MARIA EMÍLIA RODRIGUES CONTRACULTURA, ROCK AND

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MARIA EMÍLIA RODRIGUES
CONTRACULTURA, ROCK AND ROLL E ESTILO HIPPIE:
uma análise das bandas Sopa, Liverpoolgas e RoberSou the Valsa
CURITIBA
2006
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES (SCHLA)
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS (DECISO)
CONTRACULTURA, ROCK AND ROLL E ESTILO HIPPIE:
uma análise das bandas Sopa, Liverpoolgas e RoberSou the Valsa
Monografia apresentada pela aluna
Maria Emília Rodrigues à disciplina
de Orientação Monográfica II, sob
orientação da Profª. Dra. Ana Luisa
Fayet Sallas.
CURITIBA
2006
1
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Mauro Rodrigues e Elsita Rodrigues, por tudo que fizeram e ainda
fazem por mim, e principalmente por terem possibilitado a realização de meus estudos. Aos
meus irmãos Ivan, Lucio, e Cíntia, pelo apoio dado em toda nossa convivência, nas horas
pacíficas e nas tumultuadas (hehe). A Péricles e Gisele, que vieram a fazer parte de nossa
família.
À Cinara (outro novo membro da família) pela amizade, risadas e longas conversas.
Sou especialmente grata a Joelso Luis Kresko, a quem devo em muito a realização
deste trabalho. Nunca esquecerei de seu carinho e companheirismo e, acima de tudo, por ter
agüentado meus momentos de insanidade durante este período.
À minha orientadora, pela confiança depositada.
Meus agradecimentos à Profa. Miriam Adelman, pelo seu apoio e credibilidade ao
longo da graduação.
A todos que concederam gentilmente as entrevistas, possibilitando o andamento da
pesquisa.
Aos amigos maravilhosos que fiz durante estes anos de convivência acadêmica, que
proporcionaram grandes momentos de alegria e de festa: Mariana Brero, Sandro, Joslei,
Mabelle, Thiago, Anilda, Julio Gouvêa, Rossana, Thaísa, Laura, Carlos, Lígia, Mariana
Marques e Ing. E aos que no momento estão um pouco distantes, mas que ainda cultivo sua
valorosa amizade: Fraiz, Lucas Maciel e Carol Kaiss.
Àqueles a quem devo grande parte desta monografia, amigos de copo e de
aprendizado: Julio Gonçalves, Duda, João Maurício e Doug. Obrigada pelas conversas, dicas
e piras de mesa de bar. Aprendi muito com vocês.
Não posso deixar de agradecer à Fabi, companheira de orientação, grande amiga e
unanimidade das Sociais.
Aos grandes amigos do CIC-CIC: Fabiane, Helton e Silmara, os quais não vejo há um
bom tempo, mas que nunca esquecerei.
Enfim, a todos que direta ou indiretamente, contribuíram para minha formação.
2
RESUMO
Esta monografia pretende realizar um estudo sobre o impacto da música rock da década de 1960 em três bandas:
Sopa, RoberSou the Valsa e Liverpoolgas. As três bandas são curitibanas, compostas por jovens que não viveram
a época, mas que resgatam o estilo de alguns de seus artistas. Já que a contestação esteve presente em grande
parte da produção musical da década, o trabalho busca analisar se a opção por tocar este estilo num contexto
histórico e social completamente diverso, está relacionada com este fato. Se há, por parte dos músicos que
integram estas bandas, alguma ligação com os ideais que marcaram a época. Procura verificar se os valores e
concepções de mundo destes, indicam um posicionamento de caráter libertário, se a adoção do estilo está
relacionada com questões ideológicas. Para isto, foi realizada a pesquisa das bandas, que consistiu na ida a seus
shows e entrevistas com alguns de seus membros. No primeiro capítulo, aborda-se o conceito de indústria
cultural e suas limitações. O capítulo seguinte analisa a contracultura e o fenômeno do rock, desde o seu
surgimento até sua atuação naquele contexto específico. A parte final do trabalho consiste-se na apresentação e
na análise da pesquisa de campo.
PALAVRAS-CHAVE: indústria cultural; contracultura; rock; década de 1960.
3
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 05
2 A INDÚSTRIA CULTURAL ....................................................................................... 08
2.1 Apresentação do conceito de Adorno e Horkheimer ................................................... 08
2.2 O Fetichismo na música ............................................................................................... 11
2.3 Benjamim e a reprodução da arte ................................................................................. 13
2.4 Os limites e outras implicações da indústria cultural ................................................... 15
3 A CONTRACULTURA ................................................................................................ 21
3.1 Indústria cultural e contracultura .................................................................................. 22
3.2 O surgimento do rock´n roll ......................................................................................... 28
3.3 A ascensão: o rock clássico .......................................................................................... 30
3.4 Protesto político e experimentalismo: o rock na década de 1960 ................................ 32
3.5 O rock´n roll no Brasil ................................................................................................. 39
4 PESQUISA DE CAMPO .............................................................................................. 43
4.1 Apresentação das bandas .............................................................................................. 43
4.2 Análise das entrevistas ................................................................................................. 49
4.2.1 Perfil sócio-demográfico ........................................................................................... 49
4.2.2 Música e indústria cultural ........................................................................................ 50
4.2.2.1 Formação artística e música ................................................................................... 50
4.2.2.2 O rock nos anos 1960 e a produção musical atual ..................................................51
4.2.2.3 Padrões de consumo de bens culturais ................................................................... 53
4.2.3 Política ..................................................................................................................... 55
4.2.3.1 Partidos Políticos .................................................................................................... 55
4.2.3.2 Governo Lula ......................................................................................................... 56
4.2.3.3 Transformação social ............................................................................................. 56
4.2.4 Comportamento ......................................................................................................... 58
4.2.4.1 Drogas .................................................................................................................... 58
4.2.4.2 União Civil entre homossexuais ............................................................................ 58
4.2.4.3 Aborto..................................................................................................................... 59
4.2.4.4 Relacionamento ...................................................................................................... 59
4.2.4.5 Futuro profissional ................................................................................................. 60
5 CONCLUSÕES ............................................................................................................. 61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 64
ANEXO ............................................................................................................................. 65
4
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca analisar um fenômeno que está se tornando cada vez mais
comum na cena curitibana: o surgimento de várias bandas de rock, claramente influenciadas
pelos artistas da década de 1960.
Como o resgate de estilos que marcaram uma determinada época – assim como
realizar um trabalho inspirado em outros artistas – é extremamente comum na música e nas
artes como um todo, o objeto se destaca por seu caráter restrito. São jovens executantes de um
determinado subgênero do rock and roll que emergiu na segunda metade da década, sendo
estritamente ligado à subcultura hippie: o rock psicodélico. No Brasil não há um impulso
neste sentido, de artistas de peso que estejam resgatando este estilo específico. Daí o fato de o
fenômeno chamar a atenção.
Outro elemento que se torna comum nestas bandas é o vestuário. A maioria de seus
músicos, além de executar o mesmo estilo de rock dos hippies, também adota seu vestuário.
Grande parte do público que freqüenta seus shows também é jovem e se caracteriza por esta
maneira de vestir, num claro indício de que há uma inspiração nos hippies da contracultura,
tanto por parte destes artistas, quanto pelo seu público. Visto que estas bandas atuam por fora
da indústria fonográfica – apresentando-se em bares, e eventos em que participam somente
bandas locais – é o estilo destas bandas que atrai este público em especial, que procura por
outras sonoridades, diferentes do que lhes é oferecido no atual mercado da música.
Assim, foram escolhidas três destas bandas curitibanas: Sopa, RoberSou the Valsa e
Liverpoolgas. As bandas Sopa e RoberSou the Valsa tocam composições próprias, mas suas
harmonizações e seu instrumental remetem diretamente ao rock psicodélico. A banda
Liverpoolgas foge um pouco desta linha. Como o próprio nome já diz, trata-se de uma banda
cover de músicas dos Beatles. Mas destaca-se de outras bandas cover beatle pelo fato de que
procuram tocar músicas de todas as fases da banda, desde seu primeiro álbum até o último.
Como os Beatles foram o conjunto que impulsionou o psicodelismo, e as músicas desta fase
são o ponto alto do show dos Liverpoolgas, vale a pena incluir esta banda na pesquisa.
Visto que o rock dos anos de 1960 ligou-se diretamente aos movimentos da
contracultura, sendo um dos principais veículos de difusão de novos valores e de contestação,
a pergunta central da pesquisa é a seguinte: há uma relação de identificação entre este estilo
do rock adotado pelas bandas e seu modo de vestir, com os ideais que marcaram a subcultura
hippie? Se além da música propriamente, as bandas adotaram este estilo por também se
5
identificarem com outros elementos da contracultura. Ou seja, se indica que há por parte
destes músicos um posicionamento ideológico de cunho libertário.
Para verificar esta relação, a pesquisa foi realizada em duas fases. Primeiramente, foi
realizada a pesquisa de campo, que consistiu na observação de alguns shows das três bandas.
O método adotado foi o da observação participante, já que consistia em assistir os shows
enquanto platéia, incluindo conversas informais com os músicos e os fãs. O intuito da
pesquisa de campo era o de verificar o repertório das bandas, a performance, seu público, e a
relação do público com as bandas e vice e versa.
Após este primeiro contato, a pesquisa passou para a segunda fase. Procurando
verificar a relação das bandas com a contracultura (além da música) foram realizadas
entrevistas com alguns dos músicos das três bandas. Para isto, o questionário foi elaborado
com questões que procuraram identificar o perfil sócio-econômico dos músicos, sua trajetória
artística, seus gostos, a relação com a música da época, e suas visões de mundo. Devido à
temática do trabalho e para que os entrevistados pudessem responder às questões livremente,
o método mais adequado para tal foi o da entrevista narrativa.
Há quatro hipóteses que surgiram neste trabalho. Uma, é a de que há uma relação de
identificação destes músicos com a contracultura, mas que é apenas uma questão de estilo, e
não de ideais. A segunda, a de que pode se tratar de um modismo, mas a um círculo restrito,
onde há outras pessoas que também o seguem, ao mesmo tempo em que se afirmam como
“diferentes” e “alternativas”, em vista do que a maioria dos jovens segue. A terceira hipótese
é a de que os músicos das bandas identificam-se com a contracultura, principalmente com a
subcultura hippie como um todo, e que por este motivo, começaram a tocar este estilo de
música. A última hipótese é a de que estas bandas emergiram através da consciência de que
atrairiam um público específico, e de que por isto, adotaram o estilo. Esta hipótese é a que
considero mais improvável.
Com o objetivo de estudar qual (ou quais) destas hipóteses será confirmada pela
pesquisa, vale a pena, para maior compreensão do objeto em questão, o seguinte referencial
teórico abordado no primeiro capítulo do trabalho: Adorno e Horkheimer e seu conceito de
indústria cultural, já que trata-se de um conceito importante para a análise do objeto. Sua
pertinência está no fato de que muito do conhecimento que a maioria das pessoas tem sobre a
década de 1960, se dá por discos, filmes, documentários, etc., além de tocar na questão dos
modismos e do consumo massivo, o que não pode ser deixado de lado no estudo da música e
do estilo adotado pelos jovens. Já que a década também foi marcada por uma intensa
produção criativa na música, e de que, de alguma forma utilizou-se da indústria cultural para
6
tal, o conceito da forma como foi elaborado torna-se insuficiente para a compreensão do
objeto. Daí a importância de serem inclusas diferentes abordagens sobre a indústria cultural
em outros autores que a analisaram de maneiras divergentes daquela proposta por Adorno e
Horkheimer. Assim como também é interessante discutir a abordagem de Walter Benjamim,
contemporâneo aos dois autores, mas com visões distintas sobre as mesmas questões.
No segundo capítulo apresento algumas considerações sobre o fenômeno da
contracultura, em autores como Edgar Morin e Theodore Roszak. Ambos problematizaram
também a atuação da indústria cultural na mesma, o que orienta a pesquisa, já que a atuação
da indústria pode ter afetado o impacto da contestação, ou pelo contrário, pode ter estimulado
estes músicos pesquisados a seguirem o seu exemplo. Devido à discussão estar centralizada
na música, especificamente no rock, torna-se necessário compreender o fenômeno do rock e
seu impacto social. Para isto, o segundo capítulo apresenta ainda um rápido histórico do rock
and roll, seu surgimento, ascensão e importância na década de 60, analisando também como
foi envolvido na lógica de mercado.
O capítulo final trata-se da pesquisa de campo, do que foi observado nos shows e as
entrevistas. Traz o perfil das bandas e as análises da pesquisa de campo, discutindo os
resultados obtidos durante a pesquisa, orientando-a para sua conclusão.
7
2 A INDÚSTRIA CULTURAL
Neste capítulo discuto a indústria cultural, tal como formulada por Adorno e
Horkheimer, bem como o célebre ensaio de Walter Benjamin (1994) “A obra de arte na era
da reprodutibilidade técnica”, por se tratar de uma espécie de “texto-chave” para
compreender a visão do autor no campo das artes e da cultura, distinta daquela proposta por
Adorno e Horkheimer. Já é bem conhecido o fato de que a abordagem destes últimos sofreu
várias críticas ao longo do desenvolvimento dos estudos culturais. Alguns teóricos apontam
para o excesso de determinismo e o elitismo presentes nas análises dos autores, mas é
inegável a validade e contemporaneidade do conceito, se avaliarmos o quanto os ramos do
entretenimento avançaram a partir da segunda metade do século XX no sentido de consolidarse como grande indústria capitalista de alta lucratividade com sua produção voltada para o
consumo massivo. Pode-se afirmar que o mercado de bens culturais atua em favor do status
quo, mas este argumento não é suficiente para compreender a multiplicidade de elementos
que envolvem a atuação deste, principalmente na produção musical da década de 1960 (que
analisarei no capítulo seguinte).
Em minha pesquisa procurei não aplicar mecanicamente os preceitos adornianos, mas
os utilizei como importante instrumental teórico, bem como algumas das críticas a eles
dirigidas. Optei por discutir o ensaio de Benjamin por este alertar para um aspecto crucial,
porém não problematizado na obra de Adorno: o da recepção, ou seja, as novas formas de
apreensão das obras de arte que sua reprodução técnica podem engendrar. Assim, também
apresentarei aqui alguns apontamentos importantes sobre a indústria cultural desenvolvidos
pelos autores Edgar Morin, Jesús Martin-Barbero e Gabriel Cohn.
2.1 Apresentação do conceito de Adorno e Horkheimer
O argumento de que o Iluminismo a partir do século XVIII liquidou na cultura
ocidental a crença nos Mitos como modo de explicar os fenômenos do mundo, e que a partir
disto inicia-se uma nova era onde o conhecimento científico o substitui, libertando a
humanidade através da possibilidade de apreensão da realidade pela Razão, é negado por
Adorno e Horkheimer.1 Segundo os autores, a freqüente negação dos Mitos pela ciência,
acabou por transformar ela própria em Mito, no momento em que o conhecimento científico
1
In: A Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
8
torna-se o portador de uma verdade que não é passível de questionamento. A ascensão do
capitalismo e das novas tecnologias acabou por acentuar a exploração do homem pelo
homem, já que esta dominação é anônima, pouco perceptível, por conta da própria natureza
intrínseca da mercadoria (MARX, 1989). Porém, para Marx, é neste mesmo sistema que há a
possibilidade de transformação, de um possível futuro sem divisão de classes, porque foi o
próprio capitalismo o responsável pelo salto rumo ao desenvolvimento tecnológico que
poderia vir a ser um instrumento de libertação. O aprimoramento dos meios de produção
diminuiria o emprego da mão-de-obra dos trabalhadores, eliminando paulatinamente sua
exploração (este ponto é contraditório em Marx, pois há críticos que afirmam seu
determinismo, mas é perceptível que ele não concebia a revolução como algo dado,
simplesmente através do progresso técnico, há ênfase na importância da ação dos sujeitos).
O que Adorno e Horkheimer proclamam é que o que estava se vendo era uma espécie
de movimento inverso, ou seja, a racionalidade técnico-científica estava terminando por
ampliar ainda mais a exploração. Estes afirmam que a ciência tornou-se Mito, porque o
avanço técnico não veio acompanhado de reflexão, assim a racionalidade tornou-se objeto de
uma crença cega, num conhecimento instrumental que desenvolve ainda mais os mecanismos
de dominação burguesa. Todos (inclusive a própria burguesia) encantam-se com as
descobertas científicas, com o avanço produtivo e criação de novos aparatos tecnológicos,
obedecendo cegamente aos imperativos do capital, apoiados numa concepção ilusória de
progresso.
Os autores concebem esta tese em meio à ascensão do nazi-fascismo, durante as
décadas de 1930/40, ao testemunharem o crescimento dos mass media que, basicamente,
encarregavam-se de difundir a ideologia fascista. Visto que ambos os regimes (nazismo e
fascismo) ganhavam ampla aceitação e simpatia das massas, a preocupação dos autores era a
de compreender os novos mecanismos que se colocavam a serviço de legitimar o poder. Em
seu exílio nos Estados Unidos, puderam constatar que este fenômeno não ocorria apenas nos
países dominados pelo totalitarismo. Neste país de capitalismo avançado, os meios de
comunicação de massa atuavam de forma semelhante a garantir a reprodução do sistema,
porém com a diferença de que enquanto na Alemanha ocupavam-se com a propaganda
nazista2, nos Estados Unidos estes colocavam as massas sob o comando do capital de modo
disfarçado, com o rótulo de “entretenimento”. Em meio a este contexto, os teóricos
presenciaram o estabelecimento de uma verdadeira indústria do entretenimento, a qual
2
O documentário Arquitetura da Destruição de Peter Cohen, Suécia: 1992, 121 min. nos mostra os meios com
que o nazismo difundiu sua ideologia, onde o cinema era um de seus principais veículos.
9
analisaram em 1947, no famoso ensaio publicado individualmente por Adorno em 1968,
intitulado “A indústria cultural: o Iluminismo como mistificação de massas”.
A idéia central da obra é a de que a racionalidade técnica adentra nas esferas das artes
e do lazer, o capitalismo avança no sentido de abarcar todas as atividades do indivíduo,
alienando-o até mesmo nas horas de não-trabalho, pois “em seu lazer, as pessoas devem se
orientar por essa unidade que caracteriza a produção” (op. cit., 1985, p. 117). Assim, não há
possibilidade de transcender, porque em suas horas de descanso, o trabalhador é
constantemente subordinado à lógica do consumo, através da imposição de bens padronizados
e estandartizados, dos quais usufrui mecanicamente sem reflexão. Refletir e pensar não são
possíveis dentro da indústria cultural, porque este é seu pressuposto e sua finalidade, tudo se
equivale no mercado: por exemplo, um Balzac antes de chegar ao grande público já foi
deturpado num roteiro de cinema, assemelhando-se ao conteúdo das histórias do camundongo
Mickey – às massas não é possível a fruição da obra em sua totalidade. Tudo é uniformizado,
o império da padronização técnica dá a todos os produtos um caráter de semelhança, mesmo
que as empresas concorram entre si. As propagandas que fazem alarde sobre as diferenças e
vantagens de suas marcas só oferecem ao consumidor a ilusão de escolha. A “variedade” que
se coloca à disposição dos consumidores não passa de uma adequação do mercado aos dados
rigidamente classificados em estatísticas sobre perfis diferenciados (de forma simplista e
reducionista, como faixa etária e sexo).
Para além da repetição, as obras passam pelo crivo do mais rigoroso controle,
semelhante à produção de mercadorias nas fábricas, onde o cinema e o rádio são os mais belos
exemplos. No cinema tudo ocorre de modo planificado: atuações, música, histórias que
seguem as mesmas fórmulas, de um modo que fica-se satisfeito quando ocorre justamente o
que era esperado. Porém tudo se segue num ritmo tão rápido, que prende a audiência,
envolvendo-a ao mesmo tempo em que aniquila-se sua capacidade de reflexão. No rádio, o
locutor dita aquilo que se deve ouvir (a música de “sucesso”), seleciona os conteúdos em
conformidade com o cronograma do relógio, e, ainda, cria a ilusão de participação e escolha
das músicas nos ouvintes pelos programas de rádio amador. Ambos os ramos da indústria
cultural não preocupam-se em consolidar-se como arte, seus próprios agentes os proclamam
como indústria, contando felizes as cifras milionárias de seu negócio. Quanto às massas, estas
já estão adestradas, consumindo em larga escala os produtos da indústria cultural,
reproduzindo e garantindo a manutenção do sistema capitalista. Impossibilitadas de apreender
a realidade opressora, pelo poder alienante que a indústria cultural exerce, com seu constante
10
bombardeamento de promessas de sonho e liberdade que não se realizam na prática, resta-as
apenas o fascínio pela idéia de “diversão”, que também é ilusória, pois:
(...) a afinidade originária de negócio e divertimento aparece no próprio significado
deste: a apologia da sociedade. Divertir-se significa estar de acordo. O amusement é
possível apenas enquanto se isola e se afasta a totalidade do processo social,
enquanto se renuncia absurdamente desde início à pretensão inelutável de toda
obra, mesmo da mais insignificante: refletir o todo. Divertir-se significa que não
devemos pensar, que devemos esquecer a dor mesmo onde ela se mostra. Na sua
base do divertimento planta-se a impotência. É, de fato, fuga, mas não como
pretende fuga da realidade perversa, mas sim do último grão de resistência que a
realidade ainda pode haver deixado. (p.135)
Para Adorno, a ideologia não somente ilude e camufla a realidade, ela coloca os
indivíduos aos seus serviços. Pode-se considerar sua obra (e a dos teóricos da Escola de
Frankfurt num todo, que viveram a experiência radical do nazismo), como uma proposta de
crítica à ideologia, já que o autor demonstra uma constante preocupação em desmascarar as
determinações econômicas na cultura e sua instrumentalização política (MARTÍNBARBERO, 2001, p. 75). O conceito de indústria cultural foi concebido como uma forma de
diferenciação entre cultura popular e cultura de massas, já que para o autor a indústria cultural
apropria-se das manifestações populares, retirando seu caráter genuíno, e frustra a cultura
erudita, deturpando seu conteúdo. Para Adorno cultura é realização material e espiritual,
acompanhada de reflexão e questionamento3. A cultura de massas significa seu oposto, é a
decadência da cultura sob a batuta do capitalismo, que a tudo transforma em mercadoria.
2.2 O Fetichismo na música
Com relação à música propriamente, que é o objeto deste trabalho, Adorno nos
apresenta uma crítica da produção musical no capitalismo no texto “Fetichismo da música e a
regressão da audição” (1999), escrito anteriormente ao da indústria cultural, sendo esta um
desenvolvimento de algumas de suas idéias já apontadas em outros trabalhos. Segundo o autor
3
Em Elias (1990, p.23-50) podemos ver que o conceito alemão de cultura (kultur) está ligado à idéia de valor,
ele expressa o orgulho em suas realizações e no próprio ser. Deste modo, a cultura é o espelho dos valores
morais, estéticos e intelectuais da sociedade. Encontramos concepção semelhante também em Simmel (1998, p.
79-107), em sua discussão sobre o conceito de cultura, que para o autor está ligado à idéia de cultivo, que seria o
desenvolvimento dos seres humanos em todas as suas potencialidades.
11
não é algo recente a crítica à decadência do gosto musical. Desde a República Platão já
mostrava-se crítico às músicas executadas em festas dionisíacas. Para este a música deveria
ser executada como forma de disciplinamento, de elevação do espírito humano, que através
dela poderia controlar seus instintos mais “primitivos”. A música então deveria somente
inspirar-se nos sons próprios dos humanos e da natureza, abolindo os instrumentos de corda
que somente serviam para o divertimento, o prazer e a liberdade, o que torna a música
inferiorizada, banal. Adorno demonstra que na atualidade (o texto é da década de 1930, mas é
notável sua contemporaneidade), até mesmo este sentido de busca do prazer e da liberdade
perderam-se na produção musical, que no capitalismo torna-se mero instrumento de consumo.
O capitalismo que a tudo coisifica reduzindo toda a arte à mercadoria, apropria-se de certos
estilos musicais, fabricando-os e tornando-os produtos de consumo das massas, produzindo
toda uma indústria que banaliza a música tornando-a um mecanismo para gerar lucro. Este
produz “estrelas”, músicas de sucesso, que são executadas até a exaustão com a mesma
rapidez em que são esquecidas e logo substituídas.
Este processo assemelha-se ao fetiche da mercadoria apontado por Marx, pois quando
a música passa pelo mesmo processo de produção e consumo, transforma-se também em
mercadoria. A música produzida pela indústria capitalista é fetichizada assim como a
mercadoria, ou seja, estranha ao consumidor que só recebe o seu produto final, não
reconhecendo o seu valor de uso, mas somente o valor de troca. O ouvinte assim só se satisfaz
na medida em que consome o que lhe é oferecido, não reconhecendo o real valor e a utilidade
daquilo que foi adquirido. O autor discorre sobre a dificuldade que se tem quando
questionamos a alguém o que é de seu gosto, pois as respostas são vagas e geralmente
baseadas no que está na moda ou conforme a situação. Assim, o autor classifica dois tipos de
ouvintes: o que consome as músicas de sucesso sem o menor tipo de reflexão, e o crítico aos
modismos, que procura resgatar formas já ultrapassadas, elencando estilos e sonoridades de
seu gosto. Na prática não há distanciamento real entre ambos, pois os dois estão envolvidos
no mesmo processo de produção e consumo, com a única diferença que um se comporta de
maneira mais seletiva. As “novidades” lançadas pelos músicos e sua criatividade ao tocar
perante à ignorância do público leigo, não passam de meras readaptações da criação de
artistas do passado, da música “clássica”, desconhecidos na totalidade de sua obra pelo grande
público.
A audição deste público termina por regredir, pois foi adestrada a um padrão,
rejeitando qualquer música que fuja dele, já que não tem muitas escolhas em vista do que lhe
é oferecido. O ouvinte torna-se infantil na medida em que exige sempre novidades, como uma
12
criança que enjoa dos seus brinquedos após ter brincado com todos que estavam ao seu
alcance. A música está tão padronizada e repetitiva, que mesmo no momento do espetáculo, o
artista deve executá-la do mesmo modo que está na gravação, ficando preso às técnicas já
conhecidas e aceitas pelo ouvinte. O rádio é o instrumento deste adestramento sonoro, pois
impõe aos ouvidos leigos àquilo que a indústria já fabricou para eles.
Esta proposta de Adorno demonstra-se pertinente quanto à questão dos modismos
musicais, que nos deparamos ainda freqüentemente ao ligar o rádio. Durante a pesquisa ficou
claro que os músicos demonstraram uma completa aversão a eles, aproximando-se ao tipo de
ouvinte mais seletivo mencionado pelo autor. Mas, novamente, deve-se lembrar que o
panorama musical da década de 1960, mesmo tornando-se também uma moda, primou (na
grande maioria de seus artistas) por criatividade, originalidade e liberdade de criação, não se
enquadrando totalmente neste fenômeno de banalização da música apontado pelo autor.
2.3 Benjamin e a reprodução da arte
Walter Benjamim (1994), reflete sobre a reprodução da obra de arte e afirma que esta
sempre foi reprodutível, mas agora, ela adentra em um novo processo por conta das
transformações econômicas que modificam a superestrutura, transformando o próprio caráter
da obra de arte. A técnica “invade” agora esta esfera, e não há como retroceder. Para o autor,
a reprodução, por mais perfeita que seja, retira a “aura” da obra, o seu aqui e agora, que seria
nada mais que sua existência única, em que se desdobra a história da obra. A reprodução afeta
a obra de arte em seu elemento que mais se destaca de todos os outros na natureza: sua
autenticidade. Em substituição à sua unicidade, ela agora passa a ter uma existência serial, por
conta das próprias demandas do processo produtivo voltado para o consumo, onde os
indivíduos cada vez mais reclamam pela posse dos objetos. Ao mesmo tempo, surgem outras
implicações em meio a este processo, a reprodução emancipa a arte de seu uso ritual, na
medida em que aumenta as ocasiões para serem expostas. Em conseqüência disto, diminui o
valor do seu uso ritual para aumentar o seu valor de exposição.
Aos que não possuem condições de usufruir a obra em sua totalidade, “a reprodução
técnica pode colocar a cópia do original em situações impossíveis para o próprio original. Ela
pode, principalmente, aproximar do indivíduo a obra, seja sob a forma de fotografia, seja do
disco” (id., p. 168). Pode-se afirmar que Benjamim, mesmo reconhecendo a destruição da
aura da obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, reconhece a possibilidade de uma
“democratização” da arte. Através de sua reprodução, as massas têm agora a oportunidade de
13
dela aproximar-se, mesmo que não haja a indubitável vantagem do contato físico real. Outro
aspecto que o autor levanta é que a reprodução técnica transforma a própria relação da massa
com a arte, engendrando também novas formas de recepção.
Neste caminho, Benjamin analisa o cinema, atacando o modo com que o uso da
câmera se impõe sobre o ator. No filme, o ator sofre do mesmo processo de alienação que os
trabalhadores na fábrica, tendo que limitar sua atuação aos simples efeitos que estas sugerem
perante uma câmera, tendo que adaptar-se então as exigências dela, diferentemente do teatro,
onde há uma estreita relação com a platéia. A “vingança” dos atores está no seu sucesso, na
admiração que o público lhe devota, sonhando um dia em também ser filmado. Mesmo
criticando este fato, o autor aponta para a questão de que no filme, as massas podem se ver. E
é este o ponto onde o cinema adquire um potencial transformador, alertando-se para este
aspecto, ele pode vir a representar os reais anseios dos trabalhadores. Além disto,
transformações sociais acarretam mudanças na estrutura da percepção:
A reprodutibilidade técnica da obra de arte modifica a relação da massa com a arte.
Retrógrada diante de Picasso, ela se torna progressista diante de Chaplin. O
comportamento progressista se caracteriza pela ligação direta e interna entre o
prazer de ver e sentir, por um lado, e a atitude do especialista, por outro. Este
vínculo constitui um valioso indício social (p. 187).
Ao recolhimento, característico do conhecedor da obra de arte, opõe-se à procura das massas
pela distração, e é neste fenômeno que o autor propõe “avaliar, indiretamente, até que ponto
nossa percepção está apta a responder a novas tarefas” (ibid., p. 194).
Nesta breve exposição, fica claro o quanto Benjamim distancia-se de Adorno, pois o
ensaio sobre a indústria cultural foi considerado um ataque a Benjamim (seu texto é anterior
ao de Adorno e Horkheimer, sendo escrito em 1936). Enquanto este examina o caráter de
emancipação que técnica e massas projetam na arte, para Adorno, arte e técnica são coisas
completamente distintas em sua essência, não podendo estar associadas. Quando a reprodução
adentra no domínio da arte, retira justamente aquilo em que ela se destaca das outras coisas da
sociedade, ela não apenas a modifica, a deturpa. Benjamin vê o aspecto limitador da
reprodução, mas para ele, há uma nova possibilidade dada, que é a das massas aproximaremse da arte. O mesmo ainda inova ao abordar o aspecto da recepção, que Adorno ignora em
suas teses, para ele, as massas tornaram-se apenas consumidores passivos da indústria do
entretenimento. Se Benjamim encara a distração como uma nova maneira de percepção da
arte, Adorno a vê como um “não pensar”.
14
Comparando ambas as abordagens, percebe-se alguns elementos importantes
trabalhados por Benjamim, que apontam no sentido de demonstrar as limitações da
aplicabilidade da teoria de Adorno. Para desenvolver esta questão, julguei importante
discorrer também sobre algumas críticas e outras perspectivas mais contemporâneas sobre a
indústria cultural, que, na verdade, orientaram a pesquisa nos quesitos produção musical,
cultura de massas, mensagem/recepção.
2.4 Os limites e outras implicações da indústria cultural
Edgar Morin (1997) analisa a indústria cultural durante os anos de 1960 a 1975,
oferecendo um panorama interessante sobre o desenvolvimento da cultura de massas durante
esta época. Para o autor, a indústria cultural não somente aliena os indivíduos, ela projeta na
cultura todo um estilo de vida idealizado, que, de modo quase imperceptível passa a ser
adotado pelas massas no momento em que elas adquirem poder de consumo (1997, vol. 1). A
indústria cultural abarca todos os momentos da vida cotidiana fora do trabalho: em casa, no
lazer, nas férias, nas festas. Ela dita não somente os padrões de consumo, mas também de
estilo de vida, onde elege como ideais certos modelos de atitudes e de comportamento, que se
refletem tanto numa produção cinematográfica quanto até num simples comercial de
refrigerantes. O tempo todo há um constante bombardeamento de informações nas revistas, na
televisão e no rádio sobre moda, beleza, vida das “estrelas”, conselhos amorosos, viagens,
passeios, conforto e vida doméstica. Uma vez que na indústria cultural o consumo não é
material, e sim, psíquico, a cultura de massas em seu culto às vedetes, e no seu apelo ao temas
femininos4 acaba por gerar toda uma mitologia em torno do que seria o amor, a felicidade, o
erotismo, o sucesso.
Tudo isso, além de ampliar o consumo, gerando lucros em larga escala ao movimentar
o mercado de bens culturais que se diversifica e aprimora-se cada vez mais, ainda transmite
uma imagem da vida que explora os sonhos e os anseios dos sujeitos, resultando numa busca
incessante para alcançá-la. Esta tese sobre a cultura de massas foi concebida pelo autor
durante os anos entre 1960-65, em meio ao crescimento da economia norte-americana que
possibilitou a melhoria das condições de vida do proletariado e maior poder aquisitivo,
proporcionados pelo Welfare State, e, é claro do avanço dos mass media, que difundiram o
4
Para o autor há uma “feminilização” na imprensa, no filme e nos comerciais, que operam no sentido de
universalizar os temas mais comuns ligados à construção histórica do gênero feminino tais como: a realização do
15
american way of life para o resto do mundo5. Foi nos Estados Unidos que a cultura de massas
nasceu e ascendeu, e a lógica dominante deste (proporcionada pelo seu grande
desenvolvimento produtivo, que lhe permitiu amplo poderio econômico e bélico), garantiu a
assimilação de parte de sua cultura nos demais países ocidentais. Daí explica-se o fato de
Morin produzir uma abordagem que encara a indústria cultural como um lócus em que se
organizam novos processos de produção cultural. Porém o mesmo destaca que nem tudo que é
produzido por ela é banal, semelhante e totalmente padronizado.
A indústria cultural atua tanto na iniciativa privada como no Estado (como exemplo o
autor cita o cinema soviético). Se naquela busca o lucro através do entretenimento, nesta há
interesse político e ideológico em educar e disciplinar. Nas duas instâncias ela opera como
qualquer outra indústria, que necessita de alta concentração técnica e econômica para garantir
seu funcionamento. Assim, exige-se máxima racionalização o que, conseqüentemente, irá
resultar num sistema fechado altamente burocrático e hierarquizado. Porém, mesmo que os
dois sistemas assemelhem-se com a indústria “padrão” eles devem operar de modo
diversificado, pois necessitam atrair o público de um modo diferente desta indústria. O seu
produto requer um consumo que não é “usual” e sim psíquico, e isto gera a necessidade de
uma intelligentsia criadora no seio da indústria cultural. Tanto no sistema privado quanto no
do Estado (que buscam sempre atingir o público mesmo que de maneiras diversas), a criação
dos roteiristas, dos autores do artigo ou da canção, chocam-se com as rígidas estruturas
técnico-burocráticas, que buscam homogeneizar o gosto ao imporem a padronização nos
produtos. Mas, ao mesmo tempo, próprio sistema de produção, visando atingir o maior
número de consumidores possível, gera um mercado amplo e diversificado, tornando o
consumidor cada vez mais exigente por um produto novo e individualizado. Em conseqüência
disto, o sistema deve procurar um equilíbrio entre a padronização e a originalidade,
procurando unir o individual ao universal. A resposta que encontra está na própria estrutura
do imaginário em que padroniza-se os grandes temas romanescos, “fazendo clichês dos
arquétipos em estereótipos” (id. p. 26).
Buscando homogeneizar, a indústria cultural visa atingir diretamente aquilo que seria
o “homem médio”, aquele que consome os modismos e as novidades do mercado sem
questionamento. Mas o público, na verdade, é bastante heterogêneo, pode não variar tanto em
indivíduo atrvés do amor e do casamento, a valorização do lar e da vida doméstica e as informações relativas ao
cuidado da saúde, da beleza e do bem-estar (p. 139-157).
5
Discorrer sobre o contexto econômico e político da época não é a proposta deste trabalho, apesar de ser
inevitável não mencioná-lo, principalmente no capítulo posterior. Ver: HOBSBAWN, E. J. A era dos extremos:
o breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
16
questões de classe (patrão e empregado podem assistir aos mesmos filmes), mas varia no
estilo. Então produz-se uma variedade de filmes, livros de Marx e Kafka em edições de bolso,
ópera gravada em disco. Num determinado momento precisa-se da invenção, e é no conflito
entre padronização/originalidade que está a contradição da cultura de massas, ela precisa
adaptar-se ao público e o público a ela.
É a existência dessa contradição que permite compreender, por um lado, esse
universo imenso estereotipado no filme, na canção, no jornalismo, no rádio, e, por
outro lado, essa invenção perpétua no cinema, na canção, no jornalismo, no rádio,
essa zona de criação e de talento no seio do conformismo padronizado. Pois a
cultura industrializada integra os Bressons e os Brassens, os Faulkners e os Welles,
ora sufocando-os, ora desabrochando-os. (p. 28-29)
Assim, pode-se afirmar que há uma brecha no seio da própria indústria cultural, num dado
momento em que a produção não pode abafar a criação. A organização técnico- burocrática
pode impor sanções e constrangimentos aos autores, mas mesmo em meio a esta pressão,
estes podem imprimir sua personalidade na obra, e dependendo de seus sucessos, podem até
mesmo ditar suas condições.
A perspectiva de Morin apresenta outros aspectos da indústria cultural que não foram
atentados por Adorno, tais como a possibilidade da criação artística escapar ao domínio da
técnica e a certa heterogeneidade dos consumidores e dos produtos. Mesmo seguindo a linha
proposta por Adorno, enfatizando a padronização e o apelo constante ao consumo massivo
alienador, Morin afirma que há uma relativa abertura na cultura de massas gerada pela
dialética de seu próprio sistema. Aliás, dialética é o que falta na abordagem de Adorno
(COHN, 1990), pois a ele escapa o fato apontado por Morin de que a relação da indústria
cultural com o público consumidor acarreta em mudanças não apenas neste público, mas
também em sua própria estrutura de funcionamento. Adorno ignora esta inter-relação, para ele
há a indústria e as massas, uma manipulando, e a outra aceitando, sem a possibilidade da
última nela interferir. Como já mencionei no início deste capítulo, a perspectiva de Adorno é
insuficiente para elucidar uma série de mudanças culturais ocorridas durante os anos de 1960,
daí a pertinência das análises que Morin fez sobre a atuação da indústria cultural frente às
transformações geradas pela contracultura, desenvolvendo algumas destas questões já
colocadas que irei abordar na segunda parte deste trabalho.
Para Jesús Martín-Barbero (2001), o conceito elaborado por Adorno e Horkheimer
tem o grande mérito de descortinar a alienação na cultura como ferramenta de uso político e
17
ideológico, colocando em xeque uma problemática que irá gerar muitos debates até nossa
contemporaneidade. Analisando a obra de Adorno em sua totalidade, o autor destaca sua
coerência e linearidade de pensamento, mesmo quando este trabalha com diferentes objetos.
A ressalva de Martín-Barbero é quanto ao fatalismo da concepção de Adorno sobre as
transformações ocorridas nos campos das artes e da cultura no capitalismo. Em Adorno não
há saída, a arte é destruída em seu princípio quando começa a fazer parte da economia
mercantil. Ou ela é reduzida na reprodução, ou sua originalidade vale um alto preço no
mercado, a arte entra na produção serial como qualquer outra mercadoria, o que significa seu
declínio. Crítico ao cinema e ao jazz, que para ele são formas inferiores, a arte requer
comoção e não emoção (id., p. 83).O prazer e as sensações, que é claro, são infinitamente
explorados pelo fascismo, que sempre reclama pelo “realismo”, ou seja, imediatismo na
interpretação das mensagens, são vistos por Adorno como perniciosos, pois a verdadeira arte e
sua apreensão necessitam de recolhimento do indivíduo, que então mergulha em si mesmo.
Martín-Barbero assinala para um certo elitismo disfarçado em Adorno, pois
recolhimento é justamente o sentimento que o burguês experimenta diante da arte. Ele destaca
que há na obra de Adorno uma espécie de nostalgia ao tempo em que a contemplação da arte
erudita restringia-se ao espaço da solidão do burguês enclausurado em sua casa, protegido do
mundo exterior. Ao isolamento do burguês – em sua leitura de romance, ou sobre uma pintura
que decora alguma parede de sua casa – com a reprodução da arte agora temos a dispersão da
coletividade das massas nas salas de cinema, na execução do jazz nos bares.
Frente ao reconhecimento da obra que o burguês usufrui, produz-se o estranhamento
das massas, ao mesmo tempo em que significa também uma exigência destas de aproximar-se
do que lhe era distante. Para Martín-Barbero, enquanto Benjamim percebeu nisto um certo
democratismo, em Adorno, a aproximação das massas da arte e seus novos modos de percebêla significam sua degeneração. Ele compara os autores no sentido de demonstrar o quanto
Benjamim inova ao analisar as mediações entre comunicação e cultura, avaliando suas
transformações nos modos de percepção, e da inserção do popular e do marginal na cultura,
aspecto que em Adorno é diluído em seu fatalismo que vê na diversão a morte da cultura.
Gabriel Cohn (1990) afirma que a teoria de Adorno é determinista no sentido de que
não é possível a ocorrência de relações isoladas, onde a consciência é um mero reflexo das
condições sociais vigentes (consciência reificada). Para o autor, não há como conceber a
consciência isolando estas, mas há também uma série de outros fatores que determinam a
consciência, e ao reduzi-la somente a esta instância, Adorno coloca a impossibilidade dos
indivíduos de transcender. Assim, o conceito de adorniano de cultura omite relações isoladas
18
e auto-suficientes, suas definições estão presas a um sistema fechado, em que todas as
relações são recíprocas. Cohn destaca que nem todas as atividades se relacionam ou se
reproduzem conforme os padrões determinados. Na indústria cultural, a cultura perde
completamente sua autonomia, pois ocorrem as determinações econômicas que generalizam
produção e distribuição, onde todas as manifestações culturais e artísticas sofrem a
intervenção da economia de mercado. Este ainda afirma que há uma relação dialética entre
indústria e cultura, uma afeta a outra tanto no processo de formação cultural quanto na própria
produção capitalista (id., p. 11). Portanto, não há como relegar a cultura como totalmente
subordinada pela indústria.
Outro fator relevante é o de que a indústria não opera com vistas a um mercado
indiferenciado (como já apontou Morin), e sim estratificado, a própria obra de arte dentro da
indústria cultural apresenta variações de efeito. Pois como afirma Pierre Bourdieu (1994), o
gosto é algo socialmente construído, que depende principalmente da posição de classe em que
os sujeitos ocupam. É o seu habitus de classe adquirido ao longo de sua formação e de suas
experiências que irá determinar seus padrões de consumo e de estilo de vida (id., p. 82). As
classes que possuem capital econômico, e, portanto os instrumentos de apropriação,
conseqüentemente são as detentoras de capital cultural. Em O Poder Simbólico (2003), o
autor discute esta relação, afirmando que a classe dominante também possui o poder de
qualificar o consumo, de eleger o que é bom (o que é considerado de valor e de bom gosto,
não apenas para si, mas para toda a sociedade), assim como é a que detêm uma série de
disposições que permitem não apenas a posse, mas a fruição e o conhecimento da arte. A alta
cultura resiste à massificação, o advento da indústria cultural não retirou seu caráter restrito, e
não afetou decisivamente os padrões de consumo de toda a sociedade, indiscriminadamente.
Neste sentido, a tese de Bourdieu é análoga a de Cohn, ou seja, há uma estratificação do
consumo resultante das variações de gosto. A indústria tem consciência deste fato, ela produz
mercadorias diferenciadas, direcionando-as a certo tipo de consumidor. Este direcionamento
se dá pelas variações de estilo.
Não há como impor uma produção totalmente planificada se há uma estratificação
produzida através de reações diferenciadas por parte do consumidor. Há especificidades no
consumo que Adorno não alude, assim como há também uma parcela que resiste à
padronização da arte e às demandas do consumo de massa. Cohn não descarta que a indústria
cultural procura homogeneizar a sociedade segundo os imperativos da ideologia dominante, e
que os preceitos de Adorno são válidos para produção voltada exclusivamente para o
consumo massivo. Mas este aponta para a existência de “nichos culturais”, que, apesar de
19
constituírem uma produção paralela atuando por fora dos grandes mercados, descomprovam
as definições de Adorno, que são pertinentes somente à produção totalmente planificada, onde
as relações são recíprocas e horizontais, sem existirem estas “resistências”. Estas produções
podem relegar a obra a uma pequena audiência, mas isto já é um indício de que há
comportamento valorativo. Embora continue atual a constatação de que há aceitação por parte
da maioria das pessoas das fórmulas padronizadas pela indústria e de como ela desvincula a
obra de sua identidade cultural, é este comportamento valorativo ignorado por Adorno que faz
com se que elimine o papel do receptor.
Da mesma forma que a reprodução da arte e sua divulgação no mercado modificam a
recepção, o papel do produtor (artista) também é modificado. Se o artista trabalha com a
condição de ser remunerado, no capitalismo passa a ser um trabalhador produtivo, pois gera
capital. Se está inserido na indústria e atende aos seus objetivos, está padronizando e
massificando sua arte, mas há aqueles que não se dobram às pressões mercadológicas. Há a
arte que resiste à massificação por conta de um público mais seletivo quanto ao produto que
consome. E é este público que permite que o produtor independente subsista ao poder da
indústria, embora não esteja totalmente desvinculado do modo de produção capitalista. O que
acontece é a simultaneidade da alta cultura e da cultura de massas, que Adorno não previu,
embora de uma maneira que elas não estão juntas, não oferecendo tantas possibilidades de
“livre escolha” ao consumidor, pois cada uma delas é direcionada.
A crítica de Cohn é importante porque atenta para um elemento crucial da produção
musical dos anos de 1960: o da não aceitação de grande parte dos artistas às fórmulas-padrão
da indústria fonográfica, e seu constante apelo à liberdade de criação. Outro fator é o da
relação entre produção e cultura, pois como veremos, a própria indústria se “dobrou” frente às
exigências colocadas pelas transformações sócio-culturais que ocorreram na época. Um outro
dado interessante é o de que as bandas pesquisadas restringem-se ao cenário local
“independente”, e têm um público cativo que busca por outros estilos musicais alternativos ao
que está sendo produzido pelo mercado da música da atualidade, o que comprova a existência
do fenômeno analisado por Cohn. Após ter em mente estas ressalvas quanto à indústria
cultural, podemos partir para a análise sobre a música da época, relacionando-a a processos
sociais mais amplos e discutindo como esta foi envolvida na lógica de mercado.
20
3 A CONTRACULTURA
Visto que é comum o revival de sucessos das décadas passadas na mídia, nos bares,
nas casas noturnas, no vestuário, etc., (para citar um exemplo, a televisão ultimamente tem
resgatado artistas rotulados “bregas” da década de 1980), é importante assinalar, como já
discorreu Simmel (apud WAIZBORT, 2000, p. 169-243) em pleno início do século XX, que
isto não se trata de anacronismos, e sim de um fenômeno tipicamente moderno. Segundo o
autor, o progresso científico da era moderna possibilitou o conhecimento histórico de países e
de culturas distantes. A vida na cidade, marcada pelo distanciamento, pelo calculo racional e
isolamento dos sujeitos, torna-se enfadonha, pouco satisfatória para a maioria dos indivíduos.
Assim, estes procuram apegar-se a paisagens e culturas remotas, que lhe parecem mais
atraentes do que a vida cotidiana que levam na metrópole, sem grandes emoções, aventuras e
distante da natureza. Daí explica-se as grandes movimentações turísticas, a literatura de
épicos e mitos antigos, a aquisição de objetos rústicos, orientais e daqueles remetem a outras
eras. Percebe-se então que a metrópole é marcada por uma variada “profusão de estilos”,
sejam arquitetônicos, decorativos, culinários, ou no trajar, em conseqüência do historicismo e
do contato com outras culturas na modernidade.
Continua válido o argumento de Simmel em nossa contemporaneidade. Nota-se, que
principalmente nos jovens, encontramos nas grandes cidades os mais variados estilos que,
muitas vezes remetem ao passado. Convivem lado a lado jovens que adotam o estilo punk, o
mod, o hippie, entre outros. Especificamente no caso dos hippies, é interessante problematizar
a questão dos modismos, fonte de preocupação por parte de alguns analistas, já que implica
em uma situação paradoxal, em se tratando de um movimento que levantou a bandeira do
“anti-consumo” (assim como também o movimento punk). Não há como negar que a indústria
cultural gerou um certo glamour em torno da contracultura, e que isto pode ter contribuído
para uma idealização que há no imaginário coletivo sobre o que representaram os anos de
1960.
O fenômeno da contracultura já foi explorado por vários teóricos, os quais sugeriram
as mais diversas interpretações, nem sempre concordantes. Tendo em mente o fato de a
maioria dos músicos pesquisados adotarem o estilo hippie, as propostas dos teóricos Theodore
Roszak e Edgar Morin tornam-se importantes para a análise do objeto, pois ambos os autores
foram contemporâneos ao movimento e demonstraram uma preocupação com as
conseqüências da intervenção da indústria na contracultura. A partir destas considerações,
podemos então analisar a produção musical da época, para assim avaliar o tipo de impacto
21
que esta produz nos jovens músicos em nossos dias, pois estes tanto são executantes de um
estilo musical claramente influenciado por ela, quanto também são seus consumidores.
3.1 Indústria cultural e contracultura
O termo contracultura muitas vezes revela-se insuficiente ao denominar toda a gama
de manifestações que emergiram nos anos de 1960. Primeiramente porque dá demasiada
ênfase no sentido de negação à cultura estabelecida, o que, ocorreu de fato. Mas a questão é
de que se tratava não apenas de recusa, mas sim de um amplo movimento que continha uma
série de propostas transformadoras, afirmando seus valores positivos. Além disto, os valores e
as tendências adotadas existem na sociedade, mas encerrados nas reservas da infância
(espontaneidade, fantasia), na religião (paz, amor ao próximo, desinteresse) ou dispersos em
contratendências (abertura ecológica, neo-arcaísmo). A crítica radical tinha por objetivo
desmascarar o estatuto residual e superficial destes valores, sua incapacidade de assumir a
vida cotidiana e de interessar todo o ser (MORIN, 2005, p.135, vol. 2). Outra questão é a de
que o termo torna-se generalizante para vários movimentos sociais diferentes (ecológico,
pacifista, estudantil, feminista, negro) que possuíam metas determinadas, e nem sempre
convergentes.
Não há como indicar ao certo onde e em que momento explodiu o movimento, até
porque o mesmo não foi localizado, ocorrendo uma simultaneidade de manifestações em
várias partes do mundo. Mas seu local de maior expressão foi, sem dúvida, os Estados
Unidos, pois foi neste país que nasceram as subculturas beatnik e hippie. Londres, Paris, Leste
Europeu, América Latina, todos os movimentos continham suas especificidades locais, mas,
de alguma forma foram influenciados por uma certa cultura juvenil norte-americana. Como
veremos logo adiante, este fato se deu em grande parte pela expansão dos meios de
comunicação de massa, que difundiram o rock’n roll e os ícones pop da juventude.
Os anos de 1950 foram o marco inicial do surgimento desta subcultura, ao emergir
uma produção específica (tanto de bens culturais quanto de materiais, como o vestuário) para
o público consumidor juvenil. O surgimento do rock, a criação de pontos-de-encontro, - que
serviram para reunir os jovens com as mesmas afinidades - o aumento do poder aquisitivo
(seja de dinheiro dado pelos pais ou do seu próprio trabalho) proporcionou a ida a clubes
noturnos, a aquisição de carros, motocicletas (signos de liberdade e movimento) e de discos.
O culto de certos ícones jovens que, mesmo na forma de produto, exalavam um “ar” de
rebeldia como Elvis Presley, James Dean e Marlon Brando, inspirou uma espécie de postura a
22
ser adotada. Todos estes elementos para além de proporcionarem uma relação de identificação
entre os jovens, enquanto grupo, afastou-os ainda mais dos valores transmitidos pelos pais,
acirrando o conflito de gerações.
Além de a sociedade ter se tornado mais jovem, (na época em torno de 50% da
população dos EUA e de outros países da Europa tinha menos de vinte e cinco anos de idade),
outro dado importante é o de que na década posterior houve uma grande expansão das
universidades norte-americanas por iniciativa do próprio Estado em conseqüência gigantesco
aumento produtivo, que exigiu a capacitação técnico-científica de um número maior de
pessoas para geri-lo. Este fato serviu para aglutinar a juventude em torno dos campi
universitários, assim como possibilitou a entrada de estudantes vindos da classe média e de
filhos de operários, aproximando-os das camadas intelectuais mais inconformistas. O poeta
Allen Ginsberg6, a sociologia ativista de Wright Mills, a visão crítica da sociedade em Adous
Huxley, a apologia aos alucinógenos de Thimothy Leary, entre outros, colaboraram para que a
revolta, ainda em estado latente, tomasse “corpo”. Se de um lado havia o culto da rebeldia em
forma de consumo, do outro havia a dissidência de uma geração mais velha, que através de
sua literatura radicalizada influenciou a juventude beatnik, e, logo em seguida, os hippies. Se
não há como indicar a universidade como o local de onde partiu a revolta, podemos aponta-la
como um de seus epicentros.
Para Theodore Roszak (1972), a contracultura foi um processo de inconformismo
radical à sociedade tecnocrática. Segundo o autor, a sociedade industrial (a norte-americana,
principalmente) estava no ápice de sua integração organizacional, atuando com o máximo de
racionalização e planejamento. O poder tecnológico, sempre com seu apelo à Razão, chegara
a um nível de eficiência tal que passava a controlar os indivíduos em todos os aspectos da
vida. Na tecnocracia, “a política, a educação, o lazer, o entretenimento, a cultura como um
todo, os impulsos inconscientes (...) – tudo se torna objeto de exame e de manipulação
puramente técnicos”. (id., p. 19). A rebelião da juventude então seria um protesto pela
liberdade e autonomia dos sujeitos contra este poderoso inimigo invisível, aliada à crítica à
geração dos pais, conivente e apática a este sistema. Este protesto foi também possível através
das reivindicações de uma significativa parcela da população que permanecera excluída (o
caso das mulheres e dos negros), que não desfrutava dos privilégios da nova sociedade
“perfeita”.
6
Ginsberg (Hawl, 1956) e Jack Keruac (On the road, 1956) foram os expoentes da geração beat, que criticava o
moralismo e a falta de liberdade sexual da época. Os beatniks eram vistos como jovens delinqüentes, pela sua
busca de aventuras por romperem com os padrões comportamentais.
23
Roszak aponta o conflito de gerações como um dos elementos que desencadearam a
revolta. O autor ressalta que estes jovens teriam sido fruto de uma educação mais liberal do
que a de seus pais. Cercados de atenções, mimados e tendo todos os seus desejos satisfeitos
pelos pais (não é à toa que a maioria deles pertencesse à classe média), eles desejavam uma
espécie de prolongamento da infância - sem tédio e sem compromissos. Esta tese é
interessante, pois é perceptível que grande parte das manifestações contraculturais faziam
referência ao lúdico e ao fantástico7.
Outra questão que o autor coloca é a de a juventude teria tomado para si o papel
histórico da classe trabalhadora. Acomodada pelas novas condições de vida e de trabalho, sua
luta se resumia apenas em garantir melhores salários, não preocupando-se então com a
principal meta revolucionária, que seria a abolição da sociedade de classes. Para Rozsak,
curiosamente, a juventude norte-americana mesmo com a ausência de um background radical
foi a que compreendeu melhor esta situação (ibid., p.18), enquanto que a francesa equivocouse ao confiar no apoio dos operários grevistas8, que no fundo não passavam de adultos
acomodados. Cabe aqui uma crítica a esta tese, pois um dos elementos que explica o fracasso
da revolução foi o fato de não ter sido um amplo movimento organizado em conjunção com a
luta dos trabalhadores, e sim vivida como uma espécie de cartilha a ser seguida por uma faixa
etária da população. O surgimento da Nova Esquerda foi o resultado desta percepção, pois
esta adotou uma crítica consciente de que a luta pelo fim do capitalismo deve estar aliada a
outros movimentos sociais específicos, derrubando então todas as formas de opressão (a luta
pelo socialismo libertário).
Roszak percebe que a contracultura tornou-se uma espécie de moda já naquela época,
criticando sua vultuosa propagação na mídia, na imprensa e no comércio. Os jovens teriam se
tornado então o principal alvo da indústria, sendo grandes consumidores da própria sociedade
que criticavam. Para o autor, isto seria uma espécie de tática que terminaria por “banalizar” a
revolução, enfraquecendo-a, como demonstra neste trecho:
Os chamados beatniks e hippies, sejam o que forem, nada têm a ver com aquilo que
os transformaram o Time, Esquire, Cheeta, a televisão, as comédias da Broadway e
Holywood. A imprensa decidiu que rebelião “vende” bem. Mas o máximo que
consegue fazer é isolar as aberrações mais insólitas e, conseqüentemente, atrair para
o movimento muitos poseurs extrovertidos (...). O problema é novo e difícil: uma
7
Algumas músicas do grupo Grateful Dead faziam referência ao livro O Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkien
narrativa fantástica que fez grande sucesso entre os hippies.
24
espécie de cínica asfixia da rebeldia através de publicidade contínua, e começa a
parecer que para o Sistema esta arma é muito mais eficaz do que a supressão pura e
simples (p. 47).
Ainda alertando para as contradições que surgiram no movimento, o autor aponta que até
mesmo o consumo de drogas não foi utilizado somente com o intuito de “expandir a mente”
por uma parte dos jovens. Muitos a utilizavam somente por diversão, apenas procuravam nela
uma forma de entretenimento. Enquanto isso, tanto estes consumidores, quanto os que
apregoavam seu caráter libertário, favoreciam a manutenção de uma Máfia que lucrava com o
comércio ilegal de entorpecentes.
Apesar de Roszak ter chamado a atenção para o fato de a revolução estar servindo aos
interesses mercadológicos, é Edgar Morin (2005, vol. 2) que analisa esta questão mais
profundamente, atrelando-a a sua teoria sobre a cultura de massa já demonstrada no capítulo
anterior. A tese do autor é a de que desde o princípio a contracultura já participava da
indústria cultural (leis de mercado, técnicas de produção e de difusão maciça, etc.), e que,
portanto, não houve uma simples “cooptação” por parte do sistema, como afirmou Roszak.
Morin analisa o fenômeno a partir da sugestão de quatro hipóteses (id., p. 40) para
serem trabalhadas: a) a de que a juventude e a intelligentsia (literária, artística) constituem
camadas hipersensíveis a estados de inquietação, pelo fato de uma viver o constante conflito
entre ajustar-se ou não (situação que separa as gerações), e a outra pela sua própria posição na
sociedade, que comumente é marginal; b) de que há uma complementaridade entre as revoltas
estudantis e o desenvolvimento e a progressiva radicalização de uma “cultura adolescente”
através de ídolos “rebeldes” (James Dean, Marlon Brando), pelo nascimento do rock’n roll e,
mais tarde, pelo trovadorismo contestador de Bob Dylan e Joan Baez; c) que esta cultura
adolescente, juntamente com os movimentos hippie, beatnik e estudantil, e o Maio Francês
marcam uma etapa na constituição de um “grupo etário” nas civilizações ocidentais; d)
interrogar sobre a internacionalidade do movimento, interpretando então o quadro não apenas
em sua localidade, mas globalmente.
Morin afirma que a cultura de massas é uma tendência, e uma tendência ao se tornar
dominante, gera uma contratendência. Na medida em que a cultura hegemônica não consegue
satisfazer por completo a totalidade dos indivíduos, ela favorece o surgimento da crítica, e o
resultado é uma crise cultural. A contracultura seria então uma contratendência surgida dentro
deste contexto de crise. Primeiramente, o autor alerta que há uma metamorfose na cultura de
8
As paralizações dos operários franceses terminaram após o PC firmar acordo com o general De Gaule.
25
massas no sentido em que esta abandona parcialmente sua mitologia euforizante e inicia um
novo ciclo em que problemas comuns relativos ao casamento, às relações interpessoais, às
doenças, à política, etc. começam aos poucos a serem abordados na imprensa e na televisão.
Se antes havia uma mitologia em torno da felicidade, agora há uma problemática da felicidade
(p. 110). Esta transformação inicia-se no momento em que os sujeitos, frustrados pelas
promessas não cumpridas pela indústria cultural, anseiam para que os sonhos (gerados pelo
movimento de vida alternada entre trabalho/lazer, casa/férias) tornem-se concretos, que façam
parte do cotidiano de suas vidas, para além do imediatismo superficial proporcionado pelo
consumo. Outro fator que proporcionou esta metamorfose foi a própria aceleração da
conquista tecnológica, que levou uma vanguarda cultural a utilizar-se dos meios de
comunicação de massa, tais como o cinema. Assim, a cultura de massa cessa de ser um
universo fechado que se opõe radicalmente à cultura artística tradicional. Em meados da
década de 1960, percebe-se que há uma flexibilização maior entre produção e criação, uma
intervenção mais direta da classe artística na cultura, e de que por fim, o universo dos meios
de comunicação de massa deixa de ser monopólio da indústria cultural (nos termos de Adorno
e Horkheimer).
Para o autor, este mesmo movimento, juntamente com a produção de certos bens de
consumo voltada para um público jovem, termina por desenvolver uma subcultura, em parte
integrada à cultura de massa, em parte desintegrada. É subcultura no sentido em que faz parte
de um sistema maior, o da cultura de massa, mas ao mesmo tempo é uma cultura marginal, na
medida em que subsiste neste mesmo sistema uma parcela mais radicalizada, não adaptada e
crítica ao consumo. Esta subcultura adolescente é ambivalente, pois mesmo sendo atrelada ao
mercado, procura diferenciar-se: “uma estrutura ambivalente conduz, por um lado, ao
consumo “estético-lúdico”, e à fruição individualista da civilização burguesa; mas ela contém,
ao mesmo tempo, os fermentos de uma não-adesão a este mundo adulto que traem o tédio
burocrático, a repetição, a mentira, a morte” (ibid., p. 133). A hipótese do autor é a de que na
cultura juvenil reinava o desejo pela liberdade, o prazer, a fantasia, a emancipação,
desprezando o mundo “chato” dos adultos. O jovem não queria transformar-se em adulto, mas
reclamava para si o mesmo estatuto de direito e de autonomia, emergindo então como ator
social. Surgia uma outra moral, e a música (principalmente o rock) era o principal veículo de
difusão destes novos valores. É correto afirmar que o hedonismo já estava em germe no
individualismo da sociedade burguesa, e que, de alguma forma, a geração dos sixties é sua
herdeira. Mas a diferença crucial é a de que esta geração opôs o hedonismo do ter para o
hedonismo do ser.
26
Assim, mesmo que desenvolvendo-se no seio da economia capitalista, e participando
dela, há uma tendência à crítica que se espalha pela sociedade e difunde-se pelos mesmos
mecanismos de produção da qual se opõe, o que para o autor não chega
a ser uma
contradição. Há uma função paramilitante que se liga neste tipo de participação, onde em
determinados gostos há uma pretensa forma de significar uma recusa à sociedade “de
consumo”. Vestir-se de modo esquisito, assistir a um concerto de rock, ler quadrinhos de
Crumb, ou assistir a um filme underground, significam uma tomada de postura política e
existencial mínima (p. 133-34). Neste aspecto há demasiado otimismo por parte do autor
quanto ao impacto que determinadas produções produzem nos jovens. Não há uma relação
direta entre consumir certos produtos que fujam ao padrão da indústria cultural com visões de
mundo que indiquem um posicionamento mais crítico. Este tipo de consumo também pode
estar ligado a um modismo. Explorei bastante esta relação em minha pesquisa, e a analisarei
na parte final do trabalho. Porém há uma ressalva de Morin que demonstra que indústria não
estava tão aberta assim e estas novas manifestações artísticas, que alerta ao fato de sua
intervenção na criação. Há uma relação dialética entre criação/produção, onde a criação
interfere na estrutura da indústria e esta na própria criação, mas o produto final que chega ao
consumidor embora modificado não está totalmente esvaziado de suas intenções originais.
Nesta zona mista, a dissidência e a revolta são integradas ao sistema, depois de
terem sido mais ou menos filtradas, sem que, entretanto, sejam eliminados todos os
fermentos corrosivos. O sistema utiliza a criatividade dos meios marginais, como
no plano adulto utiliza a criatividade dos artistas, mas traz os padrões de produção,
as censuras e acomodações. Assim, pode-se dizer esquematicamente que esta
cultura é criada pela adolescência, mas que ela é produzida pelo sistema. A criação
modifica a produção e a produção modifica a criação (...) e existe a ala “esquerda”,
em que a destruição supera o consumo. (p. 139-40).
Visto que grande parte dos elementos que caracterizavam a contracultura foi absorvida
pela indústria cultural, isto não é ignorado pelo autor. Este salienta que uma parte da
juventude era integracionista, ligada ao consumo e aos modismos, enquanto havia outra não
integracionista que para além de uma simples adoção do estilo rebelde, adquiria opiniões e
posturas radicalizadas, estando mais próxima aos movimentos de contestação, às drogas, à
marginalização e ao protesto político. Morin utiliza conceito de indústria cultural, mas o
relativiza, aplicando-o dentro das novas implicações que surgiram devido às transformações
culturais ocorridas na época. A análise da produção artística, que reconhece as pressões
27
mercadológicas, mas sem perder de vista os elementos que escapam a este controle - surtindo
determinados impactos na audiência – fornece um bom caminho para compreender o
fenômeno do rock.
3.2 O surgimento do rock’n roll
Como base para a discussão das origens do rock, utilizei o trabalho do músico e
historiador Paul Friedlander (2002) que apresenta um interessante histórico do gênero rock,
acompanhando seu início e sua evolução, até o final da década de 1980.
O rock’n roll, em suas origens, era uma música essencialmente negra. Os ritmos
sincronizados, a voz sentimental e as vocalizações de chamado-e-resposta, consistia-se numa
herança da música africana, tornando-se características dos trabalhadores negros norteamericanos. A fusão dos estilos afro-americanos blues, gospel e jump band jazz, tornar-se-ia
nos anos de 1950 o rhythm and blues (R&B) – a maior fonte do rock’n roll, que somou-se às
outras influências de mais dois estilos tradicionalmente brancos, o country e o folk (id., p. 3141).
O blues rural era cantado por negros pobres e desempregados em bares de beira da
estrada e em praças públicas, lamentando os anos difíceis da Depressão (a cantora Bessie
Smith foi seu maior destaque). O estilo era marcado por um vocal denso, que caracteriza o
teor das letras, que comumente falavam sobre adversidades, tendo acompanhamento de um ou
dois violões e percussão. O ritmo foi sendo lentamente abandonado durante a Segunda
Guerra. A migração da população rural para os centros urbanos, trazendo novidades, a
ausência da família e a nostalgia da vida rural, favoreceu o florescimento do novo ritmo: o
blues urbano, tocado em cafés e teatros. O blues urbano mantinha a forte carga emocional em
suas letras e vocalizações sendo então uma derivação do blues rural, mas com relativo
abandono dos temas depressivos. Muddy Waters é o maior representante desta leva, sendo
acompanhado pela instrumentação que formava a seção rítmica básica, composta por guitarra,
baixo, bateria e piano. É esta formação que irá compor, mais tarde, os conjuntos de rock’n
roll.
A música religiosa gospel foi outra raiz negra do rock. O vocal emocionado, as
improvisações, o acompanhamento das palmas, a complexidade rítmica e harmônica,
influenciaria muitos cantores de rhythm and blues e do próprio rock’n roll, que adaptaram o
virtuosismo vocal e os movimentos corporais dos cantores de gospel para suas interpretações.
28
Já o jump band jazz era característico pela mesma instrumentação do blues urbano,
incluindo um saxofone. O ritmo era marcado por uma batida rápida e animada, que envolvia o
ouvinte a ponto de “faze-lo dançar” (o swing).
Da fusão destes quatro ritmos, os novos artistas negros do final dos anos 40 a
transformaram no rhythm and blues, que se caracteriza pela “batida” envolvente da bateria, a
formação básica do blues, os vocais virtuosos, a criatividade no palco, e a inclusão de um
solista de sax-tenor do jazz. As letras comumente retratavam histórias de amor e
relacionamentos sexuais, o que repelia o público conservador branco e parte do negro, mas
atraía um novo público de jovens ouvintes negros. Esta música, assim como o blues, era
vendida por pequenas gravadoras regionais, que com escassos recursos técnicos, de pessoal e
financeiros, encarregavam-se de gravar, prensar e distribuir O relativo sucesso de suas vendas
fez com que fosse tocada em pequenas estações de rádio, majoritariamente as dos grandes
centros urbanos, como Nova York e Chicago (ibid., p. 40).
O country e o folk surgiram de uma espécie de adaptação das populações rurais
brancas das tradicionais canções anglo-saxãs (que têm suas origens em elementos da música
celta e do folclore europeu). Estes dois estilos emergiram da população agrária do sul dos
Estados Unidos durante a década de 1920, e, basicamente retratavam a vida rural e incluíam
temas folclóricos (fábulas, mitos antigos) e religiosos. A base rítmica era geralmente
composta por instrumentos de corda, como violão, violino, e harpa, incluindo por vezes uma
rabeca. Mais tarde foram adicionados ao country alguns elementos do blues, como guitarra,
baixo e bateria, que deram a face do moderno country em fins da década e 40 e início da 50,
onde seu maior representante foi Hank Williams. Além destas influências do blues,
acompanhadas do violino, este abandonou os temas clássicos do country, compondo músicas
que relatavam experiências amorosas, brigas e bebedeiras. O artista vendeu milhares de
cópias e chegou ao topo das paradas de sucesso nas rádios. Seu sucesso viria a influenciar
Elvis Presley, que criou a síntese country/blues/R&B, conhecida como rockabilly.
Na verdade, estes fenômenos consistiam em fatos isolados, não chegavam a compor o
mainstream da música. O relativo sucesso da música negra se deu por conta da divulgação de
pequenas gravadoras e estações de rádio regionais, que dirigiam-se a um público local,
majoritariamente negro (assim como o country de Hank Williams era restrito à audiência da
população branca sulista). No começo dos anos de 1950, as músicas que dominavam o
mercado e topo das paradas nas rádios, não possuíam em nada a agressividade e sensualidade
da música negra, era um estilo leve, assexuado e fantasioso (como exemplo, os artistas que
emplacavam eram Frank Sinatra e Nat “King” Cole), e que, portanto, agradava tanto os
29
adolescentes quanto os adultos. A maioria dos adolescentes brancos de classe média ainda não
tinha contato com a nova música que estava surgindo, e os movimentos de protesto ainda não
tinham grande alcance, sendo duramente reprimidos pelo macarthismo e pela onda de terror
suscitada pela Guerra Fria. Além disto, a subcultura beat permanecia na marginalidade,
restrita a poucos universitários radicais e aos “delinqüentes”, sem conseguir sensibilizar a
maioria da população jovem.
3.3 A ascensão: o rock clássico
No entanto, estes adolescentes - que devido à mobilidade social conquistada pelos pais
agora tinham a possibilidade de não precisarem trabalhar, tendo tempo livre para divertiremse - começavam a dirigir suas atenções para as estações de rádio que tocavam R&B e o novo
ritmo que derivou dele, o rock clássico. O crescimento da audiência fez com que as pequenas
gravadoras negociassem a distribuição dos discos com as maiores (como RCA, Atlantic,
Columbia e Decca), e levou as grandes cadeias de rádio AM a incluírem estes estilos musicais
em sua programação, o que as salvou da ameaça de desapareceram por conta do surgimento
da televisão (CHAPLE; GAROFALO, 1989, p. 53-103). A dura repressão sexual da
sociedade na época, uma rígida hierarquização no trabalho e na família, somadas com a
melhoria das condições de vida de grande parte da população, resultou em pais apáticos e
filhos mimados, porém insatisfeitos. O rock viria responder aos seus anseios, com um ritmo
sensual, apresentações livres e despojadas, e letras, que de modo subliminar, continham forte
apelo sexual (grande parte das músicas tinha o “duplo sentido”). Conseqüentemente, pais,
professores, autoridades governamentais e religiosas, começaram a temer o impacto deste
ritmo nos jovens, condenando esta música como imoral, pecaminosa. Por trás disto, ainda
havia o racismo inerente, pois tratava-se, sobretudo, de música negra ouvida por jovens
brancos.
O rock clássico surgiu destes ritmos negros e brancos, sendo uma variação do R&B,
com solos de guitarra e piano mais demorados e com o ritmo mais acelerado, “dançante”.
Deste estilo, destacam-se duas “gerações” de artistas. A primeira surge entre 1953 e 1955,
formada majoritariamente por negros – Chuck Berry, Fats Domino, Little Richard e Bill
Haley – e a segunda por brancos, surgida a partir de 1955 – Elvis Presley, Jerry Lee Lewis,
Buddy Holly e os Everly Brothers. O ritmo alcançou, principalmente na segunda geração,
estrondoso sucesso comercial, e consolidou o rock’n roll.
30
A primeira geração conquistou o público adolescente com suas letras, que falavam
sobre amor, escola, trabalho, música e sexo, enfim, questões relativas a seu cotidiano. Chuck
Berry foi o pioneiro a relatar estes temas, e a introduzir longos solos de guitarra. Little
Richard foi o que mais levou a público as “obscenidades” do legado do R&B
(FRIEDLANDER, 2002, p. 45-63). Seus gritos e gemidos, suas apresentações escandalosas e
seu visual bizarro, compunham uma imagem ameaçadora, totalmente fora dos padrões morais
aceitáveis. Suas canções geralmente tinham duplo sentido, como percebe-se em Tutti-Frutti:
“Tutti frutti, good booty/ If don’t fit, don’t force it/ You can grease it, make it easy”. (Tutti
frutti, que gostosura/ Se não couber, não force/ Você pode lubrificar, facilita). O produtor de
Richard achou a música demasiado sugestiva, e pediu para que outra compositora fizesse uma
nova versão. A música citada revela o teor das letras de Richard, embora um pouco mais
suavizadas.
Estes artistas conquistaram o sucesso devido à execução de suas músicas nas rádios
AM (que agora estavam mais “abertas”) e de sua inclusão em turnês pelo país. Na época,
pagando pouco, um jovem conseguia assistir a várias apresentações em um único dia e local.
Eram vários artistas e conjuntos que apresentavam um logo após o outro, executando em
torno de quatro a cinco músicas. A estrutura das turnês era precária (dificilmente dormiam em
hotéis), as atividades aconteciam em ritmo frenético, e geralmente viajava-se de ônibus (só no
final dos anos 60 é que inicia-se a era dos grandes concertos). Mas já há um interesse maior
por parte da indústria fonográfica – as grandes companhias começam a contratar artistas
próprios, pois as pequenas gravadoras não dão mais conta de atender os vultuosos pedidos – e
cinematográfica (os filmes Rock Around The Clock e Mr. Rock and Roll são exemplos de
como Hollywood aproveitou a novidade).
A segunda geração tirou maior proveito desta situação, obtendo estrondoso êxito
comercial e bons retornos financeiros. Além disto, a primeira geração já tinha preparado o
mercado e consolidado as bases sonoras. A diferença é a de que esta geração incluiu
elementos do country e adotou uma postura menos audaciosa. Elvis era a figura que faltava
para solidificar o estilo: era branco, bonito e carismático, sendo então aclamado rei. Embora
suas músicas falassem quase que exclusivamente do amor romântico, seus movimentos
pélvicos no palco escandalizavam os adultos (assim como o “ataque” ao piano de Jerry Lee
Lewis), mas enlouquecia as adolescentes. Também ajudava, em certa medida, a romper com a
rigidez do machismo – era raro um homem rebolar os quadris para grandes platéias. A
maioria de suas gravações atingiu o topo das paradas e logo ele foi parar no cinema, sendo o
artista que alcançou uma fama nunca antes vista, o que foi possível graças à sagacidade de seu
31
empresário (a partir do fenômeno Elvis os empresários cresceram em importância no mundo
do rock).
O rock’n roll, embora preocupando as autoridades, não era levado a sério. Achavam
que era uma “febre juvenil”, que logo iria passar. As próprias gravadoras grandes, como a
RCA e a Decca, temendo seu fim contratavam apenas um artista (FRIEDLANDER, 2002, p.
41). Alguns artistas famosos envolveram-se em escândalos9 que os levaram ao ostracismo, e o
alistamento de Elvis no exército veio a corroborar esta idéia. Mas o sucesso de novos grupos
brancos, mesmo que não fossem impactantes nas letras e nas apresentações, comprovou que o
rock veio para ficar.
Embora a maioria das canções do rock clássico não atacasse diretamente o sistema, o
estilo continha uma mensagem de liberdade e rebeldia, tanto nas letras quanto no ritmo,
espontâneo e sensual. Significou também uma ameaça ao conservadorismo de uma sociedade
hipócrita e racista, ao conquistar grande audiência para uma música que era essencialmente
negra e popular. Ele contribuiu para um sentimento de identidade adolescente e de
comunidade, redefinindo o estilo de vida dos adolescentes ao simbolizar uma espécie de
ruptura dos padrões morais vigentes. Ao mesmo tempo, lançou as bases do rock’n roll,
influenciando vários novos músicos e compositores posteriormente, assim como fortaleceu
um mercado específico que entrou em franca ascensão. A contestação direta no rock e dos
jovens só viria na década posterior, mas esta seria feita por jovens brancos, de classe média.
Se o rock veio dos negros, popularizou-se pelos brancos, e estes também foram os que
“colheram os seus frutos”, conquistando fama e dinheiro através da música negra.
3.4 Protesto político e experimentalismo: o rock na década de 1960
Concomitantemente ao rock clássico, outros grupos musicais obtiveram êxito na
mesma época. Estes grupos eram mais comercialmente viáveis, pois produziam canções mais
“conformistas”, românticas, geralmente retratando visões idealizadas sobre o amor e,
sobretudo, as mulheres (adolescentes doces e ingênuas ou seres etéreos, nesta fase era comum
muitas das composições referirem-se a elas como Baby ou Angel, inclusive em parte do rock
clássico). Os grupos mais notórios deste estilo de “rock comportado” eram os Penguins, os
Platters e os Crows. O estilo era o doo-wop dos grupos negros (formado por quatro ou cinco
9
Chuck Berry foi preso em 1959, sob acusação de aliciamento de uma menor que acompanhava seu grupo em
turnês, e Jerry Lee Lewis envolve-se em 1958 num escândalo de bigamia ao casar-se com sua prima de segundo
32
cantores, sendo um principal e o restante fazia as harmonizações), que cantavam nas ruas, até
conseguirem a oportunidade de gravarem.
Estes grupos – assim como o rock clássico – praticamente desapareceram no fim da
década de 1950, mas na virada da década seguinte o estilo soft (a Paul Anka) das canções
permaneceu, sendo representado por homens brancos, bonitos e bem arrumados, que,
basicamente, interpretavam músicas de outros compositores (as grandes gravadoras lucraram
com o suposto fim do rock, pois estavam interessadas em produzirem sozinhas os ídolos
adolescentes, enquadrando-os no seu formato). Havia o proeminente resgate do folk por
grupos como Peter Paul and Mary, Kingstone Trio, Joan Baez e do compositor até então
desconhecido Bob Dylan. Fora isso, o surf sound californiano, o soul negro e os grupos vocais
femininos, ambos produzidos pela Motown (gravadora de artistas negros, famosa durante os
anos 60 e 70). Estes grupos femininos também eram compostos somente por intérpretes,
destacam-se as Supremes (com Diana Ross), as Crystals e as Ronnetes. Porém, nenhum destes
artistas conseguiu atingir o patamar de popularidade de Elvis (Bob Dylan só iria alçar o
estrelato alguns anos depois) e nem consolidar seu estilo, com exceção do folk e do soul. Esta
carência de estrelas pop preparou terreno para a British Invasion, que terminou por condenar o
fim destes grupos, ou relegá-los ao segundo plano.
O termo “invasão britânica” surgiu do domínio do mercado norte-americano por parte
de vários grupos de rock ingleses, que retomaram os estilos R&B e do rock clássico, dandolhes uma nova “roupagem”, conquistando o sucesso entre os jovens não apenas nos Estados
Unidos, mas em várias partes do mundo. Os Beatles foram os primeiros representantes desta
leva, abrindo caminho para os Rolling Stones, The Who, The Animals entre outros. Em 1963
eles já tinham conquistado o topo das paradas britânicas, vendido milhares de cópias de seu
primeiro álbum e de seus compactos, além de favorecerem o surgimento de outras bandas de
rock, estimuladas pelo seu sucesso. Em 1964 uma negociação de seu empresário, Brian
Epstein com a gravadora Capitol, que distribuía seus discos nos Estados Unidos, possibilitou
uma turnê e a aparição no programa de Ed Sullivan. Além disto, sua chegada nos Estados
Unidos foi preparada anteriormente, com ampla publicidade. Iniciou então a “beatlemania”,
que foi um fenômeno nunca antes visto, movimentando não apenas o mercado fonográfico,
explorando outros ramos, como o de artigos voltados para o público adolescente (até as
fábricas de perucas aumentaram sua produção). Tudo que levava a marca beatles era
sinônimo de vendas.
grau de apenas 13 anos, o que arruinou sua carreira. Além disso, Little Richard abandonou o rock para fazer
música gospel.
33
Os Beatles faziam um estilo que agradava aos pais: usavam ternos, eram simpáticos e
bem comportados e cantavam temas românticos, inocentes (I Wanna Hold Your Hand), mas
que já revelavam uma qualidade harmônica superior ao que vinha sendo produzido até então.
Começaram a preocupar as autoridades por conta da beatlemania, pelo estardalhaço e frisson
que provocavam nas adolescentes e pelo tumulto que geravam em suas aparições (por conta
disso a banda deixou de fazer shows em 1966). Sua postura contrastava com a de seus
conterrâneos Stones, mais agressiva e sexualmente deliberada. Lentamente, as composições
dos Beatles foram abandonando o tema do amor romântico, e começaram a relatar
relacionamentos frustrados, abandono, sofrimento e falar sobre mulheres “reais”. Também
começaram a explorar outras sonoridades, incluindo violinos, instrumentos de sopro e cítaras
indianas em algumas canções. Não apenas nas músicas, mas em sua própria postura, o
conjunto foi se radicalizando, demonstrando apoio aos movimentos contraculturais que
estavam emergindo, consumindo substâncias alucinógenas, conquistando adeptos à filosofia
hindu e fazendo declarações polêmicas (falando abertamente sobre drogas e condenando a
ofensiva americana no Vietnã). Dentre eles, John Lennon era o que mais demonstrava suas
tendências de vanguarda.
O resultado disto que já vinha se desenvolvendo desde 1965 irá aparecer em 1967, no
álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, que não representou somente a guinada da
banda, mas do próprio rock’n roll. Elementos da música erudita misturavam-se às guitarras, as
composições faziam apologia às drogas (pés de maconha decoram a capa), e revolucionou as
técnicas de gravação. Foi o primeiro álbum em que as faixas continuavam uma após a outra,
em que os músicos fazem mudanças diretas nas passagens de som. Ouve-se aplausos de uma
platéia, há a inclusão de ruídos, sons de animais, e uma nota musical que só pode ser ouvida
por cachorros. O álbum comprovou que não há limites para a experimentação no rock, sendo
sucesso de público e de crítica, e acima de tudo, é considerado um marco na história da
música. Influenciou também vários outros músicos, acelerando a moda psicodélica. Os
Beatles deram continuidade a estes elementos nos próximos álbuns, porém sem o mesmo
impacto, devido aos conflitos que surgiam entre os integrantes, que culminaram no fim da
banda em 1970. Mesmo assim, o grupo mantinha suas qualidades artísticas, e algumas de suas
letras continham críticas diretas ao establishment, como Piggies, em que Georg Harrison
compara empresários e burocratas a porcos.
Outra revolução musical se deu durante esta época nos Estados Unidos, mais
propriamente, em São Francisco. A cidade, mesmo em épocas anteriores, já era considerada
mais avançada em termos de liberalização do que as outras capitais, atraindo muitos freaks e
34
pessoas que procuravam um pouco de aventura. Foi o berço da subcultura hippie, e antes
desta surgir já era refúgio de muitos beatniks. Nos anos 60, milhares de jovens revoltados
saíam da casa dos pais para nela instalar-se, vivendo em comunidades, de modo mais
precário, porém mais livre. Em duas ruas de seu velho centro (Haihgt-Ashbury) foram
instaladas estas comunidades, e delas surgiram inúmeros grupos de psychedelic rock10, portavozes do novo estilo de vida que os jovens estavam propondo. As bandas que mais
alcançaram reconhecimento, para além do restrito cenário local, foram: Grateful Dead,
Jefferson Airplane, Janis Joplin & Big Brother and The Holding Company, Country Joe and
The Fish e Quicksilver Messenger Service.
O estilo destas bandas ficou marcado pelo psicodelismo e pelo radicalismo de suas
letras. Apologia às drogas (Grateful Dead é o que mais se destaca), celebração do amor e do
estilo de vida comunitário, ataques ao sistema e críticas à guerra do Vietnã, eram os temas
mais comuns em suas músicas. Joe McDonald, do Country Joe and the Fish, era o mais
ativista, satirizando a carnificina da guerra em I Feel Like I’m Fixin’ to Die Rag – que virou
um hino antiguerra – e condenando o machismo11 (Sexist Pig). Normalmente, as letras que
falavam sobre drogas utilizavam-se do recurso do “duplo sentido”, comum no rock clássico.
Mas não era preciso grande capacidade intelectual para compreender a mensagem, como
demonstra a música White Rabbit de Grace Slick, do Jefferson Airplane: “One pill makes you
larger, and one pill makes you small/ And the ones that mother gives to you, don’t do
anything at all” (Uma pílula faz você crescer e uma pílula faz você diminuir/ E aquela que
mamãe dá para você, não faz absolutamente nada). A história de Alice no país das Maravilhas
servia para estimular o uso do LSD, libertando-se do comando das autoridades. Algumas das
bandas de São Francisco, juntamente com o cantor/compositor folk Bob Dylan e Joan Baez,
foram os artistas que mais se caracterizaram pelo seu idealismo e ativismo político.
Estes grupos, em sua maioria, não possuíam uma técnica musical apurada, tocavam
por prazer, eram desleixados e extravagantes. Mas tinham energia, seu ritmo era “visceral”,
improvisavam e faziam todo o tipo de “invencionices” sonoras. Suas apresentações envolviam
a platéia, e reforçavam o sentimento de comunhão. Promoviam concertos em antigos salões
abandonados, para angariar fundos em favor das comunidades, onde atraíam um público que
10
Subgênero do rock, associado a subcultura hippie. Não há como definir ao certo sua especificidade sonora, a
não ser que seja um tipo de rock inspirado no uso se substâncias psicotrópicas, mesclando elementos do rock
com o folk, o blues elétrico e o jazz.
11
Foi, juntamente com John Lennon um dos poucos artistas de rock a posicionarem-se contra o machismo. Se
havia anteriormente uma idealização da mulher no rock, nos anos 60 em grande parte das canções e na postura
dos músicos era vista como simples objeto de satisfação sexual. A contracultura mudaria um pouco o panorama,
com a inserção de algumas mulheres fazendo música, e não apenas acompanhando os grupos.
35
compartilhava dos ideais comunitários. Os shows eram pacíficos, sem tumultos e com grandes
quantidades de LSD passando por entre os artistas e a platéia. A venda de bebidas alcoólicas
era proibida, pois os organizadores acreditavam que elas estimulavam a violência, enquanto
que substâncias como o ácido e a maconha acalmavam e expandiam a mente.
Seu sucesso foi possível graças às rádios universitárias e FM, até então pouco ouvidas
e “independentes”. Segundo Chapple e Garofalo (1989), as FMs possuíam um caráter
underground, pois diferentemente das AMs colocavam em sua programação músicas fora do
maisntream, serviam aos interesses das comunidades em que estavam localizadas e eram
patrocinadas por pequenos comerciantes locais. Ansiosos para ouvirem as novidades, os
jovens aumentaram sua audiência, entrando em contato com os novos grupos. Os autores
discorrem sobre o processo de expansão das FMs, que fez com que tivessem de anunciar
grandes companhias, que agora as patrocinavam, assim como foram demitidos vários discjóqueis por posicionarem-se em alguns comentários frente a questões polêmicas e tocarem
músicas que falassem sobre drogas.
O Monterey Pop Festival, em 1967, serviu para mostrar à indústria os novos artistas
(foi este festival que apresentou Jimi Hendrix para o público norte-americano), que assinaram
contrato com as gravadoras logo após o evento. Empresários, produtores e gerentes das
companhias de discos, sabiam que o som de São Francisco tinha um grande potencial para
entrar no mercado. Alguns, cientes da nova “onda contracultural”, trataram de deixar o cabelo
crescer, usar jeans, e conscientizaram-se de que a indústria fonográfica teria de ampliar o seu
leque de artistas, se quisesse continuar lucrando. O problema é que muitos destes grupos eram
“pouco comerciais”, a solução encontrada então para torná-los vendáveis foi a promoção de
grandes concertos em todo o país (id., p. 112), principalmente na Costa Oeste (sobretudo em
Nova York, onde também havia um amplo mercado juvenil consumidor). Além disto, as
companhias começaram a publicar anúncios sobre shows e bandas em revistas underground.
A revista Rolling Stone que surgiu com o intuito de cobrir as novidades do rock’n roll, foi um
grande veículo de divulgação que, desde seu início, nunca negou que fosse uma publicação
comercial.
Mas as companhias fonográficas não eram tão benevolentes assim com seus rebeldes
novos artistas. Exigia prazos para a gravação de seus álbuns, limitava o número de faixas por
disco, ficava com a maior parte dos lucros, e censurava alguns compositores que se referissem
de forma direta às drogas. Conflitos entre gravadoras e artistas eram constantes, e alguns,
36
como o Grateful Dead e o Mothers of Invention, decidiram lançar seu próprio selo, para
obterem maior liberdade de criação e evitarem as arbitrariedades das gravadoras12. A RCA
tirou de seu catálogo artistas notórios pelo seu consumo de drogas, e passou a condenar os
que fizessem o mesmo. Mas o motivo não era político, e sim econômico, pois saíram somente
os que não estavam mais garantindo grandes retornos financeiros (ibid., p.105-7). A indústria
dava liberdade total somente para artistas dos quais tinha certeza de que, fazendo qualquer
coisa, venderiam bem (como os Beatles, que demoraram oito meses trancados no estúdio
gravando o Sgt. Pepper’s).
Não obstante, o cinema também obteve seus ganhos com a contracultura. A poderosa
Warner Bros comprou os direitos de exibição do Festival de Woodstock, em 1969, e vendeu-o
como uma amostra dos ideais da contracultura. Eram quinhentas mil pessoas pacíficas, que
assistiram de graça a três dias de shows de qualidade, dormindo em barracas e caminhando
nus, enquanto celebravam a paz, o amor livre e a música. A falta de banheiros, de comida, as
mortes por overdose ou pisoteamentos, e o fato de os jovens terem derrubado as grades –
tornando então o espetáculo “gratuito” – foram ignorados, ou enquadrados como meros
detalhes. Foram produzidos filmes que também exploravam a temática como Easy Rider
(traduzido no Brasil para Sem Destino), a fábula beatle Yellow Submarine e o musical Jesus
Cristh Superstar. Os próprios Rolling Stones encarregaram-se de produzir sua obra
cinematográfica, o documentário Gimme Shelter que continha cenas da banda no estúdio e o
seu show em Altamont, em 1969. Na verdade, a banda demonstrou uma certa dose de
coragem, ao revelar as brigas e o assassinato de um homem que estava na platéia, pois estes
fatos, até então, tinham sido ignorados pela imprensa (que também cobriu o evento
Woodstock, retratando-o com extrema simpatia).
Em fins da década, as comunidades de São Francisco entraram em franca
decadência13. Com exceção do Grateful Dead, os outros conjuntos musicais foram lentamente
desintegrando-se ou simplesmente desaparecendo. A maioria daqueles que conquistaram a
12
A gravadora do grupo Grateful Dead lançou uma série de gravações nas quais o grupo ainda estava
trabalhando, sem a sua autorização. O Mothers of Invention teve algumas canções eliminadas de um de seus
discos.
13
Pelo surpreendente aumento do número de pessoas que migraram para as comunidades no final da década,
estas acabaram empobrecendo. Sem poderem mais contar com a ajuda vinda dos concertos, passaram a
sobreviver do tráfico de entorpecentes, como a heroína. A jornalista Myra Friedman (1974) em sua biografia de
Janis Joplin, comenta com um surpreendente distanciamento crítico o fenômeno das comunidades
sanfranciscanas, sua evolução e decadência. Também descreve o processo de inclusão dos artistas na indústria
durante o Festival de Monterey, e a idealização por parte da imprensa do Festival de Woodstock. In: Enterrada
Viva: a biografia de Janis Joplin. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.
37
fama afastou-se das comunidades e de seus ideais, comprando carros, mudando de moradia e
de estilo de vida, pois viraram “estrelas”. O Jefferson Airplane contrariou suas pregações ao
gravar um comercial para a marca de jeans Levi Strauss, ajudando a acabar com uma greve
dos operários de sua fábrica. Os artistas menos deslumbrados preferiram enclausuram-se,
como Bob Dylan, trabalhando sem sair de suas casas, perdendo o contato com o “mundo
real”. A necessidade cada vez maior de empresários, agentes, promotores, publicidade, e de
negociações contratuais menos amadoras, contribuiu para que estes artistas encarassem a
música como negócio. Alguns dos ícones do rock sucumbiram às drogas (Janis Joplin e Jimi
Hendrix faleceram por overdose de heroína). Estes fatos, assim como o fim dos Beatles,
anunciaram o fim de uma era do rock e, em certa medida, da própria contracultura.
O surpreendente crescimento do mercado juvenil ajudou a fortalecer as grandes
companhias de gravação. Se na década de 1950 as pequenas foram essenciais para a
sobrevivência do rock, na posterior o aumento significativo do consumo de discos de
condenou-as ao fim. As grandes gravadoras primeiramente negociavam a distribuição, depois
passaram a contratar artistas próprios, e as que não conseguiram competir fundiram-se a
outras, formando grandes conglomerados (CHAPLE; GAROFALO, 1989). Paradoxalmente
ou não, a contracultura movimentou uma ampla indústria, que cresceu e lucrou com ela, e
que, acima de tudo, aprendeu a tirar proveito das situações mais improváveis.
No começo dos anos 60 as gravadoras estavam interessadas em “fabricar” artistas, mas
no final da década a imagem e o estilo já não importavam mais, pois o que atraía os
consumidores era a música por ela mesma (o ritmo, a criatividade e principalmente as
composições), o que já bastava para garantir bons retornos financeiros. É por este motivo que
a produção musical da época obteve grande liberdade e pôde difundir-se em grandes escalas,
pois na maioria das vezes ela só era restringida por questões estritamente econômicas. A
indústria adaptou-se ao público e o público a ela, como apontou Morin (2005, vol. 1). Nesta
época, a criação, embora ainda sofrendo algumas intervenções, escapou ao domínio da
técnica. Resta saber se ainda permanecem seus “fermentos corrosivos” (MORIN, 2005, p.139,
vol. 2), que não foram totalmente eliminados neste processo.
38
3.5 O rock and roll no Brasil
O rock brasileiro foi importado dos Estados Unidos, e durante um bom período foi
visto pela esquerda como um dos sintomas do imperialismo ianque. As gravadoras brasileiras
eram filiais de multinacionais, e comercializavam aqui as novidades do exterior. O rock
clássico norte-americano foi amplamente difundido no país durante a década de 50, assim
como diversos outros produtos, e sua própria cultura. Surgiram alguns grupos que
simplesmente imitavam as canções mais famosas do rock clássico, como os Playing´s, ou que
faziam versões. As próprias gravadoras estimulavam seus artistas a parecerem “americanos” ,
como foi o caso da cantora Celly Campelo e de seu irmão Tony Campelo, que tiveram de
mudar os nomes por pressão de sua gravadora. Celly Campelo foi a artista que obteve maior
êxito comercial neste estilo (DAPIEVE, 2000)14. Seus hits, que na verdade eram versões de
músicas estrangeiras, Túnel do Amor, Estúpido Cupido e Banho de Lua fizeram grande
sucesso. Ela e seu irmão conquistaram um programa próprio na televisão durante a virada da
década, mas Celly Campelo, em pleno auge, acabou abandonado sua carreira em 1962 para se
casar.
Em outro contexto social, e descaracterizado de suas raízes, o rock não teve o mesmo
impacto no Brasil, era um simples produto da sociedade norte-americana. Não estimulou a
revolta juvenil e nem ao menos preocupou as autoridades. As versões nacionais, como as de
Celly Campelo, eram ingênuas, feitas para agradar um público adolescente estritamente ligado
ao consumo e aos modismos. Poucos perceberam seu potencial libertador, como Raul Seixas,
que começou compor e tocar estimulado por Elvis. No início da década de 1960 a força crítica
da música nacional vinha da MPB, da bossa nova nacionalista, que estava empolgada pelas
reformas de base do governo João Goulart.
A esquerda tinha então como meta principal atingir o “povo”, falando sobre ele e
resgatando sua cultura, e alguns artistas, como João Bosco e Edu Lobo, passaram a adotá-la
em suas músicas (o movimento “nacional-popular”). Os temas mais comuns remetiam ao
regionalismo, ao trabalho braçal, ou retratavam a euforia gerada pela ideologia nacionalista
(NAPOLITANO, 2001, p. 44). O Golpe Militar de 1964 veio a gerar uma crise ideológica não
só na esquerda, mas também nos próprios artistas e intelectuais, surpresos com a falta de
conscientização popular. Se o povo não lutou pelas suas conquistas, o que deveriam fazer?
Alguns, cientes de que deveriam aproximarem-se, levando suas mensagens ao grande público,
14
Embora o foco do jornalista Arthur Dapieve seja o rock nacional na década de 1980, o utilizei porque o
mesmo faz um levantamento do rock no Brasil desde suas origens, passeando por todas as décadas anteriores.
39
encontraram a “saída” em participações nos Festivais de MPB e apresentando-se em
programas musicais de televisão (Geraldo Vandré e Nara Leão eram exemplos disto).
O problema era de que agora, em 1965, teriam que lidar com o fenômeno da Jovem
Guarda, programa comandado pelos cantores Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia. O
programa foi lançado aproveitando-se da subcultura jovem oriunda do rock and roll, e
apresentava jovens artistas, cantores e conjuntos musicais que, em sua maioria, tocavam rock
com clara inspiração nos Beatles. O estilo ficou conhecido como iê-iê-iê, que basicamente,
assim como na década passada, tratava-se de versões de músicas dos Beatles e de outros
grupos e cantores de língua inglesa famosos como os Kink’s, Herman’s Hermits, entre outros.
As letras falavam quase que exclusivamente do amor romântico. Carros, brigas de rapazes, ou
a própria juventude, também eram temas comuns, que remetiam a uma espécie de adoção do
estilo “rebelde”. Os artistas do programa conquistaram grande sucesso comercial entre os
adolescentes e o mesmo inspirou uma moda jovem. O fenômeno irritou os artistas de
esquerda, que apontavam para sua alienação, afirmando que a Jovem Guarda servia aos
interesses da ideologia dominante. É óbvio que esta era voltada ao consumo, e que isto
favorecia a alienação, mas é um exagero afirmar que havia interesses políticos claros dos
militares na manutenção do programa.
Segundo Marcos Napolitano (2001, p. 101), a Jovem Guarda atendia a um público
específico, não chegando a cooptar os ouvintes de MPB (na época, um disco de Roberto
Carlos vendia tanto quanto um de Chico Buarque de Holanda) e nem tirou a audiência de seu
programa “concorrente” O fino da bossa. O programa foi extinto em 1968, e grande parte de
seus artistas não conseguiu manter a mesma fama alcançada, com exceção de Roberto Carlos,
que mudou seu estilo, dirigindo-se para o público adulto. A dupla Roberto e Erasmo revelouse de grande talento para compor. Músicas como As curvas da estrada de Santos, Todos estão
Surdos, Negro Gato, entre outras, ajudaram a dupla a ser reconhecida como uma das mais
importantes do rock nacional e da própria música brasileira.
A MPB entrava agora em uma jornada contestadora (os militares até então se
ocupavam em perseguir figuras políticas, e não artistas e intelectuais), fazendo canções “de
protesto” ou então “de festival” (termo que se referia a músicas que se baseavam em
determinadas fórmulas para ganharem os festivais), atacando e regime militar e procurando
resgatar a cultura genuinamente brasileira, na tentativa de conscientizar o povo. Por esta
época a ditadura já começava sua perseguição a artistas e intelectuais. Em 1968, surgiu o
fenômeno musical do Tropicalismo, que já vinha se delineando desde 1967 em algumas
canções de Gil e Caetano (Domingo no Parque e Alegria, Alegria), que estavam insatisfeitos
40
com a rigidez ideológica e estética da atual bossa nova, procurando então fazer um “som
universal”. O movimento foi tido na época como a versão brasileira da contracultura, pois eles
adotaram o estilo hippie, eram debochados, e usavam cabelos compridos e roupas
extravagantes.
Artistas da MPB como Gilberto Gil, Nara Leão, Caetano Veloso, Tom Zé e Gal Costa,
participavam do movimento, juntamente com o conjunto de rock Os Mutantes. O movimento
tinha como proposta a crítica radical da classe média brasileira, e da própria MPB.
Satirizavam o mau gosto da classe média, sua apatia e seus padrões de consumo, enquanto
rompiam com os padrões estéticos da música popular brasileira. Mesclavam ritmos
tipicamente regionais com guitarras elétricas, utilizavam-se de referências do antropofagismo
da literatura moderna, dos movimentos internacionais (É Proibido Proibir, o título da música
foi um dos lemas do Maio Francês) e de músicas do cancioneiro popular. Era uma espécie de
“alegoria do Brasil”, com seus contrastes, moderno e retrógrado ao mesmo tempo.
Provocavam os “emepebistas” ao incluírem versos em inglês (satirizando também o
universalismo desta língua), citarem Roberto Carlos e fazerem versões de cantores
reconhecidamente bregas (Coração Materno). Para os tropicalistas, o artista não deveria
agradar o público, mas atacá-lo (NAPOLITANO, 2001, p. 234.) Suas apresentações eram
visualmente impactantes e polêmicas (geralmente eram vaiados, inclusive pelos próprios
estudantes mais radicais) e assim como os movimentos artísticos contraculturais do exterior,
terminavam em happenings. Mesmo com os ataques, o movimento obteve sucesso,
conquistando seu próprio programa de televisão Divinos e Maravilhosos.
Os tropicalistas criticavam a demagogia por parte da MPB de negar o consumo e a
fama, essenciais para sua sobrevivência no mercado, assim como a permanência da indústria
cultural norte-americana no país. Para eles isto era fato, inclusive o Sgt. Peppers dos Beatles
serviu de inspiração para seu álbum Tropicália ou Panis et Circenses, sendo que o grupo Os
Mutantes foi o mais influenciado pelo psicodelismo beatle. O grupo foi formado em 1966,
teve vários nomes e formações até firmar-se em 1967 no programa de Ronnie Von (cantor da
Jovem Guarda), com nome e formação definitivos. O grupo acompanhou Gil e Caetano nos
festivais da TV Record, até participarem do movimento tropicalista. Já tocavam rock – sendo
reconhecidos pelo seu experimentalismo – mas o fim do tropicalismo em dezembro de 68,
com o AI-5 e o exílio de seus principais expoentes (Gilberto Gil e Caetano Veloso), fez o
grupo abraçar definitivamente o rock’n roll.
Os Mutantes eram irreverentes, musicalmente criativos (os irmãos Arnaldo e Sérgio
Baptista fabricavam suas próprias guitarras e a mesa de som) e possuíam o estilo psicodélico
41
em suas letras e harmonias. Suas canções demonstravam um amplo domínio instrumental,
com solos de guitarra distorcidos e percussão que misturava uma multiplicidade de ritmos,
contrastando com a vocalização suave de Rita Lee. Suas letras geralmente eram satíricas,
debochadas, ou eram verdadeiras “viagens” fantásticas. Algumas, disfarçadamente, faziam
referência às drogas, como Virgínia em que Rita Lee utiliza um nome de mulher para falar
sobre um pé de maconha. Em 1970 Os Mutantes conquistam o 1O lugar no Festival da
Record, com a música Ando Meio Desligado, o que os levou a tocarem em alguns festivais
internacionais de música. Empolgada com o reconhecimento da banda, a gravadora Polydor
cogitou a hipótese de lançá-la no mercado internacional, mas a censura a algumas citações
consideradas subversivas do disco Mutantes no País dos Baurets, em 1972 e a saída de Rita
Lee (insatisfeita com a guinada dos músicos para o progressive rock14), fizeram com que
desistisse da idéia (DAPIEVE, 2000).
No rock brasileiro da década de 1960, só há destaque para a Jovem Guarda e os
Mutantes, havia outros grupos influenciados pelo sucesso dos ingleses e norte-americanos,
mas que não conseguiram êxito. A Jovem Guarda só foi significativa em termos comerciais,
enquanto que Os Mutantes consolidaram o estilo no Brasil, abrindo as portas para outras
bandas na década posterior (Secos e Molhados, Rita Lee & Tutti Frutti, Casa das Máquinas,
Raul Seixas etc.). Os Mutantes decretaram seu fim ao despedirem Rita Lee, mudarem de
estilo e sofrerem constantes crises devido à instabilidade emocional de Arnaldo Baptista (que
ficou dependente das drogas). Mas sua produção criativa marcou o rock nacional, influenciou
e continua a influenciar músicos e artistas nacionais e internacionais (Kurt Cobain, do
Nirvana, chegou a pedir pelo retorno da banda em 1993 e Sean, filho de John Lennon,
demonstrou ser seu fã). Mas o rock nacional só viria a “estourar” na década de 1980.
Após compreender como se desenvolveu o rock, e sua importância num dado
momento histórico, podemos partir para a análise das bandas locais.
14
Subgênero surgido de alguns grupos ingleses, como o Yes, derivado do rock psicodélico, acrescentado a
orquestrações rebuscadas.
42
4 PESQUISA DE CAMPO
Os critérios para a escolha das bandas pesquisadas foram compostos por três
elementos: o estilo musical, o visual hippie adotado pela maioria dos músicos, e a idade, pois
trata-se, sobretudo, de jovens que não viveram a época da contracultura. Liverpoolgas trata-se
de uma banda cover, que toca exclusivamente o repertório dos Beatles. A opção por esta
banda se deu por este dado, já que os Beatles foram o conjunto que mais se destacou na
época, além de ser a banda mais conhecida e “copiada” de todos os tempos. Já RoberSou the
Valsa possui composições próprias, mas que são exclusivamente influenciadas pelo soul e
pelo estilo psicodélico, que é o estilo musical que remete diretamente a subcultura hippie.
Assim como o RoberSou, a banda Sopa também possui repertório próprio influenciado pelo
rock psicodélico, além de elementos da tropicália e dos Mutantes.
Assim, a pesquisa teve duas fases. Primeiramente acompanhei algumas apresentações
das bandas, procurando analisar a performance, o tipo de público que freqüenta seus shows e
sua relação com este público. Após este primeiro contato, parti para as entrevistas com alguns
de seus integrantes. Para isto, foi elaborado um questionário composto por perguntas variadas,
com o intuito de estabelecer o perfil sócio-demográfico dos entrevistados, sua relação com a
música, e suas visões de mundo.
4.1 Apresentação das bandas
A banda Liverpoolgas está em atividade acerca de três anos, têm o seu público cativo,
e toca semanalmente no Empório São Francisco, no Largo da Ordem. É um conjunto
estabelecido e bem reconhecido no cenário curitibano, e por algumas vezes chegou a se
apresentar em outras cidades do interior do estado. Seu repertório abarca todas as fases dos
Beatles, desde canções do primeiro álbum do grupo até outras lançadas postumamente, após o
término da banda. Além da formação básica (guitarra, baixo, bateria, teclado) a banda inclui
em algumas apresentações os instrumentos gaita, cítara, trompetes e trombone, quando o
repertório em questão exige. Assim, procura ser fiel às complexas harmonias de álbuns como
Sgt. Peppers e Abbey Road. Há um profissionalismo por parte de seus integrantes, que
buscam fazer um trabalho de pesquisa sobre a obra beatle, dedicando-se ao estudo dos seus
arranjos e vocalizações, além de procurar trazer ao público gravações ainda não lançadas em
disco e também algumas do repertório de seus componentes em suas carreiras solo. São
reconhecidos pelos fãs por esta busca por máxima fidelidade, de manter acessa a chama
43
beatle, diferenciando-se de outras bandas covers.
FIGURA 1
Os Liverpoolgas em show no Empório São Francisco em 2006
Fonte: http:// www.emporiosaofrancisco.com.br
Acessado em 11/ 05/2006
A banda possui um verdadeiro “séqüito de fãs”, que deixam depoimentos apaixonados
em comunidades do Orkut ou em e-mails15, e lotam seus shows todas as quintas-feiras no
Empório São Francisco. O bar é fechado, pequeno, mas a média de público é de, no mínimo,
duzentas pessoas por noite, segundo informação de um dos administradores do local. A
maioria do público é composta por universitários e por mulheres, as quais demonstram
verdadeira adoração pelos músicos. Também nota-se a presença de muitos amigos, amigas e
de namoradas dos integrantes. Mas o público presente é bastante variado em questões de faixa
etária, encontra-se desde adolescentes, até “cinqüentões”, o que explica-se pelo seu repertório:
bastante conhecido e ainda tocado há quatro décadas. Em todos os shows, nota-se que seu
público é constante, geralmente encontram-se as mesmas pessoas no Empório, que vão
exclusivamente prestigiar a banda, saindo logo depois de sua apresentação (que é a atração
primeira da noite, seguida por outra banda de rock local).
A banda RoberSou the Valsa está em atividade a um pouco mais de dois anos, sendo
que no atual momento interrompeu suas apresentações por conta da saída recente de seu
15
http://osliverpoolgas.vilabol.uol.com.br. Acessado em 17/09/2006.
44
vocalista e principal letrista. O repertório da banda é próprio, mas seu ritmo é uma espécie de
“mistura” de elementos que caracterizaram o cenário do rock psicodélico da década de 1960.
À formação básica, acrescentam-se instrumentos como flauta transversal e acordeom,
claramente influenciado pelo estilo de algumas bandas da época, como a inglesa Jethro Tull e
a sanfranciscana Grateful Dead. A harmonização é difusa, mas o resultado final remete
diretamente ao estilo destas bandas (como os próprios músicos declararam, são algumas de
suas principais influências).
FIGURA 2
RoberSou the Valsa no Psicodália, carnaval de 2005
Fonte: http://www.cyberfloripa.com/
Acessado em 20/05/2006
Suas apresentações são realizadas em locais variados, principalmente em bares
fechados freqüentados por universitários, como o Hermes Bar e Era só que faltava. Em 2004,
no início da banda, sua apresentação no Psicodália16 rendeu-lhe o reconhecimento, sendo
aclamada então como a revelação do Festival. Sua música, Lepra ganhou status de hit entre a
platéia presente. O público do RoberSou é quase que exclusivamente composto por
universitários, e assim como os Liverpoolgas, há a presença de muitos amigos dos integrantes.
Seu público também é constante, e a média numérica gira em torno de cento e cinqüenta a
duzentas pessoas por show. A diferença entre as duas bandas é a de que a platéia que assiste
16
Festival, intitulado Movimento Psicodália, sendo organizado por jovens músicos de algumas bandas locais,
surgindo da idéia de criação de um espaço para a apresentação de artistas independentes. O mesmo assemelha-se
a uma espécie de revival hippie, pelo estilo das bandas participantes e do público, além de ser realizado ao ar
livre, em localidades distantes da cidade. Ao todo, já houve cinco edições.
45
ao RoberSou é estritamente formada por jovens, e há mais equilíbrio entre o número de
mulheres e de homens. Seus fãs a devotam admiração pelo estilo musical, por este ser
verdadeiramente psicodélico.
Já a Banda Sopa está em atividade há pouco tempo, tendo sido formada entre maio e
abril de 2005. Apesar do pouco tempo de estrada, conquistou seu espaço e também seu
público cativo, chegando a tocar recentemente num festival de música em Itajaí, Santa
Catarina. Já gravou seu primeiro CD demo, com quatro faixas. Seu diferencial, em termos de
instrumentação, está na inclusão de um violino, gaita de boca, xilofone e uma flauta
transversal.
FIGURA 3
Os integrantes da banda Sopa
Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Victor Daniel, Fabio Laskaviski, Ivan Halfon, Daniele Madrid,
Alexandre Osiecki. Fonte: http://sopa.sopa.zip.net/index.html. Por Duke Wellinton.
Acessado em 25/08/2006.
Como o RoberSou, o repertório é próprio, mas estilo musical também é o do rock
psicodélico, sendo claramente influenciado pelos Mutantes. Seus locais de apresentação
também variam, mas até pouco tempo a banda era uma das atrações fixas do Aoca Bar,
tocando sempre aos primeiros domingos do mês. Quanto ao público, seu número é mais
restrito, na média entre cem a cento e cinqüenta pessoas. Semelhantemente ao RoberSou, é
composto por jovens, em sua maioria, universitários. O público também é constante e
46
equilibrado, além da presença de muitos amigos dos músicos.
Durante a pesquisa, ficou claro que há vários elementos recorrentes nas três bandas: a)
seu público é composto majoritariamente por jovens universitários; b) grande parte deste
público, assim como os membros da banda, adotam o vestuário no estilo hippie; c)
encontram-se nos shows geralmente as mesmas pessoas, um sinal de que as bandas
conquistaram um público cativo; d) todas se apresentam em locais pequenos, bares fechados,
geralmente localizados no Largo da Ordem (conhecido como o centro da boemia curitibana e
pelo seu circuito “alternativo”, onde se apresentam várias bandas locais, de estilos variados);
e) há a presença de muitos amigos, conhecidos, e namoradas dos membros, que dão uma
espécie de “apoio” a eles; f) todas já participaram ou até mesmo ajudaram na organização de
festivais de música alternativos, onde apresentam-se bandas de rock que compõe o circuito
local “independente”; g) são compostas exclusivamente por homens, com exceção da Sopa,
em que há uma integrante mulher violinista, que também executa outros instrumentos,
participando ainda das vocalizações.
O rock and roll não é, em si, sexista. Mas mulheres são temas constantes de grande
parte de suas canções, e geralmente não são suas executantes. Muitas das composições,
principalmente de grupos das décadas de 60 e 70 – assim como a atitude de uma parcela
significativa dos músicos – revelam uma postura machista, relegando a mulher ao status de
simples objeto de satisfação sexual (Rolling Stones e Led Zeppelin são alguns exemplos). Isto
de dá não apenas pelo fato de o machismo ser presente em nossa cultura, mas também pela
especificidade da relação de parte das mulheres no mundo do rock. As groupies (mulheres
que acompanham os músicos, geralmente em uma posição subalterna) ajudaram a fortalecer
esta noção, ao não se incomodarem com o modo com que muitos artistas se relacionam com
elas. Mas nas últimas décadas, este panorama vem se modificando, com a inserção de um
número significativo de mulheres à frente de grupos, bem como a formação de conjuntos
formados somente por mulheres. Em Curitiba há uma certa tradição neste sentido, mas na
verdade é um fenômeno isolado, pois, numericamente, a atuação das mulheres no rock é ainda
bastante inferior se comparada a dos homens. O fato de haver somente uma mulher entre as
bandas pesquisadas comprova este dado. E as groupies ainda são bastante comuns neste
universo – por exemplo, muitas das mulheres que compõe a platéia do Liverpoolgas ficam
durante todo o tempo do show ocupando-se em atrair a atenção dos músicos para si.
Os festivais são realizados por iniciativa das próprias bandas locais, ou de bandas de
outras cidades da região Sul, e pelos fãs destas bandas. Ocorrem em determinadas épocas do
ano, geralmente em feriados, em locais afastados da cidade, e duram cerca de dois a três dias.
47
Neste sentido há uma solidariedade entre os fãs e as bandas entre si, não é raro encontrar as
mesmas pessoas participando dos shows e dos festivais. Há uma espécie de uma “comunidade
musical” e a formação de um grupo (embora não se denomine como tal) que se reúne pelas
mesmas afinidades, no caso o estilo hippie, caracterizando-se pela música, o vestuário e o
consumo de entorpecentes (os mais comuns são a maconha e o LSD, e por vezes, cogumelos).
Neste sentido, há uma aproximação com o que ocorria nos concertos de rock sanfranciscanos.
Mas diferentemente do que ocorria em São Francisco, não há ideais claros por parte
das pessoas que participam destes festivais, tanto nas bandas quanto no público. Não há
contestação, defesa de determinadas ideologias e nem a pregação de um estilo de vida. As
letras destas bandas contêm nenhuma espécie de engajamento político, nem as das bandas
Sopa e RoberSou, que têm o estilo psicodélico (alegre e poético), mas não há contestação. O
tom geral é o mesmo desta letra do Sopa, Quase, Quase por exemplo: São teus meus passos/
Meus pássaros e seus cantos entre outros tantos/ És tão quanto quanto quero/ És tão quanto
quero-quero/ e quero querer-te tanto/ quanto o canto de um quase quase.
Se na década de 60 os festivais eram promovidos com o intuito de fortalecer o
sentimento comunitário, ao mesmo tempo em que ajudavam na sobrevivência das
comunidades, em um contexto espacial e sócio-histórico completamente diverso, este
elemento se perdeu. Estes novos festivais são realizados pela diversão, ao afastarem estas
pessoas da cidade para ouvirem música enquanto acampam e consomem entorpecentes,
enquanto ajudam a promoverem as bandas.
Se este aspecto foi facilmente percebido em observações, a relação dos músicos destas
bandas com o estilo musical da época, não é algo simples de ser deduzido somente pela
observação. Para investigar melhor esta relação foi aplicado o questionário aos integrantes das
três bandas, sendo composto por questões variadas, procurando mapear seus perfis sóciodemográfico, padrões de consumo, e opiniões sobre música e temas contemporâneos. Se o
intuito é o de descobrir se há uma correspondência entre a adoção do estilo hippie pelos
entrevistados com visões de mundo que indiquem uma postura libertária, num contexto social
e histórico completamente diverso da década de 60, transportar as questões próprias da época
não faria o menor sentido. Por isto foram incluídos temas de nossa contemporaneidade.
Devido à complexidade da temática, questões fechadas com alternativas para
respondê-las, seria insuficiente. O ideal seria que o (a) entrevistado (a) pudesse responder
livremente. Assim, o método adotado foi o da entrevista narrativa. Foram inseridas também
algumas questões diretas, mas quando exigia-se mais objetividade nas respostas, para facilitar
o andamento da entrevista. Ao todo, foram entrevistados dez dos músicos das três bandas,
48
pois não foi possível entrevistar a todos. Como a entrevista narrativa exige uma certa
disponibilidade por parte do entrevistado (deve ser realizada a sós e em local silencioso para a
gravação), alguns recusaram-se a cedê-la, alegando falta de tempo, e uma parte dos que se
disponibilizaram (após muita insistência), demoraram para agendá-la, tornando o tempo
escasso.
4.2 Análise das entrevistas
O questionário foi divido da seguinte maneira:
1) Perfil sócio-demográfico: investigar a “renda” dos entrevistados, faixa-etária, e grau de
instrução;
2) Música e indústria cultural: opiniões sobre a música, sua relação com ela. Identificar os
padrões consumo de bens culturais, o “capital cultural”;
3) Política e comportamento: opiniões sobre a política e outras questões sociais. Procurar
estabelecer suas visões de mundo e posicionamento ideológico.
Separei as questões por tópicos, cada um seguido de análises, para facilitar sua
compreensão. Como houve uma similaridade nas respostas, e como o universo é pequeno,
alguns depoimentos serão generalizados. Utilizarei nomes fictícios quando for preciso citar
algum entrevistado em especial.
4.2.1 Perfil sócio-demográfico
Neste tópico houve uma significativa regularidade de perfis: todos possuem idades
entre 20 a 30 anos, têm formação superior (completa ou não), sendo que a maioria em
instituições públicas e se auto-declararam brancos. Apenas um deles é casado e a maioria
ainda mora com os pais. Apenas dois possuem “emprego”, ou seja, outra ocupação
profissional que não seja somente a música. Todos demonstraram serem provenientes da
classe média. Este fato foi confirmado pela localização de sua residência, geralmente em
bairros de classe média e alta (como Batel, Água Verde e Juvevê). Também pelo fato de seus
pais (e mães, na maioria dos casos) possuírem instrução superior, e exercerem profissões tais
como bancários, empresários, advogados e professores universitários. O ingresso deles na
universidade pública também é um dado que indica esta posição (sabe-se o quanto é restrito
seu acesso às populações de baixa renda). A aquisição de determinados bens também
confirmou sua posição social, assim como o fato de a maioria ser sustentada pelos pais – pelo
49
fato de alguns possuírem veículo automotivo próprio, mas sem, no entanto, precisarem
exercer outra atividade profissional.
Não houve muitas diferenças entre as áreas acadêmicas cursadas pelos entrevistados:
três em áreas ligadas à música; quatro em humanas; dois em informática; um em artes
cênicas.
Na questão da classe, neste tópico houve somente uma exceção. Apesar de estar
cursando o ensino superior em uma instituição pública e de não trabalhar, Pedro foi o único
morador de bairro periférico. Seus pais possuem um baixo grau de instrução e exercem
profissões não tão bem remuneradas. Foi o único que demonstrou uma preocupação em poder
viver de música, e também declarou que é o único universitário da família e o único músico.
A maioria afirmou não possuir domínio da língua inglesa, só o básico, não traduzem
as letras. Julguei conveniente inserir esta questão pelo fato de as bandas possuírem influência
do psicodelismo, que é um subgênero proveniente de bandas inglesas e norte-americanas. E
também por uma delas tocar cover de uma banda de idioma inglês. Este ponto é interessante,
pois toca na questão da recepção das mensagens, o que analisarei no tópico seguinte.
4.2.2 Música e indústria cultural
4.2.2.1 Formação artística e a música
Foi surpreendente a semelhança dos depoimentos. Todos declararam que começaram a
se interessar pela música em casa, por influência dos pais ou de outros parentes mais velhos.
Foram constantes histórias de pais, tios, primos e irmãos que - já desde a infância - os
presentearam com algum instrumento musical ou que os estimularam a tocarem, seguindo o
seu exemplo (muitos dos entrevistados garantiram ter outros membros músicos na família).
Depois vieram os estudos, a vontade de profissionalizarem-se e de formarem uma banda.
Aqui Pedro também foi única exceção, afirmando que começou a tocar na adolescência, por
influência de amigos. Aprendeu “sozinho”, indo depois fazer curso de aperfeiçoamento.
A maioria indicou que, novamente, foi em casa que conheceram o rock dos anos 60,
ouvindo discos dos pais. Já que é difícil conhecer grande parte do repertório dos artistas de
décadas passadas simplesmente ouvindo o rádio, a influência da família, revelou-se, mais uma
vez, fundamental. Seus pais ouviam rock na juventude e mantiveram os discos, ajudando a
compor o gosto musical de seus filhos. Após este primeiro contato, veio o interesse em
conhecer mais a produção musical da década, o que os levou a pesquisarem sobre o estilo,
50
procurando vinis, trocando informações e realizando pesquisas na internet. Somente Pedro
declarou que conheceu o estilo através de amigos, indo também buscar conhecer mais.
É interessante notar que na década presente o conflito de gerações torna-se restringido
a casos isolados, privados, não chega a tomar forma de movimento social, não há a unidade da
juventude enquanto grupo constituído que reclama por reformas sociais, recusando os valores
e idéias transmitidos pela sociedade adulta. Especificamente neste caso, há uma espécie de
consenso, de identificação com a geração dos pais, pelo menos em termos de estilo musical. É
uma geração exercendo influência decisiva sobre a outra.
Todos foram unânimes em declarar que optaram por tocar o estilo por uma questão de
gosto pessoal. Gostavam de música, identificaram-se com o estilo, e resolveram então tocá-lo,
sendo uma base para suas criações. No caso dos Liverpoolgas, além do gosto pessoal, porque
os Beatles são o conjunto de maior sucesso e o mais copiado de todos os tempos, criaram
muita coisa, e influenciaram várias outras bandas que surgiram depois deles. Além disto,
dois entrevistados alegaram que o repertório dos Beatles é bastante conhecido. É difícil
encontrar alguém que não conheça pelo menos uma de suas músicas.
Neste ponto nenhum deles declarou ter um tipo de relação mais profunda com a
música. Não surgiram comentários que revelassem algum impacto trazido por ela, em termos
da música ser um veículo de transmissão de certas mensagens. Tampouco alguém mencionou
sua importância naquele contexto específico. Inseri a questão da escolha por este estilo no
intuito de verificar se haveria algo neste sentido.
A idéia de grupo surgiu aqui novamente. Todos afirmaram que já conheciam pelo
menos um integrante da banda, alguns já eram amigos e já tocavam juntos em outra banda. A
maior parte deles veio a compor a formação através de convite de um amigo, que já sabia que
ele tocava e compartilhava do mesmo gosto musical. Todos os integrantes das três bandas
também são amigos entre si. A universidade também se tornou um elemento importante nisto,
pois é um espaço de reunião de pessoas com interesses e afinidades parecidas. Alguns
declararam que foi lá conheceram alguns dos futuros membros da sua banda e seu estilo
musical, resolvendo então unirem-se. Eles são, antes de tudo, amigos que resolveram formar
uma banda a partir da afinidade de estilo, de gostos em comum.
4.2.2.2 O rock nos anos 1960 e a produção musical atual
Todos ressaltaram o aspecto da criatividade da maior parte dos artistas da década de
60 em seus depoimentos. Também alertaram para a liberdade de criação. Comentaram a
51
multiplicidade de estilos em uma única banda, da mistura de diferentes sons, na
instrumentalização e nas harmonias. Falaram que foi uma época que rompeu com uma série
parâmetros artísticos, derrubando as fronteiras musicais, parecendo que não havia limites
para a criação. Afirmaram também que foi uma época inigualável em termos de
inventividade e de experimentação, e que, depois desta década e a de 1970 também, não
houve mais esta criatividade no rock, que tudo que foi produzido a partir dali não foi tão
significativo e nem produziu o mesmo impacto. Por isto, vale a pena retomar o estilo. Os
membros do Liverpoolgas também comentaram a importância dos Beatles, que
revolucionaram o rock and roll, inspirando muitas bandas a época a fazerem o mesmo. Tocar
a sua música, de certa maneira, também é uma forma de homenageá-los.
Somente um dos entrevistados, João, alertou para a questão da mensagem. Falou da
importância da música naquele contexto, no movimento da contracultura, seu sentido
histórico. Foi um período importante no contexto sócio-cultural, de transformações. O
restante avaliou a relevância do estilo musical da época somente em termos estritamente
estéticos. Um deles comentou que os jovens daquela época eram rebeldes, mas não soube
desenvolver o argumento, e revelou ter uma idéia sobre a época bastante recorrente no senso
comum. A grande maioria dos entrevistados não demonstrou dar importância às letras,
apegam-se mais à sonoridade propriamente. Demonstraram também um relativo
desconhecimento sobre a contracultura, se o têm, ela não produz impacto nestes em termos de
mensagens. È mais o estilo das harmonias que os entrevistados admiram.
Não dá para apontar para o fato destes não dominarem o idioma inglês como
determinante (até porque também houve muita contestação na música brasileira da época).
Comprovou-se que pelo seu padrão de vida, eles têm plenas condições de compreenderem as
mensagens. Mesmo não possuindo conhecimento do inglês, é completamente acessível para
os mesmos encontrarem traduções de músicas na internet, por exemplo.
Todos foram extremamente contrários quanto à produção musical atual. Pedi para que
citassem algo de relevante: de sucesso, não há nada, só na MPB. Este foi o comentário geral
das entrevistas. Tanto no cenário nacional quanto internacional, pelo menos no rock, não há
nada de relevante. Os entrevistados criticaram as novas bandas, sua falta de originalidade e
seu estilo, assim como criticaram as músicas de sucesso, e revelaram um certo desprezo pelos
modismos musicais. Todos afirmaram que há muito material de valor somente no cenário
independente. Há muitas bandas de qualidade emergindo, mas para conhecê-las as pessoas
devem ir atrás, devem buscar a música boa. Três deles afirmaram que estas bandas estão fora
da indústria fonográfica porque não são comerciais, portanto não atendem aos seus interesses.
52
Não há vontade por parte da indústria em produzirem estas bandas, pois elas não representam
grandes retornos financeiros, não farão muito sucesso.
Pedro ainda alertou para a importância da internet neste sentido, como um meio de
divulgação destes artistas underground. Neste aspecto, todos os entrevistados demonstraram
um comportamento valorativo, que são seletivos quanto ao que consomem. Também
indicaram que são críticos aos produtos-padrão impostos pela indústria cultural.
Somando-se as respostas desta questão com as da interior, nota-se que há uma certa
idealização por parte dos entrevistados quanto à produção musical dos anos 60. Há um
exagero em afirmar que depois dela não houve mais nada de significativo no rock. Também
eles não se referiram ao fato de o rock da época também ter participado da indústria cultural,
assim como também ter se tornado uma moda, sendo um fenômeno de grande sucesso,
semelhantemente ao que eles criticam agora. Mesmo conscientes deste fenômeno, há a
impressão de que para eles isto só ocorra nas duas últimas décadas.
4.2.2.3 Padrões de consumo de bens culturais
Sobre televisão, os programas Jornal Nacional e o Programa do Jô, foram os mais
citados, mas só raramente, todos os entrevistados garantiram que não possuem o hábito de
assistir à televisão, até por questões de falta de tempo disponível para tal. Todos foram
unânimes ao afirmarem que a televisão como um todo tem uma programação pouco
interessante, que a maioria dos programas não presta. Os que citaram o noticiário justificaram
que o assistem muito raramente só para saber o que está acontecendo, assim como o
programa do Jô somente quando o convidado da noite desperta seu interesse. Os mesmos que
citaram o noticiário demonstraram receio quanto ao que é mostrado, alegando que não dá para
confiar no que os noticiários televisivos (e o jornalismo e a tv num todo) apresentam como
verdade. A maioria demonstrou preferência pela tv a cabo, principalmente o canal de música,
a MTV. Dois citaram a TV Educativa. Somente João afirmou que não assiste a nenhum
programa em especial.
O mesmo comportamento valorativo na música também é mantido com relação à
televisão. Os entrevistados que citaram o Jornal Nacional ainda revelaram serem conscientes
quanto ao padrão do jornalismo brasileiro, com seus enquadramentos típicos e
“manipulações”.
Quanto ao cinema, foram citados por três entrevistados filmes de cineastas
consagrados, com destaque para Stanley Kubrick e Quentin Tarantino. Quatro entrevistados
53
citaram o musical hippie Jesus Cristh Superstar, demonstrando que levam suas preferências
musicais até o cinema. A mega produção épica O Senhor dos Anéis também foi citada, o que
também denota correspondência no estilo, já que a obra escrita de J.R. R. Tolkien foi
verdadeiro objeto de adoração dos hippies. Um dos entrevistados citou a produção nacional
pouco divulgada Durval Discos, cuja narrativa, como o próprio nome já diz, se desenvolve em
torno de uma loja de discos. A trilha sonora do filme é repleta de sucessos do rock nacional
“setentista”, o que novamente, revela a forte relação dos entrevistados com a música.
Com exceção de O Senhor dos Anéis, todos os entrevistados citaram filmes não muito
conhecidos pelo grande público, assim como filmes de cineastas aclamados pela crítica. Estes
filmes citados indicam um certo refinamento dos gostos.
A maioria declarou que costuma ir mais ao teatro do que ao museu, mas em ocasiões
não tão freqüentes. Destes, alguns comentaram que vão ao teatro especialmente nas
temporadas do festival de inverno de Curitiba. Apenas João declarou que costuma freqüentar
os dois.
Perguntei se tinham o hábito de ler e pedi para que citassem obras e autores. Grande
parte dos entrevistados revelou que não cultiva o hábito da leitura, que lêem mais por uma
questão de obrigatoriedade, por exigência de sua formação acadêmica. Foram citados livros
técnicos sobre música, e livros relativos às áreas de sua formação específica. Quanto à
literatura propriamente, alguns afirmaram que costumam ler de vez em quando, comentando
que ter preferência por poesia e romances. O livro O Processo de Franz Kafka foi citado por
dois dos entrevistados, um deles citou O Senhor dos Anéis novamente. Os autores Carlos
Drummond de Andrade e Dalton Trevisan foram os mais recorrentes entre os entrevistados.
Um deles comentou que lê mais revistas do que livros. Apenas João declarou possuir o hábito
da leitura, e que lê muitas obras de cunho religioso, sobre o hinduísmo, correspondendo neste
aspecto com a contracultura, já também confessou ser adepto desta doutrina.
A importância desta pergunta está na intenção de verificar se os entrevistados teriam
preferências por algumas obras literárias que influenciaram a subcultura hippie – como as de
Allen Ginsberg e Jack Keruac – ou de cunho mais crítico, sócio-políticas. Pedro foi o único a
se aproximar desta primeira hipótese ao citar Adous Huxley, assim como uma minoria se
referiu a Kafka. O livro O Senhor dos Anéis não entra neste tipo de análise porque, mesmo
que demonstre uma aproximação do entrevistado com a subcultura hippie, trata-se de um
gênero da literatura fantástica.
Estes dois primeiros tópicos do questionário indicaram uma série de elementos
importantes para a análise. Primeiramente, porque todos os entrevistados demonstraram
54
possuir gostos refinados, comportando-se de modo seletivo, não apenas na música, como em
outros ramos da indústria cultural. Seus comentários a respeito da produção musical atual e da
televisão apontaram para o dado de que são críticos a ela (mesmo que não pensem
necessariamente nestes termos). A negação ao modo de atuação da indústria fonográfica
confirmou esta posição, pois ao mesmo tempo em que eles são membros de bandas que tocam
no circuito alternativo, também formam o público ouvinte do mesmo. È a sobrevivência de
um mercado paralelo por conta de um comportamento valorativo por parte do receptor, como
apontou Gabriel Cohn (1990).
Mas este tipo de consumo de bens culturais revelou-se possível através de
determinadas condições que garantiram o acesso ao mesmo, dentre elas o poder aquisitivo, a
instrução e a formação familial foram as cruciais. Realizar pesquisas na internet, adquirir
discos de vinil raros e ter acesso à obra completa dos Beatles, não é algo simples de se
conseguir para a maioria da população. Todos pertencem à classe média e foram
influenciados pela família, com apenas uma exceção, e estes são fatores que possibilitam a
posse de determinados bens simbólicos, assim como influi na formação do gosto como diria
Bordieu (1994). Preferir tv a cabo à tv aberta, ler Kafka, gostar de musicais, criticar os
noticiários e a música de sucesso, apontam para um certo padrão de gosto típico da classe
média. Claro que nem tudo pode ser determinado pela posição de classe, mas neste caso, não
há como ignorar este fator, pois como foi visto, só houve uma exceção que não coube a este
tipo de análise.
Quanto à música, esta foi majoritariamente descrita em termos estéticos. Não há uma
preocupação com a questão das mensagens, por enquanto isto se mostrou mais uma questão
de estilo do que de ideologia. Se neste aspecto não há um posicionamento ideológico claro,
resta agora verificar se as visões de mundo dos entrevistados estão em acordo com o seu estilo
hippie.
4.2.3 Política
4.2.3.1 Partidos Políticos
Nenhum dos entrevistados declarou ser filiado a algum partido. A maioria também
declarou que não têm preferência por nenhum partido político. Dois afirmaram que não têm
uma bandeira partidária específica, mas que preferem a esquerda. Sendo que um deles
comentou que seus pais militaram no PT durante muitos anos. Declarou ainda que apesar da
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corrupção, continua acreditando no partido, porque: isto partiu de um grupo do partido, mas
acredito que muitas pessoas que estão nele, como eu, continuam com a mesma ideologia. Seu
depoimento em certa medida foi controverso, já que o PT afastou-se da ideologia de esquerda,
seu rumo está mais em direção ao centro. Um dos entrevistados, Luís, declarou não gostar de
política, e nem a entender.
4.2.3.2 Governo Lula
As opiniões foram bastante parecidas. Todos comentaram que votaram em Lula nas
eleições de 2002, mas que se decepcionaram com os escândalos de corrupção. A maioria
destacou suas políticas na área social, e que houve um fortalecimento do Estado. Afirmaram
ainda que apesar dos escândalos, houve mudanças em relação às políticas para a população
menos favorecida, como o aumento de seu poder aquisitivo, mas que fora isso pouca coisa
mudou. Mas que esta é a diferença em relação aos governos anteriores, é o menos pior,
segundo alguns. O único comentário que dois dos entrevistados fizeram, sendo que Luís foi
um deles, foi o de que não mudou nada.
Sete dos entrevistados declararam intenção de votar em Lula novamente nestas últimas
eleições. João votaria nulo, e Pedro, em Cristóvão Buarque, justificando que ele merece uma
chance pelas suas propostas na área da educação. Luís declarou que não sabe em quem vai
votar ainda, mas com certeza, não será em Lula, votei nele na eleição passada, mas nada
mudou e ainda têm os escândalos. Lula é uma pessoa desinformada que não sabe o que está
fazendo. Também comentou que não sabia ainda em quem votar, mas que provavelmente
votaria em quem estivesse em segundo lugar nas pesquisas (também não sabia quem era o
segundo colocado). Este depoimento sobre o governo Lula foi, digamos, o mais “senso
comum”, porque demonstrou que o entrevistado não procura informar-se sobre esta questão,
além de ter revelado preconceito ao colocar que Lula é desinformado, e que por isto não sabe
o que está fazendo.
4.2.3.3 Transformação social
Esta pergunta gerou respostas variadas, até porque a maioria optou por mais de uma
resposta. Mas houve uma opinião recorrente em oito das entrevistas: todos declaram que a
transformação se dá através do indivíduo, em suas práticas cotidianas. A maioria destas
mesmas pessoas opinou que a transformação se dá tanto através do indivíduo quanto pela
56
ação coletiva. Apenas dois deles afirmaram que não acreditam na possibilidade de
transformação porque as pessoas são acomodadas, não lutam por mudanças. Pedro, além de
concordar com a maioria, declarando que acredita na mudança pelo indivíduo, ainda opinou
que a democracia representativa também é importante, comentando que as pessoas devem
entender mais sobre a política, para escolherem melhor seus representantes, pois a partir daí
haverá mudança.
Este tópico revelou vários elementos importantes. Um deles é o de que a maioria dos
entrevistados demonstrou um certo desconhecimento com relação à política. Muitos dos que
atacaram o governo, utilizaram somente o argumento da corrupção ou o de que nada mudou,
concordando com os argumentos que a oposição e a própria mídia propagaram durante a
campanha. Assim como os que ressaltaram seus aspectos positivos utilizaram-se dos
argumentos que o próprio governo alardeou. Isto insere uma contradição, já que os mesmos
afirmaram anteriormente não acreditarem no que a televisão mostra. Estas opiniões indicaram
um posicionamento claramente influenciado por ela. Ninguém declarou a intenção em votar
em Heloísa Helena (P-SOL), nem mesmo os que demonstraram simpatia pela esquerda, o que
também é contraditório, já que ela seria a opção da esquerda.
Quanto à transformação, os entrevistados confessaram que vêem esta possibilidade
somente através da sociedade civil, pelo indivíduo e pela ação coletiva. Claro que qualquer
mudança social deve partir primeiramente do indivíduo, mas isso já se mostrou não ser
suficiente. Os próprios jovens da contracultura, principalmente os hippies, defenderam que a
sociedade se modificaria através de um novo estilo de vida. Nisto houve conquistas, mas já
revelou-se não ser possível modificar o mundo apenas transformando o nosso cotidiano.
Nenhum dos entrevistados optou pela tomada de poder (no caso, uma revolução), indicando
um posicionamento que não vê na tomada do poder político um importante instrumento na
transformação. Não acreditam que uma mudança significativa na política e no modo de
conduzi-la pode acarretar em transformações radicais.
A classe social não é “o” fator determinante da consciência política. As revoltas
estudantis e contraculturais dos anos 60 não foram encabeçadas por jovens proletários, mas
sim por àqueles que pertenciam às camadas médias da população. Mesmo entre os
intelectuais, historicamente, a parcela mais crítica e politicamente engajada, é proveniente
também, em sua maioria, destes estratos. É bastante comum verificar entre a classe média
tanto posicionamentos avançados, quanto conservadores. Portanto, não há como analisar a
consciência política dos entrevistados relegando-a única e exclusivamente à sua posição de
classe. Se neste tópico os entrevistados não indicaram um posicionamento ideológico de
57
esquerda, vale agora verificar se suas opiniões em outros aspectos sociais possuem um caráter
mais radicalizado.
4.2.4 Comportamento
4.2.4.1 Drogas
As respostas foram unânimes. Todos declararam que o efeito dos alucinógenos
depende mais do usuário, do que deles em si. São prejudiciais dependendo do uso que se faz
deles, assim como podem ser uma forma de entretenimento e também aumentarem o potencial
criativo. Neste aspecto há uma clara aproximação com os músicos da década de 60, que
apregoavam o desenvolvimento das potencialidades criativas através do consumo de certas
substâncias psicoativas. Somente João declarou que além destas três características, as drogas,
independentemente do uso que se faça delas, são prejudiciais, porque não há como negar que
o consumo de drogas seja prejudicial.
Seis dos entrevistados alegaram ser a favor da legalização, como forma de combate ao
crime, no caso, ao tráfico, por representar uma espécie de controle sobre a sua produção, e até
sobre o consumo. Três fizeram uma ressalva, declarando que são a favor apenas da
legalização da maconha, porque as outras drogas, tais como a cocaína e a heroína são
prejudiciais. João declarou que não tem uma opinião formada sobre o assunto.
4.2.4.2 União Civil entre homossexuais
O comentário geral foi do tipo: por mim tudo bem, cada um faz o que quer. Não
demonstraram serem contra, nem a defenderem, apenas foram indiferentes. Um dos
entrevistados alegou que a defende, porque isto toca tanto na questão da liberdade individual,
quanto na da igualdade, pois os homossexuais devem ter os mesmos direitos salvaguardados
pela lei dos heterossexuais, e o mesmo estatuto de igualdade e de direito. Um alegou que é a
favor do casamento entre homossexuais desde que não adotem filhos. Justificou dizendo que
não seria positivo para uma pessoa em formação crescer com estas referências de
sexualidade. Avança em um aspecto, enquanto retrocede em outro. Outro entrevistado
comentou que é plenamente a favor e eles também devem ter o direito de adotarem filhos.
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4.2.4.3 Aborto
Sete dos entrevistados afirmaram que só aceitam o aborto em caso de estupro ou se a
gravidez oferecer risco de vida à mãe. E a justificativa dada pela maioria era a de que não
deve se plenamente legalizado para não se tornar algo banal. Pedro e João afirmaram que
deve ser legalizado. Em ambos a justificativa foi a de para evitar o nascimento de crianças
indesejadas, principalmente se os pais não estiverem preparados para isto. Pedro ainda alegou
que assim também será evitado o nascimento de muitas crianças que provavelmente
passariam por inúmeras privações. Mas nenhum dos dois comentou algo a respeito da
liberdade da mulher, sobre o poder de decisão sobre seu corpo. Luís foi o único a afirmar que
não aceita o aborto em hipótese nenhuma, é crime, pois condena-se à morte uma criança
inocente, pela irresponsabilidade dos pais. E mesmo no caso de estupro, não se pode
justificar um erro com outro.
4.2.4.4 Relacionamento
A maioria, em número de sete novamente, declarou que sim, acredita na monogamia.
Muitos justificaram pela questão do ciúme, pela dificuldade que se tem ao assumir uma
relação aberta. Portanto ficar com uma só pessoa e confiar nela, é o melhor, evitam-se brigas
e desgastes. Um dos entrevistados comentou ainda que é perfeitamente normal sentir atração
por outras pessoas, mesmo já estando envolvido por outra, mas que isto é controlável. João
não acredita, porque as pessoas passam por diferentes experiências ao longo da vida, e que
há necessidade em dividi-las e também de viver coisas diferentes. Num dado momento, há o
desejo de dividir coisas diferentes com pessoas diferentes. Pedro também afirmou não
acreditar, e que a monogamia pode ser sim, a base de um bom relacionamento, mas não para
ele. Comentou que ainda não teve uma experiência marcante neste sentido. Luís declarou que
a monogamia era uma imposição cultural, que estava ligada a crenças e costumes, mas que
não é algo natural.
Todos, sem nenhuma exceção, responderem que querem casar e ter filhos, quando
estivessem em condições e ao lado de uma pessoa legal. Pedro afirmou que não faz planos em
relação ao casamento, mas que gostaria de ter um filho.
59
4.2.4.5 Futuro profissional
Nenhum deles revelou almejar o estrelato (aparições na televisão, mega concertos,
publicidade, fama, ganhar muito dinheiro, etc.), preferem continuar como estão, mas
expandindo-se: apresentar-se em outras cidades, gravar a um custo baixo, aumentar seu
público. A maioria também demonstrou que deseja continuar com a banda, enquanto for
agradável e divertido. Os membros do Liverpoolgas também comentaram que desejam gravar
coisas próprias, porque o cover limita. Quanto aos planos individuais todos revelaram o
desejo de aprimorarem-se, de aprender a tocar coisas diferentes, outros instrumentos e
também outros estilos.
Este último tópico foi bastante esclarecedor, ao mesmo tempo em que também foi
confuso. Há uma série de contradições nas respostas dos entrevistados: progressistas em
algumas questões, conservadores em outras. O dado interessante é que isto, na maior parte das
vezes, partiu do mesmo entrevistado, como foi o caso de Luís, por exemplo. Mas ele não foi o
único, apenas foi o que mais chamou a atenção. Este fenômeno revela uma incoerência, um
pensamento não-sistematizado, ou seja, ligado ao senso comum17. Defende-se a legalização da
drogas, mas condena-se o aborto, ao mesmo tempo em que houve uma grande adesão pela
monogamia e a manutenção da família. João e Pedro foram as únicas exceções, não se
mostraram tão controversos. Destes dois últimos tópicos (política e comportamento) pôde-se
deduzir que dos elementos da subcultura hippie que foram resgatados pelos pesquisados em
questão, só há destaque para o estilo musical, o vestuário, e o consumo de alucinógenos. Estas
foram as grandes unanimidades encontradas entre eles.
17
É claro que isto não é um caso singular, já que os entrevistados são músicos, e não cientistas. Mas, ao
adotarem um estilo que se afirma alternativo em vista do que a maioria dos jovens da atualidade seguem, nos
leva à dedução de que esta diferenciação possa também estar relacionada a uma visão de mundo distinta a da
“maioria”. Mas comprovou-se que a diferença se dá mais em termos de padrão de consumo.
60
5 CONCLUSÕES
Após terem sido realizadas as pesquisas com as três bandas: Liverpoolgas, RoberSou
the Valsa e Sopa, podemos partir para as conclusões sobre o problema proposto. Tendo sido
feitas as análises sobre a indústria cultural, assim como o impacto da mesma na produção
contracultural, as quais orientaram a pesquisa, já há uma direção para a resolução do trabalho.
Além de ser possível verificar também qual das hipóteses levantadas foi confirmada durante a
realização da pesquisa.
Primeiramente, podemos concluir que nenhuma das bandas se enquadra no padrão da
indústria cultural. Não é possível afirmar que este fenômeno de resgate do rock da década de
1960 no cenário musical curitibano seja uma simples questão de modismo, voltado para o
consumo massivo. As três bandas atuam fora da indústria, têm um público restrito e
costumam a apresentarem-se em casas noturnas pequenas, geralmente bares fechados. As três
já participaram de festivais de música, onde participam também várias outras bandas que
compõe este cenário alternativo. Comprovou-se durante as entrevistas que nenhum de seus
integrantes entrevistados têm pretensões de alçar ao estrelato, tampouco “enriquecer” com sua
música. Não obstante, foi visto que há por parte dos mesmos um estímulo às outras bandas
underground, tanto na participação da organização destes festivais, quanto ao demonstrarem
interesse por elas enquanto ouvintes.
Os elementos classe social, família e grau de escolaridade, demonstraram-se
fundamentais na questão da formação do gosto e do padrão de consumo dos bens culturais.
Seu poder aquisitivo proporcionou a aquisição de determinados bens simbólicos,
possibilitando o contato com um tipo de produção musical que não é tão bem conhecida pelo
grande público brasileiro da mesma faixa-etária dos entrevistados. O acesso à universidade é
um fator importante, já que é um espaço de troca de informações, de aquisição de
conhecimento e de reunião de muitas pessoas com as mesmas afinidades. Alguns deles
afirmaram terem conhecido alguns dos futuros integrantes da banda na universidade,
enquanto colegas de curso. A universidade ainda foi importante na definição do público que
freqüenta os shows destas bandas, pois este é majoritariamente composto por jovens
universitários, que também possuem o estilo hippie – no vestuário e no consumo de algumas
drogas, geralmente a maconha. O que indica a existência de um certo modismo hippie em
alguns círculos acadêmicos.
A família revelou-se importante em termos de influências artísticas, já que muitos
deles começaram a se interessar por música através de parentes, além de obterem a partir
61
destes o primeiro contato com a música da época. Se nos anos 1960 havia o conflito de
gerações, neste caso em especial há um bom relacionamento entre elas, estes jovens não
negam o que é transmitido pelos adultos – pelo contrário – adotam o mesmo gosto musical de
seus parentes mais velhos, assim como recebem suas influências. A junção dos três elementos
– classe, família e instrução – levou à conclusão de que os pesquisados possuem um razoável
capital cultural.
A questão de classe não foi só importante em termos de gosto, mas também permitiu
que estes indivíduos estudassem música e formassem uma banda. Para um jovem proveniente
de uma classe social menos favorecida, não há grandes possibilidades de dedicar-se ao estudo
da música, tampouco de comprar um instrumento musical de qualidade e equipamentos
necessários para poder formar um conjunto. Aliás, o único caso que fugiu a esta regra mostrou
ser o de família menos abastada apenas em comparação a dos outros entrevistados, ou seja,
seu padrão de vida é bastante razoável. A maioria dos entrevistados mora com a família, e é
sustentado pelos pais, o que explica sua falta de preocupações em termos financeiros. A
defesa pela manutenção das bandas no circuito independente torna-se uma posição razoável (e
até fácil) quando não se é necessário viver apenas da remuneração proporcionada pela música.
Sua aversão à massificação, tanto na música quanto em outros ramos da indústria
cultural, indicou que este comportamento valorativo é levado a outros produtos culturais, há
um certo refinamento nos gostos. Preferência por tv a cabo (em lugar da aberta), por filmes de
cineastas de renome, e por obras literárias de autores consagrados, remetem a um padrão de
consumo típico de algumas camadas médias da população. Como foi demonstrado, não foram
citadas muitas obras que fossem de grande impacto em termos de contestação. Assim como
não foi detectado um tipo consumo que remeta a um grau maior de erudição – a baixa
freqüência aos museus foi um exemplo.
Quanto à música da época, essa foi colocada estritamente em termos de estilo. Com
apenas uma exceção, o restante não mostrou se importar com a questão das letras. Nem ao
menos declararam a importância da música naquele contexto específico. Também não há
engajamento político em sua criação artística. As composições das bandas Sopa e RoberSou
the Valsa, não são engajadas, não há críticas sociais e nem a difusão de certos ideais. A
influência que rock dos anos 1960 exerce sobre eles restringe-se às sonoridades, harmonias e
instrumentações, não chegando a os estimularem a comporem determinadas mensagens, ou
seja, utilizarem a música como veículo de contestação de nossa realidade atual. Não há uma
espécie de adaptação do estilo neste sentido, a adoção por este estilo do rock não possui um
fundo ideológico, é a música pela música. Foi possível observar ainda que os entrevistados
62
idealizam a música da época. Além de praticamente ignorarem o que foi produzido nas duas
últimas décadas, nenhum apontou para o fato de esta também ter se tornado comercialmente
viável, envolvida no mesmo processo de produção e consumo quanto qualquer outra música
de sucesso (embora este estilo musical possua um refinamento, se comparado aos sucessos
atuais).
Na questão sobre seu posicionamento político, e suas opiniões sobre determinados
temas atuais que geram certa polêmica, a grande maioria das respostas foram completamente
contraditórias. Primeiramente demonstrou-se certo descaso com a política: revelado tanto na
falta de interesse pela mesma, quanto em seu relativo desconhecimento, assim como também
não acreditam que ela possa ser um importante instrumento de transformação social. Este
dado indica, novamente, a falta de um determinado posicionamento político-ideológico claro.
Quanto aos outros temas, surgiram respostas progressistas em algumas questões e
conservadoras em outras, na maioria dos casos por parte da mesma pessoa entrevistada. Suas
visões de mundo sugerem que estes estão mais próximos do senso comum do que da
contracultura, propriamente. Houve duas exceções, mas elas não se explicam pela questão do
estilo, porque se fosse o caso, os outros entrevistados também se enquadrariam no mesmo tipo
de perfil delas.
Concluindo, a pesquisa demonstrou que o fato destes músicos adotarem o estilo
hippie, e admirarem a produção musical de sua época, não significa necessariamente que eles
levarão todos os elementos que caracterizavam aquela subcultura para outras esferas de suas
vidas. Não há relação entre este estilo com um determinado posicionamento mais contestador,
com ideais libertários. Os elementos desta subcultura que foram resgatados pela maioria dos
entrevistados restringem-se ao consumo de determinadas drogas, ao estilo musical, e ao
vestuário.
63
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor W.O Fetichismo na música e a regressão da audição. In: Adorno. Os
pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. A indústria cultural: o iluminismo como
mistificação de massas. In: A Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
BENJAMIM, Walter. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica,
arte e política. Obras Escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
____ . Gostos de classe e estilos de vida. In: ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu.
Sociologia. São Paulo: Ática, 1994.
CHAPPLE, Steve; GAROFALO, Reebee. Rock e indústria: história e política da indústria
musical. Lisboa: Editorial Caminho, 1989.
COHN, Gabriel. Difícil reconciliação: Adorno e a dialética da cultura. Lua Nova, Revista de
Política e Cultura. São Paulo: CEDEC, maio 1990, nº 20.
DAPIEVE, Arthur. Brock: o rock brasileiro dos anos 80. São Paulo: Editora 34, 2000.
FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll: uma história social. Rio de Janeiro: Record, 2002.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Indústria Cultural: capitalismo e legitimação. In: Dos meios às
mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.
MARX, Karl: O Capital: crítica da economia política. Livro I. vol. 1. São Paulo, Butrand
Brasil, 1989.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2003 vol. 1.
____ . Cultura de massas no século XX: necrose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003
vol. 2.
NAPOLITANO, Marcos. “Seguindo a canção”: engajamento político e indústria cultural na
MPB (1959-1969). São Paulo: Annablume: Fapesp, 2001.
ROSZAK, Theodore. A contracultura. Rio de Janeiro: Vozes, 1972.
WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Editora 34, 2000.
64
ANEXO
Questionário:
Perfil sócio-econômico
1) Nome:
2) Idade:
3) Estado Civil:
4) Filhos:
5) Endereço:
6) Escolaridade:
7) Instituição:
Curso:
8) Atividade Profissional:
9) Mora com quem?
10) Renda média:
•
Escolaridade dos pais
Pai:
Mãe:
Ocupação
•
Pai:
•
Bens de consumo
Mãe:
Quantidade
Televisores
(
)
Rádios
( )
Automóveis
( )
Maq. de lavar roupas
( )
Geladeira
( )
Dvd
( )
Computador
( )
Banheiros
( )
Freezer
(
)
11) Cor:
12) Possui conhecimento da língua inglesa?
Traduz as letras?
65
Música e indústria cultural:
13) Como se deu sua formação artística?
•
Influência da família?
•
------------ de amigos?
•
Outros?
14) Como obteve conhecimento do repertório dos artistas da década de 1960?
15) Por que optou por este estilo musical?
16) Como se deu o processo de formação da banda?
17) Na sua opinião, qual a relevância do estilo musical dos anos 1960/70? Por que retomá-lo?
18) O que você acha que está sendo produzido, de relevante, na indústria musical atual
(bandas, artistas)?
•
Cenário nacional:
•
Cenário internacional:
19) Quais os programas de TV que você assiste?
20) Cinema (citar filmes favoritos):
21) Costuma freqüentar museus e teatros?
22) Tem o hábito de ler? Caso a resposta seja afirmativa, que tipo de leitura?
Política
23) É filiado, ou tem preferência por algum partido político? (Se a resposta for sim) Qual?
24) Opiniões sobre o governo Lula.
25) Pretende votar em qual candidato (a) nas eleições presidenciais deste ano?
26) Acredita que a transformação social pode ocorrer de qual (s) maneira (s)?
a) Pela ação coletiva;
b) Através de cada indivíduo em suas práticas cotidianas;
c) Pela tomada do poder político;
d) Através do Estado, pela via da democracia representativa;
e) Não crê na possibilidade de transformação.
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Comportamento
27) O consumo de alucinógenos é: (pode ter uma ou mais respostas)
a) Prejudicial;
b) Prejudicial dependendo da quantidade e da substância que é consumida;
c) Uma forma de entretenimento;
d) Pode aumentar o potencial criativo.
28) Qual sua opinião acerca da legalização das drogas? É contra ou a favor? Por que?
29) O que acha da união formal entre homossexuais?
30) O aborto:
a) É crime;
b) Só aceita em casos especiais como estupro e se a gravidez oferecer risco de vida à mãe;
c) Deve ser legalizado.
31) Acredita na monogamia como base para um relacionamento estável? Por que?
32) (Caso o entrevistado for solteiro e sem filhos) Pretende formar uma família?
33) Planos futuros para a banda, ou para sua carreira enquanto músico:
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68
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