pp. 27-53, abr./jun.
2001.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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rança do Estado o permitirem. Se os tratados concluídos em tempo de paz contiverem cessão ou troca de parte do território do Império ou de possessões a que o Império tenha direito, não poderão ser ratificados sem terem sido aprovados pela Assembléia Geral”. Como se percebe, o imperador dava apenas ciência à assembléia
geral, de que havia concluído um tratado, o que demonstra que não era necessária
qualquer aprovação por parte deste órgão. Só excepcionalmente é que a aprovação
legislativa se fazia obrigatória, como nos casos que envolvessem questões territoriais. À exceção desta Carta, a aprovação legislativa para a ratificação de tratados internacionais sempre se fez presente.
Assim é que a Constituição de 1891, no artigo 34, estabelecia ser da competência privativa do Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras”, atribuindo ao Presidente da República, no art. 47, a competência para “entabular negociações internacionais, celebrar ajustes, convenções e tratados, sempre ad referendum do Congresso”
(inc. XVI).
A Carta de 1934, por sua vez, no mesmo sentido, fixava no artigo 40, alínea
a, a competência exclusiva do Poder Legislativo para “resolver definitivamente
sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras, celebrados pelo Presidente da República, inclusive os relativos à paz”, reafirmando no artigo 56 a
competência do Presidente da República para “celebrar convenções e tratados internacionais, ad referendum do Poder Legislativo” (§ 6.º). À exceção da Carta de
1937, a Constituição de 1946, da mesma forma, previa no seu art. 66, I, ser da
competência exclusiva do Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre os
tratados e convenções celebradas com os Estados estrangeiros pelo Presidente da
República”.
Por último, a Carta Constitucional de 1967, com as emendas de 1969, previa no art. 44, I, ser da competência exclusiva do Congresso Nacional “resolver
definitivamente sobre os tratados, convenções e atos internacionais celebrados
pelo Presidente da República”, acrescendo no artigo 81 ser da competência privativa do Presidente da República “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, ad referendum do Congresso Nacional”.
De acordo com Constituição brasileira vigente, “compete à União manter
relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais”
(art. 21, I). Ao Presidente da República é dada competência privativa para “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional” (art. 84, VIII). O Congresso, por sua vez, tem competência exclusiva
para “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” (art. 49,
I). A redação dos dispositivos manteve-se, na expressão de GRANDINO RODAS, fiel à
nossa má tradição constitucional na matéria, “não tendo nem mesmo incorpora-
64
faculdade de direito de bauru
do no texto, os poucos avanços contidos no projeto de Constituição da Comissão
de Sistematização”.2
O certo é que, enquanto cabe ao Poder Executivo presidir a política externa, ao
Legislativo cumpre exercer o controle dos atos executivos, uma vez que àquele incumbe a defesa da nação no cenário internacional. Por importar no comprometimento da
soberania nacional, não pode o tratado produzir efeitos se não for seguido de aprovação pelo Congresso, que representa a vontade nacional. O Presidente da República,
com a competência privativa que lhe dá a Carta Magna, assim, não age por delegação
do Congresso, mas por direito próprio, como já ensinou PONTES DE MIRANDA.3
Terminada a fase de negociação de um tratado, o Presidente da República, responsável pela dinâmica das relações exteriores, está livre para dar curso, ou não, ao
processo determinante do consentimento do Estado em obrigar-se por um compromisso internacional. Estando satisfeito com o acordo celebrado, o Chefe do Poder
Executivo submete-o ao crivo do Parlamento, representativo da vontade da Nação,
podendo, também, em caso de insatisfação, mandar arquiva-lo. O Congresso Nacional, por sua vez, quando chamado a se manifestar, através da elaboração de decreto
legislativo (CF, art. 59, VI), materializa o que ficou resolvido sobre os tratados, acordos ou atos internacionais.4 De sorte que, no que diz respeito ao Estado brasileiro,
os tratados, acordos e convenções internacionais, para que sejam incorporados ao
ordenamento interno necessitam de prévia aprovação do Poder Legislativo, que
exerce a função de controle e fiscalização dos atos do Executivo.5
A competência ad referendum do Congresso, esclareça-se, limita-se à aprovação ou rejeição do texto convencional tão somente, não sendo admissível qualquer
interferência no seu conteúdo. Não comporta, pois, emendas. Concordando o Congresso com a assinatura do tratado internacional, por meio do decreto legislativo,
dá-se “carta branca” ao Presidente da República para ratificar a assinatura já depositada, ou mesmo aderir se já não o tenha feito.
2 JOÃO GRANDINO RODAS. Tratados internacionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 43.
3 Cf. PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n.º 1 de 1969, Tomo III, 3.ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1987, p. 327.
4 A partir da Constituição de 1946, abolindo a grande imprecisão existente no emprego desse termo, fixou-se, nos
Regimentos Internos das Casas do Congresso Nacional, o uso da expressão decreto legislativo para denominar
aqueles atos da competência exclusiva do Poder legislativo, ou seja, aqueles atos não sujeitos à sanção presidencial.
O decreto legislativo, assim, é espécie normativa aprovada pelo Legislativo sobre matéria de sua exclusiva competência (CF, art. 49), como a aprovação de tratados internacionais, o julgamento das contas do Presidente da República, ou ainda sobre assuntos de seu interesse interno. Um único decreto pode, inclusive, aprovar mais de um tratado; mas, se o tratado anteriormente aprovado e devidamente ratificado, fora posteriormente denunciado, novo
decreto legislativo se fará necessário em caso de nova aprovação do mesmo tratado (Cf. JOSÉ FRANCISCO REZEK. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 334).
5 Cf. VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI. Tratados internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969. São
Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 166.
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A aprovação parlamentar pode ser retratada, desde que não tenha sido, ainda, o tratado ratificado pelo Presidente da República. Se o tratado ainda não se encontra ratificado, é dizer, se ainda não houve o comprometimento da Nação no cenário internacional (não importando saber se o tratado já entrou em vigor, internacionalmente, ou não), o Congresso, por decreto legislativo mesmo, pode revogar
igual diploma que tenha anteriormente aprovado o acordo.6
Apesar de estar o decreto legislativo dentre as espécies normativas do art. 59
da Constituição, ou seja, sem embargo de estar compreendido no processo legislativo, “não tem ele o condão de transformar o acordo assinado pelo Executivo em
norma a ser observada, quer na órbita interna, quer na internacional”.7 Tal fato somente irá ocorrer com a posterior ratificação, e promulgação do texto do tratado
pelo Chefe do Poder Executivo, o que o faz por meio de decreto. É que, dando a
Carta ao Presidente da República a competência privativa para celebrar tratados, e
sendo ele o representante do Estado na órbita internacional, sua também deverá ser
a última palavra em matéria de ratificação. A manifestação do Congresso Nacional só
ganha foros de definitividade, somente quando desaprova o texto do tratado anteriormente assinado pelo Chefe do Executivo, “quando, então, o Presidente da República estará impedido de concluir o acordo, ratificando-o”.8
Este sistema de aprovação congressual aos tratados internacionais, aliás, foi
adotado em inúmeros países do continente americano (cf. Const. argentina, art. 75,
inc. 22; Const. da Venezuela, art. 154; Const. de El Salvador, art. 131, n.º 7; Const. da
Guatemala, art. 171; Const. da República Oriental do Uruguai, art. 168, n.º 20; Const.
chilena, art. 50, n.º 1; Const. da Colômbia, art. 164; Const. paraguaia, art. 141). No
Uruguai, v.g., competia a Assembléia Geral (Congresso) aprovar e reprovar, por
maioria absoluta, os tratados celebrados pelo Poder Executivo (cf. art. 85, 7.º c/c art.
168, n. 20, da Const. de 1967: “A competência para concluir e firmar tratados é do
Presidente da República atuando com o Ministro das Relações Exteriores ou com
o Conselho de Ministros, necessitando, para sua ratificação, de aprovação pelo
6 Cf. JOSÉ FRANCISCO REZEK. Direito dos tratados, cit., p. 335. Segundo informa FRANCISCO REZEK, temos um precedente a esse respeito. Trata-se do Decreto Legislativo n.º 20, de 1962, que revogou o anterior Decreto Legislativo n.º
13, de 06 de outubro de 1959, que aprovou o Acordo de Resgate, assinado em 1956 entre os Governos do Brasil e
da França (Op. cit., p. 335-336).
7 MIRTÔ FRAGA. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação
do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 56. Precisa é a lição desta mesma autora, em relação aos decretos legislativos, in verbis: “Embora siga quase o mesmo processo destinado a gerar a lei, o
decreto legislativo, que aprova o tratado, não pode ser a ela equiparado. A lei, em sentido estrito, é ato conjunto do
Legislativo e do Executivo, isto é, exige a participação de ambos os Poderes, para converter-se em norma obrigatória depois de publicada. O decreto legislativo se distingue da lei pela matéria; por concluir-se com a aprovação, não
sendo suscetível nem de sanção, nem de veto; por ser promulgado pelo Presidente do Senado (…)” (Op. cit., p.
57-58).
8 MIRTÔ FRAGA. Idem, p. 57.
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Poder Legislativo”). A soberania legislativa uruguaia, lembre-se, ganhou ênfase no
art. 4.º de sua Constituição, verbis: La soberanía en toda su plenitud existe radicalmente en la Nación, a la que compete el derecho exclusivo de estabelecer sus
leyes, del modo que más adelante se expresará. Interessante, a respeito da aprovação congressual, é o art. 164 da Constituição colombiana de 1991, reformada em
1997, que dispõe: El Congreso dará prioridad al trámite de los proyectos de ley
aprobatorios de los tratados sobre derechos humanos que sean sometidos a su
consideración por el Gobierno.9
Como se percebe, por conseguinte, estamos diante de um procedimento complexo dos poderes da União, onde, para a formalização dos tratados, participam sempre o Legislativo e o Executivo. Sem a participação desses dois Poderes a realização do
ato não se completa, no que se pode dizer que foi adotada pela Constituição de 1988,
seguindo a tradição constitucional anterior, a teoria dos atos complexos, mais adequada, neste tema, aos princípios de direito público e ao regime democrático.10
O judiciário, neste processo, só atua depois de devidamente incorporado em
nosso ordenamento o tratado internacional, cabendo ao Supremo Tribunal Federal,
na qualidade de guardião da Constituição, julgar, mediante recurso extraordinário,
as causas decididas em única ou última instância, “quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal” (CF, art. 102, III, b).11 Ao Superior Tribunal de Justiça, a Carta de 1988, por sua vez, atribui a competência para julgar, mediante recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância,
pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, “quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”. Por fim, diz o
art. 109 da Constituição competir aos juízes federais processar e julgar (…) “as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional” (inc. III), bem como “os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente” (inc. V).12
9 Cf. VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI. Tratados internacionais…, cit., pp. 167-168.
10 Cf. THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI. A Constituição Federal comentada, Vol. II, 3.ª ed. revista. Rio de Janeiro:
José Konfino Editor, 1956, p. 120.
11 As Constituições republicanas anteriores continham dispositivos semelhantes ao texto atual: Constituição de 1969,
com a Emenda n.º 1, art. 119, III, b; Constituição de 1967, art. 114, III, a; Constituição de 1946, art. 101, III, a; Constituição de 1937, art. 101, III, a; Constituição de 1934, art. 76, III, a; Constituição de 1891, art. 59, 2, § 1.º, a.
12 Veja-se, a propósito, a lição de MIRTÔ FRAGA: “A Constituição Imperial de 1824 nada dispunha sobre a aplicação
de tratado pelo Poder Judiciário. Aliás, foi de todas as nossas Cartas a que menos referência fez aos atos internacionais. Ao imperador competia a representação do Estado, podendo celebrar tratados, que só, excepcionalmente, deveriam receber aprovação legislativa”. E continua: “A primeira Constituição Republicana, promulgada em
24.02.1891, outorgava competência ao Supremo Tribunal Federal para ‘julgar em grau de recurso, as questões resolvidas pelos juízes e tribunais federais’ (art. 59, 2), aos quais competia conhecer das ‘ações movidas por estrangeiros e fundadas (…) em convenções ou tratados da União com outras nações’ (art. 60, f). Ao Supremo Tribunal Federal competia, ainda, conhecer, do recurso interposto de sentença, em última instância, da justiça do Estado-Mem-
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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Tudo o que não pode o Presidente da República fazer é manifestar definitivamente o consentimento sem o “abono” do Congresso Nacional. Embora ele seja o
titular da dinâmica das relações internacionais, cabendo-lhe decidir tanto sobre a
conveniência de iniciar negociações, como a de ratificar o ato internacional já concluído, o abono do Poder Legislativo, sob a forma de aprovação congressual, o que
o faz mediante decreto legislativo, é, via de regra, necessário. Antes de submetido o
tratado internacional à aprovação do Congresso, os poderes que têm os Embaixadores, ordinários e extraordinários, e os Ministros Plenipotenciários é apenas o de empenhar o ato do Poder Executivo e não o de criar a obrigação de ser mantido o que
foi assinado. Este abono parlamentar, contudo, como ensina JOSÉ FRANCISCO REZEK,
“não o obriga à ratificação. Isto significa, noutras palavras, que a vontade nacional,
afirmativa quanto à assunção de um compromisso externo, repousa sobre a vontade conjugada dos dois poderes políticos. A vontade individualizada de cada um deles é necessária, porém não suficiente” [grifos do original].13
Depositado o instrumento de ratificação junto ao Governo ou organismo responsável pelas funções de depositário, a prática brasileira, seguindo a tradição lusitana, tem exigido deva o Presidente da República, a quem a Constituição dá competência privativa para celebrar tratados, convenções e atos internacionais (art. 84,
VIII), expedir um decreto de execução, promulgando e publicando no Diário Oficial da União o conteúdo dos tratados, materializando-os, assim, internamente.
Não há regra na Constituição de 1988, entretanto, que estabeleça esse procedimento, sendo produto de uma praxe nascida com o primeiro tratado concluído pelo Império Brasileiro. Com efeito, o Tratado do Reconhecimento da Independência e do
Império, assinado com Portugal aos 28 de agosto de 1825, foi promulgado internamente, depois de trocados os instrumentos de ratificação, por um decreto de 10 de
abril de 1826.
A promulgação e a publicação, no sistema brasileiro, compõem a fase integratória da eficácia da lei, vez que atesta a sua adoção pelo Poder Legislativo, certifica a
existência de seu texto, e afirma, finalmente, seu valor imperativo e executório. A
partir da publicação, passa o tratado a integrar o acervo normativo nacional, habilitando-se ao cumprimento tanto por particulares como pelos governantes, devendo
o Poder Judiciário garantir-lhe plena vigência.
Não encontra suporte constitucional, entretanto, pretender que depois de assinado, aprovado pelo Parlamento e ratificado pelo Chefe do Poder Executivo, deva
o tratado internacional passar, ainda mais uma vez, por procedimento específico de
bro, quando se questionasse ‘sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do tribunal do
Estado’ fosse ‘contra ela’ (art. 59, § 1.º, a)” (Op. cit., p. 48). As Constituições posteriores, apesar de pequenas modificações, seguiram orientação semelhante.
13 Cf. JOSÉ FRANCISCO REZEK. Direito internacional público: curso elementar, 6.ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
1996, p. 69.
68
faculdade de direito de bauru
direito interno que o “materialize” e lhe dê aplicabilidade doméstica. Nenhuma das
Constituições brasileiras jamais trouxe, taxativamente, dispositivo expresso determinando esse procedimento de promulgação de tratados.
Para alguns autores, como FRANCISCO REZEK, o decreto de promulgação é tãosomente produto da praxe, tão antiga quanto a independência e os primeiros exercícios convencionais do Império.14 Cuida-se de um decreto, tão somente porque os
atos do chefe de Estado costumam ter esse nome, e por mais nenhum outro motivo. Outros entendem, entretanto, que a promulgação de tratados internacionais decorre do comando constitucional do art. 84, que diz competir privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução (inc. IV ), emprestando-se ao vocábulo lei sentido mais amplo, de forma a entendê-lo como fonte positiva do direito. É a posição de MIRTÔ FRAGA, para quem as Constituições brasileiras, quando se referem à promulgação de lei, fazem-no dando ao vocábulo sentido amplo, que, em
alguns casos, não se completa com a sanção presidencial. Cita a autora o § 6.º do art.
59 da Carta revogada onde se expressava que “nos casos do artigo 44, após a aprovação final, a lei será promulgada pelo Presidente do Senado Federal”, concluindo
que, referindo-se o art. 44 à matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional e não comportando sanção ou veto, é porque, em conseqüência, não se trata de
lei em sentido estrito.15
Não entendemos dessa forma. A Constituição de 1988 diz competir privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis (art.
84, IV ), não se referindo aos tratados celebrados pelo Brasil. E se a Carta silenciou
a respeito, é porque achou desnecessária a promulgação interna do compromisso
internacional que, tecnicamente, já começou a vigorar no País – estando já em vigor
no plano internacional – desde a troca ou depósito dos instrumentos de ratificação.
Seria um contrasenso admitir que um Estado seja obrigado a executar um tratado
no cenário internacional, desde a sua ratificação, e que esse mesmo tratado não possa ser aplicado internamente por faltar-lhe a promulgação executiva.
O próprio governo brasileiro, aliás, tem entendido dessa forma quando, nos
considerandos que têm precedido os decretos de promulgação de tratados, já faz
constar a data em que o instrumento internacional entrou em vigência no Brasil, entendendo-se como tal a data da troca ou depósito dos instrumentos de ratificação.16
14 JOSÉ FRANCISCO REZEK. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984, pp. 385-386.
15 Cf. MIRTÔ FRAGA. Op. cit., p. 63.
16 Por exemplo, o Decreto n.º 2.085, de 17 de dezembro de 1996, que promulgou o Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual, concluído em Buenos Aires, aos 05 de agosto de 1994: “Considerando que o Governo brasileiro depositou a Carta de Ratificação do instrumento em epígrafe em 7 de maio de
1996, passando o mesmo a vigorar para o Brasil em 6 de junho de 1996, na forma de seu artigo 16” (DOU, de
28.12.96, p. 27.299); e o Decreto n.º 1.925, de 10 de junho de 1996, que promulgou a Convenção Interamericana
Revista do instituto de pesquisas e estudos
69
Isto tudo somado, demonstra que até o Governo considera que o tratado internacional entra em vigor antes de sua promulgação, exatamente na data da troca ou do
depósito dos instrumentos de ratificação.
De qualquer forma, e abstraindo-se as várias críticas à sua desnecessidade,
a promulgação executiva tem por finalidade atestar que o ato internacional já
existe e que foram cumpridas todas as formalidades internas para sua celebração. Indica, ademais que o compromisso internacionalmente firmado já é juridicamente exigível, obrigando a todos sua observância. Mas, para que a norma jurídica se considere efetivamente promulgada é indispensável sua publicação,
dando conhecimento à população de sua existência. De sorte que, como só é
obrigatória a norma que se conhece (e a publicação faz presumir este conhecimento), o tratado aprovado somente será obrigatório à partir da inserção da
norma promulgada no Diário oficial da União, contendo em apenso o texto do
tratado. Com a publicação do tratado, busca-se, assim, dar publicidade de seu
conteúdo a todos os nacionais do País, e fixar seu início de vigência. Quando silentes a este último propósito, fazem operar o comando do art. 1.º da Lei de Introdução do Código Civil, que dá quarenta e cinco dias de prazo para o início
desta vigência.
O decreto executivo, assinado pelo Presidente da República, é ainda referendado pelo Ministro das Relações Exteriores, e acompanhado de cópia do texto do
ato. A partir de então, tem o tratado plena vigência na ordem interna, devendo, por
isso, ser obedecido tanto pelos particulares, como pelos governantes e também pelos juízes e tribunais nacionais.
3.
OS “TRATADOS-CONTRATO” E OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
INTERNACIONAIS
Uma vez integrados na ordem jurídica interna, por meio da promulgação e
publicação, os tratados internacionais passam a ter a potencialidade de revogar as
disposições legislativas contrárias e de se sobrepor a toda e qualquer normatividade
futura conflitante. Mas para que tenham esse poder, como se viu, devem ter sido
aprovados pelo Congresso Nacional, ratificados pelo Presidente da República, promulgados e publicados. Outros atos internacionais que não se revestem da qualidade de “tratados”, a exemplo dos contratos administrativos internacionais, não terão
este vigor na ordem jurídica interna. Para bem diferenciar tais institutos, mister, então, analisar as características intrínsecas de cada um deles.
sobre Prova e Informação acerca do Direito Estrangeiro, concluída em Montevidéu, Uruguai, aos 08 de maio de
1979: “Considerando que o Governo brasileiro depositou a carta de ratificação do instrumento multilateral em epígrafe, em 27 de novembro de 1995, passando o mesmo a vigorar para o Brasil, em 26 de dezembro de 1995, na
forma de seu artigo 15” (DOU, de 11.06.96, p. 10.235).
70
faculdade de direito de bauru
Os tratados internacionais, conforme a sua natureza jurídica, ou seja, quanto
ao seu objeto, são comumente classificados em tratados-lei (também chamados de
tratados-normativos) e tratados-contrato.17
Os tratados-lei ou law-making treaties, geralmente celebrados por grande
número de Estados, têm por objetivo fixar normas gerais e abstratas de Direito Internacional Público podendo ser comparados a verdadeiras leis. Neles, dá-se a criação de uma regra objetiva de Direito Internacional, pela vontade conforme (paralela) das partes, de aplicação geral aos casos pelo acordo estipulados. As partes assumem o compromisso de cumprir todo o acordado, de forma simultânea, o fazendo
em homenagem à regra pacta sunt servanda. Tais tratados dirigem-se, pois, a uma
finalidade comum dos co-pactuantes, a ser alcançada pela igual conduta de todas as
partes. Não são obrigatórios senão para os Estados que os celebraram. São, via de
regra, tratados multilaterais, com possibilidade de ingresso de outros Estados que
não participaram do seu processo de conclusão.
Nos tratados-contrato, ao revés, as vontades das partes são divergentes, não
surgindo, assim, a criação de uma regra geral e abstrata de Direito Internacional,
mas a estipulação recíproca e concreta das respectivas prestações e contraprestações individuais com fim comum. Cada uma das partes, neste caso, tem em mira justamente aquilo que de bom pode lhe dar a outra. Consubstanciam-se, pois, na realização de uma operação jurídica concreta, um verdadeiro contrato internacional,
que se exaure com o cumprimento da respectiva obrigação. Têm eles por finalidade
regular os interesses recíprocos dos Estados, de modo concreto. Resultam, pois, de
concessões mútuas dos Estados, de troca de vontades com fins diversos, e têm aparência de contratos. A diferença entre tais obrigações contratuais e aquelas de direito interno residem tão-somente no fato de que, nas primeiras, os contratantes são
Estados soberanos. São, por isso, via de regra, acordos bilaterais de efeitos essencialmente subjetivos.
São exemplos de tratados-contrato, entre outros, os de transferência de tecnologia ou de material militar sob condição de determinadas ações militares, os que
instituem mecanismos de compensações no balanço de pagamentos etc.18
Não se confundem os tratados-contrato com os chamados contratos administrativos internacionais (State contracts), regidos pelo direito interno de uma das
partes e celebrado pelo Estado com particulares, fixando normas individuais e concretas a serem respeitadas pelas partes reciprocamente. A diferença está em que os
tratados-contrato são regidos pelo direito internacional e celebrados pelo Estado
com outros sujeitos de direito internacional, ao passo que os contratos administra17 Sobre as diversas classificações dos tratados internacionais, vide VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, Tratados internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, pp. 31-37.
18 Cf. GUIDO FERNANDO SILVA SOARES. “Os acordos administrativos e sua validade no Brasil”, in Revista Forense, Rio de
Janeiro, vol. 272, p. 60-61.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
71
tivos internacionais são regidos pelo direito interno de uma das partes (ou de um
Estado escolhido de comum acordo pelas partes) e celebrados por um Estado tendo no outro polo da relação um particular (pessoa física ou jurídica). Contudo,
como anota GUIDO SOARES, mesmo a interveniência de um particular numa relação
contratual com um Estado, ou a fortiori entre Estados, não afasta por completo a
necessidade da invocação virtual das normas do direito internacional público, “exatamente porque uma das partes é um Estado, conforme precedentes fixados em arbitragens internacionais ou da elaboração de normas que não se despregam totalmente daquelas”.19
Tais acordos são utilizáveis, por exemplo, em caso de venda de mercadorias,
de armamentos ou empréstimo de propriedades, quando terceiros não submetidos
às regras do direito internacional público estão intimamente ligados com a transação. Inobstante tais acordos serem aparentemente “internacionais”, não são regidos
pelo direito internacional, mas por algum direito nacional ou doméstico.20
Por esse motivo é que os State contracts não se incluem na roupagem de “tratados internacionais” (treaties), com o que estaria o governo brasileiro autorizado a
celebrá-los sem a prévia manifestação do Congresso Nacional, devendo tão-somente obedecer às regras legais (lato sensu) de contratação com particulares (estrangeiros), exatamente por não se incluírem na expressão “atos internacionais” constante
do art. 49, I, da Constituição Federal (significando espécie que o Executivo só pode
ratificar após o referendo conjunto das duas Casas do Congresso nacional), dirigida
notadamente aos chamados “acordos executivos” ou àqueles instrumentos internacionais que, por qualquer motivo, não receberam a denominação de “tratados”.21
4.
O SENADO FEDERAL E O PROBLEMA DAS OPERAÇÕES EXTERNAS
DE NATUREZA FINANCEIRA
Existem, pois, certas figuras de Direito Internacional que não se revestem da
roupagem de “tratados internacionais”, a exemplo dos contratos administrativos internacionais (ou State contracts), celebrados pelo Estado com um particular (pessoa física ou jurídica) e regidos pelo direito interno de uma das partes (ou de um
Estado escolhido pela vontade comum das partes). Tal constatação já seria suficiente para autorizar o governo brasileiro celebrar tais acordos sem a prévia manifestação do Congresso Nacional, devendo tão-somente obedecer às regras legais (lato
sensu) de contratação com particulares (estrangeiros). Mas a Constituição brasileira
de 1988, resolveu estabelecer regra expressa a respeito, e o fez incluindo-a dentro
do rol de competências do Senado Federal.
19 GUIDO FERNANDO SILVA SOARES. Idem, p. 61.
20 Cf. GUIDO FERNANDO SILVA SOARES. Idem, ibidem.
21 Cf. SAULO JOSÉ CASALI BAHIA. Tratados internacionais no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 04.
72
faculdade de direito de bauru
A regra atual, no que tange às “operações externas de natureza financeira, de
interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios”, as quais reclamam autorização do Senado, encontra-se no art. 52, inc. V, da
Constituição. Tal dispositivo diz, pois, respeito aos contratos administrativos internacionais, assinados diretamente pela União, pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.22
Dúvidas surgiram acerca do alcance deste dispositivo, bem como se tais acordos internacionais estariam dispensados da aprovação ad referendum do Congresso Nacional, tendo em vista que a Constituição diz competir exclusivamente ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais “que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”
(art. 49, I). É o que passaremos a analisar neste momento.
Pois bem, a Constituição brasileira de 1988, inovando em relação às Cartas anteriores, estabeleceu a seguinte regra em relação à matéria:
Artigo. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
(…)
V – autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e
dos Municípios;
A regra – diz o Prof. Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros –
é inovadora com relação às Constituições anteriores, no que tange à inclusão das operações financeiras externas da União e dos
Territórios, entre as que precisam ser autorizadas pelo Senado,
pois a Carta de 1969 exigia apenas que os empréstimos, operações
ou acordos externos, de qualquer natureza, de interesse dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios fossem autorizados pelo
Senado (art. 42, IV).23
22 Cf. nesse sentido: GUIDO FERNANDO SILVA SOARES, “Os acordos administrativos e sua validade no Brasil”, in Revista
Forense, vol. 272, cit., pp. 61-62; CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO, Direito constitucional internacional: uma introdução, 2.ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 321; e SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, Tratados internacionais no direito
brasileiro, cit., p. 04.
23 A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. O poder de celebrar tratados: competência dos poderes constituídos para a celebração de tratados, à luz do direito internacional, do direito comparado e do direito constitucional brasileiro.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995, p. 397. Sobre o assunto, vide também A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS, “Natureza jurídica e eficácia das Cartas de Intenções ao FMI”, in Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Brasília, n.º 75/76, p. 51-72, jul./dez. 1991.
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Esta é, pois, a regra geral. Toda operação externa de natureza financeira a ser
levada a efeito por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios
(hoje não mais existentes) e dos Municípios depende de prévia autorização do Senado Federal. E mais: ao se referir às “operações externas de natureza financeira de
interesse da União, dos Estados” etc., a Constituição também pretendeu englobar,
na exigência de submissão prévia ao Senado Federal de tais operações, os entes da
administração indireta ou descentralizada de todas as entidades da federação.24
A origem histórica do dispositivo liga-se ao fato de que, à égide da Carta de 1969
o Executivo, celebrando discricionariamente contratos e acordos com bancos e entidades estrangeiras, acabou por agravar sobremaneira a dívida externa brasileira. O Senado
não havia, à época, competência para autorizar tais operações externas, o que só veio
ocorrer com a Carta de 1988 que, corrigindo o problema, lhe atribuiu esse poder.25
O que ocorre é que a Carta de 1969 não submetia à aprovação do Parlamento, como faz a Constituição de 1988, os acordos ou atos internacionais que “acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. Dúvidas, então,
surgiram acerca da abrangência de ambos os dispositivos (art. 49, I e art. 52, V ).
O Regimento Interno do Senado Federal, seguindo a trilha da atual Constituição Federal, assim dispõe:
Artigo 389. O Senado apreciará pedido de autorização para operações externas, de natureza financeira, de interesse da União,
dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios
(Constituição, art. 52, V) ….
Artigo 391. Qualquer modificação nos compromissos originariamente assumidos dependerá de nova autorização do Senado.
Artigo 392. O disposto nos artigos anteriores aplicar-se-á, também,
aos casos de aval da União, Estado, Distrito Federal ou Município,
para a contratação de empréstimo externo por entidade autárquica subordinada ao Governo Federal, Estadual ou Municipal.26
24 Cf. a esse respeito, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, Comentários à Constituição brasileira de 1988, vol. 1, 2.ª
ed. atual. e reformulada. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 313.
25 Cf. A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. O poder de celebrar tratados…, cit., p. 398.
26 Como destaca o Prof. CACHAPUZ DE MEDEIROS: “O Senado Federal também regulamentou a sua própria competência privativa, prevista no artigo 52 da Constituição, através de várias resoluções, dentre as quais cabe destacar: a Resolução n.º 96, de 15 de dezembro de 1989, dispondo sobre limites globais para as operações de crédito externo e
interno da União, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público Federal e estabelecendo limites e condições para a concessão da garantia da União em operações de crédito externo e interno; a Resolução
n.º 82, de 18 de dezembro de 1990, estabelecendo condições para a renegociação da dívida externa brasileira; a Resolução n.º 50, de 16 de junho de 1993, dispondo sobre as operações de financiamento externo com recursos orçamentários da União; e a Resolução n.º 11, de 31 de janeiro de 1994, dispondo sobre as operações de crédito interno e externo dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas autarquias, inclusive concessão de garantias, seus limites e condições de autorização” (Op. cit., p. 400).
74
faculdade de direito de bauru
Assim, necessário se faz demonstrar a diferença existente entre a competência exclusiva do Congresso para resolver definitivamente sobre “tratados, acordos
ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” (art. 49, I), e as “operações externas de natureza financeira” a que
faz referência o art. 52, V, exigindo sejam elas autorizadas tão-somente pelo Senado
Federal.
A análise da questão responderá a indagação de se saber da obrigatoriedade
ou não de serem tais operações submetidas ao referendum do Congresso Nacional.
Primeiramente, é necessário atentar para o que diz o texto constitucional: o
art. 49, I, da Constituição de 1988 faz referência aos “tratados”, “acordos” ou “atos
internacionais”; e o art. 84, VIII, faz referência aos “tratados”, “convenções” e “atos
internacionais”. As dúvidas surgem, notadamente, com relação a esta última expressão referida em ambos os dispositivos constitucionais (“atos internacionais”), descartando-se facilmente, do objeto da análise, os tratados, convenções e acordos internacionais citados no texto constitucional. É dizer: as operações externas de natureza financeira poderiam enquadrar-se na categoria dos “atos internacionais”, ficando, por tal motivo, dependentes também da aprovação prévia do nosso Parlamento
Federal. É necessário, pois, verificar a abrangência da expressão “atos internacionais”, de que tratam os arts. 49, I, e 84, VIII, todos da Carta de 1988.
Quando a Constituição de 1988, no art. 84, VIII, faz referência aos “atos internacionais”, cuja competência para celebração ad referendum do Congresso é do
Presidente da República, o faz como sinônimo de acordo internacional. E tal expressão, também constante do art. 49, I, da Constituição Federal – que trata da competência exclusiva do Congresso Nacional em decidir definitivamente sobre quaisquer tipos de tratados internacionais –, foi colocada na Constituição como querendo significar espécie de ato jurídico que o Executivo só pode ratificar após o referendo conjunto das duas Casas do nosso Parlamento Federal, notadamente dirigida
àqueles instrumentos que, por qualquer motivo, não receberam a denominação
própria de “tratados”.
Jamais se entendeu, salvo algumas opiniões doutrinárias, que o acréscimo da
expressão atos internacionais aos tratados e convenções, efetuado, primeiramente, pelo texto da Constituição de 1967, e mantido pelas posteriores, representaria a
obrigatoriedade da submissão ao Congresso Nacional de quaisquer atos que não fossem tratados ou acordos internacionais.27 Daí a conclusão do Prof. CACHAPUZ DE MEDEIROS, no sentido de que o art. 49, I, da Constituição, confere competência ao Congresso para resolver definitivamente sobre “tratados internacionais” (e não sobre
contratos administrativos internacionais), dando ênfase, entretanto, aos que acarretarem encargos, gravames ou ônus financeiros para o patrimônio nacional.28
27 A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Idem, p. 398.
28 A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Idem, ibidem.
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O art. 52, inc. V, ao seu turno, estabelece que quaisquer contratos ou transações de natureza financeira empreendidas pelo Governo Federal, pelos Governos
Estaduais, do Distrito Federal, dos Territórios (hoje não mais existentes) ou Municípios, inclusive entes da administração indireta ou descentralizada, objetivando o levantamento ou o suprimento de numerário no exterior, junto a instituições estrangeiras, públicas ou privadas, ou internacionais, devem ficar sujeitos à autorização do
Senado Federal tão-somente.29
Como bem lembra CACHAPUZ DE MEDEIROS, o art. 52 deixa bem sublinhado o
controle do Senado sobre as operações financeiras externas, prescrevendo competir também à Câmara Alta, privativamente: dispor sobre limites globais e condições
para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo
Poder Público Federal (art. 52, VII); e, dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno (art. 52,
VIII).30
O que o art. 52, inc. V, da Constituição de 1988 fez, foi impor um limite à atuação do Executivo, impedindo-o, pois, de efetuar, discricionariamente, operações externas de natureza financeira capazes de comprometer a União em sua capacidade
de pagamento.
A Constituição, aparentemente, parece não dirimir as dúvidas existentes acerca da abrangência dos seus arts. 49, inc. I, e 52, inc. V.
Em 1991 – lembra-nos novamente o Prof. CACHAPUZ –, quando o Senado apreciou pedido de autorização para a União celebrar operação de natureza financeira,
destinada a regularizar os juros devidos e não pagos, em 1989 e 1990, aos bancos comerciais privados, o senador RUY BACELAR manifestou opinião de que a repactuação
da dívida externa deveria passar por duas instâncias: primeiro, ser submetida ao Senado Federal, para que este fixe parâmetros e autorize a formalização das operações; segundo, ser enviada ao Congresso Nacional, para que este aprove os instrumentos internacionais firmados em nome do País.31
Mas, a Comissão de Assuntos Econômicos, sufragando o voto do relator da
matéria, o senador RONAN TITO, autorizou a operação solicitada pelo Executivo, tendo o plenário deliberado da mesma forma, autorizando a operação pela Resolução
n.º 20, de 21 de junho de 1991.32
Mas, a Comissão de Assuntos Econômicos, sufragando o voto do relator da
matéria, o senador RONAN TITO, autorizou a operação solicitada pelo Executivo, tendo o plenário deliberado da mesma forma, autorizando a operação pela Resolução
29 A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Idem, ibidem.
30 A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Idem, ibidem.
31 A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Idem, p. 399.
32 Cf. A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS, Idem, ibidem.
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faculdade de direito de bauru
n.º 20, de 21 de junho de 1991. O então Ministro da Fazenda, GUSTAVO KRAUSE, em
depoimento à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, no dia 26 de novembro de 1992, declarou:
(…) permitam-me registrar a sabedoria do legislador constituinte
quando fez inscrever, dentre as competências privativas do Senado Federal, a prerrogativa de autorizar operações externas de natureza financeira. Com efeito, o legislador constituinte instaurou
nova fase entre os Poderes da República, fase esta em que as operações externas que afetam o Erário se sujeitam não somente à diligência do Executivo, mas também ao zeloso crivo desta Casa, o
que confere saudável transparência aos negócios públicos.33
Um dos problemas mais discutidos, entretanto, diz respeito às operações de
crédito externo de interesse da União, junto ao Fundo Monetário Internacional –
FMI. Trata-se de uma organização vinculada às Nações Unidas, que iniciou sua existência aos 27.12.1945, quando 29 países firmaram o Convênio Constitutivo do FMI
(a carta orgânica da instituição), criado por força da Conferência de Breton Woods,
celebrada de 1.º a 22 de julho de 1944, destinada a promover a cooperação internacional nos campos monetário e comercial, garantindo a estabilidade do câmbio e minimizando o desequilíbrio das balanças internacionais de pagamento. Suas operações financeiras iniciaram-se em 1.º de março de 1947. Atualmente o Fundo já conta com 183 países-membros.34
Desde 1992, tramita no Senado Federal um projeto de Resolução disciplinando a aprovação das operações externas de natureza financeira com o FMI, proposto
pelo senador José Eduardo, na conclusão do parecer que emitiu na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania, como relator da Indicação n.º 03, de 1991. Essa indicação, como destaca CACHAPUZ DE MEDEIROS, partiu do senador JUTAHY MAGALHÃES e
tinha por objetivo proclamar que qualquer instrumento que crie obrigações para o
País em face do Fundo Monetário Internacional precisa ser submetido à prévia aprovação do Congresso Nacional. Para JUTAHY MAGALHÃES os instrumentos que criam
obrigações junto ao FMI, são, pois, atos internacionais que acarretam encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional, devendo, portanto, ser aprovados
pelo Congresso Nacional.35
Para o relator da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, senador JOSÉ
EDUARDO, tal interpretação seria “muito abrangente”; para ele, o negócio jurídico en33 Cf. A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS, Idem, ibidem.
34 Vide, a respeito, DAVID D. DRISCOLL, ¿Qué es el Fondo Monetario Internacional?, Trad. ROBERTO DONADI, Washington: International Monetary Fund, Publication Services, 1998.
35 Cf. A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Idem, p. 400-401.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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volvendo a liberação de crédito stand-by junto ao Fundo Monetário Internacional,
iniciado com o envio de Carta de Intenções, seria uma operação de crédito externo
de interesse da União, devendo, portanto, apenas sujeitar-se à aprovação do Senado
Federal, nos termos do art. 52, inc. V, da Constituição. Entretanto, sugeriu que quando chegar ao Senado um pedido de autorização do Executivo para efetivar operação
dessa natureza, deve ser ouvida a comissão de Constituição, Justiça e Cidadania,
para que esta determine se o ato pode ser considerado como gravoso ao patrimônio nacional, caso em que será encaminhado à aprovação do congresso Nacional,
nos termos do art. 49, I, da Carta da República. Seu parecer – como informa CACHA36
PUZ DE MEDEIROS – foi aprovado por unanimidade.
O senador JONAS PINHEIRO, relator da Comissão de Assuntos Econômicos, também opinou a favor da competência do Senado Federal de autorizar as operações
externas de natureza financeira junto ao Fundo Monetário Internacional, discordando, contudo, quanto à possibilidade do Senado decidir se determinado instrumento é ou não gravoso ao patrimônio nacional, enviando-o ao Congresso Nacional em
caso afirmativo:
Os acordos internacionais fogem, obviamente, à competência privativa do Senado Federal e, como dito, são da competência exclusiva do Congresso Nacional, quando considerados gravosos ao patrimônio da Nação. Assim, os acordos internacionais e as operações de crédito neles inseridas demarcam, respectivamente, espaços próprios de competências do Senado Federal e do Congresso
Nacional, que devem ser exercidas em sua plenitude. Não há, assim, por que sujeitar o exercício de uma ao de outra.37
Apresentou substitutivo ao Projeto de Resolução n.º 44, de 1993, aprovado
pela Comissão, e pelo plenário do Senado na sessão de 10 de agosto de 1993, mas
que recebeu emenda do senador HYDECKEL DE FREITAS, propondo a inclusão do seguinte parágrafo:
“§ 5.º Em qualquer hipótese será ouvida a Comissão de Constituição, Justiça
e Cidadania quanto aos aspectos jurídicos da operação e, notadamente, no que diz
respeito à eventual caracterização de ato gravoso ao patrimônio nacional (art. 49, I,
da constituição Federal).”
Em 18 de novembro de 1993 – como informa CACHAPUZ DE MEDEIROS –, a matéria estava pronta para ser incluída na pauta da Comissão.38 Até o momento esta é
a última informação que se tem sobre o referido Projeto de Resolução.
36 Cf. A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Idem, p. 401.
37 Cf. A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Idem, p. 401-402.
38 Vide, por tudo, A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS, Idem, p. 401.
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faculdade de direito de bauru
Os acordos firmados pelo Estado brasileiro junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), e a processualística adotada por este órgão para aprovação de um
stand-by arrangement, aparenta-se grandemente com a celebração de tratados por
meio de notas reversais ou troca de notas, “quando os pactuantes desdobram o
acordo de vontades em textos produzidos em momentos diversos, cada um deles
firmado em nome de uma das partes apenas”.39
O Estado-membro, para a celebração deste tipo de acordo com o FMI, através
de uma “carta de intenções” minuciosa, em que explica as políticas a serem adotadas internamente com o fim de resolver suas dificuldades econômicas, solicita ao
Fundo acesso aos seus recursos financeiros, e este, analisando a referida carta, “decide aprovar o crédito solicitado, sob certas condições, comunicando sua deliberação ao Estado, que fica autorizado a iniciar os saques programados”.40
Sem embargo da existência da troca de manifestações de vontade, em momentos distintos, é certo, mas perfeitamente conectadas entre si, o Fundo, a quem
incumbe a responsabilidade de estabelecer as garantias adequadas para a utilização
de seus recursos gerais, “optou por não qualificar os stand-by arrangements como
acordos internacionais”.41
Os intérpretes da organização – explica-nos CACHAPUZ DE MEDEIROS – demonstrando bom senso e sabedoria, admitem que o abandono das intenções pelo Estado pode vir a ser conseqüência de fatos imprevisíveis ou incontroláveis e, por isso,
o programa expresso na carta não deve adquirir caráter jurídico. De sorte que,
uma vez inexistindo o animus contrahendi, através do qual se estabelece um vínculo obrigacional juridicamente válido, isto é, uma vez inexistindo a verdadeira vontade de obrigar-se juridicamente, em razão disso, “não é possível qualificar o standby arrangement como tratado internacional”.42
Pode-se concluir, dessa forma, que estando desprovidos de caráter jurídico, e
não sendo considerados como tratados internacionais – mesmo porque não são levados a registro no Secretariado das Nações Unidas, como exige o art. 102 da Carta
da ONU, e também porque a eles não se aplicam as regras de interpretação dos tratados –, os stand-by arrangements, ou as “cartas de intenções” que deles fazem parte, estão dispensados da prévia aprovação legislativa levada a efeito pelo Congresso
Nacional. Muitos já se insurgiram contra esta tese, defendendo que a Constituição
Federal não se refere somente a tratados, mas também aos acordos e atos interna39 A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Idem, p. 403. Para uma visão panorâmica sobre os debates produzidos à égide da
Constituição anterior, vide A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS, O Poder Legislativo e os tratados internacionais, Porto Alegre: L&PM Editores, 1983, em especial o seu Apêndice (“O Congresso Nacional e os acordos do Brasil com o FMI e
consórcios de Bancos privados estrangeiros”), às p. 177-193.
40 A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. O poder de celebrar tratados, cit., p. 404.
41 A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Idem, ibidem.
42 A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Idem, ibidem.
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cionalmente celebrados, estabelecendo que todos aqueles “que acarretem encargos
ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” devem ser submetidos à prévia
e autorizativa apreciação do Congresso Nacional. Segundo este entendimento, a
apreciação da matéria pelo Senado Federal não excluiria a manifestação do Congresso Nacional sobre ela, posto que o referido acordo ou negócio jurídico não se configura estritamente como uma mera operação externa de natureza financeira, sem
qualquer repercussão para o patrimônio nacional.
Entre os que defendem esse ponto de vista, está o Prof. CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO, cuja posição, em virtude do disposto no art. 49, inc. I da Constituição,
se prende aos seguintes argumentos: a) a participação da Câmara
dos Deputados, que é o órgão de representação popular; b) as cartas de intenções são muito mais amplas nos seus efeitos do que
uma simples operação de crédito, vez que nelas os Estados se obrigam a cumprir uma política econômica que tem repercussão em
vários setores, principalmente o social, como o arrocho salarial,
etc”,
concluindo que são “sempre as classes menos favorecidas que têm os ônus da
política estabelecida pelo FMI.43
Neste exato sentido estava a redação do art. 174, inc. II, da Comissão Afonso
Arinos, nomeada pelo então Presidente da República JOSÉ SARNEY para elaborar um
anteprojeto de constituição, em 1986, que assim estabelecia:
Art. 174. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
(…)
II – autorizar e aprovar empréstimos, operações, acordos e obrigações externas, de qualquer natureza, contraídas ou garantidas
pela União, pelos Estados, pelo distrito Federal e pelos municípios,
pelas entidades de sua administração indireta ou sociedades sob o
seu controle, os quais só vigorarão a partir da data do decreto legislativo de sua aprovação.
Tecnicamente, os acordos que consubstanciam as operações externas de natureza financeira firmadas diretamente pela União, pelos Estados, Distrito Federal e
Municípios, não se revestem da natureza de “tratados internacionais” e não pertencem à categoria dos “atos internacionais” a que a Constituição de 1988 faz referência. Apesar de ser o Fundo Monetário Internacional uma Organização Internacional,
43 CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO. Direito constitucional internacional: uma introdução, cit., p. 302.
80
faculdade de direito de bauru
os acordos firmados com os Estados que lhe solicitam linhas de crédito, não são tratados e, como tal, dispensam a referendo do Congresso Nacional. Por tal motivo é
que, palavras do Prof. GUIDO FERNANDO SILVA SOARES, o inc. V do art. 52 retirou dos aludidos contratos a natureza de tratados internacionais. Nas suas palavras: “Because
they are not treaties, and because their nature under the Constitution has not been
challenged, these contracts do not fall within the categories of the treaty-making
process”.44
Para SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, talvez a melhor solução
consista em admitir a possibilidade da celebração das operações
externas nos moldes preconizados no inciso V do artigo 52 da Carta Magna (sem a oitiva da Câmara dos Deputados) somente nos
casos em que as operações não extrapolem o âmbito financeiro.
Caso descambem para compromissos em outras áreas (realizar
políticas econômicas, sociais ou de qualquer outra ordem, internas ou externas, em certo sentido, tal como certos acordos com o
Fundo Monetário Internacional), deve-se considerar o tratado
como estranho ao permissivo do artigo 52, V, da Constituição Federal, e submetê-lo à prévia e regular aprovação das duas Casas do
Congresso Nacional, tal como ocorre em face dos tratados em geral. Afinal de contas, estar-se-ia diante dos ‘encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional’ de que trata o artigo 49,
I, da Carta Magna.45
O que não há de se falar, por absoluta quebra da letra do texto constitucional,
e isto sim parece ser um ponto bastante relevante, é que um stand-by arrangements entre o Brasil e o FMI prescinde da autorização do Senado Federal, tendo em
44 GUIDO FERNANDO SILVA SOARES. “The treaty-making process under the 1988 Federal Constitution of Brazil”, in Chicago-Kent Law Review, vol. 67, n.º 2, p. 498. Esse mesmo internacionalista já lecionou, sobre o assunto, à égide da
Constituição: “Se comparadas com o art. 81, X [da Constituição de 1969, com a Emenda n.º 1; hoje art. 49, I, da
Constituição de 1988], do mesmo texto constitucional (competência privativa do Congresso Nacional de referendar os ‘tratados, acordos e atos internacionais’ celebrados pelo Presidente da República) as disposições do art. 42,
IV [hoje, art. 52, V, da Constituição de 1988], dizem respeito a contratos administrativos internacionais, assinados
diretamente pelos Estados-membros, Distrito Federal ou Municípios, tão-somente, pois os acordos administrativos
(Executive Agreements) são de competência da União. No caso daqueles assuntos mencionados no art. 42, VI [hoje,
art. 52, V], revestirem a forma de acordos administrativos (Executive Agreements) [tais “acordos administrativos”
não se confundem com os “contratos administrativos internacionais, como já se verificou], deverá o Poder Executivo Federal, que também é o chefe da Diplomacia, do Poder de representação Externa (do Poder Federativo, segundo LOCKE), consultar previamente o Senado Federal, antes de iniciar as negociações”. (“Os acordos administrativos e sua validade no Brasil”, cit., pp. 61-62).
45 SAULO JOSÉ CASALI BAHIA. Tratados internacionais no direito brasileiro, cit., p. 05.
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vista tratar-se de mero ato de execução do Convênio Constitutivo do Fundo Monetário Internacional, tratado este cujo texto foi regularmente aprovado pelo Parlamento, como parece ter sido a posição assumida pelo Executivo brasileiro em não
submeter ao Senado Federal, em 1990, certa carta de intenções destinada ao FMI.
O art. 52, V, da Constituição, frise-se, sequer remotamente, faz uma tal ressalva, no sentido de que prescinde de aprovação do Senado Federal um stand-by arrangement entre o governo brasileiro e o FMI tendo em vista o fato de ser este
mero “ato de execução” do Convênio Constitutivo do Fundo Monetário Internacional, regularmente aprovado pelo Congresso Nacional.
Frente a tal evidência, deve-se inferir com CACHAPUZ DE MEDEIROS, que “pretender que operações financeiras tão complexas e significativas, com tantos efeitos para
a economia da Nação, como um stand-by arrangement junto ao FMI, fiquem dispensadas da autorização do Senado, em virtude do Governo lhes atribuir liberalmente caráter executório, é conceder elasticidade de fato inexistente ao artigo 52,
inciso V, da Constituição Federal, que exige a autorização senatorial para as operações externas de natureza financeira de interesse da União, e não faz menção, sequer remotamente, à dispensa para operações de execução de tratados internacionais”. E o mesmo Prof. CACHAPUZ conclui com exatidão:
Se a Constituição não contemplou a possibilidade do Executivo ficar exonerado da obrigação de pedir a autorização do Senado
para operações financeiras que ocorram dentro do marco de tratado aprovado pelo Legislativo, e se o Congresso tampouco editou
regulamentação legal sobre a matéria, não cabe ao Executivo o
poder de subtrair da apreciação do Senado importantes operações
financeiras externas, somente em função de princípios doutrinários.46
Enfim, dar discricionariedade ao Executivo para decidir quando convém e
quando não convém remeter as operações financeiras firmadas pelo Brasil junto ao
FMI, ao Senado Federal, para que as autorize, significa passar por cima do texto
constitucional, que deu competência privativa ao Senado Federal para autorizar
quaisquer operações financeiras externas firmadas nesse âmbito.
5.
CONCLUSÃO
A autorização relativa às operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem
46 A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS. Op. cit., p. 407.
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como a competência para apreciar as cartas de intenções do governo brasileiro junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), cabe tão-somente ao Senado Federal,
dispensando-se a manifestação das duas Casas do nosso Parlamento Federal.
Além da regra do art. 52, inc. V, da Constituição de 1988 ser dirigida especificamente ao Senado Federal, sendo este mais rápido e melhor se adaptado à dinâmica das relações internacionais, os acordos empreendidos no âmbito do Fundo Monetário Internacional não são tratados internacionais. Por tal motivo é que fica dispensada a prévia manifestação das duas Casas do Congresso Nacional quanto aos
mesmos.
O que não se concebe é dar discricionariedade ao Poder Executivo para decidir quando convém e quando não convém remeter as operações financeiras firmadas pelo Brasil junto ao FMI, ao Senado Federal, para que este as autorize. Uma tal
atitude viola a Constituição, que, como já se falou, diz em regra expressa competir
privativamente ao Senado Federal autorizar quaisquer operações externas de natureza financeira firmadas nesse âmbito.
6.
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Lex mercatoria e autonomia da vontade
Ana Paula Martins Amaral
Mestre e doutoranda em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP, Professora de Direito Internacional Público e Privado da Instituição Toledo de Ensino.
1.
INTRODUÇÃO
A autonomia da vontade, princípio fundamental na realização dos contratos
internacionais, permite às partes a escolha da lei para reger a obrigação. A lex mercatoria, entendida como um novo direito surgido da comunidade de comerciantes
pode ser chamada, segundo alguns doutrinadores, a regular o contrato.
Através da autonomia da vontade as partes encontrariam na lex mercatoria
um veículo eficaz para regular suas negociações e governar seus negócios. Regras
específicas para cada situação vivida no comércio internacional, criadas pela própria
comunidade de comerciantes, seriam a resposta adequada para os novos desafios
do mundo globalizado.
1.1 Histórico
Antes de nos determos no estudo da nova lex mercatoria, é importante que
voltemos os olhos para sua história que, de certa forma, caminha lado a lado com o
comércio internacional.
Na antigüidade, o comércio estava ligado ao mar e ao direito marítimo. Fenícios, gregos, árabes, egípcios, romanos e uma infinidade de nações do mundo antigo se encontravam em feiras, caravanas e mercados, praticando o comércio, realizando trocas, celebrando contratos e fazendo circular riquezas.
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faculdade de direito de bauru
A civilização helenística, com as conquistas de Alexandre Magno, estendeu o
comércio além das fronteiras do mediterrâneo, abrangendo desde a Índia até o Egito. O governo estimulava o comércio e indústria, com o objetivo de aumentar as
rendas do Estado.
Posteriormente, com a queda do império romano, o comércio internacional
veio a conhecer sua decadência e, com a invasão dos bárbaros, por vários séculos
estaria restrito a trocas locais entre pessoas pertencentes a uma mesma vila ou uma
mesma região1.
Sobre esse período, com a Europa dividida e entregue à anarquia, inexistindo
um poder político capaz de manter a paz interna e a realização do direito, Irineu
Strenger ressalta que surgiriam as corporações de classe, entre elas as corporações
de mercadores, para a proteção e assistência dos comerciantes. “Cada corporação
formava um pequeno Estado, dotado de um poder legislativo e de um poder judiciário. Essas corporações participavam mediante seus representantes e oficiais nos
conselhos da Comuna, vigiavam sobre a guerra e sobre a paz, sobre represálias, formavam as próprias leis e estatutos e mediante jurisdição própria cuidavam da sua
observância.
Essas corporações possuíam patrimônio próprio, constituído pela contribuição dos associados e por taxas extraordinárias e pedágios. A magistratura formavase por meio de cônsules de comerciantes (consules mercatorium) eleitos pela sua
assembléia, possuindo funções políticas (defesa da honra e dignidade das corporações a que pertenciam, ajudar os chefes a manter a paz, etc.), funções executivas
(observar e fazer observar os estatutos, leis e usos mercantis, administrar o patrimônio, etc.) e funções judiciais, julgando as causas comerciais. Decidiam com a máxima brevidade, sem formalidade. Das sentenças nos casos mais graves, dava-se a apelação para outros comerciantes matriculados na corporação e aos sorteados aos
quais se atribuía o título de sobre consules.”2
Especificamente na Inglaterra feudal, ao criar e organizar uma feira, as cidades
também constituíam tribunais para solucionar conflitos entre os comerciantes, que
eram chamados de “pés poeirentos”, pedes pulvorosi ou pie powder, por atender
aos viajantes.
1 “Après l’effondrement de l”Empriere Romains, le commerce international connut, en Europe du moins, une
longue éclipse que comença avec les invasions Barbares et se prolongea jusquá Moyen-Age. Cette éclipse est révélatrice de l’importance du commerce international dans l’elaboration du droit commercial. C’est en effet parce que pendant plusieurs siècles le commerce s’est trouvé limité à des échanges locaux entre personnes appartenant à une même ville ou une même région, parce que les populations rurales ont vécu repliées sur elles-mêmes
dans un régime d’économie fermée, d’economie de manoir, que le droit commercial a été condamné á la stagnation est demeuré cantonné aux quelque règles régageé dans l’Antiguité. (Loussouam e Bredin Droit du commerce internacional, Paris: Sirey, 1969, p. 102, apud Irineu Strenger. Direito do comércio internacional e lex
mercatoria, São Paulo: Ltr, 1996. p. 57.)
2 Irineu Strenger, Direito do comércio internacional e lex mercatoria, São Paulo: Ltr, 1996. p. 58-59.
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Esses tribunais possuíam, segundo Jorge Parra,3 ampla competência, somente
excluindo problemas relativos à terra. Eram presididos por um comerciante da cidade e assistidos por mercadores. Tais tribunais caracterizavam-se pela sua celeridade
e dificilmente um litígio demorava mais de um dia para ser solucionado.
Os tribunais, ao julgarem litígios, não utilizavam a “Common Law” e sim a lex
mercatoria, entendida como o costume dos comerciantes, o direito dos contratos
aplicado independentemente da lei do lugar e da lei pessoal das partes que agiam
em pé de igualdade no processo.
Na Inglaterra, do séc. XV prevalecia a idéia de que os mercadores não são
obrigados pelas leis inglesas, mas devem ser julgados de acordo com a lei natural,
que alguns denominam lex mercatoria, que é universal no mundo”.4
Com a criação do Estado nacional, a lex mercatoria vai lentamente perdendo
lugar para as legislações nacionais, que de certa maneira vão incorporando os costumes dos comerciantes ao seu sistema jurídico.
A codificação do direito comercial trouxe, como conseqüência, o enfraquecimento do poder dos comerciantes de livremente estipularem suas regras de conduta, uma vez que os procedimentos estavam previstos nos Códigos nacionais.
No entanto, mesmo com a prevalência do Estado nacional, que sujeitava os
contraentes ao direito interno, o comércio internacional não perderia suas características. Segundo as regras elaboradas pela Escola Estatutária, a vontade continuaria
a ser elemento fundamental dos contratos mercantis. Se se tornou defeso às partes
a aplicação de uma lex mercatoria, a autonomia da vontade prevalecia, permitindo
às partes a escolha de um estatuto que regulasse os atos entre comerciantes nos
contratos internacionais.
Ensina Guido Fernando Silva Soares5 que, desde D’Argentre até a assombrosa
construção de Savigny, sempre foi ponto pacífico no direito internacional privado
que a vontade era elemento de conexão de maior relevância nos negócios internacionais, de tal forma que, em caso de ausência de escolha da lei aplicável, juízes e
árbitros buscavam a vontade presumivelmente eleita pelas partes.
A partir da segunda metade do século XIX, o direito do comércio internacional, progressivamente, viria a adquirir a fisionomia que possui hoje. Pode-se dizer
que, até a Primeira Guerra mundial, o direito do comércio internacional baseava-se
nas técnicas oferecidas pelo direito internacional clássico.
Após essa época, e, sobretudo, após a Segunda Guerra mundial, a situação seria sensivelmente transformada. As técnicas do direito do comércio internacional se
3 Jorge B. Parra, Princípios dos contratos internacionais, Dissertação Mestrado. USP, São Paulo: 1989. p. 239.
4 Sergio Le Pera, Common law y lex mercatoria., Buenos Aires: Astrea, 1988. p.14.
5 Guido Fernando Soares, Contratos internacionais de comércio: alguns aspectos normativos de compra e venda internacional. in Contratos nominados: doutrina e jurisprudência. Yussef Said Cahali 9 coord.) São Paulo: Saraiva., p.164.
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faculdade de direito de bauru
desenvolveram e se diversificaram. O desenvolvimento de usos, de contratos-tipo
do direito cooperativista, permitiu uma eclosão de regras do direito material, para a
qual a arbitragem comercial internacional e a jurisprudência interna contribuíram.
O direito do comércio internacional surgiria como uma disciplina bem assentada,
pois dispunha de um leque de técnicas mais aberto.6
1.3. Lex mercatoria: uma definição
A lex mercatoria seria um novo direito anacional, surgido no seio da comunidade dos comerciantes internacionais, formado por usos e costumes internacionais,
jurisprudência arbitral e contratos-tipo.
Para Berthold Goldman, a lex mercatoria seria um conjunto de princípios,
instituições e regras provenientes de diversas fontes, que nutre constantemente as
estruturas legais e a atividade específica da coletividade dos operadores do comércio internacional.
Para Cleive Schmitthoff, tratam-se de princípios comuns de leis relacionados aos
negócios comerciais internacionais, ou regras uniformes aceitas por todos os países.7
A lex mercatoria encontra como fonte a comunidade internacional de comércio, sendo uma ordem jurídica singular, autônoma e aplicável especificamente nos
negócios e transações internacionais.
Três correntes que tentam explicar a nova lex mercatoria: a) direito anacional ou ordem jurídica autônoma, criada espontaneamente pelos agentes do comércio internacional, cuja existência independe dos ordenamentos jurídicos estatais; b)
lex mercatoria seria uma alternativa para a ordem jurídica aplicável, por constituir
um corpo suficiente de regras jurídicas que permitem decidir um litígio entre agentes do comércio internacional; c) lex mercatoria se destinaria a complementar o direito nacional aplicável, constituindo-se numa consolidação dos usos e costumes do
comércio internacional.
Irineu Strenger define lex mercatoria como “um conjunto de procedimentos
que possibilita adequadas soluções para as expectativas do comércio internacional, sem
conexões necessárias com os sistemas nacionais e de forma juridicamente eficaz”.8
3.4. Fontes da lex mercatoria
Inúmeras são as fontes da lex mercatoria citadas pela doutrina. Dentre elas
se destacam os princípios gerais do direito, os usos e costumes comerciais internacionais, os contratos-tipo e a jurisprudência arbitral.
6 Loussouam e Bredin Droit du commerce International p. 21.
7 C. Schmitthoff “Nature and Evolution of the Transnational Law of Commercial Transactions” in The transnational
law of international commercial Transactions, Schmitthoff and Horn (ed. 1987) apud José Carlos Magalhães “Lex
mercatoria - Evolução e posição atual, RT 709, p. 43.
8 Irineu Strenger, Direito do comércio internacional e lex mercatoria. São Paulo: Ltr, 1996. p. 78.
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Os princípios gerais do direito, geralmente ligados às relações contratuais, como
o princípio da boa-fé, pacta sunt servanda, culpa in contrahendo, exceptio non adimplenti contractus, dever de limitar danos, entre outros. Tais princípios abrangem tanto
o direito interno quanto o internacional e são extraídos do estudo do direito comparado de diversos ordenamentos nacionais e do raciocínio abstrato dos árbitros.
Os usos comerciais derivam da adoção voluntária e repetida dos mesmos procedimentos por parte da generalidade dos operadores comerciais econômicos. Tais
conceitos não podem ser definidos com precisão e, na prática, são acolhidos com
certa elasticidade.
Os usos e costumes comerciais internacionais são considerados como uma
das mais importantes fontes da lex mercatoria, e a maioria das organizações representativas das comunidades comerciais dedicam-se ao trabalho de uniformizar os
procedimentos comerciais, elaborando ordenamentos, que incorporam com a mesma eficácia da normatividade formal, como é o caso, entre outros, dos Incoterms,
das Regras Uniformes sobre Garantias Contratuais e dos Créditos documentários.
Os contratos-tipo, ou standards, seriam regulamentações ou fórmulas de contratos, padronizadas, com inúmeros pontos em comum, somente se diferenciando
nas particularidades de cada ramo do comércio. Normalmente são elaborados por
organizações ou associações internacionais que buscam uniformizar a prática comercial. Como exemplo pode-se citar a London Corn Trade Association, que somente para o comércio de trigo fornece cerca de 60 contratos-tipo.
Finalmente, temos a jurisprudência arbitral, ambiente em que a lex mercatoria se
concretiza. De fato, estreita é a ligação entre lex mercatoria e a arbitragem. José Alexandre Tavares Guerreiro, com muita propriedade, expõe a questão: “A lex mercatoria
pressupõe a existência de uma comunidade de operadores do comércio internacional
que possui interesses próprios e que encontra na arbitragem comercial internacional o
mecanismo adequado para a aplicação de normas aptas a resolver as pendências instauradas quanto aos contratos celebrados, no âmbito dessa comunidade, pelas partes respectivas. A jurisprudência arbitral integra, por sua vez, o conteúdo da lex mercatoria, a
qual, mesmo sem constituir ordem ou sistema, tende a se institucionalizar, cada vez mais
superando a insuficiência do método de conflitos (de leis e de jurisdição) do direito internacional privado, para a disciplina dos contratos internacionais, já que o resultado da
aplicação desse método é exatamente a determinação de uma lei nacional, o que já não
mais se coaduna com as necessidades contemporâneas”.9
1.4. Conclusões
A idéia de se adotar a lex mercatoria como direito aplicável à regulamentação
do contrato internacional encontra inúmeras barreiras, como a ofensa à ordem pú-
9 J. A. T. Guerreiro, Fundamentos da arbitragem comercial internacional, Tese doutorado. USP São Paulo, 1989
90
faculdade de direito de bauru
blica dos Estados envolvidos na relação. Aceitar que um direito, se é que assim podemos chamá-la, advindo da comunidade dos comerciantes, seja chamado para reger um negócio jurídico, seria considerado contrário aos princípios essenciais do Estado, ferindo a ordem jurídica vigente.
A lex mercatoria pode ser aceita nas decisões arbitrais, mas tais decisões encontrariam problemas quando necessitassem ser homologadas para então produzirem efeitos jurídicos num determinado Estado.
A tese de que as decisões arbitrais não são dotadas de sanção, a não ser aquela advinda do poder estatal, não possuindo assim plena eficácia, é combatida pelos
defensores da lex mercatoria, que argumentam estar a comunidade internacional
munida de inúmeros meios para assegurar o cumprimento das sentenças sem recorrer ao poder estatal. Entre estes destacam-se as sanções pecuniárias, morais e privativas como fornecimento de caução para garantir as custas da arbitragem ou a execução da sentença, a publicidade da inexecução da sentença, a suspensão de qualidade ou o direito de membro, a interdição de utilizar no futuro as facilidades arbitrais do agrupamento e a interdição de acesso às bolsas ou mercados controlados
pela instituição arbitral.10
Os componentes da lex mercatoria poderiam ser aceitos como parte integrante dos contratos internacionais, mas não poderiam figurar como um novo direito. Seriam eles considerados apenas usos e costumes do comércio internacional,
que a exemplo dos Incoterms são utilizados nos contratos com base na autonomia
da vontade. São com isso aceitos pela justiça dos Estados, mas não se apresentam
como parte de um novo direito considerado supranacional.
A autonomia da vontade seria assim o acesso permitido aos usos e costumes
internacionais para figurarem nos contratos, mas não os validariam como “direito”
e sim como complemento do direito nacional aplicável ao caso concreto.
A lex mercatoria e sua controvertida definição colocam-se como importantes
pontos a serem analisados quando se estudam os contratos internacionais. Os Estados aceitarão sua existência e a elevarão ao nível de novo direito supranacional? Esta
é uma resposta que ainda não dispomos. O futuro pode nos reservar surpresas
como as decisões ocorridas na Corte de Cassação francesa, e em julgamentos realizados pela Suprema Corte da Áustria e pela London Court of Appeals11, que aceita-
10 Fouchard, Les usages, l’arbitre et le juge, in “Les droit de relations economiques”, p. 56, apud Strenger Direito
do comércio internacional e lex mercatoria. São Paulo: Ltr, 1996. p. 131.
11 Na década de 80 a Suprema Corte da Áustria reconheceu a viabilidade da lex mercatoria no caso Palback Ticaret Limited Sirkety (Turquia) v. Norslov S.A. (França), tendo o mesmo caso sido apresentado à Corte de Cassação
da França que julgou igualmente, reconheceu a mesma lex como aplicável. A London Court of Appeals julgou no
mesmo sentido, em 1987, o caso Deutsche Schachtbau und Tiefbohrgesellschaft m. b. h. (D.S.T.) v. Ras Al Khaimah
National Oil Co. (Rakoil) H.M.Huck, Sentença estrangeira e lex mercatoria: horizontes e fronteiras do comércio
internacional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 108
Revista do instituto de pesquisas e estudos
91
ram como válido um contrato fundado na lex mercatoria. Tais decisões são raras
mas nada impede que no futuro elas encontrem maior acolhida.
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A flexibilização da exigência do depósito
elisivo na lei falimentar
Robson Zanetti
Mestre e doutorando pela Universitè de Paris 1 (Panthéon – Sorbonne)
Especialista em direito Comercial pela Università Statale di Milano – Itália.
E-mail: [email protected]
A legislação falimentar brasileira, tomando como base o critério da impontualidade1 ( I ), considera o devedor que, após ter tido um título executivo não pago no
vencimento e protestado, falido, caso não faca o depósito elisivo no prazo de 24 horas2 para elidir sua declaração de falência ou então, não apresente nenhuma das razões relevantes de direito previstas no artigo 4° da lei falimentar para que seja evitada sua falência.
O devedor deve ter ampliado seu direito de defesa para poder expor a sua
situação econômica (II) diante da verificação se sua impontualidade. Atualmente a constacao da impontualidade do devedor é feita de forma extremamente
formal3, tomando-se como base sua disponibilidade imediata de caixa, deixandose assim, de ser avaliada sua capacidade de recuperação econômica.
Este critério formal faz com que muitas empresas que passam por uma dificuldade passageira, mas com capacidade de recuperação, venham a falir, impendindo-se, assim, a continuidade de suas atividades.
1 Art. 1° da Lei 7661/45.
2 Art 11 da Lei 7661/45.
3 V. ZANETTI, Robson. Direito falimentar. Curitiba: Editora Juruá, 2000 (a ser publicado).
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faculdade de direito de bauru
Nosso propósito neste artigo será o de demonstrar que o comerciante devedor deve ter a oportunidade de provar que, embora ele seja impontual, isto não significa necessariamente que ele seja insolvente e, assim, seu direito de defesa deve
ser ampliado.
I-
A IMPONTUALIDADE DO DEVEDOR COMERCIANTE COMO CAUSA
DA AÇÃO FALIMENTAR
O Decreto-Lei n° 7.661/45 regula o processo de falências e concordatas no
Brasil, estabelecendo em seu artigo 1 que:
Art. 1º. Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida constante de título que legitime a ação executiva (g.n.)
Assim, o primeiro passo para poder ser declarada a falência do devedor tem
como fonte geradora o título de crédito que deu causa a obrigação vencida e não
paga.
Para que este título possa ser utilizado para instruir o processo de falência deverá estar revestido de liquidez, certeza e exigibilidade (A).
Uma vez constatada esta liquidez, certeza e exigibilidade do título de crédito
que instruirá o pedido de falência do comerciante, o mesmo deverá obrigatoriamente ser protestado (B) a fim de constituir o devedor em mora.
A.
A existência de uma dívida líquida, certa e exigível
Segundo estabelece o Código de Processo Civil4:
Art. 586 - A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre
em título líquido, certo e exigível.
O Superior Tribunal de Justiça entende que os requisitos previstos no artigo
586 do CPC, quais sejam, os da liquidez5, certeza e exigibilidade, são necessários e
indispensáveis para a propositura da ação executiva6.
4 Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
5 Superior Tribunal de Justiça. Resp. n° 30516/MG, publicado no DJ em 10/06/96, p. 20330, tendo como Relator o
Exmo. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e como órgão julgador a 4a. Turma.
6 Superior Tribunal de Justiça. Resp. n° 188328/ES, publicado no DJ em 27/03/2000, p. 00110, tendo como Relator
o Exmo. Min. Sálvio de Figueiro Teixeira e como órgao julgador a 4a. Turma.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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A ausência de um destes requisitos: o da liquidez7, o da certeza8 e o da exigibilidade9, não da ensejo a ação executiva, vindo a criar um obstáculo para ser declarada a falência do comerciante.
Uma vez possuindo o título de crédito liquidez, certeza e exigibilidade, este
servirá para instruir o pedido de falência do devedor, mas desde que, uma outra
condição seja cumprida, qual seja, o do protesto do título de crédito.
B.
O protesto do título de crédito como forma de se comprovar a mora
do devedor
A legislação falimentar estabelece em seu artigo 10 que:
Art.10. Os títulos não sujeitos a protesto obrigatório devem ser protestados, para o fim da presente lei, nos cartórios de protesto de letras e títulos, onde haverá um livro especial para o seu registro.
O protesto do título de crédito que poderá servir para instruir a ação falimentar movida contra o devedor deverá atender os requisitos legais para que comprove
sua mora, caso contrário, embora o título seja líquido, certo e exigível, a falência do
comerciante não poderá ser declarada pela falta de não ter sido comprovada sua
mora.
Como pudemos observar anteriormente10, os requisitos da liquidez, certeza e
exigibilidade são indispensáveis para a propositura da ação executiva e os mesmos
requisitos devem estar presentes para o protesto do título de crédito, pois, não poderíamos admitir um título de crédito protestado, sendo por exemplo, inexigível ou
então que seja desconstituído de causa legal.11
Assim, a existência dos requisitos da liquidez, certeza e exigibilidade constituem uma condição indispensável para o protesto do título de crédito, funcionando
como um pré-requisito. Mas, a existência de um titulo líquido, certo e exigível, sem
o protesto, não serve para embasar o pedido de falência do comerciante12.
7 Superior Tribunal de Justiça. Resp. n° 24654/RJ, publicado no DJ em 21/06/1993, p. 12367 tendo como Relator o Exmo.
Min. Waldemar Zveiter e como órgão julgador a 3a. Turma; Revista do Superior Tribunal de justiça vol. 52, p. 131.
8 Superior Tribunal de Justiça. Resp. 182514/MA; Embargos de divergência no Resp., publicado no DJ em
25/11/1999, p. 104, tendo Relator o Exmo. Min. Carlos Alberto Menezes Direito e como órgão julgador a Segunda
Seção.
9 Superior Tribunal de Justiça. ROMS n° 1937/RJ, publicado no DJ em 13/10/1992, p. 17690, tendo como Relator o
Min. Dias Trindade e como órgão julgador a 3a. Turma.
10 Superior Tribunal de Justiça. Resp 214681/SP, publicado no DJ em 16/11/1999, p. 214, tendo como Relator o
Exmo. Min. Sálvio de Figueiredo Teixera e como órgão julgador a 4a. Turma.
11 Item I, letra A.
12 Superior Tribunal de Justiça. AGA 235041/SP, publicado no DJ 17/12/1999, pg. 00363, tendo como Relator o
Exmo. Min. Carlos Alberto Menezes Direito e como órgão julgados a 3a. Turma.
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faculdade de direito de bauru
Uma vez preenchidos estes requisitos, o título de crédito está apto para ser
protestado, mas, isto não significa que o protesto que vier a ser lavrado esteja necessariamente enquadrado dentro das normas legais. Poderão ocorrer algumas situações que demonstrem que o protesto o fora feito de forma irregular.
Assim, por exemplo, o “instrumento de protesto que não contenha a identificação de quem recebeu, em nome do devedor, a respectiva intimação, reveste-se de
intensa irregularidade, desautorizando o êxito do pleito falitário13.”
No mesmo sentido da decisão acima, foram pronunciadas outras decisões negando a decretação da falência do devedor quando o protesto for inválido, não identificando a pessoa que o tenha recebido14 ou então, quando o representante legal da
devedora não for intimado pessoalmente15.
O devedor somente estará constituído em mora quando houver um título líquido, certo e exigível e o protesto tiver sido feito de forma regular, dentro dos trâmites legais.
Através do protesto, do registro público deste16 o devedor esta constituído
em mora. Fica caracterizada sua impontualidade e a partir da comprovação desta impontualidade poderá ser requerida a falência do devedor.
O protesto extrajudicial é indispensável para o ajuizamento da ação falimentar17.
II-
A ampliação do direito de defesa do devedor frente a seu estado de
solvência
O atual sistema pátrio prende como requisito para se declarar a falência do devedor, o fato deste ser impontual, conforme estabelecem os artigos 1° e 10, do Dec.Lei n° 7661/45.
Entendemos, com todo o respeito as opiniões em contrário, que a exigência
do depósito elisivo precisa ser flexibilizada para permitir ao devedor mostrar que
não é insolvente e assim evitar a declaração de sua falência.
13 Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul. Ap. Civ. n° 598325298, julgado em 13/10/1999, tendo como Rel. o
Exmo. Des. João Pedro Freire e como órgão julgador a 6a. Câm. Cív.
14 Tribunal de justiça de Santa Catarina. Ac. n° 50314, são José, publicado no DJ. em 23.04.1996, tendo como Relator o Exmo. Des. Trindade dos Santos e como órgão julgador a 1a. Câm. Civ.
15 Tribunal de justiça de Santa Catarina. Ac. n° 99.92389-9, Turvo, publicado no DJ em 25.06.1996, p. 20, tendo
como Relator o Exmo. Des. Francisco Borges e como órgão julgador a 4a. Câm.Civ.; Tribunal de justiça de Santa Catarina. Ac. n° 96.007263-2, são Bento do Sul, publicado no DJ em 24.10.1996, tendo como Rel. o Exmo. Des. Francisco Borges e como órgão julgador a 4a. Câm. Civ.; Tribunal de justiça de Santa Catarina. Ac. N° 96.000449-1, Brusque, publicado no DJ em 19.09.1996, tendo como Rel. o Exmo. Des. Francisco Borges e como órgão julgador a 4a.
Câm. Cív.
16 Tribunal de justiça de Santa Catarina. Ac. n° 96.005425, são José, publicado no DJ em 20.08.1996, tendo como
Rel. o Exmo. Des. Carlos Prudêncio e como órgão julgador a 1a. Câm. Civ.
17 PRETTY, Luís Leal. A sustação do protesto especial e a caracterização da impontualidade. In: www.ccj.ufsc.br.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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Assim, o devedor deve ter o direito de apresentar sua defesa sem a realização
do depósito elisivo (A) e poder provar que ele não é insolvente e que este fato, constitui-se uma relevante razão de direito (B) para não ser declarada sua falência.
A.
A não obrigatoriedade do depósito elisivo
Uma vez sendo requerida a falência do devedor pelo credor, aquele tem um
prazo de 24 horas para apresentar sua defesa fazendo o depósito elisivo, conforme
determina o artigo 11, §2° da Lei Falimentar ou apresentar alguma relevante razão
de direito, com base no artigo 4° da mesma lei, para obstar a declaração de sua falência.
O referido artigo traz um grande problema ao devedor quando se refere a impontualidade e consequentemente a exigência do depósito elisivo porque ele desconsidera sua situação econômica, presumindo seu estado de insolvência.
O credor tem seu direito ampliado em seu requerimento, pois ele pode requerer do devedor, a realização do depósito elisivo ou alternativamente a declaração de sua falência sem caracterizar a inépcia da inicial18.
O devedor tem seu direito reduzido, a sua falência será declarada caso ele não
realize o depósito elivisivo19. O termo “poderá“, exprime uma possibilidade e não
uma obrigatoriedade, uma vez que o devedor pode deixar de fazer o depósito elisivo e apresentar sua defesa fundamentado em um dos motivos elecados no artigo 4°
da Lei Falimentar.
Caso a defesa do devedor não seja acatada, sem que este tenha feito o depósito elisivo, sua falência será declarada20 e, uma vez feito o depósito elisivo, a ação de
falência se transforma em uma ação de cobrança ”deslocando-se a questão da falência para a apreciação da legitimidade da pretensão do autor e da importância do crédito reclamado21.“
Assim, a falência do devedor não será declarada22, independentemente do julgamento da ação de falência que lhe fora proposta. Com isto, se verifica que a questão da solvabilidade do devedor desaparece com o depósito elisivo.
O fato de a ação de falência ser transformada em uma ação de cobrança serve para
demonstrar que o interesse visado é o recebimento do crédito de forma rápida e não a
18 Superior Tribunal de Justiça. MC n° 1999/0115004-3, publicada no DJ em 14/12/1999, p. 00180, tendo como Rel.
o Exmo. Sr. Ministro Waldemar Zweiter e como órgão julgador a 3a. Turma.
19 Superior Tribunal de justiça. Resp. n° 78658/SP, publicado no DJ em 01/03/1999, pg. 00317, tendo como Rel. o
Exmo. Sr. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e como órgão julgador a 4a. Turma.
20 Tribunal de justiça do Estado do Paraná. Ac. n° 15310, julgado em 26/05/1999, tendo como Rel. o Exmo. Sr. Des.
Octavio Valeixo e como órgão julgado a 4a. Câm. Civ.
21 Tribunal de justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Ac. n° 599300217, julgado em 30/09/99, tendo como Rel. o
Exmo. Sr. Des. Clarindo Favretto e como órgão julgador a 5a. Câm. Civ.
22 Superior Tribunal de justiça. Resp 145809/SP, publicado no DJ em 13/09/1999, à p. 00067, tendo como Relator o
Exmo. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e como órgão julgador a 4a. Turma.
98
faculdade de direito de bauru
verificação do grau de dificuldade do comerciante devedor. Aqui não existe interesse na
manutenção da atividade comercial, o crédito é visado em primeiro lugar, o interesse do
credor está acima da sobrevivência do comerciante, da produção, dos empregos, etc.
Aqui existe somente uma preocupação com a disponibilidade imediata de caixa do devedor.
O atual sistema avalia previamente e imediatamente, num prazo de 24 horas,
como está a liquidez do devedor, ou seja, ou este faz o depósito elisivo num prazo de
24 para elidir o pedido de declaração de falência ou poderá ter declarada sua quebra.
Este sistema não permite que o devedor demonstre que ele não é insolvente
sem a realização do depósito elisivo. É importante de se frisar que a falência do devedor é presumida, ou seja, é antecipado seu estado de insolvência por presunção,
enquanto que, o estado de insolvência que caracteriza e não presume a falência, só
é conhecido posteriormente no momento em que é feito o depósito do balanço e
muitas vezes somente após a realização de uma perícia contábil.
Não existe uma preocupação na sobrevivência da empresa, porque se houvesse, o devedor poderia demonstrar que não é insolvente, mesmo sem fazer o depósito elisivo. Antes de ser declarada a falência, o judiciário deve olhar com atenção à
situação econômica do devedor, porque a falência é uma medida de extrema gravidade que representa a morte negocial do comerciante23.
Assim, se o devedor faz o depósito elisivo, independentemente de ser avaliado seu ativo e passivo, sua falência será elidida24. não interessa se o devedor tem um
patrimônio de R$ 2 milhões e deve R$ 5 milhões. O que interessa, é que se ele tem
um patrimônio de R$ 1 milhão e deve R$ 20 mil, tendo um título protestado de R$
1 mil ele é impontual e sua falência deve ser declarada caso não faca o depósito elisivo ou então, sem este depósito, não tenha apresentado alguma relevante razão de
direito, como dispõe limitadamente o artigo 4° da lei falimentar.
Dentro destas facilidades permitidas pela legislação brasileira, o que o credor
faz, procura um escritório de advocacia para receber seu crédito imediatamente,
num prazo de 24 horas e assim, o comerciante se vê obrigado a fazer o depósito elisivo para não ver declarada sua falência e liquidado seus bens25.
O que não pode acontecer, é que seja permitida uma pressão por parte dos
credores sobre o devedor, forcando este a um pagamento rápido de sua dívida e
sendo assim desvirtuado o instituto falimentar26.
23 Tribunal de justiça de Pernambuco. Ap. Civ. n° 776/86, julgada em 05/12/86, publicada no DJ em 20/04/88, às fls.
05/06, tendo como Rel. o Exmo. Sr. Des. Democrito Ramos Reinaldo e como órgão julgador a 1a. Câm. Civ.
24 Tribunal de justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Ac. n° 599300217, julgado em 30/09/99, tendo como Rel. o
Exmo. Sr. Des. Clarindo Favretto e como órgão julgador a 5a. Câm. Civ.
25 Superior Tribunal de justiça. Agravo de instrumento n° 162432/RJ, publicado no DJ em 11/02/2000, à p. 00138,
tendo como Rel. o Exmo. Sr. Ministro Eduardo Ribeiro e como órgão julgador a 3a. Turma.
26 Superior Tribunal de Justiça. Resp. 30536/PB, publicado no DJ em 18/03/1996, p. 7567, tendo como Rel. o Exmo.
Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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O credor que quer receber seu crédito imediatamente tem outros meios de
cobrança, como a execução contra o devedor solvente.
O atual sistema de cobrança rápida (prazo de 24 horas para o depósito elisivo) deve ser reformado, pois, não é possível que uma empresa tenha declarada sua
falência somente pelo fato de ser impontual.
B.
A relevante razão de direito fundamentada na situação econômica
reversível e temporária do devedor
O artigo 4 da lei falimentar estabelece que:
“Art. 4º A falência não será declarada, se a pessoa contra quem for requerida
provar:
I - falsidade do título da obrigação;
II - prescrição;
III - nulidade da obrigação ou do título respectivo;
IV - pagamento da dívida, embora depois do protesto do título, mas
antes de requerida a falência;
V - requerimento de concordata preventiva anterior à citação;
VI - depósito judicial oportunamente feito;
VII - cessação do exercício do comércio há mais de dois anos, por
documento hábil do registro de comércio o qual não prevalecerá
contra a prova
de exercício posterior ao ato registrado;
VIII - qualquer motivo que extinga ou suspenda o cumprimento da
obrigação, ou exclua o devedor do processo da falência.
§ 1º Se requerida com fundamento em protesto levado a efeito por
terceiro, a falência não será declarada, desde que o devedor prove que podia ser
oposta ao requerimento do autor do protesto qualquer das defesas
deste artigo.
§ 2º Não será declarada a falência da sociedade anônima depois
de liquidado e partilhado o seu ativo e do espólio depois de um
ano da morte do devedor.”
A legislação brasileira se demonstra extremamente formal quando permite
que seja declarada a falência do devedor baseada unicamente em sua impontualidade e lhe exigindo o depósito elisivo, porém, o artigo supra-mencionado revela que
em certas situações consideradas como relevantes, o comerciante devedor tem o direito de não realizar o depósito elisivo.
100
faculdade de direito de bauru
O formalismo da legislação falimentar deve ser adaptado a realidade nacional,
assim, não concordamos com o posicionamento da doutrina e dos tribunais27 que insistem no aspecto formal da legislação falimentar para declarar a falência do devedor com base na impontualidade.
As leis devem representar o comportamento social de um povo em um determinado tempo e devem estar harmonizadas com as realidades que despontam. A lei
deve estar adaptada a realidade28.
A formalidade existente na legislação falimentar não pode ser considerada
como um princípio absoluto, ela vem se tornando mais flexível, basta ver que hoje
é possível ser aberta a concordata preventiva de uma empresa, mesmo que ela contenha títulos protestados29, o que é expressamente proibido pela legislação falimentar em seu artigo 158, inciso IV. Quantas empresas não foram salvas com esta flexibilização?
Uma vez tornando o depósito elisivo mais flexível, deixando ao devedor a escolha de realizá-lo ou não, este terá condições de demonstrar que sua empresa é recuperável.
A impontualidade por si só não pode justificar a declaração de falência do devedor comerciante sem que seja constatado que este é insolvente30, o devedor impontual não é necessariamente um devedor insolvente. Ela por si só não pode constituir o estado de insolvência31.
O devedor deve ter o direito a ampla defesa para demonstrar que ele não é
um devedor insolvente e que sua falência não pode ser declarada.
O Superior Tribunal de justiça32, em um importante pronunciamento afirmou que:
27 Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de instrumento n° 598058725, julgado em 25/06/1998, tendo
como Rel. o Exmo. Des. Carlos Alberto Bencke e como órgão julgador a 5a. Câm. Civ.
28 RICCO, Osvaldo da Silva. „In“: Lei falencial: derrogação da norma anômala. www.buscalegis.ccj.ufsc.br e
www.cjf.gov.br. Neste sentido o Exmo. Sr. Des. do Estado de são Paulo entende que o juiz não pode derrogar a lei
de forma anômala para não decretar a falência de uma empresa, pois, se assim o fizer, estará desvirtuando suas nobres funções e invadindo a esfera de outro poder.
29 Assim declarou o ex-ministro do STJ (Exmo. Sr. Cernicchiaro) em entrevista ao NBR Manha, noticiário da TV a
cabo da Radiobrás em 15.6.2000, quando se referia a alteração da Lei de Segurança Nacional. Ainda o ex-ministro
declarou que “o Direto tem que acompanhar os novos tempos”. Seu posicionamento é perfeitamente adaptável aos
dispositivos legais que estam ultrapassados. Fonte: www.congressonacional.gov.br, notícias do dia 16.6.2000.
30 Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de instrumento n° 598058725, julgado em 25/06/1998, tendo
como Rel. o Exmo. Des. Carlos Alberto Bencke e como órgão julgador a 5a. Câm. Civ.; Tribunal de justiça do Estado do Paraná. Ac. n° 2903, julgado em 14/10/1998, tendo como Rel. a Exma. Des. Anny Mary Kuss Serrano e como
órgão julgador a 6a. Câm. Civ.
31 Neste sentido se manifestou progressivamente o Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul. Ag. inst. 599434941,
julgado em 23/09/1999, tendo como Rel. o Exmo. Des. Adão Sergio do Nascimento Cassiano e como órgão julgador
a 1a. Câm. de férias civil.
32 Vigil Neto, Luiz Inácio. In: Reflexoes sobre o sistema falimentar. RJ n° 241- Nov.97, p. 34.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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“Portanto, embora o não pagamento de obrigação constante de título executivo possa ensejar o pedido de falência, não é a impontualidade que caracteriza a quebra do devedor comerciante33. O
que determina de fato a falência é a insolvência. A impontualidade é somente um fenômeno capaz de configurar a situação de insolvência, e não propriamente a causa determinante...“ (g.n.)
O STJ nesta decisão demonstra que a impontualidade não é a causa
determinante da falência e sim o estado de insolvência. Entendemos que
o estado de insolvência deva ser considerado como aquele em que o devedor não tem possibilidades de recuperação, sua dificuldade é irreversível, ela não é passageira34.
A impontualidade não pode ser utilizada como critério determinante para ser
declarada a falência e sim, deve ser verificada a situação econômica do devedor, se
esta for irreversível e não for passageira, deve ser declarada sua falência.
O projeto de lei n° 4.376/93 do poder executivo que tramita no Congresso Nacional regulando a recuperação e a liquidação judicial35 das pessoas jurídicas e físicas que exerçam uma atividade econômica estabelece em seu artigo 77 que:
“Art.77. Será decretada a liquidação judicial do agente econômico
que:
sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, dívida
constante de título executivo que ultrapasse a soma correspondente a 10 mil UFIR (dez mil unidades fiscais de referência), considerado o valor originário”.
Ainda que este projeto tenha progredido no aspecto referente a situação econômica do devedor, perceba-se que a impontualidade possui um limite (10 mil
UFIR), logo, o devedor não terá declarada sua falência quando o valor da dívida for
inexpressivo36. A impontualidade aqui não é mais considerada como um critério absoluto e inflexível.
Este mesmo projeto passa a não exigir do devedor a realização do depósito
elisivo, deixando a este uma faculdade, como estabelece o artigo 81, §3°, in verbis:
33 Superior Tribunal de justiça. Ag. n° 253376/MG, publicado no DJ em 17/12/1999, p. 467, tendo como Rel. o Exmo.
Min. José Delgado e como órgão judicante a 1a. Turma.
34 Assim também decidiu o Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul. Ac. n° 599300217, julgado em 30/09/99, tendo como Rel. o Exmo. Sr. Des. Clarindo Favretto e como órgão julgador a 5a. Câm. Civ.
35 O atual sistema italiano se revela no mesmo sentido. Ver. ZANETTI, Robson. Direito falimentar. Curitiba: Editora Juruá, 2000 ( a ser publicado ).
36 Assim como ocorreu na Franca através de sua última alteração, o termo liquidação judicial vem a substituir o termo falência.
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“Art. 81. - Na hipótese do art. 77, I, desta lei, para requerer a liquidação judicial daquele que não paga no vencimento dívida líquida constante de título executivo, deverá o credor instruir o pedido
com instrumento representativo desta dívida, cujo valor originário deverá ser superior a 10.000 UFIR (dez mil unidades fiscais de
referência), representado por um ou mais títulos executivos devidamente protestados, acompanhado de certidão de protesto de
dois ou mais títulos de credores distintos, tirados contra o devedor
no período de 90 (noventa) dias anteriores à data do pedido.
§ 3º Poderá o devedor, no prazo de defesa, depositar o valor
correspondente ao crédito.” (g.n.)
Entendemos que atualmente a exigência do depósito elisivo não será obrigatória quando o devedor demonstrar que seu estado de dificuldades é passageiro e
recuperável, sendo esta uma relevante razão de direito para não se declarar a sua falência37. Caberá ao devedor realizá-lo ou não, assim, esta obrigação passa a ser uma
faculdade.
Com isso, os credores pensarão melhor antes de requerer a falência do devedor, visando ao recebimento imediato de seu crédito38.
CONCLUSÃO
O critério da impontualidade não pode ser considerado como fonte produtora da falência pois, quando visto de forma isolada e extremamente formal, não demonstra a real situação econômica da empresa.
Sem que sejam avaliados outros elementos que demonstrem a possibilidade
de recuperação da empresa, como por exemplo: seu balanço, a falência do comerciante não poderá ser declarada.
A exigência do depósito elisivo deve ser flexível para facultar ao comerciante
devedor a sua realização. O devedor deve ter seu direito de defesa assegurado, independentemente do depósito elisivo, para que ele possa mostrar que sua situação
37 RICCO, Oswaldo da Silva. “In“: Lei falencial: derrogação anômala da norma. [email protected]. Assim, concordamos com os posicionamentos assumidos pelos juizes a que se referiu o Exmo. Des. Osvaldo da Silva Rico,
quando assumiram um posicionamento mais flexível com relação a decretação da falência do devedor comerciante
não permitindo que a falência do comerciante fosse declarada por uma importância inexpressiva. Por outro lado é
importante de se lembrar que o valor inexpressivo deve ser avaliado de acordo com o potencial da empresa.
38 Neste sentido, se manifestou o Tribunal de Justiça quando permitiu ao devedor que demonstrasse através de sua
contabilidade sua possibilidade de recuperação. Tribunal de justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Ac. n°
599300217, julgado em 30/09/99, tendo como Rel. o Exmo. Sr. Des. Clarindo Favretto e como órgão julgador a 5a.
Câm. Civ.
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econômica difícil é passageira e que ele tem possibilidades de recuperação. Ele tem
o direito de demonstrar que não é insolvente, garantindo-se assim, seu direito a ampla defesa.
A demonstração do estado de solvência pelo devedor constitui-se em uma relevante razão de direito (art. 4° da lei 7.661/45) impendindo-se que sua falência seja
declarada, independentemente deste ter feito o depósito elisivo. Esta situação se enquadra perfeitamente no artigo 4°, inciso VIII, pois a solvência do devedor é um motivo mais do que suficiente para obstar a declaração de sua falência.
A INICIATIVA rECURSAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
NAS AÇÕES ACIDENTÁRIAS
Mílton Sanseverino
Professor de Direito Processual
Juiz do Segundo Tribunal de Alçada
do Estado de São Paulo
Deixando de lado eventuais opiniões divergentes, é sabido que no processo
civil brasileiro - a exemplo do que acontece no francês e no italiano - o Ministério
Público pode atuar como parte e como fiscal da lei (CPC, arts. 81 e 82, I a III, respectivamente).
Quando o Ministério Público atua como parte, nenhuma dúvida há de que
possa recorrer nas mesmas condições em que qualquer outra parte poderia fazê-lo,
isto é, desde que atendidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos1 de toda iniciativa recursal2, uma vez que, funcionando nessa qualidade, possui os mesmos poderes,
direitos, ônus, obrigações, deveres e faculdades das partes em geral (CPC, art. 81).
Quando, entretanto, intervém como fiscal da lei numa causa entre partes, o
panorama não é assim tão tranqüilo. Basta ver que na vigência do CPC anterior, por
exemplo, o seu art. 814 “só reconhecia ao Ministério Público o poder de recorrer ‘quando expresso em lei’ - feita abstração, é claro, das hipóteses
1 V. a resp., dentre outros, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “O Novo Processo Civil Brasileiro”, Forense, Rio,
1.993, 15ª ed., pgs. 141/145, § 16, item II, nº 1; “Comentários ao CPC”, Forense, Rio, 1.993, 6ª ed., vol. V, p. 232/234,
nº 145.
2 Ressalvadas, naturalmente, as peculiaridades próprias do recurso ministerial, que, por exemplo, não se sujeita a
preparo (CPC, art. 511, § único, com a nova redação que lhe deu a lei nº 8.950/94).
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em que ele ocupava a posição de parte”, como nota com acuidade JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA3.
Devido a isso travou-se na doutrina e na jurisprudência nacionais, durante os
primeiros tempos de vigência do CPC de 1.939, acesa disputa sobre a possibilidade
ou não de o Ministério Público recorrer em todos os casos em que interviesse como
fiscal da lei.
Acabou prevalecendo, a final, o entendimento de que essa possibilidade tinha
de ser admitida, desde que satisfeitos todos os requisitos (ou pressupostos) da iniciativa recursal, sob pena de se rebaixar essa brava e valorosa Instituição ao subalterno papel de mera expectadora da cena processual (quando mais não fosse, ao menos na fase decisória - em sentido amplo, abarcando também a recursal -, e, o que
se afigurava ainda mais grave, com comprometimento potencial do interesse público por ela tutelado).
Por isso, exatamente, foi editado o § 2º do art. 499 do atual CPC estabelecendo que “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei”.
Vale dizer: referido preceito veio a lume para chancelar o entendimento que
se tornou prevalente na vigência do Código anterior, bem como para espancar as
dúvidas que a respeito ainda pudessem existir e, de quebra, para acabar de vez com
as resistências porventura remanescentes, exterminando completamente a polêmica instaurada no início de vigência do CPC de 1.939.
Era de supor, portanto, que, conhecida a evolução histórica do assunto e diante da clara determinação legal constante do art. 499, § 2º, do atual CPC, a controvérsia num primeiro passo se esvaziasse e, em seguida, desaparecesse, passando a ser
incondicionalmente admitida a iniciativa recursal do Ministério Público naqueles casos em que intervém como custos legis.
Na prática, entretanto, não é exatamente isso o que se constata na atualidade. É que, em julgamento relativamente recente, o C. Superior Tribunal de Justiça afirmou, por escassa maioria (7 X 6, ou seja, com a diferença de um único
voto), a tese de que
O Ministério Público não tem interesse jurídico para recorrer nas ações de acidente no trabalho, quando a parte está
regularmente representada por advogado de sua livre escolha. Admitir-se o contrário é desqualificar a representação do advogado cuja presença no processo é constitucionalmente indispensável. Embargos de divergência conhecidos e recebidos por maioria de votos
3 in “Comentários” cits., vol. V, p. 264, nº 165, início.
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(Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 37.116-SP, in Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 75, p. 58 - sem destaque no
original).
Bem verdade que antes disso essa Alta Corte de Justiça havia editado a Súmula 99, estabelecendo, corretamente, que “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que
não haja recurso da parte” (sem destaques no original).
Agora, todavia, parece ter dado um passo atrás e recrudescido em sua posição, pois de nada adianta, a toda evidência, reconhecer a legitimidade e negar o
interesse em recorrer, como que dando com uma das mãos e tomando com a outra. Mais especificamente, contudo, esse entendimento do C. Superior Tribunal de
Justiça impõe o estabelecimento de significativa diferença na atuação do Ministério
Público, como fiscal da lei, na fase recursal.
Assim é que, de acordo com referido entendimento, se o Ministério Público
intervém no processo como custos legis e a parte interessada não recorre, ele está
legitimado a recorrer, tendo, também, interesse jurídico viabilizador de sua inconformidade. É o que se extrai da aludida Súmula 99, pois, como dito, não teria sentido reconhecer a legitimidade e negar o interesse, porquanto o resultado final continuaria sendo o mesmo, ou seja, a inadmissibilidade do recurso ministerial.
Em contrapartida, se o Ministério Público intervém no processo de natureza
civil como fiscal da lei mas a parte interessada recorre, estando representada por advogado de sua livre escolha, aquele primeiro não teria interesse em recorrer, segundo a ótica do recente julgamento retro-referido (embargos de divergência citados).
O posicionamento do C. Superior Tribunal de Justiça é preocupante, pois, sobre não expressar - data maxima venia - a melhor compreensão do assunto em
tela, acaba repercutindo negativamente nos demais Tribunais do país, posto influenciar a formação da jurisprudência nestes últimos, se não se tiver o cuidado de atentar devidamente para a falta de fundamento válido capaz de sustentar semelhante
posição.
Acresce notar, por relevante, que essa novel orientação foi firmada por escassa maioria (7 X 6; ou seja, com apenas um voto de diferença, e, ainda assim, na ausência de sete outros ilustres Ministros que à época integravam aquela Alta Corte de
Justiça, os quais, se presentes estivessem, talvez tivessem determinado uma inversão no resultado do julgamento).
Mas não é só por isso que referida diretriz se mostra de difícil - para não dizer
impossível - assimilação. É que ela contraria tudo quanto nos últimos tempos se
construiu a respeito do moderno papel do Ministério Público no processo civil (v. a
resp., de minha autoria, “O Ministério Público e o Interesse Público no Processo Civil”, in RF 254/197-208 e in REPRO 9/83-101), tendo ainda contra si a circunstância
insuperável de afrontar o § 2º do art. 499 do CPC, visto distinguir onde o legislador
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não o fez, nem a lei permite fazer, de acordo com alguns dos rr. votos vencidos proferidos no julgamento dos mencionados embargos de divergência.
De fato: estabelece mencionado dispositivo legal que “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte,
como naquele em que oficiou como fiscal da lei” (sem destaques no original).
É precisamente o que acontece nas ações acidentárias, onde o Ministério Público intervém como custos legis com base no art. 82, III, do CPC, tendo em vista
a existência de interesse público, seja evidenciado pela natureza da lide (de cunho nitidamente alimentar), seja pela qualidade da parte autora (em linha de
princípio - ou presumivelmente - hipossuficiente, como sói acontecer, consoante revela a experiência subministrada pela observação daquilo que comumente acontece
em meio à realidade empírica da vida), conforme costuma destacar a doutrina (cf. a
resp., dentre outros, JOSÉ DE OLIVEIRA, “Acidentes do Trabalho”, S. Paulo: Saraiva,
1.994, 2ª ed., p. 23, nº 8.1).
Sem contar, naturalmente, que a enorme massa de infortúnios ocorridos em
todo o território nacional a cada ano, com a conseqüente, gradativa e crescente deterioração da capacidade produtiva do país, a toda evidência interessa - sobremodo e de forma assaz direta - à sociedade como um todo, isto é, ao Estado
brasileiro, que, sabidamente, nada mais é, no fundo, que a sociedade organizada jurídica e politicamente.
Aqui, portanto, identifica-se - sem maior dificuldade - o interesse social ou
público que, em última análise, determina a intervenção do Ministério Público com
base no art. 82, III, da lei processual civil vigente, devido à natureza da lide versada no processo onde o acidentado busca a reparação correspondente ao infortúnio
por ele sofrido. Interesse social ou público esse que, convém notar, não se confunde com o interesse pessoal ou particular do trabalhador à percepção do benefício
acidentário porventura cabível.
Desse modo, ao Estado brasileiro cabe atuar para solução desse problema
(consistente na perda ou no progressivo enfraquecimento da força produtiva do
país) - ou, ao menos, para minoração de suas graves conseqüências - em dois planos
distintos ou de duas formas diferentes: a) - uma, preventiva, no âmbito da medicina, higiene e proteção do trabalho, que se desenvolve administrativamente; b) - outra, repressiva ou reparadora, que tem lugar em juízo, quando proposta a ação acidentária pela vítima do infortúnio laboral, sendo, com tal ação, desencadeada a atividade jurisdicional do Estado, a qual se desenrola, é sabido, no processo cognitivo
correspondente.
Pois bem. O Ministério Público já não tem a possibilidade de propor, sozinho,
ação acidentária, iniciando o processo correspondente na qualidade de substituto
processual, tal qual ocorria outrora (v., a resp., voto do eminente Min. EDUARDO
RIBEIRO nos embargos de divergência retro referidos - in RSTJ 75/70). Mas, uma vez
iniciado o processo e desencadeada a atividade jurisdicional pelo acidentado, com-
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pete-lhe intervir desde o começo em todas as fases processuais, na qualidade de fiscal da lei, sem que se lhe possa tolher a iniciativa probatória ou recursal.
Fica claro, assim, que o Ministério Público intervém na ação acidentária em virtude do interesse público nela existente, fazendo-o como guardião da lei ou do
direito objetivo, isto é, como fiscal do seu exato cumprimento e não como defensor do interesse primário ou substancial de qualquer dos litigantes, nem do direito subjetivo de que uma das partes possa ser titular (cf. a resp., dentre outros,
CELSO AFONSO GARRETA PRATS, “Acidentes do Trabalho”, in JUSTITIA, vol. 61, p.
47; AMARO ALVES DE ALMEIDA FILHO, “O Interesse Público do Código de Processo Civil e o Ministério Público”, in JUSTITIA, vol. 89, p. 275; ANTÔNIO RAPHAEL SILVA SALVADOR, “Ministério Público: defensor do interesse público e não representante da parte”, in JUSTITIA, vol. 94, p. 165).
Constitui equívoco supor, conseqüentemente, que no processo acidentário o Ministério Público não possa recorrer só porque o acidentado já o fez, representado por
seu patrono, ou, ainda, pelo só fato de possuir advogado regularmente constituído. Semelhante entendimento revela, data venia, desconhecimento da evolução histórica do
Parquet como instituição socialmente relevante e, mais especificamente, como personificação do próprio Estado no processo de natureza civil, bem como visão incorreta do
problema, visto confundir ou misturar o interesse particular ou pessoal da parte
(pelo qual só esta fala através do seu advogado) com o interesse público (pelo qual
fala com exclusividade o Ministério Público por meio do seu agente ou presentante).
Não há confundir, efetivamente, o interesse ou o direito subjetivo da parte
(i.e., de um dos sujeitos parciais do contraditório instituído perante o Juiz) com o
interesse público presente no processo acidentário, de caráter impessoal e do qual
deve cuidar, conseqüentemente, um sujeito processual imparcial, que é, precisamente, o Ministério Público no seu papel de fiscal da lei, ou seja, de órgão estatal
incumbido de velar pela correta aplicação do direito objetivo nos casos concretos.
E é claro que a cada um desses diversos interesses deve corresponder - e realmente corresponde - uma atividade processual distinta, ainda que ambas visem, aparentemente, ao mesmo fim. Isso, contudo, só na aparência, porque o fim objetivado pelo hipossuficiente, ao recorrer, em realidade não é o mesmo colimado pelo Ministério Público, pois enquanto o primeiro visa ao reconhecimento ou à satisfação
do seu interesse primário ou substancial, ou, ainda, do seu direito subjetivo
(personificado, portanto), o último tem em mira o atendimento do interesse público (que é, por definição, impessoal, social ou geral e, pois, despersonificado),
ou seja, a preservação do direito objetivo, o que pode coincidir - ou não - com o
desiderato da parte.
Essa hipotética coincidência de resultados não pode inibir, é curial, apriorística e empiricamente, a iniciativa do Ministério Público no campo dos recursos, ainda
mais na fase preliminar do juízo de admissibilidade, sob pena de ser cometida injustiça com a sociedade como um todo, pelo risco a que fica exposto o interesse públi-
110
faculdade de direito de bauru
co, que, a partir de determinado momento, queda totalmente desguarnecido, senão irremediavelmente prejudicado.
Afinal, o que se verifica, bem analisadas as coisas e separado o joio do trigo, é
que, além de serem atividades ontologicamente diferentes, visam elas sempre, no
fundo, a resultados também diversos. Salvo, é claro, no que tange à constatação de
que, tendo razão a parte recorrente, o interesse do Estado - na defesa do direito objetivo por ele editado - acaba se harmonizando com o daquele, na medida em que
o seu interesse é também o de que se dê razão a quem efetivamente tem.
Essa coincidência virtual ou hipotética de objetivos ou de interesses não tem
- nem pode ter -, contudo, o condão de toldar, de camuflar ou de esconder a realidade intrínseca das coisas, fazendo com que sejam tratadas como se fossem uma só
ou como se fossem promíscuas (indiferentes, fungíveis, permutáveis ou substituíveis), quando à evidência não o são.
Nem tem tal hipotética coincidência, muito menos, o poder de impedir, apriorística e empiricamente (como já foi dito), a iniciativa recursal do Ministério Público
- na qualidade de custos legis e na defesa do interesse público, que se materializa na
fiscalização da correta aplicação do direito objetivo - a pretexto de que deve ser preservada a atuação do advogado, por constitucionalmente indispensável. Como se
dispensável fosse a atividade do Ministério Público em prol do interesse público
(isto é, da sociedade como um todo) ou em proveito da correta aplicação do direito objetivo e, pois, da sua efetividade!
Ora, é evidente, data venia, que o advogado nada tem a ver, diretamente,
com a defesa do interesse público, nem com a tutela do direito objetivo, cabendolhe velar, com exclusividade, pelo interesse particular ou pelo direito subjetivo do
seu cliente, nada mais. Desse modo, e bem ao contrário do que se procura inculcar,
aqui não está em jogo garantia constitucional alguma do advogado.
Efetivamente: por mais importante que seja (ou que possa ser) o papel do advogado no processo, na defesa do interesse privado ou do direito subjetivo do seu
constituinte, por certo não é de molde a afastar ou a prejudicar a atuação do Ministério Público a favor do interesse público ou da correta observância do direito objetivo. De maneira que o que periclita, no caso, é, isto sim, garantia constitucional e
processual do Ministério Público, a qual, até por razões históricas, se apresenta
como sendo da maior relevância do ponto de vista social e jurídico. Esta é a grande
verdade, que não há como ocultar, data maxima venia.
É assim, aliás, porque a atuação do Ministério Público na esfera da jurisdição
civil é, no mínimo, tão garantida e tão indispensável constitucionalmente quanto a
do advogado, consoante se extrai dos arts. 127 e seguintes da Constituição Federal.
De modo que o precário argumento a favor de um não serve, a toda evidência, para
excluir ou para prejudicar a plena participação processual do outro.
Vale dizer: o reconhecimento da garantia outorgada aos advogados não pode
servir de pretexto, de forma alguma, para mutilar a atuação processual do Ministé-
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111
rio Público, com evidente prejuízo para o interesse social (ou público), que, a prevalecer semelhante exegese, acabará ficando desprotegido, ainda que parcialmente,
quando evidentemente não é isso o que deseja o direito positivo pátrio (a começar
pela Lei Maior).
Donde a importância de perceber a existência, invariavelmente, de dois interesses completamente distintos: o da parte que recorre (ou que podia recorrer, embora não o faça) e aquele pelo qual vela o Ministério Público, recorrendo ou não.
Cada um rendendo ensejo a atividades processuais também diferentes, inclusive na
via recursal, como é intuitivo. E sem que qualquer uma dessas atividades possa interferir negativamente no resultado ou no rendimento útil da outra, por óbvias razões, aliás suficientemente expostas, se não há engano.
Não custa acrescentar, entretanto, que, como adverte CALAMANDREI, citando
CRISTOFOLINI,
a função característica e geral do Ministério Público é a de
estar em juízo não para defesa dos direitos subjetivos pertencentes às partes..., mas para promover a observância
dos concretos preceitos do direito objetivo, sem cuidar diretamente dos interesses substanciais que nele encontram
tutela
(“Instituciones de Derecho Procesal Civil”, trad. de Santiago Sentis
Melendo, EJEA, B. Aires, 1962, vol. II, pgs. 438/439).
O mesmo, em essência, ensina, entre nós, HÉLIO TORNAGHI, ao lembrar que
“Por interesse público deve entender-se aquele que afeta diretamente o
bem comum, embora possa, reflexamente, beneficiar a pessoa privada”
(“Comentários ao CPC”, RT, S. Paulo, 1.976, 2ª ed., vol. I, p. 283, item III - sem destaques no original).
E pelo interesse social (ou público), como dito, fala sempre e exclusivamente
o Ministério Público, seja antes da sentença que põe fim ao processo, seja depois, já
na fase recursal. A simbiose entre Ministério Público e interesse público é tão grande, tão estreita e tão intensa, aliás, que deste último deriva, em derradeira análise, o
próprio nome atribuído à Instituição, que, em essência, outra coisa não é senão o
ofício (público) previsto nas leis com o objetivo específico de exercer ou de pôr em
atividade (promover ou defender) tal espécie de interesse (cf. G. CHIOVENDA,
“Principii di Diritto Processuale Civile”, Jovene, Nápoles, 1965, pg. 457, nº I; PONTES DE MIRANDA, “Comentários ao CPC”, Forense, Rio, 1.995, 3ª ed. [com atualização de Sérgio Bermudes], Tomo II, pgs. 173/174).
Daí dizer CHIOVENDA que o Ministério Público é, em essência, “o órgão do
interesse público à atuação da lei” (Principii cits., p. 458, nº I, in fine; “Instituições de Direito Processual Civil”, trad. de J. Guimarães Menegale, notas de Enri-
112
faculdade de direito de bauru
co Tullio Liebman e introdução de Alfredo Buzaid, Saraiva, S. Paulo, 1.965, vol. II, nº
158, pg. 88), acrescentando que “o Ministério Público personifica o interesse
público ao exercício da jurisdição frente aos órgãos jurisdicionais”
(Principii cits., p. 458, início), na medida em que sua atuação seja reclamada pela
ordem pública (idem, ibidem), acrescentando, finalmente, que o Ministério Público,
quando atua como fiscal da lei, age não como parte na causa, mas, ao contrário,
como representante do interesse público numa causa entre partes (textualmente: “causa vertente entre outros” - cf. “Principii” cits., pg. 460; “Instituições”
cits., vol. II, pg. 88, in fine).
Diverso não é, por sinal, o magistério de E.T. LIEBMAN, segundo o qual “o Ministério Público é ... um órgão do Estado a quem cabe tutelar um específico interesse público”, tendo
por objeto a atuação da lei por parte dos órgãos jurisdicionais naqueles campos e naqueles casos em que a norma jurídica é ditada por considerações de utilidade geral ou social, assim como sua concreta observância surge como necessária à segurança e ao bem estar da sociedade, e a tarefa de provocar sua aplicação por parte
dos juízes não pode ser deixada à iniciativa e ao arbítrio dos particulares
(“Manuale di Diritto Processuale Civile”, Giuffrè, Milão, 1973, 3ª
ed., vol. I, p. 108).
Na doutrina alemã prevalece, de modo geral, idêntica concepção, como se extrai, v.g., do magistério de W. KISCH no tocante ao processo matrimonial e ao procedimento de interdição, permeados pela idéia de que ao Ministério Público cabe
velar pelos direitos indisponíveis da sociedade, isto é, pelo interesse público, social
ou geral que informa sua atuação no âmbito da jurisdição civil (“Elementos de Derecho Procesal Civil”, trad. de L. Prieto Castro, Edit. Rev. de Der. Priv., Madri, 1.932,
1ª ed., § 81, p. 385, e § 83, p. 395, respectivamente).
A mesma idéia, em essência, está presente ainda nas lições de outros notáveis
processualistas alemães, tais como LEO ROSEMBERG (“Tratado de Derecho Procesal Civil”, trad. de Angela Romera Vera, EJEA, B. Aires, 1955, Tomo I, p. 146, nº IV );
A. SCHÖNKE (“Derecho Procesal Civil”, trad. de L. Prieto Castro e Víctor Fairén Guillén, BOSCH, Barcelona, 1.950, p. 79, nº II - o qual recorda, entre outras coisas, que
nos ordenamentos jurídicos estrangeiros a atuação do Ministério Público no processo civil é freqüentemente de transcendência, citando os Códigos italiano e francês,
bem como a ZPO de Berna = v. p. 80, nº 4); FRIEDRICH LENT (“Diritto Processuale Civile Tedesco”, trad. de Edoardo F. Ricci, Morano Edit., Nápoles, 1.962, p. 59, §
17, I; p. 66, nº 4, derradeiro tópico; e p. 336, nº III); etc.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
113
Coisa idêntica, em substância, ocorre no direito e na doutrina de outros povos cultos, como reconhecem até mesmo alguns autores declaradamente hostis à
Instituição do Ministério Público, a ponto de considerá-la a quinta roda do carro,
que mais atrapalha do que ajuda no âmbito da jurisdição civil (v., a resp., HUGO ALSINA, “Tratado Teorico Practico de Derecho Processual Civil y Comercial”, Ediar Editores, B. Aires, 1.957, vol. II, pgs. 329/330, nº 1, e, em especial, pgs. 334/356, com
extensa referência bibliográfica; v. tb. J. RAMIRO PODETTI, “Teoria e Tecnica del Proceso Civil”, EDIAR Editores, B. Aires, 1.963, p. 174/175; LINO ENRIQUE PALACIO
(“Derecho Procesal Civil”, AP, B. Aires, 1.994, 5ª ed., Tomo II, nº 195, p. 586, e, em
particular, p. 587/620, nºs. 196 a 204); etc.
Numa correta perspectiva, entretanto, que, em última análise, é a do direito
positivo pátrio (o qual segue, sabidamente, os modelos francês e italiano, inspirando-se remotamente no primeiro e proximamente no segundo), o Ministério Público pode e deve ser visto como “o órgão instituído para promover a atuação
jurisdicional das normas de ordem pública” (LIEBMAN, ob. e vol. cits., p.
108, in fine).
Daí ser conceituado o Ministério Público por esse abalizado mestre como sendo o “órgão do interesse público à observância da lei” (ob. e vol. cits., pg.
113), conceito esse que é ontologicamente simétrico àquele fornecido por CHIOVENDA (v. item 21 retro-início) e por outros autores de porte, inclusive nacionais.
Daí, também, ressaltar CARNELUTTI que “o Ministério Público, como
o juiz, não tem no processo um direito a exercer, mas um dever a cumprir” (“Sistema di Diritto Processuale Civile”, Cedam, Pádua, 1.936, vol. I, nº. 144,
p. 387, letra “f ”, parte final - sem destaque no original).
Por isso, assinala ANDREA LUGO, o Ministério Público atua no processo por um
fim de justiça em nada diverso, substancialmente, daquele que deve inspirar o juiz. Ele
age, segundo esse autor, não para tutela de um particular interesse em litígio, mas para
atuação da lei, a fim de assegurar a legalidade da solução da controvérsia (“Manuale di
Diritto Processuale Civile”, Giuffrè, Milão, 1.971, 5ª ed., § 48, p. 72).
Donde o dever de que fala CARNELUTTI. Dever esse que, após a prolação da sentença contrária ao ponto de vista ou ao parecer do Ministério Público
(e, pois, ao interesse público por ele defendido - ao menos presumivelmente ou
em linha de princípio), só pode se traduzir, em termos práticos, na interposição
do recurso cabível a fim de buscar, no mesmo ou em outro grau de jurisdição,
conforme o caso, o resultado que ele, recorrente, reputa a bem do interesse
pelo qual lhe incumbe velar.
Fica claro, postas essas premissas, que, muito mais que simples direito, poder,
ônus ou faculdade de recorrer, o Ministério Público tem, na verdade, autêntico dever de interpor o recurso cabível no caso concreto, sempre que, funcionando como
fiscal da lei, seu ponto de vista, parecer ou pleito não seja acolhido, pois o não-acolhimento de sua pretensão processual significa, em princípio (ou até que se de-
114
faculdade de direito de bauru
monstre o contrário, isto é, até que o seu recurso seja julgado pelo mérito no órgão
ad quem), vulneração do interesse público por ele defendido.
A menos, é evidente, que o próprio agente ministerial se convença do seu desacerto e, escrupulosamente, ou por imperioso dever de consciência, não queira recorrer,
já que a tanto não está invariavelmente obrigado (cf., neste sentido, SÉRGIO BERMUDES, “Comentários ao CPC”, RT, S. Paulo, 1.977, 2ª ed., vol. VII, p. 63), prevalecendo neste campo, como sempre, seu livre convencimento e seu senso de responsabilidade.
Mas, recorrendo, o reclamo não poderá ser desconsiderado pelo simples fato
de o acidentado já haver recorrido, representado por advogado, do que decorreria
a suposta falta de interesse em recorrer para o Ministério Público, uma vez que, de
acordo com o exposto, cada um dos recorrentes defenderá um determinado tipo de
interesse ou de direito, podendo haver, no final, coincidência ou não das duas diferentes posições. Isto, contudo, só será possível saber após o julgamento do mérito
das duas inconformidades, nunca antes, sob pena de haver prejulgamento.
Vale dizer: poderá acontecer que o atendimento do interesse público ou do
direito objetivo acabe implicando também - indireta, oblíqua ou reflexamente - o
atendimento do interesse particular ou do direito subjetivo da parte inconformada,
ou vice-versa, mas isto - enquanto não solucionado o mérito das duas iniciativas recursais - constitui um dado simplesmente hipotético, e, mesmo depois, compõe
algo acidental ou meramente circunstancial, insuscetível de ser avaliado adequadamente no âmbito do juízo de admissibilidade de cada um dos recursos, pois saber
se o resultado prático do julgamento de um favorecerá ou não o interesse ou o direito feito valer no outro é algo que depende do exame e do equacionamento do
mérito das duas pretensões recursais.
Afirmar, portanto, que o Ministério Público não tem interesse em recorrer,
como fiscal da lei, porque uma das partes já o fez, representada por advogado (ou
porque poderia fazê-lo, nessa mesma situação), constitui, data venia, entendimento com o qual não se pode concordar, visto atentar contra o interesse público por
ele defendido, afrontando o art. 499, § 2º, do CPC e lhe negando vigência, além de
ofender também, segundo penso, as disposições constitucionais relativas ao Parquet, em particular o art. 127, caput, da Magna Carta.
Aliás, aludido preceito surgiu no direito positivo brasileiro, não se ignora, exatamente para pôr fim a antiga controvérsia que se estabeleceu na doutrina e na jurisprudência, na vigência do Código anterior e à luz do disposto em seu art. 814, sobre a possibilidade de o Ministério Público recorrer quando intervinha no processo
como fiscal da lei e, mais especificamente, fora daquelas hipóteses nele casuisticamente previstas.
O § 2º do atual art. 499 veio a lume, portanto, com a missão específica de deixar claro que o Ministério Público, quando fiscal da lei, pode recorrer sempre, a seu
exclusivo critério e a exemplo do que acontece quando atua como parte, pondo fim,
desse modo, à polêmica anteriormente instalada (cf. J. C. BARBOSA MOREIRA, “Co-
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115
mentários ao CPC”, Forense, Rio, 1.993, 6ª ed., vol. V, p. 264, nº 165). Por isso, também, descabe a restrição de que ora respeitosamente se diverge, como que revivendo o antigo cenário de distinções e de disputas que se supunha definitivamente sepultado pela lei processual civil vigente.
Daí assinalar JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, com inteiro acerto, que,
hoje, o recurso do Ministério Público “é sempre possível, visto que a lei não subordina à interposição de recurso por qualquer dos litigantes o exercício do poder atribuído ao órgão pelo art. 499, § 2º, fine” (ob. e loc. cits.; v.
tb., neste sentido, Súmula 99 do STJ). Cabe acrescentar: nem, correlatamente, subordina a lei a iniciativa recursal do Ministério Público, quando custos legis, à inexistência de recurso de qualquer das partes!
E aduz esse renomado processualista, com propriedade, que, em caso de recurso interposto pelo Ministério Público na qualidade de fiscal da lei, “há de entender-se a utilidade ou proveito” (que, na sua visão, fornece a medida do interesse em recorrer) “não como vantagem destinada a beneficiar individualmente o órgão do Ministério Público que interponha o recurso, mas
como a satisfação que poderá ter, mercê do pronunciamento do órgão
ad quem, o interesse (na observância do direito objetivo) sustentado por
aquele no processo” (ob. e vol. cits., nº 167, pg. 267, início).
Com efeito: como explica JOSÉ FREDERICO MARQUES,
O cutos legis é sujeito especial do processo ou do procedimento, que atua em nome próprio, para a defesa de interesses que o Estado deve tutelar nos conflitos litigiosos, ou
na administração judicial de direitos subjetivos, a fim de
que não fiquem à mercê da vontade privada. Ou, ainda,
sujeito especial que participa do processo como viva vox de
interesses da ordem jurídica, a serem salvaguardados na
composição da lide
(“Manual de Direito Processual Civil”, São Paulo: Saraiva, 1.983,
10ª ed., vol. I, p. 310, nº 253 - o primeiro e o penúltimo destaques
pertencem ao original).
Donde dizer PONTES DE MIRANDA que, na sua missão de fiscalizar a correta
aplicação da lei, “o Ministério Público atua como órgão da entidade estatal”. Mas “ele não representa: PRESENTA a entidade estatal, em função
fiscalizadora, porque QUEM FISCALIZA, VERDADEIRAMENTE, É A ENTIDADE ESTATAL” (ob. e vol. cits., p. 178, derradeiro tópico - sem destaques no original). E, mais adiante, enfatiza: “Temos de atender a que há interesse de quem
é parte (autor ou réu) e interesse de quem não é parte” (ob. e vol. cits., p.
179, 2º tópico, parte final - os destaques não pertencem ao original).
116
faculdade de direito de bauru
Logo, negar a possibilidade de recorrer ao Ministério Público fiscal da lei só
porque determinada parte já recorreu (ou porque poderia fazê-lo), representada
por advogado, importa não só desprezar a existência dos dois diferentes interesses
no processo como - o que é ainda pior - excluir da relação jurídica processual (que
a tanto equivale, sem dúvida, amordaçá-lo e impedi-lo de falar no segundo grau de
jurisdição em prol do interesse público ou do direito objetivo que lhe incumbe defender), a partir de certo instante ou de determinado ponto, o próprio Estado na
missão fiscalizadora que lhe compete e com que ele, ao editar o ordenamento jurídico positivo, se comprometeu, na medida em que prometeu às partes em geral e aos jurisdicionados que litigam no caso concreto em particular - referida ação fiscalizadora, tendo em conta a natureza da matéria em discussão num dado processo.
Esta é, fundamentalmente, a razão pela qual a doutrina hodierna, atenta à importante modificação havida no direito positivo pátrio a partir da edição do atual Código de Processo Civil, reconhece a possibilidade de o Ministério Público recorrer,
na qualidade de custos legis, sem qualquer entrave, embaraço ou restrição maior (cf.
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, “Curso de Direito Processual Civil”, Forense,
Rio, 1.994, 12ª ed., vol. I, p. 549, nº 529, 2º parág.; VICENTE GRECO FILHO, “Direito Processual Civil Brasileiro”, Saraiva, S. Paulo, 1.994, 7ª ed., 2º vol., nº 61, p. 272;
ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Curso de Direito Processual Civil”, Saraiva, S. Paulo,
1.989, vol. III, p. 271, item b.1, último tópico; SÉRGIO BERMUDES, “Comentários
ao CPC” cits., vol. VII, p. 63; OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, “Curso de Processo Civil”, S.A. Fabris Editor, P. Alegre, 1.987, vol. I, p. 353, in fine; etc.).
Esse, em resumo, é o quadro para aqueles que pregam a necessidade de haver legitimidade e interesse - como coisas distintas - para que o Ministério Público
possa recorrer na qualidade de fiscal da lei. Começa a tomar corpo entre nós, todavia, o entendimento de que, estando o Ministério Público legitimado por lei para o
desempenho de seu mister processual, o interesse em recorrer está presumido, implícito ou subentendido na autorização legal, isto é, está contido in re ipsa na legitimidade para agir ou para intervir, dele não se havendo de indagar, conseqüentemente, como categoria autônoma ou à parte da legitimidade que lhe é legalmente
outorgada para uma coisa ou para outra.
Tal é, com efeito, o entendimento de NELSON NERY JUNIOR, o qual adverte que,
Com relação ao interesse processual, que no procedimento
recursal corresponde em certa medida ao interesse em recorrer, há uma peculiaridade respeitantemente ao Ministério Público. O poder que a parte privada tem de exigir a
tutela jurisdicional é um posterius em relação ao interesse. Isto quer significar que o poder deriva do interesse processual, da necessidade de ingresso em juízo. No que pertine ao Ministério Público, o interesse processual deriva do
Revista do instituto de pesquisas e estudos
117
poder (legitimidade) que o legislador lhe outorgou para o
exercício da ação civil. Em outras palavras, o interesse
está pressuposto (in re ipsa) na própria outorga da legitimação: foi ele identificado previamente pelo próprio legislador, o qual, por isso mesmo, conferiu a legitimação
(in “Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos”, RT, S.
Paulo, 1.993, 2ª ed., p. 118/119 e respectivas notas - com abundante
referência bibliográfica, notadamente em relação à doutrina germânica).
E prossegue esse renomado autor lembrando que
A razão de ser da participação do Ministério Público no
processo civil, quer como autor da ação civil pública (art.
81, CPC), quer como custos legis (art. 82, CPC), é sempre o
interesse público, do qual ele é, no Brasil, o tutor natural.
Daí decorre a conseqüência de afirmar-se, com absoluto
acerto, que o interesse recursal não se constitui para ele
em pressuposto de admissibilidade do recurso
(ob. cit., p. 119 e respectivas notas).
Donde a conclusão, em face do exposto, de que, qualquer que seja o ângulo
pelo qual focalizado o assunto, ou, ainda, qualquer que seja a vertente doutrinária
preferida pelo estudioso, não se justifica, data venia, negar ao Ministério Público a
possibilidade de recorrer como fiscal da lei, em causa acidentária, a pretexto de que
lhe falta interesse pelo fato de haver recorrido o obreiro, estando representado por
advogado.
Mesmo porque em sentido idêntico ao dessa conclusão tem sido o entendimento tradicionalmente adotado pelo C. Superior Tribunal de Justiça em inúmeros
julgamentos, dos quais alguns podem ser citados para exemplificar: RESP nº 43.8543-SP, 6ª Turma, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, j. em 15/03/94, v.u.; RESP nº 45.4360-SP, 5ª Turma, rel. Min. Flaquer Scartezzini, j. em 18/04/93, v.u. (com menção a vários outros julgados no mesmo sentido); RESP nº 12.588-0-SP, 1ª Turma, rel. Min. César Asfor Rocha, j. em 1º/12/93, v.u. (com menção a dois julgados no mesmo sentido); RESP nº 37.600-9-SP, Rel. Min. Pedro Acioli, j. em 02/09/94; etc.
O Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, por outro lado, assim também já decidiu em várias oportunidades (AI nº 189.992, 2ª Câm., Rel. Juiz BATISTA LOPES, j. em 14/05/86, in JTA [RT] 103/386; AI nº 368.780, 2ª Câm., Rel. Juiz BATISTA LOPES; Ap. s/ Rev. nº 284.057, 6ª Câm., Rel. Juiz ANTONIO MARCATO, j. em
30/01/91 [com menção da Comissão de Jurisprudência ao AI nº 371.607, 3ª Câm., rel.
Juiz JOÃO SALETTI, j. em 10/11/92, no mesmo sentido]; Ap. s/ Rev. nº 264.807, 5ª Câm.,
118
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Rel. Juiz EVARISTO DOS SANTOS, j. em 22/08/90; Ap. s/ Rev. nº 206.658, 2ª Câm., Rel.
Juiz ACAYABA DE TOLEDO, j. em 02/03/88, in JTA [RT] 109/395; etc.).
Convém assinalar, por outro ângulo, que essa conclusão se afigura ainda mais
defensável quando o Ministério Público, intervindo como custos legis, opina pela
procedência da ação em seu derradeiro pronunciamento e a sentença dá ao processo outro desfecho.
Nessa hipótese, com a sentença de improcedência do pedido formulado na
inicial, de certo modo sucumbe o Parquet, pois vê desacolhido o seu pleito ou – o
que dá no mesmo - enjeitado o seu parecer. Logo, tem interesse em recorrer, inegavelmente, pois tem necessidade de usar o recurso adequado para sustentar sua posição e buscar a reforma do provimento jurisdicional que lhe foi adverso, pouco importando se recorreu antes ou depois do autor, bem assim se este interpôs ou não
recurso.
Tanto é assim, aliás, que a C. Terceira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça
vem de fixar entendimento nesse sentido, por unanimidade, no julgamento dos
Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 123.138-SP, interposto
pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, julgamento esse levado a efeito em
11/02/98, rel. o Exmo. Sr. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, nos seguintes
termos:
“O Ministério Público atua, no processo de infortunística, como
custos legis. Visa a resguardar o bom desenvolvimento do processo
e em atenção ao economicamente hipossuficiente. Em conseqüência, poderá acompanhar a instrução e valer-se dos recursos legais.
Marcará presença obrigatória em todos os atos processuais, ainda
que de conteúdo econômico, compensatório da extensão do acidente laboral. IRRELEVANTE ESTAR O TRABALHADOR ASSISTIDO
DE ADVOGADO. Assim como postula, PODE RECORRER, com reforço também na Constituição da República (art. 5º, LV), que assegura ‘em processo judicial ou administrativo’ contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (in DJU de 25/05/98
– Seção 1 – p. 10; os destaques não pertencem ao original).
Como se constata, o tema é da maior atualidade e de grande importância teórica e prática para quantos se preocupam com a correta administração da Justiça,
merecendo, por conseguinte, cuidadosa atenção.
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS
PONTOS POLÊMICOS
Francisco Ramos Mangieri
Bacharel em direito pela Faculdade de Direito de Bauru - ITE, Auditor Fiscal e
Diretor da Divisão de Receitas Mobiliárias da Secretaria de Finanças do
Município de Bauru/SP. Autor de livros.
TEXTO
Apesar de vasta doutrina e jurisprudência sobre a matéria, a verdade é que até
agora não se estabeleceu um consenso a respeito da interpretação dos artigos 173
e 174 do Código Tributário Nacional.
Entendimentos dos mais variados são encontrados na literatura nacional. Passemos, em linhas abaixo, a explanar o nosso ponto de vista acerca da tormentosa
questão.
Ab initio, conceituemos ambos os institutos. A doutrina civilista define a prescrição como sendo “a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso delas, durante um determinado
espaço de tempo.”?
Sílvio Rodrigues traça um paralelo entre tais formas de extinção da obrigação,
explicando que a distinção baseia-se na “idéia de que na prescrição o que perece é
a ação que guarnece o direito, enquanto que na decadência é o próprio direito
que fenece.”?
A primeira dificuldade a ser enfrentada pelo intérprete é verificada logo no inciso II do art. 173 do CTN. Para melhor compreensão, transcrevemos abaixo também o inciso I do aludido dispositivo:
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faculdade de direito de bauru
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I- do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II- da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Como se nota, o artigo acima transcrito trata, induvidosamente, da decadência,
visto que se refere à extinção de um direito, qual seja, o de constituir o crédito tributário. A regra geral, para os tributos que têm a sua exigibilidade condicionada ao prévio
ato administrativo de lançamento, é que o lapso temporal começa a correr a partir do
primeiro dia do exercício subsequente àquele no qual o Fisco já possuía condições de
formalizar a constituição do crédito. Até aí, nenhuma dúvida se apresenta.
Ocorre que o inciso II acaba criando uma forma de interrupção da decadência, excetuando o inciso I. Imaginemos que após transcorridos quatro anos e meio
da lavratura de um auto de infração, a autoridade anule o procedimento por entender ter havido nulidade na elaboração da peça de autuação. Pergunta-se: pode a Administração lavrar novo auto de infração que abarque obrigações tributárias nascidas
há mais de cinco anos?
A norma em foco responde afirmativamente à questão, pelo que, a nosso ver,
acaba criando um benefício injustificável à Fazenda Pública e, mais do que isso, ferindo o art. 110 do próprio diploma tributário federal. Expliquemos.
É certo que o direito tributário se reveste de algumas peculiaridades não verificadas em outros ramos. Cite-se, por exemplo, a capacidade tributária, autônoma e
independente da capacidade civil. É-lhe dado o direito de transportar institutos do
direito privado para as suas hostes, emprestando conotação diversa de suas origens.
Entretanto, tal possibilidade encontra limites nos casos em que os conceitos,
formas e expressões do direito privado são utilizados, implícita ou expressamente
pela Constituição Federal, para definir ou limitar competências tributárias. Exatamente o que ocorre com o instituto da decadência tributária, que é destacada pelo
art. 146 da Carta Magna Federal. Deve, pois, obediência aos contornos delineados
pelo Código Civil Brasileiro, que não admite qualquer meio de interrupção para a figura em comentário.
Portanto, temos para nós que o inciso II do art. 173 do CTN não tem validade
jurídica e sua interpretação é tão-só ab-rogante.
A controvérsia prossegue com a regra do parágrafo único do artigo ora tratado, in verbis:
Art. 173. (...)
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da
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121
data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
Verifica-se, in casu, outra medida interruptiva da decadência veiculada pelo
CTN. Tomemos como exemplo a seguinte situação hipotética: A Administração Tributária emite, neste exercício de 2001, notificação ao sujeito passivo de obrigação
tributária relativa ao ISS, exigindo a apresentação da DAME (Declaração Anual de
Movimentação Econômica) do ano de 1996, visando futuro lançamento. Não havendo antecipação de pagamento do tributo, a Fazenda decairá do direito de lançar a
partir de 01/01/2002, consoante o que reza o inciso I do artigo em estudo.
Contudo, pela regra deste parágrafo único, o prazo decadencial só começará
a fluir a partir da notificação de medida preparatória para o lançamento, no caso, a
exigência de entrega da declaração de faturamento. Trata-se, como vemos, à toda
evidência, de forma de interrupção da modalidade extintiva da obrigação, interpretação que vai contra os princípios que norteiam o regime jurídico tributário, como
expusemos anteriormente.
Deve-se, pois, conciliar ambas disposições, de forma que uma complete a
outra. Neste diapasão, entendemos que o prazo determinado pelo inciso I estará
sempre vinculado a uma medida preparatória do lançamento iniciada antes do
termo a quo eleito (ex. notificação para a entrega da Dame/2001 neste mesmo
exercício). Nesta hipótese, a decadência ocorreria em prazo menor. Por outro
lado, se a medida preparatória for iniciada após o primeiro dia do exercício posterior referido, automaticamente deverá prevalecer a regra do inciso I do art. 173,
não devendo ser levada em conta para a demarcação do início da contagem do
prazo de caducidade.
Ainda no tocante à decadência tributária, interessa comentar o prazo a ser observado nos casos de “lançamento por homologação”, ou melhor dizendo, nas hipóteses de tributos sem lançamento, que se tornam exigíveis logo após o vencimento indicado na lei, prescindindo de ato administrativo anterior. É o que ocorre com
o ICMS, IPI e ISS calculado sobre a receita bruta mensal.
Para nós, tratando-se da sistemática de “auto-lançamento”, onde há antecipação de recolhimento do imposto pelo sujeito passivo, deve ser observada a regra do
art. 150, § 4º, do CTN, no exato sentido de que o transcurso de 5 (cinco) anos será
iniciado a partir da ocorrência do fato imponível tributário.
É certo que existem decisões do STJ no sentido de que, em tais casos, o prazo de caducidade teria como termo inicial o término do decurso de 5 (cinco) anos
necessários à homologação, o que resultaria num prazo superior a 10 (dez) anos.
Data venia, segundo acreditamos, tal entendimento não se coaduna com o
CTN, antes o agride, já que tornaria absolutamente incongruentes os dispositivos
desse diploma que cuidam da matéria.
122
faculdade de direito de bauru
Melhor esclarecendo, um contribuinte que agiu com dolo, fraude ou simulação, seria beneficiado em relação a outro que simplesmente incidiu em engano, efetuando recolhimento a menor do imposto. É que, na primeira hipótese, o prazo decadencial a ser observado seria o do art. 173, I, enquanto na segunda situação, a Fazenda teria um prazo superior a 10 (dez) anos, contados da ocorrência do fato gerador, para constituir o crédito relativo à diferença apurada, o que se revela um verdadeiro absurdo.
Diante de tais argumentos, sustentamos a opinião de que o prazo de decadência, nos casos de tributos sem lançamento, em que haja a antecipação de pagamento do imposto pelo contribuinte, deve ter como marco inicial o momento em que
foi praticado o fato jurídico tributário pelo sujeito passivo. Assim, transcorridos 5
(cinco) anos da realização do tatbestand, sem que haja lançamento, extinta estará a
obrigação tributária, nos termos dos arts. 150, § 4º c/c art. 156, V, ambos do Cód.
Trib. Nacional.
Tratemos, a partir de agora, de outra figura de extinção do crédito tributário:
a prescrição.
O art. 174 do CTN rege a matéria nos seguintes termos:
“Art. 174. A ação para cobrança do crédito tributário prescreve em
5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.”
Logo, chama-nos atenção o seguinte ponto: a partir de que momento o crédito tributário pode ser considerado definitivamente constituído? A resposta é de
suma importância, pois, assim caracterizado o crédito, não mais haverá que se falar
em decadência, tendo início o prazo prescricional.
Parte minoritária da doutrina afirma que o crédito estará definitivamente
constituído após o término do procedimento administrativo em que se discutiu o
lançamento efetuado. Assim, lançado o IPTU e notificado ao contribuinte, este, não
concordando com o quantum cobrado, impetra reclamação administrativa. Para
essa corrente, após a decisão que julga improcedente a impugnação em última instância de jurisdição administrativa, é que o crédito tributário se revestirá da condição de líquido e certo.
Também com poucos seguidores, outra corrente doutrinária enxerga o crédito constituído de forma definitiva somente com a inscrição deste em Dívida Ativa,
invocando como fundamento o § 3º do art. 2º da lei nº 6.830/80 (A inscrição, que
se constitui no ato de controle administrativo da legalidade...).
Existe ainda terceira linha de pensamento, a qual nos filiamos, que enxerga o
crédito definitivamente constituído a partir de quando o sujeito passivo tenha sido
regularmente notificado do ato administrativo. Realmente, parece-nos este o exato
sentido a ser extraído da combinação dos arts. 142 e 145, ambos do Cód. Tributário
Nacional.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
123
Inclinando-se por esse pensamento exegético, surge dúvida se corre o prazo
prescricional no interregno entre o recurso administrativo interposto e a decisão final que o julgou improcedente. Entendemos que não. A impugnação administrativa
é, nos termos do art. 151, III, do CTN, medida suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, o que impede a sua inscrição em Dívida Ativa, bem como a cobrança
judicial do mesmo, enquanto o Fisco não proferir decisão.
Ora, se o Poder Público está impossibilitado legalmente de reivindicar o seu
direito, pelo menos temporariamente, não se afigura nenhum pouco razoável admitir o andamento do lapso temporal durante esse período. Antonio Luiz da Camara
Leal arrola, com muita propriedade, quatro condições elementares que integram o
conceito de prescrição. São elas:
1ª) existência de uma ação exercitável (actio nata);
2ª) inércia do titular da ação pelo seu não-exercício;
3ª) continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo;
4ª) ausência de algum fato ou ato, a que a lei atribua eficácia im
peditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional.3
A idéia, portanto, é que não merece guarida aquele que é inerte na procura de
seus direitos. De outra sorte, se o direito de ação ainda não é exercitável, como
ocorre nos casos de suspensão da exigibilidade do crédito, não deve ser imputada
ao credor da obrigação a condição de dormiente. Em tais situações, ao contrário, estará suspenso o prazo prescricional. Esta solução, segundo pensamos, harmoniza-se
com a lógica do sistema.
Outro assunto que vem dividindo doutrina e jurisprudência é o que se refere
à causa interruptiva prevista no art. 174, parágrafo único, I, do CTN:
“Art. 174. (...)
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
pela citação feita ao devedor.”
Acontece que a mesma matéria é disciplinada pela lei nº 6.830/80 (art. 8º, § 2º),
que, no entanto, traça regra diversa sobre o momento em que a prescrição considerarse-á interrompida (com o despacho do juiz que ordenar a citação). Entendem alguns
que, sendo o Diploma de Execuções Fiscais mera lei ordinária, deve ceder passo ao CTN,
recebido como lei complementar e, portanto, superior hierarquicamente.
Não compartilhamos dessa opinião. É que, nesse passo, o Cód. Tributário Nacional não está veiculando uma norma geral de direito tributário. Trata-se, na verda-
3 Da Prescrição e Da Decadência , 2ª ed., Forense.
124
faculdade de direito de bauru
de, de matéria processual, que deve ficar afeta ao estatuto específico. Deve, pois,
prevalecer a norma da LEF. Todavia, registramos que existem decisões em ambos os
sentidos, estando em aberto a discussão.
Por fim, terminemos com uma indagação muitas vezes verificada na prática:
contribuinte que recolhe tributo já atingido pela prescrição, tem direito à restituição
da importância desembolsada? E no caso de quitação de débito caduco?
A resposta é extraída da conjugação dos elementos intrínsecos que compõem
os conceitos dos institutos com a regra tributária que trata do problema da repetição de indébito.
O art. 165 do CTN determina a restituição nos casos de pagamento indevido,
nos termos da lei aplicável. Com a prescrição, o direito permanece latente; só não
há mais a possibilidade de exercitá-lo. Ocorrendo pagamento espontâneo, não será
lógico considerá-lo indevido, justamente porque permanece intangível o direito da
Administração em recebê-lo.
O mesmo não se dá nos casos de caducidade. Como já dito anteriormente, a
decadência fulmina o próprio direito e não simplesmente a ação que o ampara. Nessa esteira, quitado um débito caduco, estará o pagamento maculado por vício de ilegitimidade, eis que, no momento do recebimento, a Fazenda já não mais possuía o
direito ao crédito. Estará caracterizado pagamento indevido, passível de repetição
pelo sujeito passivo da relação jurídica tributária.
Como vimos, o tema é complexo e requer um aprofundamento maior em seu
estudo. Esperamos que este texto sirva como ponto de partida.
BAURU, 02 DE AGOSTO DE 2001.
BIBLIOGRAFIA:
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Tribunais, 1975.
BALEEIRO. Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 5ª ed. Forense.
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CAMARA LEAL. Antonio Luiz da. Da Prescrição e da Decadência. 2ª ed: Forense.
CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 5ª ed. São
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CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo: Saraiva,
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125
MANGIERI. Francisco Ramos. ISS - Teoria, Prática e Questões Polêmicas. 1ª ed. Bauru: Edipro, 2001.
MARTINS. Ives Gandra da Silva, em co-autoria com outros tributaristas. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 1998.
RODRIGUES. Silvio. Direito Civil. 17ª ed. São Paulo. Saraiva, 1991.
SOUSA. Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Ed. póstuma. São
Paulo: Resenha Tributária, 1975.
FRAUDE
EXECUÇÃO NA ALIENAÇÃO ONEROSA
DE BENS E O DEVIDO PROCESSO LEGAL
DE
Gelson Amaro de Souza
Professor de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito de Presidente Prudente-SP.
Mestre em Direito pela I.T.E. de Bauru – SP. Procurador do
Estado de São Paulo - aposentado. Advogado em Presidente Prudente-SP.
PRIMEIRA PARTE
FRAUDE DE EXECUÇÃO
1.
Noções preliminares.
A fraude de execução é tida como matéria de direito processual, diferentemente da fraude ao credor que é considerada disciplina de direito material. A fraude de execução tem sido considerada pela doutrina como atitude contra a dignidade da justiça, por tratrar-se de comportamento tendente a dificultar a realização do
direito do titular do direito sujeito à execução. Com isso tem sido entendida como
matéria de interesse e direito público e não contra interesse particular como ocorre na fraude contra credor.
O mais pesado argumento a sustentar este ponto de vista e no sentido de que
sendo de interesse do Estado (jurisdição) solucionar a lide quanto antes possível e da
melhor forma possível, é este que se sente como o maior prejudicado no caso de ocorrência de fraude de execução, quando então surge obstáculo intransponível à solução
da lide de satisfação (lide executiva). O segundo argumento mais corrente é o de que
fraude de execução é considerada tão grave, que até mesmo foi erigida à categoria criminal, sendo tipificada como crime, no artigo 179, do Código Penal. No sentido indicado é o Estado aquele que se sente moral e administrativamente prejudicado, porque
faculdade de direito de bauru
128
cabe a este a administração da justiça e a solução da lide, que no caso fica impedido de
realizar esta tarefa tão importante em um estado de direito.
Além do Estado (jurisdição), também é prejudicado o titular do direito passível de execução, mas este, terá prejuízo sob o ponto vista material e por isso colocado em segundo plano, na órbita do direito. Talvez por isso, a matéria tem sido tratada apenas sob o ponto de vista processual e não material, o que parece ser a parte mais importante.
Apesar da gravidade do ato do devedor que busca fraudar a execução, não se
conhece norma a ditar procedimento para o conhecimento e a declaração desta
fraude. O que se encontra na prática forense è a adoção de medida empírica sem
técnica jurídica e sem apoio no princípio do devido procedimento legal. Sem lei a
ditar algum procedimento especial, qualquer que seja adotado, que não seja o procedimento ordinário, será contrário ao princípio constitucional do devido processo
legal. É a lei quem dita o procedimento a ser seguido. O procedimento sim, este é
matéria de ordem pública e não fica sujeito à disposição das partes.1
2.
Conceito de fraude de execução
A expressões “fraude” e “fraudar”, estão relacionadas ao comportamento
reprovável, como o ato espontâneo e voluntariosa de burlar a lei, frustar a execução, evitar ou impedir a realização da execução e com isso obstruir a satisfação do direito. Prejudica materialmente o credor e processualmente o Estado
(jurisdição).
Equivocadamente tem sido considerada como oriunda de ato objetivo, porque, imagina-se dispensar o elemento subjetivo que seria a culpa ou o dolo. O equívoco ao que se pensa é saliente, pois, a própria expressão fraude já está contida no
elemento subjetivo e deste é necessariamente integrante.
Não se pode imaginar fraude sem o elemento subjetivo e por isso é própria
de quem tem capacidade. O incapaz, como se sabe, não pode cometer fraude.
BAYEUX FILHO(1.991), advertira que:
É absurdo pensar-se em fraude desprezando-se por completo o ânimo, o elemento subjetivo, como chegam a afirmar muitos processualistas. O animus malus está ínsito no conceito de fraude. Não
pode ser separado dele. No fraus executionis não há necessidade
de se perquirir desse ânimo porque ele é suposto, presumido, mas,
nunca irrelevante.2
1 SOUZA, Gelson Amaro de, “Curso de Direito Processual Civil”, pág. 460, 2ª edição, Editora Data Juris, Pres. Prudente-Sp, 1.998;
2 BAYEUX FILHO, José Luiz, “Fraude contra Credores e Fraude de Execução” , REPRO 61, pág. 251, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, janeiro/março de 1.991;
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129
O autor ao que se pensa tem razão na primeira assertiva ao se referir ao elemento subjetivo ou seja a consciência de quem vende e de quem compra, de que o
faz em fraude de execução. Entretanto, pensa-se que não se pode concordar com o
mesmo ao se referir que a prova neste sentido é dispensada, porque é suposta e presumida.
A fraude de execução, pelas consequências jurídicas que produz a ponto de
autorizar a constrição de bens de quem não é devedor e nem executado, jamais poderá ser presumida, senão devidamente provada.
3.
Natureza da fraude de execução
De outro lado é altamente discutível a natureza de direito público que se tem
procurado dar à fraude de execução. Lembra-se o que escreveu BAYEUX FILHO
(1.991), quando disse: “O que a fraude à execução ofende é o direito do credor à satisfação do seu crédito”3.
Não se vê como negar razão a este autor. Tanto é verdade que o prejudicado
é o credor, assim que a ele é reservada a iniciativa para o processo penal. (art. 179 e
Parágrafo único, do Código Penal). O parágrafo único do art. 179, do CP é muito claro, ao dizer que este tipo de crime somente será perseguido mediante queixa. Como
se sabe, os casos reservados para a queixa crime são os casos em que predomina o
interesse privado sobre o público. Do contrário, seria ação penal pública e não privada. A opção do legislador pela ação penal privada, parece espancar qualquer dúvida, quanto ao interesse atingido na fraude de execução.
Outra consequência interessante extrai-se da circunstância de que o credor
poderá abrir mão da execução sobre o bem alienado (art. 569, do CPC) ou até mesmo sobre o crédito que tem (art. 791, III, do CPC.) Ora, se o credor pode optar por
medida inibidora dos efeitos da fraude de execução e ainda é ele quem é titular da
ação penal, é porque não há predomínio do interesse público e sim predominância
do interesse particular. Assim, ao contrário do que se tem propagado até agora nos
meios forense e doutrinário, a fraude de execução atinge o interesse privado do credor e cabe a este reclamar pelas providências penais cabíveis ( art. 179, Par. único do
CP) e buscar sua declaração no juízo civel (art. 5° XXV, LIV e LV da CF/88), para posterior constrição na execução.
A fraude de execução não atinge diretamente o processo como direito público,
ela atinge o negócio jurídico de oneração ou alienação a ponto de torná-lo ineficaz. Não
há predomínio de interesse público, pois qualquer ato que contrarie interesse público
será nulo e não apenas ineficaz. No caso da fraude execução a situação ainda é mais
branda, não se trata nem de ato anulável e mesmo assim, a ineficácia de que se diz é
somente relativa e em relação ao exequente (credor) e sempre condicionada à vontade deste em tomar a iniciativa para a declaração de ineficácia ou a ação penal.
3 Idem autor, obra e local;
faculdade de direito de bauru
130
Ainda é de se ver, que o ato que se poderá considerar ineficaz não é ato processual e sim um negócio jurídico extrajudicial. Não se torna o processo ineficaz, o
que pode ser considerado ineficaz é o ato de alienação ou oneração de bem, como
negócio jurídico extraprocessual ou seja, como qualquer negócio jurídico em geral.
Assim, o ato de fraude de execução nos casos de alienação ou oneração de
bens, não tem a natureza de direito público, pois não fere diretamente interesse público e sim interesse predominantemente privado do credor. Tem a natureza de direito privado e como tal deve ser tratada e a ineficácia pretendida deve ser buscada
através das vias próprias previstas e utilizadas para a anulação ou desfazimento dos
atos ou negócios jurídicos em geral.
4.
Fonte legislativa da fraude de execução.
O Código de Processo Civil, ao tratar da responsabilidade patrimonial nos artigos 591 e seguintes, esclarece que ficam sujeitos à execução os bens alienados ou
gravados com ônus real em fraude de execução (art. 592, V ), para depois tipificar a
fraude de execução no artigo 593, quando dispôs:
Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:
I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;
II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o
devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;
III - nos demais casos expressos em lei.
Pela textura normativa, percebe-se que nada obstante encontrar a disposição
incrustada no Código de Processo Civil, o seu conteúdo é de direito substancial.
Não se pode ter dúvida de que as expressões “alienação” e “oneração de
bens”, são de direito material e não processual. Somente o direito material regula a
compra e venda e os casos de oneração de bens.
Pensar que o Código de Processo Civil refere-se somente à matéria processual é cometer indisfarçável engano. O nosso Código de Processo Civil é pródigo em manifestar sobre matéria própria e típica de direito substancial, o que faz
em diversas passagens, tais como, quando se refere a indenização (art. 18), procuração(art. 38), pagamento( arts. 652), insolvência (art. 748), cumprimento de
obrigação( art.794,I), transação, remissão (794, II), renúncia de crédito (794,
III,) entre outros.
Desta forma a fonte legislativa da fraude de execução é mesmo o Código de
Processo Civil e é nele que se encontra a fonte e o leito deste instituto que não encontra similar no direito comparado.4 Entretanto, apenas preocupou-se em dizer
4 Ver observação de TEIXEIRA, Salvio de Figueiredo, RT. 609/08;
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131
quando se dá a fraude de execução, mas não indicou procedimento a ser seguido
para a sua declaração. À falta de procedimento especial previsto em lei, somente poderá ser adotado o procedimento comum ordinário, como acontece em tantas outras hipóteses.
5.
Elementos da fraude de execução.
Conforme se vê da própria disposição da lei processual para que se dê a
fraude de execução é necessária a ocorrência conjugada de alguns requisitos. Estes requisitos são relacionados a fatos e por isso sempre deverão ser provados e
não presumidos. Alguns destes requisitos são encontrados no artigo 593, do
CPC. e são eles:
a) Alienação ou oneração: Acontecimento do mundo dos negócios jurídico
de direito material e que deve ser comprovado(Art. 593, caput, CPC);
b) Demanda pendente ao tempo da alienação ou oneração, instaurada contra o alienante(art. 593, II, do CPC);
c) Demanda esta capaz de reduzir o alienante à insolvência( art. 593, II, CPC).
d) A vontade livre e consciente do alienante a induzir a sua culpa ou dolo
(art. 156, do Código Civil).
e) A participação livre e consciente do adquirente. (art. 156, 1.108 e 1.117, II,
do Código Civil).
Sem a conjugação destes elementos não será possível falar em fraude de
execução.
5.1. Alienação ou oneração.
Foi visto anteriormente tratar-se de ato ou negócio jurídico regido pelas normas de direito material e cuja ocorrência, tempo e condições deverão ser efetivamente comprovados.
5.2. Demanda Pendente.
Este é considerado um dos principais pressupostos para a ocorrência de fraude de execução. A própria expressão “demanda” já deixa entender que a lei quis se
referir à ação de conhecimento. Existindo uma ação de conhecimento condenatório
em andamento, já é possível, se verificadas as outras hipóteses, ocorrer a fraude de
execução.
Não se exige que o processo que deve estar pendente seja de execução, basta tão-somente um processo de conhecimento condenatório pendente, ou seja, já
iniciado para que este primeiro pressuposto se considere cumprido.
Cumpre observar que o artigo 593, do CPC. faz referência à demanda pendente ou seja uma lide pendente. O artigo 219, do mesmo estatuto por sua vez consi-
132
faculdade de direito de bauru
dera a lide pendente a partir da citação. Por este último a lide somente será considerada pendente e assim também a demanda, a partir da citação do réu.
5.3. Estado de insolvência
Os dois primeiros requisitos anotados acima se completam com o estado de
insolvência do devedor, para completar sob o ponto de vista objetivo os elementos
necessários à fraude de execução por este ângulo.
Além das situações objetivas relacionadas ao processo pendente e a alienação
ou oneração, necessário no aspecto objetivo que agregue a situação fática de insolvência já existente ou que passa a existir com a própria alienação ou oneração.
Resta saber o que vem a ser estado de insolvência. A própria lei processual,
diz que, esta se dá toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do
devedor.
Apesar da velha doutrina dizer que é perigoso para o legislador definir, parece-nos, que esta definição de insolvência é incensurável.
Nada adianta ao devedor manter alguns bens em seu patrimônio se estes sejam insuficientes para a cobertura do passivo em aberto, porque a fraude de execução se configura. De outra forma, se o devedor alienar vários bens, mas reservar um
apenas que baste para o pagamento da dívida, não haverá fraude de execução em
relação aos bens anteriormente alienados.
Acaso o devedor possua vários bens que ultrapassem o valor da dívida, mas
aliena todos, sem reservar quantia suficiente para pagar a dívida, configura-se a insolvência e com isso a fraude de execução. Todavia, existindo vários bens que somados os valores ultrapassam o da dívida, mas estes bens sejam alienados escalonadamente, somente há de se considerar em fraude de execução aqueles alienados a partir do momento em que não mais se reservou bens suficientes para o pagamento da
dívida. Neste caso, os primeiros bens alienados não o foram em fraude de execução.
Somente hão de ser consideradas em fraude de execução as últimas vendas e não
as primeiras, porque a insolvência somente se concretizou a partir de certa e determinada venda e não quando foram realizadas as primeiras.
5.4. Vontade livre e consciente do vendedor de fraudar a execução.
A doutrina e a jurisprudência em sua remansosa manifestação têm propalado
que para a configuração da fraude de execução não se há de indagar sobre o elemento subjetivo do devedor. As posições neste sentido são respeitáveis e a elas filiamos-nos por muito tempo. Entretanto, de algum para cá, começamos a repensar a
questão e fazer uma releitura dos textos legais e uma reanálise do nosso sistema e
com isso passamos a suspeitar da posição que antes assumimos.
Como restou anotado acima a figura da fraude por si mesmo já implica na existência do elemento subjetivo. Inexiste fraude objetiva. O agente da fraude age deliberadamente com a vontade de fraudar e a vítima ou copartícipe atua, senão com
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133
vontade de aderir à fraude pelo menos induzida em erro por dolo ou culpa e com
isso terá a sua vontade viciada.
Na fraude predomina o elemento subjetivo e somente poderá ser autor da
fraude aquele que estiver em pleno exercício de suas faculdades mentais. O incapaz
não pode ser agente de fraude.
Não se pode reconhecer como fraude de execução todas e quaisquer alienações, simplesmente porque não teria o alienante outros bens para garantir o pagamento de eventual condenação em demanda pendente, sem antes perquerir o seus
estado emocional no ato da venda. Imagine-se um caso real em que um cidadão estava sendo demandado e tinha patrimônio maior do que a eventual dívida discutida
em demanda pendente sobre relação locatícia da qual ele era fiador. Em viagem de
férias de fim ano, tragicamente envolveu-se em acidente de automóveis em que sofreu ferimentos juntamente com vários familiares e alguns com ferimentos graves.
Para internação hospitalar e as cirurgias urgentes se viu obrigado a garantir o hospital com depósito em cheque e por não possuir fundos suficientes se viu obrigado a
vender a quase totalidade de seus bens, com o pensamento voltado em socorrer os
familiares acidentados. Neste caso o alienante acabou sendo vitorioso na demanda
e não fora condenado a pagamento algum. Todavia, é de se imaginar o contrário,
caso fosse ele condenado a responder pela dívida do inquilino. Teria ele alienado
ou não em fraude de execução? Parece que o bom senso neste caso, está a indicar
que não.
Não se vislumbra nesta hipótese qualquer elemento subjetivo em nenhuma
das suas figuras tradicionais a justificar o entendimento por fraude de execução.
Além de inexistir qualquer elemento subjetivo no sentido de fraudar eventual
pagamento em que resultasse a demanda, pelo contrário existia um ânimo de socorrer os familiares acidentados (estado de necessidade) e até mesmo os adquirentes
poderiam (hipótese) ter aderido à compra mais com o espírito de solidariedade em
razão da premente necessidade da venda.
Este e outros fatos em que implique necessidade da venda para socorro
ou até mesmo para salvar vidas, ocasião em que o alienante não pode nem sequer pensar em fraude de execução ou de eventual condenação em demanda
de natureza condenatória, cuja obrigação está ainda sob o manto da condição
suspensiva(art. 118,do Código Civil), demonstram que a vetusta teoria objetiva
da fraude de execução se apresenta superada, reclamando da doutrina moderna um reposicionamento mais consentâneo com o direito humanitário dos dias
modernos.
5.5. Vontade livre e consciente do adquirente em fraudar a execução.
Não se podendo analisar a fraude de execução sem analisar o elemento subjetivo do alienante, como restou anotado acima, com maior razão não se pode desprezar este dado em relação ao adquirente que na maioria dos casos são enganados
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134
e por isso vítimas, sem saber e às vezes até sem ter como saber estar diante de fraude de execução. Imagine-se o caso acima mencionado em que o alienante fizesse a
venda dos bens ao próprio hospital como dação em pagamento, e depois viesse o
alienante sair vencido na ação de cobrança de alugueis. Ao que se pensa, incogitável a fraude de execução neste caso, não só por faltar o elemento subjetivo do alienante, bem como do adquirente.5
A seguir este raciocínio acima da mesma forma, aquele terceiro adquirente
que o fez até animado pelo ânimo de socorro aos acidentados, jamais poderá ser
acoimado de copartícipe em fraude de execução.
Atribuir à fraude à execução, como até agora se tem feito, valor meramente
objetivo é criar flagrante injustiça, provocar insegurança jurídica e dificultar as relações sociais, além de contrariar os mais elementares princípios de direito público,
tais como o devido processo legal, ampla defesa e o contraditório. Necessário verificar se o adquirente tinha conhecimento da fraude de execução ou pelo menos tinha condições de saber, pelas informações, dados e notícias correntes colocadas ao
alcance da pessoa comum do povo. Fora isso não se pode falar em fraude.
SEGUNDA PARTE
A FRAUDE DE EXECUÇÃO E DEVIDO PROCEDIMENTO LEGAL
1.
Noções preliminares
Nesta parte serão vistas as ligações existentes entre o devido processo legal e a
fraude de execução. Aqui foi colocada em realce a preocupação com a relação necessária que deve existir entre a fraude de execução e o princípio do devido processo legal.
Não se imagina, possa alguma pessoa sofrer restrição de seus bens sem um
procedimento devidamente previsto em lei e regularmente seguido no caso concreto. A Constituição Federal deve ser lembrada, respeitada e seguida em todas
as atividades e relações sociais, por isso, com maior razão nas atividades judiciais,
como é o caso da decisão sobre fraude de execução e a conseqüente determinação para penhora da coisa adquirida e assim pertencente a terceiro que não é parte na execução.
Como se sabe, na prática, os juizes atendendo singelo pedido do credor (exequente), sem ouvir o devedor-executado (alienante) e nem o terceiro (adquirente),
ao entender em juízo de cognição sumaríssima, que houve a fraude à execução, reconhece-a e declara a ineficácia da alienação determinando a penhora sobre o bem
do terceiro adquirente, sem que este e o devedor sejam ao menos ouvidos a respeito desta tão grave imputação.
5 Com esse nosso pensamento manifestou concordância THEODORO JUNIOR, Humberto, conforme manifestação
expressa: Fraude de execução e o regime de sua declaração em juízo. Revista Jurídica, vol. 279. págs. 16 e 20. Sapucaia do Sul. Notadez. Janeiro 2001.
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135
Curiosa e estranhamente, alguns juizes, ainda adotam medidas esdrúxulas
como aquela de intimar o adquirente de que o bem adquirido será penhorado em
execução terceiro porque fora declarada diretamente nos autos do processo de execução a “fraude de execução”. Curiosa, estranha e esdrúxula tal medida, porque, se
haveria de intimar o adquirente, isto haveria de se dar antes da decisão e não depois. Antes da decisão haver-se-ia de ouvir o adquirente e também o alienante; agora, decidir por primeiro e intimar somente depois que já decidira é inverter a seqüência de qualquer procedimento e ferir de forma induvidosa o devido processo
legal. O normal seria chamá-los para apresentar defesa e depois decidir, e não decidir apressadamente e quando já não mais há como se defender, avisar da decisão o
adquirente. Imaginando isto em termo de pena de morte, seria o mesmo que primeiro matar e depois chamar(o morto?) para se defender.
Nada vai adiantar o argumento de que o terceiro adquirente terá depois,
como se defender, através de interposição de embargos de terceiro. É heresia
pura. Se assim fosse, poder-se-ia dizer que qualquer pessoa pode ser presa sem
motivos e infundadamente, porque ao depois, poderá impetrar habeas corpus.
O que a Constituição não quer é exatamente isto. Ela procura impedir a violação
do direito e não somente a correção do ato violador do direito. Dizer que o direito pode ser violado, porque ao depois haverá meio de defesa é a mais pura
heresia.
2.
Situação fática.
A fraude de execução é uma consequência jurídica extraída de uma situação fática. Como situação fática que é, envolve várias circunstâncias condicionantes de sua ocorrência, circunstâncias estas que devem existir efetivamente e
devidamente comprovadas, não podendo ser reconhecida e declarada por mera
presunção, sem antes abrir oportunidade probatória para todas as pessoas por
ela atingida e que serão assim, necessariamente interessadas.
A situação fática ensejadora da ocorrência de fraude de execução deve ser
exaustivamente provada e para isso, seguir-se a norma sobre o ônus da prova
(Art. 333, do CPC). No caso, como quem alega é em regra o exequente, cabe a
este provar tal ocorrência. Neste ponto, observando-se, o contraditório e a ampla defesa, também princípios constitucionais insuprimíveis. Uma coisa puxa outra - precisa seguir-se o devido procedimento legal - e como inexiste previsão de
procedimento especial para o caso, necessário é seguir o procedimento comum
ordinário.
Procedimento comum ordinário com todas as fases e princípios naturais
deste procedimento, entre eles os princípios da ampla defesa, da distribuição do
ônus da prova e do contraditório. Quando estes princípios não forem atendidos,
ferido está o devido procedimento legal e a decisão proferida que reconhecer e
declarar e fraude de execução é absolutamente nula.Pode parecer estranha a
faculdade de direito de bauru
136
afirmação a seguir, mas isto é uma verdade incontestável. O direito ao ser praticado às vezes apresenta contradições e incoerência despercebidas e que se percebidas fossem ruborizava toda a família jurídica. Na prática não são raros os casos de incoerência e contradição, em que no afã de afastar um vício de um negócio jurídico (fraude à execução) acaba-se por cometer um outro muito mais
grave. Isto é, o que em regra se dá, no caso de reconhecimento e declaração de
fraude de execução.
Na ânsia de afastar o vício (social) da fraude execução acaba por ferir mortalmente os princípios do devido procedimento legal, do contraditório e da ampla defesa, que são princípios que albergam interesses maiores.
3.
Provocação do conhecimento.
Nada obstante a vetusta e generalizada afirmação de que o juiz poderá conhecer da fraude de execução, mesmo sem provocação do credor interessado, pensamos que para o caso de alienação de bens (sem penhora registrada) em fraude de
execução isto não se dá. Como foi expresso anteriormente para que se dê esta figura, necessário se faz, a presença de várias situações que cumuladamente e que todas
elas exigem provas. Como o processo de execução não é palco para discussões paralelas, necessária é a instauração de novo processo (incidental) para discussão e
prova sobre eventual fraude de execução. Não podendo o juiz iniciar o processo
(arts. 2º e 262, do CPC), logo não pode ele tomar a iniciativa da fraude de execução
(salvo a hipótese de bem já penhorado e com registro da penhora, mas que não é a
hipótese até aqui estudada).
A fraude de execução garante ao credor direito de penhorar a coisa nas
mãos de quem quer que seja. Mas este direito é disponível do credor (art. 569,
794, III e 269, V, do CPC). Em sendo direito disponível do credor, somente a ele
cabe postular e não ao juiz agir de ofício, como enganadamente tem-se apregoado. É princípio básico de direito de que o juiz somente poderá agir de ofício
quando se tratar de matéria relacionada a direitos indisponíveis. Se o crédito
atingido pela fraude de execução é disponível, logo, não comporta atuação por
iniciativa do juiz.
Não podendo o juiz agir de ofício (art. 2° e 262, CPC), surge a inevitável provocação do interessado. No caso em tela, imagina-se que em regra somente o credor (exequente) terá interesse e legitimação para provocar o reconhecimento e declaração de que a coisa fora vendida ou onerada em fraude de execução.
Parece não ser difícil chegar-se a esta conclusão, o que é de difícil consenso é a forma com que deve se dar esta provocação. Atento aos princípios constitucionais do devido procedimento legal, do contraditório e da ampla defesa, é
de se imaginar que somente através de um processo autônomo(processo incidente) é que se poderá postular o reconhecimento e declaração de fraude de
execução.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
4.
137
Julgamento da fraude de execução.
O julgamento da fraude de execução em caso de coisa ainda não penhorada
ou sem registro da penhora, ao que se pensa somente poderá se dar através de processo de próprio e que no caso será um processo de conhecimento declaratório incidental. Como já foi mencionado, inexiste lei traçando o procedimento próprio ou
indicando procedimento especial para o caso de fraude de execução, o que se tem
a seguir é o procedimento comum ordinário. (art. 271, do CPC).
A primeira objeção que se poderia fazer ao que se afirma, é a de que no processo de execução não há espaço para discussão de questões de direito entre credor e devedor e com isso não se poderia abrir discussão estes dois e mais o terceiro adquirente.
É certo e inegável que o processo de execução não é palco próprio para discussão, senão realização do direito já anteriormente definido. Entretanto, inúmeros
são os casos em que excepcionalmente tem se permitido abrir discussão dentro dos
autos da execução, como se dá nos casos de “exceção ou objeção de pré-executividade”,6 pedido de remição (787, CPC), reserva de numerários para pagamento do
credor hipotecário (art. 598, CPC), arrematação sem leilão (art. 700 e parágrafos, do
CPC) etc.
Ainda que o processo de execução fosse de tudo imune à discussão dentro do
processo, mesmo assim, esta objeção, é de tudo insustentável. O fato de não ser
possível abrir-se de discussão dentro do processo de execução, nada obsta que se
encaminhe a discussão para outro processo incidental, como acontece em várias outras situações. Os embargos de terceiro (arts.1046 e seguintes do CPC) corresponde a um processo incidente à execução e é muito utilizado sem objeção. Também
outras incidentais existem e que são processadas em separado à execução, tais
como as exceções de incompetência, impedimento ou suspeição, pedido de preferência (arts. 612, 711 e 712, CPC), embargos do devedor (art. 736,CPC) embargos à
adjudicação e à arrematação (art.746, CPC). Desta forma, a aceitação de um processo incidental a menos ou a mais não prejudicar a execução. Ao contrário, com isso,
vai atender os princípios constitucionais maiores e que merecem respeito e acatamento.
Não se pode, e isso parece ser elementar, é o julgamento sobre coisa pertencente a quem não é parte no processo, sem que sejam atendidos o princípios do
contraditório, da ampla defesa e do devido procedimento legal.
Entendendo-se que estes princípios não podem ser atendidos diretamente
dentro do processo de execução, que o sejam em separado e em ação própria através de processo incidente como os demais acima anotados. O que não se pode é
6 Ver. REPRO 55/62, Ajuris 45/155, RT. 640/427, 617/187, 657/243, 596/146, 511/221, JTA 57/37, 95/128, 97/278 e Revista de Direito 25/15;
138
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contrariar a Constituição Federal e descumprir os princípios e as garantias asseguradas por ela. O julgamento da fraude de execução sem a ouvida do devedor (alienante) e do terceiro (adquirente), é inconstitucional por ferir mortalmente o princípio
do devido procedimento legal. Na doutrina já houve quem manifestasse pelo julgamento da fraude de execução através de ação de conhecimento e pelo procedimento comum ordinário e este ponto de vista pode ser encontrado na pena forte de
PESTANA DE AGUIAR(1.987), quando assim expôs:
Como podemos constatar, basicamente são três as hipóteses de retificação ou anulação do registro: a) - processo contencioso onde
especificamente se pede a retificação ou anulação do registro; b) pedido de anulação ou declaração de nulidade de ato jurídico em
ação própria, a gerar, consequentemente, a retificação ou anulação do registro; c) - decisão, em processo contencioso, sobre fraude de execução, a conduzir ao mesmo resultado quanto ao registro.7 (os destaques não são do autor).
Percebe-se que este autor fala de forma clara em decisão em processo contencioso sobre fraude de execução. Deixa claro que este grande jurista já se encontrava avançado em seu tempo e até mesmo antes da promulgação da atual Constituição Federal, já anunciava a necessidade de processo contencioso, para julgamento
da fraude de execução. Verdade é que, somente em um processo contencioso com
procedimento regular e que garanta os princípios e garantias constitucionais, poderá haver qualquer decisão e assim também o será em relação à fraude de execução.
Não é o antigo, vetusto, ilegal e inconstitucional costume de julgar a fraude de
execução sem processo contencioso e sem o princípio do devido procedimento legal, que o torna legítimo. Já se disse alhures que a repetição de ato ilícito jamais o
tornará lícito.8 Não é a repetição de julgamento ilegítimo jamais o legitimará.
A repetição de um procedimento inconstitucional jamais o tornará constitucional somente por esta repetição. Por isso, está na hora de rever posições e
adotar medidas novas. Se em época passada pensou-se que a fraude de execução
poderia ser julgada sem o devido procedimento legal, pensamento este, que hoje
já se sabe, de tudo equivocado, não pode ser mantido no presente. Se àquela
época pensava-se que isto era uma verdade, hoje se sabe, seguramente que não
o é. Aliás, ao seu tempo, Descartes, quando escrevera o Discurso do Método, deixou assentado:
7 PESTANA DE AGUIAR, João Carlos de, “A Ação Pauliana e a Fraude contra credores”, Revista de Crítica Judiciária, vol. 01, pág. 137, Editora Forense, 1º trimestre de 1.987, Rio de Janeiro-RJ;
8 Ver nosso “Processo e Jurisprudência no Estudo do Direito, pág. 95, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1.989;
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139
“Todas as coisas possíveis de cair sob o conhecimento dos homens
seguem-se umas às outras da mesma maneira e que, contanto que
nos abstenhamos somente de aceitar por verdadeira qualquer que
não o seja…” (Descartes, Discurso do Método p. 38).
Acenava este autor com expectativa de que somente fossem aceitas as verdades e não aquela que fosse apregoada como verdade e não o fosse. Como a decisão
sobre fraude de execução sem o devido procedimento legal nem de longe pode ser
vista como algo legítimo e em benefício da sociedade, deve ser mudada esta posição, nada obstante infindáveis precedentes jurisprudenciais. A propósito, lembra-se
a lição de um dos mais venerados juizes da Suprema Corte dos Estados Unidos em
todos tempos, CARDOZO Benjamin (1.978), que serve de clamor à consciência dos
julgadores:
“O processo evolutivo deve ser simétrico, coerente com a história
ou o costume, quando aquela ou este tiverem representado a força motriz, ou a principal força no sentido da configuração das regras existentes; e deve ser também coerente com a lógica ou a filosofia, quando o poder gerador tiver sido o seu. Essa evolução simétrica poderá, entretanto, ser comprada por preço excessivamente
alto. A uniformidade deixa de ser um bem quando se torna uniformidade de opressão. O interesse social servido pela simetria ou
certeza deve, portanto, ser equilibrado com o interesse social servido pela equidade e pelo sentimento de justiça, ou ainda, por outros elementos relativos ao bem-estar social. Tais elementos poderão impor ao juiz o dever de traçar a linha partindo de outro ângulo, de se arriscar por novos caminhos, de marcar novo ponto de
partida, do qual começarão sua jornada outros que virão depois
dele” 9
Felizmente começa surgir na jurisprudência entendimento mais consentâneo
com o devido procedimento legal, em que considerou necessária a participação do
adquirente no prazo para só depois, declarar-se a fraude de execução, como segue:
Para declarar a ineficácia do negócio em relação ao credor é necessária a intimação do adquirente para fazer parte do processo.10
9 CARDOZO, Benjamin N, “A Natureza do Processo e Evolução do Direito”, Tradução de Lêda Boechat Rodrigues,
pág. 118, 3ª edição, Coleção AJURIS, nº 09, Editora Síntese, Porto Alegre-RS, 1.978;
10 Agravo de Instrumento 91.01.125095- TRF 1ª Região, DJU 13-02-92, `in’ LEX- JSTJ, 38/386).
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Muito embora não se refira o julgado a um processo autônomo com citação,
mas refere-se à intimação e participação do adquirente no processo, o que já indica
a abertura de contraditório e ampla defesa, muito embora ainda falte o devido processo legal em sua ampla extensão.
5.
Efeito da declaração de fraude de execução.
Ocorrendo fraude de execução a alienação ou oneração do bem ou da coisa
é tida como ineficaz em relação ao credor que tinha demanda pendente no momento da alienação ou oneração. Como se vê não se trata de nulidade e nem de anulabilidade, mas tão-somente de ineficácia em relação ao credor e tão-somente em relação a este, sendo ato perfeito e eficaz com relação a qualquer outra pessoa, até
mesmo outros credores que ainda não tinha demanda pendente por ocasião da venda ou oneração.
Não basta ser credor, mais que isto, é necessário que seja credor com ação
proposta (demanda pendente) ao tempo da alienação ou oneração, para que estes
atos sejam tidos como ineficazes.
Trata-se de ineficácia relativa e que depende da iniciativa do credor, tanto que,
se este quiser, poderá abrir mão de seu direito em excutir o bem, como consta dos
artigos, 569, 269, V e 794, III, do CPC).
Por se tratar de direito que está abergado sob o princípio de disponibilidade
do credor, não se vê como, poderá o juiz agir de ofício e nem mesmo apreciar a
questão em simples incidente a pedido do credor sem as garantias constitucionais
do devido procedimento legal, ampla defesa e contraditório. Necessário se faz a instauração de um processo autônomo e incidental à execução, com participação do
devedor(alienante) e com citação do terceiro adquirente na qualidade de litisconsórcio necessário (art. 47, § único do CPC.). Sem esta providência todo o processado será nulo por não atender ao devido procedimento legal.
6.
Fraude de execução e o contraditório
Em se tratando de processo de execução, a grande maioria da doutrina
propala que nesta modalidade de processo não se faz presente o contraditório.
Nada obstante o respeito que merecem estes autores e o brilho da tese defendida, inclinamo-nos por entendimento contrário. Pensamos que este princípio
deve fazer-se presente em todos os processos e procedimentos, e, assim sendo,
existe e deve ser respeitado no processo de execução. A Constituição Federal ao
se referir ao contraditório, ampla defesa e o devido processo legal, nenhuma exceção e nem distinção faz em relação às modalidades de processo. (Art. 5°, LIV
e LV, CF/88).
Ainda que se pudesse imaginar o conhecimento e decisão em relação à
fraude de execução dentro e como incidente do próprio processo de execução,
já se haveria de cumprir o contraditório, permitindo a participação, com a ouvi-
Revista do instituto de pesquisas e estudos
141
da do devedor (alienante) e do terceiro adquirente. Entretanto, como parecenos, mais consentâneo com a questão, a instauração de outro processo de conhecimento declaratório, incidente e em apartado, com maior razão, deve o contraditório se respeitado.
Já foi falado e repete-se: Como a grande maioria dos autores afirma que o processo de execução não é palco para decisão de questões entre credor e devedor a respeito da dívida, com muito mais razão, não deve sê-lo para conhecimento e decisão sobre eventual fraude de execução, porque nesta última hipótese está em jogo direitos e
interesses de terceiro, que no caso, será o adquirente. Se entre as partes já não se pode
mudar o pedido após a citação (art. 264, CPC), com maior razão não se pode incluir pedido que vai além das partes e passar a atingir direitos de terceiro.
Tomando em consideração que não se pode decidir qualquer questão entre as
partes no processo de execução, como haveria de se admitir decisão sobre questão
que envolve interesse de terceiro dentro deste processo? Esta incoerência é a primeira coisa que se tem de excluir do pensamento jurídico.
Depois, a questão sobre fraude de execução que enganosamente se pensa
ser do processo de execução, não o é. Trata-se de matéria estranha ao processo
de execução e que somente produzirá efeitos neste depois de dirimida em ação
própria e em separado, como acontece em outros casos, como inventário, partilha e petição de herança, que somente depois de decidida a questão por ação
própria e em separado é que pode ser conduzida para os autos do processo
principal. Assim também há de ser em relação a fraude de execução, como bem
observara PESTANA DE AGUIAR (1.987):
Como podemos constatar, basicamente são três as hipóteses de retificação ou anulação do registro: a) - processo contencioso onde
especificamente se pede a retificação ou anulação do registro; b) pedido de anulação ou declaração de nulidade de ato jurídico em
ação própria, a gerar, consequentemente, a retificação ou anulação do registro; c) - decisão, em processo contencioso, sobre fraude
de execução, a conduzir ao mesmo resultado quanto ao registro.11
(os destaques não são do autor).
Este autor fala em “processo contencioso”. Logo, se assim dever ser, é porque
deverá ser em processo em separado e com todas as garantias constitucionais, entre elas o contraditório, do qual devem participar o vendedor (executado) e o terceiro adquirente.
11 PESTANA DE AGUIAR, João Carlos de, “A Ação Pauliana e a Fraude contra credores”, Revista de Crítica Judiciária, vol. 01, pág. 137, 1º trimestre de 1.987, Rio de Janeiro-RJ: Forense.
faculdade de direito de bauru
142
7.
Fraude de execução e a ampla defesa
Foi visto que o terceiro adquirente sofre prejuízos com o reconhecimento da
fraude de execução e se isto for feito à sua revelia ou seja, sem o seu conhecimento e sem que lhe seja dada oportunidade de defesa, fere os mais elementares direitos e as mais elementares garantias constitucionais.
Já observou Ada Grinover, que: “impedir lesões de direitos individuais, sem o
devido processo legal, significa adequação à natureza dialética do processo”.12
Não se conhece autor que acolha a possibilidade de reconhecer-se a fraude de execução sem a prova da ocorrência dos fatos ensejadores deste reconhecimento. Se assim é, é porque necessita da formação de uma relação processual
própria e com toda a possibilidade de defesa, onde as partes poderão apresentar suas provas. Quando uma parte apresenta sua prova, a outra poderá apresentar sua contra prova. Assim é que se pode falar em contraditório e ampla defesa; do contrário não.
Interessante observação fez ARAÚJO (1.995), quando se referia ao devedor
em ação monitória, expressou:
Releva observar que no procedimento monitório existe respeito à
posição do devedor, não se lhe agredindo inicialmente o patrimônio com a penhora, como ocorre na execução forçada, antes de a
autoridade judiciária formar convicção quanto à certeza do direito do autor, pela própria inércia do réu ou pela oposição de embargos inconsistentes.13
Esta observação é interessantíssima, na medida em que se percebe que até
mesmo para quem é devedor, o legislador moderno (Reforma processual, Lei 9.079,
de 14.07-95), abriu oportunidade de defesa antes determinar a constrição de seus
bens. Ora, se assim é com o próprio devedor, por quê não ser para o terceiro adquirente que nem devedor é? Se o devedor merece esta defesa antecipada, por quê
a ela não haveria de ter direito o terceiro adquirente?
A nossa Constituição Federal, não permite a existência de processo ou procedimento sem que seja concedida aos interessados a ampla defesa (art. 5°, LV ). Agora, em se admitindo que o Juiz possa reconhecer a fraude de execução incidentalmente, ou seja, dentro do próprio de execução sem chamar o terceiro adquirente
para se defender, estar-se-á a propagar odiosa contrariedade de à norma maior que
é a Constituição Federal.
12 GRINOVER, Ada Pellegrini, “Os Princípios Constitucionais do Processo” , pág. 19, Editora J. Bushatski, São Paulo, 1.975;
13 ARAÚJO, Francisco Fernandes, “Ação Monitória”, pág. 37, Copola Editora, Campinas-Sp, 1.995;
Revista do instituto de pesquisas e estudos
143
Melhormente laborou o E. Tribunal Regional Federal da Primeira região, quando reformulou decisão de primeiro grau em juízo que assim agira e de forma clara,
afirmou a necessidade de chamar para participar do processo o adquirente da coisa
alienada.14
8.
Fraude de execução e o devido procedimento legal
Sabe-se que o nosso sistema processual não reservou espaço para um procedimento especial de declaração de fraude de execução. Se assim não o fez o
legislador, não pode o aplicador da lei fazê-lo ante à ausência de norma expressa (art. 271, do CPC).
O velho e superado costume de se decidir pela fraude de execução, sem
prova e por mera presunção, é coisa do passado e ante a flagrante injuridicidade e inconstitucionalidade do processo, deve ser extirpado do nosso mundo jurídico.
Vale citar e transcrever aqui as palavras do Eminente Décio Antonio Erpen, em
relação ao assunto, quando disse: “Para evitar cometimento de injustiças, penalizando inocentes, reitero que nosso sistema jurídico se arrima no princípio da boa-fé”15
A boa fé do adquirente deve ser sempre presumida e a má-fé deve ser sempre
provada. Isto é princípio elementar de direito. Não pode ser desconhecido de ninguém, menos de um julgador. A declaração de fraude de execução atinge terceiro
que não participa do processo de execução e por isso ser-lhe-á assegurada a ampla
defesa, o contraditório e o devido procedimento legal em toda a sua extensão.
O respeito ao devido procedimento legal não pode faltar em processo e procedimento algum, assim também deverá ser em relação ao procedimento para conhecer, reconhecer a existência de fraude de execução e declarar a ineficácia da alienação feita em fraude.
A Constituição Federal em seu artigo 5°, LIV, afirma de forma peremptória
que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Bem de ver que a Carta Maior, não abre exceção e nem permite exclusão. Ela
diz “ninguém” será privado de seus bens sem o devido processo legal. Se diz “ninguém” é porque não permite exceção e todos ficam ao abrigo do devido processo
legal. Assim também deve estar o adquirente da coisa e cuja aquisição está sendo
acoimada de fraudadora da execução.
O adquirente deve ter direito e deve ter acesso ao devido procedimento legal
e somente depois é que seu bem poderá sofrer a declaração de aquisição por fraude e não antes disso. Permitir-se a constrição do bem antes de oportunizar ao adquirente o procedimento legal, é sem qualquer sombra de dúvida violar o princípio
constitucional do devido procedimento legal.
14 TRF. 1ª Região. AI. 91.01.125095; DJU 13.02.92 e Lex JSTJ 38/386;
15 Revista dos tribunais, vol. 624, pág. 37;
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144
Decidir pela fraude de execução, em simples incidente, como vem acontecendo é prática que não se deve estimular. Não é o direito à satisfação do crédito que
tem o credor, que poderá ilidir outro direito maior que são as garantias constitucionais do devido procedimento legal, ampla defesa e contraditório, assegurado ao adquirente. Se é verdade que o credor tem um direito infraconstitucional que é a satisfação de seu crédito, não é menos verdade que o adquirente tem outros direitos
maiores e garantidos a nível Constitucional.
É princípio geral de direito que, no confronto entre o direito garantido
constitucionalmente e outro em sentido contrário garantido por norma infraconstitucional, deve prevalecer o primeiro. É de saber notório e elementar, que
sempre haverá de prevalecer a Constituição Federal frente a legislação infraconstitucional.
Desta forma, antes da satisfação do crédito do credor interessado na declaração da fraude de execução, deve ser garantido ao adquirente o devido procedimento legal, ainda que isto demande certo tempo e algumas despesas processuais.
Seguindo estes parâmetros é de convencer-se que antes da declaração da
fraude de execução deve assegurar-se o devido procedimento legal, tanto ao
executado(alienante), bem como ao terceiro adquirente, que na grande maioria
das vezes, o faz na mais expressiva inocência e boa-fé.
Pode-se dizer que fora isto, o que se vê é arbitrariedade, é inconstitucionalidade e ausência de um estado de direito. Um estado de direito que se presa,
não pode permitir que alguém sofra restrição ou constrição de seu bem sem o
devido processo legal.
O jurista do seu tempo, no entanto, deve viver com sua época, se não quiser que esta viva sem ele.16
Homem do seu tempo, não deve curvar-se às doutrinas convencionais, ou
à jurisprudência subserviente, mas revestir-se da coragem de se preferir “ser
justo, parecendo injusto, do que injusto para salvar as aparências”(Calamandrei), mesmo que tenha que divergir do entendimento predominante, procedendo como bonus iudex, ou seja, aquele que ‘Adapta as normas às exigências
da vida’”.17
8.
CONCLUSÕES
Postas estas questões, é possível extrair algumas conclusões:
1. O devido procedimento legal deve fazer-se presente sempre e para resolver qualquer questão discutida, seja ela de natureza material, processual ou procedimental;
16 Ver. Josserand, Derecho Civil, nº 558, vol. I,
17 Confira: Salvio de Figueiredo Teixeira, Revista Brasileira de Direito Processual, vol. 28, pág. 120;
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145
2. A Fraude de execução não é matéria de natureza processual, como sempre
foi apregoado, mas questão de natureza material, (eficácia de compra e venda). Assim como é matéria de direito substantivo o pagamento, a renúncia, o perdão, a remissão, assim também o é a compra e venda ou a oneração da coisa para garantir dívida. Não é pelo simples fato de estar contida dentro do Código de Processo, que
seria matéria processual.
3. O interesse violado com a fraude de execução é interesse privado, tanto assim, que na órbita penal, a persecução penal, somente se dará mediante
queixa; Ora, se na órbita penal somente se inicia o processo mediante queixa
(Ação penal privada) é porque o legislador entendeu predominar o interesse privado e não o público;
4. Em sendo violação de interesse privado, não poderá falar em atuação ex officio pelo juiz, até mesmo porque, está na esfera de disponibilidade do credor (art,
269, V, 569 e 794, III, do CPC);
5. Não podendo o juiz agir ex officio (art. 2° e 262, CPC), necessária se torna
a provocação do credor interessado e isto deve se dar através de processo incidente, mas com autuação em separado ao processo da execução;
6. Este processo incidente, como qualquer outro, deve respeitar o princípio
do devido procedimento legal, do contraditório e ampla defesa;
7. O vetusto, ultrapassado e antiquado procedimento costumeiro (sem lei), de
decidir pela fraude de execução sem a formação do contraditório, da ampla defesa,
fere mortalmente a garantia constitucional da ampla defesa, devendo ser considerada coisa do passado, pois longe está, de atender os modernos princípios e garantias
constitucionais dos dias atuais.
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Desrespeitos à regra processual da
livre distribuição
George Marmelstein Lima1
Juiz Federal Substituto
“Não há tribunais, que bastem, para abrigar o direito, quando o
dever se ausenta da consciência dos magistrados” Rui Barbosa,
Obras Completas. V. 26, t. 4, 1899. p. 185
1.
INTRODUÇÃO
A regra da livre distribuição – corolário do princípio constitucional juiz natural (art. 5o, incisos XXXVII e LIII, da CF/882) – é norma expressa e cogente no Código de Processo Civil pátrio (art. 251 e 2523) e pode assim ser resumida: onde houver, com competência concorrente, mais de um órgão, ou mais de um cartório ou
repartição vinculados ao mesmo órgão, impõe-se a prévia distribuição, paritária e alternada, entre juízes e escrivães (MOREIRA, Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 21a ed. Forense, p. 20), devendo ser observados, nessa técnica, “aspectos abstratos, gerais e objetivos, a fim de evitar-se uma designação ad hoc” (SCHWAB, Karl.
Divisão de Funções e o Juiz Natural. RePro nº 48, 1987, p. 127).
1 E-mail: [email protected]
2 Respectivamente: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” e “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.
3 Respectivamente: “todos os processos estão sujeitos a registro, devendo ser distribuídos onde houver mais de um juiz
ou mais de um escrivão” e “será alternada a distribuição entre juízes e escrivães, obedecendo a rigorosa igualdade”.
152
faculdade de direito de bauru
De um modo geral, a distribuição ocorre por sorteio, que, nos dias atuais,
é realizado por computador e, apenas em casos excepcionais, é feito manualmente.
A técnica processual elegida pelo legislador brasileiro tem uma finalidade prática e outra ética: (a) distribuir igualitariamente a carga de trabalho entre os juízos e
(b) evitar que a parte escolha, a seu livre talante, entre os juízes competentes, o que
deseje julgar seu processo.
Do ponto de vista ético, a livre distribuição mostra-se como instrumento de
garantia da imparcialidade do magistrado. Daí sua importância, na arguta observação de MONIZ DE ARAGÃO:
não faz sentido, em face dos modernos postulados do Direito Processual Civil, considerar irrelevante a ausência de distribuição. A
adoção de tal tese - facultando-se ao autor, em conseqüência, a
possibilidade de se dirigir diretamente ao juízo de sua preferência
- importa em subordinar ao poder dispositivo da parte matéria que
é de ordem pública e paira acima da própria intervenção dos juízes, que não a podem modificar para atender quaisquer interesses. Juiz que concorda em despachar assunto que não lhe foi previamente distribuído estará sempre sujeito a parecer suspeito de
parcialidade aos olhos da parte contrária e do público (apud CARNEIRO, Athos Gusmão. O Litisconsórcio Facultativo Ativo Ulterior e
Os princípios do juiz natural e do devido processo legal. RePro, RT,
96/201).
Além disso, em um Estado Democrático que tem no reconhecimento da pluralidade de idéias uma de suas notas fundamentais, não se pode admitir que um juiz
tenha sua jurisdição subtraída pelo simples fato de possuir um posicionamento jurídico contrário à pretensão da parte.
Desse modo, é preciso reprimir as fraudes que comumente ocorrem na
distribuição de processos, até para que se restaure a legitimidade moral do Poder Judiciário. Afinal, dispensar a distribuição, permitindo que a parte escolha o
juiz de seu agrado, é transformar a justiça pública em negócio particular, num
trágico retrocesso de vários séculos na história do processo (MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Competência – distribuição por dependência. RePro nº 19,
1980, p. 218).
O presente estudo longe de querer ter a conotação de denúncia (na acepção
coloquial da palavra) pretende tão somente detectar alguns mecanismos utilizados
para se burlar a livre distribuição, buscando oferecer antídotos, extraídos do próprio
sistema processual posto, capazes de minimizar as fraudes.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
2.
153
POR QUE BURLAR A DISTRIBUIÇÃO?
Apesar de a regra processual da livre distribuição ser de caráter cogente e de
fácil aplicação, ela é violada, diariamente, de forma velada ou às escâncaras.
Frauda-se a distribuição por diversos motivos. Na maioria dos casos, o fenômeno ocorre por ter o advogado da causa conhecimento prévio do entendimento
do juiz sobre determinada matéria. Assim, caso o processo “caia nas mãos” do magistrado cujo entendimento jurídico é favorável ao seu cliente, a vitória será uma
certeza, pelo menos em primeiro grau. Veja-se que o fato é mais suscetível de ocorrer no âmbito da Justiça Federal, onde as discussões jurídicas se repetem em inúmeros processos.
A existência do duplo grau de jurisdição não minimiza a necessidade da
burla para os que dela se utilizam. Muitas vezes, a vitória em primeira instância já
traz por si só diversas vantagens financeiras para a parte, sobretudo quando há
provimento liminar ou antecipatório, cuja execução é imediata, máxime se se tratar de tutela “satisfativa”, ou seja, que esgote no todo ou em parte o objeto da
ação, como por exemplo, as que determinam a liberação ou embarque de mercadorias, expedição de Certidões Negativas de Débito, levantamento de valores
sem oferecimento de garantia etc.
Por isso, advogados inescrupulosos, que fazem de tudo para ganhar a causa
de seu cliente, sem qualquer crise de consciência, não hesitarão em fraudar a distribuição, se isso lhes propiciar a vitória na demanda.
3.
FRAUDE AO SISTEMA DE PROCESSAMENTO DE DADOS
A maneira mais abominável de se malograr a livre distribuição é através da
violação ao sistema de dados. Para a perpetração do ilícito, é necessário obter
acesso aos dados cadastrais, geralmente por meio de um funcionário do setor de
distribuição.
Esse tipo de fraude é fácil de ser descoberto. Contudo, é preciso que se analisem os dados internos do sistema para perceber que a distribuição foi viciada. Por
essa razão, o magistrado processante do feito pode nem saber que o processo lhe
foi distribuído por uma designação aleatória da parte, já que a alteração dos dados
ocorrerá no âmbito do setor de distribuição.
Pelo que sei, a forma mais utilizada para se manipular a distribuição, violandose o sistema de dados, é obter uma senha de acesso capaz de alterar os campos referentes aos nomes das partes. Desse modo, quando um processo “laranja” é distribuído, por sorteio, ao juízo desejado, basta alterar, antes de proceder à distribuição
física dos autos, o nome das partes originárias, colocando, em seu lugar, o nome das
partes do novo processo, para, em seguida, substituir as peças do processo original
então protocoladas pelas peças do novo processo.
154
faculdade de direito de bauru
Freqüentemente, têm sido descobertos, em vários Estados, casos de fraudes
utilizando esse tipo de ardil.
Aqui mesmo, no âmbito do Tribunal Regional Federal da 5a Região, o Corregedor Regional Francisco de Queiroz Cavalcanti vem investigando alguns fatos envolvendo violação ao sistema, tendo sido providenciada, inclusive, uma auditoria
por empresa especializada para apurar a segurança do programa utilizado. No Ceará, a Dra. Germana de Oliveira Moraes, Diretora do Foro, determinou a instauração
de sindicância (Portaria nº 480, de 30/9/1999) no intuito de apurar possíveis fraudes
que estavam ocorrendo na distribuição de processos.
A fraude ao sistema de processamento de dados ocorre, na grande maioria das
vezes, sem o conhecimento do juiz. Torna-se difícil, portanto, a sua repressão pelo magistrado a quem o processo foi distribuído, embora, se este tiver conhecimento da fraude, tem a obrigação de, além de tomar as medidas correcionais contra os responsáveis,
determinar que se proceda uma nova e livre distribuição do feito.
4.
ACOLHIMENTO DE PREVENÇÃO INEXISTENTE
Um dos meios mais comuns de se viciar a distribuição, escolhendo-se o juiz
da causa, é indicar, no rosto da inicial, uma suposta prevenção existente com outro
processo que tramita no cartório ( Vara) do magistrado escolhido, dirigindo a petição inicial, sem maiores delongas, àquele juízo.
Alega-se, em geral, que a prevenção é justificada por uma suposta conexão entre as causas. Não obstante, ao analisar os dois processos supostamente conexos, verifica-se que a prevenção é totalmente inexistente.
Em alguns casos, a alegação é tão absurda que se sustenta a conexão entre
processos em que as partes são totalmente distintas, as matérias totalmente estranhas entre si e não há qualquer ponto em comum, por mais distante que seja. São
as chamadas conexões “absurdas/teratológicas/inusitadas/destemperadas”, na linguagem afiada do Juiz Federal Agapito Machado.
Em outras hipóteses, a alegação é mais dissimulada. A parte sustenta que a
causa de pedir de uma demanda seria idêntica à de outra pelo simples fato de serem iguais as teses jurídicas defendidas.
Desse modo, a título de ilustração, se um juiz já tivesse reconhecido, liminarmente, a inconstitucionalidade de um tributo pago por uma empresa, e o processo
estivesse ainda tramitando, caso outra empresa pretendesse se eximir de pagar o
mesmo tributo, poderia pedir a distribuição por prevenção, sob a alegativa de que
existiria “conexão” entre uma causa e outra, já que ambas teriam a mesma “causa de
pedir”. O argumento seduz os mais desavisados, mas não deve prevalecer.
No exemplo citado, ainda que o tributo seja o mesmo, ainda que os argumentos utilizados em prol de sua inconstitucionalidade sejam idênticos, inexiste qualquer identidade entre as causas de pedir, já que cada relação jurídico-tributária cons-
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155
titui uma relação autônoma e independente. Os objetos, portanto, são completamente distintos, e, por conseqüente, distintas também são as causas de pedir. O
mesmo argumento se aplica, por exemplo, aos pedidos de inclusão dos expurgos inflacionários nas correções de contas do FGTS, onde cada conta é independente entre si; aos casos de reconhecimento de validade das apólices da dívida pública, onde
cada apólice constitui um título autônomo; ao pedido de transferência de alunos de
uma universidade para outra (cada relação jurídica formada entre aluno/instituição
de ensino é independente); nos contratos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação, em que, mesmo contendo cláusulas idênticas, há uma nova relação jurídica
para cada contrato; e os exemplos se seguem.
Se existe uma certa coincidência no que toca à tese jurídica defendida em
cada processo, é certo que essa simples coincidência não tem o condão de determinar a modificação da competência originária do processo. Se o mérito de
uma lide consiste em uma questão de direito e esta é uma das questões que se
apresentam na outra, isso não basta para alterar em relação a uma delas a competência; a esse efeito é necessário que as questões comuns se refiram ao mesmo título ou ao mesmo objeto (CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. Trad. Adrián Sotero De Witt Batista. Vol. I, ed. Servanda, São Paulo,
1999, p. 296).
O critério a ser observado, em resumo, para se acolher a distribuição por
dependência em razão da conexão, é o da prejudicialidade: se há um choque entre as causas, exigindo decisões uniformes, aí sim se justificará a reunião de processos pela conexão, e a conseqüente modificação da competência. Do contrário, não havendo vínculo de prejudicialidade entre os julgamentos eventualmente divergentes (um não conflita com o outro), a distribuição por prevenção não
passará de uma burla velada à livre distribuição4. Em outras palavras: “a reunião
4 Nesse sentido, assim já decidiu o Juiz Federal Agapito Machado: “A existência de conexão pressupõe a identidade,
mesmo parcial, do objeto ou da causa de pedir das demandas (CPC, ART. 103). Objeto é o bem que se busca através da demanda. Causa de pedir ‘é o fato jurídico que o autor coloca como fundamento de sua demanda’ (Liebman - v. Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, Humberto Theodoro Júnior, 13ª Edição, pág. 179, nota de rodapé
nº 25). Verifica-se não haver a identidade de causas pretendida, eis que a relação jurídica existente entre cada autor
e o réu é que fundamenta a causa de pedir. E estas relações são distintas. Exemplo disto é que, se um vier a se demitido, o outro necessariamente não será. Distinta a relação jurídica, distinta portanto a causa de pedir. Por outro
lado, o objeto da demanda de cada autor, no caso, é aquela parcela salarial buscada na ação. A parcela vencimental
de um autor não é a mesma buscada pelo outro. Cada um busca a sua parcela. Não é comum, portanto, o objeto
das demandas em tela. Distintos o objeto e a causa petendi, inexiste a alegada conexão. O que ocorre é que as
ações discutem a mesma matéria, o que não implica em conexão. Do contrário, a prevalecer a tese dos autores, todas as ações, por exemplo, que versassem sobre importação de bens usados, ou sobre o pagamento das parcelas
decorrentes da auto-aplicabilidade dos §§ 5º e 6º do art. 201 da CF/88, em relação aos benefícios previdenciários,
ou sobre a possibilidade de compensação tributária entre o FINSOCIAL e a COFINS, seriam julgadas por um único
juiz, aquele para o qual fosse distribuída a primeira de qualquer das ações mencionadas. E isso não ocorre” (Proc.
96.12470-1).
156
faculdade de direito de bauru
somente será necessária se houver o risco de decisões contraditórias. Senão,
não” (MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Competência – distribuição por dependência. RePro nº 19, 1980, p. 218).
4.1. A Instrução Normativa nº 01/2001 da Corregedoria Regional da 5a
Região
Para minimizar o problema das distribuições irregulares (“distribuições dirigidas”) que estavam ocorrendo no âmbito da 5a Região, o Douto Corregedor
Regional Francisco de Queiroz Cavalcanti publicou a Instrução Normativa nº
01/2001, conferindo ao Juiz Federal Distribuidor a incumbência de decidir, fundamentadamente, as pretensões de distribuição por dependência, reconhecendo
ou não a hipótese de prevenção (art. 2o). Obviamente, a decisão do Juiz Distribuidor não impede a reapreciação pelo Juiz para o qual for distribuído o processo (juiz da causa).
É inquestionável que a referida medida diminuirá, e muito, as falsas prevenções que vinham ocorrendo de forma banalizada em alguns Estados da 5a Região.
Porém, ainda há uma pequena margem para ocorrência fraudes, pois a medida
não impede que o próprio Juiz Distribuidor acolha prevenções inexistentes, sobretudo quando for ele também o juiz da causa. Desse modo, ainda persiste a necessidade de os advogados das partes prejudicadas com as distribuições dirigidas
(em geral, os Advogados Públicos) insurgirem-se, através de recursos à instância
superior e reclamações à Corregedoria, contra os casos de prevenção manipulada, fiscalizando toda e qualquer distribuição por prevenção.
Ressalte-se que, no âmbito da 2a Região, o Provimento nº 1, de 31 de janeiro de 2001, da Corregedoria Geral, traz norma semelhante (art. 133), conferindo
ao Juiz Distribuidor a atribuição de apreciar os pedidos de distribuição por prevenção. Além disso, na 2a Região, foi designado um Juiz Distribuidor permanente, ao invés de um por mês, o que possibilita uma melhor uniformidade de posicionamento.
5.
LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO ATIVO POSTERIOR
Outra fraude à livre distribuição bastante utilizada é a admissão de litisconsórcio facultativo ativo em momento posterior à distribuição.
O pedido de ingresso de litisconsortes ativos facultativos, em geral, ocorre
nos seguintes momentos: a) após a distribuição; b) após o despacho inicial (geralmente concessivo de medida liminar ou antecipatória); c) após a citação ou a notificação (em caso de mandado de segurança).
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157
Em qualquer dessas oportunidades, a aceitação do ingresso de outros litisconsortes fere a livre distribuição, pois as novas partes estarão escolhendo o juiz da causa, o que é vedado pelo nosso sistema processual5.
Não se discute a possibilidade de formação do litisconsórcio ativo facultativo.
Aliás, o próprio CPC (art. 466) o admite. O que se deve impedir é a formação do litisconsórcio após a distribuição do feito, a fim de restar preservada a regra da livre
distribuição.
Há inúmeras decisões dos Tribunais nesse sentido, inclusive do Superior Tribunal de Justiça. Confiram-se alguns exemplos:
Não é admissível a formação do litisconsórcio ativo após o ajuizamento da ação, sob pena de violação do juiz natural, em face de
propiciar ao jurisdicionado a escolha do juiz (STJ, RESP 24743/RJ,
Corte Especial).
Tratando-se de litisconsórcio facultativo ulterior é inadmissível
seu acolhimento após a distribuição e, principalmente, após a
concessão de liminar em sede de mandado de segurança. Aceitar-se tal procedimento caracterizaria ofensa ao princípio do
juiz natural, pois deve ser assegurada a livre distribuição dos
feitos, não sendo dado a ninguém a oportunidade de escolher o
juiz de sua causa. (TRF – 3a Região, AG 93.03.030047-5/MS, 2a
Turma, Data da Decisão: 12/05/1998, DJ 03/06/1998, p. 356, rel.
JUIZA SYLVIA STEINER).
Observe-se que a aceitação do ingresso de litisconsortes ulteriores, além configurar burla à distribuição, caracteriza também violação ao art. 19 do CPC, pois os
litisconsortes aderem ao processo sem qualquer pagamento de custas, quando a regra impõe a cobrança da taxa judiciária.
5 Os ilustres juristas Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, ao comentarem o art. 46, caput, do CPC,
assim concluem: “Formação do litisconsórcio ativo facultativo. Deve ocorrer no momento do ajuizamento da ação. Proposta a ação, não é mais possível a formação do litisconsórcio ativo facultativo. Não se admite
o litisconsórcio facultativo ulterior que ofenderia o princípio do juiz natural. A determinação pelo juiz da reunião de ações conexas, bem como o ajuizamento de ações secundárias (denunciação da lide, chamamento ao
processo e oposição), são formas atípicas e impróprias de litisconsórcio ulterior”. (In Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 3ª ed., São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1997, p. 324.)
6 Art. 46 - Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; II - os direitos ou as obrigações
derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela
causa de pedir; IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.
158
6.
faculdade de direito de bauru
MANDADO DE SEGURANÇA VS. AÇÃO ORDINÁRIA
Outro modo dissimulado de se ludibriar a distribuição é o ajuizamento concomitante de mandado de segurança e de ação ordinária, com o mesmo pedido,
mesma causa de pedir e mesma parte autora. As duas ações, absolutamente idênticas, cujos efeitos jurídicos pretendidos são os mesmos na prática, serão distribuídas
para dois juízes diferentes. Caso um dos juízes defira o pedido liminar, a parte pede
a desistência da outra ação, prosseguindo tão somente o feito no juízo favorável ao
autor.
Se as partes fossem exatamente as mesmas, o sistema de processamento de
dados certamente detectaria a litispendência (art. 3017, §§ 1o, 2o e 3o). Contudo,
como a parte ré, não é, formalmente, a mesma (no mandado de segurança, será aautoridade impetrada; na ação ordinária, será a pessoa jurídica a que está vinculada a
autoridade), a possível litispendência passa despercebida pelo computador.
Veja-se que, se a liminar tiver natureza “satisfativa”, uma futura alegação de litispendência ou prevenção pela parte contrária não surtirá qualquer efeito, pois o
objeto da ação ter-se-á esgotado.
Sugere-se, a título de solução para o problema, que, ao cadastrar, no sistema,
o mandado de segurança, inclua-se como ré, ao lado da autoridade impetrada, a pessoa jurídica a que ela está vinculada. Desse modo, o computador poderá detectar a
litispendência.
7.
IMPETRAÇÕES MÚLTIPLAS E SUCESSIVAS
Atuando como Procurador do Estado de Alagoas, tive o dissabor de travar um
luta judicial com um forte grupo econômico (em geral, grandes investidores: bancos, fundos de pensão, especuladores etc), em que se discutia a validade ou não das
Letras Financeiras do Estado de Alagoas, emitidas fraudulentamente (escândalo dos
precatórios). O processo tramitava na Justiça Federal do Rio de Janeiro, pois o Banco Central e a União Federal foram incluídos como partes e alguns dos autores tinham domicílio naquele Estado. Frise-se que, se os investidores forem ganhadores
da ação (até onde sei, a causa ainda não foi julgada), o Estado de Alagoas terá um
prejuízo de cerca de um bilhão de reais.
O advogado patrocinador da causa em questão, utilizando-se de uma prática inegavelmente escusa, ajuizou diversas ações sobre o mesmo assunto, na
mesma data, cada qual com uma parte diferente, e, em seguida, manteve apenas
7 art. 301. (...) §1o. Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.
§2o. Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. §3o
Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada, quando se repete a ação que já foi
decidida por sentença, de que não caiba recurso.
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159
o processo no qual obteve o deferimento da antecipação de tutela. Logo em seguida, o causídico desistiu de todos os demais pleitos em que não foi deferido
o pedido, solicitando o ingresso dos demais autores no processo remanescente
(formando um litisconsórcio ativo ulterior) ou aforando, “por prevenção”, todas
as ações posteriores àquele juízo que já havia deferido a medida antecipatória,
numa abominável burla ao sistema da livre distribuição. Importa ressaltar que o
fato foi, inclusive, noticiado pela Revista Veja, de 9 de agosto de 2.000.
Sem adentrar ao mérito da decisão que antecipou os efeitos da tutela, o
certo é que, processualmente, a atitude do magistrado, ao aceitar a formação do
litisconsórcio ativo facultativo ulterior ou reconhecer a falsa prevenção, por melhor que fossem suas intenções, violou a livre distribuição, retirando, por conseguinte, da sua decisão toda a legitimidade. Como já se disse, “juiz que concorda em despachar assunto que não lhe foi previamente distribuído estará sempre sujeito a parecer suspeito de parcialidade aos olhos da parte contrária e
do público”.
7.1. O que fazer contra isso?
Recentemente, foi publicada a Lei 10.358, de 27 de dezembro de 2001, que,
entre outras mudanças, alterou o art. 253, do Código de Processo Civil, ora transcrito na parte em que interessa:
“art. 253. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer
natureza:
I – omissis;
II – quando, tendo havido desistência, o pedido for reiterado, mesmo que em litisconsórcio com outros autores”.
A alteração teve origem no anteprojeto de lei nº 14, elaborado pelos processualistas Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, em cujas notas explicativas fica nítido o seu intuito:
É alterado o caput do art. 253, a fim de que a distribuição seja feita por dependência não apenas nos casos de conexão ou continência com outro feito já ajuizado, como ainda nos casos de ‘ações repetidas’, que versem idêntica questão de direito . Evitar-se-ão, assim, as ofensas ao princípio do juiz natural, atualmente ‘facilitadas’ nos foros das grandes cidades: o advogado, ao invés de propor
a causa sob litisconsórcio ativo, prepara uma serie de ações similares e as propõe simultaneamente, obtendo distribuição para diversas varas. A seguir, desiste das ações que tramitam nos juízos
onde não obteve liminar, e para os autores dessas demandas pos-
160
faculdade de direito de bauru
tula litisconsórcio sucessivo, ou assistência litisconsorcial, no juízo
onde a liminar haja sido deferida.
A alteração desse artigo do CPC foi inclusive sugerida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por ofício datado de 19.05.1994,
e encaminhado ao Conselho da Justiça Federal (of. 270/94- PRESI),
com esse objetivo: obstar as ‘distribuições conduzidas’ – grifos no
original.
A mudança, sem dúvida, é salutar, pois deixa expresso que o primeiro juízo a quem a causa foi distribuída ficará sempre prevento para o seu julgamento,
independentemente de haver proferido sentença homologatória da desistência,
evitando, com isso, fraudes à livre distribuição que vinha ocorrendo em todas as
grandes comarcas. Antes, o posicionamento tradicional era no sentido de que
não existiria conexão de causa finda com outra recém-proposta como fonte alteradora das regras de competência. Logo, uma vez homologada, por sentença, a
desistência, a nova petição, mesmo sendo idêntica à primitiva (mesmas partes,
mesmo objeto, mesma causa de pedir, mesmo advogado), seria distribuída livremente, sem que o juízo da causa originária ficasse prevento para dela conhecer,
o que permitia que a parte ajuizasse inúmeras ações sucessivamente, pedindo,
em seguida, a desistência do feito, até que o processo fosse distribuído ao juízo
de sua preferência.
Antes mesmo da alteração legislativa, os Tribunais pátrios, seja no exercício de
seu poder regulamentar, seja no julgamento de casos concretos, vinham adotando
a tese de que, ao verificar que a parte ajuizou ações sucessivas com o intuito de iludir a distribuição, o juiz (seja o distribuidor, seja o da causa), visando reprimir esse
ato atentatório à dignidade da justiça, teria o poder-dever de reconhecer a prevenção em relação àquele juízo a quem primeiro foi distribuída a ação, mesmo que já
existisse sentença homologatória de desistência.
A Instrução Normativa nº 22. DE 21 DE AGOSTO DE 2000, (Diário da Justiça de 23/8/2000, Seção II, pág. 001), da Corregedoria Geral do Tribunal Regional Federal da 1a Região, já determinava que a distribuição de ação idêntica (CPC, art. 301,
§2o) a outra extinta por desistência seria feita ao juiz que conheceu da primeira, ainda que, na hipótese de vários interessados, nem todos tenham figurado na primitiva relação de autores.
As decisões também são abundantes no mesmo sentido, mesmo quando não
havia norma dispondo sobre a matéria.
Na 2a Região, cita-se o CC 96.02.26371-7/RJ, 4a Turma, rel. Célia Georgakopoulos, em 20/11/1996, DJ: 22/05/1997, onde está ementado que “Tendo havido desistência em mandado de segurança, ficou preventa a respectiva vara para a distribuição de outro writ idêntico. Não se trata de conexão para evitar decisões contrárias,
mas sim de se precaver contra a violação do princípio do juiz natural. Em igual sen-
Revista do instituto de pesquisas e estudos
161
tido: CC 95.02.23703-0/RJ, 3a Turma, rel. Juiz Celso Passos, em 21/11/1995, DJ
22/10/1996, p. 80054.
Na 3a Região, exemplifica-se o CC 3123/SP, 1a Seção, rel. Juiz Oliveira Lima,
em 06/09/2000, DJU 20/10/2000, p. 265, cuja ementa prescreve que “A distribuição a juízo diverso de outra medida cautelar, idêntica a anterior que foi extinta
por desistência, fere o princípio do juiz natural. Precedente desta corte. Não
obstante a extinção do primeiro, a prevenção por conexão está a determinar a
distribuição do segundo feito ao mesmo juízo do pedido anterior. Em idêntico
sentido: CC 94.03.061144-8/SP, 2a Seção, rel Juíza Eva Regina, em 2/06/1998,
DJ:12/08/1998, p. 512; CC 03025205-1/SP, 2a Turma, rel. Juiz Oliveira Lima,
DOE:15/06/1992, p.135.
Por fim, na 4a Região, há o precedente do CC 97.04.24501-7/RS, 1a Seção,
rel. Jardim de Camargo, em 03/09/1997, DJ 05/11/1997, p. 93731, onde se decidiu que “Existindo identidade de processos, sendo que na primeira ação houve
exame da inicial e indeferimento de liminar, encontrando-se arquivada devido a
pedido de desistência, a segunda ação deve ser distribuída por prevenção”8.
Observe-se que, apenas o Tribunal Regional Federal da 5a Região ainda não
havia adotado o posicionamento agora imposto por lei.
Sem receio de equívoco, foi importante a alteração legislativa, ainda que
apenas para efeito simbólico, já que os Tribunais Regionais Federais, quase todos, vinham adotando a regra, mesmo sem norma expressa dispondo sobre a
matéria.
Contudo, a redação da lei não é a melhor. Ainda é possível a existência de
burlas à livre distribuição, inclusive utilizando a própria alteração legislativa.
Confira-se.
Um sujeito X ingressa com uma ação onde seria possível o litisconsórcio
ativo facultativo; a ação é distribuída precisamente ao juízo que ele desejava; objetivando burlar a livre distribuição, a parte pediria a desistência da ação e, em
seguida, ingressaria com uma nova ação com outros litisconsortes ativos; por
força da nova redação do art. 253, do CPC, esta nova ação deveria ser distribuída por dependência ao juízo a quem foi distribuída a primeira ação; desse modo,
os novos litisconsortes estariam “escolhendo” o juiz para a sua causa, o que configura burla ao juízo natural e à livre distribuição. Como se observa, a lei merece ser aplicada com bastante cautela para que não seja utilizada exatamente para
proporcionar a burlar à livre distribuição, que ela própria almeja banir.
8 Em sentido contrário, citam-se, entre outros os seguintes acórdãos do TRF da 1a Região, proferidos antes da promulgação da já referida Instrução Normativa nº 22/2000: CC 98.02.24600-0/RJ, 2a Turma, Rel. Juiz Espírito Santo,
em 09/12/1998, DJ 09/09/1999; AMS 01306417/MG, 4a Turma, rel. Juiz Eustáquio Silveira, em 26/10/1994, DJ:
07/11/1994 PAGINA: 63214; AC 01309769/MG, 3a Turma, rel. Juiz Tourinho Neto, em 08/11/1993, DJ: 25/11/1993
PAGINA: 50897.
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162
Outro ponto omisso (ou falho) na nova redação diz respeito às ações extintas
por outra causa diversa da desistência. Imagine-se a seguinte situação: a parte ajuíza várias ações, todas sem procuração e/ou sem pagamento das custas; se uma é distribuída ao juiz de sua ‘preferência’, o advogado não precisaria nem pleitear a desistência das demais, que serão extintas por falta de pressuposto processual, qual seja,
a regularidade da representação ou terão suas distribuições canceladas por ausência
de pagamento das custas.
A nova redação do art. 253, do CPC, não deixa expresso que, nesses casos, a
distribuição também deve ser feita por dependência.
Redação melhor seria a oferecida pelo art. 43, §§ 2o e 3o, do anteprojeto da
Lei Orgânica da Justiça Federal, elaborado pela AJUFE:
§2o. No caso de desistência de ação, ou de extinção do processo
sem julgamento do mérito por qualquer causa, em havendo a propositura de nova ação com o mesmo objeto, estará prevento o juiz
que primeiro conheceu do pedido – grifamos.
§3o. Ao propor nova ação, a parte deverá informar na inicial o
ajuizamento de ação anterior, sob pena de condenação por litigância de má-fé.
Em suma, a nova redação dada ao art. 253, do CPC, dada pela Lei 10.358, de
27 de dezembro de 2001, cujos objetivos são nobilíssimos, deve ser sempre interpretada teleologicamente (ora alargando o seu sentido, ora restringindo-o), visando
sempre reprimir qualquer tentativa de burla à livre distribuição.
7.2. Condenação por litigância de má-fé
Indo mais além do que a simples constatação da prevenção, tem-se entendido que a parte que intencionalmente ajuíza várias cautelares, com o mesmo objetivo, até lograr êxito no provimento liminar, configurando a litispendência, litiga de má-fé, devendo ser condenada na multa específica (STJ, REsp n.º
108.973/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, 4ª Turma, publ. no DJ, pág. 64.709, em
09-12-97).
Em igual sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “configura-se
a litigância de má-fé de quem, agindo de modo temerário, distribui novo
mandado de segurança com pedido de liminar idêntico ao requerido em outra ação mandamental pendente da apreciação do juiz de vara diversa”
(RESP 74218/RJ Min. Peçanha Martins, 2a Turma, DJ 11/03/1996 PG:06608, em
04/10/1995).
A própria Ordem dos Advogados do Brasil, pelo menos na seccional de São Paulo, através do seu Tribunal de Ética, já cuidou de repudiar a atitude de advogados que
ludibriam a livre distribuição, conforme se pode observar na ementa abaixo:
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PATROCÍNIO - AJUIZAMENTO SIMULTÂNEO DE VÁRIAS DEMANDAS
DE IGUAL CONTEÚDO VISANDO A DIRIGIR A DISTRIBUIÇÃO - EXIST NCIA DE INFRAÇÃO ÉTICA E DISCIPLINAR. - Advogados que fazem distribuir simultaneamente a mesma demanda a mais de um
juiz, objetivando dirigir a distribuição a fim de obter posição judicial mais favorável, denigrem sua reputação pessoal e profissional
quanto à defesa da moralidade pública e da administração da
Justiça. Constitui prática desleal e de má-fé (art. 14, II, CPC), abusando do direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF), raiando pela emulação injusta, e em face da inutilidade da segunda ação, que deve
ser anulada em razão do próprio ato praticado (art. 34, X, do
EAOAB). Incidência do art. 36, I e II do EAOAB, com remessa dos
autos às Turmas Disciplinares. (Proc. E-2.081/00 - v.m. em 23/03/00
do parecer e ementa do Rel. Dr. CARLOS AURÉLIO MOTA DE SOUZA
- Rev. Dr. LUIZ CARLOS BRANCO - Presidente Dr. ROBISON BARONI.
SESSÃO DE 23 DE MARÇO DE 2000)9
8.
ERRO PROPOSITADO NA GRAFIA DO NOME DA PARTE
Também se costuma violar a distribuição, ingressando com várias ações idênticas ao mesmo tempo, cada qual contendo uma grafia um pouco diferente no nome
da parte autora ou ré. Desse modo, o computador não detectará a litispendência,
proporcionando a escolha o juízo.
A fim de solucionar o problema, sugere-se que se modifique o sistema de
informática para detectar litispendência também quando há grafias semelhantes
ou então se exija, juntamente com a inicial, o número do CPF da parte, cadastrando-o no sistema. Algumas Seções Judiciárias já fazem essa exigência há algum tempo10.
9 No mesmo sentido: “PATROCÍNIO – AJUIZAMENTO SIMULTÂNEO DE VÁRIAS DEMANDAS DE IGUAL CONTEÚDO VISANDO DIRIGIR A DISTRIBUIÇÃO – EXIST NCIA DE INFRAÇÃO ÉTICA – CONSULTA DA SECCIONAL DE
SERGIPE - A distribuição simultânea de várias demandas de igual conteúdo, entre as mesmas partes, visando dirigir
a distribuição, deslustra a reputação pessoal e profissional. Atitude sorrateira, ardilosa, condenável e incompatível
com a indispensabilidade do advogado na administração da justiça. Macula, ainda, a obrigação de atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade, moralidade pública e boa-fé. Interpretação do art. 2º, §§ 1º e 2º, do EAOAB e art. 2º, parágrafo único, incisos II e III, do CED” (Proc. E-1.932/99 – V.M.
em 16/09/99 do parecer e voto do Rev. Dr. JOSÉ GARCIA PINTO contra o voto do Rel. Dr. LUIZ CARLOS BRANCO
– Presidente Dr. ROBISON BARONI SESSÃO DE 16 DE SETEMBRO DE 1999).
10 “A Justiça Federal do Rio de Janeiro, até para evitar inúmeras fraudes que já foram detectadas e para superar problemas repetidos de burla à distribuição, passou a exigir dos autores cópia da carteira de identidade e
do CPF, como medidas de controle. Nada impede que as seções judiciárias adotem medidas gerais que considerem necessárias à superação de fraudes e de burla à distribuição. Não se trata de exigência sem sentido, aleatória, arbitrária ou ilegal, sendo, muito pelo contrário, medida saneadora, com vistas sobretudo à moralidade
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Quanto à legalidade da exigência do CPF, como requisito da inicial, o posicionamento mais recente do Superior Tribunal de Justiça é pela sua validade, conforme se pode observar na ementa abaixo:
MANDADO DE SEGURANÇA. PORTARIA NR. 253/92, EDITADA PELO
JUIZ FEDERAL DIRETOR DO FORO DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO
DE JANEIRO.
I - Ao dar pela validade da Portaria NR. 253, de 14.02.92, que determina que as petições iniciais só serão aceitas para Distribuição se acompanhadas da xerocópia autenticada do CIC
(CPF/CGC) das partes, pessoas físicas ou jurídicas, o acórdão recorrido não violou os arts. 2 e 282, II, do Código de Processo Civil. II - Recurso ordinário desprovido (ROMS 3621/RJ, 2a Turma
D 30/10/1995, p. 36743, rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO,
em 23/08/1995)11
De minha parte, considero a exigência possível, desde que, em cada caso concreto, possa haver uma relativização da norma, para que não haja um obstáculo demasiadamente rígido para o acesso à Justiça.
Observe-se, contudo, que a melhor solução mesmo é possibilitar ao sistema
detectar a litispendência quando há grafias assemelhadas, pois até o número do CPF
também pode ser alterado. Confira-se, nesse sentido, interessante caso citado pela
Juíza Federal do Rio de Janeiro, Dra. Liliane Roriz, enviado para mim através de correio eletrônico:
Outra experiência interessante que tive foi o caso de um advogado
que distribuiu dez petições iniciais idênticas, alterando, em cada
uma, uma das letras do nome da autora (Olga Alday, Olga Auday,
Olga Aldai, Olga Audai, Olga Alda, Olga Alba, etc). Além disso, ele
‘tomou emprestado’ CPF de terceiros, usando um diferente para
cada processo (não sei se você sabe, mas o nosso Sistema somente
indica se o CPF é inexistente, não casando o nº com o nome do titular). Assim, o Sistema não identificou a prevenção e distribuiu
cada processo para uma Vara diferente. O azar dele é que dois caíram, por livre distribuição, na minha Vara e, com isso, pudemos
da Justiça. A lei não proíbe este tipo de procedimento. A alegação de ônus à parte é graciosa, pois o valor de
duas cópias é ínfimo” (TRF 2a Região, AC 208985/RJ, 2a Turma, rel. Juiz Castro Aguiar, em 29/3/2000, DJ
17/10/1994, p. 27860).
11 Em sentido contrário: ROMS 3568/RJ, DJ 17/10/1994, p. 27860, rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS
14/09/1994, 1a Turma.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
165
detectar a fraude. Suspendi o andamento dos feitos e oficiei à OAB,
ao MPF, aos demais Juízes, à Corregedoria e ao Diretor do Foro.
Mas a fraude somente foi descoberta por mero acaso.
9.
BURLA À COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Uma outra maneira de se violar o princípio do juiz natural, através da escolha
aleatória do órgão julgador, ocorre por meio da impetração de ações em diversos Estados da Federação, mesmo naqueles em que a parte autora não possui domicílio.
Aqui não há propriamente uma burla à competência funcional (interna), mas à competência territorial.
Quando o réu é a União, o art. 109, §2o, da CF/88, determina que “as causas
intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for
domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem
à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou ainda, no Distrito Federal”.
Pela leitura do dispositivo, vê-se facilmente que a competência para processar
e julgar as demandas em que a União seja ré há de ser, irremediavelmente, um dos
seguintes juízos constitucionais: a) o do domicílio do autor; b) naquele onde houver ocorrido o ato ou o fato que deu origem à demanda; c) naquele onde esteja situada a coisa ou d) no do Distrito Federal. O único foro suplementar é o do Distrito Federal e nenhum outro mais.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
TRIBUTÁRIO. FORO COMPETENTE. FILIAIS. UNIÃO NO PÓLO PASSIVO. 1. As filiais de empresas possuem personalidade jurídica própria, para fins tributários, razão porque devem intentar, nos respectivos Estados de domicílio, as demandas de seus interesses, mesmo que haja identidade de pretensão jurídica. 2. O fato da União
figurar no pólo passivo, permite tão-somente deslocar a competência do domicílio da empresa para o Distrito Federal (CF, art. 109,
§2º). 3. Agravo regimental improvido”. (AGRMC 3293/SP DJ:
26/03/2001, PG: 00368, rel. Min. JOSÉ DELGADO, Primeira Turma).
Em igual sentido, assim decidiu o Tribunal Regional Federal da 4a Região:
COMPET NCIA – AÇÃO CONTRA A UNIÃO – ALTERNATIVAS – DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. As ações contra a União podem ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela
onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou
onde esteja situada a coisa ou, ainda, no Distrito Federal (CF, art.
109, § 2º). – mas sempre numa dessas quatro alternativas, nunca
166
faculdade de direito de bauru
em outro juízo. Trata-se de “competência territorial absoluta” (Arruda Alvim, Manual, I/191; Calmon de Passos; Comentários,
III/288). que não admite opção diversa, além daquelas previstas
na Constituição FEDERAL e que, por isso, pode ser declinada de ofício. (TRF – 4a Região, AGVAG 59446 Processo: 2000.04.01.043220-6
UF: RS, Primeira Turma, Data da Decisão: 27/06/2000, DJU
09/08/2000, PÁGINA: 243, rel. JUIZ AMIR SARTI).
Nem mesmo se pode admitir a formação de litisconsórcio ativo facultativo
quando os autores possuem domicílios diversos, sob pena de se violar tangencialmente a Constituição.
Nesse sentido, os Tribunais Regionais Federais pátrios já se manifestaram:
Para que várias pessoas possam cumular numa só ação processual diversas demandas de direito material, é preciso que o Juiz
seja competente para todas as demandas individuais. Assim, inviável o litisconsórcio facultativo por afinidade de questões quando
os diversos demandantes não tiverem o mesmo domicílio, em face
da regra inserta no par-2 do art-109 da Constituição Federal (CF88)”. (TRF4, AG 1998.04.01.025553-1/PR, Segunda Turma,
20/08/1998, DJ: 21/10/1998, p.710, Relatora JUÍZA TÂNIA TEREZINHA
CARDOSO ESCOBAR Decisão UNÂNIME)
A existência de litisconsórcio ativo facultativo permite a propositura da ação contra a União no domicílio de qualquer um dos autores, desde que não comprometa o feito, quer quanto à unidade
de defesa, quer em se tratando da solução da lide. Sabe-se também
que a competência de foro é de natureza relativa e, portanto, prorrogável. Todavia, tendo a União ingressado com exceção de incompetência em razão do foro, não é possível prorrogação, sob
pena de ir contra norma cogente do Código de Processo Civil.
Agravo improvido. (TRF4, AG 1998.04.01.019911-4/PR, 3a Turma,
Data da Decisão: 25/06/1998, DJ: 15/07/1998, p. 255, Relatora JUÍZA
MARGA INGE BARTH TESSLER Decisão UNÂNIME)
Trata-se, no caso, de incompetência absoluta, sendo, portanto, inalterável, mesmo
pela vontade das partes (STJ, 2ª Seção, CC 6547/PR, DJU 21.03.94, p.5430, e Resp
141196/AL, 6ª Turma, DJU 16.02.98, p.148)12.
12 Nesse sentido, LIMA, Niliane Meira. Da absolutividade da competência territorial fixada pelo art.109, §§1º e
2º, da Constituição Federal. Publicada na Revista da Fesac/OAB-Ce: “Desta forma, conclusão outra não teríamos,
Revista do instituto de pesquisas e estudos
167
A burla também ocorre quando o réu não é a União, mas outros entes públicos de caráter nacional (INSS, INCRA, DNOCS, CEF etc). Embora nesses casos a incompetência não seja absoluta, entendo que, configurada a burla ao juiz natural, o
magistrado tem o dever de reconhecer a incompetência, sob pena de estar compactuando com a fraude.
Para amenizar o problema, o já citado Provimento nº 001, de 31 de janeiro de
2001, da Corregedoria Regional da 2a Região, avançando extraordinariamente, veda
expressamente, em seu artigo 126, que o Juiz Distribuidor processe a distribuição
de petição inicial de ação cujas partes não sejam domiciliadas na Seção Judiciária em
que protocolarem a causa. Confira-se:
art. 126. Os Juízes Distribuidores não processarão a distribuição da petição inicial de ação, ou de intervenção litisconsorcial,
cujas partes não estejam jurisdicionadas às Seções Judiciárias dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo - grifamos.
Em bem fundamentada decisão, proferida no Proc. 2001.5101017878-0, a Juíza Federal Distribuidora da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Dra. LILIANE DO ESPÍRITO SANTO RORIZ DE ALMEIDA, teve a oportunidade negar a distribuição de
causa em que as partes não teriam domicílio no Rio de Janeiro, arrematando que
a função do Juiz Distribuidor não é a de mero rubricador de atas
de distribuição. Tem ele uma jurisdição mitigada, ou seja, o poder
de dizer quais lides podem ser distribuídas em sua Seção Judiciária, o que não se confunde com a questão da competência processual, esta sim exclusiva do juiz sorteado.
A decisão, no meu entender, não merece reparos. Verificando a tentativa de
fraude à distribuição, o Juiz Distribuidor, mesmo sem estar investido em suas funções jurisdicionais, mesmo se se tratar de incompetência relativa, tem a obrigação
(poder-dever) de impedi-la, sob pena de se tornar um mero carimbador de toga.
ao acreditar ser a norma constitucional constante do art.109, §§ 1º e 2º, da Carta vigente hierarquicamente superior às normas infraconstitucionais, estar sendo ela violada quando submetida à classificação disposta pelo Código
de Processo Civil como regra de competência absoluta ou relativa e, em conseqüência, declinável de ofício ou não
pelo juiz. É ela, sim, regra de competência territorial pelo simples motivo de adotar tal critério na fixação de competência jurisdicional. Porém, entendemos, é declinável de ofício pelo juiz, sendo improrrogável à vontade das partes, pelas simples e suprema razão de ser regra de texto constitucional, sendo, pois, entendemos, indisponível
tanto por parte do órgão jurisdicional quando por ato das partes envolvidas no caso concreto, a despeito de as normas de competência relativa fixadas pela legislação infraconstitucional encontrar a explicação na
doutrina pátria de serem normatizadas tendo em vista o exclusivo interesse das partes”.
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168
10. CONCLUSÕES
Foram analisados, ao longo desse estudo, alguns casos (não todos) de violação à regra da livre distribuição.
Por força do art. 125 do CPC, compete ao juiz prevenir ou reprimir qualquer
ato contrário à dignidade da Justiça.
As partes, por sua vez, devem “proceder com lealdade e boa-fé” (art. 14, inc.
II, do CPC), agindo dentro do princípio da probidade processual. O advogado deve
defender os interesses de seu cliente “dentro da ética e da moral, não utilizando
mecanismos de chicana e fraude processual”, sendo vedada “a utilização de expedientes de chicana processual, procrastinatórios, desleais, desonestos, com
o objetivo de ganhar a demanda a qualquer custo” (NERY JÚNIOR, Nelson.
Código de Processo Civil Comentado. 3a ed. RT, São Paulo, 1997, p. 284 - grifos nossos).
Caso se convença de que a parte, através de seu patrono, está tentando burlar a livre distribuição, frustrando a técnica que garante sejam respeitados na repartição de competência interna “aspectos abstratos, gerais e objetivos, a fim de evitar-se uma designação ad hoc”, com o intuito de ganhar a causa a qualquer custo,
o magistrado deve considerá-la (a parte) litigante de má-fé, condenando-a e ao seu
advogado (solidariamente, nos termos do art. 32, parágrafo único, da Lei 8.906/9413)
por litigância de má-fé, em virtude de sua ação maliciosa.
No que se refere ao restabelecimento da regra da livre distribuição, o juiz, percebendo a fraude, tem o dever de corrigir, de ofício ou a requerimento do interessado, a falta de distribuição, nos termos do art. 255, do CPC.
Quaisquer comportamentos desleais, objetivando tungar a livre distribuição,
devem ser combatidos, mesmo que não sejam vedados expressamente pelo Código
de Processo Civil. É que existe, implicitamente, no sistema jurídico, uma norma decorrente do juiz natural determinando que, sempre que houver tentativa de burla à
livre distribuição, o juiz tem o dever de impedir essa fraude.
Desse modo, em síntese ao que foi exposto, conclui-se:
a) a distribuição por prevenção quando totalmente inexistente a conexão entre a causa originária e a nova causa não pode ser tolerada. O critério a ser
observado para se acolher a distribuição por dependência em razão da conexão, é o da prejudicialidade: se há um choque entre as causas, exigindo
decisões uniformes, aí sim se justificará a reunião de processos pela conexão, e a conseqüente modificação da competência. Do contrário, não ha13 Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa. Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.
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169
vendo vínculo de prejudicialidade entre os julgamentos eventualmente divergentes (um não conflita com o outro), a distribuição por prevenção não
passará de uma burla velada à livre distribuição;
b) também não pode ser tolerada a admissão de ingresso de litisconsórcio facultativo ativo posterior à distribuição do feito, sob pena de se permitir a
escolha aleatória do juiz da causa;
c) o ajuizamento concomitante de mandado de segurança e de ação ordinária, com o mesmo pedido, mesma causa de pedir e mesma parte autora,
também pode configurar desrespeito à livre distribuição. Logo, devem ser
criados mecanismos que possibilitem ao programa de informática detectar
a litispendência nesses casos;
d) a distribuição de ação idêntica a outra ação, mesmo já extinta por desistência ou por qualquer outra causa extintiva (p. ex. ausência de
procuração ou cancelamento da distribuição por não pagamento
das custas), deve ser feita ao juiz a quem foi distribuída a primeira, caso
fique evidenciado o intuito de burla à livre distribuição;
e) no caso de propositura de nova ação idêntica a outra já extinta por desistência, em que, na nova ação, houve a inclusão de outros litisconsortes ativos facultativos estranhos ao feito originário, estes deverão ser excluídos
da lide, procedendo, quanto a eles, o desmembramento do feito, devendo
a nova ação composta pelos litisconsortes excluídos ser livremente distribuída;
f ) os Juízes Distribuidores não deverão processar a distribuição da petição inicial de ação, ou de intervenção litisconsorcial, cujas partes não estejam jurisdicionadas às Seções Judiciárias dos Estados respectivos, se ficar configurado o intuito de burla ao juiz natural. Em tais casos, uma vez distribuída a ação, o juiz da causa deve decretar a sua incompetência de ofício.
g) ficando evidenciando o intuito de burla deliberada à livre distribuição, deve
o juiz condenar a parte e o seu advogado, solidariamente, por litigância de
má-fé.
DA TUTÉLA ANTECIPADA, SEUS REQUISITOS E EFEITOS
Heitor Luiz Ferreira do Amparo
Juiz de Direito em Araraquara/SP.
RESUMO
A tutela antecipada introduzida no sistema processual brasileiro, através da Lei
n. 8552 de 13 de dezembro de 1994, permitiu ao juiz adiantar, antecipar a prestação
jurisdicional buscada pelo autor, evitando nas situações descritas no artigo 273, I e
II, que ela se torne inócua.
Não é de hoje, que a grande crítica feita ao sistema judiciário brasileiro concentra-se na sua morosidade.
Nós sabemos que uma das garantias fundamentais do cidadão, encontra-se inserida no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, que prescreve que a lei não exclui da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Esse preceito somente tem aplicação efetiva se for respeitado outro direito fundamental do cidadão
que consiste em se obter uma resposta judicial em prazo razoável, pois Justiça lenta não é Justiça.
Outra, contudo, é a nossa realidade, e não raro ao obter a parte a prestação
jurisdicional definitiva, não alcança, os efeitos esperados, tudo em função dessa crônica morosidade.
O Código de Processo Civil de 1973, após a sua edição, passou por algumas
reformas e, talvez, a de maior importância foi a de antecipação da tutela, introduzida no nosso ordenamento processual através da Lei 8552, de 13 de dezembro de
1994, que após criar um parágrafo no artigo 272, levou a ele a matéria contida no
artigo 273, e neste inseriu a novidade.
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faculdade de direito de bauru
Com efeito, estabelece o artigo 273, do Código de Processo Civil que:
O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde
que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança
da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou;
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou a manifesta propósito protelatório do réu;
§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo
claro o preciso, as razões do seu convencimento;
§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado;
§ 3º A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o
disposto nos incisos II e III do art. 588.
§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a
qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.
A introdução da tutela antecipada trouxe substancial alteração no nosso sistema processual, pois até então, somente a sentença final poderia satisfazer o julgado.
A tutela antecipada é, portanto, como diz Ovídio A. Baptista (1997) a possibilidade conferida ao juiz de antecipar as conseqüências geradas que acolha o pedido
formulado pelo autor.
A sua finalidade é, portanto, antecipar, adiantar a tutela buscada pelo autor no
pedido inicial.
TUTELA ANTECIPADA E TUTELA CAUTELAR
A tutela antecipada não deve ser confundida com a tutela cautelar.
Segundo João Batista Lopes (1996), a primeira tem caráter satisfativo e a segunda, é provisória, instrumental.
A provisoriedade, segundo o eminente processualista, indica que o processo
cautelar não pode usurpar funções próprias do processo de conhecimento, isto é,
não pode dar resposta definitiva e satisfativa do pedido do autor.
A instrumentalidade, por sua vez, revela que ela atua para garantir o resultado
útil de um outro processo.
A tutela antecipada, possui nítida natureza satisfativa, pois visa o autor, desde
logo, obter a satisfação do direito.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
173
Em suma, na medida cautelar, o juiz não examina a lide, ao passo que na tutela antecipada, isto não ocorre, pois ali se reconhece a procedência do pedido do autor, embora sempre com caráter provisório.
A função da tutela antecipada, como ensina Luíz Rodrigues Wanbier (2000) é,
assim, a de tornar a prestação jurisdicional efetiva. A função da tutela cautelar é a de
gerar tutela jurisdicional eficaz.
Apresentam, elas, contudo, como ponto em comum, a provisoriedade, pois a
tutela cautelar mantém eficácia enquanto não decidido o processo principal, mas
pode ser revogada a qualquer tempo. A tutela antecipada, também, poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, como prescreve o § 4º do Art. 273, da lei processual.
Aliás, ao meu ver, com a introdução da tutela antecipada, desaparecem as chamadas cautelares satisfativas, que, na verdade, constituem uma contradição, pois as
cautelares, na verdade, não satisfazem.
Embora a tutela antecipada também guarde relação com as liminares possessórias, com elas não se confunde, pois se é certo que ambas possuem natureza satisfativa e provisória, para aquelas, não é exigido o requisito da reversibilidade.
APLICABILIDADE DA TUTELA ANTECIPADA – ÂMBITO DE ATUAÇÃO
A tutela antecipada está contida no Livro I, Título VII, que trata do processo
de conhecimento, e nele, portanto, tem a sua aplicação.
Mas teria ela cabimento em todas as ações de conhecimento?
Como sabemos, a doutrina adota, prevalentemente, a classificação tripartida
das sentenças de conhecimento. São elas:
a) declaratórias: que se limitam a afirmar a existência ou inexistência ou modo
de ser de uma relação jurídica, ou excepcionalmente de um fato;
b) constitutivas: são aquelas que além da declaração do direito da parte, cria,
modifica ou extingue um estado ou relação jurídica material;
c) condenatórias: são as que declaram a existência do direito a uma prestação
e determinam a sanção.
Não há dúvida, portanto, em face desses conceitos, quanto a sua aplicação nas
ações condenatórias, mas a sua incidência nas ações declaratórias e constitutivas, é
matéria controvertida.
João Batista Lopes (1996) sustenta que ela não se harmoniza com a finalidade
da ação declaratória, e não se ajusta a natureza da ação constitutiva.
E acrescenta, ainda, o ilustre processualista:
174
faculdade de direito de bauru
Na ação declaratória objetiva-se, segunda a doutrina dominante,
desfazer incertezas sobre a existência ou inexistência de relação
jurídica ( rectius, a incerteza é subjetiva; o que se busca é o valor
segurança emergente da coisa julgada).
Como, então, antecipar a declaração de existência ou inexistência
da relação Jurídica? Como declarar provisoriamente que uma relação jurídica existe (ou inexiste) ?
Suponha-se um exemplo: em razão de divergência a respeito de
cláusula de um contrato de locação (v.g. índice aplicável) vou a
juízo e peço seja declarada por sentença a interpretação adequada de sobredita cláusula.
Nessa hipótese, não se vê como viável a antecipação (provisória)
da interpretação pretendida que valor algum teria para mim.
Possível será, em tese, antecipar alguns efeitos práticos decorrentes
da tutela declaratória, mas não a própria declaração.
Assim, por exemplo, a sustação de protesto que, porém, não tem caráter satisfativo, nem traduz antecipação do pedido formulado na
ação de conhecimento (v.g. declaração de inexistência de relação
cambial).
Por igual, a aplicação da tutela antecipada nas ações constitutivas também parecem encontrar sérios obstáculos.
É que a constituição ou desconstituição não pode ser provisória
(v.g. não posso anular provisoriamente uma escritura ou um casamento).
Dir-se-á que a antecipação pode ser total ou parcial de modo que,
sem desconstituir propriamente o ato, é possível suspender seus
efeitos (sua eficácia).
Contudo, a suspensão dos efeitos do ato não se insere no campo
das ações constitutivas, revestindo-se de caráter nitidamente cautelar.
O instituto, todavia, não tem aplicação em processo cautelar ou de execução, pois
em ambos, não há julgamento de mérito, nem antecipado em julgamento definitivo.
É pertinente em reconvenção, pois ali, o requerido passa a ter a posição de autor.
Na ação monitória, ela se tornaria desnecessária, pois ao que visa o autor, é
obtenção de título executivo, e a natureza dessa ação não a justificaria.
Questão polêmica é aplicação da tutela antecipada nas ações movidas contra
a Fazenda Pública.
Há autores que entendem que a regra genérica do artigo 273, do Código de
Processo Civil, não a exclui em princípio, encontrando-se entre eles, J.E.S. Frias
(1996).
Revista do instituto de pesquisas e estudos
175
Outros, como Antonio Raphael da Silva Salvador (1995), alertam para o fato
de que a sua concessão implicaria na violação do artigo 475, I, do Código de Processo Civil, que determina do reexame necessário nas decisões contra ela proferidas.
E nas ações de despejo, teria aplicabilidade?
Segundo João Batista Lopes (1996), essas ações são classificadas como executivas latu sensu, porque nelas se mesclam cognição e execução tornando desnecessária a instauração de novo processo para efetivar-se a desocupação.
Segundo o mesmo autor, é incabível a sua incidência nessas ações, porque,
afastadas aquelas fundadas na falta de pagamento, com procedimento especial, nas
demais haveria o risco de irreversibilidade.
Quanto aos procedimentos especiais, entendo que sua aplicação não é
permitida, quer pelo fato de que visou o legislador a sua incidência no procedimento comum, como também, pela circunstância de que aqueles procedimentos, em razão de sua própria natureza, possuem regramento compatível com a
sua situação.
É possível, contudo, a sua concessão nas ações possessórias, em que o esbulho ocorreu a mais de um ano e dia (chamadas de força velha), pois seguem o rito
comum (ordinário ou sumário). O mesmo ocorre com a ação de imissão de posse.
A tutela antecipada, também, tem aplicação nos direitos indisponíveis, pois a
natureza do direito não pode servir de parâmetro para sua concessão.
Na ação rescisória, prevista nos artigos 485 e seguintes da lei processual, a matéria também é controvertida, entendendo Antonio Rafael da Silva Salvador (1995),
ser incabível, porque o julgamento é coletivo, e o relator não tem competência para
isoladamente concedê-lo. Outros, afirmam que ela violaria o artigo 489, do mesmo
estatuto que dispõe que a ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda. Nelson Nery Júnior (2001), por seu lado, entende que é possível em tese
a sua concessão, alertando, contudo, que o relator deverá ter prudência ao observar
os requisitos legais para concedê-la, atentando, também, para o contido no artigo
489, da lei processual.
Nas obrigações de fazer e não fazer, existe a tutela específica prevista no artigo 461, § 3º, não se aplicando a regra do artigo 273, da lei processual.
Nelas, a medida satisfativa também pode ser antecipada, bastando que o autor ao requerê-la demonstre a relevância dos fundamentos e justifique o receio de
ineficácia da medida, se não concedida.
Fundamentos relevantes, ensina Ernani Fidelis dos Santos (1997), são os
que indicam não a existência antecipada do direito, mas a possibilidade de que
venha a ser reconhecido. Ineficácia não se confunde com possível desconforto
que possa ocorrer com a demora, mais com a própria frustração do que vier a
ser determinado.
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faculdade de direito de bauru
REQUISITOS PARA SUA CONCESSÃO
A concessão da tutela antecipada está sujeita a alguns requisitos e especificamente àqueles estabelecidos no Art. 273, da lei processual. São eles:
a) Que estejam presentes as condições da ação (partes legítimas, possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir), pois tratando-se a tutela antecipada de decisão de mérito, indispensável se torna o atendimento de tais requisitos antes da sua
concessão.
Segundo a doutrina, possibilidade jurídica é a exigência de que deve existir abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de providência
como a que se pede através da ação. O interesse de agir, consiste na necessidade de se obter através do processo a proteção do interesse substancial. Interesse substancial é aquele para cuja proteção se intenta a ação. Parte legítima é a titularidade ativa e passiva da ação. É, como diz Alfredo Buzaid a pertinência subjetiva da ação.
b) Pressupõe requerimento da parte.
É vedada, assim, a sua concessão de ofício.
Não pode o juiz, deferir tutela diversa da que foi pedida ou mais ampla do que
ela, mas pode estabelecer a sua dimensão dentro dos termos do que foi pleiteado
(por exemplo: pedido de alimentos onde se define o valor igual ou menor do que
foi pleiteado).
Há de guardar relação contudo, com o pedido inicial.
O Ministério Público pode pedi-la, mas quando atua quando parte e não como
“custus legis”, embora a esse respeito, existam opiniões favoráveis.
c) Existência de prova inequívoca;
Prova inequívoca é aquela que não mais se admite discussão.
Não significa, necessariamente, prova documental ou literal, podendo ser produzida por outros meios.
É possível ainda, ser pré-constituída ou produzida “in itinere”.
d) Convencimento da verossimilhança da alegação.
Verossimilhança, segundo Cândido Ferreira, significa o que é verossímil, isto
é, semelhante a verdade, que tem aparência de verdade.
É juízo de convencimento da definição jurídica pleiteada. Por isso não se diz
verdadeiro, mas verossímil, como afirma Ernani Fidelis dos Santos (1997).
Verossimilhança, contudo, não é certeza total. Ela traz em si a possibilidade de
que as coisas ocorram de outro modo. A certeza exclui essa possibilidade.
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177
e) Haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou fique caracterizado abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.
É o periculum in mora.
O receio, segundo, J.E.S. Farias (1996), deverá revelar-se por elementos objetivos seguros, que acenem para possibilidade da ocorrência do prejuízo.
Haverá abuso de defesa, segundo o mesmo autor, quando o demandado apresentar defesa infundada ou contra direito expresso ou, ainda, a utilização de expedientes escusos para o seu exercício.
Propósito protelatório é o intento demonstrado de evitar a solução da lide.
f ) Reversibilidade do provimento antecipatório.
Fala-se aqui, em reversibilidade dos efeitos práticos do provimento e não deste, pois é da natureza da Tutela Antecipada a possibilidade da sua revogação ou modificação a qualquer tempo.
A regra contida no § 2º do Art. 273, que cuida da reversibilidade do provimento antecipatório, guarda sintonia com o § 3º do mesmo artigo que cuida da execução dessa tutela.
Assim, observando-se aquele mandamento, e as determinações contidas no
Art. 588, II, da lei processual, deve ser exigida caução do autor em caso de entrega
de coisa móvel, não se autorizando ainda, atos de alienação ou de levantamento de
dinheiro.
MOMENTO DA POSTULAÇÃO
A tutela antecipada pode ser pedida a qualquer tempo, mas antes da sentença final.
Não é necessário que seja ouvida a parte contrária, mas, em alguns casos,
quando pleiteada na petição inicial, é recomendável que isso ocorra.
Nada impede que seja renovada, após indeferida anteriormente, pois muitas
vezes disporá o juiz de elementos novos que permitam a sua concessão.
RECURSO
O recurso cabível contra a denegação é o agravo de instrumento.
O agravo retido não tem cabimento, pois faltaria ao recorrente interesse recursal. Não teria, nesse caso, utilidade para o recorrente, o recurso oferecido, pois
a medida impugnada somente lhe traria utilidade se concedida ou cassada antes da
sentença.
E se for concedida antes da citação, a partir de que momento passaria a fluir
o prazo para recurso ?
No meu modo de ver, esse prazo passaria a correr a partir do momento em
178
faculdade de direito de bauru
que a parte fosse intimada da tutela concedida.
É possível, ainda, a concessão da tutela antecipada pelos Tribunais, nos processos de sua competência originária ou quando o processo estiver em fase de apelação.
Questão interessante é saber se a apelação de sentença de improcedência da
ação suspende a revogação da antecipação da tutela concedida no curso do processo.
Entendo que sim, pois em caso contrário, a decisão interlocutória teria força
superior à da sentença definitiva. O ideal é que o juiz faça expressa referência, ou na
sentença, ou no despacho que a antecede, a sua revogação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Silva, Ovídio Araújo Baptista, Curso de processo civil, vol. I, 3ª Edição, 1997, Sérgio
Antonio Fabris Editores.
Frias, J. E. S., Tutela antecipada em face da Fazenda Pública, Revista do Tribunais,
1996, Editora Revista dos Tribunais, vol. 728.
Lopes, João Batista, Antecipação da tutela e o Artigo 273 do CPC, Revista do Tribunais, 1996, Editora Revista dos Tribunais, vol. 729.
Wambier, Luíz Rodrigues, Curso avançado de processo civil, Editora Revista dos Tribunais, 1999, 2ª Edição.
Theodoro Júnior, Humberto, Curso de direito processual civil, São Paulo: Forense,
2001, 36ª Edição.
Salvador, Antonio Rafael da Silva, Da ação monitória e da tutela antecipada, Malheiros Editores, 1995.
Santos, Ernani Fidelis do, Manual de direito processual civil, Vol. I, Editora Saraiva,
5ª Edição, 1997.
Ferreira, Cândido, Novo dicionário da língua portuguesa, Livraria Bertrandi, Lisboa,
6ª Edição.
Nery Júnior, Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentada e legislação processual civil extravagante em vigor, Editora Revista dos Tribunais, 5ª Edição, 2001.
MEDIDA LIMINAR EM AÇÃO RESCISÓRIA
Reis Friede
Mestre e Doutor em Direito Público, é Magistrado Federal e ex-Membro do
Ministério Público e Autor de diversas obras jurídicas, dentre as quais
“Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares”,
5ª edição, Forense Universitária, RJ (960 ps.).
A idéia central de uma concepção cautelar inerente à Ação Rescisória é relativamente nova e se encontra adstrita à tentativa do Poder Público, em seu particular
entendimento, de proteger o seu respectivo patrimônio da persistente ação perpetrada pela denominada “indústria de liminares” e, mais especificamente, das próprias decisões judiciais transitadas em julgados, em desfavor da Fazenda Pública
(União, Estados-Membros, Distrito Federal, Municípios e Autarquias) e das Fundações Públicas.
Para tanto, inicialmente, foi expressamente ampliado o prazo decadencial
para o ajuizamento da competente ação rescisória de dois para quatro anos (através
do art. 4º da MP nº 1.577/97, além de, explicitamente, a mesma, por intermédio de
seu art. 5º, passar a admitir medida liminar (instrumentalizando a competente providência cautelar) em ação rescisória - através de alteração (acréscimo) na Lei nº
8.437/92 (que disciplina restrições ao deferimento de medidas liminares e providências cautelares contra o ente público) -) objetivando, na hipótese, dotar o Poder Público de efetivo instrumento jurídico de proteção ao patrimônio público, eventualmente violado por decisões judiciais definitivas.
(A lei provisória, em essência, alude, em seu texto, a medida cautelar. Todavia, é forçoso concluir, por meio de uma hermenêutica mais assente
180
faculdade de direito de bauru
com a correta técnica interpretativa, que o legislador aludiu, na espécie, a
uma forma mais efetiva de se obter a proteção cautelar, através de um simples provimento administrativo (medida liminar), até porque, segundo
opinião majoritária (porém, não unânime) da doutrina, sempre foi possível o deferimento de medida cautelar em ação rescisória, através do ajuizamento incidental da competente ação cautelar.)
Medida Provisória nº 1.577, de 11 de junho de 1997
Art. 4º. O direito de propor ação rescisória por parte da União,
dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, bem como das
autarquias e das fundações instituídas pelo Poder Público extingue-se em quatro anos, contados do trânsito em julgado da decisão.
Parágrafo único. Além das hipóteses referidas no artigo 485 do Código de Processo Civil, será cabível ação rescisória quando a indenização fixada em ação de desapropriação for flagrantemente superior ao preço de mercado do bem desapropriado.
Art. 5º. A Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, passa a vigorar
acrescida do seguinte artigo, renumerando-se os atuais 5º e 6º
para 6º e 7º:
‘Art. 5º. Nas ações rescisórias propostas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como pelas autarquias e fundações
instituídas pelo Poder Público, caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão, poderá o tribunal, a qualquer tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos da sentença rescindenda.’ (grifos nossos).
A MP nº 1.577 teve, no total, seis reedições, além da versão primitiva, tendo a
sua quinta reedição (MP nº 1.577-5, de 30 de outubro de 1997), no entanto, ampliado o prazo original de quatro para cinco anos para o competente ajuizamento de
ação rescisória, além de ter multiplicado as hipóteses de cabimento de ação rescisória em casos de indenização, passando a incluir expressamente, além da ação de desapropriação clássica, a ação de indenização por apossamento administrativo (a
menção “ordinária” do texto legal é atécnica, posto que as expressões comum ordinária ou sumária, ou especial, refere-se ao rito procedimental), ação de desapropriação indireta e ações de indenizações relativas a restrições decorrentes de atos do Poder Público. Também, a mesma incorporou uma nova redação ao seu artigo 5º (renumerando os seguintes) para acrescentar um novo regramento legal concernente
à restrição temporal (cinco anos) para o ajuizamento de ações de indenização con-
Revista do instituto de pesquisas e estudos
181
tra o Poder Público (obrigando, pois, o dispositivo disciplinador da medida liminar,
em ação rescisória, a incorporar o numeral sexto).
Medida Provisória nº 1.577-5, de 30 de outubro de 1997
Art. 4º. O direito de propor ação rescisória por parte da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, bem como das autarquias e das fundações instituídas pelo Poder Público extingue-se
em cinco anos, contados do trânsito em julgado da decisão.
Parágrafo único. Além das hipóteses referidas no artigo 485 do Código de Processo Civil, será cabível ação rescisória quando a indenização fixada em ação de desapropriação, em ação ordinária de
indenização por apossamento administrativo ou desapropriação
indireta, e também em ação que vise à indenização por restrições
decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, for flagrantemente superior ao preço de
mercado do bem objeto da ação judicial.
Art. 5º. Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem como ação que vise à indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público.
Art. 6º. A Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, passa a vigorar
acrescida do seguinte artigo, renumerando-se os atuais 5º e 6º
para 6º e 7º:
‘Art. 5º. Nas ações rescisórias propostas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como pelar autarquias e fundações
instituídas pelo Poder Público, caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão, poderá o tribunal, a qualquer tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos da sentença rescindenda.’ (grifos nossos)
A MP nº 1.577-6, de 27 de novembro de 1997 (que repetiu integralmente o
texto normativo da MP nº 1.577-5) foi, a seu tempo, revogada pela MP nº 1.632-7, de
12 de dezembro de 1997, que ratificou in totum os dispositivos normativos ínsitos
na MP nº 1.577-6 (revogação expressa no art. 9º da MP nº 1.632-7).
A MP nº 1.632, por sua vez, foi reeditada por cinco vezes, tendo a sua redação
sofrido alteração na quarta reedição (MP 1.632-10), em 13 de março de 1998, quando o disposto no art. 6º, relativo a alteração incorporativa do art. 5º na Lei nº
8.437/92, passou a ter o numeral 4º-A.
182
faculdade de direito de bauru
Medida Provisória nº 1.632-10, de 13 de março de 1998
Art. 4º. O direito de propor ação rescisória por parte da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, bem como das autarquias e das fundações instituídas pelo Poder Público extingue-se
em cinco anos, contados do trânsito em julgado da decisão.
Parágrafo único. Além das hipóteses referidas no artigo 485 do Código de Processo Civil, será cabível ação rescisória quando a indenização fixada em ação de desapropriação, em ação ordinária de
indenização por apossamento administrativo ou desapropriação
indireta, e também em ação que vise a indenização por restrições
decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, for flagrantemente superior ao preço do
mercado do bem objeto da ação judicial.
Art. 5º. Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem como ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público.
Art. 6º. A Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, passa a vigorar
acrescida do seguinte artigo:
‘Art. 4º-A Nas ações rescisórias propostas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como pelas autarquias e fundações
instituídas pelo Poder Público, caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão, poderá o tribunal, a qualquer tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos da sentença rescindenda.’ (grifos nossos)
A MP nº 1.658-12, de 5 de maio de 1998, por seu turno, revogou expressamente, em seu art. 9º, a MP nº 1.632-11, de 9 de abril de 1998 (cópia fiel da MP nº 1.63210), incorporando, em seu art. 4º, uma nova disciplina normativa, mais abrangente
em relação às anteriores, e também modificadora do Código de Processo Civil (arts.
188 e 485), passando a incluir o Ministério Público como autor privilegiado para propor ação rescisória com prazo ampliado, não obstante ter reduzido de cinco para
quatro anos o aludido prazo, conquanto retirou a expressa menção de “cinco anos”,
substituindo-a por “prazo em dobro”.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
183
Medida Provisória nº 1.658-12, de 5 de maio de 1998
Art. 4º. Os artigos 188 e 485 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de
1978 (Código de Processo Civil), passam a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 188. O Ministério Público, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, bem como suas autarquias e fundações, gozarão do prazo:
I - em dobro para recorrer e ajuizar ação rescisória; e
II - em quádruplo para contestar.’
‘Art.485......................................................................................................
............................................................
X - a indenização fixada em ação de desapropriação direta ou indireta for flagrantemente superior ou manifestamente inferior ao
preço de mercado objeto da ação judicial.
.......................................................................................’
Art. 5º. Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem como ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público.
Art. 6º. A Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, passa a vigorar
acrescida do seguinte artigo:
‘Art. 4º-A Nas ações rescisórias propostas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como pelas autarquias e fundações
instituídas pelo Poder Público, caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão, poderá o tribunal, a qualquer tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos da sentença rescindenda.’ (grifos nossos)
A MP nº 1.658-13, de 4 de junho de 1998 (inalterada em relação a sua edição
anterior), acabou sendo revogada pela MP nº 1.703-14, de 30 de junho de 1998, que,
sem proceder a qualquer modificação na disciplina normativa da matéria sub examine, apenas renumerou os artigos em questão.
Medida Provisória nº 1.703-14, de 30 de junho de 1998
Art. 5º. Os artigos 188 e 485 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de
1978 (Código de Processo Civil), passam a vigorar com as seguintes alterações:
184
faculdade de direito de bauru
‘Art. 188. O Ministério Público, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, bem como suas autarquias e fundações, gozarão do prazo:
I - em dobro para recorrer e ajuizar ação rescisória; e
II - em quádruplo para contestar.’
‘Art.485......................................................................................................
............................................................
X - a indenização fixada em ação de desapropriação direta ou indireta for flagrantemente superior ou manifestamente inferior ao
preço de mercado objeto da ação judicial.
.......................................................................................’
Art. 6º. Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem como ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público.
Art. 7º. A Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, passa a vigorar
acrescida do seguinte artigo:
‘Art. 4º-A Nas ações rescisórias propostas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como pelas autarquias e fundações
instituídas pelo Poder Público, caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão, poderá o tribunal, a qualquer tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos da sentença rescindenda.’ (grifos nossos)
As cinco reedições supervenientes (MP’s nº 1.703-15/16/17/18/19) limitaramse a repetir integralmente o texto originário, tendo a MP nº 1.703-19, de 27 de novembro de 1998, sido revogada pela MP nº 1774-20, de 14 de dezembro de 1998,
que, em síntese, manteve, sem alteração, o texto anterior.
Medida Provisória nº 1.774-20, de 14 de dezembro de 1998
Art. 5º. Os artigos 188 e 485 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de
1978 (Código de Processo Civil), passam a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 188. O Ministério Público, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, bem como suas autarquias e fundações, gozarão do prazo:
I - em dobro para recorrer e ajuizar ação rescisória; e
II - em quádruplo para contestar.’
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‘Art.485......................................................................................................
............................................................
X - a indenização fixada em ação de desapropriação direta ou indireta for flagrantemente superior ou manifestamente inferior ao
preço de mercado objeto da ação judicial.
.......................................................................................’
Art. 6º. Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem como ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público.
Art. 7º. A Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, passa a vigorar
acrescida do seguinte artigo:
‘Art. 4º-A Nas ações rescisórias propostas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como pelas autarquias e fundações
instituídas pelo Poder Público, caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão, poderá o tribunal, a qualquer tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos da sentença rescindenda.’ (grifos nossos)
A MP nº 1.774-22 (segunda reedição da MP nº 1.774-20), todavia, resolveu retirar de seu corpo normativo a disciplina legal em epígrafe (reservando-se a regular
in casu apenas questões relativas diretamente à desapropriação, o que foi observado em sua reedição), obrigando o Executivo a editar a MP nº 1.798-1, de 11 de fevereiro de 1999, que passou a incorporar, na íntegra (inclusive em suas reedições), o
texto anterior ínsito na MP nº 1.774-21 (exatamente igual ao da MP nº 1.774-20), em
seus artigos 1º e 2º, excluindo apenas o art. 6º da MP nº 1.774-21 que passou a integrar o parágrafo único do art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/41.
Medida Provisória nº 1.774-23, de 11 de março de 1999
Art. 1º. O Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, passa a vigorar com acréscimo de um parágrafo único no seu art. 10 e de
um art. 15-A, com a seguinte redação:
‘Art. 10.............................................................................
Parágrafo único. Extingue-se em cinco anos o direito de propor
ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem como ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público.’ (grifos nossos)
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faculdade de direito de bauru
Medida Provisória nº 1.798-3, de 8 de abril de 1999
Art. 1º. Os artigos 188 e 485 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de
1978 (Código de Processo Civil), passam a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 188. O Ministério Público, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, bem como suas autarquias e fundações, gozarão do prazo:
I - em dobro para recorrer e ajuizar ação rescisória; e
II - em quádruplo para contestar.’
‘Art.485......................................................................................................
............................................................
X - a indenização fixada em ação de desapropriação direta ou indireta for flagrantemente superior ou manifestamente inferior ao
preço de mercado objeto da ação judicial.
.......................................................................................’
Art. 2º. A Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, passa a vigorar
acrescida do seguinte artigo:
‘Art. 4º-A Nas ações rescisórias propostas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como pelas autarquias e fundações
instituídas pelo Poder Público, caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão, poderá o tribunal, a qualquer tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos da sentença rescindenda.’ (grifos nossos)
(É importante assinalar que, repetindo anterior orientação, o STF, em sessão plenária de 22.04.99, entendeu inconstitucionais (rectius: ineficazes
juridicamente) o dispositivo que ampliou de 2 (dois) para 4 (quatro) anos
o prazo decadencial para o ajuizamento de ação rescisória pelo Poder Público, previsto nas MP’s nos 1.703-18/98 e 1.798-3/99.
Antes, é oportuno salientar, a MP nº 1.577/97 já havia ampliado o mencionado prazo para 4 (quatro) anos e sua 5ª reedição (MP nº 1.577-5/97) para
5 (cinco) anos, o que foi mantido pela MP nº 1.632/98 (em suas cinco reedições) e, posteriormente, mais uma vez, reduzido para 4 (quatro) anos,
através da MP nº 1.658/98, quando entendeu-se, como agora, inconstitucional a ampliação para 5 (cinco) anos. A mencionada MP nº 1.658/98 foi
revogada pelas MP’s nos 1.703/98 e 1.798/99, reputadas, agora, inconstitucionais, neste particular, fazendo retornar, pois, o prazo convencional de
2 (dois) anos.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
187
O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação direta, a eficácia
do art. 188 do Código de Processo Civil, na redação dada pelo art.
5º da Medida Provisória nº 1.703-18, de 27/10/98, em sua reedição
no art. 1º da Medida Provisória nº 1.798-03, de 08/04/99, e, por
maioria, vencidos os Srs. Ministros Nelson Jobim, Maurício Corrêa,
Octavio Gallotti e Moreira Alves, também deferiu a medida cautelar de suspensão da eficácia do inciso X, acrescentado ao art. 485
do Código de Processo Civil, pelo art. 5º da MP nº 1.703-18/1998,
reeditada na MP nº 1.798-03/1999, em seu art. 1º. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Celso de Mello (Presidente) e Sydney Sanches. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro
Carlos Velloso (Vice-Presidente). - Plenário, 22.04.1999.)
A MP nº 1.798 sofreu cinco reedições (MP nos 1.798-1/2/3/4/5), tendo sido
substituída pela MP nº 1.906-6, de 29 de junho de 1999.
A MP nº 1.906, de 24 de setembro de 1999, e suas posteriores reedições
(MP nº 1.906 – 6/7/8/9/10/11), por seu prisma, apenas repetiu, com poucas alterações, o texto redacional da MP nº 1.798-5, deixando, no entanto, de se referir à
ampliação do prazo decadencial para o ajuizamento de ação rescisória, mantendo, pois, a redação original do art. 188 do CPC e, consequentemente, o prazo original de 2 (dois) anos para a propositura de ação rescisória, independentemente
da qualidade do autor.
A MP nº 1.906, por seu turno, foi revogada pela MP nº 1.984-12, de 10 de dezembro de 1999, que, através de seu art. 1º, manteve o acréscimo redacional do art.
4º-A à Lei nº 8.437/92.
As MP´s nos 1.984-13/14/15/16/17/18/19/20 e 21, esta última de 28 de agosto
de 2000, repetiram, quanto ao acréscimo do art. 4º-A à Lei nº 8.437/92, o mesmo texto redacional da MP nº 1.984-12, verbis:
Art. 4º-A. Nas ações rescisórias propostas pela União, Estado, Distrito Federal e Municípios, bem como pelas autarquias e fundações
instituídas pelo Poder Público, caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão, poderá o tribunal, a qualquer tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos da sentença rescindenda.
Todavia, a partir da MP nº 1.984-22, de 27 de setembro de 2000, foi eliminado o art. 4º-A (acréscimo redacional) da Lei nº 8.437/92, que passou, neste
particular, a ter regramento específico (previsto no art. 15 da MP nº 1.984-22 e
posteriores), verbis:
188
faculdade de direito de bauru
“Aplica-se à ação rescisória o poder geral de cautela de que trata o
art. 798 do CPC.”
As MP´s nos 1.984-23/24 e 25, assim como as MP´s nos 2.10226/27/28/29/30/31 e 32 e MP´s nos 2.180-33 e 34, mantiveram íntegros os termos
redacionais da MP
nº 1.984-22, nesse particular.
Igualmente, a vigente MP nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, - que, por força do art. 2º da EC nº 32/01, passou a viger, de certa forma, indefinidamente -, manteve, no mesmo art. 15, a previsão de medida liminar, de nítida feição cautelar
(transformando, de certo modo, a ação rescisória, - a exemplo do mandado de segurança, do habeas corpus, da ação popular, da ação civil pública e da ADIN / ADC
-, numa espécie de sexta ação dotada de provimento administrativo–cautelar), ainda que aplicável, no caso concreto, por contingência do denominado poder geral de
cautela, gênero da qual são espécies o poder cautelar geral (poder que tem o julgador de prover, a pedido da parte interessada, medidas cautelares atípicas (inominadas)) e o poder cautelar genérico (poder que tem o julgador de prover ex officio
medidas cautelares típicas e atípicas).
É importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito do tema, consagrando, de certo modo, a concepção das medidas liminares em
sede de ação rescisória, verbis:
O STF negou liminar à OAB contra artigo 6º da Medida Provisória
1.577 que permite aos juízes suspenderem, liminarmente, efeitos de
sentenças judiciais em ações rescisórias propostas pela União, Estados e Municípios. O STF entendeu que não há ofensa à coisa julgada.
Para o relator, Ministro Octavio Gallotti, o interesse público justifica a distinção de tratamento entre o Poder Público e o particular,
no deferimento de liminar em ação rescisória. (ADIn 1.718-UF)
É admissível, pelo menos em tese, a medida cautelar incidental à
ação rescisória, mesmo que tenha por finalidade suspender provisoriamente a execução do julgado rescindendo. Julgá-la procedente ou não, é questão dependente do exame dos fatos da causa e do
direito posto. (STJ-4ª Turma, REsp 139.850 – RJ, rel. Min. Cesar Rocha, DJU 9.3.98, p. 120)
(Resta oportuno consignar que, até antes do advento da MP nº 1.577/97,
que expressamente previu a hipótese, a jurisprudência, inclusive sumulada (Súmula nº 234 do extinto Tribunal Federal de Recursos), orientava-se
no sentido do não cabimento de medida cautelar (quer por intermédio do
ajuizamento de competente Ação Cautelar, quer por provimento liminar)
Revista do instituto de pesquisas e estudos
189
em sede de ação rescisória, particularmente para suspender os efeitos da
execução da sentença rescindenda, conforme expressamente preceituado
pelo art. 489 do CPC (“A ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda”).
Súmula 234 do TFR: Não cabe medida cautelar em ação rescisória
para obstar os efeitos da coisa julgada (v. jurisprudência s/ esta Súmula em RTFR 155/311 a 338) (Neste sentido: STF–Pleno, RTJ 117/1;
STF–RT 755/163, STJ-4ª Turma, REsp 4.076-SP, rel. Min. Barros Monteiro, DJU 22.4.91, p. 4.792; 1º TASP–Pleno, JTA 98/31; RT 631/169,
RJTJESP 121/290, JTJ 204/260; RJTJERGS 169/209.)
Ainda assim, existem alguns julgados, - todos anteriores à previsão ínsita na MP nº
1.577/97 e legislação posterior -, que admitiam, em casos excepcionais, a medida cautelar, inclusive em forma de provimento liminar (com fulcro no art. 798 do CPC, ainda que
sem a expressa autorização legal prevista no art. 15 da MP nº 2.180-35), verbis:
A regra é a de que, na rescisória, não cabe liminar para sustar os
efeitos da coisa julgada. Pode, porém, ser concedida a terceiro,
não abrangido pelo seu alcance, a fim de afastar os efeitos que venham a atingi-lo. Ofensa aos arts. 489 e 587 do CPC caracterizada”
(STJ-2ª Turma, REsp 79.919-CE, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro,
DJU 14.4.97, p. 12.710) (No mesmo sentido: RJTJERGS 164/217)
Constatada a trapaça, durante a liquidação, cumpre expedir medida cautelar, suspendendo-a por prazo certo. Nesse período deverá ser proposta ação rescisória para que, também com a garantia
constitucional, seja esclarecido fato tão grave (STJ-6ª Turma, REsp
45.174-4-RJ-EDcl, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU 26.9.94, p.
25.670) (No mesmo sentido: RT 687/148)
De igual forma, o entendimento jurisprudencial é no sentido do não cabimento do mandado de segurança para prover efeito suspensivo à ação rescisória (STJ, 3ª
T, RMS 306-SP, rel. Min. Gueiros Leite, DJU 10.9.90, p. 9.122) ( JTA 89/275), ainda que
existam decisões em sentido contrário, admitindo o writ para dar efeito suspensivo
à rescisória ( JTAERGS 85/119).)
1.
TUTELA ANTECIPADA EM SEDE DE AÇÃO RESCISÓRIA
Após o advento da Lei nº 8.952/94, que expressamente incorporou à legislação processual o instituto da tutela antecipada, todavia, a questão específica de atri-
190
faculdade de direito de bauru
buição de efeito suspensivo à ação rescisória, parece ter sido superada, ainda que
muitas controvérsias, sob o aspecto, sobretudo, processual, permaneçam vivas, o
que, de uma certa forma, motivou a edição da MP nº 1.577/97 (e legislação posterior), permitindo, expressa e inequivocamente, - em necessária complementação -,
a medida cautelar, inclusive através de provimento liminar, em sede de ação rescisória.
É cabível a concessão de tutela antecipada na ação rescisória, visando à suspensão dos efeitos práticos da sentença rescindenda
(IX ETAB, 6ª conclusão; contra sete votos).
Cabe tutela antecipada na ação rescisória, desde que verificados
os requisitos previstos no art. 273 (JTAERGS 98/202) (Contra: RTFR3ª Região 35/125, Bol. AASP 1.973/329j, 2.066/657j.)
A partir da Lei nº 8.952, de 1994, a atribuição de efeito suspensivo
à ação rescisória deve ser requerida nos respectivos autos, como
antecipação da tutela, e não mais como ação cautelar. A regra do
art. 489 do CPC cede sempre que, sem a atribuição de efeito suspensivo à ação rescisória, se possa prever que o acórdão, mesmo se o
pedido for julgado procedente, não terá utilidade (STJ-2ª Turma,
REsp 82.529-PI, rel. Mins. Ari Pargendler, DJU 10.11.97, p. 57.734).
OBJEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE
Paulistein Aureliano de Almeida
Analista Judiciário, Justiça Federal/PB.
1.
INTRODUÇÃO.
Este texto objetiva analisar a exceção ou objeção de pré-executividade, tema
polêmico e dos mais novos, o qual tem suscitado discussões as mais diversas sobre
sua admissibilidade, abordado pela primeira vez, segundo dá conta o magistrado capixaba Marcos Valls Feu Rosa1, por Pontes de Miranda, em Parecer2. De lá para cá, informa o referido monografista, pouco se escreveu sobre o assunto, um dos mais relevantes da atualidade, circunstância que não impediu que advogados a utilizem na
prática forense diária e juízes e tribunais a acolham, cabível ela quando a ação de
execução carecer das condições da ação, ou seja, quando não preencher os requisitos legais para sua propositura.
Com efeito, matérias que, amiúde, seriam objeto dos embargos à execução, os
quais, como é cediço, só podem ser admitidos após haver o devedor garantido o juízo pela penhora ou depósito, podem ser discutidas através da objeção de pré-executividade, a qual prescinde de tais garantias, uma vez que a execução é nula pleno
jure quando incidente qualquer das hipóteses elencadas no art. 618 e incisos.
A objeção de pré-executivadade, portanto, visa (e o objetivo deste trabalho
é exatamente demonstrar sua finalidade como meio de defesa, sem necessidade de garantia do juízo executivo), impedir que tenham curso execuções
1Marcos Valls Feu Rosa, Exceção de Pré-executividade, 2ª edição, Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 13.
2 Pontes de Miranda, Dez anos de Pareceres, vol. 4. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1975.
faculdade de direito de bauru
192
temerárias, carentes de condições e pressupostos de existência e desenvolvimento
regular, sem os quais o processo de execução não pode ter início; exatamente por
versar matérias de ordem pública que, pelo juiz, de oficio, deveriam ter sido examinadas, e não o foram, é que se tem admitido esse novo instituto processual, o qual
pode ser utilizado sem necessidade de o devedor segurar a execução, como ocorre, ao contrário, com a ação de embargos.
Objetiva, assim, este trabalho, examinar a objeção de pré-executivadade sob
esse prisma, o de poder ser utilizada em qualquer tempo e grau de jurisdição, sem
maiores ritualismos e com dispensa de qualquer garantia para poder ser conhecida
e admitida.
2.
DEFESA DO DEVEDOR EM JUÍZO.
2.1. Embargos.
A defesa do devedor em Juízo ocorre, em regra, ou através de embargos do
devedor (aqui não se tecerão comentários acerca dos embargos de terceiro, por estes não interessarem ao tema em estudo), ou por meio de ação autônoma de declaração de inexigibilidade ou de anulação de título executivo.
Os embargos do devedor, segundo Humberto Theodoro Júnior3, “por visar à
desconstituição da relação jurídica e certa retratada no título é que se diz que os embargos são uma ação constitutiva, uma nova relação processual, em que o devedor é o autor e o credor o réu”. (Grifos do original).
Sabe-se que para se valer dessa ação, o devedor terá que “segurar o Juízo”, expressão esta que quer dizer “garantir a execução pela penhora ou pelo depósito”; tal
exigência erige-se em verdadeira condição de procedibilidade, sem a qual torna-se
ela juridicamente impossível, acarretando, por conseguinte, a extinção do processo
por carência de ação.
Pode ocorrer, todavia, que a ação de execução não preencha as condições necessárias à sua propositura ou esteja desacompanhada dos pressupostos processuais e, mesmo assim, o juiz, desapercebidamente, após examinar a petição inicial,
ordene a citação do devedor e conseqüente constrição de seu patrimônio, sem que
pudesse fazê-lo, ante a nulidade da execução (CPC, art. 618, I, II e III), porquanto,
não preenchendo os requisitos legais (=condições da ação e pressupostos processuais) a ação de execução não poderia ser admitida e, conseqüentemente, não poderiam ter lugar os atos de intromissão do Estado no patrimônio do devedor, sob
pena de violação do princípio do due process of law, previsto no art. 5º, LIV, da
Constituição Federal, o qual estatui que “ninguém será privado da liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal.”
3 Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1999, 2º v., p. 273.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
193
A propósito, dilucida Marcos Valls Feu Rosa, in ob. cit.4:
Caso tenha início uma execução que não preencha os requisitos legais, não poderá o Estado agredir o patrimônio do cidadão
apontado como devedor, seja através de penhora, seja através de
qualquer outro ato executivo.
Trata-se, como se vê, de matéria que antecede a discussão acerca
da exigência de penhora para que possa o devedor opor-se à execução, pois o que se tem em mira, aqui, é a possibilidade de se efetivar a penhora.
Pairando sobre a cabeça do devedor a ameaça de penhora de seus
bens em execução que não observe o princípio do devido processo
legal, pode e deve o mesmo defender-se em juízo a fim de evitar a
prática de tal ato manifestamente inconstitucional.
Os meios de se impedir a penhora, contudo, não estão previstos no
Código de Processo Civil, que, em seus artigos 736 e 737 afirma simplesmente que o devedor poderá opor-se à execução através de
embargos, que não são admissíveis antes de seguro o juízo, dentre
outras coisas, pela penhora.
Diante deste vácuo legal, doutrina e jurisprudência vão, pouco a
pouco, espancando todas as dúvidas existentes sobre a matéria,
superando a natural resistência que a prática cotidiana de juízes,
advogados e serventuários oferece, e afastando o entendimento de
que é indispensável a efetivação da penhora para que o devedor
possa, só então, através de embargos, opor-se à execução, mesmo
quando pretende argüir matérias anteriores e prejudiciais da penhora.
A possibilidade, pois, de o devedor se defender da execução antes de garantido o juízo, caso ela não obedeça às condições da ação ou aos pressupostos processuais, tem sido admitida não só pela doutrina como pela jurisprudência, consoante
se verá mais adiante.
2.2 Ação autônoma sw swclaração de inegiblidade ou de anulação de
título executivo.
Além desta modalidade de defesa que se exercita pela ação de embargos,
autônoma e conexa com a ação de execução, nos termos do CPC, art. 736, o devedor poderá ajuizar ação de declaração de inexigibilidade ou de anulação do título executivo.
4 Marcos Valls Feu Rosa, obra citada, p. 20.
faculdade de direito de bauru
194
A desvantagem de tal ação em relação à ação de embargos do devedor está no
fato de que aquela não impedirá o credor de propor a execução, bem como não suspenderá o curso desta (CPC, art. 585, § 1º), ao revés do que ocorre com a propositura dos embargos que suspendem a prática dos atos executivos, até final julgamento do incidente, conforme estatuído pelo CPC, art. 739, § 1º. Veja-se a dicção de aludidos dispositivos legais:
Art. 585 (...)
§ 1º. A propositura de qualquer ação relativa ao débito constante
do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.
Art. 739.
§ 1º. Os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo.
De lembrar-se que tanto a ação de embargos como a declaratória de inexigibilidade ou de anulação do título executivo são modalidades de defesa do devedor
exercidas extramuros, ou seja, a largo do processo.
2.3 OBJEÇÃO OU EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE.
Após esses prolegômenos, passe-se à análise propriamente dita acerca da objeção de pré-executividade, também chamada de exceção de pré-executividade.
Inicialmente, impõe-se esclarecer que, dentre as nomenclaturas utilizadas, a
preferível é objeção, porque este vocábulo diz respeito às condições da ação ou aos
pressupostos processuais que, por constituírem matéria de ordem pública, subtraem-se aos efeitos da preclusão, podendo ser alegadas em qualquer tempo ou
grau de jurisdição; com efeito, as nulidades retratadas no CPC, art. 618, I a III, são
de natureza absoluta e, como tal, não se convalidam em tempo algum.
Já o vocábulo exceção, no dizer de Nelson Nery Junior5, é impróprio porque, no entender daquele autor, traz ela “ínsita a idéia de disponibilidade do direito, razão por que, não oposta a exceção, ocorre a preclusão. O correto seria
denominar esse expediente de objeção de pré-executividade, porque seu objeto
é matéria de ordem pública que se decreta ex officio pelo juiz, e, por isso mesmo, insuscetível de preclusão.”
Assim, não obstante as opiniões respeitáveis em contrário de alguns doutrinadores, o termo usado neste ensaio restringir-se-á à objeção de pré-executividade.
Disto isto, tem-se que, em circunstâncias especiais e determinadas, previstas no
art. 618, incisos I a III do CPC, bem como em relação aos executivos fiscais (até porque
a estes se aplica o CPC subsidiariamente, quando for a Lei nº 6.830/80 lacunosa ou omissa), o executado poderá defender-se diretamente, através de simples petição, no próprio processo de execução, sem a garantia prévia do juízo pela penhora ou depósito.
5Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 129,
Revista do instituto de pesquisas e estudos
195
É a seguinte a dicção do art. 618, I a III do CPC:
Art. 618. É nula a execução:
I - se o título executivo não for líquido, certo e exigível (art. 586);
II - se o devedor não for regularmente citado;
III - se instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrido
o termo, nos casos do art. 572.
Impende, assim, ressaltar que, verificadas tais hipóteses, o devedor poderá
impugnar a execução por simples petição, sem, repita-se, precisar “segurar” o Juízo
pela penhora ou depósito, uma vez que, nos casos acima elencados na norma transcrita, figura matéria de ordem pública em jogo, a qual se refere às condições da ação
ou aos pressupostos processuais.
Nos termos do art. 652 do Código de Processo Civil, “o devedor será citado para,
no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, pagar ou nomear bens à penhora.” (Grifei)
Por se tratar, como acima ficou explicitado, de matéria de ordem pública a
constante do art. 618, incisos I a III, do CPC, deve ela ser conhecida e pronunciada
de ofício pelo juiz, em qualquer tempo, pois não estará sujeita à preclusão; se não
declarada de ofício, poderá ser argüida pelo próprio devedor nos autos do processo executivo, através de simples petição, sem a necessidade de opor embargos com
prévia garantia do juízo; poderá fazê-lo ainda que esgotado o prazo dos embargos,
haja vista a matéria nela deduzida versar sobre as condições específicas da ação de
execução, insuscetíveis de preclusão.
Oportuno lembrar que não apenas o devedor está legitimado para argüir a
objeção de pré-executividade; por devedor, para efeitos de citação, é a pessoa indicada na petição inicial da execução, de acordo com o disposto no art. 282, II, do
CPC, aplicável à execução, por força do comando do art. 598 do diploma processual;
pode acontecer que, por falha, seja citada parte ilegítima, exsurgindo, indiscutivelmente, para esta a possibilidade de opor-se à execução através da objeção de préexecutividade, com a conseqüente extinção do processo.
Terceiros também, desde que atingidos pela execução, teriam legitimidade
para opor-se à aduzida objeção, com a conseqüente liberação do bem penhorado;
se ilógica é a exigência de penhora para que o citado possa argüir a ausência dos requisitos da execução, também ilógica seria a exigência de oferecimento de embargos de terceiro para a argüição das mesmas matérias por aquele que não é parte no
processo, mas que foi atingido pelo mesmo.
Acerca da legitimidade para suscitar a objeção de pré-executividade, traga-se
à colação ensinamento de Marcos Valls Feu Rosa6:
6 Marcos Valls Feu Rosa, obra citada, p. 48:
196
faculdade de direito de bauru
A discussão acerca da legitimidade para opor exceção de pré-executividade, contudo, não tem muita relevância.
Efetivamente, ainda que a exceção de pré-executividade seja oposta por pessoa que não possua legitimidade, o que implicaria em
inadmissão da mesma, restaria, para o juiz, a notícia da ausência dos requisitos da execução.
Alertado para o fato de que recebeu o que não poderia ter recebido, de que deferiu o que não poderia ter deferido, de que determinou o que não poderia ter determinado, o juiz consciencioso, presumivelmente, examinará, ou reexaminará, os requisitos da execução, independentemente de quem deu o alerta.
(...) Não importa, portanto, quem deu conhecimento ao juiz da
ausência dos requisitos da execução, se pessoa legitimada ou não.
O que interessa é o fato de o juiz ser alertado, e o exame, ou reexame, das questões pendentes, o que vale ressaltar, deveria ter sido
feito de ofício.
A argüição da ausência dos requisitos da execução, portanto,
pode ser feita por qualquer pessoa, até porque todos devem colaborar para o bom funcionamento da Justiça.
Tem-se, efetivamente, que a objeção de pré-executividade objetiva evitar que
o devedor, principalmente, podendo ser também terceiro, se submeta a uma execução infundada, nula plenamente, quando não abusiva, em face da constrição judicial
a que estará sujeito, por tempo indeterminado, incidente sobre seu patrimônio, baseada em um título executivo despido de validade e eficácia, seja porque o credor é
parte manifestamente ilegítima, seja porque a relação processual está eivada de vício no tocante à citação inicial.
No que tange à forma de que se deve revestir, a objeção poderá ser oposta
através de “simples petição”, de acordo com escólio de Humberto Theodoro Júnior7; é mister que independa também de dilação probatória a objeção, sob pena de
ter o devedor que recorrer às vias gravosas dos embargos.
A doutrina moderna tem adotado essa perspectiva8:
Com efeito, não se admite no processo de execução, que se instaure uma instrução incidente, de forma que todas as questões que
demandem provas devem ser remetidas aos embargos, que têm natureza cognitiva, e que admitem ampla instrução. Assim, há algu7Humberto Theodoro Júnior, obra citada, p. 864.
8 Marcus Vinícius Rios Gonçalves, Processeo de Execução e Cautelar, Ed. Saraiva, 1999, 2º ed. Rev. São Paulo, p. 66
(Coleção Sinopses Jurídicas)
Revista do instituto de pesquisas e estudos
197
mas defesas que, embora não cognoscíveis de ofício, dispensam
qualquer produção de prova, por envolverem matéria de direito.
É o caso do reconhecimento da prescrição que, em regra, independe de prova; no entanto, desde que surja a necessidade de instrução, o juiz deve remeter as partes à via dos embargos.
Forçoso reconhecer, então, que só se admite a objeção de pré-executividade
quando a matéria tratada for daquelas que se demonstram de plano, sem carência
de especificação probatória; do contrário, havendo necessidade de produção de
provas, não cabe a objeção em tela, devendo o devedor socorrer-se da ação de embargos, os quais devem ser precedidos de penhora ou depósito para sua admissão.
O art. 618, incisos I a III, cuida, portanto, de vícios típicos do processo de execução, referentes a nulidades que exsurgem da inobservância das condições específicas da ação de execução, sem as quais o credor não se legitima a manejá-la.
O primeiro dos vícios do processo de execução é o concernente à imperfeição do título (CPC, art. 618, I), falto dos requisitos da liquidez, certeza e inexigibilidade; este vício conduz o processo de execução à sua extinção pelo indeferimento
da petição inicial, mercê da inépcia (art. 616, CPC), que deve ser pronunciada de ofício pelo juiz; se por lapso deste, instaurar-se e desenvolver-se o processo de execução, sem que preenchidos os requisitos legais da ação de execução, poderá o devedor, em nome do princípio do devido processo legal, requerer a nulidade do feito,
através da objeção; o mesmo se diga em relação à falta do título executivo que, a
fortiori, enseja a nulidade do processo.
Outro não é o entendimento de Araken de Assis 9, no sentido de que esse
meio de oposição está “afinado com a sistematização dos pressupostos processuais,
matéria conhecível de ofício, a teor do que dispõe o art. 267, IV, c/c o § 3º, do Código de Processo Civil”.
Veja, à baila, lição precisa de Marcos Valls Feu Rosa10, assaz esclarecedora:
Ora, para dar início à execução o juiz deve verificar, antes de
mais nada, se há título executivo judicial ou extrajudicial, o que,
nos termos do artigo 583 do Código de Processo Civil, é a base de
toda execução11.
Se há nulidade, vício pré-processual ou processual que torna ineficaz o título apresentado pelo autor, não há, via de conseqüência,
título exeqüível, e, nestas condições, deve a inicial ser indeferida.
9 Araken de Assis, Manual de Processo de Execução, vol. I, p. 344
10 Marcos Valls Feu Rosa, obra citada, p. 53:
11 “Art. 583. Toda execução tem por base título executivo judicial ou extrajudicial.”
198
faculdade de direito de bauru
O vício da citação, segundo disposto no inciso II do art. 618 do CPC, ocasiona, do mesmo modo, a extinção do processo executivo, consistente aquele não apenas na ausência como também na irregularidade de tal ato processual. Tal exigência
se impõe e se justifica em respeito ao princípio constitucional do due process of law
e do contraditório (CF, art. 5º, LIV e LV ), os quais autorizam ipso jure a decretação
da nulidade do processo de execução, de ofício, ou por requerimento do devedor,
através da objeção de pré-executividade.
Entretanto, esclareça-se que, antes de tomar tal providência, deve o juiz ouvir
o autor da execução, o qual tem o direito constitucional de se manifestar sobre a argüição feita, prestando os esclarecimentos necessários acerca do vício ventilado na
objeção, podendo, inclusive, emendar ou corrigir a petição inicial. Aplicável, neste
caso, o artigo 616 do CPC12; se, todavia, for proferida sentença terminativa da execução sem ser ouvido o autor, em grau de apelação poderá este obter a anulação da
sentença, com conseqüente baixa dos autos à instância inferior, a fim de que o juiz
dê cumprimento ao art. 616 do CPC e, após, decida com base na sua livre convicção,
acerca da matéria deduzida na objeção de pré-executividade.
Se a execução, finalmente, for instaurada antes da verificação da condição ou
ocorrência do termo (CPC, art. 618, III), visto que o credor terá que instruir a petição inicial com a prova da existência de uma das duas modalidades de ato jurídico,
ter-se-á outro caso de inépcia da inicial, por carecer, in casu, a ação de condição de
procedibilidade.
Uma vez intentada a objeção de pré-executividade que, como se viu supra,
pode ser através de simples petição, suspende-se o curso da execução; se argüida a
ausência dos requisitos legais da execução, esta não pode prosseguir até ulterior manifestação judicial acerca da objeção, sob pena de se terem privados bens do devedor sem observância do devido processo legal.
A doutrina abalizada dos processualistas de escol assim tem se posicionado.
Ovídio A. Baptista da Silva13 esposa o entendimento de que o devedor poderá, perfeitamente, paralisar a execução demonstrando a ausência do “requisito” do inadimplemento, neste caso, nos autos do próprio processo executivo; Araken de Assis14
adota o mesmo entendimento, no sentido de que o devedor não está, absolutamente, obrigado a ajuizar os embargos para fazer o juiz paralisar a execução, para os efeitos do artigo 582, parágrafo único, do CPC, e demais casos.
Recorra-se de novo aos comentários judiciosos de Marcos Valls Feu Rosa15:
12 “Art.616. Verificando o juiz que a petição inicial está incompleta, ou não se acha acompanhada dos documentos
indispensáveis à propositura da execução, determinará que o credor a corrija, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena
de ser indeferida.”
13 Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, vol. II, p. 23
14 Araken de Assis, obra citada, p. 74
15 Marcos Valls Feu Rosa, obra citada, p. 78.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
199
Efetivamente, a execução consiste numa série de atos tendentes à
desapropriação de bens. Nestas condições, cada passo de sua marcha representa uma violação ao patrimônio do devedor, e aproxima o ato final expropriatório. Não se pode, por isto, aguardar fase
processual alguma para se discutir a presença dos seus requisitos.
Havendo fundadas razões para tanto, deve a execução ser suspensa a fim de ser verificada a regularidade processual. Somente assim teremos expropriação de bens com observância, em todos os
seus termos, do devido processo legal.
Destarte, oposta a objeção, a execução deverá ser suspensa, até a decisão do
juiz de primeiro grau. A sentença que julgar a objeção será meramente terminativa
do processo de execução forçada, por carência de ação; significa dizer que não estará o autor impedido de propor nova execução com base no mesmo título, desta
feita preenchidos os requisitos legais atinentes à ação de execução, a teor do disposto no art. 268 do Código de Processo Civil; a única exceção é se a sentença terminativa restringiu-se a acolher a alegação de perempção, litispendência ou coisa julgada, uma vez que a sentença de extinção do processo sem julgamento do mérito nas
demais hipóteses não produz coisa julgada material.
Acolhida a argüição e proferida sentença terminativa da execução, será o autor da
execução condenado nas despesas processuais e honorários advocatícios; ao revés, se
rejeitada a argüição, o devedor será responsável pelas custas acrescidas, se houver.
O recurso cabível da sentença terminativa da execução será a apelação; se rejeitada a objeção de pré-executividade, caberá agravo.
As decisões dos tribunais têm sido no sentido de admitir a objeção, conforme
se vê dos seguintes julgados, de ementas:
... execução de pré-executividade - Título ilíquido - Recurso provido - Execução extinta. Além do mais, não se definiram valores,
mas apenas parâmetros para seu estabelecimento. (TJSP - Agr. Inst.
nº 280.364-1 - 7ª C. Dir. Priv. Rel. Benini Cabral - J. 13.03.96, v.u.
apud Revista Consulex, ano IV, nº 44 - agosto/2000, págs. 31/32).
Execução por título extrajudicial - Exceção de pré-executividade Posição desta sob o fundamento de inexistência de título executivo
- Admissibilidade - Configuração como matéria de ordem pública
por tratar-se de uma das condições da ação - Exceção acolhida
para afastar inconcebível injustiça de se exigir a afetação patrimonial do executado em processo. (1º TACSP -Agr.Inst. nº 699.9095/00 - 1ª C - Rel. João Carlos Garcia - j. 16.09.96, v.u, apud Revista
Consulex, ano IV, nº 44, agosto/2000, p. 31/32).
faculdade de direito de bauru
200
Finalmente, inadmissível a utilização da objeção de pré-executividade conjuntamente com os embargos à execução; não haveria qualquer interesse no oferecimento simultâneo da objeção e dos embargos, visto que, oferecidos estes, toda e
qualquer discussão, inclusive as pertinentes aos requisitos da execução, estaria absorvida por aqueles; utilizar-se de ambos os instrumentos processuais, caracterizaria
duplicidade de instrumentos para um mesmo fim; deduz-se, assim, que a objeção
em foco só pode ser oferecida antes ou depois dos embargos, mas não simultaneamente com estes, porquanto, após o oferecimento dos embargos, não é mais admissível a referida objeção.
3.
CONCLUSÕES.
Diante do exposto, conclui-se: 1) que a objeção de pré-executividade é um
meio de defesa que se exercita no bojo da própria execução, a qual visa pôr cobro,
em seu nascedouro, a uma execução nula de pleno direito à qual faltem condições
específicas para seu ajuizamento e desde que prescinda de dilação probatória e seja,
finalmente, a matéria, objeto da objeção, notoriamente incontroversa, acarretando,
conseqüentemente, a extinção do processo de execução por carência de ação, nos
termos do disposto no art. 267, VI); meio de defesa, frise-se, sob o prisma do devedor, porquanto não sendo privativa deste, terceiro interessado poderá argüí-la; do
prisma do terceiro interessado é um instrumento de provocação do órgão jurisdicional, através do qual se requer manifestação acerca dos requisitos da execução; 2)
a objeção de pré-executividade exsurge do fato de o juiz dar início ou prosseguir
com uma execução carente das condições que lhe são ínsitas ou de seus pressupostos processuais; versa ela, pois, sobre matéria de ordem pública; 3) através da objeção em apreço, o juiz, não tendo de ofício examinado tais matérias, é obrigado a examinar a ausência dos requisitos da execução, antes, porém, ensejando oportunidade ao autor para prestar os esclarecimentos necessários, emendando ou corrigindo,
se for o caso, a petição inicial da execução; 4) a objeção de pré-executividade pode
ser argüida em qualquer tempo e grau de jurisdição, visto que seu objeto perscruta
matéria de ordem pública, insuscetível de preclusão; 5) inadmissível a utilização da
objeção de pré-executividade e dos embargos concomitantemente; 6) Independe a
objeção de forma rígida, podendo ser exercitada por simples petição, uma vez que
seu fim é alertar o juiz para a ausência dos requisitos legais da execução; 7) a objeção de pré-executividade suspende a execução e enseja contraditório, devendo o
juiz se posicionar de plano, acolhendo-a ou rejeitando-a; 8) a sentença que decide a
objeção de pré-executividade é terminativa, a qual condenará o autor nas custas e
verba honorária; 9) rejeitada a objeção de pré-executividade, deverá o juiz prosseguir com a execução, proferindo decisão, com condenação nas custas acrescidas,
se houver; 10) caberá recurso de apelação ou agravo, dependendo do ato do juiz,
acolhendo ou rejeitando a objeção, respectivamente.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
201
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução, vol. I. Porto Alegre: Letras Jurídicas, 1987.
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Processo de Execução e Cautelar. São Paulo: Saraiva, 2ª ed. Rev. São Paulo (Coleção Sinopses Jurídicas)
JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil, vol. II. 7ª. Rio de
Janeiro: Forense, 1991.
MIRANDA, Pontes de. Dez Anos de Pareceres, vol. 4. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1975.
ROSA, Marcos Valls Feu. Exceção de Pré-Executividade, 2ª edição. Sergio Antônio Fabris Editor, 1999.
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil, vol. II. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1990.
A ÉTICA DO PROMOTOR DE JUSTIÇA CRIMINAL
Rômulo de Andrade Moreira
Promotor de Justiça e Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça. Ex-coordenador do Centro de
Apoio Operacional das Promotorias Criminais do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS na graduação e na pós-graduação. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático.
Com a promulgação da Constituição Federal o Ministério Público, que antes
ocupava uma seção específica do capítulo reservado aos diversos órgãos do Poder
Executivo, hoje tem uma posição indiscutivelmente de maior destaque, sendo objeto do Capítulo IV, inserto no Título IV, que trata da organização dos três poderes do
Estado, capítulo este que disciplina as funções ditas essenciais à Justiça.
Assim, com a nova ordem constitucional estabelecida, o Ministério Público
destacou-se nitidamente do Poder Executivo, tendo agora uma feição muito mais independente e autônoma, a ponto de se dizer, com um indisfarçável exagero, tratarse de um Quarto Poder.
Excessos à parte, porém, o certo é que a instituição ganhou com a nova ordem constitucional um certo status, passando a figurar como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, tal como se encontra insculpido no art. 127, caput da Constituição.
Ademais, para tornar efetiva a sua independência o § 2º. do mesmo art. 127
assegurou a sua “autonomia funcional e administrativa”, dando-lhe, outrossim, a
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faculdade de direito de bauru
possibilidade de “propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos
e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e
títulos, a política remuneratória e os planos de carreira”, além de poder elaborar
“sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias.”
Ainda em sede constitucional, previstas estão as mesmas garantias outorgadas
à magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios), além
de ser vedado aos seus membros o recebimento de “honorários, percentagens ou
custas processuais”, o exercício da advocacia, a participação em sociedade comercial, o exercício de qualquer outra função pública, salvo uma de magistério, bem
como “atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei.”
Complementando estas diretrizes constitucionais, temos a Lei Federal n.º
8.625/93, que dispõe sobre as normas gerais para organização do Ministério Público
dos Estados (é a Lei Orgânica do Ministério Público) e a Lei Complementar Federal
n.º 75/93 que disciplina a organização do Ministério Público da União.
Feitas estas considerações iniciais, vamos abordar mais especificamente o
tema em questão: a ética do Promotor de Justiça atuante na Justiça Criminal.
Pois bem, considerando-se ética como “a ciência de uma forma específica de
comportamento humano”, ou “de uma esfera do comportamento humano”, como
a definiu Adolfo Sánchez Vázquez1, tentaremos estabelecer determinados parâmetros de atuação do Promotor de Justiça, frente aos demais operadores jurídicos, mas
dando ênfase à sua atuação na área criminal e principalmente em relação à parte
acusada, aquela que se encontra no banco dos réus.
Mas, mesmo antes disso, e para situar melhor a nossa posição, é preciso que
constatemos uma realidade preocupante: hoje, e mais do que nunca, os meios de
comunicação buscam incutir na opinião pública a idéia de que o infrator deve ser
punido o mais severamente possível, retirando-lhe também direitos e garantias
constitucionais, indissociáveis da condição de réu, como se isto servisse para solucionar, feito um bálsamo, o problema da violência e da criminalidade.
É evidente que a violência e a criminalidade não se resolvem à base de leis
mais severas, de uma maior criminalização de condutas e de restrições a princípios
constitucionais como a ampla defesa, o contraditório, a individualização das penas,
a presunção de inocência, etc., mesmo porque a lei penal deve ser concebida como
última solução para o problema da violência, pois não é, nunca foi e jamais será superação para a segurança pública de um povo.
Aliás, se nós observarmos o sistema carcerário brasileiro, constataremos que
ele revela exatamente o quadro social reinante neste País, pois nele estão “guardados” os excluídos de toda ordem, basicamente aqueles indivíduos banidos pelo injusto e selvagem sistema econômico no qual vivemos; o nosso sistema carcerário
1 Ética, São Paulo: Civilização Brasileira, 8ª. ed., 1985, p. 12 e segs.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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está repleto de pobres e isto não é, evidentemente, uma “mera coincidência”. Ao
contrário: o sistema penal, repressivo por sua própria natureza, atinge tão-somente
a classe pobre da sociedade. Sua eficácia se restringe, infelizmente, a ela. As exceções que conhecemos apenas confirmam a regra.
E isto ocorre porque, via de regra, a falta de condições mínimas de vida
(como, por exemplo, a falta de comida), leva o homem ao desespero e ao caminho
do crime, como também o levam a doença, a fome e a ausência de educação na infância. Assim, aquele que foi privado durante toda a sua vida (principalmente no seu
início) dessas mínimas condições se subsistência estaria, a meu ver, mais propenso
ao cometimento do delito pelo simples fato de não haver para ele, muitas vezes,
qualquer outra opção; há exceções, é verdade, porém estas, de tão poucas, mais
uma vez apenas confirmam a regra.
A esse respeito há uma opinião bastante interessante de MARIA LÚCIA KARAM, segundo a qual “hoje, como há duzentos anos, mantém-se pertinente a indagação de por que razão os indivíduos despojados de seus direitos básicos, como
ocorre com a maioria da população de nosso país, estariam obrigados a respeitar as leis.”2
Ora, em nosso País, por exemplo, muitas leis penais estão a todo o momento
sendo sancionadas, como as leis de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, e tantas outras,
sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de
comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para
a constitucionalidade de alguns dos seus preceitos.
E o resultado? Nenhum! Ou será que após a edição da lei de crimes hediondos (que data de 1990), ou do surgimento da prisão temporária (de 1989), a criminalidade diminuiu e a segurança pública melhorou? E a criminalização do porte de
arma? Será que houve êxito no que concerne à segurança pública? Será que os criminosos guardarão suas armas por temor de serem presos em flagrante por crime
de porte de arma? E as pessoas das classes média e alta terão receio de portar uma
arma de fogo ou serão facilmente beneficiadas com o registro e a autorização para
portá-las?
Querer, portanto, que a lei penal e a lei processual penal resolvam a questão
da segurança pública é desconhecer as raízes da criminalidade, pois muito pouco
adianta uma legislação severa, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis, retirada de garantias processuais ou métodos de policiamento mais rígidos, como, por exemplo, a famigerada “tolerância zero”, etc., etc.
Vale a pena citar EVANDRO LINS E SILVA, que diz:
2 De Crimes, Penas e Fantasias, Rio de Janeiro: Ed. Luan, 1991 p. 177.
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206
“Muitos acham que a severidade do sistema intimida e acovarda
os criminosos, mas eu não tenho conhecimento de nenhum que tenha feito uma consulta ao Código Penal antes de infringi-lo.”3
Entendemos ser fundamental enfrentar de início tais assuntos (e jamais
poderíamos perder esta oportunidade), pois não é possível discutir ética do Promotor de Justiça, especialmente o que atua na área criminal, sem que se enfrente as
questões acima colocadas.
Ora, se assim o é, e pensamos sinceramente que o seja, não se pode atuar eticamente na Justiça Criminal (onde se debate de um lado o direito à liberdade e de
outro a pretensão punitiva estatal) concebendo o réu como um mero objeto do processo. Não!
O acusado de um crime tem que ser visto como um sujeito de direitos para o
qual a Constituição previu uma série de garantias processuais que devem ser obrigatoriamente obedecidas, principalmente pelo órgão responsável pela acusação pública.
Se o Promotor de Justiça não tiver essa consciência ética, e considerando-se
as atuais condições que são inteiramente propícias ao endurecimento do tratamento penal dos acusados, é evidente que diversos direitos e garantias processuais (muitos dos quais previstos na Carta Magna), podem ser esquecidos, revelando atitude,
do ponto de vista ético, extremamente reprovável.
Já se foi a época de o Promotor de Justiça ser um cego e sistemático acusador
público, perseguidor implacável do réu, profissional que representava a sociedade e
tentava a todo custo uma condenação, pouco importando que tivessem sido dadas
ao réu as condições plenas de provar a sua inocência.
Não cabe ao Promotor de Justiça criminal essa inconsciência aética de contribuir para uma condenação de alguém, sem que para isso haja justa causa indiscutível, é dizer, uma consistência probatória absoluta, quando sabemos que possui ele
um inigualável leque de meios probatórios à sua disposição para provar a acusação
imputada.
O Promotor de Justiça (e a própria denominação já o indica) deve ter a certeza processual do fato e da autoria para que se legitime a pleitear em Juízo que alguém cumpra uma sanção penal.
O direito de acusar deve revestir-se de uma completa imparcialidade (e isto
não se contradiz com a condição de parte acusadora, pois que o próprio Código de
Processo Penal alça o Ministério Público, também, à condição de fiscal da lei, no seu
art. 257); o Promotor atua, assim, no processo penal com essa dupla face: ao tempo
em que acusa e, como tal se diz que é parte no sentido formal, também se lhe incumbe a fiel promoção e fiscalização da lei.
3 Ciência Jurídica – Fatos – nº. 20, Belo Horizonte, maio de 1996.
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Exatamente por isso, hoje já é pacífica a possibilidade do Promotor de Justiça
pleitear qualquer medida em favor do réu, incluindo, por exemplo, o pedido de absolvição, a impetração de habeas corpus, de mandado de segurança em matéria criminal, de recurso em benefício do acusado, etc., etc.
A acusação pública, apesar de ser deduzida em nome da sociedade, não pode
ser movida por sentimento de ódio, paixão ou vingança, deixando-se de lado a lógica jurídica e sustentando a acusação apenas na boa oratória e na eloqüência vazia de
argumentação, amesquinhando-se uma função tão digna.
A aceitação da improcedência de uma acusação, antes de representar uma
derrota, deve ser vista como uma atitude nobre e eticamente incensurável.
É verdade que tempos atrás o próprio Governo já ordenou o contrário; narra
a História que se editou certa vez um ato normativo, o Aviso n.º 323, de 25 de julho
de 1861, em que se lia “a lei não permite que a causa da justiça fique abandonada e os atos das autoridades criminais sem ter quem os explique.” Ocorre que a
“causa da justiça” não é, sempre e sempre, contra o réu e a favor da acusação.
A propósito, são conhecidas, por exemplo, as velhas sentenças de Berrier, segundo o qual, “é preferível ficarem impunes muitos culpados do que punido quem
devesse ser absolvido” e a de Montesquieu, para quem “a injustiça feita a um é
uma ameaça feita a todos.”
O professor Jorge Americano resume de maneira irretorquível tais considerações:
Obrigado a intervir, o Ministério Público estuda o fato e fiscaliza a aplicação do direito. Expõe os seus argumentos com sobriedade de firmeza, com precisão e energia, mas sem paixão nem
violência. Tem em vista a moralidade e a justiça. Responde aos
argumentos dos diversos interessados, sem jamais sacrificar a
verdade. Poupa a reputação alheia. Abandona os gracejos e os
doestos, economiza a adjetivação. Encara o episódio como um
fato jurídico e não como questão pessoal contra os demais interessados.4
A ética, portanto, repulsa os espetáculos teatrais, a busca incessante pela notoriedade e pelo espaço na mídia, as humilhações a quem já se encontra em situação vexatória, tudo a exigir do Promotor criminal um distanciamento quase “heróico” das paixões que costumam rodear as causas criminais.
Como disse Roberto Lyra, um dos maiores penalistas brasileiros, o Promotor
de Justiça “como homem público, na sua mais bela modalidade, renunciará, no
4 apud Roberto Lyra, Teoria e Prática da Promotoria Pública, co-edição da Sergio Antonio Fabris Editor e Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1989, p. 74.
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exercício do cargo, a qualquer reserva mental, a qualquer preconceito, a qualquer facciosismo.”5
Aliás, Roberto Lyra que dedicou toda a sua vida ao estudo do Direito Criminal
e ao Ministério Público, a ponto de ser chamado por Evandro Lins e Silva de o “Príncipe dos Promotores Públicos brasileiros”, em sua obra “Teoria e Prática da Promotoria Pública”, dedicou um capítulo inteiro à “Ética do Promotor Público”,
onde resume de forma magnífica os princípios norteadores da conduta de um membro do parquet.
Este mesmo autor, nesta obra, citando agora o Marquês de São Vicente, escreveu:
O acusador, por decoro próprio e sobretudo por obrigação estrita,
jamais deverá injuriar o réu, ou por qualquer forma olvidar-se do
respeito devido ao tribunal. Pelo contrário, refletido e moderado,
embora enérgico em sua argumentação, deve produzir a acusação sem arrebatamento, sem exageração.6
Nesse livro clássico, há trechos memoráveis, como por exemplo:
Faltará, no entanto, à ética, numa de suas regras essenciais, o
Promotor Público que injuriar o réu, ou, mesmo vexá-lo sem estrita necessidade. Mais do que violação da ética isso constitui
covardia, na rigorosa expressão da palavra. É, também, impolítico, desastrado, contraproducente esse procedimento pelo
péssimo efeito, pelo desprestígio da função, pelo descrédito do
orador judiciário.7
Portanto, não deve o Promotor valer-se do infortúnio do acusado para, afagando a sua vaidade, utilizar-se do processo como palco para disputas forenses e em
busca da notoriedade gratuita e nociva.
O réu tem direito a respeito; praticando uma conduta delituosa merece também ser punido, é evidente, mas não lhe retirando garantias processuais e faltandolhe com a consideração devida.
Mas a questão não se resume ao foro criminal. Logicamente, atue na área criminal ou não, o membro do Ministério Público deve sempre procurar a verdade na
sua atividade e nas suas postulações, devendo reconhecer com altivez, quando for
o caso, a improcedência da sua pretensão.
5 Ob. cit. p. 75.
6 Idem, p. 79.
7 Idem, ibidem, p. 80.
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209
Em nenhum momento deve ser levado pela paixão, relegando o caráter técnico-jurídico a segundo plano e ferindo de morte a dignidade da sua nobre função.
Deve, principalmente, cuidar-se para não sucumbir à vaidade, transformando,
como adverte Nalini, “toda e qualquer questão em objeto de demanda, apenas
pelo gozo inefável de ocupar espaço e tempo na mídia.”8
Aliás, por falar em vaidade, nunca esqueçamos a mensagem final do filme “O
Advogado do Diabo”9, quando a personagem que corporifica o diabo, representada
por Al Pacino, em sua última frase diz profeticamente: “Vaidade: com certeza é o
meu pecado favorito”.
Aliás, a propósito, no que diz respeito mais especificamente ao gosto pela exposição excessiva e desnecessária aos holofotes, novamente trazemos as considerações do Professor Jorge Americano:
Os casos sujeitos à justiça, são, por sua natureza, estranhos à publicidade. Não que haja receio dela, mas por questões de necessidade, recato e método de trabalho.10
Porém, a outras exigências éticas também estão submetidos os membros do Ministério Público, dentre as quais, podemos citar a obrigação de indicar todos os fundamentos jurídicos dos seus pronunciamentos, a fim de que se certifique a leitura dos autos por parte do profissional; obedecer aos prazos processuais para que se agilize a prestação jurisdição; assistir aos atos processuais pertinentes, evitando-se futuras nulidades
e demonstrando zelo e presteza no seu mister; declarar-se suspeito ou impedido sempre que for o caso; tratar com urbanidade as partes e os demais sujeitos processuais; residir na comarca, salvo motivo justificado; atender ao público, etc.
Alguns desses deveres estão expressamente previstos nas referidas leis orgânicas do Ministério Público dos Estados e do Ministério Público da União, respectivamente nos arts. 43 e 236.
No que diz respeito ao relacionamento com os Juízes de Direito, os Advogados e os próprios colegas, deve o Promotor de Justiça comportar-se sem qualquer
tipo de animosidade, ainda que suas teses jurídicas sejam conflitantes, o que é normal tratando-se de uma ciência como é a do Direito. Não havendo entre eles qualquer tipo de hierarquia ou submissão, é evidente que o convívio deverá ser o mais
harmônico, respeitoso e confiável e isto só é possível se todos se conduzirem eticamente nas suas respectivas áreas de atuação.
Novamente se faz necessário não deixar que a fogueira das vaidades perturbe
a convivência entre eles; se alguns desses operadores jurídicos desejam atribuir-se
8 Ética Geral e Profissional, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª. ed., p. 249.
9 “The Devil’s Advocate”, uma produção de 1997 da Warner Bros., com Al Pacino e Keanu Reeves.
10 Idem, ibidem, p. 105.
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faculdade de direito de bauru
funções que não são suas, mas do outro, não há remédio mais adequado do que um
novo concurso público.
Assim, finalizando diríamos que, seja Promotor, Magistrado ou Advogado,
aquele que se dedicar ao Direito como profissão há de saber que na conduta cotidiana tem-se que, como diz J. J. Calmon de Passos, “definir objetivos e, em função
desses fins, fixar qual a melhor conduta individual e social a seguir no seu viver
e conviver.”11
Cremos ser esta, em suma, a melhor lição a respeito de como se conduzir eticamente, lição esta extraída da mais recente obra daquele que, ao longo dos anos,
seja no Ministério Público, seja na advocacia, seja na vida acadêmica, trilhou, eticamente, um caminho de brilho, de sucesso profissional e de respeito ao próximo.
11 Direito, poder, justiça e processo – Julgando os que nos julgam, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 53.
PROCRIAÇÕES ARTIFICIAIS
Taciana Jusfredo Simões Pinto
Bacharela em Direito, graduada pelas Faculdades Integradas
“Antônio Eufrásio de Toledo” – Faculdade de Direito de Presidente Prudente.
RESUMO
O presente artigo é um condensado da monografia que apresentei em novembro de 2001, a qual obteve a nota máxima, fruto da orientação dada pela professora
Dr. Vera Lúcia Toledo Pereira de Góis Campos. Visa analisar, à luz do Direito, as principais técnicas de procriações artificiais consideradas meios legítimos e efetivos de
procriação, solucionando, deste modo, a infertilidade humana.
Atualmente, com os avanços da medicina reprodutiva, já se tornou possível
realizar o desejo de muitos casais impossibilitados de constituir sua prole com seus
elementos genéticos através das técnicas de procriação artificial, altamente eficientes e garantidoras de êxito, como a inseminação artificial, a fecundação in vitro e a
mãe substituta, resolvendo assim, a esterilidade conjugal.
1.
INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL (IA)
A origem da palavra “inseminação” é de expressão latina – inseminare, onde
in significa dentro, e semen compreende a semente.
Consiste em uma técnica de procriação artificial a qual é entendida como a introdução do sêmen diretamente na vagina da mulher ou sua inserção no útero, por
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faculdade de direito de bauru
meios distintos da cópula. Esta técnica representa o procedimento mais simples das
técnicas de procriação artificial, e já é amplamente conhecida como tratamento para
infertilidade humana, facilitando o processo de procriação. Limita-se a manusear
apenas o gameta masculino, através da masturbação ou de massagens nas vesículas
seminais.
É importante destacar que a preparação do sêmen é feita em laboratório para
selecionar e concentrar espermatozóides móveis fecundantes e, posteriormente,
transferir o sêmen capacitado para o interior do útero da mulher, através da simples
colocação no fundo do canal vaginal, podendo-se utilizar pílulas de espermatozóides, inventadas pelo professor Nilton Nakamura, da USP.
Outrossim, um modo mais simples, sem dúvida, seria a coleta do sêmen
com a imediata introdução no corpo da mulher (auto-inseminação), sendo uma
possibilidade exitosa se a mulher estiver na época da ovulação e não sofrer nenhuma deficiência funcional orgânica. Essa introdução poder ser feita usando-se
cânulas ou seringas.
Além disso, é possível o congelamento do sêmen recolhido, quando este não
é automaticamente implantado no corpo da mulher. Através das técnicas de crioconservação (congelamento de gametas) existentes na atualidade pode-se manter o sêmen com suas características inalteradas por um período de 20 anos.
Trata-se de técnica indicada ao casal fértil com dificuldade de fecundar naturalmente, ou melhor, quando o homem apresenta pouca quantidade de espermatozóides ou quando os mesmos têm motilidade reduzida, quer seja em razões de deficiência físicas, quer por força de perturbações psíquicas.
Normalmente realiza-se a inseminação artificial em dois dias consecutivos
para aumentar as chances do encontro dos espermatozóides com o óvulo no interior das trompas. Porém, o casal deve ser informado sobre as probabilidades de êxito, já que é uma técnica limitada e não oferece altas taxas de gravidez (12% a 15%).
1.1. Inseminação Artificial Homóloga
Ocorre na hipótese em que a solução da infertilidade é buscada pelo próprio
casal, sem a intervenção de terceiro. Portanto, é realizada com o esperma do próprio marido ou companheiro da mulher receptora.
Esta técnica é a que apresenta menor índice de contestações, visto que não altera as estruturas jurídicas existentes, na medida em que a paternidade biológica
coincide com a legal. Entretanto, a questão polêmica dessa espécie de inseminação
diz respeito ao congelamento de sêmen e à possibilidade de utilização do mesmo
sem o consentimento do cônjuge ou companheiro ou, ainda, após a sua morte, isto
é, inseminação post mortem.
Consentida a inseminação e realizada contemporaneamente à colheita do material genético, a procriação dar-se-á de acordo com os parâmetros legais, pois o nascimento ocorrerá dentro dos limites abrangidos pela presunção do art. 338, do CC,
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213
e haverá correspondência entre a paternidade jurídica e a biológica. Todavia, isto
não ocorre quando o cônjuge não concede a autorização ou quando deixa o material genético depositado em um banco de sêmen para futura inseminação, vindo
posteriormente a falecer.
Apesar da impossibilidade de contestação da paternidade em função do
exame do DNA, surge o questionamento sobre a necessidade de autorização expressa e suas conseqüências no âmbito do Direito das Sucessões, principalmente no que tange ao patrimônio do doador. Como em qualquer contrato de depósito, o material guardado nos bancos de sêmen continua sendo uma “propriedade” daquele que produziu, podendo este até mesmo requerer sua inutilização a
qualquer tempo. Este requerimento equivaleria a uma revogação do ato praticado e da ordem de depósito.
Não obstante tais fatos, sua utilização em processos de inseminação dependeria, exclusivamente, de autorização prévia e expressa a fim de que o direito intrínseco de cada indivíduo não seja ferido.
Neste sentido determinou o Conselho Federal de Medicina - CFM (Resolução
n. 1.358/92) que “o consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e doadores. (...). O documento informado será em formulário especial, e estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou casal infértil”. Ademais, determinou o mesmo que “estando a mulher casada ou em
união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou companheiro, após
processo semelhante de consentimento informado”.
Portanto, não importa o estado civil das pessoas, a coleta do material genético (sêmen e óvulo) e sua utilização dependerá de anuência expressa dos interessados. Em razão disso, ambos deverão estar vivos, declarando suas vontades, e conscientes de suas responsabilidades futuras em relação à criança.
O CFM, embora tenha deixado à margem os aspectos jurídicos da questão,
buscou harmonizar o uso das técnicas de procriação artificial com os direitos civis
dos cidadãos, além de regulamentar princípios de ética médica.
1.2. Inseminação Artificial Heteróloga
Ocorre na hipótese do marido ou o companheiro ser infértil, não se recorrendo
ao seu material genético, isto é, quando deles não se obtiverem espermatozóides, ou
em número inferior ao necessário. Sendo assim, recorre-se à inseminação com o sêmen colhido de um doador fértil, ou seja, um terceiro, um doador anônimo de espermatozóides, que se encontra geralmente armazenado em banco de sêmen.
Nota-se que, é comum recorrer a inseminação artificial heteróloga quando a
esterilidade é indiscutível e irremediável. Assim, inúmeras são as causas da esterilidade masculina, mas a razão mais comum é a ausência completa de espermatozóides (azoospermia), ou quando a produção de espermatozóides é alterada (azoospermia secretória).
214
faculdade de direito de bauru
E mais, salienta-se que, neste caso, a hereditariedade jurídica diverge da biológica, fazendo com que as normas de presunção de paternidade preceituadas no
CC tornem-se obsoletas. Algumas resoluções e projetos, inclusive no direito brasileiro, condenam a utilização desta técnica em virtude das implicações causadas nas
relações entre os cônjuges, entre pais e filhos, entre doador e cônjuges. Nos países
nos quais sua prática não é condenada, há a exigência do consentimento expresso
do cônjuge que assumirá a paternidade jurídica, a fim de que sejam mantidos o equilíbrio e a estabilidade familiar.
As legislações mais modernas impedem que o cônjuge que consentiu a inseminação de sua mulher com o sêmen de terceiro, obtenha provimento negativo da
investigação de paternidade, independentemente dos laços temporais divergentes
da presunção legalmente instituída. Isto significa que deve prevalecer a segurança
do status de filho, que não pode ser perturbado por modificações posteriores no
ânimo dos cônjuges.
Em alguns países como o Canadá, Grécia, Holanda e Portugal, é vedado ao
marido que consentiu a inseminação, utilizar-se da investigação de paternidade.
Com relação à pessoa do doador, trata-se de um ponto polêmico, pois em se
julgando oportuno vedar o uso da ação de investigação de paternidade ao pai jurídico que consentiu na inseminação, não se previu se tal direito se estenderia ou não
ao doador em face do filho.
Como o material genético depositado nos bancos de sêmen continua sendo
propriedade daquele que o produziu, então existe o direito intrínseco do doador
de, tempos mais tarde, exigir informações sobre a utilização do seu sêmen. A partir
disso, poderia o pai biológico utilizar-se da ação investigatória de paternidade, requerendo para si direitos que foram concedidos ao pai jurídico.
Quanto ao filho, reserva-lhe, como direito inerente à sua personalidade de conhecer a identidade do doador. Isto se dá, por se tratar o direito à identidade de um
direito personalíssimo, e, portanto, insuscetível de obstaculização.
Sobre essa questão, o CFM decidiu que o sigilo é obrigatório e que as informações sobre pacientes e doadores pertencem, exclusivamente, às clínicas ou centros que mantêm serviços de procriação artificial.
1.3. Inseminação Post Mortem
Consiste na inseminação artificial de uma mulher, realizada mediante o esperma congelado de seu marido ou companheiro, após o falecimento deste. Refere-se
a uma questão muito importante, que diz respeito ao congelamento de sêmen ou
embrião e à possibilidade da utilização dos mesmos, sem o consentimento do cônjuge ou companheiro, após a sua morte.
Ocorre que, pela presunção do art. 338, do CC, sendo consentida a inseminação e realizada a colheita do material genético, a procriação dar-se-á de acordo com
os parâmetros legais, conforme já dito. Contudo, isto não ocorre quando o marido
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ou companheiro da mulher não concede a autorização ou quando deixa o material
genético guardado em um banco de sêmen para futura inseminação, vindo posteriormente a falecer.
Outra questão que surge é: como fica a utilização do esperma congelado mediante a realização da inseminação post mortem, considerando isso uma violação ao
direito à imagem e à intimidade do morto? E ainda, como admitir essa técnica já que
isso acarreta várias conseqüências jurídicas? Deste modo, a criança será filha de
quem?
Em virtude disso, e outras inúmeras situações diversas é que esse assunto tornou-se polêmico, com grandes indagações, e que até hoje, ainda não foram solucionadas.
2.
FERTILIZAÇÃO IN VITRO (FIV )
É conhecida, atualmente, como “bebê de proveta” e, ainda, refere-se à técnica de procriação artificial mais usada em todo o mundo.
Assim, a FIV, nada mais é do que a retirada de um ou mais óvulos de uma mulher, depois de fecundá-los em laboratório, fora do corpo da mulher e, após algumas
horas ou em até dois dias, realizar a transferência ao útero ou às trompas de Falópio.
A FIV foi inicialmente indicada e realizada em mulheres com obstrução irreversível ou ausência tubária bilateral, que se tratam de casos de indicação absoluta da FIV.
Agora, em relação às indicações relativas ocorrem ainda: nos casos de oligozoospermia,
falha do tratamento cirúrgico tubário, esterilidade sem causa aparente e a esterilidade
imunológica, endometriose e esterilidade sem causa aparente (idiopática).
Nos casos em que a mulher possui esterilidade tubária, as trompas estão ausentes ou obstruídas, e por isso as tentativas tornam-se fracassadas. Neste caso recorre-se a FIV, sendo que, o encontro do óvulo com o espermatozóide não ocorre
na trompa, mas sim em um tubo ou em cultura laboratorial. Depois do encontro dos
gametas, se for fecundo, o embrião é transferido para o útero materno, onde permanecerá durante nove meses.
A ovulação é induzida por meio de hormônios, pois a mulher utiliza medicamentos para atingir um maior número de óvulos, e os óvulos, no ciclo menstrual,
são reunidos para serem coletados, sendo que, apenas os maduros são coletados
pouco antes do momento de sua liberação natural e, após, serão submetidos à inseminação onde juntamente com os espermatozóides serão, colocados em uma incubadora e dois dias depois são transferidos para o útero da mulher com uma cânula
especial.
Habitualmente, o número de embriões transferidos para o útero não deve exceder a quatro, com o objetivo de se evitar uma gestação múltipla. Os embriões excedentes devem ser congelados para uma posterior transferência, não sendo permitido pelo CFM que estes embriões sejam desprezados em nenhuma circunstância.
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Portanto, quanto à utilização desse método, no âmbito jurídico também há
questões polêmicas a solucionar, principalmente, a determinação da paternidade e
da maternidade.
No tocante à paternidade, os problemas suscitados são basicamente semelhantes aos já examinados na inseminação artificial, pois o embrião, à semelhança do
sêmen, também pode ser congelado para posterior utilização (pós-morte) ou resultado de uma fecundação com sêmen de doador.
No que concerne à determinação da maternidade, é preciso ressaltar que a
gestação pode se dar através da doação de um óvulo e, nessa hipótese teríamos uma
mãe biológica (doadora) e uma mãe jurídica. Tradicionalmente, ou segundo normas
vigentes, a verdadeira mãe é aquela que dá à luz. Diante desse conceito, a mulher
que gerou um filho que é produto de material genético de outra, tem o direito de
registrá-lo validamente como seu.
Insta indagar que, atualmente o sucesso desse tratamento depende de inúmeros fatores entre eles a idade da mulher, a causa da esterilidade e outros, sendo que
é relatado um sucesso de 30% por tentativa, podendo chegar aos 55% após três ou
quatro tentativas.
Mister lembrar que, um casal normal que consegue uma gravidez sem qualquer tipo de ajuda, tem uma chance real de gravidez de 20 a 25% por mês, resultando no final de 12 meses numa taxa cumulativa de 85%.
2.1. Fertilização in vitro Homóloga
Consiste na realização da fecundação feita pelos componentes genéticos advindos do casal. Esta técnica é a que apresenta menor índice de contestações, visto
que não altera as estruturas jurídicas existentes, na medida em que a paternidade
biológica coincide com a legal.
2.2 Fertilização in vitro Heteróloga
Ocorre com a realização da fecundação com o sêmen colhido de um terceiro, isto é, um doador fértil, anônimo, que geralmente encontra-se armazenado
em banco de sêmen. Neste caso, a hereditariedade jurídica diverge da biológica,
na medida em que a paternidade ou a maternidade biológica não coincide com a
legal. Em razão disso, esta técnica deverá ser evitada, pelos sérios problemas ético-jurídicos que traz.
2.3. Fecundação Post Mortem
Consiste na inseminação artificial de uma mulher, realizada mediante o esperma congelado de seu marido ou companheiro após o falecimento deste. Esta técnica, da mesma forma que a inseminação post mortem, também trata-se de uma questão controvertida, que diz respeito ao congelamento de sêmen ou embriões e à possibilidade da utilização dos mesmos, sem o consentimento do cônjuge ou compa-
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nheiro, após a sua morte. Sendo assim, tudo o que já foi dito sobre a inseminação
post mortem também vale para a utilização desta técnica.
2.4. Embriões Excedentes
Na FIV, como já visto, a mulher é submetida a altas doses de hormônios a fim
de propiciar a ovulação em larga escala. Em geral cerca de oito óvulos são fecundados e apenas três ou quatro são implantados. O restante dos embriões denomina-se
embriões excedentes.
Convém mencionar que, a Resolução do CFM (I, item 6), limitou a transferência de até quatro embriões por cada procedimento, com o intuito de impedir a
transferência de um número cada vez maior de embriões, visando obter sucesso de
gravidez, porém aumentando ainda mais os riscos existentes de gestações múltiplas.
Portanto, os embriões excedentes são congelados e conservados “in vitro”,
pois não se fecunda um óvulo de cada vez e sim um certo número deles em razão
de ser mais econômico e poder dispor dos óvulos já fecundados, sem precisar repetir todo o processo novamente caso seja conveniente virem a ser aproveitados em
futuras gestações ou para investigações científicas.
Destaca-se que, os embriões excedentes são congelados pela técnica de criopreservação, isto é, o nome atribuído à técnica de preservação ou conservação de
sêmen ou embriões, a fim de que seja mantida a capacidade de fertilização e desenvolvimento dos mesmos. E, ainda, é necessário mencionar, que essa técnica só pode
ser utilizada com o consentimento do paciente, após lhe serem passadas todas as informações necessárias pertinente ao congelamento e descongelamento do embrião.
Entretanto, em virtude do sucesso da técnica de procriação artificial - a FIV resultou no acúmulo de embriões congelados nos bancos, que se encontram estocados em geladeiras de nitrogênio líquido a espera de um destino.
Por isso, a discussão é grande e muito complexa, surgindo assim várias indagações sobre esse assunto, como: o que fazer com os embriões excedentes? Os pais
podem dispor livremente dos embriões, inclusive alienando-os? Deverão ser destruídos? Ou doados a casais estéreis? Devem ser destinados à pesquisa científica em
prol da humanidade?
No que se refere à alienação dos embriões, segundo o autor Arnaldo Rizzardo
e a Carta Magna, em seu art. 199, § 4º, é vedado todo tipo de comercialização de órgãos, tecidos, sangue e substâncias humanas.
Em relação à doação dos embriões, de acordo com o entendimento do autor
Sérgio Abdalla Semião e a Resolução do CFM em seu inciso IV, item 1, admite-se a
doação de embriões apenas para o fim da procriação artificial e não para fins lucrativos ou comerciais. Nesse caso, é indispensável o consentimento expresso dos responsáveis pelo material genético e também dos receptores.
No que tange à destruição de embriões, a questão é ainda mais complexa e
delicada, pois além de verificar se pode ou não ser eliminados os embriões, surge as
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seguintes controvérsias: a destruição do embrião congelado caracteriza crime de
aborto? Esses embriões são seres humanos? A partir de que momento pode-se se referir a uma vida humana?
A Resolução do CFM (V, item 2), regulamenta que os embriões excedentes obtidos através da FIV após a transferência, não podem ser descartados e, ainda, autoriza
a sua criopreservação para posterior transferência em caso de insucesso de gravidez,
desejo da mulher ou do casal ter uma nova gravidez ou mesmo para doação.
De acordo com o projeto de lei n. 2.855/97, o descarte será obrigatório após
cinco anos de congelamento. Enquanto que, o projeto n. 90/99 prevê o descarte depois de um certo período, em alguns casos.
Na França, tem-se assentado que só se considera vida humana depois de 14
dias de fecundação, por ser esse tempo a época aproximada do surgimento do tecido nervoso. No Brasil esse critério não é aceitável, pois se crê que assim que as duas
células sexuais se unem, formando uma só célula, tem-se um ser humano.
Portanto, os embriões excedentes não podem ser descartados, em respeito
aos princípios assegurados no art. 5º, da CF. Ademais, atualmente, não há nenhum
parâmetro temporal estabelecido em relação à possibilidade de ser descartado ou
destruído os embriões excedentes. E, por fim, além da proteção constitucional da
vida humana, o nosso ordenamento jurídico cuida da proteção do nascituro, ou
seja, o ser humano que ainda não chegou a nascer. É o que assevera o Código Civil
Brasileiro em seu art. 4º.
A destruição, no entanto, é tão imoral e proibida quanto é o aborto, em razão
de que a vida humana começa com a fecundação, isto é, com encontro do óvulo
com o espermatozóide, a partir do quê o embrião passaria a ser um ente dotado de
todas as prerrogativas asseguradas pela ordem civil.
Destarte, a fecundação é a concepção de uma nova vida. O feto é uma vida humana em evolução que passa por fases naturais, biológicas e fisiológicas, conforme
o entendimento do professor Sérgio Ferraz.
Porém, por outro lado, os professores Mônica Sartori Scaparo e Waldemar Diniz Pereira de Carvalho, defendem que a vida começa com a introdução do óvulo fecundado, no ventre materno.
Em razão de todos os fatos analisados, conclui-se que, a determinação do início da gravidez é fundamental para a caracterização do aborto.
Então verifica-se que, no caso em testilha, quem adota a posição que o início
da vida começa com a fecundação do óvulo com o espermatozóide, e caso os embriões forem descartados ou destruídos, entende-se a caracterização do crime de
aborto como um crime contra a vida. Porém, a corrente contrária, que menciona o
início da vida após o implante do embrião no útero materno, ou seja, depois da nidação, e, no momento da destruição dos embriões, estes ainda não foram transferidos para o útero materno, para eles a destruição ou descarte dos embriões não caracterizaria crime de aborto.
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E ainda, para finalizar essa questão, é imprescindível ressaltar que o Código
Penal Brasileiro não tipifica a destruição ou eliminação de embriões, em virtude de
que não se trata de homicídio, pois inexiste o nascimento com vida, e também, não
é o caso de abortamento, pois sequer substitui a gravidez.
Por derradeiro, há a questão referente à utilização dos embriões para a pesquisa científica. Atualmente, apenas é permitida a utilização dos embriões em pesquisa, se da experiência resultar benefícios para o próprio embrião ou para outros
embriões.
3.
MÃES SUBSTITUTAS OU ÚTERO DE ALUGUEL
É imperioso enfatizar que, esta técnica de procriação artificial possui distintas
e diversas denominações como: útero de aluguel, barriga de aluguel, mãe de aluguel, mãe hospedeira, mãe substituta, mãe portadora, mãe de empréstimo, mãe por
procuração, mãe de auxílio, maternidade de substituição, locação de útero.
Sendo assim, estas inúmeras expressões designam sempre a mesma coisa, ou
seja, um ser que é gerado por outra mulher (receptora), que não seja sua mãe genética (doadora).
No entanto, diante de todas essas nomenclaturas, embora vulgarmente chamadas de mãe de aluguel, prefere-se usar o termo “mãe de substituição” ou “mãe
de empréstimo”, que significa ser gratuita, isto é, sem qualquer remuneração, pois
nem sempre a substituição da mãe implica em pecúnia, com o que seria inadequado utilizar o termo “aluguel”.
Por conseguinte, é sabido que, tratando-se de mãe de aluguel, com remuneração, a possibilidade de uma mãe entregar um filho gerado no seu útero para outra mulher e receber pagamento por este “favor” não se adapta facilmente aos valores coerentes ou às noções convencionais de família.
Assim, pode-se preceituar “mãe substituta” como a mulher fértil que se dispõe
a carregar o embrião dentro de seu útero, durante o período de gestação, em razão
da infertilidade de outra mulher, ou seja, realiza-se um contrato com uma mulher
fértil para carregar o embrião pelo fato da mãe não poder fazê-lo em decorrência de
problemas biológicos e, ao final de nove meses será entregue ao casal solicitante.
Por oportuno, insta avultar que, de acordo com o entendimento do autor
Eduardo de Oliveira Leite, há duas hipóteses de empréstimo de útero:
a) mãe portadora – é a mulher fértil que apenas “empresta” o seu útero e
reimplanta-se um ou vários embriões obtidos através da fecundação in vitro, que
contém os óvulos e os espermatozóides do casal solicitante.
b) mãe de substituição – essa mulher fértil, além de “emprestar” o seu útero,
também doa seus óvulos, e ainda, submeter-se-á à inseminação artificial em benefício de uma mulher estéril, com sêmen do marido ou companheiro desta. Se ela engravidar, ela garantirá a gravidez de uma criança que geneticamente é sua, e, após o
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faculdade de direito de bauru
parto, comprometer-se-á a entregar a criança ao casal, sendo neste caso, ao mesmo
tempo genitora e gestante.
Portanto, a maternidade de substituição pode proceder-se diante das técnicas
de inseminação artificial ou fertilização in vitro.
Essa técnica apresenta-se repercussões bastante negativas, como por exemplo, a mãe substituta que se afeiçoa ao novo ser gerado por ela, e assim, descumpre
a obrigação contratual de devolver o recém nascido à mulher que a contratou. Sendo assim, à luz do direito consuetudinário quem deve ser considerada a verdadeira
mãe? E, mais. Como uma mãe pode justificar aos outros filhos que está dando ou
“vendendo” um irmão recém nascido? Como pode ela fazê-los acreditar que eles
não tem também um preço? Outrossim, a gestante de aluguel desiste de entregar o
recém nascido, qual deve ser a atitude da Justiça? E ainda, a gestante de aluguel deve
ou não ser remunerada para cumprir a “jornada de trabalho” que é, normalmente,
de nove meses, 24 horas por dia? O não pagamento acarretaria enriquecimento ilícito por partes dos contraentes? E por fim, morrendo os contraentes durante o período de gestação ou simplesmente recusando a criança encomendada, quer por insatisfação ou por mera desistência, a quem caberia a posse e guarda do recém-nato?
Desse modo, diante do exposto, verifica-se que a prática é cercada de dúvidas
e questionamentos que geram profunda perplexidade na sociedade e grande cautela entre os juristas. E que, conforme o entendimento do autor Eduardo de Oliveira
Leite, essas questões continuam sem respostas e esse quadro promete persistir enquanto a prática permanecer envolta em nebulosa contradição de opiniões.
Nos países desenvolvidos, esse fato tem causado muitas discussões, sendo na
maior parte deles vedado o uso das mães de substituição. Já no Brasil, conforme dispõe a Resolução do CFM, é permitido a utilização da gravidez de substituição, desde que exista impedimento físico ou clínico para que a mulher, doadora genética,
possa levar a termo uma gravidez. Então, nota-se que, com isso pretende-se evitar a
vulgarização desse procedimento, restringindo sua utilização a indicações médicas.
3.1. O papel da noção de contrato
Primeiramente, o que se indaga é se a lei contratual aplica-se ou não a essa espécie de procriação, ou seja, “contrato de aluguel”, onde envolve a gestação de uma
criança. Atualmente, é consabido que esse assunto não é pacífico.
No Brasil, de acordo com os argumentos constitucionais, segundo Sérgio Ferraz,
é inviável falar-se em contrato, assim como em remuneração, isto é, mãe de aluguel,
pois um ser humano não pode ser objeto de contrato ou de qualquer negociação.
Por outro lado, a jurisprudência norte-americana aceita que o Estado não proíba o casal de gerar e dar à luz a um filho, em razão de que essa decisão é o fundamento do acordo da maternidade de substituição e se revela como alternativa constitucionalmente protegida, sendo assim, depois que o casal decidiu ter o filho, qualquer método de procriação empregado deve ser interpretado como parte dessa am-
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221
pla garantia constitucional. Mas em contrapartida, embora seja permitido o “aluguel
de útero”, é proibido o pagamento, além da compensação das despesas.
Diante das posições contraditórias, comprova-se a ausência de lei a respeito
dessa matéria - mães de substituição, e com isso a instituição médica é quem dita as
regras, juiz, frente a um caso, sentencia-o influenciado por sua própria concepção
e motivação.
No Brasil, embora também não haja legislação sobre essa matéria, é vedado
“todo tipo de comercialização”, por força da Resolução do CFM (VII, item 2). Deste
modo, portanto, se não há locação, também não há que se falar em contrato.
E mais, é necessário asseverar que, além desse requisito supra da Resolução
do CFM, é admissível a gestação de mãe de substituição “desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética” (seção VII, introdução).
Logo, diante desse requisito, só se admite a utilização dessa técnica aos casais
inférteis, evitando assim, que a mulher a utilize para se furtar aos incômodos ou as
modificações estéticas decorrente da gravidez. E, por fim, a Resolução do CFM apenas concede esta técnica desde que as doadoras temporárias do útero pertençam à
família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais
casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina”(seção VII, item I).
Na questão referente à remuneração, apesar de estar proibido o caráter lucrativo ou comercial, há de se inquirir sobre quem seria a pessoa que pagaria o tratamento médico da mãe substituta e a sua mantença durante os nove meses de gestação, quando se tratar uma pessoa humilde com poucos recursos. Pagar uma determinada remuneração por esse serviço prestado seria uma forma de compensar a
mãe substituta?
Nos EUA e na França, as propostas feitas à mãe de substituição limitam a importância que pode ser paga ou estabelecem uma base de pagamento. Essa compensação, segundo William Pierce em um projeto de lei em New Jersey, seria limitada a
US$ 10.000, como valor mínimo. Nos Estados Unidos, é admissível o procedimento
da “mãe de substituição”, embora procuram, ao menos, proibir a comercialização do
“aluguel de útero”. Na França funciona uma entidade sem fins lucrativos, o Centro
de Exploração e Estudos da Reprodução, criado pelo médico Sacha Geller.
Como já é regra no Brasil, os Estados Unidos também estão procurando legislar o “aluguel de útero”, mas sem pagamento dos “serviços” prestados pela mãe
substituta. Os dois Estados só permitem o pagamento das despesas médicas.
Contudo, diante do esposado, conclui-se que, permite-se à utilização de
mãe substituta, mas sem remuneração, ou seja, sem interesses pecuniários através de um contrato, salvo remuneração às despesas médicas. E, ademais, envolvendo uma irmã ou uma amiga, essas mães fariam isso em decorrência de um ato
de amor, generosidade, amizade, compaixão ou pela mera intenção de aliviar o
sofrimento humano.
222
4.
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O PAPEL DA VERDADE BIOLÓGICA E DA VERDADE AFETIVA
Em 1804, o Código Napoleônico, edificou a presunção de paternidade - “pater is est quem justae nuptias demosntrat” - (é pai quem demonstra justas núpcias),
onde a paternidade seria resultante da legitimidade decorrente do casamento, ou
seja, havendo núpcias, haveria também marido e mulher, e sendo assim, presumiase que esse marido fosse pai dos filhos oriundos dessa relação conjugal, caracterizando-se deste modo, a presunção iuris tantum.
Atualmente, com a grande evolução das ciências tecnológicas, aos poucos foi
se reduzindo o papel de presunção da paternidade legítima e cedendo-se lugar ao
poder inquestionável das provas científicas da filiação biológica como, por exemplo,
o exame de DNA, que contém um índice de probabilidade de acerto de 99,9%.
Porém, com a utilização das técnicas de procriação artificial, houve modificação na ordem natural da evolução, deixando-se de apreciar somente a verdade biológica, e passando também a considerar a verdade afetiva. Desse modo, nos resta
compreender e estabelecer qual a verdadeira filiação que o direito nos permite – a
filiação biológica ou a filiação afetiva.
No que atine à filiação biológica, esta corresponde a dos laços de sangue, aos
produtores de óvulo e de esperma, e de todo o código genético do embrião, onde
o fator biológico representa o elemento objetivo. No tocante à filiação afetiva, esta
equivale à verdade do coração, dos sentimentos, ao afeto criado durante a gestação
e à filiação vivida no cotidiano, com intensas relações que unem pais e filhos, onde
se revela o papel da vontade representado pelo elemento subjetivo.
Entretanto, a grande indagação consiste em saber se à vontade de ter filho é
suficiente para criar o vínculo da filiação, ou seja, o único fundamento desse vínculo seria a vontade, como por exemplo, na adoção, um ato jurídico, que depende unicamente da vontade dos interessados, isto é, adotante e o adotado; esta é soberana
e o fato biológico é absolutamente inútil para efeito de adoção.
Em contrapartida, há filiações que se estabelecem contrariamente à vontade,
como o reconhecimento forçado de um filho natural através da ação de investigação de paternidade imposta ao suposto pai pela presunção da paternidade.
Com isso, constata-se que através da verdade biológica as procriações artificiais revelaram também, a possibilidade da verdade afetiva, que existe onde há vontade de aceitação, de acolhida do filho.
Desta maneira, de acordo com as experiências realizadas ficou demonstrado
que existe uma afeição entre o filho e a mulher durante as primeiras semanas e os
primeiros meses de vida, criando-se um vínculo de amor entre eles, que nada tem
a ver com a filiação meramente biológica.
Todavia, vale ressaltar que, excepcionalmente, na adoção não corresponde
com o teor das experiências realizadas, pois, por exemplo, se uma mulher adotar
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223
uma criança com dois anos de idade, nesse caso, a afeição entre mãe e filho não surgiu no período equivalente às primeiras semanas ou nos primeiros meses de vida, e
ainda, não houve o afeto criado durante a gestação.
Portanto, diante da diversividade que a afetividade representa é preciso rever
a legislação. É o que entende Arnaldo Rizzardo, em sua obra “Fecundação Artificial”,
in Revista AJURIS, n. 52, p. 62, que diz ser necessário “uma revisão dos conceitos e
princípios tradicionais sobre a maternidade e a paternidade”.
Ademais, na concepção de Bécourt, tudo o que se pode dizer quanto à verdade afetiva e a verdade biológica, é que no atual momento, paira a incerteza, ou melhor, uma situação de perplexidade decorrente da inadequação da previsão legal a
situações novas, sequer imaginadas pelo Direito.
CONCLUSÃO
Essa evolução da medicina que trouxe inovações na área de reprodução humana, vem sendo alvo de inúmeras discussões entre médicos, pacientes e juristas.
É imperioso ressaltar que, tais discussões fazem surgir questões polêmicas e
de grande valor, porém de difícil solução, como por exemplo: como fica a utilização
do esperma congelado mediante a realização da inseminação ou fecundação post
mortem? Qual será o destino dos embriões excedentes? Estes poderão ser alienados, doados, destruídos ou destinados à pesquisa científica? A gestante de aluguel
desiste de entregar o recém nascido ao casal solicitante, qual deve ser a atitude da
Justiça? E esta deve ou não ser remunerada?
No entanto, na tentativa de aplicar o Direito – que constitui uma ciência que
busca normatizar e regular a conduta dos indivíduos na sociedade – encontra-se
uma lacuna no tocante às novas descobertas médico-biológicas.
E em virtude disso, o Direito ainda não nos apresentou respostas satisfatórias às
novas questões surgidas em decorrência do aperfeiçoamento das novas tecnologias.
Portanto, a ciência jurídica deveria sofrer uma reflexão sobre toda a problemática surgida em razão das novas técnicas de procriação artificial; assim como, o legislador, também, deveria criar uma legislação pertinente para disciplinar sobre esse
tema, já que no Brasil não há nenhuma legislação específica, contendo apenas uma
Resolução do CFM e projetos de lei.
Pois bem, é cediço que esse tema constitui uma realidade no campo médico
e, sendo assim, é imprescindível a criação de uma legislação a fim de adaptá-la a esta
nova realidade.
Desta forma, considera-se como fator relevante deste tema no que diz respeito à utilização das técnicas de procriação artificial com o intuito de devolver a possibilidade de gerar filhos a quem não pode ter naturalmente essa oportunidade,
bem como conter a autorização médica.
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Além disso, no tocante aos embriões excedentes poderiam ser vedado a destruição ou descartes de sêmen ou embriões, com fundamento legal no art. 5º da CF,
e também, com base no art. 4º do CC, respeitando à vida do nascituro. Ademais,
quanto à mãe de substituição, poderia ser permitido, desde que não haja interesses
pecuniários através de um contrato, exceto a remuneração às despesas médicas.
Insta salientar que, todos os procedimentos teriam que ser prosseguidos mediante a anuência expressa das partes interessadas.
Ainda, frise-se bem que, a legislação deveria garantir como direitos do casal que se submete a esse tipo de tecnologia, a informação sobre a possibilidade
de êxito e os perigos da técnica utilizada, recaindo ao médico e ao Centro de Reprodução a responsabilidade solidária em caso de dano causado, em decorrência
de culpa ou dolo.
Por derradeiro, é importante enfatizar que, o presente tema de procriação artificial trata essencialmente do direito à vida, em que se estima o bem jurídico de
maior relevância tutelado pela ordem constitucional. E no caso em testilha, há inúmeras indagações a respeito do embrião consideradas de árdua resolução e, no entanto, mister lembrar que tais indagações fazem alusão à representatividade do direito a vida e por isso não deveriam ficar em estado de inação.
Enfim, toda essa discussão pertine à evolução humana, sempre acompanhada
e regulada pelo Direito, o qual, diante de mais esse degrau evolutivo, deve, com seu
caráter de essencialidade social, garantir a perpetuidade da vida e não com sua inércia, paradoxalmente à presente matéria, permitir o seu o caso.
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Ou a Desmilitarização das Polícias Militares,
ou a Limitação do Direito Penal Militar
aplicado a seus Integrantes
Luiz Augusto de Santana
Promotor de Justiça Militar na Bahia. Professor da Academia da Polícia Militar do Bonfim.
A)
ESCORÇO HISTÓRICO:
Na feliz expressão de João Fagundes1, “o Direito Penal Militar não é o Direito Penal de capacete”, e nem o fato de ser julgado pela Justiça castrense é um
privilégio da profissão de soldado, como sentenciava histórico acórdão do STF2.
Historicamente, sabe-se, segundo cátedra de Loureiro Neto3, que foi em Roma que
o Direito Militar adquiriu vida própria como instituição jurídica, disseminando-se
pelo mundo. O que diz ele:
inquestionável é o fato de que as origens históricas do direito criminal militar, como de qualquer ramo de direito, são principalmente as que nos oferecem os romanos. A sua política sempre foi
dominar antes de tudo os povos pela força das armas, e depois
consolidar a conquista pela justiça das leis e a sabedoria das instituições.
1 FAGUNDES, João Batista da Silva, A Justiça do Comandante, Brasília/DF: Centro Gráfico do Senado.
2 In “Acórdão STF” RE-95.136-SP, de 07 Mai 82;
3. LOUREIRO NETO, José da Silva, Direito Penal Militar, São Paulo: Atlas, 1993.
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É o que também afirmava Portalis: “se Roma havia subjugado a Europa com
suas armas, também a havia civilizado com suas leis”, e a história das civilizações
nos mostra que Roma serviu de guia aos povos que lhe foram contemporâneos,
bem como aos que a sucederam, em três direções específicas: na legislação, na política, e na arte militar, bastando estudar estas instituições no mundo atual para concluir que ninguém, nem mesmo as nações atrás de “cortinas de ferro”, fugiu ao regramento geral, passando, entre nós, tais instituições, por constantes mutações,
evoluindo especificamente o militarismo e o direito aplicado aos integrantes das
corporações militares, o primeiro saindo de uma guerra de trincheira para até então
inimagináveis combates cibernéticos, e o segundo progredindo desde os hediondos
Artigos de Guerra do Conde de Lippe do Sec. XVIII (1763)4 para o atual Código Penal Militar (Dec-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969), mesmo que de há muito
ultrapassado na grande maioria dos seus artigos, estando a necessitar estruturais
modificações para acompanhar as mutações cambiantes das corporações militares,
bem como da própria
B)
CONCEITO DE CRIME MILITAR:
Inexiste no Brasil normas penais extravagantes na área do Direito Militar, e por
tal singularidade, o conceito mais coerente de crime militar que se conhece é o que
nos traz Esmeraldino Bandeira, afirmando ser crime militar, todo aquele que
a lei assim reconhece, deixando claro que todo ato delituoso somente pode ser
considerado crime militar se tipificado no Código Penal Militar (CPM), inobstante
ser seu conceito analítico, baseado na teoria da tipicidade, o mesmo modernamente difundido para o crime em geral: “ação ou omissão típica e antijurídica”.
Por conseguinte, se um militar pratica ato descrito como crime em ambos os
códigos penais (comum e militar), em princípio praticou ele um delito penal comum, e seu foro criminal será do juízo comum como qualquer cidadão. Contudo, se
esta conduta ocorrer dentro de uma das condições estabelecidas nos artigos 9º e
10º do Código Penal Militar, seu delito terá natureza militar, e será ele submetido a
foro criminal especializado, como de igual forma ocorre quando sua conduta somente está tipificada no Código Penal Militar, fato que nos diz ser a competência da
Justiça Militar em razão da matéria e não da pessoa, convencimento este que nos
leva a afirmar que no conceito de crime, militar ou comum, tudo continua como
dantes no quartel de Abrantes, e o crime, especializado ou não, continua sendo fato
típico, antijurídico e culpável, e vantagem alguma trás a perda de precioso tempo
queimando fosfato em teorias inúteis, especialmente, como bem alertou Paulo José
4 Inspirados nos Artigos de Guerra da Alemanha que remontavam aos da Inglaterra de 1621, compunham-se de
29 artigos, neles previstas penas como arcabuzamento, expulsão com infâmia, morte, pancadas com espadas,
caminhar pela prancha, chicotadas, etc.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
229
da Costa Júnior na sua autorizada cátedra, “o finalismo está mais velho do que a Sé
de Braga”, porque desde Santo Tomás de Aquino já se ensinava que amne ens intelligens agit propter finem, não havendo, por isso, nenhum elemento novo na teoria do crime para justificar mudanças no seu conceito, pouco importando se a culpabilidade integra o tipo ou a conduta, dês que o que importa é saber se o fato típico é punível ou não.
C)
A APLICABILIDADE DAS NORMAS DO CPM ÀS MILÍCIAS
ESTADUAIS:
Esta questão, induvidosamente, passa pela constatação de que o Código Penal
Militar (CPM), o de Processo Penal Militar (CPPM) e a Lei de Organização Judiciária
Militar da União (LOJMU), não foram criados objetivando as corporações policiais
militares dos entes federativos, bastando-nos para ter certeza desta limitação, averiguar que a única Justiça Militar que organicamente integra o Poder Judiciário em
sede constitucional, é a da União. Na realidade, deu a Carta Magna aos entes federados a faculdade de criar suas Justiças Militares, mas destinando-as a serem varas criminais especializadas da Justiça comum, já que o Código de Ritos da Justiça Militar
lhes vedou o uso da Lei de Organização Judiciária Militar, o acesso ao Superior Tribunal Militar como instância recursal, bem como a aplicação da lei de Execução Penal Militar na execução das penas por ela aplicada. Enfim, foi-lhes dada competência restrita, mandando-as julgar exclusivamente integrantes das milícias e dos Corpos de Bombeiros Militar, exclusivamente pela prática de crimes militares definidos
em lei.
Destarte no Brasil, as Justiças Militares Estaduais só podiam ser criadas nos entes federativos mediante proposta de cada Tribunal de Justiça à Assembléia Legislativa, limitando-se a maioria numa única Auditoria como Justiça de primeiro grau
com competência para todo o território do Estado criador, obedecendo como instância recursal a mesma disposta para a Justiça Penal comum, sendo únicas exceções os Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, por serem os únicos a ter como segunda instância criminal um tribunal de Justiça Militar Estadual,
também faculdade autorizada aos os entes federativos onde o efetivo policial militar
ultrapasse a casa dos 20 mil integrantes na ativa.5 Todavia, apesar das limitações,
atuam as Justiças Militares Estaduais nos mesmos moldes da Justiça Militar da União,
já que seus juízos também são colegiados e formados por Conselhos de Justiça cuja
5 Na Bahia a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, juntos, têm um efetivo de 30 mil homens, e já se fala
em aumento para 45 (quarenta e cinco) mil, enquanto no Estado a Justiça se resume a uma única Auditoria com
sede na capital, sequer se falando na criação de novas Auditorias e muito menos no Tribunal de Justiça Militar, mesmo que os processos em grau de recurso permaneçam em média 03(três) anos no Tribunal de Justiça, quadro com
tendência a agravamento, face o anunciado aumento do efetivo da PM.
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faculdade de direito de bauru
composição e competência estão dispostas na Lei de Organização Judiciária Militar
da União.
Outro detalhe que reforça o convencimento de que é a Justiça Militar Estadual
um segmento criminal especializado da Justiça comum dos Estados, é o fato de nelas terem assento na qualidade de magistrados e membros do Ministério Público, integrantes dessas carreiras nos Estados, e que a ela chegam pelos critérios de remoção ou promoção, enquanto que na União tais cargos constituem carreiras específicas providos exclusivamente por concursos públicos.
D) AS DISCUSSÕES SOBRE A DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS
MILITARES DOS ESTADOS:
O questionamento sobre a necessidade de uma polícia militarizada para gerar
a segurança que precisa a sociedade, face o vertiginoso aumento dos índices de violência em todos os níveis, está na moda, especialmente quando se tenta mudanças
radicais na estrutura dos órgãos da segurança pública para combater esse flagelo
que indiscriminadamente se espraiou por todo território nacional. A bem da verdade, e este é um entendimento pessoal, pela diversidade de missão entre Forças Armadas e Polícias Militares, não se compreende a estrutura militarizada destas, exceto pelo fato de a Constituição considerá-las “reserva técnica da força terrestre da
União”, que é o Exército, ou, quem sabe, pelo convencimento dos legisladores constituintes de que sendo as milícias militarizadas com organização semelhante às das
Forças Armadas, garantir-se-ia o controle disciplinar de seus integrantes pela subordinação a um escalão hierárquico, pela aplicação das normas dos Regulamentos Disciplinares aos desvios de condutas funcionais.
Contudo, a realidade demonstra o contrário, pelas abissais diferenças entre as
missões institucionais e a formação profissional dos integrantes de uma e outra,
como já disse alhures, e como elas não se confundem e sequer são parecidas, já que
aos membros das Forças Armadas, constituídas pela Marinha de Guerra (Força do
mar) e sua Força Auxiliar (Fuzileiros Navais), pelo Exército (Força terrestre) e pela
Aeronáutica (Força Aérea), cabe a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, a manutenção da lei e da ordem, aos das
Polícias e Bombeiros Militares, logicamente órgãos da segurança pública, são entregues a preservação da ordem e a defesa da sociedade, vendo-se, então, quão diversas são as formações profissionais de uns e outros.
Outro fator que trás diferencial essencial entre as referidas instituições, é o
fato de as Forças Armadas serem por natureza aquarteladas, portanto, com subordinação direta ao escalão hierárquico por todo o tempo, enquanto as milícias, pela
própria função institucional que lhes cabe, perdem essa subordinação em razão do
emprego fracionado de seus integrantes, sendo suas quarteladas verdadeiros atentados ao Estado Democrático de Direito, como foram as últimas promovidas pelas
Revista do instituto de pesquisas e estudos
231
Polícias Militares do Tocantins, de Minas Gerais e da Bahia, especialmente deste último que encapuzados e armados afrontaram o Estado legal, levando instabilidade e
medo à sociedade que deveriam preservar e defender, e movidos pelo espírito de
anarquia e baderna, invadiram quartéis, destituíram comandos, fizeram reféns oficiais, depredaram, ameaçaram e infernizaram o cotidiano da população com “arrastões” e “saques” por eles mesmos promovidos ou orientados, valendo para as ações
nefastas que empreenderam seus “códigos de ética bandida”, e não os regulamentos da corporação que silenciaram inertes, entregando à Justiça a responsabilidade
para soerguer os pilares básicos da Instituição fatalmente abalados, e tais fatos incumbiram-se de provar que são eles, milicianos, indiferentes às normas regulamentares, porque sem poder intimidante, como também, aos juramentos de respeitar
leis e acatar ordens das autoridades a que estiverem subordinados, porque certos da
impunidade.
Sem dúvida, tais movimentos se constituíram em espraiamento da indisciplina e da quebra da hierarquia nessas milícias, e já que a PM serve à sociedade como
um todo, isto deixa claro que para se sentir segura não precisa ela de um órgão da
segurança pública com estrutura militarizada, até porque já está patente que não é
a subordinação a escalões hierárquicos que dá ao policial militar preparo, dedicação
e entusiasmo adequados ao exercício da grave função que lhes reservou a Lei Maior,
cabendo aos governos rever urgentemente os critérios de seleção, formação e preparo dos agente da segurança pública, especialmente estes.
E)
AS JUSTIÇAS MILITARES ESTADUAIS:
Aliado a tudo isto, entre outros fatores, temos para agravar mais este preocupante quadro, a crônica e nunca resolvida morosidade da Justiça Militar Estadual, via
de regra levando a maioria dos processos a ela submetidos por imposição constitucional à prescrição, dados que a tornam protecionista e corporativista, consubstanciando-se em hediondos privilégios seus julgamentos.
Hoje, na Justiça Militar baiana, os processos penais duram, via de regra, mais
de 04 (quatro) anos, e imaginando-se que a maioria dos delitos tipificados no CPM
são punidos com penas privativas de liberdade de até dois anos, prescritível, portanto, aos quatro anos, quase nenhum processo chega a ser julgado em plenário, e
quando são, vê-se o juiz-auditor obrigado a reconhecer o advento da prescrição retroativa, já que as penas nunca são aplicadas pelo máximo, e com o já anunciado aumento do efetivo da PM em mais 15.000 (quinze mil homens), este lamentável quadro sofrerá agravamento sem precedentes, já que, estatisticamente está comprovado que 5% (cinco por cento) do efetivo ativo da PM, de certa forma, porque em razão da função, ou porque com tendências à criminalidade, incursiona em tipos penais, gerando esta realidade uma imoral e indesejada impunidade, maior incentivador ao comportamento irregular de muitos integrantes da corporação no Estado.
232
faculdade de direito de bauru
A situação é tão crítica que em razão de somente existir no Estado como
Justiça Militar Estadual uma única Auditoria, cuja sede fica na capital, sequer consegue ela dar curso normal às instruções de delitos ocorridos em municípios às
vezes distantes mais de 1.000 quilômetros da capital, e considerando que a
maioria das organização policiais militares no Estado estão sediadas no interior,
tais obstáculos se tornam intransponíveis porque no referido Estado, por absoluta falta de vontade do próprio Tribunal de Justiça, sequer existe previsibilidade de criar mais Auditorias, podendo-se afirmar sem medo de errar que nele a
tônica é a impunidade. O certo é que se tornou a Justiça Militar Estadual uma
mentira, um esconderijo para policiais criminosos, porque basta que advogados
habilidosos provoquem adiamentos sucessivos das poucas sessões de instrução
criminal e dos raros julgamentos que se consegue realizar, para levar qualquer
processo à prescrição.
Mas os problemas já começam no próprio despreparo dos oficiais sorteados para compor os Conselhos de Justiça Especial (para julgar oficiais) ou Permanentes (para julgar praças), chegando a maioria sem qualquer nível de informação do que seja a Justiça Militar, bem como seu funcionamento. Por outro lado, o
atraso tecnológico a ela imposto é inaceitável, já que em plena era das comunicações cibernéticas, o cartório da Auditoria da Justiça Militar Estadual da Bahia ainda faz o controle dos processos de forma medieval, por fichas, e o juiz-auditor,
por sua vez, sendo único para julgar tantos crimes, por mais que se dedique ao
trabalho, jamais consegue atualizar sua pauta, sendo normal a suspensão de julgamento, ou pela ausência do réu ou da testemunha que estando fora da sede da
Auditoria, não conseguem chegar por falta de recursos das unidades, ou pela ausência de juiz militar, que mesmo havendo determinação para serem dispensados
do serviço durante os trabalhos na Justiça, são sistematicamente empregados pelos seus comandantes em acintoso desapreço às causas da Justiça, e todos estes
fatores, juntos, concorrem para que se torne um privilégio a submissão de qualquer miliciano à Justiça Militar no Estado, motivos mais do que suficientes para
damos boas vindas à Lei 9.299/96.
F)
A LEI Nº 9.299, DE 7 DE AGOSTO DE 1996:
Na esteira da discussão sobre a possibilidade de desmilitarização das Polícias
Militares no Brasil, surgiu a Lei 9.299/96, alterando dispositivos do Código Penal Militar (CPM) e do Código de Processo Penal Militar (CPPM), e ela se tornou uma luz
no fim do túnel, já que acabou com alguns privilégios, a exemplo da revogação da
alínea f do Inc. II do Art. 9º do CPM, e da nova redação que deu à alínea c do mesmo dispositivo, criando-lhe um parágrafo, bem como modificando o caput do Art.
82 do CPPM, onde, também, acrescentou mais um parágrafo. A alínea f do Inc. II
do Art. 9º do CPM transformava em militar os delitos praticados por militar em si-
Revista do instituto de pesquisas e estudos
233
tuação de atividade, que embora não estando de serviço de natureza militar, tivesse
usado armamento de propriedade militar, para a prática do ato ilegal. Esse dispositivo dava margem a que delitos praticados por militares de folga, mas com arma da
corporação, fossem julgados pela Justiça Militar, privilégio hediondo. E o parágrafo
acrescentado à alínea c desse mesmo dispositivo penal, transferiu para a competência do Tribunal de Júri os processos e julgamentos dos crimes praticados por militar
em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, quando dolosos contra a vida de civil. A alteração do Artigo 82 do CPPM foi feita para incluir essa mudança, afirmando ser “o foro militar especial, exceto nos crimes dolosos contra a
vida praticados contra civil....”.
G) A DISCUTIDA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 9.299/96
Após sua edição, a lei 9.299/96, de natureza inegavelmente híbrida (material e
processual), sofreu ataques de juristas e operadores do direito penal militar, via de
regra tachando-a de inconstitucional, muitos esboçando o entendimento equivocado, data vênia, de que suas normas alteravam princípios inscritos na Constituição,
tese juridicamente inconcebível, face se tratar de lei ordinária modificadora de definição do que seja crime militar, e não de competência da Justiça Militar, porque,
quem dá competência é a Carta da República, e ela manda que a Justiça Militar Estadual, com exclusividade, julgue os integrantes das Polícias Militares e dos Corpos
de Bombeiros Militares, nos crimes militares definidos em lei. Lógico que ao assim
definir, deixa ela, Carta Maior, para a lei ordinária, a incumbência de definir o que
seja CRIME MILITAR, não dando margem a interpretações dúbias, e se uma nova lei,
também ordinária, diz que determinado ato antes definido como crime militar, deixa de sê-lo, lógico que tal delito não mais poderá ser julgado pela Justiça especializada. A modificação da competência ai se operou pela mudança do conceito de crime militar, e não porque houve modificação da competência para julgar determinado crime militar, porque, assim fosse, estaria viciada de morte, e, por tais
razões é que entendo que, apesar de seus detratores, o que motivou o legislador
para criar a questionada lei foram os altos índices de impunidade que grassavam a
Justiça Militar Estadual, causa mais do que provável para a incontrolável escalada da
violência policial.
H) CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O ideal, já que lobbies poderosíssimos impedem a desmilitarização das Polícias Militares, é que somente os delitos militares puros, aqueles que só encontram
tipificação no Código Penal Militar, passem a ser considerados crimes militares na
esfera estadual, com julgamento a cargo dos Conselhos de Justiça. Os impuros, as-
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sim chamados os que também são tipificados em outras leis penais, mas tornados
militares por circunstâncias especiais previstas no próprio CPM, passariam à competência do juízo criminal da Justiça Penal do distrito da culpa. Assim, salvo melhor
juízo, a Justiça de fato funcionaria, ajudando a Polícia Militar a ser o que a sociedade
deseja: órgão da segurança pública combatendo eficientemente a criminalidade.
.
COOPERATIVAS DE TRABALHO
Antônio de Paiva Neto
Oficial de Justiça Avaliador – TRT 15a. Região. Especialista – UNESP. Mestrando pela ITE – Bauru.
INTRODUÇÃO
Tema objeto do conteúdo programático do Curso de Direito Individual e Coletivo de Trabalho desta Especialização, apresenta-se de grande interesse para os
operadores do direito, especialmente para aqueles que se dedicam ao Direito do
Trabalho.
O desafio da mundialização econômica, gerando forte competitividade empresarial, coloca em xeque o atual modelo econômico-social.
As novas tecnologias, a robótica e os novos métodos de gestão, estão a exigir
a reestruturação das empresas, o que significa, em regra, corte de pessoal e, neste
âmbito, o desemprego se apresenta como um dos mais graves problemas da humanidade neste final de século.
O Direito do Trabalho, enquanto instrumento de promoção social, tem um
papel de grande importância neste processo. Cabe também a ele proporcionar alternativas viáveis para o desemprego crescente. Na medida em que a realidade sócioeconômica se altera, o Direito Laboral, atento, deve se adaptar aos novos tempos.
Não pode se prestar a impedir o progresso e o desenvolvimento econômico do país.
Todavia, os valores maiores do trabalho, tão arduamente conquistados ao logo de
décadas de lutas dos trabalhadores e da sociedade em geral, também não podem ser
afastados.
Como bem frisou o professor Marcelo Mauad:
faculdade de direito de bauru
236
Portanto, o grande desafio que se apresenta ao Direito do Trabalho, na atualidade, é exatamente este: permitir sua adaptação aos
novos tempos e à nova realidade sócioeconômica, em harmonia
com os valores, os princípios gerais e as conquistas do juslaboralismo.
As cooperativas de trabalho estão inseridas neste contexto como
meio alternativo para gerar trabalho e renda aos obreiros. Constituem elas um importante mecanismo para que os próprios trabalhadores possam viabilizar sua ocupação e, consequentemente,
renda para se manterem.1
DESENVOLVIMENTO
Breves Notas sobre o Cooperativismo
Cooperativismo é a doutrina que preconiza a cooperação como forma de
organização e ação econômicas, pela qual as pessoas ou grupos que têm o mesmo interesse se associam, a fim de obter vantagens comuns em suas atividades
econômicas.
Seus princípios, estabelecidos em 1966 pela Aliança Cooperativa Internacional, remontam a outros fixados em 1844 e resumem-se em: adesão livre, gestão democrática; taxa limitada de juro ao capital social; sobras eventuais para os cooperados, que podem ser destinadas ao desenvolvimento da cooperativa, aos serviços comuns e aos associados, proporcionalmente a suas operações; neutralidade social,
política, racial e religiosa; ativa colaboração das cooperativas entre si e em todos os
planos, local, nacional e internacional; constituição de um fundo para a educação
dos cooperados e do público em geral.
Histórico
Em seus primórdios, no século XVIII, o cooperativismo pretendia constituir
uma alternativa política e econômica ao capitalismo, eliminando o patrão e o intermediário, e concedendo ao trabalhador a propriedade de seus instrumentos de trabalho e a participação nos resultados de seu próprio desempenho. Reformadores
sociais, socialistas utópicos ou socialistas cristãos como Robert Owen e Charles Fourier criaram cooperativas de produção. Louis Blanc fundou o que chamou de “oficinas sociais”, ao agrupar artífices do mesmo ofício. Destacam-se, como teóricos de
cooperativismo, Biatrice Potter Webb, Luigi Luzzatti e Charles Gide, que chegou a
propor a “república cooperativa”.
l Mauad, Marcelo José Ladeira. “As Cooperativas de Trabalho e sua relação com o Direito do Trabalho. Revista do
Advogado, São Paulo: AASP, Set/2000, pág.71.
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237
Em maio de 1838, com o movimento cartista na Inglaterra, que se disseminou
pela classe média, surgiram as primeiras manifestações concretas de cooperativismo, que culminaram com a fundação da Sociedade dos Pioneiros de Rochdale
(1844), que reunia 28 tecelões da localidade.
Na atualidade, especialmente nos países capitalistas mais desenvolvidos, o
cooperativismo convive com outras formas de organização empresarial, como na
Suécia, país onde mais e melhor se desenvolveu. No Brasil, sobressaem algumas
cooperativas agrícolas. O modelo brasileiro de cooperativismo é o unitário, isto é, a
cooperação é regulada por uma só lei orgânica. O modelo diversificado gera legislação específica para cada tipo de organização cooperativa.
Legislação Cooperativista
O Governo brasileiro, desde o início, tentou amparar o cooperativismo através da legislação.
O primeiro Decreto que menciona o cooperativismo surgiu no dia 06 de janeiro de 1903, sob o nº 799, permitindo aos sindicados a organização de caixas rurais de crédito, bem como cooperativas agropecuárias e de consumo, sem maiores
detalhes.
Em 05 de janeiro de 1907, surgiu o Decreto nº 1.637. onde o Governo reconhece a utilidade das cooperativas, mas ainda sem reconhecer sua forma jurídica,
distinta de outras entidades.
A Lei nº 4.948, de 21 de dezembro de 1925, e o Decreto nº 17.339, de 02 de
junho de 1926, tratam especificamente das Caixas Rurais Raiuffeisen e dos Bancos
Populares Luzzatti.
Já o Decreto nº 22.239, de 19 de dezembro de 1932, apresenta as características das cooperativas e consagra as postulações doutrinárias do sistema cooperativista, mas foi revogado em 1934, sendo restabelecido em 1938. Em 1943 foi novamente revogado, para ressurgir em 1945, permanecendo em vigor até 1966.
A partir de 1966, com o advento do Decreto-Lei nº 59, de 21 de novembro, e
regulamentado pelo Decreto nº 60.597 de 19 de abril de 1967, o cooperativismo foi
submetido ao centralismo estatal, perdendo muitos incentivos fiscais e liberdade já
conquistadas.
O diploma legal em vigor é a Lei 5.764 de 16 de dezembro de 1971, que define o regime jurídico das cooperativas, sua constituição e funcionamento, sistema de
representação e órgãos de apoio. É chamada de Lei Geral das Cooperativas.
Como atualidade no tema, verificamos a edição da Lei 9.867 de 10/11/99, que
dispõe sobre a criação e o funcionamento de Cooperativas Sociais visando a integração social dos cidadãos, conforme especifica.
Trata-se de norma legal voltada aos cidadãos que, nos termos da lei, estão em
desvantagem no mercado econômico. São eles: os deficientes físicos e sensoriais; os
deficientes psíquicos e mentais, as pessoas dependentes de acompanhamento psi-
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quiátrico permanente e os egressos de hospitais psiquiátricos; os dependentes químicos; os egressos de prisões; os condenados a penas alternativas à detenção; os
adolescentes em idade adequada ao trabalho e situação familiar difícil do ponto de
vista econômico, social ou afetivo.
Tipos de Cooperativas
As cooperativas dividem-se em três tipos básicos: as de produção, as de consumo e as de crédito.
As primeiras agrupam trabalhadores que se associam para produzir bens ou
serviços para uso mútuo ou visando ao mercado.
As segundas congregam consumidores de qualquer gênero, de forma a obter melhores preços, condições e qualidade de bens e serviços, comprando por
atacado ou diretamente do produtor, para uso próprio ou revenda.
Hoje as modalidades são diversas e correspondem às várias atividades econômicas: cooperativas médicas, odontológicas, creditícias, escolares, extrativistas, eletrificação, irrigação, telecomunicações, desenvolvimento etc..
Apenas para exemplificar, ressaltamos a ação do SEBRAE-SP, cuja atuação tem
sido proveitosa neste campo, tanto assim que até agosto deste ano contribuiu para
a formação de 35 associações e 52 cooperativas (24 de trabalho, 17 de produção e
agropecuárias, 4 educacionais e 3 na área de serviços).
Em termos de valores os dados também são expressivos. A Revista Conexão
nos informa que:
Segundo a Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (OCESP), o faturamento anual de associações e cooperativas
no país ultrapassa R$5 bilhões. São 5.102 cooperativas, com mais
de 4,5 milhões de cooperados e que possibilitaram a criação de
150 mil empregos diretos. No Estado de São Paulo estão baseadas
27,6% das cooperativas formadas no país. Os negócios concentram a maioria das cooperativas, mas as áreas de atuação das
associações vêm se diversificando cada vez mais, atingindo seguros como os de saúde, consumo, crédito, educação, habitação,
mineração, energia e telecomunicação.2
Sede conceitual
O art. 4º da Lei 5.764/71 fixa o conceito legal e as características das sociedades cooperativas:
2 Jornal Conexão – Sebrae/SP – ano VIII – nº 89: Sebrae/SP, Set/2000, pág.6.
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Art. 4º - as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência,
constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se
das demais sociedades pelas seguintes características:
I – adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo
impossibilidade técnica de prestação de serviços;
II – variabilidade do capital social representado por quotas-partes;
III – limitação do número de quotas-partes do capital para cada
associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento
dos objetivos sociais;
IV – inacessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;
V – singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam
atividade de crédito, optar pelo critério de proporcionalidade;
VI – quorum para o funcionamento e deliberação da assembléia
geral baseado no número de associados e não no capital;
VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente
às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da assembléia geral;
VIII – indivisibilidade dos Fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social;
IX – neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;
X – prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos
estatutos, aos empregados da cooperativa;
XI – área de admissão de associados limitada às possibilidades de
reunião, controle, operações e prestação de serviços.
Diante das colocações legais, o professor Marcelo Mauad destaca os seguintes
traços peculiares da cooperativa:
- sociedade de pessoas e não de capitais
- ajuda mútua dos sócios
- objetivo comum e pré-determinado de afastar o intermediário e propiciar o
crescimento econômico e a melhoria da condição social de seus membros
- natureza civil
- forma própria regulada por lei especial
- constituídas para prestar serviços aos associados
- sem objetivo de lucro
Destaca, ainda, a dupla qualidade do cooperado (ao mesmo tempo, membro
da coletividade e destinatário principal do seus serviços), a livre adesão (plena liber-
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240
dade de ingresso e saída) e o princípio da igualdade de participação de todos os
membros (igual participação independente da quantidade de capital ou quaisquer
outros fatores).3
Natureza Jurídica
A natureza jurídica das cooperativas advém da lei. Os artigos 3º e 4º indicam
expressamente a natureza contratual existente entre os sócios e a cooperativa (“contrato de sociedade cooperativa”), o que representa a formalização de um pacto celebrado entre os sócios.
Como grupo organizado juridicamente, possui autonomia de natureza coletiva para livremente decidir sobre seus destinos.
A cooperação recíproca tem especial relevância, eis que traduz a intenção dos
sócios de conjugar esforços.
COOPERATIVAS DE TRABALHO
Marcelo Mauad assim conceitua as cooperativas de trabalho:
são organizações formadas por pessoas físicas, trabalhadores autônomos ou eventuais, de uma ou mais classes de profissão, reunidos para o exercício profissional em comum, com a finalidade de
melhorar a condição econômica e as condições gerais de trabalho
dos seus associados, em regime de autogestão democrática e de livre adesão, os quais, dispensando a intervenção de um patrão ou
empresário, propõem-se a contratar a execução de obras, tarefas,
trabalhos ou serviços públicos ou particulares, coletivamente por
todos os por grupos de alguns.
A seguir destaca os elementos jurídicos conceituais:
- são organizações formadas por pessoas físicas, trabalhadores autônomos ou
eventuais: estão excluídos os empregados pois a relação cooperativista é de
natureza societária; quanto aos eventuais, pondera que mesmo o trabalho
sendo executado sob dependência de um contratante, não haveria vínculo
empregatício, diante da descontinuidade da prestação no tempo;
- trabalhadores de uma ou mais classes profissionais: o Autor ressalta a identidade necessária entre as classes;
- os cooperados estão reunidos para o exercício profissional em comum: as demais modalidades de cooperativas (agricultores, pescadores, artesãos), tem na
3 obra cit. pág. 71.
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sociedade um mero apoio em sua ocupação, enquanto as cooperativas de trabalho constituem algo essencial na atividade exercida pelos sócios. É fonte principal de trabalho e renda dos cooperados. Relacionam-se com o Direito do Trabalho porquanto o trabalho societário realizado de maneira coletiva aproximase da tipificação própria do trabalho contínuo e subordinado;
- com a finalidade de melhorar a condição econômica e as condições gerais de
trabalho dos seus associados: razão maior da existência das cooperativas de
trabalho;
- A organização se desenvolve em regime de autogestão democrática e de livre
adesão: pertinem aos princípios fundamentais e históricos do cooperativismo;
- dispensam a intervenção de um patrão ou empresário: afastamento do intermediário;
- seu objeto é a contratação e a execução de obras, tarefas, trabalhos ou serviços públicos ou particulares: proveito dos sócios;
- os trabalhos podem ser executados por todos conjuntamente ou por grupos de
alguns: a organização do trabalho é dada pela cooperativa (empresa comum).
Classificação
O referido professor classifica as cooperativas de trabalho em:
a) cooperativas de produção ou de serviços: os associados detém os
meios e demais fatores que lhes permitem gerar a produção ou os serviços, de modo que negociam o objeto do trabalho e não a força de trabalho. Frise-se que neste modelo, os riscos da atividade empresarial são da
própria cooperativa.
b) Cooperativas de mão-de-obra: disponibilizam mão-de-obra para
empresas. Não possuem os meios e fatores próprios para a realização
do trabalho.
c) Organizações comunitárias de produção: organização das pessoas em
comunidades ou vilas e a produção coletiva. Ocorrem geralmente no setor
agrário (China = “comunas”; Israel = “kibuts”; México = “Ejidos”;
Brasil = cooperativas de produção agropecuária).
d) Cooperativas de trabalho mistas: apresentam mais de um objeto de atividades, com fulcro no art. 10, par. 2º da Lei 5764/71.4
Objeto e Finalidade
As sociedades cooperativas tem por objeto a prestação de serviços aos seus
sócios através do fornecimento do trabalho, a administração e a comercialização das
tarefas executadas.
4 obra citada, pág. 73/74
faculdade de direito de bauru
242
A finalidade precípua é gerar trabalho para os cooperados.
Formas de Prestação Laboral
No âmbito interno as cooperativas organizam-se sempre em sistema de autogestão; no âmbito externo, ou seja, na seara da prestação laboral, devemos considerar os aspectos distintos que surgem em face das modalidades de cooperativas de
trabalho.
De um lado temos as cooperativas de produção, cooperativas de serviços e as
organizações comunitárias de produção: são empresas (fatores econômicos e trabalhadores com vistas a determinados fins), cooperativas (forma de organização societária adotada) e autogestionária (administração direta pelos donos).
De outro lado, temos as cooperativas de mão-de-obra que, embora internamente se organizem sob forma de autogestão, externamente a atuação é diversa daquelas, considerando que os trabalhadores deverão desenvolver sua ocupação de
acordo com o interesse da empresa tomadora do serviço.
O Prof. Marcelo Mauad enfatiza a distinção, esclarecendo que nas primeiras a
autonomia na prestação laboral deve ser considerada de maneira coletiva, isto é, autonomia do grupo, com acatamento fiel das decisões pelos trabalhadores. Os atos
característicos do vínculo societário, tais como o trabalho como fonte de legitimação da empresa, democracia no processo decisório, forma de remuneração de acordo com o resultado econômico da cooperativa e proporcional ao respectivo trabalho, trabalho por conta própria, afastam de plano esta relação daquela relativa à dependência ou subordinação, próprias do vínculo empregatício. Nas últimas (cooperativas de mão-de-obra), a situação é diversa, eis que o trabalho se desenvolve no interesse do tomador de serviço, nas instalações destes, configurando trabalho por
conta alheia.5
E deve-se, segundo o professor, levar em conta o interesse individual dos
membros de tais cooperativas, os quais prestam serviços na forma de trabalhadores
autônomos ou eventuais.6.
A distinção é importante na medida em que possibilita o tratamento jurídico
adequado, distinguindo as organizações autênticas que buscam através do cooperativismo formas
alternativas de trabalho e renda, daquelas outras que apenas estão a reduzir
os direitos trabalhistas.
Sendo a prestação laboral verdadeiramente autônoma ou eventual, estaremos
diante de uma cooperativa legítima, ou seja, diante de um processo terceirizado juridicamente admitido; uma vez presente os pressupostos caracterizadores do vínculo empregatício (subordinação, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade), es-
5 idem, pág. 77
6 idem, pág. 77
Revista do instituto de pesquisas e estudos
243
taremos diante de um contrato de emprego.
Como bem descreve a Dra. Maria Julieta Mendonça Viana:
Os trabalhadores prestam seus serviços no estabelecimento da tomadora, lado a lado com os empregados desta, recebendo as mesmas ordens, sujeitos a controle de ponto e recebendo salário. Não
participam da gestão da “cooperativa”, afastados que estão, em
virtude de exercerem suas atividades junto à empresa tomadora.
Fica praticamente impossível uma gestão democrática, sem a realização de assembléias representativas. Não há rateio de sobras,
porquanto o valor pago pelas tomadoras eqüivale aos salários,
mais uma taxa de administração.
As “cooperativas de trabalho” não possuem especialização nem
atividade própria. Tampouco dirigem as tarefas que são executadas por seus associados. A direção do trabalho dos “cooperados”
fica a cargo da tomadora, que dirige o empreendimento.
A ilicitude do objeto das cooperativas de trabalho.
Há uma tendência nas empresas de dispensar empregados para
subtituí-los por trabalhadores fornecidos por essa espécie de “cooperativa”.
Qual a vantagem em fazer tal substituição?.
Não há dúvida de que a vantagem consiste na redução de custos
– os empregados, amparados pelas leis trabalhistas, fazem jus,
além do salário, a outros direitos, como repouso semanal remunerados, férias, décimo terceiro salário, auxílio-doença, Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço; e gozam da proteção à sua saúde
e segurança, que obrigam as empresas a realizar obras dispendiosas para adequar o estabelecimento às normas que visam a evitar
acidentes e doenças do trabalho. Acrescentem-se os direitos previdenciários, neles incluídos o seguro contra acidentes do trabalho,
aposentadoria, licença-maternidade e paternidade.
E a mesma autora conclui:
As “cooperativas de trabalho”, na medida em que não promovem,
segundo afirmam, uma elevação da renda ou da condição social
do trabalhador; não conhecem a affectio societatis, isto é, o propósito comum de se unirem para alcançar um resultado almejado,
de partilhar a sorte da sociedade; não praticam uma gestão demo-
244
faculdade de direito de bauru
crática; nem se verifica o retorno das sobras líquidas do exercício,
visto que tais sobras nunca se verificam – deixam de observar as
características das cooperativas, previstas no art. 4º da Lei
5.764/71, assim como as características das sociedades em geral.
Mais grave do que não preencherem as características das verdadeiras cooperativas, é o fato de que as “cooperativas de trabalho”
criam trabalhadores de segunda classe, os quais além de não desfrutarem das vantagens que uma sociedade cooperativa proporciona, ficam à margem das leis de proteção ao trabalho. Não se
justifica, portanto, conceder autorização de funcionamento a essas falsas cooperativas. Espera-se que o Conselho Nacional do Cooperativismo, a quem compete definir as condições de funcionamento do empreendimento cooperativo, atende para o prejuízo
que essa espécie de associação vem causando aos trabalhadores
brasileiros7
Noutro ponto do seu texto, a Dra. Maria Julieta explicita que os exemplos de
terceirização presentes no mercado, em geral ligados à construção civil, montagem
de veículos e indústria eletrônica, referem-se a contratos de empreitada de prestação de serviços ou de fornecimento, fundados no Direito Civil, pelo que a Justiça do
Trabalho não teria competência para julgar ou ditar regras.
Data vênia, discordo da eminente parecerista.
A Justiça do Trabalho ao editar o E. 331 não pretendeu invadir seara alheia,
nem tampouco ditar regras para institutos regidos por outros diplomas legais.
Permaneceu dentro do seu campo de atuação, qual seja, direitos laborais e solução dos conflitos deles advindos, atenta aos inúmeros casos de fraude contra direitos trabalhistas assegurados pelo sistema jurídico pátrio.
A sua posição não poderia ser outra diante da burla à lei, configurada pela contratação intermediária travestida de legalidade.
Com relação à expressão atividade-meio, constante da redação do Enunciado referido, a realidade tem demonstrado exemplos bem sucedidos de terceirização
também da atividade-fim da tomadora, razão pela qual a discussão, em nosso entender, perdeu a sua relevância.
Natureza Jurídica do Trabalho Prestado pelas Cooperativas de Trabalho
O trabalho prestado pelos cooperados é autônomo ou eventual. Trata-se de
autonomia individualizada, uma vez que o trabalho é executado por conta alheia,
em proveito da empresa tomadora e não no da cooperativa.
(7) Viana, Maria Julieta Mendonça – “Cooperativas de Trabalho: Terceirização de Empregados ou Terceirização de
Serviços ?” – Revista LTr. Vol.61, nº 11 – São Paulo: Ltr., Nov/97- pág.1474 e 1475
Revista do instituto de pesquisas e estudos
245
Cooperativas de Mão-de-Obra Agrária
Com a edição da Lei 8949/94, adveio o parágrafo único do art. 442 da CLT.
E são estes os seus termos:
“Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não
existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.
Contudo, como nos informa o Prof. Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, a experiência foi desastrosa no meio rural.
São suas palavras:
Conforme foi apurado em dezenas de Inquéritos Civis Públicos,
fartamente instruídos pelo Ministério Público do Trabalho, os antigos “gatos”
formaram as cooperativas em questão, impondo aos trabalhadores rurais a filiação nas sociedades formalmente constituídas.
A organização do trabalho, contudo, em nada se alterou. Os trabalhadores continuam subordinados ao “turmeiro” que, por sua
vez, recebe ordens do encarregado da fazenda, o qual atende o
destinatário final do trabalho.
A cooperativa em foco, como se vê, inexiste, pois o processo de
trabalho é hierarquizado, fato que inviabiliza a “affectio societatis”, que deve ser a nota dominante do verdadeiro trabalho
cooperado. A existência de subordinação jurídica entre os cooperados e os tomadores evidencia, por si só, o fracasso da inovação pretendida.”8
A incompatibilidade mencionada é também defendida pelo prof. Marcelo
Mauad, que pondera acerca da natureza especial da Lei de Trabalho Rural (Lei
5.889/73), recepcionada pela CF/88, salientando comando do art. 4º, o qual fixa a
condição de empregador por equiparação a qualquer pessoa ou entidade que intermediar mão-deobra no campo, bem assim a regência do art. 17 do mesmo diploma, que outorga direitos trabalhistas aos não empregados, ou seja, àqueles que não se enquadram no conceito de empregado rural (art. 2º da Lei 5889/73).9
O desvirtuamento do parágrafo único do art. 442/CLT, mereceu exposição incisiva do jurista Márcio Túlio Viana:
8 obra citada, pág. 84
9 idem, pág. 78
faculdade de direito de bauru
246
O que dizem os fatos?
A partir do instante em que surgiu a nova regra , as cooperativas
passaram a se reproduzir como ratos, especialmente onde a mãode-obra é desqualificada e ignorante. Muitas atuam como braços
invisíveis das tomadoras de serviços. Quem as cria são profissionais liberais, comerciantes ou fazendeiros, pessoas que nada têm
a ver com os supostos cooperados, e que se utilizam de testas-de-ferro para explorar o trabalho alheio.
É o que acontece, por exemplo, nas fazendas paulistas que se dedicam ao cultivo de laranjas. Muitas se recusam a contratar formalmente empregados: só admitem “cooperados”, que em geral não
sabem sequer o nome da “cooperativa” e se referem a ela não
como algo deles, mas como sua empregadora, intuindo a realidade por detrás da farsa.
Outro exemplo, comum em Minas, são as cooperativas de trabalhadores que atuam em serviços de limpeza. Muitas delas são criadas por pessoas estranhas à categoria, como
oficiais militares reformados. Os “cooperados” mal sabem assinar
o nome. Simplesmente subscrevem os documentos que lhe são entregues, pois esse é o preço do emprego.
O pior é que esses traficantes de mão-de-obra passam aos “cooperados” a idéia de que não têm direitos trabalhistas, enquanto lhes
sonegam a informação de que podem votar e ser votados. E assim
se perpetuam no poder.
No fundo, o caso das cooperativas é mais do que uma fraude à lei: é fraude através da lei, contra o direito. Se o pretexto é o desemprego, a razão é o lucro
e o resultado o subemprego. Cabe a nós, operadores do direito, denunciarmos a
farsa.10
Terceirização
As cooperativas de mão-de-obra tem sido constituídas, em sua grande maioria, para participar dos processos de terceirização empresarial.
Todavia, devem se mostrar idôneas, em condições econômico-financeiras de
arcar com suas responsabilidades e demonstrar autêntico caráter societário.
A jurisprudência trabalhista, consubstanciada no E. 331 do TST, exige que os
serviços transferidos sejam especializados e ligados à atividade-meio do tomador e
l0. Viana, Márcio Túlio e Renalt, Luiz Otávio Linhares. “O que há de novo em Direito do Trabalho”. São Paulo: Ltr,
1997, pág. 82
Revista do instituto de pesquisas e estudos
247
ainda assim, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação. Do contrário,
caracterizar-se-á relação de emprego.
Interessante a posição defendida pelo Dr. José Eduardo Gibello Pastore, para
quem a prestação de serviços de um cooperativa de trabalho a uma determinada
empresa configura secundarização das relações de trabalho (e não terceirização),
pois não há o empresário que obtém a concentração do capital em suas mãos com
esta atividade, como ocorre na prática da terceirização. Entende o autor que na relação tomadora-cooperativa inexiste o empresário capitalista, uma vez que não é fim
precípuo das cooperativas auferirem lucro, e muito menos disponibilizar trabalhador a outrem (intermediário de mão-de-obra). Se não há a figura do terceiro que
acumula capital, não há que se falar em terceirização.11
As Cooperativas de Trabalho e o Direito Estrangeiro
Marcelo Mauad nos informa que a Comunidade Européia vem sistematicamente atualizando a legislação peculiar às cooperativas, que em países como Itália e
Espanha apresentam sistemas de cooperativismo laboral altamente desenvolvidos,
com grande apoio estatal e linhas adequadas de financiamento público e privado.12
Posição da Jurisprudência Trabalhista
Os pretórios trabalhistas, sempre atentos aos princípios do Direito do Trabalho, analisam cuidadosamente os fatos concretos, a fim de verificar a presença de
pressupostos de reconhecimento do vínculo empregatício, hipótese em que
declara nulos os atos fraudadores dos dispositivos celetistas.
O princípio da primazia da realidade, como sabemos, privilegia a substância
sobre a forma, o conteúdo sobre o rótulo.
CONCLUSÃO
Não tenho dúvida de que o sistema cooperativo é um fator relevante de desenvolvimento econômico e social.
No que tange às cooperativas em suas várias modalidades, a que mais nos chamam a atenção é a cooperativa de trabalho e, nesta espécie, a cooperativa de mãode-obra que em face das suas características, aproxima-se da linha fronteiriça do vínculo empregatício.
A realidade tem mostrado que as cooperativas de mão-de-obra estão relacionadas com a prática de fraude contra os direitos laborais.
Mas isto não nos deve desanimar.
11. Pastore, José Eduardo Gibello – “Cooperativas de Trabalho – O Fenômeno da Terceirização” – Revista Ltr – nº
10 – vol. 63. São Paulo: Ltr, Out/99, pág. 1334/1336.
12. obra citada, pág. 79
248
faculdade de direito de bauru
Somos entusiastas da prestação laboral por meio das cooperativas de trabalho.
Os princípios do cooperativismo (livre adesão, autogestão administrativa e financeira, melhoria das condições de trabalho e renda, vínculo societário, exercício
profissional em comum ou individual autônomo, dispensa do intermediário ou empresário), guardam estreita relação com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, em comunhão com os valores da dignidade humana, estampados todos na
Carta Magna de 88.
É claro que estamos a falar da cooperativa legítima, fundada sob o manto da
lei própria (Lei 5.754/71) e que, também no mundo real, funcione como verdadeiro
trabalho cooperado.
Como nos adverte Márcio Túlio Viana:
“Mas é preciso que se trate realmente de cooperativa, não só no plano formal,
mas especialmente no mundo real. Ou seja: que o contrato se execute na linha horizontal, como acontece em toda a sociedade, e não na linha vertical, como no contrato de trabalho.”13
Penso que o cooperativismo permanece como a alternativa ideal para a geração de trabalho, renda e bem estar social.
Como bem afirmou o Deputado Silas Brasileiro em sua posse como Presidente da Frente Parlamentar de Cooperativismo:
É a opção de desenvolvimento econômico que se constrói com o
contraponto social, pois partilha os resultados com os que o construíram. É o caminho do meio, onde a democracia, o respeito e a
ajuda mútua possibilitam que o indivíduo se realize econômica,
profissional e socialmente.
Nas atividades rurais, o cooperativismo se mostra eficiente como
instrumento de amparo e organização dos pequenos produtores.
Nas cidades crescem as cooperativas,
porque estas, de forma justa, garantem oportunidade de trabalho
aos que vêm sendo excluídos pela intensificação do processo de
globalização. Engajar-se no cooperativismo é conquistar a possibilidade de construir com independência um futuro mais digno e
justo.14
13. obra cit., pág.81
14. Dep. Silas Brasileiro – “discurso proferido na FRENCOOP em 17.06.99 – pesquisa internet (www.indecoop.brasil.nom.br/frencoop/posse).
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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BIBLIOGRAFIA
MAUAD, Marcelo José Ladeira. As cooperativas de Trabalho e sua relação com o Direito do Trabalho. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, Set/2000, pág. 71.
JORNAL CONEXÃO. Sebrae/SP – ano VIII – nº 89: Sebrae/SP, Set.2000, pág. 6.
VIANA, Maria Julieta Mendonça – Cooperativas de Trabalho: Terceirização de Empregados ou terceirização de Serviços ? – Revista Ltr. Vol. 61, nº 11 – São Paulo:
Ltr.,Nov/97 – pág. 1474 e 1475.
VIANA, Márcio Túlio e RENALT, Luiz Otávio Linhares. O que há de novo em Direito
do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1997, pág. 82.
PASTORE, José Eduardo Gibello – Cooperativas de Trabalho – O Fenômeno da Terceirização – Revista Ltr – nº 10 – vol. 63. São Paulo: Ltr, Out/99, pág. 1334/1336.
BRASILEIRO, Dep. Silas – discurso proferido na FRENCOOP em 17.06.99 – pesquisa internet (www.indecoop.brasil.nommbr/frencoop/posse).
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS SÓCIOS
NA EXECUÇÃO TRABALHISTA.
BLOQUEIO DE CONTAS BANCÁRIAS
Francisco Antônio de Oliveira
Juiz Presidente da 5ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região
1.
DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Diferente da era atual em que as nações de todo o mundo civilizado reconhecem o título executório extrajudicial, no Direito Romano somente se reconhecia o
fator executoriedade nos títulos judiciais. Havia uma intensificada preocupação de
somente prestigiar-se a execução após conhecer-se as razões das partes. Vale dizer,
mesmo depois de prolatada a sentença condenatória, o devedor poderia obstar a
execução se conseguisse apresentar argumentos convincentes em seu favor, como
por exemplo, a nulidade da sentença condenatória por alguma nulidade formal ou
o pagamento da dívida após a condenação.
A preocupação era salutar, porque nos primórdios não existia a execução aparelhada nos moldes que hoje conhecemos. O vencido ficava completamente à mercê do vencedor, credor do débito, podendo este exercer ato de disposição sobre o
elemento físico da pessoa do devedor, obrigando-o a trabalhar até que quitasse a dívida, ou ainda poderia vendê-lo como res, reduzindo o devedor à condição de escravo do credor (manus injectio).
A actio judicati foi um avanço que propiciava ao Estado realizar concretamente o direito reconhecido jurisdicionalmente depois de decorrido o tempus judicati
252
faculdade de direito de bauru
que se traduzia no prazo concedido ao devedor para a satisfação da obrigação de
forma voluntária.
2.
DA RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL
A relação jurídica obrigacional vincula credor e devedor, obrigando este ao
cumprimento da obrigação previamente avençada. O inadimplemento autoriza a
movimentação do aparato judiciário (interesse de agir) para que o credor satisfaça
o seu crédito, lançando mão, se necessário, do patrimônio do devedor, com oportuno praceamento, em sendo o caso.
Lembra RUGGIERO que
a obrigação exprime a relação jurídica pela qual uma pessoa (devedor) está adstrita a uma determinada prestação para com a outra (credor), que tem direito de exigir, obrigando a primeira a satisfazê-la. A obrigação redunda, pois, num vínculo jurídico, como
tal considerado a partir da conceituação romana de obrigação
(vinculum juris quo necessitate adstringimur alicujus solvendae rei).
Destarte, no direito romano primevo essa vinculação jurídica ensejava ao credor uma segurança pessoal de que o débito seria solucionado. Bem por isso, isto é, como a garantia era prestada pela
pessoa do devedor, tinha o credor o direito de dispor, através da
manus injectio, da pessoa do obrigado, sempre que a obrigação
não fosse adimplida, segundo concedia o sistema tempus judicati.
Isto porque somente o cumprimento espontâneo acarretaria a solutio e o reus debendi tornava-se solutus a vínculo, e, como a terra pertencia à família, e não, individualmente, ao seu dono, mesmo que o devedor fosse pater familas, era a pessoa do obrigado responsabilizada pelo seu implemento. A relação jurídica obrigacional era um vínculo da garantia pessoal. Operou-se evolução no
sentido de mudar o alvo da execução da pessoa para os bens do
devedor. Essa evolução processou-se a partir do direito romano,
primeiramente retirando da terra qualquer sentido deífico que lhe
emprestava os primitivos; e depois colocando o patrimônio a serviço da pessoa, tendo como conseqüência a substituição do alvo
da execução, situação jurídica sedimentada no sistema extra ordinem, com a instituição, pelo Imperador Antonino Pio, do vínculo
sobre a coisa judicialmente apenhada (pignus in causa judicati captum), através da Lex Poetelia, de modo a imputar ao patrimônio
econômico o meio da satisfação e o objeto da execução (Instituições de Direito Civil, vol. 3).
Revista do instituto de pesquisas e estudos
3.
253
DO ELEMENTO RESPONSABILIDADE
O elemento responsabilidade está diretamente ligado ao patrimônio do devedor. No mundo dos negócios, as operações se realizam em maior ou menor volume,
sempre diretamente proporcional ao patrimônio do devedor. Essa regra básica elimina o risco desmesurado. O risco sempre existe, mas de forma administrável. O
elemento responsabilidade é que autoriza o credor, em havendo inadimplência do
devedor, a satisfação do seu crédito lançando mão do patrimônio deste. O Código
Civil registra sobre o tema regras de segurança, em especial nos artigos 762, 953 e
1.261. O credor zeloso deve usar do remedium juris ao seu dispor na oportunidade própria. Lembra Antonio Carlos Costa e Silva (Tratado do Processo de Execução,
Ed. AIDE, 2ª ed. 1986, Rio, v.1, p. 465) que a responsabilidade está a indicar que o
credor tem um direito destinado a obrigar o devedor a cumprir a obrigação, direito
que, em caso de recusa, é exercido diretamente sobre o seu patrimônio, sobre uma
parte daquele, ou mesmo sobre uma única coisa, previamente designada para garantir o cumprimento da obrigação pessoal (jura in re aliena).
4.
DO PODER EXECUTÓRIO
Lembra Liebmann (apud Costa e Silva, ob. cit. pp. 466, 467) que a sanção é
elemento da relação jurídica privada. Titular do poder sancionatório é o Estado,
como elemento integrante da sua soberania. Só ignorando deliberadamente a participação do órgão estatal e o papel que lhe cabe no processo de execução, papel de
todos os pontos de vista decisivo e insubstituível, é que se pode pretender localizar
no direito do credor o poder de invadir a esfera jurídica do devedor: seria, pois, querer construir a teoria do processo sem levar em conta a existência do juiz.
O credor, titular da relação jurídica substancial, não pode, inadimplente o devedor, ignorar o aparato estatal e agir por conta própria sobre o patrimônio garantidor.
Inadimplente o devedor, nasce (actio nata) o seu direito de exigir do Poder Judiciário
a prestação jurisdicional, transformando em realidade o comando abstrato contido na
sentença (interesse de agir). Vale dizer que se o obrigado não cumpre a obrigação, surge para o credor a oportunidade de se servir do direito de agir, na busca da realização
do seu direito substancial. Por outro lado, dessa concepção resulta que, do inadimplemento, o poder de atuar a sanção e a responsabilidade do devedor induzem à formação de uma relação jurídica, diversa da obrigacional, e mais ainda daquela que constituirá o processo de execução: a relação jurídica sancionadora.
5.
DA RESPONSABILIDADE SEM DÉBITO
Débito e responsabilidade são elementos que se apresentam simultâneos na
obrigação, quando se referem à mesma pessoa (beneficiária/devedora). São exem-
faculdade de direito de bauru
254
plos que contrariam a regra: art. 1.491 do CC (solidariedade); art. 1481 do CC (Fiança); arts. 14 e 56 da Lei nº 2044/1908 (aval); art. 593 do CPC (subsidiariedade); art.
2º, §2º, CLT (solidariedade); art. 455, CLT (solidariedade), etc.
Mendonça Lima (Comentários, Ed. Forense, v. 6, p. 461) assinala que pode haver obrigação sem responsabilidade e responsabilidade sem obrigação. A obrigação
natural (v.g., dívida prescrita, dívida de jogo, etc.) impede a responsabilidade, porque não permite a cobrança por qualquer que seja a ação; a responsabilidade do fiador, com seus bens, existe, embora não seja o obrigado. Por conseguinte, o devedor
pode ter obrigação e não serem seus bens responsáveis; e os bens serem responsáveis e seu proprietário não ser o devedor.
6.
DOS BENS SUJEITOS À EXECUÇÃO
Dispõe o art. 591 do CPC que “O devedor responde, para o cumprimento de
suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
Isso significa que ainda que o credor haja efetuado um empréstimo quando o
devedor nada possuía, confiando tão-somente na sua palavra de cumprir e honrar a
obrigação no seu vencimento, isso não significa que, inadimplente o devedor, não
possa o credor lançar mão de bens adquiridos posteriormente à transação. A lei é
clara a esta parte e a conclusão aflora claro do princípio de razoabilidade. Entendimento em outro sentido, além de desprestigiar o tecido legal, abriria porta larga à
fraude.
7.
DA RESPONSABILIDADE DO SÓCIO
O crédito trabalhista é dotado de superprivilégio, conforme expresso nos artigos 185, 186 do Código Tributário Nacional, no art. 29 da Lei nº 6830/80, e no art.
100 da Constituição Federal, que lhe deu o prestígio de natureza alimentar.
Há que se levar em conta, também, que o empregado não tem nenhum poder de gerência sobre a empresa na qual é contratado, limitando-se tão-somente a
ceder a sua força de trabalho, mediante remuneração. Daí a conseqüência de que o
empregado não corre o risco do empreendimento, mesmo porque, discussões à
parte, até hoje não participa do lucro da empresa, permanecendo este benefício em
sede de programaticidade de fato, embora de direito tenha havido algum arremedo
de implementação.
Não se pode, por outro lado, carrear ao trabalhador qualquer culpa pelo insucesso empresarial ou pela má administração do fundo de comércio. A situação do
trabalhador frente a tais insucessos é o de res inter alios.
Temos nas lições de Aguiar Dias que
Revista do instituto de pesquisas e estudos
255
a lei deixa a cada um a liberdade de seus atos; ela não proíbe senão aqueles que se conhecem como causas diretas do dano. Não
poderia proibir aqueles que trazem em si a virtualidade de atos
danosos, uma vez que se possa crer fundamentalmente que tais perigos possam ser evitados, à base de prudência e habilidade. Mas,
se a lei os permite, impõe àqueles que tomam o risco a seu cargo a
obrigação de pagar os gastos respectivos, sejam ou não resultados
de culpa. Entre eles e as vítimas não há equiparação. Ocorrido o
dano, é preciso que alguém o suporte. Não há culpa positiva de nenhum deles. Qual seria então o critério de imputação do risco?
A prática exige que aquele que obtém proveito de iniciativa lhe suporte os encargos, pelo menos a título de sua causa material, uma vez
que essa iniciativa constitui um fato que, em si e por si, encerra perigos potenciais contra os quais os terceiros não dispõem de defesa eficaz. É um balanceamento a fazer. A Justiça quer que se faça inclinar
o prato da responsabilidade para o lado do iniciador do risco”. E,
com respaldo em Mataja, prossegue o saudoso autor: “A distribuição
do ônus do prejuízo atende, primordialmente, ao interesse social, distribuição essa entre os que obtiveram proveitos e correram o risco do
negócio”. “Se não estamos a coberto dos riscos, tenhamos pelo menos
a certeza de que não sofremos impunemente, as conseqüências da
atividade alheia. À fórmula viver perigosamente replicamos com esta
outra, que é a sua sanção: responder pelos nossos atos (Da responsabilidade Civil, 4ª ed. Forense, Rio, 1960, v. I, p. 75).
Nesse mesmo sentido, lições do Eminente jurista Arion Sayão Romita:
“A limitação da responsabilidade dos sócios é incompatível com a proteção que o Direito do Trabalho dispensa aos empregados; deve ser
abolida, nas relações da sociedade com seus empregados de tal forma
que os créditos dos trabalhadores encontrem integral satisfação, mediante a execução subsidiária os bens particulares dos sócios. É tempo de afirmar, sem rebuços, que nas sociedades por cotas de responsabilidade limitada, todos os sócios devem responder com seus bens
particulares, embora subsidiariamente, pelas dívidas trabalhistas da
sociedade; a responsabilidade deles deve ser solidária, isto é, caberá
ao empregado exeqüente o direito de exigir de cada um dos sócios o
pagamento integral da dívida societária. Vale dizer, para fins de satisfação dos direitos trabalhistas, será aberta uma exceção à regra segundo a qual a responsabilidade dos sócios se exaure no limite do valor do capital social; a responsabilidade trabalhista dos sócios há de
256
faculdade de direito de bauru
ser ilimitada, embora subsidiária; verificada a insuficiência do patrimônio societário, os bens dos sócios individualmente considerados,
porém, solidariamente, ficarão sujeitos à execução, ilimitadamente,
até o pagamento integral dos créditos dos empregados. Não se compadece com a índole do direito obreiro a perspectiva de ficarem os créditos trabalhistas a descoberto, enquanto os sócios, afinal os beneficiários diretos do resultado do labor dos empregados da sociedade, livram os seus bens pessoais da execução, a pretexto de que os patrimônios são separados. Que permaneçam separados para os efeitos comerciais, compreende-se; já para efeitos fiscais, assim não entende a
lei; não se deve permitir, outrossim, no Direito do Trabalho, para completa e adequada proteção dos empregados. (...) Quanto às sociedades anônimas, a questão é mais delicada e exige reflexão. Impraticável será invocar-se a responsabilidade dos acionistas, é evidente. A responsabilidade há de ser dos gestores (diretores, administradores, pouco importa a denominação). Urge, também proclamar que, se insuficiente o patrimônio da sociedade anônima, os diretores responderão
solidariamente, com seus bens particulares, pela satisfação dos direitos trabalhistas dos empregados da sociedade. Semelhante conclusão
não aberra da moderna concepção vigente a respeito da responsabilidade dos gestores de sociedade por ações. No campo da execução
trabalhista, a responsabilidade dos gestores se traduziria na obrigação de satisfazer subsidiariamente os débitos da sociedade. A perspectiva de ter de responder com seus bens pessoais pelas dívidas sociais
(embora somente depois de executado o patrimônio social) certamente estimulará os gestores no sentido de conduzirem sua administração a bom êxito, evitando arrastar a sociedade à posição de devedor insolvente ante seus empregados”1.
8.
DA TEORIA DA SUPERAÇÃO DA PERSONALIDADE
(DISREGARD OF LEGAL ENTITY )
Rubens Requião assinala: “Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso
da personalidade jurídica, o juiz tem o direito de indagar em seu convencimento, se
há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro
dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos. Se a personalidade jurídica constitui
criação da lei, como concessão do Estado, objetivando, como diz Cunha Gonçalves,
1 “Aspectos do processo de execução trabalhista à luz da Lei 6.830/80”, LTr 45/1041 e ss.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
257
“a realização de um fim”, nada mais transcendente do que se reconhecer ao Estado,
através de sua Justiça, a faculdade de verificar se o direito concedido está sendo adequadamente usado. A personalidade jurídica passa a ser considerada doutrinariamente um direito relativo, permitindo ao juiz penetrar o véu da personalidade para
coibir os abusos ou condenar a fraude através de seu uso. (...) A relatividade do direito da personalização jurídica nos leva, numa rápida digressão, à teoria do abuso
de direito. É do conhecimento elementar que foi ela criação da jurisprudência dos
tribunais franceses. Deve a Josserand a sistematização de seu uso, contando com a
oposição crítica e sistemática de Planiol. Para se compreender a fundo a teoria do
abuso de direito, deve-se partir da observação de Josserand de que a sociedade garante a determinadas pessoas as suas prerrogativas, não é para ser-lhes agradável,
mas para assegurar-lhes a própria conservação. Esse é, na verdade, o mais alto tributo do Direito: a sua finalidade social. Já se vai tornando um conceito clássico a doutrina de Geny de que nem todo direito está contido na legalidade”. A lei, de fato, não
abrange todas as peculiaridades da vida cotidiana nos seus vários matizes”2.
Clóvis Ramalhete defende o emprego da doutrina inglesa do disregard of legal entity: “(...) III) Ao ser desconsiderada a personalidade da Sociedade Mercantil,
as normas legais que geram esse efeito não a desconstituem, mas negam eficácia a
certos atos dela, quando se desvenda por detrás da vontade manifestada pela pessoa jurídica, a real presença dominante do querer dos sócios; pois a desconsideração da personalidade é proteção jurídica principalmente dos grupos econômicos,
da moderna economia empresarial. IV ) O sistema legal vigente neste País, quando
rege a eficácia dos atos jurídicos, autoriza, no Brasil, a aplicação da doutrina mercantil inglesa do disregard of legal entity, desde que aqui com apoio em norma de lei.
V ) A desconsideração da personalidade da sociedade mercantil do sistema jurídico
brasileiro, de Direito escrito, ou funda-se em norma expressa da lei que rege o caso,
a qual dispõe não se respeite a personalização legal do ente mercantil, ou, de outro
modo, funda-se no sistema legal genérico, o da eficácia dos atos jurídicos e nos princípios gerais do Direito, ambos aplicáveis ao caso”3.
A teoria da superação da personalidade encontra alento no art. 8º da CLT. A
Justiça Comum tem um acórdão pioneiro, do qual foi relator o Eminente Des. Edgard Moura Bitencourt, Ap. 9.247, TJSP:
A assertiva de que a sociedade não se confunde com a pessoa dos
sócios é um princípio, mas não pode ser um tabu a entravar a própria ação do Estado, na realização da perfeita justiça, que outra
não é a atitude do juiz procurando esclarecer os fatos para ajustá-los ao Direito.(...) Há, pois, necessidade de se atentar com mui2 Curso de Direito Comercial, v. 1, pp. 265 e 266.
3 “Parecer N-63, de 10.03.81, publicado no DOU, I, em 18.03.81.
faculdade de direito de bauru
258
ta agudeza para a gravidade da decisão. É preciso, para a invocação exata e adequada da doutrina, repelir a idéia preconcebida
dos que estão imbuídos do fetichismo da intocabilidade da pessoa
jurídica, que não pode ser equiparada tão insolitamente à pessoa
humana no desfrute dos direitos incontestáveis da personalidade.
9.
DO SÓCIO QUE SE RETIRA
Dispõe o art. 339 do Código Comercial que “O sócio que se despedir antes de
dissolvida a sociedade ficará responsável pelas obrigações contraídas e perdas havidas até o momento da despedida. No caso de haver lucros a esse tempo existentes,
a sociedade tem o direito de reter os fundos e interesses do sócio que se despedir,
ou for despedido com causa justificada, até se liquidarem todas as negociações pendentes que houverem sido intentadas antes da despedida”.
O artigo 596 do CPC, por sua vez, dispõe que “Os bens particulares dos sócios
não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro
executados os bens da sociedade”. Completa o § 1º: “Cumpre ao sócio, que alegar
o benefício deste artigo, nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres
e desembargados, quantos bastem para pagar o débito.”
Em sede trabalhista, o sócio que dirige o fundo de comércio, que corre o risco do empreendimento, que usufrui dos lucros, tem a sua responsabilidade firmada pela culpa objetiva. Não se pode carrear ao trabalhador o ônus do insucesso da
pessoa jurídica, quando é sabido que não tem o mesmo qualquer poder para intrometer-se na administração. A posição do trabalhador é de res inter alios, cuja única
ação foi entregar a sua força de trabalho.
Tem-se, por outra ótica, que se cuida de crédito alimentar, de cujo pagamento depende a sobrevivência do trabalhador e de sua família.
Se a pessoa jurídica tornar-se insolvente, pouco importando a causa (má administração, dificuldades causadas pela política econômica) ou desaparece com o
fundo de comércio, a execução será direcionada contra o sócio. Este, naturalmente,
terá o direito de regresso contra os demais sócios.
10. DO BLOQUEIO DE CONTA BANCÁRIA
Não vemos qualquer óbice no bloqueio de conta bancária do sócio, quando
inadimplente a pessoa jurídica.
Todavia, o bloqueio não deverá trazer transtornos ao sócio executado, que poderá ofertar outros bens à penhora, não se lhe aplicando com rigidez as regras contidas no art. 655 do CPC e Lei nº 6.830/80.
TRABALHADOR FUMANTE & COMBATE
AO TABAGISMO
Mauro Cesar Martins de Souza
Advogado licenciado
Professor Assistente de Direito na UNESP - Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Presidente Prudente/SP.
Mestre em Direito pela UEL/PR - Doutorando em Direito do Trabalho pela PUC/SP
Juiz do TRT da 15ª Região - Juiz Convocado do TST de 17/08/1999 a 09/12/1999
Autor do livro “Responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho” (Ed. Agá Juris)
O tabaco é uma substância psicotrópica que age como estimulante do sistema
nervoso central das pessoas. Trata-se de uma droga muito ativa que produz dependência física e estados alterados de consciência, como estimulante, aumentando os
níveis de adrenalina no sangue e também como relaxante, eliminando a tensão, a ansiedade e dá aos fumantes a excitação. Ele vicia fácil.
O cigarro, segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, é o maior causador de doenças evitáveis do mundo. Na sua composição, entram nada menos que
4.720 elementos diferentes, englobados em 14 funções químicas. Dentre as mais perigosas, cita-se a nicotina, o alcatrão, o benzopireno, o monóxido de carbono, hidrocarbonetos, nitrosaminas, substâncias cianídricas, além do carbono 14 e polônio
210. Estes dois últimos, assim como mais de 60 produtos, são altamente cancerígenos e responsáveis pelo maior índice de câncer na boca, laringe, esôfago, pâncreas,
bexiga, rins, útero, além do pulmão, em que é muito acentuado. É também causador de várias doenças cardíacas e respiratórias.
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Além dessas substâncias, há denúncias de que a indústria do cigarro mistura
amônia no tabaco para aumentar a dependência de fumantes. Adiciona-se “amônia
ao tabaco para que o fumo, ao ser queimado e a fumaça inalada, libere uma quantidade maior de nicotina no organismo do fumante. Mais nicotina é igual a maior dependência do cigarro, que é igual a mais prejuízo à saúde”1.
Hodiernamente, a todo momento, principalmente através da mídia, profissionais da área de saúde, ambientalistas, e até alguns órgãos da administração pública,
têm levado as pessoas a refletir acerca do tabagismo, na especial tentativa de demonstrar os males que o hábito de fumar acarreta à saúde das pessoas.
Tendo como alvo primeiro os usuários do fumo, na busca de sua alteração
comportamental, recebe-se toda uma gama de informações a respeito, como as do
tipo:
– uma em cada sete mortes no Brasil é causada pelo fumo;
– o fumante adoece duas vezes mais do que o não fumante. Os filhos de fumantes também adoecem mais e têm mais chances de virem a fumar seguindo o
exemplo dos pais. A fumante grávida pode ter bebês com baixo peso e menor tamanho. A mulher que fuma e usa pílulas tem maior risco de sofrer infarto do coração,
derrame cerebral e varizes;
– num ambiente poluído pelo cigarro os não fumantes podem respirar o equivalente a até 10 cigarros ao fim de um dia, correndo sem querer todos os riscos dos
fumantes. São os chamados fumantes passivos;
– o cigarro causa grandes danos à natureza. Florestas inteiras são devastadas
para aquecer os fornos que secam as folhas de fumo. Fumar um maço por dia significa destruir duas árvores por mês;
– o fumante não tem domínio sobre o tabaco, isto é, não controla a vontade
de fumar, pois é dependente da nicotina, que vicia e mata.
Em face das repercussões geradas, no âmbito das relações de trabalho, há notícias de que empresas não contratam empregados que sejam fumantes e até de que
vêm dando preferência em demitir os fumantes. Tal atitude para com o candidato
ou com o empregado fumante constitui ato de preconceito e discriminação?
Com efeito, a Carta Magna em vigor tem como fundamentos, dentre outros,
“a dignidade da pessoa humana” e “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1º, incs. III e IV ), além do que constitui objetivo fundamental “promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, inc. IV ), onde “todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
1 Revista Veja. CIGARRO – PESQUISA EXCLUSIVA – A indústria mistura amônia no tabaco para aumentar a dependência dos fumantes. São Paulo, nº 1.446, p. 88-89, 29 de maio de 1996.
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261
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, sendo punida “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º caput e inc. XLI).
Ademais, o “trabalho” humano é princípio geral da atividade econômica (CF,
art. 170), bem como base da ordem social (CF, art. 193).
A Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995 (publicada no DO-U de 17/04/1995), em
seu art. 1º, estipula de forma cogente e peremptória que “fica proibida a adoção de
qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor
previstas no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal”.
Ora, a Lei nº 9.029/1995 protege todos os empregados, sem distinção, de práticas discriminatórias limitativas do acesso à relação de emprego, ou a sua manutenção. Referido texto legal deve ser interpretado no contexto protetivo ao hipossuficiente, princípio que dá suporte e é a própria razão do Direito do Trabalho.
Entretanto, a mesma Constituição Federal valoriza a saúde e o meio ambiente
do trabalho.
Na lição do mestre ambientalista Souza2, “a atividade econômica vai exigir do
homem o estabelecimento de políticas harmonizadas com a variável ambiental”,
sendo atribuição do Direito Ambiental garantir o cumprimento de tais políticas, buscando assegurar ao homem um meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerado como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
Destarte, merece destaque o disposto nos artigos 7o, XXII; 170, VI; 196; 200,
II e VIII; 225, § 1o, V da Constituição Federal, que dispõem o seguinte:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
VI - defesa do meio ambiente;
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
2 SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. O direito brasileiro, a prevenção de passivo ambiental e seus efeitos no Mercosul. Scientia Iuris - Revista do Curso de Mestrado em Direito Negocial da UEL, Londrina: Uel, v. 1, n. 1, p. 123,
1997.
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ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica,
bem como as de saúde do trabalhador;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público:
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente;.
Como assevera Silva3, “merece referência, em separado, o meio ambiente do
trabalho como o local em que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja
qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade daquele ambiente”.
Depreende-se, assim, que os princípios do direito ambiental constitucional
têm de ser aplicados inteiramente ao meio ambiente do trabalho, inclusive para que
se dê maior unidade e harmonia à estrutura do sistema, pois o progresso industrial
e tecnológico tem de ser combinado com a proteção ao meio ambiente, sob pena
de violação à “democracia e estado de direito no tocante à segurança e prevenção
de acidentes do trabalho se não houver verdadeira, pronta e eficaz atuação integrada dos principais atores sociais: empregados e empregadores ... e do Estado”4, pois
como preceitua Ferraz5, “uma das principais metas do homem do Direito e do estadista residirá em formular preceitos que garantam a tutela ambiental”.
Segundo Hardoim6, nos dias atuais atravessa-se um período de novo questionamento do comportamento humano em relação ao ambiente. A humanidade, enfatiza a professora, encontra-se numa crise ética porque a sua História aponta para
3 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 4-5.
4 MELO, Raimundo Simão de. Segurança e meio ambiente do trabalho: uma questão de ordem pública. Trabalho
& Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 8, p. 164, mar. 1996.
5 FERRAZ, Sérgio. Responsabilidade civil por dano ecológico. Revista de Direito Público, São Paulo: RT, n. 49/50,
p. 35, jan./jun. 1979.
6 HARDOIM, Edna Lopes. A saúde humana relacionada com o ambiente: da pré-história aos dias atuais, Cadernos
de Saúde, Cuiabá: Unic, n. 0, p. 33-46, nov. 1997.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
263
a necessidade de reformulação de seus princípios de base. Esclarece que o discurso
ecológico apresenta as relações entre os seres vivos e o meio ambiente ao longo do
processo evolutivo, e relaciona a saúde do homem com a qualidade ambiental. Arremata sobre a necessidade de serem apresentados um novo paradigma para processo saúde/doença e a necessária interdisciplinaridade para a garantia do equilíbrio
homem-ambiente.
Considerando caber aos Ministérios do Trabalho e da Saúde a grave responsabilidade de zelar pela saúde e pelo bem-estar dos trabalhadores e da população como um todo; considerando, ainda, as acusações científicas contra o
cigarro, de haver se tornado um dos maiores responsáveis por uma série de
doenças, algumas delas de excepcional gravidade e até fatais; que o vício do tabagismo deve ser desestimulado mediante processos educacionais e restritivos;
que nos locais de trabalho não deve ser liberalizado o uso do cigarro, eis que
incompatível com o ambiente em que permanecem os trabalhadores muitas horas do dia e da noite, os Ministros do Trabalho e da Saúde, pouco antes do advento da Constituição Federal, resolveram editar a Portaria Interministerial
MTb/MS nº 3.257, de 22 de setembro de 1988 (publicada em 26/09/1988), dispondo sobre medidas restritivas ao hábito de fumar nos locais de trabalho, nos
seguintes termos:
I - recomendar que em todos os locais de trabalho se adotem medidas restritivas ao hábito de fumar, especialmente onde o ambiente for fechado,
a ventilação natural reduzida ou sejam adotados sistemas de condicionamento do ar;
II - As empresas que implantarem medidas de desestímulo ao hábito de fumar poderão delimitar áreas restritas para os fumantes;
III - Incumbe à CIPAS - Comissões Internas de Prevenção de Acidentes, nas
campanhas onde se encontram organizadas, promover campanhas educativas demonstrando os efeitos nocivos do fumo; e
IV - Os Ministros do Trabalho e da Saúde conferirão conjuntamente certificados de Honra ao Mérito às empresas que se destacarem em campanhas
antitabagistas.
Nada obstante a existência de um sentimento negativo em face do vício do
tabagismo, o fumo não marginaliza o usuário, nem o impede de trabalhar e manter um convívio social, até porque, inexiste proibição do uso de fumo. As normas legais vigentes, como se viu, estabelecem condições para o exercício do direito de fumar, notadamente visando à adoção de medidas de molde a proteger
os não-fumantes.
O meio ambiente de trabalho, como é cediço, é um dos mais importantes direitos do cidadão trabalhador, cujo desrespeito atinge a sociedade como um todo7.
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faculdade de direito de bauru
Feita uma rápida análise da vedação ao preconceito e discriminação e da garantia de um ambiente de trabalho sadio e seguro, bem como da proteção à saúde,
temos que a questão do fumo nas relações de trabalho está relacionada com a saúde e com o ambiente de trabalho.
Existe preconceito contra o cigarro, contra o tabaco, contra o fumo. Fumar
não é contra a lei, mas é cediço que o cigarro é prejudicial à saúde. Combate-se a
droga, cabendo ao viciado tomar consciência interior dos males que causa para si e
para os que estão a sua volta.
Há restaurantes que não permitem que se fume no seu interior ou que reservam ala específica aos fumantes. É proibido fumar em ônibus. É proibido fumar em
aviões. É proibido fumar em repartições públicas. Também, quanto à publicidade de
produtos fumígeros, existem restrições.
No Brasil, tanto se tem questionado a matéria nas últimas décadas, que a própria Constituição Federal, em relação à propaganda comercial de tabaco, cuida do
assunto em seu art. 220, § 4o, in verbis:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e
a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. §
4º. A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais,
nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre
que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu
uso.
Referido dispositivo constitucional levou à edição da Lei no 9.294, de
15/07/1996, publicada aos 16/07/1996, conhecida como “Lei Antifumo”, dispondo
sobre as restrições ao uso e propaganda, entre outros, de produtos fumígeros8.
Por sua vez, o Decreto no 2.018, de 1o de outubro de 1996 (publicado no
DOU de 02/10/1996) veio regulamentar a Lei nº 9.294/1996. Nesse diploma encon7 GIGLIO, Marisa Domingos. Redução dos riscos inerentes ao trabalho: direito social, previsto no art. 7o, inc. XXII,
Capítulo II, do Título II ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’ na Constituição. Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: RT/ IBDC, n. 19, p. 265, abr./jun. 1997.
8 BRASIL. Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996: “Art. 1º. O uso e a propaganda de produtos fumígeros, derivados
ou não do tabaco, de bebidas alcoólicas, de medicamentos e terapias e de defensivos agrícolas estão sujeitos às restrições e condições estabelecidas por esta Lei, nos termos do § 4º do artigo 220 da Constituição Federal. Parágrafo
único. Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a
treze graus Gay Lussac. Art. 2º. É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro
produto fumígero, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo, privado ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente. § 1º. Incluem-se nas disposições des-
Revista do instituto de pesquisas e estudos
265
tra-se, para os efeitos de aplicação das restrições, visando, inclusive, a intensificar a
política pública de combate ao tabagismo, a adoção de definições de recinto coletivo, de recintos de trabalho coletivo, de aeronaves e veículos de transporte coletivo
e da área devidamente isolada e destinada exclusivamente a esse fim.
O artigo 3o de referido Diploma prevê ser “proibido o uso de produtos fumígeros em recinto coletivo, salvo em área destinada exclusivamente a seus usuários,
devidamente isolada e com arejamento conveniente”. Em seu parágrafo único estabelece que “a área destinada aos usuários de produtos fumígenos deverá apresentar
adequadas condições de ventilação, natural ou artificial, e de renovação do ar, de forma a impedir o acúmulo de fumaça no ambiente”.
O próprio Decreto no 2.018, de 1o de outubro de 1996, já citado, quanto estipula limites à propaganda de produtos fumígeros, determina sejam veiculadas advertências sobre os malefícios do fumo através das seguintes frases, precedidas da
afirmação O Ministério da Saúde Adverte: fumar pode causar doenças do coração e
derrame cerebral; fumar pode causar câncer de pulmão, bronquite crônica e enfisema pulmonar; fumar durante a gravidez pode prejudicar o bebê; quem fuma adoece mais de úlcera do estômago; evite fumar na presença de crianças; fumar provoca
diversos males a sua saúde.
Nos EUA o tabagismo é combatido de forma veemente, pois havendo consciência de que o fumo vicia e que ele é prejudicial à saúde, os fabricantes de cigarte artigo as repartições públicas, os hospitais e postos de saúde, as salas de aula, as bibliotecas, os recintos de trabalho coletivo e as salas de teatro e cinema. § 2º É vedado o uso dos produtos mencionados no caput nas aeronaves e veículos de transporte coletivo. Art. 3º. A propaganda comercial dos produtos referidos no artigo anterior somente será permitida nas emissoras de rádio e televisão no horário compreendido entre as vinte e uma e as seis
horas. § 1º. A propaganda comercial dos produtos referidos neste artigo deverá ajustar-se aos seguintes princípios:
I - não sugerir o consumo exagerado ou irresponsável, nem a indução ao bem-estar ou saúde, ou fazer associação
a celebrações cívicas ou religiosas; II - não induzir as pessoas ao consumo, atribuindo aos produtos propriedades
calmantes ou estimulantes, que reduzam a fadiga ou a tensão, ou qualquer efeito similar; III - não associar idéias ou
imagens de maior êxito na sexualidade das pessoas, insinuando o aumento de virilidade ou feminilidade de pessoas
fumantes; IV - não associar o uso do produto à prática de esportes olímpicos, nem sugerir ou induzir seu consumo
em locais ou situações perigosas ou ilegais; V - não empregar imperativos que induzam diretamente ao consumo;
VI - não incluir, na radiodifusão de sons ou de sons e imagens, a participação de crianças ou adolescentes, nem a
eles dirigir-se. § 2º A propaganda conterá, nos meios de comunicação e em função de suas características, advertência, sempre que possível falada e escrita, sobre os malefícios do fumo, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e
defensivos agrícolas, segundo frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde, usadas seqüencialmente, de forma simultânea ou rotativa. (Redação dada ao caput do parágrafo pela Medida Provisória nº 2.000): I - fumar pode causar
doenças do coração e derrame cerebral; II - fumar pode causar câncer do pulmão, bronquite crônica e enfisema pulmonar; III - fumar durante a gravidez pode prejudicar o bebê; IV - quem fuma adoece mais de úlcera do estômago;
V - evite fumar na presença de crianças; VI - fumar provoca diversos males à sua saúde. § 3º. As embalagens, exceto se destinadas à exportação, os pôsteres, painéis ou cartazes, jornais e revistas que façam difusão ou propaganda
dos produtos referidos no artigo 2º conterão a advertência mencionada no parágrafo anterior. § 4º. Nas embalagens,
as cláusulas de advertência a que se refere o § 2º deste artigo serão seqüencialmente usadas, de forma simultânea
ou rotativa, nesta última hipótese devendo variar no máximo a cada cinco meses, inseridas, de forma legível e os-
266
faculdade de direito de bauru
ro vêm respondendo por vultosas indenizações aos lesados pelo tabaco e aos familiares que morreram em decorrência do vício.
Assim, a questão de não contratar fumantes ou de dispensar fumantes não é
contrária à lei. A própria CLT – Consolidação das Leis do Trabalho trata da proibição
de fumar em certas atividades, vejamos:
Art. 182. O Ministério do Trabalho estabelecerá normas sobre:
I - as precauções de segurança na movimentação de materiais nos
locais de trabalho, os equipamentos a serem obrigatoriamente utilizados e as condições especiais a que estão sujeitas a operação e
a manutenção desses equipamentos, inclusive exigências de pessoal habilitado;
II - as exigências similares relativas ao manuseio e à armazenagem de materiais, inclusive quanto às condições de segurança e hitensivamente destacada, em uma das laterais dos maços, carteiras ou pacotes que sejam habitualmente comercializados diretamente ao consumidor. § 5º. Nos pôsteres, painéis, cartazes, jornais e revistas, as cláusulas de advertência a que se refere o § 2º deste artigo serão seqüencialmente usadas, de forma simultânea ou rotativa, nesta última
hipótese variando no máximo a cada cinco meses, devendo ser escritas de forma legível e ostensiva. § 6º A Agência
Nacional de Vigilância Sanitária, para impedir a veiculação de propaganda enganosa de produtos e serviços submetidos ao seu controle, poderá exigir apresentação prévia de cópias das peças publicitárias referentes a esses produtos e serviços, conforme regulamento aprovado pela sua Diretoria Colegiada. (Parágrafo acrescentado pela Medida
Provisória nº 2.000). Art. 4º. Somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras
de rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas. § 1º. A propaganda de que trata este artigo não poderá associar o produto ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículo e a imagens ou idéias de maior êxito ou sexualidade das pessoas. § 2º. Os rótulos das embalagens
de bebidas alcoólicas conterão advertência nos seguintes termos: “Evite o Consumo Excessivo de Álcool”. Art. 5º.
As chamadas e caracterizações de patrocínio dos produtos indicados nos artigos 2º e 4º, para eventos alheios à programação normal ou rotineira das emissoras de rádio e televisão, poderão ser feitas em qualquer horário, desde que
identificados apenas com a marca ou slogan do produto, sem recomendação do seu consumo. § 1º. As restrições
deste artigo aplicam-se à propaganda estática existente em estádios, veículos de competição e locais similares. § 2º.
Nas condições do caput, as chamadas e caracterizações de patrocínio dos produtos estarão liberados da exigência
do § 2º do artigo 3º desta Lei. Art. 6º. É vedada a utilização de trajes esportivos, relativamente a esportes olímpicos,
para veicular a propaganda dos produtos de que trata esta Lei. Art. 7º. A propaganda de medicamentos e terapias
de qualquer tipo ou espécie poderá ser fita em publicações especializadas dirigidas direta e especificamente a profissionais e instituições de saúde. § 1º. Os medicamentos anódinos e de venda livre, assim classificados pelo órgão
competente do Ministério da Saúde, poderão ser anunciados nos órgãos de comunicação social com as advertências, quanto ao seu abuso, conforme indicado pela autoridade classificatória. § 2º. A propaganda dos medicamentos referidos neste artigo não poderá conter afirmações que não sejam passíveis de comprovação científica, nem
poderá utilizar depoimentos de profissionais que não sejam legalmente qualificados para fazê-lo. § 3º. Os produtos
fitoterápicos da flora medicinal brasileira que se enquadram no disposto no § 1º deste artigo deverão apresentar
comprovação científica dos seus efeitos terapêuticos no prazo de cinco anos da publicação desta Lei, sem o que sua
propaganda será automaticamente vedada. § 4º. Toda a propaganda de medicamentos conterá obrigatoriamente advertência indicando que, a persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado. Art. 8º. A propaganda de defensivos agrícolas que contenham produtos de efeito tóxico, mediato ou imediato, para o ser humano, deverá res-
Revista do instituto de pesquisas e estudos
267
giene relativas aos recipientes e locais de armazenagem e os equipamentos de proteção individual;
III - a obrigatoriedade de indicação de carga máxima permitida
nos equipamentos de transporte, dos avisos de proibição de fumar
e de advertência quanto à natureza perigosa ou nociva à saúde
das substâncias em movimentação ou em depósito, bem como das
recomendações de primeiros socorros e de atendimento médico e
símbolo de perigo, segundo padronização internacional, nos rótulos dos materiais ou substâncias armazenados ou transportados.
Parágrafo único. As disposições relativas ao transporte de materiais aplicam-se, também, no que couber, ao transporte de pessoas
nos locais de trabalho.
Em tais circunstâncias, dependendo do local de trabalho, por exemplo em
empresas que manipulam combustíveis, explosivos, etc., não há como permitir que
se fume no local de trabalho e, para tal, nada melhor do que contar com empregados não fumantes, até por questão de segurança. Nesta situação, se o empregado for
flagrado fumando no serviço pode até ser demitido por justa causa como ato de desídia e/ou indisciplina (CLT, art. 482, itens “e” e “h”).
Como se nota, são situações peculiares, que exigem maior número de cautelas de maneira a evitar riscos à integridade física dos trabalhadores.
Enfim, ainda que haja forte corrente, que vem aumentando a cada dia, de maneira a repudiar o mau hábito do fumo, inclusive na esfera das relações de trabalho,
onde se procura manter agradável o ambiente e a própria saúde dos empregados,
até porque, isso é um direito que lhe assiste, e, conseqüentemente, obrigação do
empregador ofertá-lo. Não se pode perder de vista que o preconceito refere-se, propriamente, ao vício do tabagismo, e não à pessoa que possui esse mau hábito.
tringir-se a programas e publicações dirigidas aos agricultores e pecuaristas, contendo completa explicação sobre a
sua aplicação, precauções no emprego, consumo ou utilização, segundo o que dispuser o órgão competente do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, sem prejuízo das normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde ou outro órgão do Sistema Único de Saúde. Art. 9º. Aplicam-se aos infratores desta Lei, sem prejuízo de outras penalidades previstas na legislação em vigor, especialmente no Código de Defesa do Consumidor, as seguintes sanções: I advertência; II - suspensão, no veículo de divulgação da publicidade, de qualquer outra propaganda do produto,
por prazo de até trinta dias; III - obrigatoriedade de veiculação de retificação ou esclarecimento para compensar
propaganda distorcida ou de má-fé; IV - apreensão do produto; V - multa de R$ 1.410,00 (um mil quatrocentos e
dez reais) a R$ 7.250,00 (sete mil duzentos e cinqüenta reais), cobrada em dobro, em triplo e assim sucessivamente, na reincidência. § 1º. As sanções previstas neste artigo poderão ser aplicadas gradativamente e, na reincidência,
cumulativamente, de acordo com as especificidades do infrator. § 2º. Em qualquer caso, a peça publicitária fica definitivamente vetada. § 3º. Consideram-se infratores, para efeitos deste artigo, os responsáveis pelo produto, pela
peça publicitária e pelo veículo de comunicação utilizado. Art. 10. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo máximo de sessenta dias de sua publicação. Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 12.
Revogam-se as disposições em contrário”.
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faculdade de direito de bauru
Desta maneira, se existe discriminação, esta é voltada contra o vício de fumar,
sendo necessária exatamente para preservar os recintos coletivos, inclusive de trabalho, e manter a saúde das pessoas.
Como determina a lei, é preciso que os responsáveis pela preservação desses
ambientes adotem medidas protetivas, inclusive no ambiente de trabalho, destinando locais apropriados para os usuários do fumo que, via de conseqüência, impedirão o contato dos não-fumantes com os agentes nocivos e desagradáveis do tabaco.
Deixar de admitir um trabalhador pelo fato de o mesmo ser fumante pode se
constituir discriminação, porém, vale destacar que a adoção de tal critério no momento da contratação não contraria a legislação vigente e o empregador tem o arbítrio de impor condições para a contratação de pessoal, somente não sendo permitido fazê-lo se atingir fundamentos e princípios constitucionais. No entanto, não
pode o empregador, simplesmente pelo fato de o empregado ser fumante, utilizarse dessa justificativa para dispensá-lo motivadamente. Seja como for, o tabagismo é
prejudicial à saúde do trabalhador ...
A Ciência do Direito Informático
Mário Antônio Lobato de Paiva
Mário Antônio Lobato de Paiva é advogado em Belém; sócio do escritório
Paiva & Borges Advogados Associados; Professor da Universidade Federal do Pará;
Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito
da Informática – IBDI; Autor e co-autor de oito livros jurídicos
e uma centena de artigos publicados em revistas especializadas;
E-mail: [email protected]
“O Direito Informático só busca um lugar ao sol como um
escravo que tenta alcançar sua libertação”
Mário Paiva
I-
RESUMO
Depois de alguns anos de leitura, debate, e principalmente pesquisa em legislações e doutrina alienígena ficamos encantados com as relações estabelecidas entre o direito e a informática. Decidimos então nos auto-especializar em Direito Informático estudando simultaneamente com colegas de diversos estados da federação, mais intensamente com os membros do IBDI (Instituto Brasileiro da Política e
do Direito da Informática) instituto de maior respeito e importância a nível nacional
pioneiro na pesquisa e desenvolvimento dessas relações, seus fundamentos e destino dessa estreita relação.
A nível internacional buscamos subsídios importantes para o estudo dessa matéria na OMDI (Organización Mundial de Derecho e Informática) presidida pelo
faculdade de direito de bauru
270
Prof. Ms. Dr. Héctor Ramón Peñaranda Quintero que proporcionou contatos determinantes com estudiosos de inúmeros países. Adiciona-se a essa pesquisa a leitura
dos sempre atuais artigos da revista REDI (Revista Electrónica de Derecho Informática) da qual somos colaboradores.
Assim resolvemos inovar no estudo dessas relações. Após escrevermos uma
série de artigos e co-autoria em livros enfocando pontos específicos do direito relacionado-os a informática decidimos agora criar estruturas científicas sólidas que permitam a sedimentação do Direito Informático como ramo específico da ciência do
direito, com o fulcro de aprimorar as relações jurídicas permitindo uma melhor solução das lides que envolvam referidas questões
Estamos certos de que realizamos alguma coisa, conhecendo nossas limitações, e tendo lealdade de admiti-las, partindo da convicção de que fizemos o melhor, para o momento e condições. O leitor sentirá que mesmo com erros falhas e
incorreções, há no que escrevemos uma enorme vontade de acertar, de fazer em e
de ir ao melhor.
Não tememos a crítica construtiva, que nos dará estímulo para prosseguir;
embora acreditemos – parodiando Kennedy – que sempre se ouvirão vozes em discordância, expressando oposição sem alternativa, descobrindo o errado e nunca o
certo, encontrando escuridão em toda a parte e procurando exercer a influência
sem aceitar a responsabilidade.
Mais do que nunca justo e atual o que escreveu J. M. F. de Souza Pinto, há mais
de cento e cinquenta anos em obra pioneira:
Sôbre muito fastidioso, é êste trabalho sumamente difícil: os defeitos hão de ser muitos, e mesmo talvez nêle se notem grandes
erros – mas ninguém me poderá roubar o mérito de ter feito esforços por empregar utilmente meu tempo. Em todo o caso a censura que lealmente me fôr feita, por certo há de ser muito mitigada pelo censor, se êle chegar a te consciência da minha boa
vontade em acertar1.
II-
INTRODUÇÃO
Vários estudos e congressos já vêm sendo realizados, no sentido de dar definições a estas relações no ambiente virtual. Nós, como conselheiros do Instituto
Brasileiro da Política e do Direito da Informática, presidido pelo amigo Demócrito
Reinaldo Filho e composto dentre outros pelos também amigos Renato Opice Blum,
Alexandre Jean Daoun, Sérgio Ricardo Marques Gonçalves, Ângela Brasil, Mauro
1 PINTO, J. M. F. de Souza. Primeiras linhas sôbre Processo Civil Brasileiro, Rio de Janeiro, 1850.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
271
Leonardo Cunha debatemos vários aspectos jurídicos desta revolução em vários Estados tendo trazido inclusive, especialistas da Alemanha e Estados Unidos como no
I Congresso Internacional de Direito da Informática realizado em Recife em novembro de 2000 e coordenado pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito de Informática - IBDI. Juristas de escol debateram a revisão de aspectos legais clássicos frente
às novas situações jurídicas decorrentes da informática nos diversos campos do direito brasileiro. Colocaram em pauta, na ocasião, a necessidade de serem repensados antigos dogmas jurídicos no intuito de adaptá-los a uma nova realidade. Como
muito bem lembrado, pelo especialista na área Opice Blum (nosso correspondente
em São Paulo)
As relações virtuais e seus efeitos são realidade. A tendência é a
substituição gradativa do meio físico pelo virtual ou eletrônico, o
que já ocorre e justifica adequação, adaptação e interpretação
das normas jurídicas nesse novo ambiente. Na grande maioria
dos casos é possível a aplicação das leis já existentes o que gera direitos e deveres que deverão ser exercidos e respeitados.
Nas diversas áreas do direito brasileiro, estudiosos desenvolvem novos modelos para a legislação frente à tecnologia e suas inevitáveis conseqüências no
mundo jurídico: novos tipos penais, novos tipos tributários (envolvendo discussões sobre alguns dos seus princípios fundamentais, como a territorialidade, o estabelecimento comercial e a competência, o non olet (cobrança dos rendimentos
oriundos de serviços ilícitos), a subsunção tributária – nullum vectigal sine praevia lege), disposições sobre o direito autoral, sobre a responsabilidade civil, sobre o direito comercial no que diz respeito a cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações cambiais frente às transações eletrônicas e magnéticas, tipificação de novas modalidades de justa causa e contratos de trabalho, etc. Por outro lado, e com prioridade, estudam os casos concretos para corretamente adequá-los ao sistema legal já existente porém incapazes de solucionar a grande
maioria dos conflitos decorrentes.
No entanto, muito trabalho e estudo deverá ser levado a efeito tanto pela legislação e quanto pela doutrina, posto que nem sempre será possível a aplicação
analógica das normas ora existentes às peculiaridades apresentadas por exemplo,
pelos contratos eletrônicos. Daí a necessidade urgente do estudo voltado para a
construção dos ramo da ciência que se preocupe exclusivamente com essa relações
que no caso intitulamos como Direito Informático. Para isso daremos o pontapé inicial montando aos poucos a matéria que será uma das mais importantes, a nosso ver,
da ciência do direito, dando assim sua conceituação, natureza jurídica, princípios e
alguns outros elementos imprescindíveis para o nascimento de qualquer ramo da
ciência jurídica.
272
faculdade de direito de bauru
III- O DIREITO INFORMÁTICO
Doutrinadores tradicionais negam de imediato a existência do Direito Informático como disciplina autonôma do Direito, devido tão somente ao estatismo e a
resistência ao desenvolvimento. Outros entendem que as novas situações que envolvem a informática devem ser compreendidas como um meio e não um fim, ou
seja, não são mais que reflexos de condutas reguladas, razão pela qual se enquadram
nas disciplinas jurídicas tradicionais, sem que requeira legislar sobre novas normas,
postura que nem sempre é tão simples e nem tão correta. Porém admitem que, independentemente da autonomia ou não do Direito da Informática, é indiscutível a
urgente necessidade de regular aqueles campos da atividade informática que carecem de Direito vigente aplicável. Afirmar o contrário seria sintoma de um medo retrógrado de mudanças, a renovação, a adequação do sistema jurídico as novas realidades sociais, que não devem ser outra coisa senão o objeto do direito.
Pretendemos nos aprofundar na questão não apenas para demonstrar a necessidade de uma regulamentação sobre a matéria mas também para demonstrar a
necessidade da construção das bases e fundamentos do Direito Informático, com
um argumento muito simples: os computadores como meio dotado de possibilidades ilimitadas, não existiam na Roma antiga, nem sequer na época em que foi forjado o Código de Napoleão ou que lá viveram os exegetas.
Desta maneira, temos que a ciência informática e por outro lado a ciência do
direito são disciplinas interrelacionadas mas que porém funcionam mais eficientemente e eficazmente, quando o direito em sua aplicação, é auxiliado pela informática, com o que se conforma a informática jurídica. Porém a informática deve estar estruturada por certas regras e critérios que assegurem o cumprimento e respeito as
pautas tecnológicas. Assim pois, nasce o Direito Informático desde o ponto de vista
da cibernética, que trata da relação Direito e Informática até o ponto de vista do
conjunto de normas, doutrina e jurisprudência, que venham estabelecer e regular
em sua complexidade as ações, processos, aplicações e relações da informática.
Com efeito, a informática não pode julgar-se pura em sua simples exterioridade, com a utilização de aparatos o elementos físicos eletrônicos, já que, em seu
modo de proceder se criam relações intersubjetivas das pessoas naturais ou jurídicas e de entes morais do Estado e, surgem, então um conjunto de regras técnicas
conexas com o Direito, que vem a constituir meios para a realização de seus fins, ética e legalmente permitidos; criando princípios e conceitos que institucionalizam a
ciência informática, com autonomia própria.
Esses princípios conformam as diretrizes próprias da instituição informática,
e vem a constituir as pautas da inter-relação nacional-universal, com normas mundiais supranacionais e cujo objeto será necessário reconhecer mediante tratados públicos que possibilitem o processo comunicacional em seus próprios fins com validez e eficácia universal.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
273
IV- CONCEITO DE DIREITO INFORMÁTICO
A informática jurídica é a ciência que estuda a utilização de aparatos e elementos físicos eletrônicos, como o computador, no Direito; isto é, a ajuda que este
uso presta ao desenvolvimento e aplicação do direito. Em outras palavras, é o instrumental necessário a utilização da informática no Direito.
A Informática jurídica constitui uma ciência que forma parte do âmbito informático, demonstrando desta maneira que a informática tem penetrado em uma infinidade de sistemas, instituições, etc... prova disto e que tem penetrado no campo
jurídico para servir de ajuda e fonte. Portanto, a informática jurídica pode ser considerada como fonte do direito, critério próprio que talvez encontre muitos tropeços
devido a falta de cultura informática que existe em nosso país.
O Direito Informático é mais complexo e não se dedica simplesmente ao estudo do uso dos aparatos informáticos como meio de auxílio ao direito delimitado
pela informática jurídica, pois constitui o conjunto de normas, aplicações, processos, relações jurídicas que surgem como conseqüência da aplicação e desenvolvimento da informática, isto é, a informática é geral deste ponto de vista e regulado
pelo direito.
Podemos então afirmar que o Direito Informático é o
conjunto de normas e instituições jurídicas que pretendem regular
aquele uso dos sistemas de computador – como meio e como fim –
que podem incidir nos bens jurídicos dos membros da sociedade;
as relações derivadas da criação, uso, modificação, alteração e
reprodução do software; o comércio eletrônico, e as relações humanas realizadas de maneira sui generis nas redes, em redes ou
via Internet
Ao penetrar no campo do Direito Informático, se obtém que também constitui uma ciência, que estuda a regulação normativa da informática e sua aplicação em
todos os campos. Porém, quando se diz direito informático, então analisa-se que
esta ciência forma parte do Direito como ramo jurídico autonômo; assim como o Direito é uma ciência geral integrada por ciências específicas que resultam de ramos
autonômos, tal como é o caso do Civil, Penal e Trabalhista.
V-
O DIREITO DA INFORMÁTICA COMO RAMO AUTONÔMO DA
CIÊNCIA DO DIREITO
A respeito, podemos fazer menção de encontros sobre Informática realizados
em Faculdades de Direito do México e de alguns países da América do Sul a partir
de 1986, onde sempre foram detectados problemas no momento de enquadrar o
274
faculdade de direito de bauru
Direito Informático como ramo jurídico autonômo do direito ou tão somente se o
Direito Informático deve diluir-se entre os distintos ramos do direito, assumindo assim cada um destes a parte que lhe coube-se.
O VI Congresso Iberoamericano de Direito e Informática celebrado em Montevidéo, Uruguay, em 1998, expôs as razões pelas quais o Direito Informático é uma
ciência autônoma do Direito. Desde aquele momento surgiram diferente critérios,
alguns afirmavam que o Direito Informático nunca compreenderia um ramo autonômo do Direito, porquanto dependia em sua essência de outros ramos do Direito,
outros argumentavam acerca do Direito Informático como um ramo potencial do direito, devido à sua insuficiência de conteúdo e desenvolvimento. Evidentemente
não podiam faltar aqueles que temiam emitir algum tipo de opinião a respeito e de
outro lado aqueles que consideraram o Direito Informático Informática como um
ramo autonômo do Direito, simplesmente porque consideraram que o direito Informático não é um ramo típico.
O problema da autonomia do Direito Informático tem ocupado de modo especial a atenção dos seus cultores, os quais, em sua maioria, não hesitam em proclamá-lo um direito autonômo, embora poucos aprofundem o estudo da questão, satisfazendo-se, muitas vezes, com simples argumentos de autoridade.
Geralmente, o nascimento de um ramo jurídico surge em conseqüência das
relações sociais refletidas em soluções normativas no transcurso dos anos. Porém
resultam que, no caso do Direito Informático não houve esse transcorrer do tempo
no que concerne as relações sociais. O que houve foram transformações bruscas
ocorridas em exíguo espaço temporal, como conseqüência do impacto da informática na sociedade, logrando-se sociedades altamente informatizadas, que sem a ajuda atual da informática entrariam em colapso.
Não obstante, apesar da situação existem países desenvolvidos como a Espanha, onde não deveria haver dúvidas acerca da verdadeira autonomia do Direito Informático, que fazem ressalvas de que esta ciência constitua um ramo jurídico atípico, afirmando que este direito apenas nasce e se desenvolve sem limites em seu
conteúdo e em seu tempo.
Para nós o Direito Informático é constituído de conhecimentos e estudos específicos que entrelaçam a relação Direito e Informática, e que não são tão desenvolvidas como outros ramos do Direito. Porém só poderemos aprimorar conhecimentos específicos do saber humano que caracterizam um ramo do Direito como
autonômo, a medida em que forem realizados estudos, conferências, debates acerca da matéria envolvendo juristas de todos os outros ramos dos direito.
Claramente se tem demonstrado a necessidade de legislação, doutrina, centros
de investigação, campo docente, campo científico, ou seja um tratamento específico
destes conhecimentos determinados e, desde esse primeiro momento em que expomos as razões da autonomia do Direito Informático, encontrem e visualize o conteúdo
autonômo do Direito Informático, ou seja, que este tenha firmes bases.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
275
Por exigências científicas, porquanto um conjunto de conhecimentos específicos entrelaçam a sua organização e ordenação, ou por razões práticas que levam a
separação do trabalho em vias de organização, se encontram uma série de normas
legais, doutrina, jurisprudência, que tem sido catalogadas e publicadas em diversos
setores ou ramos. Dita ordenação e organização do Direito em diversos ramos, tem
em sua formação a influência de caráter das relações sociais ou de conteúdo das
normas, então vão se formando e delimitando em setores ou ramos, como os do Direito Civil, Penal, Constitucional, etc..., sem poder estabelecer limites entre um ramo
jurídico e outro, porquanto, existe uma zona comum a todas elas, que integram a esses campos limítrofes. De maneira que, este agrupamento e ordenação em setores
ou ramos da origem a determinadas Ciências jurídicas que se encarregam de estudar a esse particular setor que lhes compete.
No caso do Brasil, são poucas as fontes encontradas para o estudo desta matéria, talvez sua aplicação se limite fundamentalmente a aparição de livros ou normativas (doutrinas), e comentários de Direito Informático. Porém talvez, seja mais
fácil para os estudiosos buscar esta normativa em outros ramos do direito, por
exemplo; a utilização do Código Civil para solucionar questões de pessoas (proteção de dados, direito a intimidade, responsabilidade civil, dentre outras).
Resulta, sem embargo, que esta situação não se acopla com a realidade informática do mundo, já que existem outras figuras como os contratos eletrônicos, comércio eletrônico, firmas digitais e documentos eletrônicos, que correspondem a
instituições próprias do Direito Informático por pertencerem a este ramo autonômo de direito.
VI- NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO INFORMÁTICO: DIREITO
PÚBLICO OU DIREITO PRIVADO?
Distingue-se no Direito dois ramos fundamentais: o público e o privado. A distinção foi conhecida pelos romanos, que consideravam direito público o que interessava a coletividade e direito privado o que dizia respeito a interesses particulares. Outra
distinção, mais recente, considera o direito público como o campo das relações de subordinasão e o direito privado como campo das relações de coordenação. O exclusivismo desses critérios foi temperado pela consideração de prevalência: no direito público consideram-se prevalentemente (não exclusivamente) os interesses públicos e no
direito privado consideram-se prevalentemente (não exclusivamente) os interesses privados; ou pelo critério da tipicidade: no direito público as relações típicas são de subordinação e no direito privado as relações típicas são de coordenação.
Devemos nos precaver, no entanto, contra o rigorismo das distinções. A separação entre direito público e privado não é essencial: o objetivo da distinção é didático, imposto pela praxis, tratando-se de critério regulativo e não de separação em
compartimentos aprioristicamente impermeáveis.
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faculdade de direito de bauru
O Direito Informático é um ramo do direito que consiste no estudo do conjunto de normas, aplicações, processos, relações jurídicas, doutrina, jurisprudência,
que surgem como conseqüência da aplicação e desenvolvimento da informática, encontrando pautas para a consecução de fins específicos, como os seguintes:
Desenvolvimento adequado da indústria Informática, buscando a
extensão e propagação da mesma.
E de outra perspectiva, já não focando a regulação dos instrumentos informáticos, senão a regulamentação de sua aplicação; em
outras palavras, se refere ao direito de manejamento lícito dos instrumentos informáticos.
Estes dois são os pontos de vista que em geral se identificam com o direito informático, uma vez que qualquer outra vertente que exista e poderá existir no futuro, é facilmente compreendida por estes.
Quando nos referimos a natureza jurídica do Direito Informático, deveremos
realizar uma exaustiva análise sobre a utilização do mesmo no campo do Direito Privado ou do Direito Público.
Ao tratar do ponto de Direito Público e do Direito Privado, encontraremos
uma grande complexidade em seu desenvolvimento. Apesar do estabelecimento de
certas pautas, que separam com pouca nitidez a ambos os ramos gerais do direito,
se apresentam certas diferenças entre os ordenamentos jurídicos mundiais. Tanto
assim que, por exemplo, o Direito penal na França é considerado de direito privado, por quando se ocupa da sanção dos delitos, apesar de que em muitos países é
compreendido como Direito Público, já que tem por objeto assegurar a ordem do
Estado.
É neste ponto onde toda a informação anterior deve mesclar-se para poder
determinar as respectivas conclusões.
Devemos partir do pressuposto do direito de que na sociedade que vivemos,
ou seja, na sociedade informatizada, o direito informático é indispensável para viver
em uma sociedade harmônica. Atualmente a introdução da informática tem sido altamente indispensável para a organização da sociedade atual, já que a população
mundial tem avançado extraordinariamente, colocando os aspectos tecnológicos
em uma categoria de poder. Este poder a que se faz menção, é aquele que permite
ao Estado, não só ter o controle de si mesmo e fazê-lo competitivo na comunidade
mundial, mas também e inclusive dar-lhe soberania para que possa se auto-afirmar
Estado ou nação.
Assim afirmamos que é indiscutível, estreita e tão importante relação que existe entre o Direito Informático e o Estado; produzindo conseqüências ao bem coletivo e geral decorrendo daí a existência de uma espécie de Direito Informático Público ou, em outras palavras, o Direito Informático de caráter público.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
277
Além disso o Direito Informático como é natural, apesar de sua autonomia,
com outros ramos do direito, não é igual tradicionalmente falando. Devido a sua amplitude este direito necessariamente penetra em todos os outros ramos, assim como
a informática tem penetrado em todos os âmbitos.
Da mesma forma poderemos fazer referência ao Direito Informático Privado,
ou seja, ao Direito Informático de caráter Privado, já que existem inúmeras situações
que são de caráter privado, como por exemplo, o contrato eletrônico, o contrato informático, o comércio eletrônico, o documento eletrônico, e assim um sem número de figuras jurídicas pertencentes ao âmbito particular ou privado, aonde se permite esse acordo de vontades, chave para determinar a existência do Direito Informático privado.
Podemos concluir então, que ao falar da natureza jurídica do Direito Informático, levando em conta que este constitui uma ramo atípico do Direito e que nasce
como conseqüência do desenvolvimento e impacto que a tecnologia tem na sociedade; assim como a tecnologia penetra em todos os setores, tanto no Direito Público como no privado, igualmente sucede com o Direito Informático, este penetra
tanto no setor público como no setor privado, para dar soluções a conflitos e planejamentos que se apresentem em qualquer deles.
Acreditamos então que o Direito Informático tem uma atribuição tertium genus além do direito privado e do direito público.
VII- RELAÇÃO DO DIREITO INFORMÁTICO COM OUTROS RAMOS DO
DIREITO
A relativa autonomia anteriormente assinalada não impede que o Direito informático, por vezes, se apresente no quadro geral do Direito em posição de subordinação;
em outras, em posição de coordenação com as demais disciplinas jurídicas. Vejamos:
a)
Com o Direito Constitucional
No que se refere ao Direito Constitucional a relação é manifesta, mesmo sem
nos fixarmos exclusivamente no direito positivo de cada país, inspirado, como necessariamente há de ser, nos princípios constitucionais vigentes.
O direito informático tem uma estreita relação com o Direito Constitucional
porquanto a forma e manejamento da estrutura e órgãos fundamentais do Estado,
é matéria constitucional. Deve ser ressaltado que dito manejamento e forma de controlar a estrutura e organização dos órgãos do Estado, se leva cabo por meio da informática, colocando o Direito Informático na berlinda, já que com o devido uso
que é dado a estes instrumentos informáticos, se levará a uma idônea, eficaz e eficiente organização e controle destes entes. De outro ponto de vista, a Constituição
Federal de 1988 tem dado chancela a liberdade informática, quando estabelece em
seu artigo 5º caput:
faculdade de direito de bauru
278
Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, a igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:
“XII- é inviolável o sigilo da correspondência........
A liberdade de comunicação via Internet é uma das expressões fundamentais
da liberdade de pensamento e, sua reserva constitui-se numa das mais antigas modalidades de proteção à privacidade.
O que fere a liberdade de omitir pensamento é, pois, entrar na comunicação
alheia, fazendo com que o que devia ficar entre sujeitos que se comunicam privativamente passe ilegitimamente ao domínio de terceiro. Portanto, qualquer norma ordinária, que disponha sobre faculdade, atribuída de forma genérica às pessoas jurídicas ou físicas, de violar o conteúdo das mensagens eletrônicas de terceiros será
considerada inconstitucional.
Assim ao se corresponder, por meio do correio eletrônico, o usuário do serviço compartilha, com o receptor, informações de cunho pessoal, as quais não podem
ser violadas, sob pena de se incorrer em mácula ao direito de privacidade. A Lei Máxima tutela expressamente a intimidade e a vida privada, de cada indivíduo.
Estes pontos serão tratados posteriormente em outros estudos, por hora,
só se deseja ressaltar a importância do Direito informático, quando se é dado a
categoria constitucional a liberdade informática, que constituem figuras e instituições jurídicas específicas do Direito informático, o qual sustenta algo mais a
teoria expressada nesta investigação acerca do direito informático como ramo autonômo do direito.
b)
Com o Direito Penal
Neste área podemos notar estreita relação entre o direito informático e o direito penal, porque o direito penal regula as sanções para determinadas ações que
constituam violação de normas de direito e neste caso do Direito Informático, em
matéria de delito cibernético ou informático, então se poderia começar a falar do Direito Penal Informático.
Igualmente com o direito penal guarda o Direito Informático estreitas relações tanto que, alguns autores alemães, afirmam a existência de um Direito Penal Informático. A verdade é que tão importantes são as relações entre os dois ramos da
ciência jurídica que, em razão da informática, novas figuras delituosas surgiram deixando desatualizado e inerte os tipos penais mencionados nos Códigos penais.
Em face das lacunas oriundas da modernidade, a reprimenda aos novos crimes virtuais que afloram em nosso meio deverá acatar o princípio da reserva legal,
conquanto verificada no artigo 1º do Código Penal Brasileiro e consagrado pelo ar-
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279
tigo 5º, XXXIX da Constituição Federal de 1988: “Não há crime sem lei anterior que
o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Enquanto isso, o Direito Penal, tutelador dos bens jurídicos mais relevantes,
quais sejam, vida e liberdade, deve ser regido pelas normas penais vigentes. A sociedade não pode submeter-se a falta de interpretação destas ou ficar a mercê do Direito Costumeiro e da analogia para definir a sua aplicação.
Nesta linha, emerge o Projeto de Lei nº 1589/99 da Ordem dos Advogados do
Brasil/SP, que apesar de enfatizar muito mais a proteção da intimidade do usuário
do que especificamente o combate ao crime, tem por escopo também disciplinar alguns dos ‘novos tipos penais’ oriundos da era digital.
Através dos mecanismos legais existentes e dos que estão por vir, deve brotar
a resistência às condutas criminosas, anulando, assim, o desdém com que parte da
sociedade prefere tratar as inovações ‘eletrônicas’ presentes cada vez mais em nosso meio.
c)
Com os Direito Humanos
Os direitos humanos indispensáveis para defender os direitos fundamentais
do homem, tais como a vida, a igualdade, o respeito moral, vida privada e intimidade que levam o homem a ser digno e por conseguinte a ter dignidade, como o que
permite catalogar as pessoas como íntegras, convivendo em ambiente de respeito,
de liberdade e fazendo possível sociedades verdadeiramente civilizadas.
Que relação pode ter o Direito informático com os Direitos humanos ? pois
bem, é tão grande essa ligação que seria motivo de inúmeros livros e monografias;
sem embargo, muito simples brevemente se pode mencionar a possibilidade de que
exista através do direito informático esta regulamentação jurídica que apoie o bom
funcionamento do órgãos jurisdicionais, só para dar um simples exemplo; é de imaginar, a eficácia e eficiência com que se manejam nossas leis que colaborariam em
um alto grau a celeridade processual, ponto indispensável para defender os direitos
humanos das pessoas que se encontram nos cárceres nacionais, declaradas estas a
nível internacional, como centros violadores de direitos humanos. Então, ao existir
celeridade, haverá possibilidade de evitar a superpopulação dos cárceres, fator que
tem influído na constante violação desses direitos; por produzir esta superpopulação, escassez de alimento para os reclusos, assim como a carência de meios sanitários e de higiene mínima necessários.
Também, se pode mencionar outras relações tratadas em matéria de direitos
humanos como a de privacidade e intimidade, que poderiam ser burladas através da
utilização ilícita dos meios informáticos.
d)
Com a Propriedade Intelectual
Nesse ponto é fundamental a tomada de medidas, especialmente no Brasil.
Onde há necessidade, com urgência, de um melhor controle desta matéria, para pe-
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nalizar os plágios, a pirataria bem como qualquer delito contra os direitos do autor
ou industriais produzidos contra e por meio de instrumentos informáticos.
Tal como ocorre com o direito autoral em geral, a tutela jurídica das bases de
dados deriva do acúmulo de disposições normativas, regionais e nacionais.
No plano internacional podemos verificar o Convênio de Berna para a Proteção das Obras literárias e artísiticas de 1971 – como é de esperar a partir da época
de sua promulgação – não se refere a base da dados. Não obstante a linguagem ampliou alguns de seus preceitos (concretamente os artigos 2.1 e 2.5) permitem estendê-las como coleções, suscetíveis de receber proteção equiparável a das obras literárias e artísticas em geral. Assim se expressou o Comitê de Expertos da OMPI durante sessão realizada em 1994.
Nesse mesmo ano a OMPI emitiu o denominado “Acordo sobre os ADPIC”
(Acordo sobre os Aspectos dos Direito de Propriedade Intelectual relacionados ao
comércio) cujo o número 10.2 – trasncrito literalmente- que passou atualmente artigo 5 do “Tratado da OMPI sobre direito do autor”, adotado pela Coferência Diplomática sobre certas questões de direito do autor e direitos conexos, realizada em
Genebra em 20 de dezembro de 1996 e que, neste sentido, constitue o preceito internacional de maior interesse na matéria. Estabelece dita norma:
Artigo 5.- Copilações dados (bases de dados). As copilações de datos e outros materiais, em qualquer forma, que por razões de seleção ou disposição de seus conteúdos constituem criações de caráter intelectual, estão protegidas como tais. Essa proteção não compreende os dados materiais em si mesmo e se estende sem prejuízos
a qualquer direito do autor que subsista a respeito dos dados ou
materiais contidos na copilação.
As bases de dados são idubitavelemente credoras de proteção jurídica outorgada as obras tecnológicas em geral, tutela que é distinta e independente do que a
que se confere as aplicações empregadas para criá-las e administrá-las.
e)
Com o Direito Civil
Iremos encontrar inúmeros pontos de convergência, no campo da doutrina,
principalmente, naquilo que diz respeito às obrigações. Revela notar que o Direito
Informático não só aproveita princípios de Direito Civil, mas também influi sobre o
próprio Direito Civil. Trata-se de uma disciplina nova que vai buscar noutra certos
princípios e, depois de aproveitá-los, os desenvolve e modifica. Essas modificações
não só estruturam o novo direito como, também, aperfeiçoam o direito-fonte, que
se amolda outras exigências.
O contrato, por exemplo, pode ser definido como a espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependente, para sua formação, do encon-
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tro da vontade das partes, que cria para ambas uma norma jurídica individual reguladora de interesses privados.
Esta definição é perfeitamente aplicável aos contratos eletrônicos, posto que
do seu conteúdo se depreende inexistir qualquer elemento incompatível com os
mesmos. A natureza bilateral do negócio jurídico é perfeitamente identificável nos
contratos eletrônicos, bem como a sua formação pressupõe o encontro da vontade
emanada das partes contratantes, tal qual nos contratos em geral. Assim sendo, são
eles perfeitamente aptos a produzirem os efeitos jurídicos inerentes aos contratos,
fazendo lei entre as partes.
Estão presentes também nos contratos eletrônicos os elementos estrutural,
que pressupõe a convergência de duas ou mais vontades; e funcional, pela composição dos interesses contraposto de ambas as partes, com o fim de constituir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.
Assim verificamos um pequeno exemplo da correlação entre esse dois ramos
da ciência jurídica.
f)
Com o Direito Comercial
A economia está mudando. As transações de bens materiais continuam importantes, mas as transações de bens intangíveis, em um meio desta mesma natureza,
são os elementos centrais de uma nova onda da dinamicidade comercial, a do comércio eletrônico. Uma nova legislação deverá abraçar um novo entendimento: de
que as mudanças fundamentais resultantes de um novo tipo de transação, requererão novas regras comerciais compatíveis com o comércio de bens via computadores
e similares. Nem a natureza do objeto, muito menos da transação, em computadores, são similares a compra e a venda de bens efetuados atualmente. As leis relacionadas à compra de imóveis, automóveis, torradeiras, etc., não são aplicáveis e apropriadas a contratos envolvendo a troca de banco de dados, sistemas de inteligência
artificial, software, multimídia, e comércio de informações pela Internet.
As transações eletrônicas, atualmente, são governadas por uma complexa e inconsistente mistura de diferentes aspectos, envolvendo jurisprudências, a aplicação
da analogia (quando cabível) e várias instruções normativas, muitas destas relacionadas a assuntos diversos do comércio eletrônico que determinam flagrantemente
a influência do Direito Comercial com o Direito Informático.
g)
Com o Direito Administrativo
Note-se a intervenção do Estado através de seus órgãos administrativos, nas
fiscalização e controle da execução das relações envolvendo procedimentos informáticos.
No Brasil podemos observar a criação de Certificados Eletrônicos da Secretaria da Receita Federal e do credenciamento de Autoridades Certificadoras para sua
emissão, através da Instrução Normativa SRF no. 156 de 22.12.1999.
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Esta instrução normativa institui Cartórios Cibernéticos para conferir validade
jurídica - através da emissão de Certificados Eletrônicos - às declarações anuais de
imposto de renda enviadas pela rede mundial de computadores – Internet.
Referida Instrução Normativa expedida pelo titular da Secretaria da Receita
Federal tem gerado uma série de debates acerca da verificação do atendimento aos
requisitos legais de validade da norma, bem como a apreciação das imbricações da
norma com outras disposições administrativas ou diplomas legais de superior hierarquia, haja vista que a matéria regulada pela instrução normativa, além de ter residência no Direito Administrativo, espraia-se pela seara do Direito Informático e do
Direito Notarial, dentre outras.
Assim a Informática Jurídica ainda dá seus primeiros passos no direito positivo
brasileiro, estabelecendo vínculo forte entre o Direito Informático e o Administrativo
h)
Com o Direito do Trabalho
O Direito do Trabalho, como todas as ciências, vem sofrendo, ao longo dos
anos deste século, uma inacreditável mutação, mercê das máquinas cibernéticas,
criadas em curto espaço de tempo, mas que ensejaram, sem sombra de dúvida, uma
revolução instantânea, que marcará este século, como o da civilização cibernética,
não no sentido de submissão a ela, mas de dominação sobre ela.
É nítida a correlação entre o direito informático e o direito do trabalho nos
seus mais variados aspectos que vão desde a automação das empresas até o poder
hierárquico exercido pelo empregador, horário de trabalho e nas relações entre os
próprios funcionários.
VII- PRINCÍPIOS NORTEADORES
Princípios são aquelas linhas diretrizes ou postulados que inspiram o sentido
das normas e configuram a regulamentação das relações virtuais, conforme critérios
distintos dos que podem ser encontrados em outros ramos do direito.
Segundo Américo Plá Rodrigues, princípios
são linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram
direta ou indiretamente uma série de soluções pelo que, podem
servir para promover e embasar a aprovação de novas normas,
orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não
previstos2.
2 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, tradução de Wagner Giglio, São Paulo: Ltr 5 tiragem
1997, página 16.
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Transpondo a noção de princípios gerais do direito, válidos em todo o direito, para os princípios do Direito Informático aplicáveis somente na área deste direito, podemos dizer que são as idéias fundamentais e informadoras da organização jurídica virtual. São eles os seguintes:
a) Princípio da existência concreta - revela a importância, não só das
manifestações tácitas durante a vigência do pacto, mas também o predomínio
das relações concretas travadas pelas partes sobre as formas, ou da própria realidade sobre a documentação escrita ou virtual. O que deve ser levado em consideração nas relações virtuais é aquilo que verdadeiramente ocorre e não aquilo que é estipulado em, por exemplo contratos virtuais. Significa referido princípio que em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que surge
de documentos e acordos se deve dar preferência ao que sucede nos terreno
dos fatos. O desajuste entre os fatos e a forma pode evidenciar a simulação de
uma situação jurídica distinta da realidade viciada por um erro na transmissão
de dados e informações.
b) Princípio da racionalidade – consiste na afirmação essencial de que o
ser humano procede e deve proceder nas suas relações virtuais conforme a razão.
Os revolucionários burgueses creditavam na força da razão. Por isso que a lei não
passava, para eles, de norma descoberta pela atividade racional, razão pela qual não
poderia ela atentar contra a justiça e a liberdade. Os revolucionários, neste caso, não
faziam mais do que conciliar as lições pronunciadas pelos arautos do racionalismo
iluminista: entre tantos, Montesquieu e Rousseau.
Suas características essenciais são sua flexibilidade, já que é um critério generalizado, de natureza puramente formal, sem um conteúdo concreto e de forma nitidamente subjetiva.
A pertinência de um princípio dessa natureza parece resultar mais naquelas áreas onde a índole das praxes normativas deixam amplo campo para a decisão individual. Mas essa amplitude da margem de atuação derivada da impossibilidade mesma das previsões que não podem confundir-se com a discricionariedade, nem com a liceidade de qualquer comportamento, por arbitrário que seja.
Trata-se como se vê, de uma espécie de limite ou freio formal e elástico ao
mesmo tempo, aplicável naquelas áreas do comportamento onde a norma não
pode prescrever limites muito rígidos, nem em um sentido, nem em outro, e sobretudo onde a norma não pode prever a infinidade de circunstâncias possíveis.
Em conclusão: na aplicação do Direito, não há uniformidade lógica do raciocínio matemático, e sim a flexibilidade do entendimento razoável do preceito. É supreendente observar que, já em 1908, nosso grande Clóvis Benviláqua,
tivera nítida percepção destas idéias, pois, ao expor as doutrinas hermenêuticas
de sua preferência, assim as sintetizava nesta fórmula precursora:
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Em conclusão, na interpretação da lei deve atender-se antes de
tudo ao que é razoável, depois às conseqüências sistemáticas e, finalmente ao desenvolvimento histórico da civilização3.
Recaséns Sinches, ao considerar os vários métodos modernos – método teleológico, método histórico-evolutivo ou progressivo,
método da “vontade da lei”, nos mostra que cada um deles encerra uma parte de verdade, mas que em sua síntese final, em cada
caso concreto, será dada pelo “logos do razoável”. Mal comparando, a operação interpretativa se assemelha à execução de uma
partitura musical. Vários são os instrumentos – no caso os métodos de interpretação – mas eles devem formar um conjunto harmônico, sob a batuta do maestro, no caso, o logos do razoável, o
qual, como veremos em breve, ‘informado pela idéia básica do
bem comum4.
c) Princípio da lealdade – Todo homem deve agir em boa-fé, deve ser verdadeiro: ex honestate unus homo alteri debet veritatis manifestationem, e é este
um princípio que foi incorporado pelo Direito
Muitas leis da nossa disciplina o recolheram como um dos princípios dirigentes nas relações entre as partes. Conseqüentemente a boa-fé e o respeito mútuo entre as partes para o fiel cumprimento das obrigações estabelecidas ou pactuadas.
A boa fé, entendida no significado objetivo do cumprimento honesto e escrupuloso da obrigações, se distingue da boa fé subjetiva ou psicológica abrangente o erro ou falsa crença, significa lealdade de conduta completamente leal nas relações virtuais.
Ao princípio da boa-fé empresta-se ainda outro significado. Para traduzir o interesse social de segurança das relações jurídicas, diz-se, como está expresso no Código Civil alemão, que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas.
Numa palavra, devem proceder com boa-fé. Indo mais adiante, aventa-se a idéia de
que entre o credor e o devedor é necessária a colaboração, um ajudando o outro na
execução do contrato. A tanto, evidentemente, não se pode chegar, dada a contraposição de interesses, mas é certo que a conduta, tanto de um como de outro, subordina-se a regras que visam a impedir dificulte uma parte a ação da outra.
Nos contratos, há sempre interesses opostos das partes contratantes, mas sua
harmonização constitui o objetivo mesmo da relação jurídica contratual. Assim há
uma imposição ética que domina toda matéria contratual, vedando o emprego da
3 SILVEIRA, Alípio. Hermenêutica Jurídica: Seus princípios fundamentais no Direito Brasileiro. Brasília-DF: Brasiliense, página 147
4 SINCHES, Recaséns Sinches. Tratado General de Filosofia del Derecho. México: Porrua, 1959.
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astúcia e da deslealdade e impondo a observância da boa-fé e lealdade, tanto na manifestação da vontade (criação do negócio jurídico) como, principalmente, na interpretação e execução do contrato.
As partes são obrigadas a dirigir a manifestação da vontade dentro dos interesses que as levaram a se aproximarem, de forma clara e autêntica, sem uso de subterfúgios ou intenções outras que
não as expressas no instrumento formalizado. A segurança das relações jurídicas depende, em grande parte, da lealdade e da confiança recíproca. Impende que haja entre os contratantes um mínimo necessário de credibilidade, sem o qual os negócios não encontrariam ambiente propício para se efetivarem. E esse pressuposto é gerado pela boa-fé ou sinceridade das vontades ao firmarem os direitos e obrigações. Sem ele, fica viciado o consentimento
das partes. Embora a contraposição de interesses, as condutas dos
estipulantes subordinam-se a regras comuns e básicas da honestidade, reconhecidas ó em face da boa-fé que impregna as mentes5.
O intérprete, portanto, em todo e qualquer contrato tem de se preocupar
mais com os espírito das convenções do que com sua letra. “L’ espirit prime la lettre; la volonté réelle domine le rite; le droit n’est plus dans les mots, mais dans les
réalités. Ceux-là ne peuvent, en aucun cas, permettre de défòrmer celles-ci”6.
É o que se prevê no art. 85 do Código Civil brasileiro, quando se ordena que
“nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal
da linguagem.
Além de prevalecer a intenção sobre a literalidade, compreende-se no princípio da boa-fé a necessidade de compreender ou interpretar o contrato segundo os
ditames da lealdade e confiança entre os contratantes, já que não se pode aceitar
que um contratante tenha firmado o pacto de má-fé, visando locupletar-se injustamente à custa do prejuízo do outro. O dever de lealdade recíproca (honestidade)
acha-se explicado no Código Civil alemão e prevalece doutrinariamente em todo o
direito de raízes romanas.
A boa-fé subjetiva diz respeito à ignorância de uma pessoa acerca de um fato
modificador, impeditivo ou violador de seu direito. É pois a falsa crença acerca de
uma situação pela qual o detentor do direito acredita em sua legitimidade, porque
desconhece a verdadeira situação.
Já a boa-fé objetiva, pode ser definida a grosso modo, como sendo uma regra de
conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e
5 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, Rio, Aide, 1988,Vol. I, nº 8.6, ps. 5-46.
6 PAGE, Henri de. Traité Élementaire de Droit Civil Belge, 2º ed., Bruxelas, E. Bruylant, 1948, t. II, nº 468, ps. 439-440).
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lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de virtuais. Não o equilíbrio econômico, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, dentro do complexo de
direitos e deveres das partes, em matéria de relações virtuais, como regra, há um desequilíbrio de forças. Entretanto, para chegar a uma equilíbrio real, somente com a análise
global do contrato do contrato, de uma cláusula em relação às demais, pois o que pode
ser abusivo u exagerado para um não o será para outro.
Assim quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel,
leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito a outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar
lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes no âmbito virtual.
d) Princípio intervenção estatal – a intervenção direta do Estado para garantir efetivamente as relações virtuais, não só visando assegurar o acesso a produtos e serviços essenciais como para garantir qualidade e adequação dos produtos e
serviços (segurança, durabilidade, desempenho)
Tal garantia está em consonância com os demais princípios legais e constitucionais antes retratados da garantia de dignidade da pessoa humana.
Deve ser estabelecida uma “política nacional das relações virtuais”, por conseguinte, o que se busca é a propalada “harmonia” que deve regê-las a todo o momento. Além dos “princípios” que devem reger referida política, terão relevância fundamental os “instrumentos” para sua execução, pois cabe ao Estado não apenas desenvolver atividades nesse sentido, mediante a instituição de órgãos públicos de regulamentação e fiscalização das relações virtuais, como também incentivando a criação
de associações civis que tenham por objeto a referida missão.
O Direito informático pretende realizar uma igualdade substancial (não apenas formal) entre os envolvidos nas relação virtual, opondo-se a essa desigualdade,
criando as condições de uma igualdade prática pela concessão as partes de uma aparato legal institucional propício e seguro a essa relações. Ë conhecida a frase de Savatier: “a igualdade jurídica não é mais do que um pobre painel por detrás do qual
cresceu a desigualdade social”.
e) Princípio da Subsidariedade – apesar de não concordarmos que a
utilização da legislação vigente para dirimir conflitos provenientes de relações
virtuais, a realidade da carência de normas e institutos que ainda devem demorar muitos anos para surgir em sua plenitude nos faz admitir que este princípio
atualmente é fundamental para o desenvolvimento do direito informático. Porém referidas normas, institutos e estudos da doutrina do direito em geral só poderão ser aplicados se: a) não esteja aqui regulado de outro modo (“casos omissos”, “subsidiariamente”); b) não ofendam os princípios do direito informático
(“incompatível”); a aplicação de institutos não previstos não deve ser motivo
para maior eternização das demandas e tem que adaptá-las às peculiaridades
próprias. O interprete necessita fazer uma primeira indagação: se, não havendo
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incompatibilidade, se permitirão a celeridade e a simplificação, que sempre são
almejadas na solução dos conflitos.
f) Princípio da efetividade- significa que o juiz é incompetente para proferir sentença que não tenha possibilidade de executar. É intuitivo que o exercício da
jurisdição de pende da efetivação do julgado, o que não exclui a possibilidade de ser
exercida a respeito de pessoas que estejam no estrangeiro e portanto fora do poder
do tribunal. O que se afirma é que, sem texto de lei, em regra o tribunal deve-se julgar incompetente quando as coisas, ou o sujeito passivo, estejam fora de seu alcance, isto é, do alcance da força de que dispõe. Este princípio é fundamental para dirimir as relações virtuais em virtude da mobilidade da transações, bem como as
questões de fixação de competência e atribuição para execução do julgado.
g) Princípio da submissão- significa que, em limitado número relações virtuais, uma pessoa pode voluntariamente submeter-se à jurisdição de tribunal a que
não estava sujeita, pois se começa por aceitá-la não pode pois pretender livrar-se
dela. Mas este princípio está sujeito a duas limitações: não prevalece onde se encontre estabelecida por lei a competência de justiça estrangeira, e não resiste ao princípio da efetividade, isto é, não funciona quando este deva funcionar. Por conseguinte, no silêncio da lei indígena, o tribunal deve declarar-se incompetente quando não
tenha razoável certeza de que poderá executar seu julgado.
O elenco desses princípios é inconcluso, melhor dizendo, aberto no mais amplo sentido. Limitou-se a expor aqueles princípios considerados fundamentais. Mas
eles não estão enquadrados em moldura fechada e congelada. Não se pode descartar a possibilidade de incorporar outros, como resultado do próprio dinamismo da
vida virtual ou como furto de observações, críticas e sugestões de quem aprofunde
seu estudo ou discorde de nossas afirmações ou desenvolvimentos.
IX- CONCLUSÃO
E, nesta ordem de idéias, é fundamental então concluir que em direito Informático existe legislação a nível mundial específica que protege o campo informático. Talvez não com a mesma trajetória e evolução utilizada pela legislação que compreende outros ramos do direito, porém podem ser vistos no Direito Informático
legislação baseada em leis, tratados e convênios internacionais, além dos distintos
projetos que se levam a cabo nos entes legislativos de nossas nações, com a finalidade de controle e aplicação lícita dos instrumentos informáticos.
Com respeito às instituições próprias que não se encontram em outras áreas
do direito (campo institucional), se encontram o contrato informático, o documento eletrônico, o comércio eletrônico, delitos informáticos, firmas digitais, entre outras, que levam a necessidade de um estudo particularizado da matéria (campo docente), buscando resultados através de investigações, doutrinas que tratem da matéria (campo científico). Além disso, podem ser conseguidas atualmente grandes
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quantidades de investigações, artigos, livros e inclusive jurisprudência estabelecendo fortes laços entre o Direito e a informática, criando-se com isso seus próprios
princípios e instituições, como se tem constatado em Congressos Ibero-americados
de Direito e Informática.
Advertimos aqueles que negam a autonomia e os princípios do Direito da Informática, no sentido de que analisem novamente os princípios que regem autonomia de um ramo do direito, pois verificarão a existência dos mesmos contundentemente no Direito Informático. Com respeito aqueles que consideram o Direito Informático como um ramo em potencial potencial, estes devem ter cuidado, pois referido critério de potencialidade pode perpetuar-se já que o Direito Informático
possui peculiaridades não observáveis em outros ramos do direito, principalmente
por não ter nenhum tipo de restrição em seu desenvolvimento, uma vez que está
sempre em evolução no tempo e para o futuro, e assim como não se pode divisar o
limite do desenvolvimento informático, tampouco o da autonomia do Direito Informático, uma vez que este sempre deverá dar solução aos conflitos que surjam em
conseqüência do desenvolvimento da tecnologia. Este ponto deve ser exaltado, porque uma das razões que sustenta a doutrina que estima o potencial a autonomia do
Direito da Informática, e que este não dá solução imediata a certas situações.
Por último deixaremos bem claro nossa posição de que o Direito Informático
constitui um ramo atípico do Direito, e que encontra sim limites visíveis, porém referido direito sempre tentará buscar proteção e solução jurídica a novas instituições
informáticas utilizando-se de seus próprios princípios informadores, desenvolvendo
com isso ainda mais suas bases a medida em que for solucionado de maneira autonôma as discussões jurídicas envolvendo relações virtuais.
X-
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
PAIVA, Mário Antônio Lobato de Paiva. A Mundialização do Direito Laboral. LEXJurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ano 23, julho de 2001, n 271. São Paulo-SP: Lex.S/A, páginas 05.
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________. A informatização da justa causa. Jornal Trabalhista Consulex, Ano
XVIII, n 849, Brasília 05 de fevereiro de 2001, página 08.
________. Aspectos Legais na Internet. “O Liberal”, página 02, caderno atualidades, 28 de setembro de 2000.
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________. O impacto da informática nas relações laborais. Repertório da jurisprudência da IOB. N 6, 2O. quinzena de março de 2001.
________. O Impacto da alta tecnologia e a informática nas relações de trabalho na América do Sul. Justiça do Trabalho: Revista de Jurisprudência Trabalhista,
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________. O Documento, a Firma e o Notário Eletrônico. Separata da Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados. Vol. 181-182 Abr/Jun 2001 pag 39
________. O impacto da informática no direito do trabalho. Direito Eletrônico:
A Internet e os Tribunais, editora edipro, 1º edição 2001, página 661.
parecer
OS CORTES DE CONTAS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL – PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO TRIBUNAL DE
CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – PARECER.
Ives Gandra da Silva Martins
Professor Emérito da Universidade Mackenzie,
em cuja Faculdade de Direito foi Titular de Direito Econômico e de
Direito Constitucional e Presidente do Centro de Extensão Universitária.
CONSULTA
Formula-me, a ABRACCOM – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONSELHOS E TRIBUNAIS DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS, através de seu Presidente, Dr. Wander Arantes, a seguinte consulta:
Recentes notícias veiculadas na imprensa nacional dão-nos conta de projetos
de lei, elaborados ou intentados pela Câmara Municipal de São Paulo, com o objetivo de extinguir o Tribunal de Contas do Município de São Paulo, propondo e executando, como etapas preparatórias desse objetivo final, a redução da remuneração de seus servidores e a reorganização do Tribunal, com a eliminação de órgãos
e a criação de outros, a extinção e a transformação de seus cargos e a alteração da
respectiva remuneração. Tendo em vista a ofensa que essa iniciativa representa contra a autonomia de todos os Tribunais de Contas do país, pergunta-se:
1) Qual a posição dos Tribunais de Contas e em especial a do Tribunal de
Contas do Município de São Paulo no quadro constitucional brasileiro?
Existe reação de subordinação entre o TCMSP e o Legislativo Municipal?
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2) É possível a extinção do TCMSP perpetrada pelos próprios poderes municipais, por meio de emenda à Lei Orgânica do Município de São Paulo?
3) Compete ao Legislativo Municipal iniciar projeto de lei relativo à redução da remuneração dos servidores do TCMSP?
4) Lei de iniciativa do Legislativo pode dispor sobre a organização administrativa do TCMSP, sua estruturação interna, a definição do seu quadro de pessoal, a criação e extinção de seus órgãos e respectivas competências, e a criação, transformação e extinção de seus cargos, bem
como, a alteração da remuneração dos seus servidores?
RESPOSTA
Antes de passar a responder as questões formuladas pelo eminente Presidente
da ABRACCOM, pretendo tecer considerações sobre a Constituição Brasileira, no que
concerne à competência dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, que os mantinham na data de sua promulgação1. No livro que escrevi a pedido de
um grupo de constituintes, intitulado “Roteiro para uma Constituição”, defendi a tese
de que o Tribunal de Contas deveria ser uma vertente do Poder Judiciário, a que denominei de Poder Responsabilizador, podendo executar suas próprias decisões, assim
como gozar da independência e da autonomia própria do Poder Judiciário. Defendi a
existência de 3 vertentes para o Poder Judiciário, ou seja, uma Corte Constitucional,
uma Corte de Administração da Justiça e uma Corte Responsabilizadora da Administração Pública, que seria conformada pelos Tribunais de Contas2.
1 Celso Bastos comenta: “Fica assim claro que, por força da mudança do modelo do Tribunal de Contas da União,
que como vimos serve de paradigma, quando for o caso, aos Tribunais estaduais e municipais, a atual Constituição
deu uma dimensão sem dúvida mais lata que o direito anterior às Cortes de Contas. Ganha as feições agora de um
autêntico órgão de inquirição permanente, a ser cumprida quer a priori, quer concomitantemente, quer a posteriori, englobando na sua função o controle de todos os atos de expressão financeira, encarados tanto nos seus aspectos jurídicos quanto nos extra-jurídicos.
A própria eficiência e economicidade dos atos de gestão financeira e patrimonial não se excluem da alçada dos Tribunais de Contas municipais. É uma grande abertura que fez a Constituição de 1988” (Comentários à Constituição
do Brasil, 3º vol., Tomo II, Ed. Saraiva, 1993, p. 285).
2 “Por esta razão, propugnamos que o Poder Judiciário seja constituído a partir de tríplice função judicante.
Manter-se-ia a atual, qual seja, a da administração da justiça, em duplo grau de jurisdição. A justiça só poderia ser
realizada em duplo grau. Os recursos ao Supremo Tribunal Federal apenas seriam admitidos para a uniformização
do Direito, sem preocupação de distribuição de justiça.
Paralelamente, haveria um ramo do Poder Judiciário dedicado aos temas Constitucionais, vale dizer, qualquer cidadão ou instituição poderia provocar o Poder Judiciário, por suas cortes constitucionais, para impugnar atos atentatórios à ordem jurídica e praticados pelos poderes e autoridades constituídas.
Tais cortes poderiam estar divididas em cortes de derivação para exame de violações por parte de poderes estaduais e municipais ou cortes federais, dedicadas ao exame das violações por parte das autoridades federais.
A escolha de seus membros seria sempre por indicação, em lista tríplice, do Poder Judiciário, com escolha de um
nome da relação pelo Poder Executivo e aprovação pelo Senado do nome escolhido —processo indicado hoje, aliás,
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A tese não foi bem recebida na Constituinte, embora esteja eu convencido de
que seria melhor para o Brasil, se tivesse sido hospedada.
O texto atual oferta, todavia, aos Tribunais de Contas, mais poderes do que
aqueles que possuíam no passado, fato que acentuei nos Comentários à Constituição do Brasil, elaborados com Celso Bastos3 (volume 4, tomo II, p. 1 a 184, 2a. ed.,
2001) . Por outro lado, respeitados os parâmetros do Tribunal de Contas da União,
foi determinado, no artigo 31, § 1º, da Lei Maior, que:
O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver,
tendo o § 4º determinado que:
É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas
Municipais4.
para a composição dos tribunais superiores regionais, embora sem aprovação legislativa—, quando não por juízes
de carreira promovíveis por antiguidade ou merecimento. Nos Estados caberia à Assembléia Legislativa a aceitação
do nome.
As cortes constitucionais, portanto, permitiriam que celeremente pudesse o Poder Judiciário reagir às violações da
ordem jurídica praticadas pelo governo, estancando processo nocivo à nacionalidade e não permitindo que as infringências oficiais retirassem a autoridade da lei, fundamento do Estado de Direito.
Embora ainda de pouca tradição, a Itália e a Alemanha já adotaram o salutar esquema judicante.
Tais cortes apenas cuidariam de representações argüindo inconstitucionalidades, afastando o Procurador-Geral da
República de tais funções que, de rigor, na atualidade não exerce.
Por outro lado, o Procurador-Geral da República seria, uma vez escolhido, não demissível até o fim do governo, salvo por falta grave.
Por fim, transformar-se-iam os Tribunais de Contas de órgãos de assessoria do Poder Legislativo para órgãos do Poder Judiciário, com o direito de executar as suas decisões. Tornar-se-iam, portanto, os Tribunais de Contas verdadeiro poder responsabilizador dos atos do Poder Executivo e Legislativo.
Esta terceira vertente do Poder Judiciário reduziria sensivelmente a absoluta irresponsabilidade que o atual sistema
propicia, obrigando as autoridades a profunda reflexão na prática de todos os seus atos” (Roteiro para uma Constituição, vol.I., Ed. Forense/AIDE, 1987, p. 51 a 54).
3 Escrevi: “há de se reconhecer que suas estruturas, responsabilidade e importância cresceram no atual texto constitucional, o que permite supor que, numa eventual revisão da Carta Magna, venha a ganhar densidade e independência, que não tem. Evitar-se-ia, assim, a rejeição política de seus pareceres, pelos detentores do Congresso, privilegiando as pressões políticas sobre os laudos técnicos, quando não, ocultando aspectos de fiscalização que possam atingir os amigos dos controladores do Poder Legislativo. Em outras palavras, quando o Tribunal de Contas for
um Tribunal e não um órgão consultivo, sua função de fiscalização será maior” (Comentários à Constituição do Brasil, 4º vol., tomo II, 2000, p.17/18).
4 Manoel Gonçalves Ferreira Filho comenta o dispositivo dizendo que: “Tribunais de Contas Municipais: A hostilidade para com a instituição de tribunais de contas municipais não vem de hoje. A Emenda n. 1/69 já a demonstrava quando, no art. 191, extinguiu todos os tribunais de contas então existentes, salvo o do Município de São Pau-
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A inteligência que oferto sobre a matéria neste parecer, é coerente com o que
escrevi até o presente e com a prevalência dos princípios insertos na Constituição
Federal sobre a estadual e esta sobre a lei orgânica dos Municípios.
Rezam os artigos 25 e 29 da lei máxima que:
Art. 25 Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e
leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”
(grifos meus);
Art. 29 O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de 10 dias, e aprovada por 2/3 dos
membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os
princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: ...” (grifos meus).
Nos dois dispositivos, há a expressão
observados os princípios desta Constituição,
acrescida, no artigo 29, da expressão
na Constituição do respectivo Estado5.
lo. Ela, todavia, permitiu a criação de outros, desde que o Município tivesse população superior a dois milhões de
habitantes e renda tributária acima de quinhentos milhões de cruzeiros (art. 16, § 3º). Nenhum, porém, foi instituído enquanto ela vigorou. O texto em exame não abre exceções, o que certamente é um erro. As contas
dos administradores dos Municípios de grande arrecadação seriam mais atentamente examinadas por
tribunal próprio e não sobrecarregariam o órgão estadual incumbido da fiscalização das contas de todos os Municípios, como agora sucede. Quanto às despesas que a instituição de tais tribunais provocaria, os Municípios mais ricos poderiam arcar com elas. Ademais, por que o Estado deve arcar com
essa despesa quando o Município tem rendas próprias?” (grifos meus) (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 1, Ed. Saraiva, 1990, p. 222/223).
5 Escrevi sobre o artigo 29 que: “Muito embora os doutrinadores vinculados ao pensamento formalista de Kelsen
insistam em declarar que não há níveis na federação, mas esferas próprias de atuação, —no que, em parte, tem razão, visto que há esferas de atuação peculiares a cada uma das unidades federativas—, o certo é que as estruturas
do poder ofertam sempre maior importância à União do que aos Estados e a estes em relação aos Municípios.
Lembre-se que os Municípios não têm assento na Casa da Federação, que é o Senado, apenas lá estando representados os Estados. Por outro lado, o Congresso Nacional é o órgão legislativo da União, que o empresta para a Federação produzir as leis complementares de âmbito nacional, as emendas constitucionais e a revisão de todo o texto,
como determina o artigo 3º das Disposições Transitórias.
As Constituições Estaduais subordinam-se, ademais, aos princípios maiores da Constituição Federal, não podendo conflitar com eles, como as leis orgânicas do Município estão subordinadas às duas leis maiores da União e dos Estados.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
297
Em outras palavras, a Constituição Estadual e a lei orgânica dos Municípios
têm pouco espaço de atuação, em face de não poderem contrariar qualquer princípio ou disposição da Carta Magna, o que vale dizer: apenas quanto ao que não há
disposição expressa no texto maior, existe área de elaboração por parte do legislador maior das demais entidades da Federação.
Desta forma, no que concerne aos Tribunais de Contas, deve prevalecer o que
disposto está no artigo 70 a 75 da Constituição Federal e no artigo 31 e parágrafos.
Não há possibilidade de inovação, nesta matéria.
Ora, o § 1º do artigo 31 faz clara menção a que o controle externo da Câmara
Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Municípios, onde
houver –neste caso, o Tribunal é do Município — ou Tribunais de Contas ou Conselhos de Contas dos Estados com função de fiscalização das contas de outras entidades federativas6.
As entidades federativas, que, à época da promulgação e Constituição Federal,
possuíam Tribunais de Contas, com eles permanecerão, não podendo os demais
Municípios criar Colegiados semelhantes, devendo ficar subordinados à Corte de
Contas dos Estados. Vale dizer, aos Municípios, que já tinham Tribunais de Contas
restou assegurado que o exame de suas contas continuará sendo feito por Corte do
próprio ente, não se submetendo a que tal exame seja realizado por Tribunais de outras entidades federativas. Os demais, ficaram vinculados à estrutura existente e não
poderão criar seus próprios Tribunais - no que vejo um erro, pois na medida em que
um Município cresça e tenha condições de suportar uma Corte de Contas, não há
porque lhe ser vedado instituir seu próprio controle externo, para que não tenha
que sujeitar-se a outra entidade federativa.
Por esta razão, após a promulgação da Constituição Federal, tiveram os Municípios que esperar a publicação das
Constituições Estaduais para, então, começarem a trabalhar em seu documento legislativo maior.
A evolução do novo texto reside no fato de outorgar a cada município o direito de redigir a sua lei orgânica, uma
espécie de “mini-Constituição Municipal”, poder esse que não possuíam, no passado, visto que esta era produzida
pelos Estados, subordinando todos os Municípios que se encontrassem em seus limites territoriais, visto que os Estados eram os membros da Federação e não os Municípios.
De rigor, o campo de atuação do legislador municipal é restrito, razão pela qual houve por bem o constituinte em
denominar seu documento de lei orgânica e não de Constituição, posto que os principais princípios já estão na
Constituição Federal (gerais) ou nas Constituições Estaduais (especiais), lembrando-se, como comentarei a seguir,
que a própria matéria de que pode cuidar a lei orgânica vem elencada nos doze incisos do artigo 28, em clara demonstração da camisa de força imposta ao ente menor da Federação brasileira, que é o Município” (Comentários à
Constituição do Brasil, 3º vol., tomo II, ob. cit.p. 145/146).
6 Pinto Ferreira elogia o dispositivo ao dizer: “O controle externo da fiscalização financeira e orçamentária dos municípios será feito pela Câmara Municipal e, além disso, com o auxílio do Tribunal de Contas dos Estados, ou ainda
dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.
O auxílio é obrigatório e não somente facultativo. Trata-se de medida evidentemente saneadora” (grifos meus) (Comentários à Constituição Brasileira, 2º vol., Ed. Saraiva, 1990, p. 282).
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À evidência, a medida se justificou, à época, pois, se a Constituição Federal retirasse daqueles Municípios o status conformado sob a égide do direito anterior, nitidamente as forças e a autonomia daquelas entidades federativas ficariam reduzidas, lembrando-se que apenas dois Municípios – São Paulo e Rio — com população
maior do que de muitos países tradicionais, tinham o privilégio de verem suas contas examinadas por seus próprios Tribunais 7.
É de se lembrar que São Paulo possui população superior à de Portugal (10
milhões), da Bulgária (8 milhões), da Áustria (9 milhões) e de todos os países da
América Central, excluindo-se o México. Não teria sentido que uma cidade de dimensões nacionais tivesse suas contas –é o 8º orçamento do país— fiscalizadas por
Corte de Contas de outra entidade federativa.
Por esta razão, o § 1º do referido dispositivo manteve a estrutura considerada
válida do direito anterior, conservando, para controlar as contas municipais:
1) os Tribunais de Contas dos Estados;
2) os Conselhos de Contas Municipais dos Estados, onde houver;
3) os Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.
Em face desta linha de raciocínio, nitidamente, a Constituição, repito, garantiu as estruturas do controle externo já existentes, hospedando-as e constitucionalizando-as, a partir daí apenas sendo possível alterar o quadro, por alteração do texto
constitucional.
O argumento de que, pela ADIN 867-6-MA, os Estados poderiam extinguir Tribunais de Contas dos Municípios, como demonstrarei mais adiante, não é definitivo, pois prolatada sobre Conselhos de Contas de Municípios, cujas estruturas pertencem aos Estados. E, em interpretação mais abrangente, o § único do artigo 75 da
Constituição Federal ofertaria a possibilidade de regulação estadual sobre a matéria,
7 José Cretella Jr. lembra que: “Os municípios, como São Paulo, primeiro, Rio de Janeiro, depois, que possuem Tribunais de Contas Municipais, cogitados, antes, pela Constituição de 1967, art. 179, que alude
a Ministros de Tribunais de Contas Municipais, reafirmados pela E.C. n. 1, de 1969, art. 16 (“A fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios será exercida mediante controle externo da Câmara Municipal e controle interno do Executivo Municipal, instituídos por lei”) e art. 16, § 1º (“O controle externo da Câmara Municipal
será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado ou órgão estadual a que for atribuída essa incumbência”), art. 16, § 2º (“Somente por decisão de 2/3 dos membros da Câmara Municipal deixará de prevalecer o parecer prévio, emitido pelo Tribunal de Contas ou órgão estadual, mencionado no § 1º, sobre as contas que o Prefeito deve prestar, anualmente”). Por fim, a partir de 1969, somente poderiam instituir Tribunais de Contas os Municípios com população superior a dois milhões de habitantes e renda tributária acima de quinhentos milhões de cruzeiros novos (art. 16, § 4º). A partir de 5 de outubro de 1998, “é vedada a criação de tribunais de contas municipais”
(grifos meus) (IV Comentários à Constituição de 1988, Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1991, p. 2048).
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na inteligência do Pretório Excelso. Quanto ao Tribunal de Contas do Município de
São Paulo, embora criado por lei municipal (n. 7213 de 20/11/1968) no direito anterior, tendo a E.C. n. 1/69 albergado-o, suas estruturas administrativas são mantidas
pelo Município. Creio que a matéria ainda não foi examinada devidamente pelo STF,
visto que a expressão “Tribunais de Contas dos Municípios” entrou, tangencialmente, não sendo objeto específico da referida ADIN. Por esta razão a posição que sustento neste parecer merece ainda reflexão por parte da Suprema Corte, porque ainda por ela não examinada 8.
Em relação, portanto, a São Paulo, a permanência do Tribunal de Contas do
Município foi assegurada, não podendo ser extinto senão por norma de igual hierarquia, na minha pessoal opinião, que repito, não foi, ainda, sopesada pela Suprema
Corte.
Discute-se se a lei orgânica municipal poderia extingui-lo, em face de ser órgão de controle externo da Municipalidade. É um órgão de controle externo da Municipalidade, como a Câmara Municipal é um órgão de representação popular. Ambos estão enunciados no texto constitucional e não podem ser tocados senão por
emenda constitucional. Em relação à Câmara Municipal, sequer por emenda constitucional a sua existência pode ser suprimida, pois fundamental à separação dos poderes, cláusula pétrea da Constituição. Entendo, todavia, numa exegese mais elástica, que se poderia considerar o controle externo igualmente fundamental à separação dos poderes, sendo, pois, também cláusula pétrea9.
8 Leia-se da referida ADIN: “A interpretação sistemática dos § 1º e 4º do art. 31 da Carta da República é conducente a concluir-se que os Estados-membros têm o poder de criar e extinguir Conselhos ou Tribunais de Contas dos
Municípios. A expressão “onde houver” inserta no primeiro parágrafo alberga a existência presente e futura de tais
órgãos, sendo que o óbice à criação ficou restrito à atividade municipal – precedente: ação direta de inconstitucionalidade n. 154, relatada pelo Min. Octávio Gallotti, com acórdão publ. no Diário da Justiça de 11/out/1991” (ADIN
867-6-MA, STF, pleno, DJ 2/3/95, p. 4021, in Rep. IOB n. 1/8598, 2a. quinz./abril/95). Não se aplica, contudo, o dispositivo para a específica hipótese do art. 235, III, da CF/88, no primeiro decênio da criação de Estado (ADIN 445DF, STF/Pleno, RTJ 152/398)” (Antonio Joaquim Ferreira Custódio, Constituição Federal interpretada pelo STF, 6a.
ed., Ed. Juarez de Oliveira, 2001, p. 65).
9 Escrevi, ao comentar o artigo 60, § 4º, inciso III, o seguinte: “A separação dos poderes é a terceira norma pétrea
da Constituição Federal. Por separação de poderes, há de se entender aquela plasmada na atual Constituição, isto
é, uma separação em que certa interferência de um poder no outro existe.
Na parte orçamentária, por exemplo, os três poderes apresentam sua proposta, dois deles discutem-na e só um a
aprova, ou seja, apenas o Poder Legislativo.
Por outro lado, pode o Poder Legislativo sustar atos do Executivo, mas, à evidência, não do poder Judiciário, que
possui a capacidade de julgar os demais, nada obstante a redação do artigo 49, inciso XI, da Constituição Federal fazer menção aos três poderes.
O Executivo, de seu lado, pode legislar por leis delegadas e medidas provisórias, sobre ter o direito de veto aos projetos de lei do Legislativo.
Há, portanto, independência e convergência de atividades, nos estritos limites da Constituição. A harmonia, decorre dessa convergência de funções comuns ou alternativas, nada obstante alguns críticos entenderem que se o po-
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Tenho para mim, quanto ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo,
que, nitidamente, sua existência – agora assegurada constitucionalmente— é matéria que poderia ser colocada em nível de cláusula pétrea, se se examinar o sentido
último do princípio federativo hospedado pela lei maior.
Certamente, o Município de São Paulo – verdadeiro país dentro da Federação
Brasileira — ficaria enfraquecido, se seu orçamento – repito, o 8º da República — ficasse subordinado ao Tribunal do Estado, no momento, inclusive, governado por
agremiação política distinta daquela que dirige o burgo paulistano.
Tendo os Municípios de São Paulo e Rio população superior à grande maioria
dos Estados Brasileiros, aos quais resta assegurado a ter o próprio Tribunal de Contas, à evidência, por sua relevância, é que o direito pretérito – não municipal —
criou-os no direito anterior e a Constituição de 88 recepcionou-os, em 5 de outubro
daquele ano, guindando sua existência a princípio constitucional.
Não há como se pretender agora –risco de enfraquecimento notório das forças, autonomia e independência de São Paulo – impor o controle externo à Administração Municipal, por Tribunal de Contas de outra unidade federativa, assemelhando-o, com seus 10 milhões de habitantes, ao menor município do Estado, que
tem apenas 740 habitantes, segundo informa reportagem recente, publicada na Folha de São Paulo.
Parece-me que, se o constituinte garantiu a manutenção dos Tribunais de
Contas do Município, onde os houvesse – e apenas dois Municípios de dimensões
nacionais o mantinham—, por decorrência, não mais permitiu que sejam extintos,
nem mesmo por emenda constitucional, visto que o princípio federativo da “ampla”
autonomia dos dois grandes Municípios –os maiores do Brasil — ficaria, senão abolido, seriamente atingido, o que representaria redução sensível de sua independência e, por decorrência, da própria capacidade de auto-controle de despesas e de
auto-gestão, inerente às grandes unidades federativas 10.
der é independente, não pode ser harmônico e se é harmônico não pode ser independente. A harmonia implica redução da independência, quando não conforma dependência.
Entendo que a cláusula pétrea do inciso III diz respeito à independência consagrada na Constituição, ou seja, a uma
separação de poderes que, como plasmada na lei maior, não pode ser substituída” (Comentários à Constituição do
Brasil, 4º vol., tomo I, Ed. Saraiva, 1999, 2a. ed. atualizada, p. 408/410).
10 Escrevi sobre o § 4º do artigo 60: “O segundo aspecto diz respeito à expressão “tendente a abolir”. Muitos vêem,
na referida expressão, apenas um limite máximo (abolição) e não um limite médio (manutenção das cláusulas pétreas
ou alteração). Para estes, uma alteração conceitual de cláusula pétrea sem abolí-la, não estaria vedada pela Constituição. Acrescentam, tais intérpretes, a inteligência de que o nível de generalidade a que se referem os quatro incisos do
§ 4º se interpretados de forma inelástica tornaria toda a Constituição imodificável, o que seria um contra-senso.
Tenho para mim que a melhor interpretação é aquela pela qual qualquer “alteração” implica abolição do “dispositivo”
alterado, o que vale dizer, não só cuidou o legislador supremo em “abolição completa” de qualquer das cláusulas, mas
também da abolição parcial por alterações tópicas dos referidos privilégios.
Desta forma, qualquer alteração implicaria uma abolição parcial” (Comentários à Constituição do Brasil, 4º volume,
Tomo I, Ed. Saraiva, p. 395).
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Atribuo à expressão “abolir” do artigo 60, § 4º, conteúdo ôntico elástico, pois,
do contrário, poder-se-ia reduzir a autonomia dos estados federativos a expressão
quase nenhuma, por emenda constitucional, sem que se pudesse alegar ferimento
de cláusula pétrea para manutenção de uma Federação desfigurada11.
Por esta razão, é meu entendimento que a lei municipal que criou o Tribunal
de Contas do Município de São Paulo e que foi constitucionalizada pelo § 1º do artigo 31, tornou-se cláusula pétrea, por assegurar controle externo autônomo e independente a um Município de dimensões nacionais, não podendo ser extinto
para subordiná-lo ao controle externo de outra unidade federativa, principalmente, se isso for feito por lei de outra unidade federativa. Uma interpretação mais
aprofundada da ADIN n. 867-6-MA tenderá a excluir, da inteligência pretoriana máxima, os Tribunais de Contas dos Municípios que já os mantinham antes da Constituição, questão que não foi, de rigor, objeto de mérito daquela ação de controle
concentrado.
São Paulo pela sua dimensão, importância e grandeza, constitucionalmente
deve manter seu próprio controle externo, nem mesmo emenda constitucional podendo alterar o disposto no § 1º do artigo 31 da Carta Magna.
À luz do exposto, passo, agora rapidamente, a responder às questões.
Entendo, quanto à primeira questão, que o Tribunal de Contas do Município
está subordinado à Câmara dos Vereadores, nos exatos termos em que o Tribunal de
Contas da União subordinado está ao Congresso Nacional, ou seja, apenas no que
diz respeito à aprovação de seus pareceres.
Todas as disposições pertinentes ao Tribunal de Contas da União, na sua forma de controle, são também pertinentes ao Tribunal de Contas do Município, na
medida em que o artigo 29 da C.F. exige que a lei orgânica do Município subordi11 Se não criar uma “blindagem constitucional”, a crítica de Lowenstein parece procedente ao dizer: “En una palabra: ante las disposiciones de intangibilidad de la ley Fundamental de Bonn hay que decir, desgraciadamente: seguro que son productos de la buena fé, pero “quien mucho abarca, poco aprieta”.
En general, sería de señalar que las disposiciones de intangibilidad incorporadas a una constitución pueden suponer en tiempos normales una luz roja útil frente a mayorías parlamentarias deseosas de enmiendas constitucionales —y según la experiencia tampoco existe para esto una garantía completa—, pero con ello en absoluto se puede
decir que dichos preceptos se hallen inmunizados contra toda revisión. En un desarrollo normal de la dinámica política puede ser que hasta cierto punto se mantengan firmes, pero en épocas de crisis son tan sólo pedazos de paoel
barridos por el vento de la realidad política. Cuando en Iberoamérica un presidente se quiere hacer dictador, anula simplesmente, por un golpe de Estado, la constitución que le prohíbe la reelección y se precribe una nueva que
le transmite “legalmente” el poder ilimitado. en el caso de que los griegos llegassen a estar cansados de su monarquía, tal como ha ocurrido frecuentemente en el último medio siglo, la cláusula de no revisión de la forma monárquico de Estado no supondría ningún obstáculo. Y, por otra parte, el argumento empleado para justificar las disposiciones protectoras del artículo 79 de la Ley Fundamental de Bonn, según la cual de esta manera se ha hecho imposible la toma del poder “legalmente” a lo Hither, es muy desacertado, ya de los nacionalsocialistas no “enmendaron” la Constitución de Weimar, sino que la quebrantaron y después la suprimieron” (Teoría de la Constitución, Editorial Ariel, Barcelona, 1986, p. 192).
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ne-se, não conflite, siga as diretrizes da Constituição Federal, o que vale dizer, no
que concerne aos Tribunais de Contas, às disposições maiores, expressas em seus
arts. 70 a 75.
É de se lembrar que o “caput” do artigo 75 claramente dispõe:
As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber,
à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e
Conselhos de Contas dos Municípios (grifos meus).
e o § único cuida exclusivamente da competência dos Estados para suas
Cortes de Contas12.
Tendo sido ampliado o espectro de atuação do TCU, assim como tendo
sido outorgada autonomia também mais ampla para a Corte Federal, tais princípios hão de prevalecer para os Municípios que já possuíam Tribunais de Contas,
sendo que o Município de São Paulo deve seguir rigorosamente os ditames federais, para tal espécie de controle.
A partir de tais pressupostos, é de se entender, a subordinação a que se refere a Constituição, ao Legislativo, ou seja, de ter seu parecer examinado pelo Legislativo Municipal e aceito ou não. É a única subordinação admissível, de resto,
porque é esta a única subordinação admitida para o Tribunal de Contas da União,
em relação ao Congresso Nacional.
A resposta, portanto, a esta primeira questão, é a de que a Câmara dos Vereadores de São Paulo está sujeita a limitações, que decorrem da Constituição Federal, em seu relacionamento com o Tribunal de Contas do Município. São elas
idênticas às relações impostas pela Constituição Federal ao Tribunal de Contas da
12 Escrevi: “Declara, o artigo 75, que as normas estabelecidas para o Tribunal de Contas da União são aplicáveis
para os Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, dos Municípios e os Conselhos de Contas dos Municípios.
A expressão “no que couber” não pode ensejar a interpretação de que, se houver conflito entre as legislações estaduais e federal, prevalecerá o estabelecido nas legislações supremas estaduais, com o que, nesta hipótese, “não
caberia” o disposto na seção.
Não é esta a exegese correta. “No que couber” diz respeito à impossibilidade material de se adotar alguns procedimentos próprios do Tribunal de Contas da União, principalmente no que diz respeito à sua organização e composição.
Por exemplo, os Estados não podem denominar os conselheiros dos Tribunais de Contas de Ministros, título atribuído exclusivamente aos membros do Tribunal de Contas da União, nem estar esse órgão estadual subordinado
ao Congresso Nacional, visto que presta contas à Assembléia Legislativa.
E, de rigor, o mesmo ocorre com os Tribunais de Contas Municipais, que são dois apenas, e os Conselhos de Contas dos Municípios, que estão subordinados, não às Câmaras Municipais, mas às Assembléias Legislativas, por serem órgãos do controle externo dos Estados. São poucos os Estados que têm Conselhos de Contas Municipais”
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União e, portanto, sem espaço para deliberar sobre sua extinção ou modificação,
à falta de força de lei suprema13.
2) A resposta à segunda questão está na linha do exposto no corpo deste parecer.
O Tribunal de Contas do Município não foi criado pela LOM, mas por lei municipal de 1968.
O Tribunal de Contas do Município de São Paulo foi constitucionalizado pelo
art. 31, § 1º da C.F.
O Tribunal de Contas do Município deve seguir o perfil jurídico e o regime jurídico pertinente ao Tribunal de Contas da União.
A lei orgânica do município de São Paulo não pode alterar as disposições constitucionais, por força do artigo 29 da lei suprema.
Por fim, o art. 75 da C.F. declara que:
As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à
organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas
dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios (grifos meus).
Todos os intérpretes são unânimes em entender que a expressão
“no que couber”
diz respeito, apenas, àqueles aspectos peculiares ao Tribunal de Contas da
União, que os tribunais das demais entidades não podem adotar, como, por exemplo, a fiscalização de duas Casas Legislativas, a fiscalização das operações de crédito
da União, inclusive a internacional, o controle da norma institucional14.
(Comentários à Constituição do Brasil, 4º vol. Tomo II, ob. cit. p. 178/179).
13 Na ADIN n. 219-8/PB, o respeito ao princípio constitucional ficou claro, ao declarar o STF, na ementa, que: “À
vista dos textos constitucionais pretéritos, todos os membros dos Tribunais de Contas, sob eles nomeados, haviam
sido escolhidos pelo Poder Executivo; ora o princípio a observar, no campo do direito constitucional intertemporal, é o que resolve o problema transitório, sempre que possível, de modo a propiciar a efetivação mais rápida do
novo sistema constitucional permanente: portanto, e independentemente da ordem da previsão no texto da competência respectiva, a prioridade no provimento das vagas no Tribunal de Contas, subseqüentes à promulgação das
novas Constituições Estaduais, deveria tocar ao Poder Legislativo.
Inconstitucionalidade da Constituição do Estado no ponto em que reservou, à escolha da Assembléia Legislativa,
cinco das vagas de Conselheiros do Tribunal de Contas, uma vez que, limitada a escolha do Governador para as duas
restantes aos auditores e membros do Ministério Público, ao contrário do modelo federal obrigatório, nenhum ficou entregue à livre escolha do Poder Executivo: decisão, no ponto, por maioria de votos, vencido o Relator” (A
Constituição na visão dos Tribunais - Interpretação e Julgados – artigo por artigo, vol. 2, Ed. Saraiva, 1997, p. 630).
14 Manoel Gonçalves Ferreira Filho reconhece as limitações impostas ao poder modificativo dos Estados, ao dizer:
“Preordenação institucional. Está aqui uma regra de preordenação institucional (v. supra, art. 25). A Constitui-
304
faculdade de direito de bauru
O aspecto interessante é que, se o regime jurídico é único para todas as Cortes de Contas, apenas no que concerne aos Tribunais de Contas dos Estados, o
constituinte deu certa elasticidade, fixando o limite de Conselheiros –não mais que
sete— e dando direito à disposição complementar (§ único do 75).
Em relação aos Tribunais de Contas dos Municípios, nenhuma flexibilidade foi
outorgada ao constituinte estadual ou municipal, lembrando-se que os Conselhos
de Contas pertencem —não aos Municípios, embora controlem contas dos Municípios— mas aos Estados. É bem verdade que, ao poder legiferante dos Estados, reconheceu, o Supremo Tribunal Federal, em interpretação “construtiva”, o direito de
criar e extinguir Conselhos de Contas Municipais, pois órgãos do próprio Estado. A
menção aos Tribunais de Contas dos Municípios, na ADIN n. 867-6-MA, por ter sido
tangencial e está a merecer melhor análise daquela Corte, não me parece comprometer o STF, visto que tais Tribunais não pertencem AOS ESTADOS, MAS AOS
MUNICÍPIOS e haveria uma intervenção indevida de uma unidade federativa na
outra, se o Estado extinguisse, CONTRA A VONTADE DO MUNICÍPIO, seu Tribunal de Contas. Certamente, o Pretório Excelso reexaminará a questão, quando provocado, até porque, na ADIN n. 867-6-MA, tal não era o objeto discutido.
Ora, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo, constitucionalizado
pelo art. 31 § 1º da C.F., que deve seguir as regras –sem a flexibilização do § 1º—
exigidas no art. 75 da Lei Suprema, não pode, nitidamente, ser extinto pelo legislador municipal maior (elaborador da lei orgânica), por falta de forças que lhe
pertinam. Não pode a lei orgânica municipal modificar a C.F., nem extinguir órgão “constitucionalizado” pela lei suprema federal, sem violentar claramente seu
artigo 7515.
A resposta, portanto, é, decididamente, não.
3) A matéria, na linha do exposto até o presente, não permite outra consideração que não aquela de que o art. 75 da C.F. deve ser respeitado.
ção Federal, não contente de estender aos tribunais de contas dos Estados as normas sobre organização, composição, no que se inclui o status dos respectivos membros, e funções fiscalizatórias do Tribunal
de Contas da União, ainda prefixa o número dos integrantes dos tribunais de contas dos Estados” (grifos meus) (p.
140).
15 Pinto Ferreira comenta o artigo, dizendo: “As normas estabelecidas na Constituição Federal, na Seção IX do Capítulo I do Título IV – Da Organização dos Poderes—, aplicam-se no que couber à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas
dos Municípios.
Há um princípio de simetrização com o modelo federal. “É obrigatório o modelo federal para a composição
dos Tribunais de Contas dos Estados” (RDA, 126:341; RTJ, 46:442, 50:245, 52:520, 54:642 e 65:305)” (grifos meus)
(Comentários à Constituição Brasileira, 3º vol., Ed. Saraiva, 1992, p. 432/433).
16 O artigo está assim redigido: “Art. 20 A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: I. na esfera federal a) 2,5% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União; ...
II. na esfera estadual: a) 3% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; ...
III. na esfera municipal: a) 6% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver”.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
305
Acresce-se que a LRF (L.C. n. 101/00) claramente dá autonomia aos diversos
Tribunais de Contas (União, Estados e Municípios), dizendo, apenas, que, no limite
dos percentuais estabelecidos, os orçamentos poderão ser aprovados.
É de se notar que o art. 20 da LC 101/2000, ao limitar a destinação da receita
líquida corrente em 2,5% para o Legislativo e Tribunal de Contas da União, 3% para
os Legislativos e Tribunais de Contas dos Estados e Municípios, à evidência, impôs
uma composição entre os diversos poderes para definir o percentual de cada um 16.
Nitidamente, não outorgou nem ao Poder Legislativo Federal, nem aos Estaduais, nem aos Municipais o direito de, sem acordo com o Tribunal de Contas
respectivos, definir percentuais, porque, se o fizesse, à evidência, poderia anular a
existência de tais Tribunais 17.
Se coubesse aos Legislativos decidirem a destinação dos 2,5% federais e 3%
Estaduais ou 6% Municipais da receita corrente líquida, SEM ACORDO com os Tribunais de Contas, poderiam não destinar qualquer importância aos Tribunais respectivos, ou destinar importâncias pífias, sempre que tais Cortes fossem incômodas
aos interesses dos representantes populares, anulando a força de tais órgãos pela retirada total ou quase total de recursos.
O legislador complementar, nitidamente, na mesma linha do constituinte, exige acordo entre os poderes para a determinação dos percentuais de gastos entre
eles, pois, caso contrário, o “controle externo” indesejável poderia desaparecer, pela
eliminação de recursos necessários à manutenção dos Tribunais18.
17 Maria Sylvia Zanella di Pietro comenta: “O Tribunal de Contas foi incluído no limite fixado para o Poder Legislativo,
já que exerce funções auxiliares deste em matéria de fiscalização contábil, financeira e orçamentária. Ainda que tenha
independência no exercício de suas atribuições, para fins administrativos, financeiros e orçamentários, integra o
Poder Legislativo” (grifos meus) (Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, Ed. Saraiva, 2001, p. 148/149).
18 Marcos Antonio Rios da Nóbrega lembra que: “Outro ponto importante do dispositivo é a inclusão dos Tribunais de
Contas no Poder Legislativo, para os fins da lei. A Constituição não dá razão alguma para tal inclusão, até porque se potencializa o conflito com as Assembléias Legislativas. Nesse sentido, a emenda de plenário n. 3, proposta pelo Dep. Fed.
Antonio Carlos Konder Reis, explicita em síntese feliz esse problema: “Por serem autônomos, os Tribunais de Contas e
o Ministério Público devem ter tratamento isonômico, daí a necessidade de se destacar para as Cortes de Contas Estaduais, a exemplo do “parquet” estadual, percentual próprio para a realização de despesas com pessoal, inclusive para
assegurar a independência e a autonomia que garantem a isenção necessária ao exercício de suas atribuições.
O orçamento dos Tribunais de Contas dos Estados integra o orçamento geral do respectivo ente estadual. Impossível,
portanto, como pretende o projeto, a junção de limites de gastos com pessoal num único orçamento, qual seja, do Legislativo, quando, na verdade, as propostas são elaboradas separadamente.
Por outro lado, o modelo constitucional do país, instituído em 1988, prevê que os Tribunais de Contas, não são subordinados aos Legislativos, nem a qualquer dos outros poderes. Logo, a corretíssima assertiva de Castro Nunes, baseada
nos ensinamentos traçados por Rui Barbosa, segundo a qual eles foram instituídos como um órgão posto de permeio
entre os Poderes políticos da Nação, o Legislativo e o Executivo, sem sujeição, porém a qualquer deles”.
E continua o insuperável jurista: “As Cortes de Contas não são delegações do Parlamento, são órgãos autônomos e independentes. Logo, assim devem ser tratadas pelo legislador constituído (In: Teoria e Prática de Poder Judiciário, São
Paulo, Forense, 1943, p. 25/26).
Nesse passo transcrevo, a seguir, o imbatível “decisum”, ainda prestigiado pela Suprema Corte de Justiça – STF, que repeliu, por inconstitucionalidade, lei que atribuía ao Tribunal de Contas status de órgão preposto: “O Tribunal de Contas
não é órgão preposto do Legislativo. A função que exerce recebe-a diretamente da Constituição, que lhe define as atri-
306
faculdade de direito de bauru
Em outras palavras, não cabe ao Poder Legislativo Municipal a iniciativa de leis
sobre redução de remuneração dos servidores do TCMSP, pois matéria dependente, por força da C.F., de acordo entre o Tribunal de Contas e a Câmara dos Vereadores, não se admitindo intervenção unilateral da Casa controlada externamente sobre
o controlador, como forma de evitar exercício de seu poder de controle.
Repito, uma vez mais, que os critérios de determinação dos gastos das Cortes de Contas que não puderem ser aplicados ao Tribunal de Contas da União
pelo Congresso Nacional, não poderão ser aplicados pela Câmara dos Vereadores
ao Tribunal de Contas do Município, pois são pertinentes todos os princípios concernentes à estrutura e organização da Corte federal, às diversas cortes estaduais
e municipais.
A matéria, portanto, refoge à competência legislativa municipal, se unilateralmente tomada, dependendo de acordo prévio entre as duas instituições, desde que
não violando normas constitucionais federais.
4) A resposta, ainda aqui, é não. O legislador municipal não tem qualquer força legislativa sobre a organização de um Tribunal criado por lei municipal e constitucionalizado, em seu perfil atual, pela lei suprema federal. O próprio § único do art.
75 ofertou aos Estados o direito de complementar a Constituição Federal, no que
diz respeito aos seus Tribunais de Contas, mas não outorgou aos Municípios, em relação a seus Tribunais de Contas, o mesmo poder. A ADIN n. 867-6 do Maranhão faz
menção ao Poder dos Estados de criar ou extinguir Tribunais de Contas dos Municípios, muito embora, como já me referi no presente parecer, tenha cuidado dos Conselhos de Contas dos próprios Estados. Vale dizer, se literalmente considerado
o texto da ADIN n. 867-6-MA, que diz:
A interpretação sistemática dos § 1º e 4º do art. 31 da Carta da
República é conducente a concluir-se que os Estados-membros
têm o poder de criar e extinguir Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios,
tiraria qualquer força ao Legislativo Municipal, o que seria um contra-senso. A
meu ver, os Tribunais de Contas dos Municípios, nem mesmo Emenda Constitucional pode eliminá-los, por ser como mostrei, no presente parecer cláusula pétrea19.
buições (In: Rev. de Dir. Administrativo, 158:196, Acórdão de 29/6/1984, Rel. Min. Alfredo Buzaid).
Portanto, considerando que as Cortes de Contas são autônomas e não existindo qualquer relação hierárquica ou de subordinação com o Poder Legislativo, do qual são colaboradoras do controle externo, não procede incluí-las como órgão
preposto daquele Poder ” (Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, Ed. Nossa Livraria, Recife, 2001, p. 145/146).
19 É interessante notar que o § 4º do artigo 20 da LRF faz menção a Tribunais de Contas dos Municípios, nitidamente se referindo aos Conselhos de Contas: “Nos Estados em que houver Tribunal de Contas dos Municípios, os percentuais definidos nas alíneas a e c do inciso II do “caput” serão, respectivamente, acrescidos e reduzidos em 0,4%”.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
307
E bem agiu o constituinte, pois se os Tribunais de Contas dos Estados examinam as contas dos Estados –e mesmo assim o núcleo do regime jurídico deve ser rigorosamente igual ao do Tribunal de Contas da União, até admitindo-se a flexibilização dos Conselhos de Contas dos Municípios por parte dos Estados que os controlam, por definição constitucional e interpretação pretoriana —, em relação aos Tribunais de Contas dos Municípios tal exegese é admissível, porque a lei orgânica municipal é a mais frágil das leis constitutivas de entidades federativas, visto que limitada tanto pela Constituição Federal, quanto pela Constituição Estadual (art. 25 e 29).
Nitidamente, o perfil que determinou a manutenção dos Tribunais de Contas
Municipais, em 1988, foi aquele instituído a partir de 5 de outubro de 1988, não podendo ser alterado, no que diz respeito às suas competências, estruturas, quadros,
a não ser por emenda constitucional —se não se tratar de claúsula pétrea—, reiterando eu a posição de que, por dizer respeito à separação de poderes, nem mesmo por
emenda constitucional.
Tais considerações são essenciais, porque, caso contrário, conforme os sabores da política e os humores dos ocasionais detentores do Poder, um Tribunal considerado essencial para o controle externo das Contas de uma unidade federativa,
poderia ser extinto por legislação inferior, apesar de instituído por legislação superior. E mais do que isto, poderia ser anulado, sem extinção, por corte das despesas
necessárias, por um dos órgãos (Câmara dos Vereadores) que deveria controlar!!!
Ainda, aqui, a resposta é rigorosamente negativa, não cabendo à Câmara dos
Vereadores, reduzir a sua expressão quase nenhuma Tribunais de Contas Municipais, pelo “direito” auto-outorgado e não constante da Constituição, de reduzir de
tal forma as estruturas e a destinação de recursos financeiros, que o controle externo passaria a inexistir se a tese mencionada fosse possível. Não há a menor possibilidade de lei municipal alterar algumas das disposições esculpidas na lei suprema,
assim como regime jurídico constitucionalizado na lei maior 20.
20 É de se lembrar que a legislação infraconstitucional se interpreta pela Constituição e não esta pela legislação infraconstitucional. Moreira Alves, em palestra no Centro de Extensão Universitária, afirma que: “E isto os Srs. observam, inclusive, com um desses problemas que se apresentam hoje nessas nossas quatro questões. Que é justamente aquele problema relativo à definição de certos conceitos de que se utiliza a Constituição mesmo no terreno tributário. Assim, o questionamento sobre o conteúdo do conceito de renda e, conseqüentemente, sobre seu alcance, é um problema de natureza eminentemente constitucional. E é assim porque isso não pode ser deixado ao intérprete, quer seja o legislador ordinário quer seja o complementar. Não se interpreta a Constituição pela lei
mas a lei é que é interpretada em face da Constituição. Esse problema voltou à tona no STF, agora, nesse
caso que agitou e quase comoveu as massas no Brasil, que foi o caso do FGTS” (grifos meus) (Pesquisas Tributárias
n. 7, Tributação na Internet, co-ed. Centro de Extensão Universitária e Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 19).
Centro de
pós-Graduação
Resumos de dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Direito (Área de Concentração: Sistema Constitucional de
Garantia de Direitos), em nível de Mestrado, da Instituição Toledo de Ensino.
Responsabilidade civil em face dos
danos ambientais
Mestre: ARI ALVES DE OLIVEIRA FILHO
Orientador: Prof. Dr. Nelson Luiz Pinto
Este estudo desenvolve o tema responsabilidade civil em face dos danos ambientais. Procura identificar e demonstrar as principais formas de degradação do
meio ambiente natural, bem como a importância da responsabilidade civil dentre os
demais instrumentos judiciais postos à disposição da sociedade visando a uma completa reparação do dano ambiental natural, e buscando atingir os preceitos da Carta Magna no que diz respeito a todos terem direito a uma sadia qualidade de vida.
Foi através da pesquisa na doutrina, na jurisprudência e nos preceitos legais que se
buscou esclarecer o que seja meio ambiente, seus conceitos, suas formas de degradação e a necessidade de preservação e recuperação.
A conciliação entre o Meio Ambiente e o Direito culminou por aflorar o Direito Ambiental, tratando de fornecer os princípios, conceitos, a caracterização do
dano e suas formas de reparação, ou seja, material e extrapatrimonial através do instituto da responsabilidade civil; trata, ainda, da execução do dano ambiental e a
constituição do fundo para a recomposição dos bens lesados e o seu embasamento
legal, chegando-se a propor as formas administrativas e judiciais para o exercício da
cidadania na preservação ou recuperação do meio ambiente natural.
O dano ambiental e sua reparação
Mestre: LUIZ RICARDO GUIMARÃES
Orientador: Prof. Dr. Nelson Luiz Pinto
A proteção ao meio ambiente é de suma importância para a qualidade de vida
do ser humano. O desenvolvimento industrial e tecnológico teve como desastrosa
conseqüência a degradação ambiental. Luta-se, na atualidade, pela preservação e
restauração ambiental. O presente estudo desenvolve o tema da reparação dos danos causados ao meio ambiente, tendo por base a Constituição Federal e a legislação federal específica, além da doutrina. Necessário é, para isso, antes de estudar o
tema da responsabilidade, entender o conceito de meio ambiente e sua classificação, além de descrever quais são os bens ambientais; também, o dano ao meio ambiente, suas fontes, os tipos de dano e o poluidor. Após, adentra-se na seara da responsabilidade civil, primeiramente em um estudo histórico-evolutivo, seu conceito,
pressupostos e espécies. A partir daí, desenvolve-se o tema da responsabilidade civil em face do dano ambiental, dando ênfase à responsabilidade civil objetiva; quais
os tipos de reparação; as dificuldades de se concretizar a reparação; quem são os
prejudicados pelo dano causado; os agentes causadores; a responsabilidade do Poder Público; a execução judicial em matéria ambiental e um breve estudo da lei de
crimes ambientais no tocante à responsabilidade civil nela contida.
Responsabilidade do fornecedor pelo
fato do produto no código de proteção e
defesa do consumidor brasileiro
Mestre: MAGALI RIBEIRO
Orientador: Prof. Dr. Nelson Luiz Pinto
O presente trabalho objetiva demonstrar a responsabilidade do fornecedor
pelo fato do produto diante do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro. Tratase de uma legislação relativamente nova, e nesta condição vários de seus institutos
ainda despertam opiniões conflitantes entre a doutrina e a jurisprudência. O crescimento da população, o desenvolvimento dos métodos de produção, a produção em
grande escala, criou um desequilíbrio de forças entre as partes envolvidas na relação
de consumo. O consumidor viu-se fragilizado frente às grandes potências industriais
que, diante de campanhas publicitárias, colocam no mercado variados produtos,
não tendo o consumidor conhecimento suficiente para discernir qual o produto
que melhor atenda às suas necessidades e que não coloque em risco sua saúde e segurança. Percebeu-se então que o tratamento legislativo até então propiciado pelo
Código Civil Brasileiro, tornou-se insuficiente. Os pólos da relação de consumo mudaram, não se fala mais em vendedor comprador, o consumidor ao adquirir um produto na realidade está realizando negócios jurídicos com várias empresas, por vezes
desconhecidas. A tecnologia digital permite que o consumidor realize compras sem
a necessidade sequer de deslocar-se de sua casa, onde, através de um simples acesso pela Internet, adquire produtos, sem contudo tocá-lo e verificar o seu modo de
fabricação. A vida moderna exigiu e permitiu a criação de avançados métodos produtivos, diversificadas formas de compra e venda de produtos e serviços, necessi-
316
faculdade de direito de bauru
tando de uma regulamentação que pudesse zelar e proteger os interesses da parte
mais fraca da relação de consumo. A responsabilidade subjetiva tornou-se ineficaz
para solução com justiça nos litígios decorrentes de acidentes de consumo. A vítima, desconhecedora dos métodos produtivos, não conseguia produzir em juízo a
prova da culpa do agente causador do dano. Foi então a Teoria da Responsabilidade
Subjetiva dando espaço à Teoria da Responsabilidade Objetiva. O legislador brasileiro atento, achou por bem adotar a Teoria da Responsabilidade Objetiva para apuração do dever de indenizar.
A indenização do dano estético
Mestre: RAUL VIEIRA CUNHA RUGDE
Orientador: Prof. Dr. Nelson Luiz Pinto
O presente trabalho trata da indenização do dano estético. O tema foi de acordo com a legislação brasileira em vigor, as interpretações doutrinárias e as decisões
jurisprudenciais prolatadas nos mais diversos tribunais do país. O estudo é iniciado
a partir da distinção entre dano patrimonial e moral, localizando, dentro do conceito de dano, o dano estético. São abordados, também, o conceito, os pressupostos
de constituição, a extensão e o meio de prova do dano estético. Não obstante, trata, ainda, da inaplicabilidade do Código Civil em relação à liquidação do dano estético. Em face a essa lacuna na legislação brasileira em vigor, o presente estudo contém uma sistemática de quantificação de valores que pode ser utilizada para a liquidação de qualquer dano moral.
Os objetivos da República Federativa do Brasil
na Constituição Federal de 1988
Mestre: VALÉRIA DE ANDRADE MELLO
Orientador: Prof. Dr. Walter Claudius Rothenburg
A análise da inserção de objetivos do Estado na Constituição de um país é importante para demonstrar o avanço do Constitucionalismo moderno e representa a
adoção de mais um instrumento jurídico de limitação do poder estatal. Os objetivos
da República foram introduzidos no direito constitucional brasileiro a partir da
Constituição de 1988, embora tenham sido utilizados como justificativa para a tomada do poder pela ditadura militar durante mais de 20 anos. O objetivo principal do
presente estudo é alcançar, através dos meios de interpretação jurídica e constitucional, a compreensão do real significado do artigo 3o da Constituição de 1988 que
cuida dos objetivos da República Federativa do Brasil. Para tanto, foi feita uma análise do contexto de surgimento da constitucionalização das ambições políticas da sociedade, investigando sua origem e antecedentes no direito estrangeiro e pátrio, o
que permitiu alcançar uma visão geral dos fins da República constitucionalizados. Fixados tais conhecimentos, analisou-se o contexto de inserção dos objetivos na Constituição brasileira de 1988, identificando-os no sistema de normas constitucionais
como princípios fundamentais, critérios de interpretação constitucional complementar e normas programáticas, o que permitiu aferir sua utilidade prática, o alcance, e conseqüências jurídicas. Desta maneira, concluiu-se que o texto constitucional
brasileiro, através de seus objetivos, determinou um norteador à ação estatal e estabeleceu os limites negativos desta ação, que devem ser observados no âmbito da
produção normativa, programas de governo e do controle de constitucionalidade
das leis. Concluiu-se também que, embora existam, os instrumentos de controle da
320
faculdade de direito de bauru
ação do Estado, além de subutilizados são ainda insuficientes. Apesar disso, este
quadro pode ser modificado a partir de uma interpretação jurídica efetivadora dos
objetivos constitucionais, principalmente no âmbito do controle de constitucionalidade das leis, como caminho possível na conquista da efetiva justiça social.
Conteúdo jurídico das expressões
relativas aos direitos fundamentais
na Constituição de 1988
Mestre: VLADIMIR BREGA FILHO
Orientador: Prof. Dr. Walter Claudius Rothenburg
Analisa e delimita o significado das expressões relativas aos direitos fundamentais na Constituição de 1988. Para isto estuda a história dos direitos fundamentais e o seu regime jurídico, abrangendo neste segundo tópico o estudo da interpretação constitucional, dos princípios constitucionais e das características dos direitos
fundamentais.
Aponta como principais conclusões:
a) o constituinte empregou várias expressões para se referir aos direitos
fundamentais, fazendo-o sem técnica;
b) isto propõe ao intérprete a obrigação de desvendar o significado de cada
uma destas expressões;
c) numa análise geral, podemos afirmar que não é possível atribuir um mesmo significado às várias expressões relativas aos direitos fundamentais
empregadas na Constituição e mesmo às expressões idênticas, é possível
extrair um significado diferente;
d) o conteúdo da expressão direitos humanos não é o mesmo que direitos
fundamentais, pois a primeira tem um caráter universal, enquanto os direitos fundamentais estão relacionados ao direito positivo de um determinado Estado;
e) várias expressões utilizadas pelo constituinte, tais como, direitos da pessoa humana, direitos e garantias fundamentais, direitos e liberdades fun-
322
faculdade de direito de bauru
damentais, as quais poderiam ser substituídas pela expressão direitos
fundamentais;
f ) a expressão direitos individuais utilizada no art. 60, § 4º, inciso IV, tem o
mesmo conteúdo dos direitos fundamentais;
g) o conteúdo da expressão direitos individuais será diferente no art. 85, III,
pois se trata de norma penal, sendo impossível a interpretação ampliativa.
O ingresso do tratado internacional
na ordem jurídica interna
Mestre: JOSÉ ROBERTO ANSELMO
Orientador: Prof. Dr. Walter Claudius Rothenburg
A existência de regras internacionais, que surgem das relações dos Estados,
faz com que existam duas ordens jurídicas: a internacional e a interna. Muitas vezes,
a assunção de obrigações, que são disciplinadas pelas ordem jurídica internacional
e que se materializam por meio dos tratados, devem ser aplicadas internamente pelos Estados. Assim, não é incomum que existam conflitos entre a ordem jurídica internacional e a interna. Visando solucionar este problema apareceram duas teorias:
a monista e a dualista. Entretanto, o problema relacionado ao conflito entre o tratado internacional e o direito interno, deve ser solucionado pelo Direito Constitucional de cada Estado. As Convenções Internacionais sobre Direito dos Tratados não estabeleceram a supremacia de uma norma sobre a outra. Assim, existem Constituições que estabelecem regras precisas sobre o processo de incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico interno e sobre resolução dos conflitos
com a primazia de uma norma sobre a outra, enquanto, outras preferem não estabelecer qualquer regra de integração. No Brasil, o tratado internacional deve ser
aprovado pelo Congresso Nacional, que autoriza a ratificação pelo Presidente da República. Somente depois da ratificação e de sua promulgação por decreto presidencial, é que o tratado internacional pode ser aplicado internamente. Nossa história
constitucional nos mostra, que se por um lado as Constituições brasileiras, inclusive a atual, mantiveram regras similares para aprovação e as referentes à competência para celebração dos tratados, por outro, nada dispuseram a respeito do conflito
entre os tratados e a legislação infraconstitucional. Assim, a solução dos conflitos
324
faculdade de direito de bauru
sempre se baseou nas orientações doutrinárias e na jurisprudência, cujo entendimento predominante era o da prevalência do tratado internacional sobre a normatividade interna. Contudo, em 1977, ao decidir o Resp. nº 80.004-SE, Supremo Tribunal Federal abrandou a posição anterior, estabelecendo a primazia da norma interna e aplicabilidade do princípio lex posterior derogat priori. As situações de conflito entra as duas ordens jurídicas, não ocorrem quando o tratado internacional se
confronta com norma constitucional, pois nossa Constituição estabeleceu expressamente o controle de constitucionalidade e a superioridade desta.
Responsabilidade Civil:
imprensa e dano moral
Mestre: REINALDO ANTONIO ALEIXO
Orientador: Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
A investigação científica trata sobre a indenização por dano moral relacionada
à imprensa. Para isso, um trabalho de compilação é feito, sobre o direito de informação como um direito fundamental, procurando, ao lado do acompanhamento
histórico, trazer noções sobre o direito de opinião e de manifestação do pensamento, o direito de expressão, de comunicação, de informação, bem assim focaliza os limites constitucionais ao direito de crítica jornalística. De outra parte, traça um breve estudo da responsabilidade civil, tema que imporia uma variedade de ângulos
para análise, dada a natureza múltipla desse instituto jurídico, ou seja, a legal, obrigacional, contratual ou extracontratual. A pesquisa fixa-se mais nesta última, a responsabilidade extracontratual, e traz algumas reflexões sobre o dano moral no âmbito da Lei de Imprensa. Ainda faz um breve percurso pela evolução histórica dessa
espécie de dano, visualizando-o especialmente em alguns direitos alienígenas, culminando por abordar o tratamento dado pelo direito brasileiro; cuida, igualmente,
da sua avaliação e sua reparação face à lei de imprensa. Neste passo, observa quanto à responsabilidade civil da pessoa física e jurídica, bem como aquela advinda de
anúncios e notícia ou aviso ao conhecimento público, a responsabilidade da agência de propaganda e do veículo de comunicação. Desenvolve idéias sobre as circunstâncias naturalmente, legalmente e convencionalmente escusatórias do dever de indenizar. Finalmente, em anexo traz parte de alguns textos importantes, relacionados
aos direitos fundamentais, bem assim a íntegra da Lei de Imprensa atual e do projeto que a visa modificar, ora em trâmite no Congresso Nacional. O objetivo maior da
326
faculdade de direito de bauru
pesquisa é o de apontar os problemas decorrentes do tema investigado, para que futuros estudos venham a se desenvolver.
Compensação do dano moral
Mestre: LISANDRA SILVEIRA BONACHELA MANSANO
Orientador: Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
A dissertação versa sobre a compensação do dano moral. Inicia com a evolução histórica da responsabilidade civil, relatando desde as fases primitivas, passando
pela Lei das XII Tábuas e Lei Aquília de Dano, até as formas de responsabilidade
mais evoluídas existentes atualmente. Aborda ainda a conceituação e evolução da indenização do dano moral, desde a época em que esta não era admitida até sua consagração na grande maioria das civilizações, demonstrando sua tríplice função: a satisfação do ofendido; a punição do ofensor; e dar um exemplo à sociedade de que
não se tolera tal conduta. Propõe-se a unificação dos vários critérios existentes para
fixação do quantum debeatur, buscando a manutenção do equilíbrio social e a reconstituição do patrimônio lesado, quando possível, ou a compensação pelos efeitos negativos decorrentes do dano moral.
Responsabilidade Civil do
Estado por atos do magistrado
Mestre: HOMERO MORALES MASSARENTE
Orientador: Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
Em determinado momento histórico, o Estado assumiu o monopólio da justiça, vedando ao particular fazê-la de mão própria. Assim, os conflitos não solucionados amigavelmente passaram a sê-los coativamente pelo Estado-Juiz, por meio da
tutela jurisdicional. Dessa forma, os serviços judiciários devem ser prestados com
qualidade, presteza e eficiência, sob pena de responsabilizar o Estado pelos danos
decorrentes de seu mau funcionamento. Surge assim o tema, responsabilidade civil
do Estado por atos do Magistrado. Exercendo o Estado o monopólio da jurisdição,
incumbe-lhe suportar os riscos de danos advindos de sua má prestação, já que os
serviços judiciários não beneficiam apenas os litigantes, mas acima de tudo existem
em benefício da sociedade, para fins da pacificação social, através da composição
dos conflitos e tutela dos interesses superiores da coletividade. E através da concretização da função jurisdicional, o Estado-Juiz, por vezes, gera graves prejuízos aos jurisdicionados, levando-os a suportar o ônus indevido, notadamente nos casos de
funcionamento defeituoso do serviço judiciário, como a demora na prestação jurisdicional, o erro judiciário, a atuação culposa ou dolosa do magistrado e mesmo a denegação de justiça. O Juiz não deve ser um mero aplicador de leis que, paulatinamente, perde a capacidade de se sensibilizar, mas, sim, um pacificador social, preocupado com o resultado de suas decisões e com a melhora da Instituição e, por fim,
profundamente entrelaçado com o universo dos direitos e garantias fundamentais.
O serviço público judiciário pode causar danos aos particulares, em qualquer das
suas esferas de atuação, notadamente as esferas civis, trabalhista e criminal, onde es-
330
faculdade de direito de bauru
ses danos são mais ocorrentes. Daí a razão de que ocorrido o dano judicial é possível ao jurisdicionado lesado optar entre acionar civilmente o Estado ou o magistrado ou ambos, solidariamente.
Responsabilidade civil extracontratual
do Estado por atos do poder executivo
Mestre: ADRIANA RUFINO DA SILVA
Orientador: Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
O estudo da responsabilidade civil do Estado por atos do poder executivo expressa tema em constante e permanente mutação. Sua evolução comprova que o ordenamento jurídico vem se modificando no sentido de garantir à vítima a efetiva reparação do dano sofrido, independentemente da origem: conduta de particular ou
conduta de agente estatal, se advinda de atos comissivos ou omissivos, ilícitos ou lícitos. Apresenta uma visão geral da Constitucionalização da responsabilidade civil
do Estado no Brasil. Inicia com noções históricas da responsabilidade civil, passando à análise das teorias que fundamentaram a responsabilidade civil do Estado através dos diferentes períodos históricos, desde a sua total irresponsabilidade até a
avançada teoria social, trazendo a lume seus respectivos fundamentos, bem como o
Direito Comparado. Apresenta a linha estrutural do desenvolvimento da responsabilidade civil do Estado, da teoria subjetiva para a objetiva. Comprova, através de estudos doutrinários e jurisprudenciais, a coexistência pacífica e construtiva de ambas,
opondo-se à tese defendida por alguns renomados autores de que a teoria estatal
adotada no Brasil é unicamente objetiva.
Estudo crítico da reparação do
dano moral e algumas tendências
do judiciário brasileiro
Mestre: SÉRGIO SALIBA MURAD
Orientador: Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
O assunto em questão é tratado tecendo-se considerações gerais sobre o dano
moral, inicialmente, passando por sua relação com a responsabilidade civil e seu
conceito, espécies de responsabilidades, os pressupostos da responsabilidade civil,
a culpa, o risco e os danos patrimonial e moral. Desse modo, a explanação segue
abordando o dano moral e seu conceito e noções, idéias básicas e a relação com a
ética, a moral e o direito. Segue-se com a evolução, de caráter histórico, do dano
moral na antigüidade, abrangendo os Códigos de Ur-Nammu, Manu e Hamurabi,
passando-se à Bíblia, ao Alcorão, ao Direito Canônico, à Grécia e ao Direito Romano, para, posteriormente, pormenorizar o dano moral na Constituição Federal de
1988. Em seguida, aborda-se a análise do dano moral, sua incidência e alguns aspectos de sua reparação para um estudo crítico, contendo inicialmente um exame do
dano moral e a problemática da quantificação de sua reparação e, logo após, a descrição do dano moral na lei, tanto em algumas leis, como, mais especificamente, no
Código de Defesa do Consumidor, no Código Brasileiro de Telecomunicações e na
Lei de Imprensa. Passa-se ao dano moral e suas resistências, finalizando com a abordagem dos critérios da reparação apontados na doutrina e na jurisprudência sobre
o dano moral. Finalmente, estuda-se o dano moral em algumas tendências do judiciário brasileiro, iniciando com o exame do dano moral em julgamentos, abrangendo a apreciação do dano moral no judiciário brasileiro, o dano moral quantificado
em salários mínimos e o dano moral em ocorrências de casos concretos. Realiza-se
a análise do dano moral em relação à morte de menor, ao abuso de direito e ao aba-
334
faculdade de direito de bauru
lo de crédito, contendo, esse último, as referências sobre o dano moral e seu liame
com o protesto cambial indevido e com os órgãos de proteção ao crédito, finalizando com o exame do dano moral e sua relação com a pessoa jurídica.
Uma visão histórica da responsabilidade civil
Mestre: JOARISTAVO DANTAS DE OLIVEIRA
Orientador: Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
Desde a pré-história o homem percebeu a necessidade de regras, para nortear
o comportamento de modo que um não causasse prejuízo a outro. Criou-se, desde
então, a responsabilidade, estabelecendo-se respostas para comportamentos ameaçadores da harmonia social. Tais respostas partiram de início da vingança coletiva
para a vingança individual, enraizando-se nos costumes e refletindo nas primeiras
normas escritas, como o Código de Hamurabi, as leis de Drácon e a Lei das XII Tábuas. Nessa fase castigo e reparação se confundiam; tampouco se levava em conta o
animus do agente, que respondia mesmo nos resultados involuntários. Aos poucos
foi a vingança substituída pela pena pecuniária, que atendia ao mesmo tempo à responsabilização penal e à civil; engendraram-se também respostas similares para as
rupturas contratuais. Noção mais elaborada de culpa surgiu à época justinianéia,
aperfeiçoando-se na Idade Média, quando se mesclou a tradição romana com os
costumes germânicos e o cristianismo; o estágio da vingança só foi superado ao fim
do direito intermédio, quando as responsabilidades civil e penal se delimitaram por
completo. A principiologia da responsabilidade civil, inspirada em Domat e Pothier,
se estampou no Código Civil francês, irradiando-se para outras legislações e tendo
por centro de gravitação a culpa, que perdeu sua exclusividade com o advento da
Revolução Industrial e o surgimento dos danos anônimos e de prova difícil. A teoria
da responsabilidade objetiva encontrou então campo propício para se expandir, e
com fulcro no risco. Tende-se hoje à unificação das duas ordens de responsabilidade, delitual e contratual, havendo mesmo quem apregoe a supressão conceitual dessa última, que visaria à execução por equivalência, e não à reparação de danos. E a
336
faculdade de direito de bauru
faceta mais visível da responsabilidade civil é contemporaneamente a socialização
dos riscos, fruto da objetivação: muitos aí vêem o futuro desse instituto jurídico.
Núcleo de
pesquisa Docente
THE SCIENTIFIC RESEARCH AND THE INTERNET
1
Daniel Freire e Almeida
Professor of International Law, Bauru Law School- Toledo Institution of Instruction- São Paulo, Brazil,
Master and Postgraduate in European Union Law- Coimbra University- School of Law- Portugal,
Specialist in the Taxation of Electronic Commerce, Lawyer (Barrister) and Webmaster of the
Lawinter.com.br Web site.
SUMMARY
The present work of a study is treated addressed to demonstrate the
revolution that is provoking the Internet, as well as in the facilitations then
current for the effective academic research, providing larger integration of
information, for everyone. In that way, we talked about the main differentiating
aspects of the Internet and, in the same sense, the constitution of an atmosphere
more and more international and integrated, being shown very useful to
collaborate with the scientific community of research.
INTRODUCTION
The modifications in the called society of the information, support for new
technologies, which are recent example the multiples uses of the Internet, they have
1 The following Working-paper is based on the author´s research from a speech delivered by D. Freire e Almeida
on February, 2002, before the III Convención Internacional de Educación Superior – UNIVERSIDAD 2002,
- HABANA, CUBA- Simposio Universidad, Ciencia y Tecnologia – UNICIEN 2002.
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340
been provoking alterations not only in the structure of the market and of the
companies, as well as facilitated to the academical researchers the scientific and
academic investigation.
The citizen started to have “free fingers” to choose for new relationship forms
and identification with other nets of cultural nature, professional and also academic.
Pari passu, this innovation, born of the marriage of the computer with the
telephony, it was unfolded in a new order for the universities: the information´s
society.
In spite of the similarities with the physical world, where the subjects of
researches and communication live together in the interface student-universityresearch, in the virtual world similar subjects they can become easier, helped by the
virtual tools of search, for the digital, interactivity and for the speed.
In this sense, the present work intends to concentrate in the revolution that
is provoking the Internet, as well as in the facilitations then current for the effective
academic research, providing larger integration of information, for everyone, as
something impossible some years ago.
With the growing of the innovations and in the measure in that the academics
go using the potential, still little explored of the Internet, this new communication
form starts to alter the relationship of the universities and researchers for the
disponibilization of information in the net, being expected growing developments
and cultural and scientific integrations.
In this context, we will place and we will adapt the discussion, passing, shortly,
for the development of the computers and of the Internet. In this point, the access
forms, as well as the constitution and purposes of the Internet will be analyzed.
Everything, with the intention of demonstrate this media with their peculiar
characteristics, and that would serve as foundation for our analysis.
In that way, we will glimpse the main differentiating aspects of the Internet
and in the same sense, the constitution of an atmosphere more and more
international and integrated.
Therefore, it is intended, starting from this work, to contribute with views to
deepen the theoretical debate regarding the investigation in the domains of the
Internet, as well as to wake up the interest so that the existent access possibilities are
enlarged.
THE INTERNET
1.
Introduction
In the same way that the notion of time was simplified, face to the new
communication means, the investigation for the modern themes should accompany
this speed. The university students, then, more they cannot await to total formation
of a daily picture to begin a study. They owe, as soon as possible, they be inserted
Revista do instituto de pesquisas e estudos
341
in this context, participating in the construction, transformation, longing for to
adapt the research methods to the new events.
In this perspective, the previous study, in a retrospective abbreviation, of the
history of the computer, the development and purpose gone back to the
communication, it is done basic for the understanding of the changes that the
modern researcher’s world crosses.
2.
The Computer
As well as great part of the technological initiatives, the initial purpose of the
use of the computers was soldierly. The awakening for the construction of the first
computer, similar to the that for now we used ourselves, it felt during to Second
World War and it was argued by Germany and United States of America. The first
goal was it of codifying and descodifying the messages changed during the war 2.
Little later, the first computer eletro-mechanic was built, that with gigantic
dimensions worked through valves to vacuous and has inside given through
perforated cards. With elapsing of the time, countless discoveries happened, from
the emergence of the first programming languages, the microprocessors, the
multiprogramation, the teleinformatic, the artificial intelligence and finally the
Internet.
3.
The Computer and the Appearance of the Internet
Dwinght Eisenhower, then president of the U.S.A., in 1957, feeling the need
to create a more efficient form of communication among the army in the North
American military bases, it created the “Advanced Research Projects Agency” (ARPA)
culminating, already in 1969, in the comunication of the machines of the, then,
ARPANET, forming the net that would originate the Internet 3.
Initially, the first communication computer-to-computer was established by
four points: University of California - Santa Barbara, UCLA, International IRS and
University of Utah, in a net where there were not the need of a central command
and all of the points were equal.
Consequently, the use of the computers for the on-line communication
started to give pari passu. Ray Tomlinson creates, in 1972, the software allowing the
sending of electronic messages (e-mail) among computers and, already the
following year, ARPANET accomplishes the first international connection between
England and Norway. Used by Vinton Cerf, appears, in 1974, the term Internet 4.
2 BENSOUSSAN, Alain. Internet aspects juridiques. Paris: Editions Hermes, 1998, p. 23.
3 BALLARINO, Tito. Internet Nel Mondo Della Legge. Padova: Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1998, p. 19.
4 BRETON, Philippe, PROULX, Serge. L´explosion de la communication. Paris: Éditions La Découverte, 1996,
p. 115.
faculdade de direito de bauru
342
4.
The Internet in the Century XXI
At this time, the Internet is considered as the more revolutionary creation of
the humanity’s history. Of a simple type we navigated for the cultural collection of
everyone, we received information to the same second fraction, we have a good
time with foreigners sending and receiving messages. The contacts became without
limits, the distant is visited to the light´s speed 5.
The need that was had by computers five years ago, today is multiplied
because of the different form of communication, proportionate for the
international Web. For MARTINÉZ (1998), the Internet is the net of the nets, with
dynamic characteristics, plurality, internacionality, effectiveness and modernity 6.
5.
Forms of Access and Constitution
The World Web can be denominated also as a “super highway of the
information.” In fact, it is compared with the structure of interlinked freeways,
through where every content, as texts, images and sound, is available at any
moment, with the user’s advantage to be the pilot, could arrive directly in the
destiny, in the same instant, and - what is more amazing - of any place.
In this line, the Internet is a group of nets of computers, interlinked for
several forms, communicating all practically of the countries of the globe, as well
as the space stations. Each country possesses a (or more) Backbone of Internet
Service (spine), interconnecting the regional point-of-presence. The several
Backbones are interlinked through Points of Interconnection of Nets, that should
possess appropriate capacity to sustain the needs of an efficient communication.
In continuity, the Internet arrives until the final user, through Internet’s Service
Provider. This Provider can be to offer connection to the Web (Backbone), as well
as for institutions or people, in commercial character or not (Provider of Access).
This Provider can, still, to be a Provider of Information, with the purpose of
collecting, to maintain and to organize on-line information, for access through
the Internet7.
At this time, the most usual form of connecting to this new atmosphere is
through a computer, that, endowed with a modem, it is interconnected a Provider
of Access to the Internet, through common lines of telephone (at prices of a local
connection), private communication lines, underwater cables or satellite
channels. This Provider, supplies an electronic address that it will start to be a
connection number in the Web. Each Provider possesses yours “domain address”,
5 CUNHA RODRIGUES, José Narciso. Internet e Globalização. In: As Telecomunicações e o Direito na Sociedade
da Informação. Coimbra, 1999, p. 345.
6 MARTINÉZ, Miguel Á.A. Derecho en Internet. Sevilha: Mergablum, 1998, p. 11.
7 SMITH, Graham. Internet Law and Regulation. London: FT Law & Tax, 1996, p. 1/11. LEVINSON, Paul. Digital
Mcluhan: a guide to the information millennium. London: Routledge, 1999.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
343
that are registrations, that with the Internet Protocol (IP) they allow, relatively, to
identify the page (site) or the electronic address (e-mail). For being virtual, and
tends in view the possibility of use of movable computers, the Internet can be
connected of any part of the planet, or why not, “of any part of our solar system”,
with processors from 1 to 2 GHz (1 to 2 billion of operations a second).
At once, we can verify the enormous potential for us to accomplish academic
researches.
6.
Tools
With the constant technological development and in the measure in that new
needs appear to the users of the Web, new usefulness become available also in the
Internet.
Recently, SAMUELSON and NORDHAUS (1999) introduced in their work the
impacts that the Internet provokes in the world, more and more interlinked and
competitive, due to the computers and to the communication. Initially, the authors
underline the Internet as the world library, that because of the fast access to the
statistical sources, it allows, now, larger agility in the investigation and formulation
of theories for the academic problems (v.g. www.lawinter.com.br)8.
Among the different possibilities 9, we will discourse, specifically, on the ones
that facilitate the effective academical research.
- Electronic mail: The most basic service than the Internet provides is the
communication through the e-mail. The e-mail is simple and comfort, and the email is today even more used that the service of correspondences for the whole
globe. The advantages are many: low cost, speed, accompanied of sound, images
and graphs. It cans being in an asynchronous way, being, therefore, the addressee
informed in the moment that to access your mail box, or, still, in real time, settling
down an instantaneous communication (Talk and IRC) among the users. All this
with the possibility of accessories as the mini cameras and microphones, turning,
the distant investigations, so much audible as visual. Nowadays, the e-mail allows
change of scientific information, consultations, participation in the Lists of
Discussion, providing the debate on specific themes through the interactive
electronic mail, involving different researchers, in different places, being usual the
accomplishment of Colloquys, Congress, Video-conferences, interviews, without
the need of the participants’ physical presence.
- File Transfer Protocol: This process allows to copy us files of a distant
computer for ours, or to transfer documents of ours for other. It is treated of the
main method to make available to the system of data of a page in the Internet, from
8 SAMUELSON, Paul; NORDHAUS, Willian. Economics. 16 ed. New York: McGrall-Hill, 1999, prefácio.
9 VANDERMEERSCH, Damien et al. Internet sous le regard du droit. Bruxelles: Éditions du Jeune Barreau de Bruxelles, 1997, p. 7-11.
344
faculdade de direito de bauru
public literary works, images even graphs, working papers, shareware and freeware.
For other side,TELNET (Remote Login) it allows to connect to an interlinked distant
computer to the net, making possible to execute commands and to use the
resources of this other computer as if it was a terminal of that base. With that, the
base of data of this machine can be accessed, same not being present.
- WWW: WorldWide Web is a service based on hipertexts that allows to look
for information distributed by countless computers of the net. These hipertexts
presents the information in graphic form, that it contains words with underlying
connections with other texts, turning possible readings no lineal. The reading of
these information, that can be in format of images, sounds, graphs are made by
servant WWW, that allows the access to the other services of the Web as Wais,
Gopher, Ftp, Telnet, among others.
Through WorldWide Web, a lot of usefulness are made available. It can be
heard music through artists’ sites of everyone; to know the work of the
Organizations no Government of the whole planet; to consult the cultural
activities, to consult encyclopedias, museums and libraries of Universities; the
reading of electronic newspapers to proceed; to register in Institutions of
Teaching the distance, among other, being more arduous, like this, the task of
pointing it that “not” it is in the Internet.
The fact of power if it transfers works in digital format it is another
characteristic peculiar of the Internet. Softwares, music, videos and even books can
electronically be sent, facilitating the academic research, for the economy of time,
for the interactivity and integration.
Made this delimitation, by now can already be noticed the changes that the
Internet provokes in the academic scenery, and it is not only for the speed or
automation.
Firstly, it is the economy of costs in the investigations. This is a revolutionary
advantage, that translates himself in the interoperability of the systems, because,
virtually, the Web provides the integration of different operational methods and
hardwares. Besides, the whole process, from researches, requests, file of
documents, even readiness of materials, it is automated.
In continuity, the electronic libraries stay available in integral time, 24 hours a
day, 7 days a week. To be always on-line provides to the researchers to receive
answers to their inquiries, to accomplish researches at any moment, not mattering
which the time zone of a country, without the human intermediation for everyday
of the year. Few libraries in the real world can have these allied resources with the
bass cost.
The way easiest, fast and convenient of investigating on-line, instead of the
physical presence, of the need to travel all of the sections to find a book for instance,
it potentiates the growth of the Internet. The Internet is considered that, in some
research sections, will be primordial.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
345
For the first time in the history of the civilizations, a common citizen can, easily
and at a very low cost, not only to have access to located information in the most
distant points of the globe as well as to create, to manage and to distribute
information in wide climbs, in world extent, something that only a great organization
could do, using the conventional communication means. In this line, the creation of
investigations in the Web can be programmed at low costs, what would be, maybe,
unviable for the physical world. That, with the whole certainty, will affect, excessively,
the structure of spread of existent information in the world. This perspective opens
an enormous potential for interested academics in offering scientific solutions.
With effect, the Internet is international, community, and an international
community is being formed, since same being in the own earth, now with the
Internet, the researchers can get in touch with other individuals, establishing
contacts over the borders. The progresses technological that create the Internet turn
the world more and more only one, uniting individuals and groups through
supranational relationships.
CONCLUSION
With the development, a new communication technique was born of the
calculation and stood out progressively, passing, initially, for an almost exclusive
phase, consecrated to the memorization of the data and the passive treatment of
the information, being put in movement to transform in the support of an intense
activity of circulation of ideas and of transformations among the men.
In fact, the Internet has the power to allow progresses in the scientific
researches, providing opportunities for discoveries, uniting nations and several
scientific communities.
The researches that need collaboration interdisciplinary or international,
involving complex problems, they can be used of the Internet to access databases,
to deepen consultations and to interact researchers, before distant.
Now, there is a virtual space, where the people interact, where the people
communicate.
For whole the exposed, we considered that the Internet facilitates the
activity of investigation, for offering to the researcher access capacities to the
knowledge and the techniques, that previously were of difficult and expensive
interaction. Finally, the Internet is characterized as a important tool to collaborate
with the scientific community of this new millennium.
BIBLIOGRAPHY
BALLARINO, Tito. Internet Nel Mondo Della Legge. Padova: Casa Editrice Dott.
Antonio Milani, 1998.
346
faculdade de direito de bauru
BENSOUSSAN, Alain. Internet aspects juridiques. Paris: Editions Hermes, 1998.
BRETON, Philippe, PROULX, Serge. L´explosion de la communication. Paris:
Éditions La Découverte, 1996.
CUNHA RODRIGUES, José Narciso. Internet e Globalização. In: As
Telecomunicações e o Direito na Sociedade da Informação. Coimbra, 1999.
LEVINSON, Paul. Digital Mcluhan: a guide to the information millennium.
London: Routledge, 1999.
MARTINÉZ, Miguel Á.A. Derecho en Internet. Sevilha: Mergablum, 1998.
SAMUELSON, Paul; NORDHAUS, Willian. Economics. 16 ed. New York: McGrall-Hill,
1999, prefácio.
SMITH, Graham. Internet Law and Regulation. London: FT Law & Tax, 1996.
VANDERMEERSCH, Damien et al. Internet sous le regard du droit. Bruxelles:
Éditions du Jeune Barreau de Bruxelles, 1997.
WWW.LAWINTER.COM.BR
Estudos Jurídicos
HARMONIA SISTÊMICA DO ORDENAMENTO JURÍDICO?
Balizas para a solução de conflito
aparente de normas
Alexandre Sormaiu
Juiz Federal. Professor de Direito Constitucional. Mestre em Direito pela ITE - Bauru.
Quando se trabalha com a técnica de interpretação sistemática do direito, se
estabelece como premissa que o direito não pode ser interpretado com a atenção a
uma regra isolada, mas sim a compreendendo como parte integrante de um grande
sistema, possuindo com as demais regras jurídicas uma harmonia lógica.
No entanto, como compreender esta idéia, se as regras jurídicas são editadas
pelos agentes públicos sem qualquer comprometimento com a unidade do sistema
jurídico, mas se valendo da bagagem cultural, das ideologias, dos interesses e dos
pretextos destes agentes legisladores?
As regras jurídicas não são editadas pelo legislador com o propósito de unidade, mas ao aderirem ao ordenamento jurídico, desvinculam-se dos propósitos iniciais de sua origem, formando um todo único com o ordenamento.
Desta forma, como dito, é impossível conhecer a natureza do ordenamento,
restringindo a atenção apenas a uma regra isolada1, mas isto não significa dizer que
o legislador tenha o propósito de sempre editar regras harmônicas com o sistema.
O que explica este fenômeno é uma das distinções de grande importância da
teoria kelseniana e que diz respeito à norma jurídica e à proposição jurídica 2. Tal dis-
1 Hans Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, p. 11.
2 Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, p. 80.
faculdade de direito de bauru
350
tinção não foi expressa por Kelsen na primeira edição de sua teoria. Esta se amadureceu progressivamente com o evoluir de seus pensamentos.
A norma jurídica é prescritiva, imputando determinada conseqüência a dada
hipótese. As prescrições normativas, então, não são verdadeiras e nem falsas, mas
apenas válidas ou não válidas, conforme se amoldem ou não ao padrão de validade
de dado ordenamento.
Já as proposições jurídicas são descritivas e visam a descrever uma norma jurídica. Consideram-se verdadeiras se descrevem com fidelidade as normas jurídicas
e falsas se não ocorrer tal fidelidade.
As normas jurídicas não possuem então a prefalada unidade organizacional,
pois, como dito acima, as autoridades políticas simplesmente baixam atos de vontade, no exercício de suas competências constitucionais. Apenas indiretamente, ou
seja, por intermédio das proposições jurídicas é que o cientista jurídico poderá captar a harmonia e a unidade do ordenamento jurídico.
Explica Fábio Ulhoa Coelho:
Em outros termos, se entre a proposição jurídica descritiva da norma A e a descritiva da norma B se estabelece contradição, então
essas normas não podem ser simultaneamente afirmadas como
válidas (...)
O entendimento acerca da formação do sistema jurídico, de congruência lógica, unicamente por meio das proposições jurídicas
guarda íntima relação com a natureza constitutiva do conhecimento (...)3.
Cabe ao conhecimento jurídico científico descrever as normas jurídicas, por
meio das proposições jurídicas.
Como esclarece Fábio Ulhoa Coelho:
Ao estudar o material bruto derivado dos atos de vontade expressos em normas jurídicas, a ciência do direito deve descrevêlo como um sistema lógico. As antinomias perdem o sentido de
contradição através da ciência jurídica, que identifica a ordem
positiva como um sistema dinâmico de normas, abstraindo o
seu conteúdo e relacionando-as pela trama de competências
para a sua produção. O resultado será a própria constituição
da ordem jurídica.4
3 Para Entender Kelsen, p. 9-10.
4 Idem, p. 56.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
351
Desta forma, a ciência jurídica através do uso das proposições jurídicas reconstrói o ordenamento jurídico de maneira lógica, convertendo o produto legislado em uma descrição coerente e harmônica do direito.
Porém, quais seriam as linhas mestras para esta descrição harmônica? Em outras palavras, de que maneira poder-se-iam resolver as antinomias que surgem do
conflito de normas jurídicas vigentes e válidas?5
Para a solução destes problemas, há a necessidade de se saber qual o tipo de
Estado que editou o ordenamento. Se há um Estado totalitário, a harmonia do ordenamento é ditada pelos valores de absolutismo do poder estatal. Se se trata de um
Estado liberal, os valores que pautam a harmonia são os da liberdade ampla do particular, com a restrição da atuação do Estado.
A concepção da Constituição brasileira vigente foi a de um Estado democrático de direito (art. 1º). Os fundamentos colocados nos incisos do artigo 1º não
permitem a compreensão de um Estado simplesmente liberal, mas com vertentes para o campo social; assim, a melhor denominação seria Estado social democrático de direito6.
Portanto, a ordem jurídica brasileira concilia o liberalismo e o intervencionismo em prol da justiça social. Garantindo-se esta ordem, não se asseguram apenas normas de organização social, mas também direitos e garantias fundamentais,
essenciais à dignidade humana e historicamente conquistados nas etapas do
constitucionalismo.
Assim, os valores essenciais à dignidade humana no Estado brasileiro servem
de pálio para a escolha da norma jurídica aplicável a determinado caso concreto,
pois toda a coerência do sistema jurídico será pautada por estes valores que qualificam o modelo de Estado erigido na Constituição de 1988.
Logo, havendo conflito aparente de normas jurídicas válidas e vigentes, será
aplicável aquela que proteger um valor hierarquicamente superior, ou seja o valor
que tiver maior identidade com a preservação da dignidade da pessoa humana, concepção nuclear do Estado (social) democrático de direito.
Para exemplificar a importância deste raciocínio, desconsiderando os tradicionais métodos de solução de conflito aparente de normas, imagine-se que determinado militar foi detido por seu oficial superior, em razão do não cumprimento de
uma ordem a ele dirigida. Para a garantia do direito ambulatorial do detido, existem
dois dispositivos constitucionais: o artigo 5o, LXVIII, CF (que prevê o remédio do
habeas corpus) e o artigo 142, § 2o, CF (que afirma não caber habeas corpus em relação a punições disciplinares militares).
Como no exemplo dado se trata realmente de uma punição disciplinar militar,
poderia se deduzir que é cabível o artigo 142, § 2o, CF em detrimento do outro, in5 Logo, não se está abordando os casos de revogação e de inconstitucionalidade.
6 Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 338.
352
faculdade de direito de bauru
vocando-se o princípio da especialidade, em que uma regra especial prevaleceria sobre a geral, como uma exceção à amplitude da garantia ao direito ambulatorial.
No entanto, sendo o ordenamento jurídico brasileiro pautado pelos valores
essenciais à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), a norma a ser escolhida
deve ser a que mais se aproxima destes valores, ou que defenda eles, em respeito a
esta hierarquia axiológica.
Assim, a norma aplicável não será simplesmente escolhida com base na fórmula do princípio da especialidade, mas convém averiguar se a norma tida como especial realize um valor hierarquicamente superior à outra.
Ora, a vedação mencionada ao uso do habeas corpus se fundamenta na preservação da autoridade e da disciplina militar. O uso do habeas corpus é consagrado como proteção a um direito essencial à vida digna do ser humano, ou seja, a proteção da liberdade de ir, vir e ficar, em oposição a atos abusivos ou ilegais. Portanto,
o valor relativo à disciplina militar, embora importante, é hierarquicamente inferior
à proteção à liberdade de locomoção.
Desta forma, a escolha do exegeta não pode simplesmente se resumir no princípio da especialidade, mas também no respeito da hierarquia axiológica. Destarte,
a melhor solução hermenêutica no exemplo dado é considerar que o artigo 142, §,
2o, CF apenas preconizou que é possível a prisão disciplinar militar e por este fato,
por si só, não cabe o remédio constitucional do habeas corpus, mas quando houver
ofensa à liberdade de locomoção por atos abusivos ou ilegais, será cabível o habeas
corpus, com base no outro dispositivo citado. Logo, nesta solução houve o respeito
ao valor de proteção ao direito ambulatorial contra abuso de poder e ilegalidades,
resolvendo a antinomia surgida pelos dispositivos aparentemente antagônicos.
Em conclusão, verifica-se que a solução para o conflito aparente de normas
não deve abandonar a hierarquia axiológica existente em determinado Estado, que
dá a tônica da unidade sistêmica do ordenamento jurídico.
BIBLIOGRAFIA:
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 8ª ed. rev. amp., São Paulo: Malheiros, 1999.
COELHO, F. U. Para entender Kelsen. São Paulo: Saraiva, 2001.
KELSEN, H. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2a. ed., Trad. Luís Carlos Borges,
São Paulo: Martins Fontes, 1992.
________ Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
DESCONTO NO IPVA: É CONSTITUCIONAL?
Sérgio Resende de Barros
Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP), onde é professor nos cursos de
graduação e pós-graduação. Secretário da Associação Brasileira
dos Constitucionalistas – Instituto Pimenta Bueno.
Porque concede, aos que não cometeram infrações de trânsito, descontos
no Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, a Lei nº
11.400, de 21/12/99, do Estado do Rio Grande do Sul, trata de matéria tributária.
Tendo nascido da queda do veto, foi promulgada pelo Presidente da Assembléia
Legislativa. Se for impugnada pelo Governador ante o Tribunal de Justiça em
ação de inconstitucionalidade, mais uma vez se julgará a questão de ser privativa do Executivo a iniciativa das leis tributárias. Essa questão tem sido freqüente
e repetitiva nos tribunais brasileiros. Daí, a conveniência de reexaminá-la doutrinariamente.
Entre as leis de iniciativa privativa do Presidente da República, definidas no §
1o do art. 61 da Constituição federal, não estão as leis tributárias, exceto as dos Territórios. Interpretem-se em conjunto as alíneas do inciso II desse § 1o. Aí, quando a
Constituição quer incluir, além dos Territórios, também a União, os Estados, o Distrito Federal, ela o diz expressamente. Nada disse de iniciativa privativa em matéria
tributária, a não ser na alínea “b” e só para os Territórios. Como não há Território,
conclui-se: enquanto durar essa situação, o Presidente da República não tem iniciativa privativa de nenhuma lei tributária. E, se vier a ser criado algum Território, somente em relação a ele será privativa do Presidente da República a iniciativa de leis
em matéria tributária. Em suma: como não há e enquanto não houver norma excep-
354
faculdade de direito de bauru
cionante, a iniciativa das leis tributárias segue a norma geral fixada no caput do art.
61, ou seja: é competência comum às pessoas e entidades aí discriminadas.
Ademais, da combinação do inciso II do caput com o § 2o do art. 165 da Constituição federal, não deriva competência privativa para iniciar lei tributária. Por esses
dispositivos, lei de iniciativa do Executivo estabelecerá diretrizes orçamentárias e
disporá, entre outras matérias, sobre as alterações na legislação tributária. Mas daí
não se conclui ser privativa do Executivo a iniciativa da lei tributária. Essa conclusão
cairia no absurdo de retirar do menor o maior. A lei de diretrizes orçamentárias dispõe apenas sobre alterações e não sobre toda a elaboração da legislação tributária,
incluído seu início. Portanto, de seus dispositivos menores, limitados à alteração,
não se pode tirar uma norma maior que se projete sobre toda a legislação tributária, para excepcioná-la da norma geral de iniciativa. Pressuposto de alterar é existir,
pois não se pode alterar o que ainda não existe. Dispositivos sobre alteração não
atingem o início da existência da coisa alterada. Nesses dispositivos peculiares ao orçamento, a Constituição apenas faculta a uma lei especial fixar diretrizes gerais sobre alterações da legislação tributária, respeitados os princípios constitucionais da
tributação, incluso o da abertura (não-privatividade) da iniciativa da lei tributária.
Caso contrário, no lugar de diretrizes orçamentárias, haveria normas excepcionantes das normas constitucionais da tributação, o que seria inconstitucional.
Aliás, na verdade, a lei de diretrizes orçamentárias é de iniciativa privativa do
Executivo exatamente porque não é lei tributária, mas orçamentária. Orçamento é
próprio do Governo. Por isso, a Constituição faz privativa do Executivo a iniciativa
das leis orçamentárias. Mas não das leis tributárias. Tributo interessa a todo o povo,
bem de perto. Por isso, a todos os Poderes que agem em nome do povo. Daí, a abertura da iniciativa legislativa tributária.
Tudo isso vale para o Estado do Rio Grande do Sul, cuja Constituição dispõe
do mesmo modo que a Federal: não reserva ao Executivo a iniciativa das leis tributárias. É o que se evidencia da leitura de seus artigos 60, 82 e 149. Pelo que se conclui: é constitucional, em sua iniciativa legislativa, a Lei estadual nº 11.400/99, que
premia os bons e pontuais contribuintes com descontos no IPVA. Aliás, premiar o
bom para realçá-lo como modelo social é um dos papéis do direito. A função premial ganha vulto sobre a função punitiva, na medida em que a evolução social propicia o desenvolvimento cultural do Estado democrático de direito. Dessa evolução,
em suas tradições, os gaúchos têm sido pioneiros no Brasil. Essa Lei, certamente, seguirá do Rio Grande do Sul como modelo para os demais estados.
Para inibi-la, não se diga que os descontos tumultuariam a execução orçamentária, ao retirar receitas com que o Governo contava. Esse argumento talvez valesse,
se fosse imediata a execução. Mas o anula a norma da Constituição maior (art. 150,
III, b) inegável na Constituição gaúcha (art. 140): os tributos, os aumentos e, por decorrência, os descontos tributários só se cobram no exercício seguinte ao de sua
criação, a fim de dar tempo, ou ao cidadão para se adaptar ao tributo, ou ao Estado
Revista do instituto de pesquisas e estudos
355
para se adaptar ao desconto. É a versão atual de um princípio ancestral: o da anualidade tributária
Enfim, não se diga que o art. 144 da Constituição gaúcha torna inconstitucional a Lei em foco. Esse artigo só faz apropriação e repasse de receita. Não, de competência. Obviamente, se retirasse do estado-membro a competência legislativa tributária sobre propriedade de veículos automotores, outorgada pelo art. 155, III, da
Constituição federal, esse art. 144 é que seria inconstitucional.
Não há, pois, motivo algum por que afastar uma Lei que é plenamente constitucional e, no mérito, premia o bom cidadão. Ela atende adequadamente à função
social da tributação e à função premial do direito. Ao mesmo tempo, compõe – nas
condições tributárias, orçamentárias e financeiras postas pela Constituição – o interesse da Cidadania com o interesse do Estado.
Como tornar efetiva a norma ambiental
Heraldo Garcia Vitta
Professor de Direito Administrativo, Mestrando na PUC-SP. Pres. do IBADIP
(Instituto Bauruense de Direito Público) e Juiz Federal em Bauru (SP).
O meio ambiente é preocupação de todos os povos. As nações mais desenvolvidas reúnem-se buscando instrumentos pelos quais poderiam impedir ou diminuir
a degradação ambiental. Apesar dos esforços, vemos notícias cotidianas nas quais o
homem degrada o ambiente; ao mesmo tempo em que países, em especial os de
menor envergadura política, não conseguem barrar os excessos cometidos por pessoas físicas e jurídicas, e nem mesmo punir os culpados por tais danos ambientais.
As reuniões não tem o resultado esperado, a ponto de exigirem novos conclaves, a fim de que outros rumos sejam ditados em prol da proteção ao meio ambiente. As conquistas efetivas são poucas, os caminhos a serem percorridos são muitos,
e, enfim, nesta longa trajetória mundial sobreleva a interpretação e aplicação das
normas ambientais, tendo em vista a existência, hoje, na maioria dos países civilizados, de normas jurídicas –sobretudo constitucionais – altamente protetoras e indicativas de punição aos infratores do meio ambiente. Trata-se de normas voltadas
para o bem-estar social, para a vida humana, para o direito à vida dos homens que
habitam este planeta. Por isso, a escolha do tema é feliz; tem muito a ver com as necessidades dos povos, sobretudo do Brasil, rico em legislação, porém fraco, pusilânime em sua aplicação, talvez pela ausência de uma melhor interpretação das normas constitucionais programáticas e pela ausência de uma estrutura mais firme, definida e independente do Poder Judiciário, função colocada, infelizmente, abaixo das
demais, notadamente quanto ao aspecto orçamentário, inviabilizando sua atividade
de protetor dos cidadãos, das pessoas de bem deste país.
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faculdade de direito de bauru
Como se sabe, a ordem jurídica é um sistema de normas jurídicas escalonadas
em diferente camadas ou níveis, na qual a Constituição tem supremacia em face das
demais leis do ordenamento. Mas toda e qualquer norma jurídica, constitucional, legal ou infra-legal é um imperativo, no sentido de prescrever condutas devidas e
comportamentos proibidos. Todas elas têm eficácia, mesmo as normas constitucionais programáticas, isto é, as que indicam um programa, norte ou princípio a ser seguido pelas autoridades e pelas pessoas submetidas a seu regime. O fato de haver
necessidade de lei infra-constitucional para dar-lhes eficácia plena, não lhes retira a
eficácia “negativa”, pois as normas constitucionais programáticas a) impedem a edição de leis e atos administrativos que as infrinjam; e b) inviabilizam qualquer comportamento que as contrariem.
Portanto, as normas constitucionais programáticas, tendo eficácia jurídica no
sentido apontado, permitem ação rápida e escorreita de qualquer do povo (legitimamente competente) para atuar em prol dos valores protegidos por elas: há direito subjetivo público do titular, ainda que não hajam as normas infra-constitucionais
a dar-lhes eficácia plena.1
A mesma idéia ou contorno jurídicos podemos vislumbrar nos princípios
constitucionais. São o mandamento nuclear de um sistema, disposição fundamental
a qual se irradia sobre diferentes normas, servindo de compreensão e inteligência,
de aplicação das normas jurídicas com que eles se conectam.
Ao respeito, dispõe o artigo 225, caput, da Constituição Brasileira: “Todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”2
Ora, a contar desta proposição jurídica enunciativa, mas de função evidentemente prescritiva, diretiva, a proteção ambiental tornou-se imperativo de justiça, de
proteção efetiva, mediante interpretação e aplicação das normas (constitucionais ou
não) em face dela. Logo, todas as normas e comportamentos devem-lhe obediência;
todos os comandos normativos devem-lhe conformação.
A violação aos princípios é muito mais grave do que a violação da norma, pois
aquela caracteriza-se pela insurgência contra todo o sistema, contra seus valores fundamentais, a ponto de corroer a estrutura jurídica do país. Com maior razão, o jurista deve atentar para que não sejam infringidos.
Por conta da disposição constitucional acima referida, o conceito de meio ambiente deve ser amplo, e não meramente restritivo. Deve abranger o meio ambiente natural (solo, água, ar atmosférico, flora, fauna, biosfera, etc), o artificial (espaço
urbano – ruas, praças, áreas verdes e demais assentamentos urbanísticos), cultural
1 Exemplos de normas jurídicas programáticas são as contidas nos diversos incisos do artigo 225, da CF/88.
2 Há outros princípios expressos ou implícitos, genéricos ou específicos, no Texto Constitucional; por causa da brevidade do trabalho, deixaremos de nos ocupar deles.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
359
(patrimônio histórico, cultural, artístico, paisagístico, etc), e do trabalho (relações
entre o local de trabalho e o meio externo em face da saúde/incolumidade físico-psíquica das pessoas). Se, porventura, leis forem editadas impingindo conceito restritivo de meio ambiente, seriam flagrantemente inconstitucionais.
O artigo 23, do Texto Constitucional Brasileiro, cuida da competência material
(de execução, de atividades) da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Entre tais atividades, destacam-se as de proteção ambiental. Para que o dispositivo tenha reconhecida sua eficácia jurídica, devemos entendê-lo e interpretálo de acordo com seus termos: “competência comum dos entes políticos”- todas as
entidades têm responsabilidade na proteção ambiental, tratando-se de responsabilidade solidária. Elas são convocadas, pela norma constitucional, a uma ação conjunta e permanente, e respondem solidariamente por tais obrigações. As omissões podem ser imputadas a quaisquer delas.
Conforme a doutrina tem assinalado, a responsabilidade por danos ambientais é objetiva, independe de culpa do seu causador. No Brasil, há respaldo constitucional (art.175, § 5° e art.225, § 3°). Entretanto, o artigo 3° da Lei 9.605/98 aduz: “As
pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de
seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou
benefício da sua entidade”
Apesar da dicção legal, entendemos ser inconstitucional a exigência de a) decisão do representante legal ou contratual ou do órgão colegiado ; e b) decisão praticada no interesse ou benefício da entidade. Isto porque qualquer requisito que dificulte ou impeça a responsabilização objetiva da pessoa (jurídica ou física) fere o
Texto Constitucional. Aliás, enquanto a ementa da lei cuida da “responsabilização
penal e administrativa” por danos ambientais, no artigo 3°, como vimos, encontramos a “responsabilização civil das pessoas jurídicas”, em evidente inserção indevida,
talvez fruto do esforço de empresas no Congresso Nacional. Finalmente, o dispositivo legal olvidou da “teoria da aparência”, na qual o empregado age como se fosse
o representante legal da empresa, e também da existência das sociedades de fato.
Portanto, entendemos não ser compatível à responsabilização civil objetiva a exigência referida na lei quanto às pessoas jurídicas.
Releva acrescentar, na proteção ambiental, tornando-se efetiva a norma jurídica que a prevê, a ampliação da legitimidade para a propositura da Ação Popular Ambiental. Se é certo que a Ação Civil Pública vem sendo utilizada com mais rigor, não
é menos incorreto afirmarmos ser possível o uso da Ação Popular por qualquer pessoa residente no país, independentemente de ser cidadão brasileiro ou não. Com
efeito, enquanto na proteção do patrimônio público impõe-se, ao autor, esta qualidade (a de ser cidadão brasileiro) a ação popular utilizada para proteger o meio ambiente prescinde dela; vale dizer, em face do disposto no artigo 5°, inciso LXXIII, c.c.
o artigo 225, caput, do Texto Constitucional, parece-nos possível o entendimento
360
faculdade de direito de bauru
segundo o qual todos os que aqui residem têm legitimidade ativa para a propositura da ação popular ambiental, independentemente de ser cidadão ou não. Esta interpretação, além de defluir do próprio Texto Maior, permite participação de toda a
sociedade na proteção ambiental.
Ainda no tocante à Ação Popular Ambiental, evidentemente, seus pressupostos ou requisitos não podem ser o binômio ilegalidade-lesividade; o artigo 5°,
LXXIII, acima referido, não exige dois requisitos – bastaria um ou outro. Sobretudo
na proteção ao meio ambiente, apenas a lesividade ao ambiente é suficiente para a
propositura da ação e posterior responsabilização dos culpados aos danos causados.
Prescinde-se da ilegalidade do ato. Quanto à legitimidade passiva, nenhum óbice
constitucional existe de impedir a propositura da ação contra ato de particular. Conforme se disse, basta a lesão ao ambiente. No pólo passivo poderão atuar: o Estado
e/ou o particular.
É de rigor equiparmos o Judiciário de meios para melhor aplicar as normas ambientais. É que dependem, os juízes, muitas vezes, de elementos técnicos,
elaborados por peritos, nem sempre qualificados para a missão. Na Nova Zelândia,
há 45 anos existe um órgão judicial separado para decidir litígios ambientais. Tratase de um tribunal para o meio ambiente composto por juízes (seis) e comissários
(doze), estes advindos de outras profissões, com incumbência técnica e de composição amigável dos litígios (mediação). Talvez esta experiência possa auxiliar o Judiciário brasileiro no manejo da questão ambiental, embora reconheçamos não descurarmos dos aspectos eventualmente políticos na escolha dos comissários, se fosse aceita a tese no país.
Com os mesmos propósitos, como a proteção ambiental tornou-se universal, de interesse de todas as nações, tribunais regionais e de âmbito ainda maior
poderiam ser criados, mas de forma paritária na escolha dos representantes, a fim
de não deixar prevalecer apenas o interesse dos países mais desenvolvidos, como
ocorre em algumas instâncias internacionais.
Quanto ao procedimento administrativo para a apuração de lesão ambiental (infração administrativa), devemos aplicar as normas da Lei 9.605/98 (art.70 e
segs); supletivamente, as da recente lei federal 9.784, de 29 de janeiro de 1999, a
qual regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Nos Estados, devem ser aplicadas as normas da Lei 9.605/98 (art.70 e segs), e o procedimento administrativo respectivo, se houver, de maneira supletiva.
Com estas breves palavras, esperamos ter contribuído para uma melhor
aplicação das normas ambientais, buscando torná-las efetivas.
INGRESSO NOS TRIBUNAIS
Agapito Machado
Juiz Federal 4ª Vara-CE e Prof. da Unifor
01. Diferentemente dos Parlamentares, Governadores e Presidente da República que são eleitos pelo povo após caríssima campanha eleitoral, parte dos
membros do Poder Judiciário, no caso, os magistrados de 1º grau, só assumem
o cargo mediante a aprovação em rigoroso concurso público, de provas e títulos, após rigorosa pesquisa prévia de sua integridade moral, e com a participação da OAB.
02. A pesquisa a respeito da integridade moral dos Juizes de 1º grau prossegue até por dois (2) anos após o exercício do cargo quando, somente então, adquirem vitaliciedade. E, mesmo vitalícios, se cometerem desatinos, poderão perder o
cargo, a qualquer tempo, através de sentença judicial transitada em julgado. São, ainda, diuturnamente fiscalizados pelas partes, através da ampla via recursal e, internamente, através das Corregedorias.
03. Os magistrados que compõem os Tribunais de Justiça, Regionais Federais,
entre outros, ali chegam por antigüidade ou merecimento. Por merecimento, critério meramente subjetivo, os guindados não se submetem a concurso público mas,
simplesmente, são nomeados pelos Políticos: os da área federal, pelo Presidente da
República e os da Estadual, pelo Governador, e são vitalícios imediatamente, vale dizer, no ato da posse, além de não serem fiscalizados pelas Corregedorias porque estas não existem para membros dos Tribunais.
04. Diz-se, portanto, que os Tribunais, salvo raríssimas exceções, contemplam
o chamado aspecto eclético, vale dizer, a junção/experiência de juízes concursados
vindos do primeiro grau, bem como de representantes do Ministério Público tam-
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faculdade de direito de bauru
bém concursados em primeiro grau, e de advogados, estes, entretanto, sem necessidade de terem feito nenhum concurso público anterior.
05. Os Tribunais de Justiça e os Regionais Federais são compostos de 4/5 de
Juízes de 1º grau, sendo que 1/5 é destinado ao Ministério Público e Advogado.
06. O Superior Tribunal de Justiça, conforme artigo 104, da C.F/88, é composto de 33 (trinta e três) Ministros, nomeados pelo Presidente da República sendo: a)
1/3 de Juízes egressos dos TRFs e de Desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice pelo próprio Tribunal; e b) l/3, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do DF e Territórios, alternadamente indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação (MP e
OAB).
07. O Advogado, na verdade, é o único que chega aos Tribunais Inferiores (TJs
e TRFs) e Superiores (STJ), sem se submeter a concurso público nenhum, nada impedindo que a Ordem dos Advogados o realize para escolher os seis (6) mais competentes, antes de remeter a lista ao Chefe do Executivo para fins de nomeação.
08. Se a Ordem dos Advogados do Brasil realizasse o referido processo seletivo de escolha dos mais competentes, sem dúvidas que tanto os Tribunais como os
jurisdicionados ganhariam muito, pois os Tribunais poderiam contar, em seus quadros, na vaga destinada a Advogado, com profissionais de indiscutível competência
como nomes nacionais de : Celso Antônio Bandeira de Melo, Hely Lopes Meireles
(quando vivo), Abreu Dalari e cearenses como Pádua Lopes, Valmir Pontes Filho,
Raimundo Bezerra Falcão, , Roberto Martins Rodrigues e tantos outros que também
se dedicam ao magistério de induvidosa competência. Com a palavra a OAB.
09. No tocante ainda ao acesso dos Advogados aos quadros dos Tribunais há outro aspecto preocupante, em termos Constitucionais, que é a transformação, em breve, do Superior Tribunal de Justiça, em Superior Tribunal dos Advogados, com o beneplácito do STF que interpretou com tremenda infelicidade a Constituição Federal.
10. Quando surge uma vaga num TJ ou TRF, destinada à classe de Advogado
e este vem a assumi-la, a partir daí, segundo o STF, ele passa a ser Desembargador
ou Juiz de Tribunal e não mais mantém a origem/classe de advogado.
11. Com efeito, quando surgir uma vaga de Ministro no Superior Tribunal de
Justiça destinada a Juiz ou Desembargador, aquele então advogado oriundo do TJ
ou TRF poderá assumi-la tranqüilamente, se nomeado por “merecimento” pelo Presidente da República, o que vale dizer, aquele 1/3 originariamente destinado, no STJ,
a Juízes dos TRFs e Desembargadores do TJ, previstos no art. 104,parágrado único,
I, da CF/88, em breve ficará reduzido e quem sabe, até eliminado, passando o STJ
ser composto em quase sua totalidade de Ministros que, antes, eram advogados e
oriundos dos TJs e TRFs.
12. Resumindo: surgindo no STJ um vaga de Ministro destinada à classe de Advogado (CF.art.104, p.u. II), será ela de um Advogado. Em surgindo no mesmo STJ
uma vaga destinada a Juiz ou Desembargador (CF.art.104, p.u. I), poderá ser preen-
Revista do instituto de pesquisas e estudos
363
chida por um Juiz do TRF ou Desembargador do TJ que ali havia ingressado na vaga
destinada a Advogado, o que implica dizer: atualmente, por força de inusitada decisão do STF, o advogado está ingressando no STJ tanto pelo inciso I como pelo II do
parágrafo único do art. 104 da CF. Será isso bom para a cidadania?
13. Quero deixar registrado, para que não paire nenhuma dúvida, que não estou afirmando que Ministros do STJ que ali chegaram na classe originária de Advogado ou egressos dos TJs ou TRFs na classe de advogado sejam incompetentes. Pelo
contrário: um dos mais competentes, decentes, humildes e dedicados à causa da
Justiça que conheço de perto, é o Ministro e atual Presidente daquela Corte Superior, Costa Leite, por quem tenho profunda admiração e respeito e que chegou ao
STJ na vaga destinada a advogado.
14. Quando defendo, em plena atividade, a necessidade de concurso público
para todos os integrantes do Poder Judiciário, o faço de modo institucional, sem
pretender mencionar quem quer que seja.
15. E porque defendo esse ponto de vista? A resposta é simples e vem em socorro do próprio Poder Judiciário, porque é muito comum se dizer que esse ou
aquele Juiz de Tribunal ou Ministro julgou de tal modo para agradar o Presidente da
República ou o Governador que o nomeou.
16. Todavia, até para poupar os membros dos Tribunais, das aleivosias contra
eles injustamente assacadas, penso que o concurso público, tal como é realizado
para os Juízes de 1º grau e Ministério Público, poderia ser também adotado, na ausência de critério objetivo melhor, para o ingresso nos nossos Tribunais, notadamente por Advogados, estes, não concursados na origem em momento algum.
A TRADIÇÃO DO PENDURA PRECISA SER MANTIDA!
Luíz Flávio Borges D’Urso
Advogado Criminalista, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados
Criminalistas – ABRAC, Presidente da Academia Brasileira de
Direito Criminal – ABDCRIM, Conselheiro e Diretor Cultural da OAB/SP,
Mestre e Doutorando em Direito Penal pela USP, é Membro do
Conselho Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça.
Este artigo originou-se de uma palestra que proferi aos estudantes de direito,
sobre nossa tradição do pendura, durante a Semana Jurídica promovida por Faculdade de Direito, no mês de agosto.
No dia 11 de agosto comemoramos a fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil, criados por ato do Imperador Dom Pedro I, que estabeleceu:
Dom Pedro Primeiro por graça de Deus e unanime aclamação dos
Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil. Fazemos saber a todos os nossos súditos, que a Assembléia Geral Decretou
e nós queremos a lei seguinte: Art. 1º - Crear-se-ão dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na cidade de São Paulo e outro na de
Olinda, e neles no espaço de cinco anos e em nove Cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes .......Dada no Palácio do Rio de Janeiro
aos onze dias do mês de agosto de mil oitocentos e vinte e sete, Sexto
da Independência. IMPERADOR PEDRO PRIMEIRO.
A partir dessa data foram abertas as portas para que os brasileiros pudessem
estudar ciências jurídicas e sociais em sua terra natal. Assim, o dia 11 de agosto tor-
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faculdade de direito de bauru
nou-se a data mais significativa para o contexto jurídico brasileiro, sempre comemorada, perpetuando a tradição do pendura entre os acadêmicos de direito.
De origem não muito bem definida, conta-se que o pendura pode ter nascido
de uma antiga prática dos proprietários que formulavam convites para que os acadêmicos, seus clientes, viessem brindar a fundação dos cursos jurídicos, no dia 11
de agosto, em seus restaurantes, oferecendo-lhes, gentilmente, refeição e bebida.
Com o passar dos tempos, os convites diminuíram e foram acabando, obrigando assim os acadêmicos que se auto-convidassem.
Graças a essa iniciativa, a tradição foi mantida até nossos dias, consistindo em
comer, beber e não pagar, solicitando que a conta seja “pendurada”. Tudo isso, é claro, envolvido num imenso clima de festa.
O cuidado para não correr qualquer risco deve começar com a escolha do
restaurante, indicando-se os de primeira linha, quanto mais “fino” melhor. A experiência pendureira indica que deve-se evitar os restaurantes orientais, pois invariavelmente os proprietários e garçons praticam artes marciais e poderão pretender resolver a questão do pendura internamente, o que precipitará risco desnecessário.
Vale lembrar que as churrascarias representam boa escolha, todavia, jamais
aquelas que servem pelo sistema “ rodízio”, nas quais os garçons vão às mesas servir os clientes, portando enormes facões afiadíssimos, portanto, por razões óbvias,
devem ser evitadas também.
O verdadeiro pendura, segundo a tradição, deve ser iniciado discretamente,
com a entrada no restaurante, alarde, em pequenos grupos, para não chamar a atenção. As roupas devem ser compatíveis com a local escolhido.
Deve-se procurar uma mesa em local central, quanto mais visível melhor. Prossegue-se, com bastante calma, observando-se cuidadosamente o cardápio, inclusive
os preços, que sabe não irá desembolsar. O pedido deve ser normal, discreto, sem
exageros, admitindo-se inclusive camarões e lagostas.
Quanto à bebida, os jovens devem ser comedidos, pois dela necessitam para
“aquecer” suas cordas vocais, preparando-se para o discurso de agradecimento ao
gentil “ convite” da casa, todavia, a bebida em demasia, pode transformar o discurso e o pendura num desastre.
Ao final, quando satisfeitos, após evidentemente a inevitável sobremesa, pedese a conta, lembrando-se de um detalhe que faz parte da tradição e não pode ser
desrespeitado, que é o pagamento dos 10% da gorjeta do garçom.
Após isso, o líder e orador, deverá levantar-se e começar a discursar sempre
saudando o estabelecimento e seu proprietário, agradecendo o “convite” e a hospitalidade, enaltecendo a data, os colegas, a faculdade de origem, o Direito e a Justiça, tudo isso, sob o estímulo dos aplausos e brindes dos demais colegas do grupo.
Esse é o verdadeiro pendura, que pode ser aceito ou rejeitado. Caso aceito, ficará um sabor de algo faltante! Agora, se rejeitado, deve partir dos estudantes de di-
Revista do instituto de pesquisas e estudos
367
reito a iniciativa de chamar a polícia e, de preferência dirigindo-se todos à delegacia
mais próxima, o que lhes dará alguma vantagem pela neutralidade do terreno.
No distrito policial, convém solicitar a elaboração do Boletim de Ocorrência,
consignando-se o cardápio apreciado e o valor da conta, o que transformar-se-á
numa lembrança para o resto da vida, às vezes até emoldurada para decorar o futuro escritório de advocacia.
Convém prevenir que eventualmente a autoridade policial, na frente do proprietário do restaurante, poderá passar uma descompostura nos estudantes, censurando-os com intensidade. Isso passa logo após a dispensa do representante da Casa
que recepcionou os jovens, pois muito provavelmente, pelo resto da noite, os estudantes estarão à frente de um delegado de polícia, que fatalmente também foi um
“pendureiro” e terá vários “casos” a relatar. Não tem nada mais agradável!
Agora, caso eventualmente os jovens se defrontem com um delegado que tenha sido um pendureiro frustado, terão os estudantes de direito, nessa noite, a
oportunidade de experimentar o primeiro contato com o tão famoso sistema prisional brasileiro, o que é pouco provável.
Existe também, outras modalidades do pendura, que são distorções da tradição, conhecidas pelas alcunhas “troglodita” e “diplomática”.
A primeira, “troglodita”, bastante primitiva, consiste em, após a refeição, sair
correndo do restaurante, levando no peito tudo e todos que estiverem a sua frente,
nivelando os estudantes ao “gatuno” que foge para não ser apanhado, cometendo
algo errado.
Esta modalidade deve ser evitada, pois tal conduta poderá caracterizar o crime de dano, caso algo seja destruído, o que é muito comum, quando se atropela cadeiras e mesas, guarnecidas de pratos e copos, além do risco de um ferimento, resultados que estragariam a festa.
Note-se que não há crime na tradição do pendura, pois o delito preconizado
pelos pendureiros frustados – aqueles que sempre desejaram pendurar, sem coragem para tal —, confunde-se com o tipo penal no qual o sujeito realiza refeição sem
que tenha condições para seu pagamento, caracterizando o crime.
No pendura, a refeição é realizada, todavia, o estudante deverá ter consigo dinheiro, cheque ou cartão de crédito, portanto, meios para pagar a refeição, descaracterizando o tipo penal e afastando o delito, de modo que, embora tenha condições para pagar, não o fará em respeito à tradição.
Na outra modalidade, “diplomática”, mais pacífica, a diplomacia determina que
os acadêmicos devam solicitar reservas, revelando o pendura e somente com a concordância do proprietário, fazem a refeição e saciam sua fome, mas não a tradição, posto
que fica o estudante de direito nivelado ao que mendiga um prato de comida.
Todo o cuidado para que o pendura seja mantido em sigilo deve ser empreendido, pois caso contrário, o risco no preparo da comida é gigantesco, portanto, execramos o pendura diplomático, uma vez que relatos de cozinheiros revelaram que
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faculdade de direito de bauru
alimentos estragados foram servidos aos estudantes, mas não sem antes terem sido
lavados nas latrinas fétidas daqueles restaurantes, para divertimento dos cozinheiros
que observavam os pobres estudantes comendo, somente tentando manter viva a
tradição, embora distorcida.
Todas inovações devem ser evitadas, preservando-se a tradição do pendura,
com o indispensável discurso, rememorando o papel daqueles “moços” que fizeram
os caminhos de nosso país, estimulando, assim, o empenho destes outros “moços”,
jovens, para que transformem os destinos da nação!
acórdãos
TST. Remessa de Ofício em Ação Rescisória
nº TST-RXOFAR - 748.490/2001.3, em que é
Remetente TRT da 13ª Região.
Autora União
Federal e Interessados Ana Maria Nunes
Modesto e Outros.
A interpretação dada pela egrégia Suprema Corte
a uma norma, no que tange ao aspecto de sua
constitucionalidade, atua ex nunc, como óbice a que se
argua a existência anterior de decisões
controvertidas nos tribunais inferiores.
Anelia Li Chum
Juíza Relatora
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Remessa de Ofício em Ação Rescisória nº TST-RXOFAR-748.490/2001.3 , em que é Remetente TRT da 13ª REGIÃO,
Autora UNIÃO FEDERAL e Interessados ANA MARIA NUNES MODESTO E OUTROS.
Sobem os autos a esta egrégia Corte por via de remessa obrigatória. Não há
recurso voluntário de qualquer das partes.
Trata-se de Ação Rescisória proposta pela União Federal contra Ana Maria
Nunes Modesto e Outros; visando desconstituir o v. acórdão proferido pelo egrégio TRT da 13a Região, que condenou a ora autora ao pagamento de diferenças resultantes das URP’s de abril e maio de 1988, URP de fevereiro de 1989 e gatilho de
junho/87.
faculdade de direito de bauru
372
O IPC de março de 1990 já fora excluído por decisão proferida no recurso de
revista oposto pela União na ação originaria, que não foi conhecida quanto aos demais temas.
O egrégio Regional, considerando a invocação do art. 5o II, XXXVI e 61, § 1o,
II, “a” da CF, agasalhou parcialmente a rescisória e proferiu novo decisum agora com
permanência da condenação apenas, com relação ao reajuste de 7/30 de 16,19% calculado sobre o salário de março e incidente sobre os meses de abril, maio, junho e
julho , não cumulativamente e corrigido desde a época própria até a data do efetivo pagamento. Parecer às fls. 277/278 é pela mantença do decidido. É o relatório.
VOTO
Não há recurso voluntário.
A jurisprudência pacifica da Corte é no sentido de que decisão da Suprema
Corte a respeito de tema Constitucional afasta o óbice à propositura de rescisória
por existência de jurisprudência conflitante anteriormente.
De fato já se disse que a norma constitucional não admite interpretação razoável como tema de conhecimento de recurso extraordinário. A interpretação que se
projeta ex nunc é adotada pela Suprema Corte que na hipótese, entendeu pela
constitucionalidade das normas que se sucederam no tempo, regendo a política salarial, sem ofensa a direito adquirido.
O que se consagrou como permanência de condenação não atrita com a jurisprudência da Corte no que se refere a URP de abril e maio com suas projeções em
junho e julho. Mantenho o decidido por que conforme com a lei e jurisprudência
desta Corte.
ISTO POSTO
A C O R D A M os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento à Remessa de Ofício.
Brasília, 28 de agosto de 2001.
JUÍZA CONVOCADA ANELIA LI CHUM
Relatora
Ciente:
Representante do Ministério Público do Trabalho
TST. Remessa de Ofício em Ação Rescisória
nº TST-RXOFAR - 748.501/2001.1, em que é Remetente
TRT da 10ª Região. Autora União Federal
e Interessados Gilmar Nazaré Guedes Leal
e Outros.
Se o Tribunal já exauriu sua atuação jurisdicional no
caso concreto, a oposição de qualquer exceção não tem
o condão de deslocar o termo inicial do prazo
decadencial. Tratando-se de remessa de ofício, embora
sugerida a multa por litigância de má-fé, entendo
imprópria a agravação da pessoa de direito público.
Remessa de ofício improvida.
Anelia Li Chum
Juíza Relatora
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Remessa de Ofício em Ação Rescisória n º TST- RXOFAR-748.501/2001.1 , em que é Remetente TRT - 10ª REGIÃO,
Autora UNIÃO FEDERAL e Interessados GILMAR NAZARÉ GUEDES LEAL E OUTROS.
Sobem os autos da ação rescisória proposta pela União Federal contra Gilmar Nazaré Guedes Leal e Outros; por via de remessa de ofício, inexistindo recurso voluntário. O egrégio TRT da 10a Região decretou a extinção do processo com julgamento
de mérito, considerando o decurso do prazo decadencial. Parecer às fls. 459/460 é
pela mantença do decidido e aplicação de multa pela “litigância temerária da Autora”. É o relatório.
faculdade de direito de bauru
374
VOTO
Não há recurso voluntário. O problema é de fácil solução. Da decisão proferida
em grau ordinário, confirmatória da r. sentença de 1o grau, veio a parte com Recurso
de Revista. Negado seguimento à revista, opôs o interessado agravo de instrumento, ao
qual foi negado seguimento. Vieram Embargos Declaratórios, acolhidos pelo v. acórdão
de fls. 284/285, com ciência pessoal ao DD Procurador em 19/11/93, fl. 288. Em
23/11/93, isto é após ter o egrégio TST exaurido sua atuação jurisdicional, na espécie,
ingressou a União com exceção de incompetência em razão da matéria e da pessoa, fls.
289/299, dirigida ao Presidente deste sodalício, que indeferiu liminarmente o pedido,
fl. 300, por falta de apoio legal. Veio Agravo Regimental, fls. 302/308, ao qual foi negado provimento, fl. 310. Opostos Embargos Declaratórios, fls. 317/319, foram acolhidos
para esclarecimentos, fls. 323/324, com ciência ao representante da União em 31/10/94.
Ensaiou então a União Recurso Extraordinário, fl. 328, ao qual foi negado seguimento,
do que resultou a oposição de Agravo de Instrumento para Suprema Corte, fl. 347/355.
O Exmo. Relator sorteado na Corte Maior negou seguimento ao agravo com que se pretendia destrancar o extraordinário, fl. 417. Certidão de trânsito em julgado em 11/9/95,
fl.418. Ora, a rescisória foi protocolada em 20 de dezembro de 1995. Se o representante da autora já ficara ciente da decisão proferida nos Embargos Declaratórios com os
quais esta Corte exauriu sua atividade jurisdicional no caso em concreto, não seria a
apresentação de uma desqualificada exceção de incompetência que iria deslocar o termo inicial do prazo decadencial. Notificada em 19/11/93 da decisão dos embargos declaratórios em agravo de instrumento, o prazo recursal teve início na 2ª feira seguinte
(22/11/93), encerrando-se em 07/12/93, pelo que em 07/12/93 se esgotara o prazo de
decadência. Quando assim não fosse, qualquer providência da parte, juntada aos autos,
ainda que desvinculada de iter processual normal serviria a tal providência. Neste caso,
a União se houve com raro capricho, com juntada de documentos repetitivos e desnecessários fazendo com que o feito se arrastasse por dez anos, enquanto os autos se avolumavam sem o mínimo critério, todavia deixo de aplicar a multa sugerida pelo ilustre
representante do Ministério Público porque se trata de remessa de oficio onde me parece impróprio agravar a situação da pessoa de direito público. Nego provimento.
ISTOPOSTO
A C O R D A M os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento à Remessa de Ofício.
Brasília, 28 de agosto de 2001.
JUÍZA CONVOCADA ANELIA LI CHUM
Relatora
Ciente:
Representante do Ministério Público do Trabalho
TST. Remessa Ex Officio em Mandado de
Segurança nº TST-RXOFAR - 752.536/2001.2, em que
é Remetente TRT da 16ª Região. Impetrante
município de são vicente férrer,
Interessados maria das dores pachêco souza
e outros e autoridade coatora juiz titular
da vara do trabalho de pinheiro.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem-se
firmado no sentido de admitir o mandado de segurança mesmo quando a decisão for passível de recurso, se
este não possuir efeito suspensivo e se o ato puder ensejar dano de difícil reparação. Por sua vez, o Tribunal
Superior do Trabalho endossa amplamente tal posicionamento, admitindo o mandado de segurança ainda
que, em tese, pudesse a parte ajuizar embargos à execução
ou interpor agravo de petição. Recurso provido para,
afastado o descabimento, determinar o retorno dos
autos ao TRT de origem para que aprecie o mérito do
mandado de segurança.
Anelia Li Chum
Juíza Relatora
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Remessa Ex Officio em Mandado
de Segurança n º TST- RXOFMS-752.536/01.2 , em que é Remetente TRT DA 16ª RE-
faculdade de direito de bauru
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GIÃO , Impetrante MUNICÍPIO DE SÃO VICENTE FÉRRER , Interessados MARIA
DAS DORES PACHECO SOUZA E OUTROS e Autoridade Coatora JUIZ TITULAR DA
VARA DO TRABALHO DE PINHEIRO . Sobem os autos do Mandado de Segurança
impetrado pelo Município de São Vicente de Ferrer/MA por via de remessa de ofício. Levantou-se o impetrante contra Juíza da Vara do Trabalho de Pinheiro que determinou após homologação de cálculo em execução, expedição de mandado para
pagamento em 48 horas sob pena de seqüestro . O egrégio Regional considerou incabível o mandado de segurança pela existência de recurso previsto no art. 897, letra “a” da CLT. A Procuradoria do Trabalho no opinativo de fls. 61/62 é pela mantença do julgado. É o relatório.
VOTO
Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo Município de São Vicente de
Férrer, com pedido de liminar, contra as decisões proferidas nas execuções trabalhistas
que, homologando cálculos de liquidação, determinaram o pagamento em 48 horas,
sob pena de seqüestro. O egrégio 16º Regional entendeu que as decisões impugnadas
consistem em “ato de execução, que pode e deve ser atacado através de recurso próprio, por força do art. 897, a , da CLT “ e, como conseqüência, “deixou de conhecer” do
mandado de segurança, “por incabível à espécie “. Data maxima venia do e. Regional,
não comungo do seu entendimento, porquanto entendo cabível o presente mandado
de segurança. Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem-se firmado no sentido de admitir o mandado de segurança mesmo quando a decisão for passível de recurso, se este não possuir efeito suspensivo e se o ato puder ensejar dano de
difícil reparação. Por sua vez, o Tribunal Superior do Trabalho endossa amplamente tal
posicionamento, admitindo o mandado de segurança ainda que, em tese, pudesse a parte ajuizar embargos à execução ou interpor agravo de petição. Na espécie, como visto,
impugna-se a decisão que homologou os cálculos exeqüendos e determinou, em relação ao Município, imediato pagamento, sem precatório, sob pena de seqüestro. Para impugná-la, cabível seria o agravo de petição, nos exatos termos do art. 897, letra a , da CLT.
Todavia, tal recurso não possui efeito suspensivo, e o impetrante-recorrente alega dano
de difícil reparação, em decorrência da iminência do seqüestro impugnado. Entendo
que, efetivamente, cabe o mandado de segurança, porque pode ocorrer dano irreparável advindo da ordem emanada da autoridade judiciária. Concluo por dar provimento
ao recurso de ofício para anular, em virtude de erro procedimental, o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Regional, a fim de que julgue o mandado de segurança, como entender de direito, afastado o descabimento, mesmo porque constitui
o meio apropriado para se examinar a ilegalidade ocorrida, pois, em se tratando de feito contra ente público , efetivamente ele terá que garantir o juízo para poder recorrer .
ISTOPOSTO
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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A C O R D A M os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, dar provimento ao Recurso Ordinário para, anulando por erro procedimental a decisão regional recorrida,
determinar o retorno dos autos ao egrégio Tribunal Regional do Trabalho de origem, a fim de que aprecie o mérito do Mandado de Segurança, como entender de
direito, afastado o descabimento.
Brasília, 25 de setembro de 2001.
JUÍZA CONVOCADA ANELIA LI CHUM
Relatora
Ciente:
Representante do Ministério Público do Trabalho
3ª turma trt dA 15ª região. Acórdão 007917/2001SPAJ do Processo 035222/2000-AP-7 publicado em
05/03/2001. Agravo de Petição
por unanimidade de votos, conhecer do agravo de petição interposto pela reclamada, tudo nos termos, forma e limites da fundamentação que a esse dispositivo integra. Custas na forma da lei.
Mauro César Martins de Souza
Juiz Relator
EMENTA
ECT – EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. DESNECESSIDADE DE PRECATÓRIO. EXECUÇÃO NORMAL. Na qualidade de empresa pública que explora atividade econômica, a ECT tem seus bens passíveis de penhora, a teor do disposto no art. 173, § 1º, da Constituição Federal, que não recepcionou a regra inscrita no art. 12 do Decreto-lei nº 509/1969, sujeitando-se a reclamada, pois, ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às
obrigações trabalhistas e tributárias. A execução deve reger-se pelas normas gerais aplicáveis ao processo do trabalho e não via precatório, até porque a executada tem receita própria e seu lucro não é recolhido aos cofres públicos. Agravo
de petição improvido.
faculdade de direito de bauru
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Íntegra do Voto
Inconformada com a r. decisão de fls. 162/164, cujo relatório adoto e que julgou improcedentes embargos à execução, a reclamada interpõe agravo de petição,
consoante razões de fls. 173/179, argüindo que deve ser observado o instituto do
precatório na presente reclamatória para pagamento das verbas devidas.
A reclamante não apresentou contraminuta apesar de intimada para tal (fls.
180 e 182 verso).
O Ministério Público manifestou-se à fl. 205 verso.
É o relatório.
V O T O
Conheço do agravo, eis que interposto pela parte legítima e processualmente
interessada, com perfeita representação (fls. 12, 112/114 e 182), sendo tempestivo,
e houve delimitação justificada de matéria, estando, pois, regularmente processado.
Sem razão a irresignação da agravante.
Na qualidade de empresa pública que explora atividade econômica, a ECT tem
seus bens passíveis de penhora, a teor do disposto no art. 173, § 1º, da Constituição
Federal, que não recepcionou a regra inscrita no art. 12 do Decreto-lei nº 509/1969,
sujeitando-se a reclamada, pois, ao regime próprio das empresas privadas, inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.
Desta forma, a execução deve reger-se pelas normas gerais aplicáveis ao processo do trabalho e não via precatório, até porque a executada tem receita própria
e seu lucro não é recolhido aos cofres públicos.
Não há irregularidade, nulidade ou excesso na penhora de fl. 156, a qual reputa-se válida e eficaz.
Diante do exposto, conheço do agravo de petição interposto pela reclamada
e, nego-lhe provimento, tudo nos termos, forma e limites da fundamentação que a
esse dispositivo integra.
3ª turma trt dA 15ª região.
Acórdão 007887/2001-SPAJ do Processo
032568/2000-AP-0 publicado em 05/03/2001.
Agravo de Petição
por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo de petição interposto pela reclamada e, tudo nos termos, forma e limites
da fundamentação que a esse dispositivo integra. Custas na forma
da lei.
Mauro César Martins de Souza
Juiz Relator
EMENTA
IMPENHORABILIDADE - O art. 649, VI do CPC, refere-se à impenhorabilidade
dos utensílios e instrumentos necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão. Veículo não é considerado essencial ao desenvolvimento do exercício da atividade empresarial, sendo certo, ademais, que tal benefício não se estende à pessoa
jurídica.
Íntegra dos Votos
Inconformada com a r. decisão de fls. 314/316, cujo relatório adoto e que julgou improcedente embargos à execução, a reclamada-embargante interpõe agravo
de petição, consoante razões de fls. 322/325, requerendo a nulidade da r. decisão,
faculdade de direito de bauru
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uma vez que a execução deve correr do modo menos gravoso e o veículo constritado é indispensável para a existência e funcionamento da empresa.
A embargada-reclamante não apresentou contraminuta apesar de intimada
para tal (fls. 326 e verso).
O Ministério Público manifestou-se à fl. 330.
É o relatório.
V O T O
Conheço do agravo, eis que interposto pela parte legítima e processualmente interessada, com perfeita representação (fls. 117 e 321), sendo tempestivo, e, houve delimitação justificada de matéria, estando, pois, regularmente processado.
Não prospera a irresignação da reclamada-agravante.
O art. 649, VI do CPC, refere-se a impenhorabilidade dos utensílios e instrumentos necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão.
Quanto ao veículo penhorado à fl. 305, inexiste prova de que seja essencial ao
desenvolvimento do exercício da atividade empresarial, sendo certo, ademais, que
tal benefício não se estende à pessoa jurídica.
Nestas condições, a agravante não se beneficia da excepcionalidade, que comporta leitura restrita.
Não há irregularidade, nulidade ou excesso na penhora de fl. 305, a qual reputa-se válida e eficaz.
Seja por que ângulo for, é de ser mantida a r. sentença de fls. 314/316 por seus
próprios e jurídicos fundamentos.
Diante do exposto, conheço do agravo de petição interposto pela reclamada
e, nego-lhe provimento, tudo nos termos, forma e limites da fundamentação que a
esse dispositivo integra.
3ª turma trt dA 15ª região.
Acórdão 007901/2001-SPAJ do Processo
033824/2000-AP-4 publicado em 05/03/2001.
Agravo de Petição.
por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo de petição interposto pela reclamada, tudo nos termos, forma e limites da fundamentação que a esse dispositivo integra. Custas na
forma da lei.
Mauro César Martins de Souza
Juiz Relator
EMENTA
EXCESSO DE PENHORA. INEXISTÊNCIA. Sem nomeação válida, correto o
procedimento de proceder-se à penhora livremente de tantos bens quantos bastem
à satisfação do débito (CPC, arts. 656 e 659 c/c CLT, art. 883), descabendo à devedora invocar excesso de penhora. Deve-se considerar que o valor da condenação será
atualizado e que há encargos a serem suportados pela reclamada-agravante, a qual
poderá a qualquer tempo substituir os bens constritados por dinheiro (CPC, art.
668) ou, oportunamente exercer seu direito à remição (CPC, art. 787) ou, ainda, em
caso de arrematação, eventual sobra de numerário será devolvida à executada (CPC,
art. 710). Agravo de petição improvido.
faculdade de direito de bauru
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Íntegra do Voto
Inconformada com a r. decisão de fls. 248/249, cujo relatório adoto e que julgou improcedentes embargos à execução, a reclamada interpõe agravo de petição,
consoante razões de fls. 252/254, argüindo que há excesso de execução diante da
discrepância entre o valor do bem constritado e do crédito da reclamante.
A reclamante apresentou contraminuta às fls. 257/259.
O Ministério Público manifestou-se às fls. 262.
É o relatório.
V O T O
Conheço do agravo, eis que interposto pela parte legítima e processualmente
interessada, com perfeita representação (fl. 24), sendo tempestivo, e houve delimitação justificada de matéria, estando, pois, regularmente processado.
Sem razão a irresignação da agravante.
Sem nomeação válida, correto o procedimento de proceder-se à penhora livremente de tantos bens quantos bastem à satisfação do débito (CPC, arts. 656 e 659
c/c CLT, art. 883), descabendo à devedora invocar excesso de penhora.
Ademais, é cediço que “a execução deverá ser feita de forma menos gravosa
ao devedor; entretanto, se este, citado nessa fase processual, não quitou o débito,
tampouco indicou bens à penhora, nos termos dos artigos 652 e 655 do CPC, não
poderá alegar excesso” (TRT - 3ª Reg., no AP nº 2.031/92, ac. da 2ª T., rel. Juíza Alice Monteiro de Barros, in DJ-MG de 21/05/1993).
Outrossim, deve-se considerar que o valor da condenação será atualizado e
que há encargos a serem suportados pela reclamada-agravante, a qual poderá a qualquer tempo substituir os bens constritados por dinheiro (CPC, art. 668) ou, oportunamente exercer seu direito à remição (CPC, art. 787) ou, ainda, em caso de arrematação, eventual sobra de numerário será devolvida à executada (CPC, art. 710).
Não há irregularidade, nulidade ou excesso na penhora de fls. 241/242, a qual
reputa-se válida e eficaz.
Diante do exposto, conheço do agravo de petição interposto pela reclamada
e, nego-lhe provimento, tudo nos termos, forma e limites da fundamentação que a
esse dispositivo integra.
TJSC - Quinta câmara de direito público.
Apelação cível n. 01.009343-0, da comarca da capital,
em que é apelante josé ronaldo nunes, sendo
apelados o estado de santa catarina e outros.
AÇÃO POPULAR – PRETENDIDA NULIDADE DE CONTRATO DO PODER PÚBLICO – ILEGALIDADE E LESIVIDADE – PRESSUPOSTOS DE
TUTELA JURISDICIONAL E NÃO CONDIÇÕES DA AÇÃO – ADEQUAÇÃO DO PEDIDO INICIAL À SATISFAÇÃO DO INTERESSE
QUE O AUTOR PRETENDE VER TUTELADO.
Volnei Carlin
Desembargador Relator
Conhecer-se da legalidade e lesividade é matéria atinente à categoria do meritum causae da ação popular, enquanto requisitos a
serem analisados no correr do feito e resolvidos na prestação jurisdicional definitiva. Donde se nota não se tratar de condições da
actio popularis, mas, sim, de requisitos da tutela jurisdicional, daí
não poderiam ser examinados por ocasião do ingresso da petição
inicial.
Há, assim, a providência jurisdicional invocada, de modo que o
pedido apresentado em juízo traduz formulação adequada a satisfazer o interesse contrariado, pois viável no plano objetivo. Há
interesse/adequação, portanto.
faculdade de direito de bauru
386
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 01.009343-0, Comarca da Capital, em que é apelante JOSÉ RONALDO NUNES sendo apelado o ESTADO DE SANTA CATARINA E OUTROS:
ACORDAM, em Quinta Câmara Civil, por votação unânime, dar provimento ao
apelo e, de ofício, à remessa.
Custas na forma da lei.
1.
RELATÓRIO:
A presente ação popular proposta por José Ronaldo Nunes, no gozo de seus
direitos políticos (fl. 08), em face do Estado de Santa Catarina e outros, objetiva, em
suma, seja declarada a nulidade do contrato feito pelo Poder Público para “realização de cursos de qualificação e requalificação profissional” (fls. 10 e 12), uma vez
que efetuado ao arrepio das normas acerca de licitação.
A inicial veio instruída com diversos documentos (fls. 08 usque 13).
Ao despachar a petição de ingresso, após as considerações de praxe, de plano, a juíza a quo, por falta de comprovação da lesividade, indeferiu a exordial com
fundamento no art. 295, III, do Código de Processo Civil, deixando de condenar o
autor ao pagamento de custas processuais (fls. 15/25).
Irresignado, o autor popular apelou, pretendendo a reforma do decisum (fls.
28/41)
Os autos ascenderam a esta egrégia Corte de Justiça tendo o representante do
Parquet opinado pela manutenção da sentença (fls. 49/52).
2.
VOTO:
O punctum magnum da questão que ora se apresenta refere-se à necessidade, ou não, de a petição inicial da ação popular e seus documentos demonstrarem,
de plano, a lesividade e a ilegalidade do ato impugnado.
Como é cediço, a actio popularis é um instrumento constitucional que o legislador colocou à disposição do cidadão para buscar a invalidade de atos ou omissões da Administração Pública e para a defesa de interesses da coletividade.
Para o êxito desta ação é necessário que o ato atacado, além de ilegal, seja também lesivo ao patrimônio público (art. 1º, da Lei n° 4.717, de 29.6.65).
A Lei da Ação Popular deve ser interpretada e aplicada à luz da Constituição
da República Federativa vigente, sendo o seu objetivo a anulação dos atos lesivos ao
patrimônio público, aos bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e a defesa do meio ambiente (art. 1°, § 1°, da Lei 4.717/65 c/c art. 5°, LXXIII,
da Magna Carta).
A lesão pode resultar, por outro lado, de ação ou omissão da Administração
Pública, desde que produza efeitos concretos. O ato ou omissão deve ser imputável
Revista do instituto de pesquisas e estudos
387
a qualquer das entidades referidas no art. 1°, da Lei 4.717 (DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Direito Administrativo. 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 634).
Pensa-se, assim, que a simples prática ilícita já representa base sólida para a
ação popular, uma vez que se desviam dos princípios que norteiam a boa Administração. O que é errado, na interpretação constitucional, é criar-se obstáculo ou exigência a sua não utilização, desprestigiando o patrimônio público, em seu sentido
mais amplo, como ocorreu na espécie.
Neste rumo, traz-se a lição doutrinária:
A jurisprudência do TJSP tem se conduzido dentro dessa orientação, bastando colacionar a expressiva conclusão da douta 6ª Câmara Civil, no julgamento do AI 243.416, verbis: ‘Por todo o exposto, não se justifica a restrição ao direito do agravante de buscar
comprovar, pelos meios permitidos em lei, as suas argüições no
sentido do acolhimento da ação popular, procedimento que –
diga-se de passagem – pelos seus efeitos moralizadores é merecedor de estímulo e não restrições.
Destarte, em princípio, a actio popularis é meio idôneo para a pesquisa ampla, na defesa do patrimônio público, de todos os elementos que informam a ação administrativa: despesas, localização,
técnica e até conveniência.
(...)
No aspecto eminentemente processualístico, inobstante, a ação popular não apresenta singularidades quanto ao desenvolvimento
probatório, podendo as partes, dentro das limitações gerais que governam a matéria, produzir as provas necessárias e suficientes
para a demonstração fática, inclusive a pericial. (MINHOTO JÚNIOR, Alcebíades da Silva. Teoria e Prática da Ação Popular Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 64/67).
Ainda, também neste sentido, é da jurisprudência:
“...as leis que regem a matéria não podem ser atropeladas, irresponsavelmente, em detrimento do cidadão e dos contribuintes”
(RT 576/224)
Acresça-se ser completamente equivocada a atuação processual da sentenciante (fls. 15/25), pois confundiu, o que é inadmissível, as condições normais de
qualquer ação (art. 3° e 267, VI, do Código de Processo Civil) e os requisitos de ilegalidade e lesividade da ação popular constitucional (art. 5º, LXXIII, CRFB), que
constituem pressupostos de julgamento de mérito do pedido.
388
faculdade de direito de bauru
São duas situações jurídicas distintas, conforme se verificou no acórdão inserto na RT 619/60-74, quando restou destacado que os dois pressupostos, legalidade
e lesividade, devem ser comprovados durante a instrução, et pour cause, serem
configurados, ou não, na sentença de mérito.
Veja-se o que ensina o Pretório Excelso no julgamento de caso análogo:
Ação Popular. Procedência. Pressupostos. Na maioria das vezes, a
lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato
praticado. Assim o é quando dá-se a contratação, por município,
de serviços que poderiam ser prestados por servidores, sem a feitura de licitação e sem que o ato administrativo tenha sido precedido da necessária justificativa.(RTJ 153/1022)
Agora, especialmente acerca das condições específicas desta actio constitucional, colhe-se da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo:
Não menos equivocada a argüição de inexistência de condições
desta ação. A uma porque os pressupostos de ilegalidade e de lesividade não são condições da ação popular, cujos requisitos de admissibilidade do julgamentos de mérito, compreendidos nessa categoria dogmático-positiva, em nada diferem daqueles exigidos na
lei processual para todas as outras modalidades de ações.
(...)
A duas porque, em conseqüência, as notas de ilegalidade e de lesividade, não respeitando ao campo categorial das condições de admissibilidade de julgamento de mérito (...) pertencem à área temática do próprio mérito do pedido, como elementos do suporte fático da conseqüência jurídica que o autor pleiteia na ação popular.
Noutras palavras, saber se o ato está ou não inquinado de ilegalidade e de lesividade é matéria atinente ao merecimento mesmo da
pretensão, enquanto requisitos não da admissibilidade do julgamento de qualquer conteúdo sobre ela, mas de julgamento de mérito favorável ao autor, ou seja, de procedência do pedido. São,
destarte, elementos da situação de direito substancial controversa,
por apurar no decurso do processo e resolver na sentença de mérito. Sua presença determina a procedência da demanda; sua falta, isolada ou concomitante, a improcedência. Donde se vê cuidar-se não de ‘condições da ação’ popular, senão de requisitos da
tutela jurisdicional. (RT 619/62-63)
Revista do instituto de pesquisas e estudos
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Por sua vez, a nossa colenda Câmara, em caso semelhante - AC n.
99.015802-0, de Balneário Camboriú, deste relator, com votos dos Exmos.
Srs. Desembargadores João Martins e Gaspar Rubik -, por decisão unânime, deu provimento à remessa necessária determinando o prosseguimento daquela ação popular com a colheita da prova da eventual lesividade.
Aliás, convém frisar, que, quando ainda em exercício na jurisdição de Primeiro Grau, este julgador vinha divergindo da interpretatio dada pela colega da Vara de
Exceção, determinando, sempre, a abertura do contraditório constitucional para,
posteriormente, examinar os requisitos da actio popularis.
Não é juridicamente possível, finalmente, extinguir o feito, pois “não havendo veto há possibilidade jurídica; se houver proibição legal não há possibilidade
jurídica.” (ARAGÃO, Egas Dirceu Muniz de. Comentários ao Código de Processo Civil. v. II, 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 396)
Veja-se a jurisprudência:
Inicialmente, é preciso argumentar que a impossibilidade jurídica
do pedido só se caracteriza se a lei não permite que a lide acaso
existente entre as partes seja trazida a juízo (cfe. Humberto Theodoro Jr., Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 18ª ed., Rio, Forense, 1996, p. 54), ou como preferem Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery em Código de Processo Civil comentado, 3ª ed., SP, RT,
1997, p. 532: O pedido é juridicamente possível quando o ordenamento não o proíbe expressamente. (AI n. 00.003060-0, de Quilombo, Rel. Juiz Cesar Abreu)
Assim, não há se falar em impossibilidade jurídica do pedido e, tampouco, na
falta do interesse de agir.
Diga-se, também, que só se poderá afirmar, com certeza, acerca da falta de lesividade ou não, após regular instrução processual, quando serão analisadas as razões do pedido, ou seja, a eventual nulidade do contrato atacado.
Se está com Hegel quando afirma que é a própria história que pode corrigir os julgamentos errados. É errado, na interpretação constitucional, criar-se
obstáculos para o ingresso com ações que tendem a prestigiar o patrimônio público, pois entre nós existe, diria Canotilho “o Estado de direito e a garantia da
via judiciária” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa:
Gradiva. 1999, p. 70).
Importante frisar que é preciso inverter a posição de interpretar a Carta Magna a partir da lei, mas sim fazer a leitura desta à luz da normatividade imposta por
aquela. Tanto a Sociedade como a Administração, daí, estarão mais voltadas para os
princípios éticos.
faculdade de direito de bauru
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Ora, ao contrário do que pensa a togada a quo acerca da moralidade administrativa como fundamento da ação pro populo (vide fls. 24, in medio), há crescente número de acórdãos reconhecendo a possibilidade de acolhimento das pretensões desconstitutivas de atos lesivos unicamente praticados contra a moralidade administrativa, erigida à categoria de princípio constitucional, consagrado no art. 37, do Texto
Maior. Portanto, são passíveis de anulação, com fundamento autônomo, os atos que
atentam contra a moralidade, pela via adequada da ação popular, nos termos do art.
5°, XXXV e LXXIII, Constituição da República. (RT 767/59-69). Para tanto, é preciso
partilhar o exercício daquilo que Konrad Hesse denominou “vontade de Constituição”, diluindo a tensão entre o “ser” e o “dever ser”, entre a realidade e a norma.
Caso contrário, teríamos o mesmo receio de Montesquieu com a magistratura francesa da ancien régime, que o fez declarar que os juízes não são “mais que a
boca que pronuncia as palavras da lei”, obstando o avanço que propôs o legislador constituinte (Idéia da revista pré-citada, p. 66).
Esclareça-se, ao final, que embora já se tenha, por uma vez, acompanhado
voto em sentido contrário, após reexame mais acurado da matéria, tomando ciência
da tendência doutrinária e jurisprudencial e sem pretender efetuar um mero jeu des
mont, reafirma-se o entendimento adotado, una voce, por esta Câmara quando do
julgamento da AC n. 99.015802-0, de Balneário Camboriú.
Ante o exposto, dá-se provimento à apelação, bem como, ex officio, à remessa necessária (art. 19, LAP), determinando-se a citação dos réus na forma pleiteada
na inicial e o prosseguimento da actio em seus últimos termos.
3.
DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, decide a Câmara, por votação unânime, dar
provimento ao apelo e, de ofício, à remessa.
Participou do julgamento o Exmo. Sr. Desembargador Gaspar Rubik.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Raul
Schaefer Filho.
Florianópolis, 16 de agosto de 2001.
João Martins
PRESIDENTE COM VOTO
Volnei Carlin
RELATOR
TJSC - Quinta câmara de direito público.
Apelação cível n. 00.018719-4, da comarca de Tijucas,
em que é apelante Vladimir lozza bittencourt
sendo apelado o município de bombinhas.
AÇÃO POPULAR – DEFESA DO MEIO AMBIENTE – CABIMENTO –
ART. 5º, LXXIII, DA LEX FUNDAMENTALIS – INTERPRETAÇÃO DA
LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL A PARTIR DA MAGNA CARTA.
Volnei Carlin
Desembargador Relator
Como é cediço, a actio popularis é um instrumento constitucional
que o legislador colocou à disposição do cidadão para buscar a
invalidade de atos ou omissões da Administração Pública e para
a defesa de interesses da coletividade.
A Lei da Ação Popular, apesar de não prever guarida ao meio
ambiente, deve ser interpretada e aplicada à luz da Constituição
da República Federativa vigente, sendo objetivo da actio em comento a anulação dos atos lesivos ao patrimônio público, aos
bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e
a defesa do meio ambiente (art. 1°, § 1°, da Lei 4.717/65 c/c art.
5°, LXXIII, da Magna Carta).
O que se tem como inaceitável, na interpretação constitucional, é
criar-se obstáculo ou exigência a sua não utilização, desprestigiando os interesses do povo, como ocorreu na espécie.
faculdade de direito de bauru
392
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 00.018719-4, da
comarca de Tijucas, em que é apelante VLADIMIR LOZZA BITTENCOURT, sendo
apelado o MUNICIPIO DE BOMBINHAS:
ACORDAM, em Quinta Câmara Civil, por votação unânime, dar provimento
parcial ao recurso, determinando-se o regular processamento da ação popular.
Custas na forma da lei.
1.
RELATÓRIO:
Na comarca de Tijucas, Vladimir Lozza Bittencourt ajuizou ação popular contra o município de Bombinhas e o Sr. Prefeito Municipal, requerendo concessão de
medida liminar, para determinar a imediata cessação da degradação ambiental, anular o ato que determinou a instalação de depósito de lixo urbano a céu aberto, em
local proibido, assim como a limpeza do local visando a evitar maiores prejuízos ao
meio ambiente e à saúde pública.
Sentenciando, a magistrada a quo julgou extinto o processo, indeferindo a inicial por ser inadequada a via eleita (fls101/103).
Irresignado, o autor popular interpôs recurso de apelação, com pedido de antecipação de tutela, com o intuito de anular a decisão, sustentando ser a ação popular a via processual adequada para a proteção do meio ambiente, que foram atendidos todos os requisitos exigidos para a propositura da actio, sendo indevida a exclusão do Sr. Prefeito Municipal do pólo passivo da lide, sustentando a nulidade da sentença, nesse aspecto, por ausência de fundamentação. Culminou requerendo a antecipação da tutela pleiteada na inicial (fls. 104/122).
A togada monocrática manteve a decisão recorrida e indeferiu o pedido de antecipação da tutela (fls. 125).
Contra-razões a fls.127, pugnando pela manutenção do decisum objurgado.
Instado a se manifestar, o representante do Ministério Público opinou pelo conhecimento e provimento parcial do recurso , a fim de que seja reconhecida a nulidade da sententia (fls. 137/141).
O parecer da Procuradoria é pelo conhecimento e provimento parcial do recurso, para anular-se a sentença e determinar-se o prosseguimento do feito em seus
ulteriores termos (fls.147/152).
2.
VOTO:
O punctum magnum da questão que ora se apresenta refere-se à possibilidade do manejo da ação popular na defesa do meio ambiente, ou se tal atribuição é
exclusiva da ação civil pública.
Como é cediço, a actio popularis é um instrumento constitucional que o legislador colocou à disposição do cidadão para buscar a invalidade de atos ou omis-
Revista do instituto de pesquisas e estudos
393
sões da Administração Pública e para a defesa de interesses da coletividade.
Dispõe a Carta Política de 1988, no seu art. 5°, LXXIII:
qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de
que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (original sem grifos).
A Lei da Ação Popular, apesar de não prever guarida ao meio ambiente, deve
ser interpretada e aplicada à luz da Constituição da República Federativa vigente, sendo objetivo da actio em comento a anulação dos atos lesivos ao patrimônio público,
aos bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e a defesa do
meio ambiente (art. 1°, § 1°, da Lei 4.717/65 c/c art. 5°, LXXIII, da Magna Carta).
O que se tem como inaceitável, na interpretação constitucional, é criar-se obstáculo ou exigência a sua não utilização, desprestigiando os interesses do povo,
como ocorreu na espécie, pois “...as leis que regem a matéria não podem ser atropeladas, irresponsavelmente, em detrimento do cidadão” (RT 576/224).
Importante frisar que é preciso inverter a posição de interpretar a Carta Magna a
partir da lei, mas sim fazer a leitura desta à luz da normatividade imposta por aquela.
Ora, ao contrário do que pensa a togada a quo acerca do cabimento da ação pro
populo, há crescente número de manifestações reconhecendo a possibilidade pretensão do autor apelante, o que não exclui o cabimento, também, da ação civil pública.
Neste rumo, traz-se a lição doutrinária:
No Título II da Constituição Federal, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, entre os direitos e garantias individuais e coletivos, encontra-se o de qualquer cidadão ser considerado como parte legítima para propor ação popular com a finalidade de anular ato lesivo ao meio ambiente. É o que decorre do regramento posto no
art. 5°, inciso LXXIII da Carta Magna.
(...)
Tem-se, assim, ao lado de outros instrumentos processuais, a ação
popular como instrumento eficaz para se anular os efeitos danosos praticados contra o meio ambiente.
Registre-se que a ação popular constitucional não restringe, em
qualquer oportunidade, o uso da chamada ação civil pública.
(DELGADO, José Augusto. Reflexões sobre Direito Ambiental e competência municipal, Revista Cidadania e Justiça: o papel do Judiciário na proteção ambiental, Rio de Janeiro, Ano 4, n. 9, p. 41/ 43,
2000)
faculdade de direito de bauru
394
Ainda:
Nem mesmo a ação popular exclui a ação civil pública, visto que a
própria lei admite expressamente a concomitância de ambas (art.
1°), bem como enseja medidas cautelares e concessão de liminar
suspensiva do fato ou ato impugnado (arts. 4° e 12).” (MEIRELLES,
Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública,
Mandado de Injunção, Habeas Data. 21ª ed., São Paulo: Malheiros,
1999, p. 154/155)
É da jurisprudência:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Objetivo – Defesa do patrimônio público –
Cabimento da ação popular alegado – Circunstância que não impede o ajuizamento da ação proposta pelo Ministério Público –
Preliminar Rejeitada. (JTJ LEX 237/20)
Acerca da não inclusão do nome do Prefeito Municipal na sentença, consignese que, apesar de ensejar nulidade prevista no Codex Instrumentalis (art. 458, I), a
mesma restou prejudicada em face da reconhecida possibilidade do manejo da ação
popular e a conseqüente reforma do decisum, com o prosseguimento do feito.
A pretensa antecipação da tutela, consoante informações trazidas aos autos
pelo representante ministerial de Primeira Instância (fls. 141), do mesmo modo caiu
no vazio, pois seu objetivo foi alcançado mediante liminar na ação civil pública n.
139.00.000076-8.
Ante o exposto, dá-se provimento parcial ao apelo, para determinar o prosseguimento da actio em seus últimos termos.
3.
DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, decide a Câmara, à unanimidade, dar provimento parcial ao recurso, determinando-se o regular processamento da ação popular.
Participou do julgamento o Exmo. Sr. Desembargador Gaspar Rubik.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Dálcio Moser.
Florianópolis, 23 de agosto de 2001.
João Martins
PRESIDENTE COM VOTO
Volnei Carlin
RELATOR
TJSC - Quinta câmara de direito público.
Apelação cível n. 01.014910-9, da comarca da Capital,
em que é apelante josé ronaldo nunes sendo
apelados estado de santa catarina e outros.
AÇÃO POPULAR – PRETENDIDA NULIDADE DE ADMISSÃO DE BOLSISTAS PELO PODER PÚBLICO – ILEGALIDADE E LESIVIDADE – PRESSUPOSTOS DE TUTELA JURISDICIONAL E NÃO CONDIÇÕES DA AÇÃO.
Volnei Carlin
Desembargador Relator
Para o êxito da ação em análise é necessário que o ato atacado, além de ilegal,
seja também lesivo ao patrimônio público. A lesividade e a ilegalidade, no entanto,
não se confundem com as condições da ação, sendo vinculadas ao meritum causae.
A prova destes dois requisitos atinentes à tutela de mérito pode ser feita de
plano, juntamente com a inicial, ou no decorrer da instrução do processo, desde
que requerida a pretensão de fazê-lo na vestibular.
PETIÇÃO INICIAL – NATUREZA DA CAUSA EXIGENTE DE PROVAS – AUS NCIA DESTAS E DA PRETENSÃO DE PRODUZI-LAS – PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE E DA ECONOMIA PROCESSUAL.
Descabe ao juiz, notadamente àquele de Segundo Grau, substituir a parte e direcionar a prova, especificamente quando nada foi pretendido na petição de ingresso.
Inexiste ofensa ao art. 284, do Código de Processo Civil, a pretexto de desatender os princípios da instrumentalidade e da economia processual, quando há
manifesto desinteresse ou inércia na dilação probatória, revelados na exordial.
faculdade de direito de bauru
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Não tendo o autor popular observado a determinação legal presente no Codex Instrumentalis, o feito deve ser extinto porque a lesividade e a ilegalidade não
foram provadas de plano e muito menos fora requerida a produção de prova capaz
de demonstrar a procedência dos fatos aduzidos na inicial, a teor dos arts. 282 e 267,
IV do CPC.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 01.014910-9, Comarca da Capital, em que é apelante JOSÉ RONALDO NUNES, sendo apelados ESTADO DE SANTA CATARINA e outros:
ACORDAM, em Quinta Câmara Civil, à unanimidade, negar provimento ao recurso e à remessa, extinguindo-se o processo.
Custas na forma da lei.
1.
RELATÓRIO:
A presente ação popular proposta por José Ronaldo Nunes, no gozo de seus
direitos políticos (fl. 13), em face do Estado de Santa Catarina e outros, objetiva, em
suma, seja declarada a nulidade da contratação de bolsistas, uma vez que efetuada
para exercício de atribuições de servidores concursados.
A inicial veio instruída com diversos documentos (fls. 13 usque 43).
Ao despachar a petição de ingresso, após as considerações de praxe, de plano, a juíza a quo, por falta de comprovação da lesividade, indeferiu a exordial com
fundamento no art. 295, III, do Código de Processo Civil, deixando de condenar o
autor ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios (fls. 45/55).
Irresignado, o autor popular apelou, pretendendo a reforma do decisum (fls.
67/74).
Os autos ascenderam a esta egrégia Corte de Justiça, tendo o representante
do Parquet opinado pelo desprovimento do recurso (fls. 79/81).
2.
VOTO:
O punctum magnum da questão que ora se apresenta refere-se à necessidade, ou não, de a petição inicial da ação popular e seus documentos demonstrarem,
de plano, a lesividade e a ilegalidade do ato impugnado.
Para o êxito da ação em análise é necessário que o ato atacado, além de ilegal,
seja também lesivo ao patrimônio público (art. 1º, da Lei n° 4.717, de 29.6.65). A lesividade e a ilegalidade, no entanto, não se confundem com as condições da ação,
sendo vinculadas ao meritum causae.
Em outras palavras: são duas situações jurídicas distintas, conforme se verificou no acórdão inserto na RT 619/60-74, quando restou destacado que os dois pressupostos, legalidade e lesividade, devem ser comprovados durante a instrução, et
pour cause, serem configurados, ou não, na sentença de mérito.
Revista do instituto de pesquisas e estudos
397
A prova destes dois requisitos atinentes à tutela de mérito pode ser feita de
plano, juntamente com a inicial, ou no decorrer da instrução do processo, desde
que requerida a pretensão de fazê-lo na vestibular.
Imprescindível, agora, serem tecidas considerações acerca dos requisitos
indispensáveis da petição inicial, prescritos pelo Código de Processo Civil, no
seu art. 282 e seguintes, mormente quanto à indicação das provas que o autor
pretende produzir.
Dispõe o art. 282, VI, do CPC :
“Art. 282. A petição inicial indicará:
(..)
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos
fatos alegados”.
Colhe-se, para tanto, o escólio doutrinário:
A petição inicial é a peça inaugural do processo, pela qual o autor
provoca a atividade jurisdicional, que é inerte (CPC 2° e 262). É a
peça processual mais importante pelo autor...
A norma sob comentário contém os requisitos da petição inicial,
que devem estar presentes sempre, qualquer que seja a natureza
da ação. A imperatividade do tempo verbal (‘indicará’) nos faz
concluir que os requisitos são imprescindíveis. A falta de um dos
requisitos da petição inicial pode ensejar a sua inaptidão, o que
impede o prosseguimento do processo.
(...)
O autor deverá, desde logo, requerer as provas com que pretende
demonstrar os fatos constitutivos do seu direito (CPC 333). (NERY
JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e legislação
processual civil extravagante em vigor. 4ª ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1999, p. 774 e775)
Logo, não tendo o autor popular observado a determinação legal presente no
Codex Instrumentalis, o feito deve ser extinto porque a lesividade e a ilegalidade,
relacionadas com o mérito da causa, não foram provadas de plano e muito menos
fora requerida a produção de prova capaz de demonstrar a procedência dos fatos
aduzidos na inicial, conforme de depreende da melhor exegese dos arts. 282 e 267,
IV do CPC.
Ante o exposto, nega-se provimento à remessa e ao apelo, extinguindo-se o
feito.
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3.
DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, decide a Câmara, à unanimidade, negar provimento ao recurso e à remessa, extinguindo-se o processo.
Participou do julgamento o Exmo. Sr. Desembargador Gaspar Rubik.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Raul
Schaefef Filho.
Florianópolis, 25 de outubro de 2001.
João Martins
PRESIDENTE COM VOTO
Volnei Carlin
RELATOR
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