UMA ANÁLISE ENTRE AS MARCAS

Propaganda
Pró-Reitoria Acadêmica
Curso de Comunicação Social
Trabalho de Conclusão de Curso
MUTAÇÕES: UMA ANÁLISE ENTRE AS MARCAS E
O SOCIAL.
Autor: Lucas Rocha Cardozo da Silva
Orientador: Frederico Antônio Feitoza
Brasília - DF
2016
Lucas Rocha Cardozo da Silva
MUTAÇÕES: UMA ANÁLISE ENTRE AS MARCAS E O SOCIAL.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso
de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e
Propaganda da Universidade Católica de Brasília, como
requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em
Publicidade e Propaganda.
Orientador: Prof. Frederico Antônio Cordeiro Feitoza
Brasília
2016
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
JUSTIFICATIVA
METODOLOGIA
QUAL É O PAPEL DA PUBLICIDADE?
RECONFIGURAÇÃO E CONSUMO
CONSUMO SIMBÓLICO
POLITICAMENTE CORRETO
A “PUBLICIDADE POLITICAMENTE CORRETA” E A FORMAÇÃO DE OPINIÃO
MARKETING 3.0
O CASO SKOL: DO DISCURSO MACHISTA AO APOIO ÀS DIFERENÇAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MUTAÇÕES: UMA ANÁLISE ENTRE AS MARCAS E O SOCIAL
Lucas Rocha Cardozo da Silva1
Resumo
Este artigo tem como objetivo refletir sobre a relação das marcas (Avon, AXE e Skol)
e da agência HEADS com as causas levantadas e defendidas em suas últimas
campanhas e em novas estratégias de marketing adotadas pelas mesmas. Com base
nas críticas de Oliviero Toscani, apresentadas na publicação A Publicidade é Um
Cadáver Que Nos Sorri e nos conceitos de Politicamente Correto e Marketing 3.0,
pretende-se entender a influência das mudanças sociais na mutação de discurso e
posicionamento das marcas, resultando na analise dos objetos aqui expostos.
Palavras-chaves: consumo; marcas; minorias; discursos sociais; politicamente
correto; Marketing 3.0.
Abstract
This article has as goal to reflect upon the relationship of a few brands (Avon, Axe and
Skol) and HEADS Agency with the causes raised and defended within their latter
marketing strategies. The aim of this piece of work is to make the influence of social
changes in discourse mutation and Brand positioning understood, resulting in the
analysis of the objects exposed herewith, based on Olivero Toscani's critiques exposed
in A Publicidade é um Cadáver Que Nos Sorri, and also, inspired by the concepts of
Politically Correct and Marketing 3.0.
Keywords: consumption, brands, minorities, social discourse, politically correct,
marketing 3.0.
1
Graduando do Curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Universidade Católica
de Brasília. E-mail: [email protected]
1
1 INTRODUÇÃO
Com o advento da globalização e o acesso cada vez mais ampliado à
informação, a comunidade global enfrentou diversas mudanças durante as
duas últimas décadas. O campo social não via tantas mudanças acontecerem
desde a revolução industrial, mudanças estas diretamente ligadas ao
comportamento social e individual. Consequentemente, os ​massmedia
1
acompanharam e se moldaram sob movimentos que começaram a ter
2
notoriedade, tomar forma e ganhar voz a partir do final dos anos 60 ​, como o
feminismo, o movimento LGBTT e a luta pelos seus direitos, dentre eles, a
representatividade.
Tantas mudanças afetaram diretamente o modo como o indivíduo
contemporâneo consome: hoje, não consumimos mais produtos e sim, marcas.
A identificação com uma marca não precisa estar necessariamente ligada ao
ato de compra. Há uma maior preocupação com a agregação de certos valores
que norteiam a constituição da identidade da marca, em vez do ato de
consumo final. Seguimos marcas no Facebook, compartilhamos suas ideias em
nossas ​timelines e quando encontramos uma empresa que condiz com nossos
conceitos nos fidelizamos a ela: seja no ato de compra, seja em nossas linhas
do tempo ou até em mesmo em nosso comportamento. Hoje, há uma
preocupação tanto da parte das empresas quanto dos clientes sobre essas
afinidades e esse comportamento social - para ser bem vista a marca precisa
oferecer mais que qualidade em seus produtos, ela precisa oferecer uma
filosofia. Segundo Kunsch (2008), tais atitudes não são tomadas à toa e fazem
parte da estratégia de marketing das empresas para atingir melhor o seu
público-alvo.
Segundo Gérard-Marabout
​
(1971), os "​mass media" são ao mesmo tempo canais de difusão e
meios de expressão que se dirigem não a um indivíduo personalizado, mas a um "público-alvo"
definido por características socioeconômicas e culturais, em que todos os receptores são
anônimos.
2
Com a ascensão dos movimentos hippies e punks, muitos tabus e causas sociais começaram a
ser postos em pauta, como a liberdade sexual e a igualdade de gênero.
1
2
Simultaneamente, com o passar das décadas, os ​mass media
entenderam o poder da comunicação de ir além da difusão de mensagens e
possui um caráter educador. Na história mundial recente, os meios de
comunicação participaram ativamente de mudanças comportamentais, políticas
e, claro, na difusão de ideologias.
Um papel desempenhado que extrapola as fronteiras do puro
entretenimento e consumismo. Não é difícil entender que o fato de estarmos
sendo expostos a essa informação na nossa rotina faz com que criemos uma
relação de confiança quase íntima com os produtos de comunicação. Assim, os
meios de comunicação passam de meras ferramentas para uma presença
quase pessoal e afetiva na vida do indivíduo.
Com o alto consumo da indústria cultural e a presença quase
indispensável dos meios de comunicação na vida moderna, a publicidade
descobriu uma fórmula que mescla informação com afetividade e que até hoje
é utilizada para atingir possíveis consumidores com mais eficácia: o apelo
emocional.
O rádio e a TV transmitem emoção, estilo e qualidade provocando os
melhores resultados possíveis. Através da padronização da técnica de
vendas, o rádio e a televisão podem atingir o público de uma maneira
mais profunda do que quaisquer vendedores (SCHWARTZ, 1985, p.
59).
Ao usar a afetividade como modo de abordagem, a publicidade ficou
mais competitiva e o desafio principal das marcas - despertar a atenção do
público e persuadi-lo - ficou ainda mais árduo. Hoje, a relevância e influência
das emoções na vida humana fazem muitas marcas optar por fundamentar o
seu posicionamento nas esferas afetiva, intelectual e social de seu público.
Marcas tomaram formas humanas e, hoje constroem seus perfis através de
discursos e valores.
Neste trabalho, pretende-se refletir acerca deste envolvimento e explorar
se, em alguma instância, esse conjunto de atitudes transcende a estratégia de
marketing e se há, de fato, uma identificação com as causas sociais ou se tudo
não passa de mais uma forma de fomentar o lucro. Como objetivo geral,
busca-se evidenciar as estratégias das marcas no uso de discursos
3
politicamente corretos. Para isto, serão trabalhados os seguintes objetivos
específicos: reflexão sobre identificação do consumidor com os valores
difundidos pelas marcas em seus posicionamentos e os reais objetivos que
constroem essas estratégias; análise do movimento de criação de uma
publicidade mais engajada com causas sociais e a venda presente em seus
discursos; a percepção da mutação e o reposicionamento das marcas perante
as mudanças sociais.
Para isso, foi realizado um resgate de estudos já publicados e entre as
obras que mais se aproximam do tema estão ​Publicidade Politicamente
Correta: A Construção do Sentido da Beleza Feminina no Anúncio da Dove, de
Fernanda Carreira, publicado em 2011; ​A influência do envolvimento com o
produto e do comportamento com o comprometimento com a marca, de Karine
Freira, publicado em 2005; ​Uma abordagem relacional ao valor da marca,de
Carlos Brito, publicado em 2008; ​O consumo simbólico e a vida cotidiana, de
Karla Ehrenberg, publicado em 2010.
Este trabalho busca propor uma reflexão crítica aos profissionais da área
a fim de contribuir para uma criação mais consciência perante clientes,
produtos e prestação de serviços. Assim, busca-se um novo perfil profissional
que se preocupe com uma relação mais honesta entre o social e a publicidade.
1.2 JUSTIFICATIVA
Com o passar dos anos, a publicidade tomou para si responsabilidades
que antes não pertenciam convencionalmente ao seu escopo. Hoje, ela pode
propor reflexões, mudanças de comportamento e baseia-se em ideias para
causar uma identificação no seu público. Lipovetsky (1989) defende que a
publicidade, na sociedade contemporânea, é responsável pela redefinição do
modo de viver. A importância deste trabalho se dá porque a publicidade tem
relevância na vida do indivíduo global e que, quando ela levanta bandeira de
apoio a causas criadas pela pauta social, várias questões, além da margem de
lucro ou da estratégia de marketing de uma empresa, devem ser levadas em
4
conta, como a legitimação desses discursos, as lutas envolvidas e, claro, o
bem-estar social.
A questão da mercantilização das causas sociais foi a faísca da
motivação para a escolha do tema em construção neste trabalho. O que afeta o
cotidiano de um indivíduo está atrelado à agregação de valores para produtos e
serviços e o fim deste arranjo raramente está explícito. Na visão do autor deste
artigo, a partir da experiência acadêmica, este contexto pode ser analisado por
duas vias: vê-se o lado oportunista das marcas em relação ao seu
comprometimento que pode ser superficial e para fins de marketing; estes
aspectos realmente tornam-se um fator decisivo para o processo de
fidelização. Por fim, justifica-se por não apenas ser uma crítica, mas um
incentivo à uma reflexão quanto à honestidade e responsabilidade das marcas
perante os movimentos sociais dos quais se apropriam.
1.3 METODOLOGIA
Este trabalho analisará a mutação de marcas perante as causas e
ideologias sociais e a mudança na constituição de suas estratégias de
marketing. O material usado para a realização desta análise é composto por
exemplos de conteúdo disponíveis em portais de comunicação, canais de
streaming, plataformas multimídias, redes sociais e afins. A análise possui um
cunho crítico e tem como norte teórico um conjunto formado pelo conceito de
‘politicamente correto’, ‘consumo simbólico’, ‘marketing 3.0’ e, também, pela
opinião de pensadores e comunicólogos.
Sob a luz de Oliviero Toscani, autor de “A Publicidade é um cadáver que
nos sorri” (2004), uma breve reflexão sobre o papel contemporâneo da
publicidade será apresentada como a introdução deste trabalho. Em seguida,
um outro autor crítico, Safatle, e suas referências acadêmicas serão usados
para nortear uma breve discussão sobre representações e reconfigurações
sociais no âmbito comunicacional. Dadas as visões desses autores como
principais nortes teóricos, os conceitos expostos no trabalho serviram de plano
de fundo para a realização de breves análises - das marcas AXE, Avon e da
5
Agência de publicidade Heads. Ao final, a mutação do posicionamento e do
discurso da marca de cervejas Skol serão exploradas, com o auxílio das
definições explicitadas no corpo do trabalho.
O livro “​Comunicação e pesquisa: projetos para mestrado e doutorado,
de ​Lucia Santaella, ​publicado em 2006, aponta a intenção deste trabalho como
uma pesquisa teórica fundamental, com caráter descritivo. Para a autora, a
pesquisa descritiva tem como objetivo:
descrever algo: comportamentos, atitudes, valores etc. O seu processo
se dá através da observação sistemática ou por meio da construção de
panoramas sobre determinado assunto. (SANTAELLA, 2006).
2. QUAL É O PAPEL DA PUBLICIDADE?
Os publicitários não cumprem a sua função: comunicar. Carecem de
ousadia e senso moral. Não refletem sobre o papel social, público e
educativo da empresa que lhes confia um orçamento. (TOSCANI,1996)
Assim como os outros campos da comunicação, a Publicidade sofreu
mutações causadas pelas mudanças sociais, principalmente na última década.
Não é preciso ser especialista no assunto para perceber as mudanças de
discursos, estratégias, definições de público e outros aspectos comerciais.
Apesar de todas as transformações, a publicidade não deixou - e nem pode
deixar - de lado seu principal e único objetivo: persuadir.
Após a Revolução Industrial, o surgimento de novos produtos tornou-se
mais corriqueiro, resultando em uma saturação do mercado. Com novas
tecnologias, novas necessidades surgem e, consequentemente, novos
produtos também. Por isso, empresas se reinventam a cada ano a fim de criar
um diferencial, manter seu lucro e não perder seus consumidores para seus
concorrentes.
O consumo ultrapassou a barreira da necessidade e da funcionalidade.
Não nos satisfazemos como há uma década e, provavelmente, daqui uma
década o que nos satisfaz hoje não será o suficiente. A criação de um elo entre
produto e cliente se faz tão importante quanto à qualidade do próprio e é essa
relação que dá origem a marca: um conjunto de aspectos agregados à um
6
produto que promove uma significação capaz de definir e transmitir alguns
traços sociais do consumidor (SEMPRINI, 2010, p. 39).
A escolha do que consumir passa a ser de extrema importância para as
relações sociais de cada indivíduo. Seguindo este raciocínio, os produtos
continuam sendo fabricados a fim de suprir uma necessidade ou despertar um
desejo, mas um “valor” é criado para que estabeleça uma identificação. A
publicidade constrói a identidade que a mercadoria assume.
Até o começo dos anos 90, a Publicidade vendia o inalcançável. As
mensagens eram transmitidas em formatos que seguiam um padrão que,
dificilmente, refletiam a realidade. Em sua maioria, as peças publicitárias eram
um instrumento de manutenção de um modelo social tradicional, patriarcal,
ariano, calcado no preconceito e na exclusão social e, ainda, vendido como
ideal. Por vários anos a publicidade utilizou de estereótipos e arquétipos,
restringindo qualquer tipo de diversidade usando retóricas machistas, sexistas
e racistas.
No final do século 20, paradigmas começam a ser quebrados na
publicidade tradicional utilizando novos discursos que, dificilmente, eram
agendados pela grande mídia. Oliviero Toscani foi um dos pioneiros a iniciar
esse movimento de autocrítica da Publicidade a fim de torná-la um agente que
transcende a mera exposição de produtos e provoca reflexões que resultam em
um ganho social. Em ​“A Publicidade é um cadáver que nos Sorri”, o autor
define o que, em sua perspectiva, é o papel que os publicitários deveriam
exercer:
A responsabilidade deles é imensa. Têm a incumbência de refletir sobre
a comunicação de uma marca, sem ficar apenas no puro marketing [...] A
condição humana é inseparável do consumo; neste caso, porque a
comunicação que o acompanha deveria ser superficial? (TOSCANI,
1996)
Ferrenho em suas críticas, o autor segue listando os “crimes” que a
Publicidade comete e assume que antes a publicidade tentou se mostrar
engajada, mas não passava de uma comunicação superficial. Este crime
Toscani nomina como “Crime de Pilhagem” e afirma que “publicidade
7
especializou-se em pilhar os movimentos de ideias e musicais, a imprensa, o
cinema, tornando-os assépticos e esvaziando-os de qualquer conteúdo. ”
(TOSCANI, 1996, p. 35). Em outro trecho, o autor cita exemplos como o da
marca Moulinex que se utilizou do feminismo no final dos anos 70, ou das
marcas que se apropriaram da onda ecológica na Europa e nos Estados
Unidos, no começo da década de 90. Percebe-se, então, que o autor acredita
que a publicidade apenas levanta certas bandeiras quando lhe convém,
quando o movimento é uma chance de atingir um novo público.
O fotógrafo italiano ficou conhecido por suscitar assuntos ainda tratados
como tabu na Publicidade da United Colors of Benetton, no qual foi diretor
criativo por quase duas décadas. Racismo, AIDS, guerra e outros assuntos
eram abordados na comunicação de uma marca de pulôveres com presença
mundial. Obviamente, esta iniciativa foi alvo de críticas, principalmente do meio
publicitário, porém tanto a empresa, quanto o fotógrafo sempre debateram sem
qualquer receio e sem ceder aos boicotes que se tornaram frequentes na
época.
A Publicidade poderia tornar-se a parte lúdica fantasista ou provocante
da imprensa [...] Poderia oferecer informações sobre todos os assuntos,
servir grandes causas humanistas, revelar artistas, popularizar grandes
descobertas, educar o público, ser útil, estar na vanguarda (TOSCANI,
1996).
Quando acusado de se apropriar da polêmica e da desgraça alheia para
a geração de lucro, Toscani afirmava que a Benetton queria ganhar dinheiro
como todas as empresas, porém, os meios para consegui-lo é que faziam a
diferença, além de provocar seus colegas ao declarar que seu modo era mais
honesto que a publicidade “racista, jovem e saudável”.
3. RECONFIGURAÇÃO E CONSUMO
Além de Toscani, outro autor nos enseja a realizar esta crítica e
suspeitar das intenções da publicidade é ​Vladmir Safatle. Em ”​Destruição e
reconfiguração do corpo na publicidade mundial nos anos 90”, trabalho
publicado em 2004 pela Revista CMC, o autor analisa o contexto de mudanças
8
ocorrido no final dos anos 90. Logo de início, utiliza uma clássica definição de
Marx (1978) para a sociedade de produção: “A produção não cria somente um
objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto”. Partindo disso,
Safatle entende que a publicidade não vende mais produtos e sim estilos de
vida.
Para cativar seus receptores, a persuasão publicitária oferece um
conjunto de respostas satisfatórias - que envolvem questões como amor,
trabalho, vida cotidiana, entre outras - que acabam por levar o sujeito
pós-moderno a investir em vínculos sociais. Funções pré-definidas para a
publicidade como “conjunto de forças para informar e convencer o público”
sobre a serventia de um determinado produto já não fazem sentido, pois elas
tendem a minimizar a publicidade ignorando seu papel no ​ethos social e na
criação de identidades sociais.
Entendendo a diversidade de estilos de vida, a publicidade acelera a
ruptura dos modos tradicionais disseminados durante anos para trazer novas
representações, entretanto, não ignorando o desejo. Ou seja: essas novas
representações possuem o mesmo papel das representações tradicionais na
publicidade: ser um objeto de desejo.
Nesse sentido, a grande peculiaridade contemporânea não está na
quebra de relação entre corpo e alienação, mas na ausência de
conteúdos ideais de identificação disponibilizados pela cultura do
consumo. (SAFATLE, 2004, p. 09).
Nesta perspectiva, a mercantilização de modelos estilísticos torna-se um
mecanismo de manutenção de uma sociedade voltada para o consumo.
Isso pode nos explicar por que temos cada vez menos necessidade de
padrões claros de conformação do corpo a ideais sociais. Esse é um
ponto central. Ao trabalhar representações publicitárias do corpo
marcado pela doença, pela ambiguidade e pela des-identidade, estamos
falando de um processo de mercantilização do que aparentemente seria
o avesso da cultura de consumo. (SAFATLE, 2004, p.12).
Segundo
o
autor,
a
mercantilização
dessas
representações,
aparentemente avessas ao tradicional, traz à tona o fetichismo que sempre
guiou a sociedade de consumo. As rupturas aparentemente realizadas são, na
verdade, controladas para corroborar com um sistema no qual conteúdos
9
ideológicos são extremamente obsoletos. A crítica a modelos impostos e ao
próprio consumo é uma insatisfação mercantilizada.
Tal mercantilização da insatisfação com o universo da mercadoria, lógica
presente atualmente no interior da própria publicidade, mostraria, pois,
que: "a crítica ao capitalismo tomou-se, de forma bem estranha, o
sangue salvador do capitalismo. (FRANK, p. 45)
Essa nova configuração de mercadoria se formou junto aos processos
sociais, uma vez que não vivemos mais em uma sociedade de produção, mas
sim de consumo. É ele que direciona as formas de interação social.
Para os autores de “​Representações Sociais e Igualdade de Gênero na
Publicidade” (2014), a “publicidade têm acompanhado as mudanças sociais,
mas continua a recorrer a visões limitadas e muitas vezes estereotipadas”.
Parafraseando Veríssimo (2008), as autoras defendem, que na prática
midiática, em um contexto global, a Publicidade assume, em uma sociedade
baseada na mercantilização, uma influência econômica, social e cultural. Ela
pode até parecer empoderar sujeitos, porém, minimiza discursos importantes
em “uma visão paradoxal que sedimenta valores culturais tradicionais e a
ordem social dominante. ” (p.11).
Silva e Beer (2008), em ​Sobre o cinismo em um tempo de identificações
irônicas, baseia-se no conceito de Peter Sloterdijk e defende que uma
sociedade de consumo sempre se utilizará de uma forma cínica para a
transformação do indivíduo em objeto e a alienação da falsa consciência e que
o reconhecimento ou o não reconhecimento do cinismo não impede a sua
existência no meio social.
De acordo com Bauman (2007), é preciso entender que uma sociedade
moldada para o consumo e voltada para o capital ​representa o tipo de
sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e
uma estratégia existencial consumista. O autor também defende que não existe
um consumidor ideal e que somos avaliados pelo nosso potencial de consumo.
A atividade de consumo se torna um ato individual, ligado aos anseios e
valores de cada um. Por se tratar de um comportamento quase solitário, se
torna mais fácil a diluição de vínculos afetivos.
10
Logo, não é difícil compreender que ​o cunho afetivo que uma marca
possa desempenhar está ligado, estreitamente, a seus objetivos e metas e
como cada marca irá se adequar ao seu tipo de consumidor.
4. BREVES CONCEITOS
4.1 O CONSUMO SIMBÓLICO
O ato de consumir acompanha o indivíduo há muito, mas foi com o
capitalismo que tomou sua forma simbólica. Hoje, consumir não significa
apenas suprir suas necessidades triviais, o consumo carrega uma nova função:
o da diferenciação social (Ehrenberg, 2012, p. 6). A utilização de produtos
como fator de diferenciação influencia diretamente as relações sociais e,
também, individuais. Com o passar dos anos, a implementação de sistemas e
as mudanças sociais ficou mais evidente: os produtores, a importância da
construção simbólica de uma marca e o que antes garantia apenas a qualidade
de um produto, hoje estão ligados com valores, crenças e posicionamentos.
Segundo Pinho (1996), após a Segunda Guerra Mundial um novo jeito de
utilizar as marcas surgiu, compreendeu-se que é por meio delas que o
consumidor liga-se com o produto e essa que essa ligação acontece por meio
da identificação.
O consumo ultrapassa, então, a necessidade e a funcionalidade. A
significação social de uma marca torna-se um fator decisório, pois na
sociedade pós-moderna, você consome o que te “identifica” (SEMPRINI, 2010,
p. 39). A escolha do que consumir passa a ser de extrema importância para as
relações sociais de cada indivíduo. Seguindo este raciocínio, o autor explica
que o comportamento do consumidor em relação às marcas mudou. Os
produtos continuam sendo fabricados a fim de suprir uma necessidade ou
despertar um desejo, mas um “valor” a mais é criado para que s estabeleça
uma identificação. A publicidade constrói a identidade que a mercadoria
assume. A posição de uma marca, então, diz muito de quem a consome. Por
11
exemplo, ao consumir uma marca que é a favor da união homoafetiva,
presume-se que o indivíduo seja favorável ou até promova essa ideia.
Em paralelo a essa consciência já vista pelas marcas, supõe-se que
movimentos sociais começaram a tomar voz e formato, principalmente nas
últimas duas décadas, conquistando cada vez mais espaço e desconstruindo
ideologias, até então, enraizadas no meio social. As marcas enxergaram a
necessidade de seguir essas tendências de expressão e começaram a agregar
valores, discursos e novas ideias, difundidas pela sociedade global. Neste
momento, nasce um novo modo de identificação.
[...]os indivíduos buscam comprar objetos que transmitam o seu estilo
de vida, que deixem claro para seus pares sua posição social e sua
forma de enxergar o mundo. (EHRENBERG, 2012).
O simbolismo do consumo, nesta perspectiva, foge de aspectos como o
status. A marca ganha nuances humanas incorporando personalidades e
difundindo valores, mas a publicidade não pode ser entendida apenas como
um agente externo à sociedade, que dita regras e valores. Pinto (1997)
defende a publicidade como um diagnóstico psicossocial de uma época e
reflete a realidade. Ele explica este conjunto de valores ligado ao fato que a
publicidade é o reflexo da vontade do público.
​4.2 O POLITICAMENTE CORRETO
A postura “politicamente correta” pode ser entendida como um conjunto
de ações neutras em termos de discriminação e que evita uma postura
3
ofensiva ou opressora para certas pessoas ou grupos sociais. Para Robert
Stam e Ella Shohat (2006, p. 445), trata-se de política baseada na tolerância
que contém um poder emancipatório, mas que é usada pela cultura midiática a
Definição encontrada no portal “Observatório da Imprensa”. ​Observatório da. Politicamente
correto vs. Politicamente incorreto. 2016. Disponível em:
<http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/_ed808_politicamente_correto_versus_poli
ticamente_incorreto/>. Acesso em: 28 maio 2016.
3
12
fim de oferecer ao público uma versão pasteurizada das diversidades
transnacionais.
Ainda segundo os autores, esse termo abrange polêmicas desde sua
concepção, pois não se sabe se ele pode ser compreendido como uma atitude
de esquerda relacionada a um comportamento político questionável ou
estratégia de direita a quem se opõe ideologicamente. Esta nova política que
relativiza o comportamento e que é propagada com diferentes contextos
fugindo de sua própria definição, foi legitimada por vários atores sociais de
importância, como a mídia.
Baseado neste raciocínio, Feitoza (2013, p.8), em seu artigo ​O elo entre
o conservador e o politicamente correto em imagens do entretenimento,
defende que “essa forma de expressão atua como um código diplomático
capaz de regular as relações entre comunidades, povos e etnias sem laços
sociais estabelecidos. ”
Quanto ao seu surgimento, um dos primeiros relatos do uso deste termo
ocorre no final da década de 80, nos Estados Unidos. Um conceito que visa
combater quaisquer formas de discriminação e exclusão. Wilson (1995, p. 03)
relata que a disseminação do termo acontece nos anos 90 no meio acadêmico
e que, de início, a grande mídia conservadora repreendia este movimento e
que o tentou minimizar de diversas formas. O politicamente correto surgiu
acompanhado de vários outros conceitos como o multiculturalismo. Stuart Hall
(2003) o define da seguinte forma:
Características sociais e os problemas de governabilidade apresentados
por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais
convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em
que retêm algo de sua identidade original. (p.52).
Seguindo este raciocínio, podemos afirmar que ele está estreitamente
atrelado os direitos das minorias - étnicas, de gêneros ou de classe - e que
estas estão sofrendo um fenômeno de pluralização graças à globalização.
A linguagem não é um elemento neutro, muito menos quando se refere
a publicidade. Considerada por Gregório (2007) um “barómetro sociocultural’, a
publicidade é capaz de expor as mudanças sociais e econômicas e, por
13
consequência, deve ser encarada como uma visão “plural”.
Neste sentido, a linguagem assume a responsabilidade de nomear o
mundo, as pessoas e fornecer interpretações de possíveis realidades. Jorge,
Cerqueira e Magalhães (2014) acreditam que, no publicitário, a linguagem
apreende produtos e reflete um sistema de crenças, ideias, atitudes e valores
sociais. Para Van Diijk (1997), a linguagem é uma das ferramentas mais
poderosas do sistema patriarcal que, por muitas vezes, a publicidade acaba
utilizando-se para reafirmar uma lógica sexual binária e desigual. Isto não está
presente apenas nas questões de gênero, mas também de racismo,
homofobia, distinção de classes, entre outros. A linguagem, então, tem o poder
de incluir uns e excluir outros.
Neste sentido, percebemos o porquê da mutação retórica de certas
marcas, uma vez que, para Hall, nos dias de hoje temos uma identidade móvel
que se transforma por meio dos processos culturais. Assim, pode-se concluir
que o surgimento do movimento politicamente correto está atrelado a uma
maneira de retratação a identidades feridas até o exato momento.
No âmbito publicitário, o mais recente posicionamento da AXE, marca de
desodorantes masculinos, pode ilustrar bem o uso de uma retórica menos
excludente e que faz uso de identidades diferentes. No Brasil há mais de 30
anos, a marca sempre carregou consigo valores atrelados a uma perspectiva
machista, enaltecendo o comportamento másculo e objetificando mulheres. A
campanha ​"Misture-os e arrume problemas!", lançada em 2012, serve de mote
para exemplificar este discurso. No filme principal da campanha, vemos um
rapaz - teoricamente - “não atraente” que faz o uso do desodorante para atrair
mulheres “atraentes” - que seguem um padrão estético -, como é prometido na
narração da peça: “Há dois tipos diferentes de AXE (...), e se você usa os dois
juntos, começa a acumular mulheres”
14
Imagem 1 - Captura do filme “Misture e arrume problemas”. AXE, 2012.
4
Fonte: Site YouTube
Um discurso totalmente diferente do apresentado pela marca quatro
anos depois. Em 2016, em parceria com a agência americana 72andSunny, a
AXE lançou a campanha mundial “Find Your Magic”. Com o objetivo de quebrar
o paradigma do “macho-alfa” musculoso, o mote principal da campanha é
incluir identidades masculinas que, até então, eram excluídas nas peças
publicitárias voltadas para estes produtos.
Queríamos torná-lo o mais inclusivo possível. Nós queríamos dar a eles
um senso de confiança e libertá-los da ideia estereotipada sobre o que
significa ser um homem. (CAVALLONE, 2016).
O filme tem como objetivo desconstruir a ideia de “orgulho
masculino” e explicitar a diversidade comportamental e estética. De forma
peculiar, um protagonista nos é apresentado: um rapaz comum, sentado no
carro com sua namorada. É interessante perceber que ela está ao volante e
não ele. Na sequência, é possível encontrar homens distintos de aparência e
comportamento: homens em cadeira de rodas, homens tímidos, um casal de
homem flertando em uma loja de discos, entre outros.
4
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uB324qQ7iFs>. Acesso em: 15 set. 2016.
15
Em entrevista ao portal AdAge, o diretor sênior da AXE, Matthew
McCarthy, afirmou que além de “explorar a diversidade masculina que existe no
mundo”, a campanha pode ser entendida como um modo de retratação em
relação às ideias propagadas no passado: “ Nós queremos deixar claro que
não importa como você define sua masculinidade, algo bem diferente de muitas
histórias que já contamos no passado”.
Imagem 2 - Captura do filme “The Thing”. AXE, 2016​.
5
Fonte:Site Youtube
4.3 A “PUBLICIDADE CORRETA” E A FORMAÇÃO DE OPINIÃO
Aproveitando o seu caráter educador e persuasivo, os ​mass media, cada
vez mais, buscam difundir os valores estabelecidos por essa conjuntura.
Thompson (1998, p. 8) em ​A mídia e a modernidade, defende que a mídia
passou a moldar o mundo em que hoje vivemos e destaca o processo de
recepção e apropriação das mensagens da mídia que envolve a “autoformação
do indivíduo, não sendo o único influenciador neste processo, mas cada vez
mais importante”.
5
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mMZtzgWkpJU>. Acesso em: 15 set. 2016.
16
Assim, um dos artifícios utilizados nos últimos anos pelas marcas é a
utilização de mensagens publicitárias “politicamente corretas”. É perceptível a
tentativa de inclusão das empresas em seus anúncios, em suas atitudes,
discursos e até produtos.
Na publicidade “correta” é possível perceber a
diversidade étnica e cultural e a tentativa, ainda tímida, da desconstrução de
padrões e comportamentos. Nada disso ao acaso, além de chamar a atenção
para o produto, essa nova conjuntura, adquirida pelas marcas, tem como claro
e simples o objetivo de transmitir uma imagem positiva e humanizar as
empresas que “lutam” pelo bem-estar da social.
Nos meios de comunicação, o centro do politicamente correto pode ser
textual e enfocar questões de realismo e acuidade mimética; de um
ponto de vista institucional, pode enfatizar questões de auto
representação cromática e o caráter das “imagens positivas” (STAM;
SHOHAT, 2006, p.443).
​Na
publicidade, a preocupação com o politicamente correto está em
relação ao conteúdo e o discurso que ele apresenta. Para Arbach (2005),
questões como representações sociais, grupos étnicos, de gênero, entre outros
devem ser levados em conta no desenvolvimento de uma campanha.
A campanha “BB Cream Color Trend e a Democracia da Pele​”, da Avon,
ilustra bem esta nova responsabilidade incorporada pela publicidade. Em uma
série de quatro vídeos - sendo um deles veiculado na televisão no período
entre julho e junho de 2016 - e vários posts em suas redes sociais, a marca de
cosméticos brasileira utiliza da imagem de um grupo de formadores de opinião
- não presentes na mídia tradicional, mas com uma presença notável na
Internet - para apresentar o seu lançamento (BB Cream Color Trend) ao grande
público. Trata-se de um novo posicionamento da marca, que aderiu ao
movimento de empoderamento das minorias como estratégia de marketing. No
filme, personagens que antes eram vistos na marginalidade da publicidade gordos, gays, negros e transexuais - são postos como protagonistas. É
importante reparar da assinatura da campanha, que define o produto como
“para todes” - o termo faz parte de uma linguagem politicamente correta, onde
não faz distinção de gênero para o uso do produto.
17
Imagem 3 - Captura do VT “BB Cream Color Trend”.
6
Fonte: Site YouTube
A mutação da retórica da marca é facilmente percebida se compararmos
o seu posicionamento atual ao apresentado pelo filme “Quilinhos”, lançado em
abril de 2014. Neste, a protagonista se encontra na frente do espelho se
martirizando por ter “deixado a dieta de lado” e “ter comido alguns brigadeiros à
mais”. Em seguida, ao aplicar o produto “Mega Cílios”, ela reencontra sua
autoestima e diz que está “mega pra cima”, como os seus cílios. Em outro
filme, da mesma campanha, o estereótipo feminino é reafirmado, pois a
personagem reclama que está solteira há muito tempo, mas que agora ela
pode fazer o que quiser, como “assistir minhas novelas e minhas comédias
românticas”. Após o lançamento, a campanha criada pela Agência JWT foi
severamente criticada e, hoje, não está mais presente no acervo de
campanhas da Avon.
4.4 MARKETING 3.0
Conhecido popularmente como “Marketing de causa”, o Marketing 3.0
assume a face mais “humanizada” das estratégias de venda, uma nova
maneira de interagir com o consumidor contemporâneo – engajado, com
acesso fácil à tecnologia e mais exigente. Philip Kotler (2010) é a principal
6
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8Imd5MyfGbo>. Acesso em: 15 set. 2016​.
18
referência na definição do termo e em ​“Marketing 3.0 – As forças que estão
definindo o novo marketing centrado no ser humano” contam como o marketing
tomou este formato mais “social”, como conhecemos hoje. Para entendermos
esta construção de melhor maneira, é preciso que façamos um apanhado
histórico das estratégias de marketing. O “Marketing 1.0” era voltado para os
produtos e para as vendas finais, sua natureza era “tática”; o “Marketing 2.0
surgiu na era da informação, voltado para o consumidor e sua satisfação, de
natureza estratégica; o “Marketing 3.0” é o marketing contemporâneo, voltado
para causas sociais, valores e transformações que rodeiam o consumidor”. (p.
16 e 17)
O Marketing 3.0 acredita que os consumidores são seres humanos
completos, cujas outras necessidades e esperanças jamais devem ser
negligenciadas. Desse modo, o Marketing 3.0 complementa o marketing
emocional com o marketing do espírito humano. (KOTLER, 2010.p.17).
O autor explica que, para obter sucesso nos dias de hoje, o marketing
adotado por uma marca precisa “oferecer respostas e esperança às pessoas”,
além de deixar explícitos os valores que vão a diferenciar das outras. Kotler
afirma que a globalização e o acesso à informação são os principais
responsáveis pelo modelo que o consumidor contemporâneo incorporou. As
novas necessidades resultaram em um novo marketing, feito por três principais
alicerces: o Marketing Colaborativo, Cultural e de Espírito.
A era do Marketing 3.0 é aquela em que as práticas de marketing são
muito influenciadas pelas mudanças no comportamento e nas atitudes
do consumidor. É a forma mais sofisticada da era centrada no
consumidor, em que o consumidor demanda abordagens de marketing
mais colaborativas, culturais e espirituais. (KOTLER,2010.p. 28)
Todas
essas
estratégias
–
construídas
através
de
aspectos
tecnológicos, socioculturais, políticos e econômicos – resultam em apenas um
claro objetivo: a diferenciação em um mercado saturado. A apelação para as
necessidades e os desejos emocionais do consumidor é resultado de uma
demanda onde mercados tradicionais estão desaquecidos e, por outro lado,
emergentes tomam forças, visando novas práticas e valores.
19
Segundo Ivan Tonet, consultor de Marketing e Estratégia do SEBRAE,
as empresas socialmente engajadas lucram mais.
O engajamento do consumidor é fundamental para que uma marca
consiga se destacar das concorrentes. O boca a boca positivo só é feito
por consumidores encantados, e quando potencializado via mídias
sociais, tem o poder de melhorar a imagem da marca e até o
faturamento. (TONET, 2012)
Um bom exemplo dessa estratégia social pode ser percebido no
posicionamento de uma agência de publicidade brasileira, a HEADS. Com a
sede em São Paulo, escritórios em mais três estados do país e cliente como
Grupo Boticário e CAIXA Econômica, hoje, a agência se diferencia no mercado
pelo seu posicionamento político e engajado. “A Heads acredita na Igualdade
de Gênero e é a primeira agência de publicidade do Brasil a se alinhar com os
Princípios de Empoderamento das Mulheres da ONU. ” É assim que a HEADS
se apresenta ao mercado, quando seu site é acessado. A organização também
garante que mais da metade de seus cargos são ocupados por mulheres e que
não há diferença salarial entre os gêneros.
Desde quando adotou esse posicionamento, a agência conquistou oito
contas novas e, hoje, é a segunda maior agência independente do Brasil,
desenvolveu um estudo batizado de “Todxs por elas”, onde analisa a presença
da mulher na publicidade e foi responsável por campanhas de grande
repercussão, como a “Dia dos Namorados - O Boticário” - pioneira em colocar
um casal gay como protagonista.
A diferenciação da HEADS não está apenas no trabalho que executa,
mas também na maneira que faz questão de ser vista dentro do mercado
publicitário.
5. O CASO SKOL: DO DISCURSO MACHISTA AO APOIO ÀS DIFERENÇAS.
A cerveja, como diversas bebidas alcoólicas, sempre esteve atrelada no
imaginário popular a virilidade e ao comportamento masculino. Ao redor do
mundo, diversas marcas da bebida estão relacionadas a grandes campeonatos
20
de futebol - esporte, teoricamente, “masculino” -, a um estilo de vida boêmio e
hipersexualizado. Apenas no Brasil, é possível encontrar, nas últimas duas
décadas, centenas de campanhas que utilizam de linguagens e estereótipos.
Como suas concorrentes, a Skol - marca de cerveja brasileira,
distribuída pela AMBEV - sempre utilizou de artifícios que remetem ao sexo e
ao comportamento do seu público, até então, alvo - homens, heterossexuais na promoção de seus produtos.
Imagens 4 - anúncios da Skol lançados no começo dos anos 2000.
Fonte: Ultracurioso
7
Imagens 5 - anúncios da Skol lançados no começo dos anos 2000.
7
Disponível em: <
http://www.ultracurioso.com.br/6-propagandas-de-cerveja-que-causaram-maior-confusao/>
Acesso em: 15 set. 2016
21
8
Fonte: Ultracuioso
Em fevereiro de 2014, a marca lançou sua campanha de carnaval em
território nacional com o seguinte título: “ Esqueci o “não” em casa”. A peça
publicitária ganhou grande repercussão após ser fotografada pela publicitária
Pri Ferrari e a jornalista Mila Alves e publicada em grupos feministas no
Facebook. Levando em conta o passado publicitário da marca, é fácil perceber
o porquê da comoção causada: a mensagem fazia apologia à cultura do abuso
sexual a mulheres vulneráveis. Após a má recepção, a campanha foi retirada
do ar, em menos de uma semana.
Desde o ocorrido, percebe-se um reposicionamento da marca Skol. Se
antes, a marca era voltada para o arquétipo do “macho-pegador”, hoje, ela
encarna uma outra personalidade: a do jovem consciente. Podemos perceber
este novo posicionamento ao analisarmos o VT da campanha “#RespeitoIsON”,
veiculada em junho de 2016 na internet e na televisão. O vídeo é um manifesto
de apoio à causa LGBT e, como o filme da Avon, traz protagonistas fora do
padrão estético, mas que encaram um perfil ​junk, fetichizado pela comunicação
desde o final do século passado com o surgimento da estética “heroína chic”.
Vladmir Safatle explica este movimento em ​”Destruição e reconfiguração do
corpo na publicidade mundial nos anos 90”:
8
Disponível em:
<http://www.ultracurioso.com.br/6-propagandas-de-cerveja-que-causaram-maior-confusao/>
Acesso em: 15 set. 2016
22
Modelos magras com olhar fixo e distante, corpo jogando em um canto,
pele embebida em suor frio e luz desbotada [...] A semelhança visível
das modelos com usuários de heroína mostrava uma lógica de
aproximação entre glamour e autodestruição estilizada. (SAFLATE,
2004. p. 10)
A campanha também serviu para marcar o primeiro ano da Skol como
patrocinadora oficial da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo - o maior
evento LGBT político na América Latina.
novos grupos sociais, étnicos e sexuais passaram a participar da vida
pública trazendo suas questões e reivindicações e, ao mesmo tempo,
ampliando formas estéticas e de consumo. (RAGO, 1999)
Imagem 6 - anúncio da Skol como parceira oficial da Parada LGBT de São Paulo.
9
Fonte: Site Fica Quietinho/MTV
A mutação do posicionamento da Skol é nítida assim que nos
deparamos com a palavra chave do seu discurso: respeito. Nesta mudança,
percebemos que a Skol busca utilizar da linguagem politicamente correta, que
não exclua algum tipo de consumidor ou agrida alguma classe social, como
antes acontecia com as mulheres; busca preservar a reputação de sua marca e
reparar possíveis “manchas” que seus discursos passados possam ter
causado; buscar trazer para seus produtos valores como a diversidade e a
9
Disponível em:
<http://ficaquietinho.com/parada-do-orgulho-lgbt-passa-a-ser-parte-do-calendario-oficial-de-sp/> .
Acesso: 15 de set.
23
tolerância, a fim de que um público que, antes, sentia-se excluído ou
marginalizado pela marca sinta-se, agora, representado por ela; opta por
representações imagéticas que, teoricamente, celebram a diversidade étnica,
cultural, sexual, entretanto, utiliza de uma estética atraente/chocante, como as
marcas de moda fizeram no anos 90; ao patrocinar eventos da causa LGBT,
utiliza-se de táticas previstas pelo marketing 3.0, a fim de tornar sua marca
mais engajada e, consequentemente, atingir esferas pessoais e emocionais de
seus consumidores.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É impossível esperar que a publicidade permaneça em um formato
estático para realizar seus atos de persuasão, afinal, ela anda junto com o
social. Atitudes e discursos de um indivíduo reprovados por determinada
comunidade, provavelmente, serão reprovadas se reproduzidas por uma
marca. Esse avanço pode ser entendido, então, como um acompanhamento de
tendências - muito diferente da publicidade idealizada por Oliviero Toscani no
começo dos anos 90: uma publicidade engajada, destemida, preocupada em
levantar e dar luz para causas ignoradas pela grande mídia.
Percebe-se então que o pensamento de Weber, em suas dissertações
que abordavam o desencantamento do mundo a partir da ascensão do
“Espírito” do capitalismo, torna-se mais do que válido. A definição de critérios
como a relevância de novos interesses e afinidades nada mais é que filtros
determinantes na relação indivíduo-consumo.
O agendamento de novos posicionamentos e a mercantilização de
discursos engajados podem ser entendidos como pequenas engrenagens que
auxiliam na manutenção do sistema marca-consumidor. Novas estratégias são
desenvolvidas, retratações são realizadas e - novos - públicos, antes
ignorados, passam a se enxergar a cada produto que surge no mercado. Afinal,
este é o papel de uma marca - criar conexões entre o produto e o consumidor.
Não podemos negar que, em toda essa relação há fatores positivos, como a
visibilidade e abertura de espaços para novas identidade. Porém, há de se
24
entender que isto não é uma atitude puramente genuína do marketing e que,
na maioria dos casos, acontece em momentos oportunos. Os discursos podem
ser verdadeiros, as práticas podem ser até relevantes e positivas, mas o
objetivo continua o mesmo: zelar por uma imagem persuasiva que gere novos
lucros. Afinal, como aprendemos neste artigo “empresas socialmente
engajadas lucram mais”.
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