LIBRAS ON-LINE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A EXPERIÊNCIA DA PEDAGOGIA A DISTANCIA DA UFJF Davi Vieira Medeiros; Perola Fátima Valente Simpson Viamonte Introdução Com base nas perspectivas atuais propostas para a educação de pessoas com surdez, refletimos sobre as contribuições da disciplina de Libras online na formação de professores. Para tanto, analisamos a disciplina de Libras oferecida no curso de Pedagogia a distância da Universidade Federal de Juiz de Fora e, também, questionários aplicados aos alunos, em um dos pólos. Observamos que a disciplina de Libras online tem contribuído para a formação de professores para a educação inclusiva e especial de surdos e para o atendimento aos alunos com surdez, tanto surdos quanto alunos com deficiência auditiva. A Educação a Distancia e o curso em questão A Educação a Distância (EAD) pode ser compreendida como uma modalidade caracterizada por um processo de ensino-aprendizagem mediado por professores e tutores, realizado por recursos tecnológicos de informação e comunicação, que podem ser utilizados de forma isolada ou combinados, sem a presença física de seus participantes. Atualmente, esta modalidade tem se tornado bastante comum. E com a difusão e ampliação do acesso aos computadores e, por sua vez, à internet, temos visto emergir uma nova configuração da EAD, junto ao crescimento vertiginoso da oferta de cursos online. De qualquer maneira, vemos que as transformações postas pela EAD não têm dissipado as preocupações em relação à qualidade dos cursos oferecidos, nem, tão pouco, conduzido, necessariamente, ao aligeiramento, barateamento e empobrecimento da formação. Ao contrário, a difusão das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na educação tem se constituído como um constante desafio e quebra de paradigmas em relação ao “mundo virtual”, contrapondo-se às tradicionais práticas pedagógicas, fortemente ancoradas na presencialidade, provocando novas formas de organização dos espaços e tempos pedagógicos. Diante da importância da democratização do acesso a níveis de educação superior e do alargamento de suas fronteiras, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) organizou, entre 2007 e 2009, seu curso de Pedagogia na modalidade a distância (TEIXEIRA, 2010). O curso de pedagogia a distância da UAB/UFJF ofertou, na formação da primeira turma, 350 vagas distribuídas em 7 pólos (Bicas, Boa Esperança, Coromandel, Ilicínea, Salinas, Santa Rita de Caldas e Pescador) em diversas regiões de Minas Gerais. A segunda turma ofereceu 400 vagas e acrescentou os pólos de Durandé, Ipanema e Tiradentes. (TEIXEIRA, 2010). As disciplinas são propostas pelos professores da UFJF que também cuidam do funcionamento do curso e investigam sobre a temática da EAD. Estes são auxiliados por tutores a distância, um tutor presencial, e um coordenador para cada pólo. O recurso didático para realização do curso é ancorado por tecnologia e os materiais são disponibilizados em um ambiente virtual de ensino e aprendizagem (AVEA) que se apresenta como espaço de interação, com múltiplos recursos e tecnologias, organizados a partir de diferentes propostas e abordagens didáticas e pedagógicas, com vistas à efetivação do processo de ensino-aprendizagem. Assim, diversas ferramentas estão integradas nesses ambientes com o objetivo de fomentar espaços coletivos, nos quais o processo de ensinoaprendizagem possa ocorrer de forma colaborativa: uma educação em rede (BRUNO, 2007). O AVEA do curso é o Moodle, o qual permite a interação por meio de diálogos e ações, sendo um ambiente colaborativo, informativo, comunicacional e, até mesmo, investigativo. Ele é um ambiente virtual, no qual os recursos e ferramentas podem ser adicionados de acordo com a demanda dos professores, tutores, monitores e alunos, inclusive durante o curso. Podem-se encontrar no Moodle diversas ferramentas e recursos que permitem que se empreguem e explorem várias possibilidades por meio de diário, lições, tarefas, wikis, glossários, mensagens, e-mails, fóruns, chats, calendário, mural, etc (RODRIGUES, 2011a). A formação de professores na EAD e a educação inclusiva/ especial Com essas intensas transformações e quebras de paradigmas, podemos destacar a aprovação do decreto 5.626 em 2005, o qual estabeleceu que as instituições de formação de professores e de profissionais da educação para o exercício do magistério deveriam incluir em seus currículos a Língua de Sinais Brasileira – Libras. Considerando-se que a EAD tornou-se espaço privilegiado de formação de professores, o oferecimento da disciplina de Libras online no curso de pedagogia da UAB/UFJF tornou-se uma demanda que visava cumprir o Decreto e proporcionar o “acesso, difusão e produção de conhecimentos que envolvem a Libras e as pessoas com surdez” (RODRIGUES, 2011a, p.01). A disciplina de Língua de Sinais Brasileira, em questão, tem por objetivo o desenvolvimento, em nível básico, das habilidades de compreensão e expressão necessárias à comunicação com surdos sinalizadores. Abordam-se, também, os fundamentos linguísticos da Libras, as visões sociais e históricas sobre a surdez e os aspectos culturais dos surdos brasileiros e suas implicações educacionais. Vale destacar que o uso das TICs no ensino de uma língua espaço-visual, como segunda língua, favorece a interação e, consequentemente, o aprendizado e o desenvolvimento nessa língua (RODRIGUES, 2011a). A organização da disciplina obedece a uma estrutura geral com textos base e complementares, vídeos, fóruns, tarefas e reflexões acerca das atividades realizadas, permitindo o alcance dos objetivos de ensino-aprendizagem, o desenvolvimento e participação dos alunos, difundindo o uso da Língua de Sinais favorecendo a sua valorização e enriquecendo as discussões e reflexões acerca das concepções de deficiência, surdez e pessoa surda que influenciam e influenciaram a Educação de Surdos no Brasil. É importante esclarecer que o uso da Língua de Sinais por parte dos professores assegura ao aluno surdo pleno acesso aos conteúdos escolares, acesso à cidadania e à inserção social e atende a demanda da comunidade surda por uma educação centrada na Libras como língua de instrução. Para que o aluno surdo possa frequentar a escola comum, o ensino de Libras nos cursos de formação de professores é essencial e possibilita a sua inclusão nos diferentes níveis de escolarização – da educação infantil ao curso superior. Assim, os futuros professores podem usufruir desta disciplina, não somente como cumprimento a uma determinação legal, mas também como possibilidade de melhorar sua futura atuação, reconhecendo as questões teóricas e práticas que perpassam a educação especial/inclusiva, contribuindo com as transformações no contexto educacional brasileiro. Considerando essa realidade, refletimos sobre como, na visão dos alunos de pedagogia, a disciplina contribui para sua formação, buscando entender em quais aspectos ela altera sua visão sobre a surdez e os prepara para atuar na educação inclusiva e ou especial de pessoas com surdez. A perspectiva metodológica Esse estudo foi construído a partir das análises de questionários aplicados aos alunos do curso de Pedagogia a distância da UFJF. Para esta reflexão faremos um recorte e, por sua vez, sistematizaremos e analisaremos somente os questionários respondidos pelos alunos do pólo de Boa Esperança/MG. A análise de tais questionários, aplicados no início e ao final da disciplina favorecem a identificação e o mapeamento das percepções dos cursistas quanto às dimensões de sua formação para a educação de pessoas com surdez. O estudo desenvolveu-se a partir das seguintes etapas: (i) coleta de dados; (ii) sistematização, categorização e análise dos dados; (iii) discussão e problematização; e (iv) considerações e apontamentos em relação a educação inclusiva e especial de surdos. Durante essas etapas, buscou-se apoio em abordagens sócio-culturais e, também, nos Estudos Surdos. No início da disciplina, em março de 2011, trinta e seis alunos responderam ao questionário inicial – 1ª fase de coleta de dados – e, ao final, somente onze alunos responderam – 2ª fase de coleta de dados. Esclarecemos que os questionários da 1ª fase que não tiveram correspondência na 2ª fase foram descartados, não sendo considerados para essa reflexão. Assim, a análise terá por base os dados obtidos após as duas fases de aplicação de questionários, ou seja, o corpus de análise conta com vinte e dois questionários. A sistematização das respostas foi construída a partir de cada questão e a categorização foi feita a partir da análise cuidadosa do conjunto de respostas. Os tópicos que orientaram essa reflexão foram os seguintes: (1) as concepções de surdez dos alunos, (2) a importância dada por eles à Língua de Sinais na educação do aluno com surdez e (3) a importância da Língua de Sinais na formação do professor no atual contexto da educação inclusiva e especial de surdos. Alguns indícios da análise dos dados Considerando-se o desenvolvimento das atividades teóricas e práticas durante a disciplina de Libras em questão verificamos que, da nossa amostra, 54% dos alunos da disciplina online não tinham conhecimento e/ ou contato anterior com a Língua de Sinais, evidenciando a importância da disciplina. Ao propiciar tal contato, a disciplina contribui com o conhecimento da surdez e, por sua vez, com a formação dos alunos para o campo da educação especial e inclusiva de pessoas com surdez. É interessante notar que, na resposta inicial, mais da metade dos respondentes evidenciaram uma concepção de surdez baseada na perspectiva clínico-terapêutica, a qual está centrada na falta de audição e com foco na deficiência pela deficiência. Essa perspectiva visa à normalização dos indivíduos e concebe a surdez como uma patologia a ser curada; o modelo a ser seguido é o do ouvinte. Para tanto, procura-se restabelecer as condições de audição e fala. Essa linha de pensamento tem conduzido à exclusão e à segregação do indivíduo surdo, fazendo com que as estratégias pedagógicas adotadas nas escolas sejam de tratamento clínico e de reabilitação. Entretanto, ao final da disciplina, observa-se um deslocamento de concepção e os alunos tendem a uma perspectiva sócio-antropológica da surdez. Tal perspectiva começou a ser difundida no Brasil nos anos 60, tendendo que os surdos formem uma minoria linguística, pois são participantes de uma Comunidade Surda e possuem a Língua de Sinais como língua responsável por sua constituição no que se refere ao desenvolvimento da cognição e possibilitando uma nova compreensão acerca da surdez e da pessoa surda, numa perspectiva cultural, não mais centrada na deficiência como patologia. Atualmente, a visão sócio- antropológica é central no processo educacional dos surdos, dando forma a uma proposta educacional bilíngue. No Brasil, o sistema educacional tem sua organização centrada na perpectiva da inclusão, na qual os surdos devem ser matriculados em escolas comuns, em salas de aulas com ouvintes. Em muitas escolas as atividades pedagógicas são organizadas em português oral e a Língua de Sinais não é vista como língua de instrução, o que não favorece a aprendizagem dos alunos surdos sinalizadores. Acreditamos que a tendência dos alunos para a visão sócio-antropológica, após a disciplina, favorece a atuação na educação de surdos, já que os profissonais das escolas precisam repensar o seu fazer pedagógico, reestruturando as grades curriculares e as estratégias didáticas para atender a especificidade do aluno surdo. Nesse sentido, a disciplina de Libras online oferece reflexões teóricas e atividades práticas que buscam promover a formação dos futuros professores para atuarem nas escolas brasileiras em consonância com o que estebelece o Decreto 5.626/05. Inicialmente notamos que a relevância da Língua de Sinais é reconhecida pela totalidade dos futuros professores, porém por motivos diversos: comunicação (54%), aprendizagem (18%), unificação das relações entre surdos e ouvintes (7%), interação (7%) e desenvolvimento (7%). Entretanto não observamos um entendimento mais amplo em relação a Língua de Sinais como condição linguística responsável pelo desenvolvimento do pensamento e pela aprendizagem de conteúdos escolares. Porém esse reconhecimento é decisivo para fazer emergir um novo professor, capaz de dominar outros saberes, melhorar e refletir sobre sua prática, de acordo com o contexto educacional em que está inserido, possibilitando que a escola comum seja capaz de se repensar e (re)construir-se na busca por um ambiente inclusivo, no qual o aluno surdo possa construir conhecimentos e ter acesso aos conteúdos escolares. Nesse sentido a disciplina Libras online contribuiu para um olhar mais amplo em relação às questões linguísticas. Vimos, também, que 100% dos alunos do curso de pedagogia a distância do pólo Boa Esperança reconhecem no questionário inicial a importância da Língua de Sinais na/para formação do professor, visto que ela promoveria: comunicação (36,36%), inclusão (36,36%), sucesso no ensino/aprendizagem (9,09%) e ajuda aos alunos com surdez (9,09%). Esse reconhecimento evidencia a importância da disciplina na formação dos professores e na promoção da inclusão. Enfim, a inclusão de alunos com surdez na escola comum requer novas estratégias para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra de fato. Nesse sentido, a inserção da Língua de Sinais no currículo dos cursos de formação de professores possibilita, minimamente, uma formação diferenciada, a qual os possibilitará mobilizar estratégias pedagógicas mais consistentes e eficientes na construção da educação inclusiva de alunos com surdez, visto que conhecerão a especificidade linguística e cultural dos alunos surdos. Considerações Notou-se que a disciplina Libras online impacta de forma positiva a formação de professores e contribui para o entendimento da educação de surdos para além da visão clínica, favorecendo a inclusão do aluno surdo nas escolas comuns e a valorização da surdez como diferença, como fenômeno cultural que exige um reconhecimento político que implica políticas educacionais e linguísticas e considerem a Língua de Sinais, favorecendo, cada vez mais, a participação consciente dos surdos na construção de sua educação. Referências Bibliográficas BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. BRUNO, A. R. A aprendizagem do educador: estratégias para a construção de uma didática online. Tese (Doutorado em Educação). Puc São Paulo. SP. 2007. TEIXEIRA, B. B. Educação a distância: política social e formação de professores. In: BRUNO, A. R. (Org.) Tem professor n@ rede. Juiz de ForaEDUFJF, 2010. p.13 -28. RODRIGUES, C. H. Língua espaço-visual online: desafios da disciplina de Libras no curso de pedagogia a distância da UFJF. VIII EVIDOSOL e V CILTEC. v. 1, n. 1, jun. 2011a. Disponível em: <http://gkosmos.com/evidosol/> Acesso em 05 Ago. 2012 RODRIGUES, C. H. Da margem ao centro: preparando um novo campo de debate e reflexão. Revista da Feneis, dez.-fev. 2011b. p.30-34