1 AS TRAGÉDIAS GREGAS E O CONFLITO ENTRE O CRIME E O CRIMINOSO: DESCONSTRUÇÃO DA VISÃO CRIMINOLÓGICA FOCADA NO CRIMINOSO COMO OBJETO DE ESTUDO1 DIOWÂNIA DE JESUS SANTOS FERREIRA RESUMO O presente trabalho objetiva uma abertura científica que permita à criminologia o reconhecimento de variáveis que influenciam na construção dos conceitos de crime e criminoso desviando o foco do estudo criminológico para que este deixe de se preocupar com o sujeito criminoso e passe a considerar apenas o crime como seu objeto. Sendo necessária essa abertura, este artigo propõe que ela ocorra através da quebra do paradigma científico moderno e adoção dos métodos transdisciplinares de estudo, mais especificamente integrando direito e literatura, enquanto dois ramos científicos comprometidos com a compreensão do homem inserido em seu espaço social. Para representar a literatura, as tragédias gregas foram o gênero literário utilizado por trazerem em seu enredo o conflito do homem contra os desígnios que o impulsionam ao cometimento de delitos, e em sua origem a dicotomia entre o verdadeiro e o fantasioso, conceitos representados pelas características atribuídas aos deuses Dionísio e Apolo, respectivamente. Dessa forma, visa-se demonstrar a importância da abertura do estudo do crime a partir de uma abordagem transdisciplinar que torne o direito mais apto a compreender o homem e a sociedade. Palavras-chave: Criminologia. Literatura. Tragédias gregas. Transdisciplinaridade. 1 INTRODUÇÃO A criminologia, em seu início, através da teoria bioantropológica do estudo do crime, focou seu objeto no sujeito autor do ilícito, com a intenção de legitimar o 1 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora da Faculdade de Direito da Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul como exigência parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Integraram a referida banca os professores Clarice Beatriz da Costa Söhngen (orientadora), Fernanda Sporleder de Souza Pozzebon e Flávio Cruz Prates. 2 seu status de ciência natural. No entanto, estudar o crime através do criminoso traz muitas discrepâncias e, uma vez que o crime é um ente jurídico, não natural, não científico e passível da influência de variáveis, essas discrepâncias tornam-se graves e, mais grave ainda é que todo esse estudo reflete-se na maneira de perceber o direito penal. Assumir que o direito – especialmente o penal – não é tão dogmático quanto se pretende fazer parecer e promover a desconstrução desse foco criminológico voltado para a pessoa de criminoso é a proposta deste trabalho. E se propõe a isso através da transdisciplinaridade, que permite ao direito a promoção de trocas com outras disciplinas, buscando nelas formas de estudar diversos elementos importantes para sua auto compreensão. Ser transdisciplinar é transitar pelas demais disciplinas colhendo delas outras visões que podem renovar a forma de estudar um determinado objeto. Neste artigo a transdisciplinaridade do estudo do direito será demonstrada estabelecendo relações com a literatura, pois ambas as disciplina trazem o homem, suas angústias, influências, e conflitos, como foco de seus estudos. A literatura pode ser representada por diversos gêneros literários, em especial as tragédias gregas, que serão o gênero utilizado devido a sua forte dedicação em tentar explicar os conflitos do homem e a origem de muitas dicotomias que colocam os indivíduos em situação de escolha. Contemplar o estudo criminológico através do prisma da transdisciplinaridade é a proposta deste trabalho, tentando utilizar as tragédias gregas para demonstrar a complexidade do homem e a utilidade da literatura para a compreensão do ente delitivo. 2 CRIMINOLOGIA(S) 2.1ESCOLA CLÁSSICA Durante os séculos XVI e XVII, a partir do desenvolvimento da classe burguesa e surgimento de uma nova ética protestante, começaram a surgir os primeiros pensadores humanistas, preocupados em transformar o Direito a fim de adequá-lo aos novos anseios sociais que não mais aceitavam um ordenamento instável e baseado na “vontade de Deus”. 3 Nesse contexto social iluminista, surgiram, como descreve Alessandro Baratta, em seu “Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal”, os primeiros impulsos fundamentais que deram origem ao Direito Penal italiano, consolidando o que foi chamado de Escola Clássica, movimento jusfilosófico que contou com as contribuições de Francesco Carrara, fortemente inspirado nas obras de Filangieri, Romagnosi e principalmente Cesare Beccaria2. Através de seu livro “Dos Delitos e Das Penas”, escrito em 1764, Beccaria iniciou a fase de pensamento filosófico do Direito Penal italiano, que mais tarde daria origem à criminologia enquanto ciência independente do Direito Penal normativo3, abrindo as portas da criminologia clássica e difundindo uma forma de pensar o crime e o Direito Penal sob uma ótica filosófica e utilitarista, ou seja, que buscava a maior felicidade possível para o maior número de pessoas, baseada nas ideias de contrato social de Rousseau e divisão de poderes de Maquiavel 4, e defendia a pena como o mínimo sacrifício necessário da liberdade individual para a proteção do contrato social e manutenção no maior número de pessoas felizes. Na mesma linha também atuou Giandomenico Romagnosi, defendendo, em seus livros “Gênese do Direito Penal” e “Filosofia do Direito” 5, a necessidade de um sistema penal surgido a partir da filosofia do direito Enfim, Francesco Carrara, em 1859, com sua obra “Programa do Curso de Direito Criminal”, sintetizou toda a ideologia penal iluminista, racionalista e jusnaturalista da época, dando origem à moderna ciência do Direito Penal italiano, que veio a influenciar toda a Europa e, mais tarde, boa parte do mundo6. Carrara diferenciou o direito positivo do direito natural, conceituando o direito positivo como a legislação vigente e o direito natural como uma lei absoluta e imutável que defende direitos inerentes a todos os homens independentemente de qualquer variável, e, a partir dessa diferenciação, concluiu que o crime, enquanto violação de um direito natural predeterminado de outrem, é um ente jurídico, e não um ente de fato. Dessa 2 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Editora Freitas Bastos: Instituto Carioca de Criminologia, 1999. Rio de Janeiro. p. 32 3 BECCARIA, Cesar. Dos Delitos e Das Penas. Tradução: Paulo M. Oliveira. Edições de Ouro, Rio de Janeiro. 4 Ibid. p. 33-34 5 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Editora Freitas Bastos: Instituto Carioca de Criminologia, 1999. Rio de Janeiro. p. 34 6 Ibid. p. 36 4 forma, a pena deve funcionar para inibir novas práticas delituosas, não para retribuir ou reeducar o apenado. As ideias que Radzinowicz atribui a Carrara, de que o principal objetivo do direito criminal e da ciência criminal é prevenir os abusos por parte das autoridades, e que o crime não é uma entidade de fato, mas uma entidade de direito, constituíram patrimônio comum aos iluministas, desde os filósofos, até aqueles que se dedicaram diretamente ao problema criminal7. Através desses pensadores, e a fim de desenvolver uma forma pioneira de visualizar o direito penal e a pena, surge a criminologia, através da escola clássica, que trouxe a discussão da utilidade da pena, enquanto forma de proteger violações voluntárias a direitos de indivíduos inseridos em uma sociedade consensual. 2.2 ESCOLA POSITIVA (ANTROPOLÓGICA) Diante da falência do pensamento filosófico proposto pela Escola Clássica, observado através do descrédito dado a suas teorias otimistas iluministas em relação ao delito e à pena, face aos altos índices de reincidência e diversificação dos delitos, era necessária uma mudança de tônica que fosse fundamentada pelo novo pensamento filosófico positivista que surgia na época, fortemente influenciado pelas obras de Charles Darwin e sua teoria do evolucionismo8. Para a Escola Clássica, a expressão do delito ocorria através de uma ação juridicamente qualificada, possuidora de uma estrutura real e um significado jurídico autônomo, que surge de um ato de livre vontade de um sujeito (BARATTA, 1999, 38). Negando essa hipótese objetiva do delito, surgiu a Escola Positiva, diante de uma nova visão criminológica baseada em uma filosofia naturalista. Cesare Lombroso, em seu livro “O Homem Delinquente”9, considerou o crime como um fenômeno natural, sendo possível determiná-lo por causas biológicas que se originariam, sobretudo, de hereditariedade, criando assim sua teoria do atavismo, que significava a herança genética trazida dos antepassados mais remotos e aflorada através da inclinação para a prática delituosa. 7 Ibid. p. 7-8 DIAS, op. cit., p. 11 9 LOMBROSO, Cesar. O Homem Delinquente. Editora Ícone, 2007. São Paulo. 8 5 Rafaelle Garófalo e Enrico Ferri ampliaram as visões antropológicas adotadas por Lombroso, tendo o primeiro acentuado os fatores psicológicos, enquanto o segundo focou nos fatores sociológicos do delito, dispondo-os em três classes: fatores antropológicos, fatores físicos e fatores sociais. O delito foi então reconduzido a uma visão determinista, na qual todo o comportamento do homem é definido pelo seu contexto psicológico. Dessa forma, o sistema penal da escola positivista seria determinado de acordo com a tipologia da personalidade do delinquente10. Ao classificar os criminosos através da visão do delito como quadro sintomático de determinada característica ou anomalia, os positivistas buscavam encontrar não uma pena, mas uma cura para a vontade delitiva, uma vez que uma das principais teses defendidas era de que a pena era absolutamente inútil face ao caráter inevitável do comportamento criminoso hereditário do individuo. A pena, portanto, perde o caráter repressivo adotado pelos criminólogos da escola clássica, assumindo um papel retributivo, segregativo, protegendo a sociedade do criminoso, e uma função reeducadora, baseada na classificação da tipologia de autores proposta por Ferri, ou seja, o criminoso seria separado da sociedade para evitar que causasse mais danos, examinado, diagnosticado conforme as tipologias de autores, tratado, curado e devolvido ao convívio social. Aos criminólogos da escola positiva pode-se atribuir a responsabilidade por tentar dissociar o estudo criminológico do positivismo do Direito Penal. No entanto, essa ruptura, desconsiderou que era exatamente no Direito Penal que, até então, a Criminologia buscava os conceitos que embasavam a realidade que pretendia estudar. A Escola Positivista, a fim de construir suas teorias das causas da criminalidade, buscou seu objeto entre os indivíduos selecionados pelos inúmeros filtros da justiça penal. Ocorre que, desde a criação das normas penais até sua efetiva aplicação, existem diversos mecanismos seletivos, para os quais muito importa a classe social do criminoso11. A fim de ser alçada ao status de ciência natural, a criminologia passou por muitas alterações, onde a principal delas foi a adoção de um objeto de estudo que pudesse ser conceituado, delimitado e examinado empiricamente. Os positivistas 10 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Editora Freitas Bastos: Instituto Carioca de Criminologia, 1999. Rio de Janeiro. p. 39 11 Ibid. p.40 6 tentaram enxergar o crime como fenômeno natural, e realizar seu estudo através do mesmo processo utilizado para as ciências naturais, como observação e pesquisa de fenômenos. No entanto, como os próprios criminólogos da escola clássica já haviam postulado, o crime não se trata de um fenômeno natural, mas sim um ente jurídico que depende, necessariamente, de um direito natural preestabelecido, para ser reconhecido como tal. Dessa forma, logo os positivistas perceberam que, contrariamente ao que intencionavam, o crime não serviria como objeto para a criminologia, pois não é um fenômeno natural, passível de ser enquadrado nos métodos de estudo das ciências naturais, estando firmemente atrelado ao normativismo jurídico, já que impossível estudar o que é e o que não é crime sem uma reflexão sobre o código penal, ou, conforme determinava Carrara, sobre os direitos inerentes aos indivíduos. Dessa forma, sendo impossível aplicar ao crime o método desejado, alteraram o objeto de estudo do crime para o criminoso12. Para estudar o criminoso, os criminólogos se dirigiram especificamente para a camada de pessoas que habitam os presídios, que escapam ao fenômeno denominado por Augusto Thompson como “cifra negra”, que consiste na impunidade da grande maioria dos criminosos, por motivos diversos, como a falta de denúncia, investigação ou processo, ou a simples não localização do suspeito13. Neste ponto, reside o grande conflito criado pelo estudo criminológico positivista, e que traz inconvenientes até hoje encontrados, que muitas vezes impossibilitam uma abordagem mais filosófica e menos determinista do crime e do criminoso. 2.2.1 Teorias Bioantropológicas Entre as teorias que compuseram o estudo etiológico dado às ciências criminológicas, destaca-se a teoria bioantropológica, que mantinha o foco no estudo individual do criminoso, privilegiando as questões de seu âmbito pessoal, em detrimento das questões que permeiam o ambiente em que vive. 12 THOMPSON, Augusto. Quem são os Criminosos? O Crime e o Criminoso: Entes Políticos. Lumen Juris, 1998. Rio de Janeiro. Cap. II. 13 THOMPSON, loc. cit. 7 Essa teoria atribui ao crime fatores que fazem parte da composição orgânica do criminoso, tentando explicar o crime através de uma predeterminação que não vinha delineada pelo meio ao que o criminoso pertence, mas por fatores biológicos que o impedem de tomar decisão contrária ao delito, demonstrando assim o caráter determinista da criminologia bioantropológica14. Para a bioantropologia, o criminoso era um ser diferente e que também seria vitima do crime, uma vez que fugiria ao seu alcance lutar contra sua própria natureza criminosa. Lombroso foi um grande representante dos defensores desta teoria juntamente com outros frenologistas, fisionomistas e alienistas15. A hereditariedade teve papel importante, uma vez que a inferioridade que conduzia o indivíduo ao cometimento de atos delitivos seria um fator geneticamente herdado. Ainda, haveria uma possibilidade de as características que inclinariam o indivíduo ao delito poderiam permanecer latentes e ser despertadas em função do contexto sociológico em que estivesse inserido. A sociedade seria responsável por despertar o mal herdado geneticamente pelo indivíduo inferior. Atualmente, as teorias bioantropológicas servem aos criminologistas positivistas modernos mais como uma variável a ser considerada no estudo do delito e do delinquente do que um fator determinante e irrefutável que por si só justificaria e explicaria toda a prática delitiva. 2.2.2. Teorias Psicodinâmicas Também pertencente à escola etiológica positivista, as teorias psicodinâmicas passaram a atribuir o delito muito mais aos fatores educacionais do indivíduo do que aos fatores genéticos, como fazia a teoria bioantropológica16. O que diferenciaria o criminoso do sujeito normal, não seria mais a árvore genealógica menos ou mais presente nas instituições carcerárias, mas toda a questão psicológica que teria levado esse indivíduo a ser mais ou menos educado para cumprir as normas sociais. 14 DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade criminógena. Editora Coimbra, 1997. Coimbra. p. 169 15 Ibid, p. 171 16 Ibid. p. 178 8 As teorias psicodinâmicas do comportamento defendiam que a personalidade de alguém forma-se a partir dos conflitos psicológicos e a forma como são solucionados, o que geralmente ocorrerá durante a infância. Diversas forças internas vão formar os motivos pelos quais alguém age ou deixa de agir de acordo com as normas sociais. Sigmund Freud contribui fortemente para esta teoria, através de seus estudos sobre a personalidade e observação de pacientes neuróticos. Segundo ele, as pessoas têm uma porção consciente e uma inconsciente em sua mente, e que determinados traumas ou conflitos não resolvidos são armazenados no inconsciente e refletidos nas atitudes dos indivíduos a fim de exteriorizar essas frustrações, no que foi chamado de comportamento anormal17, que pode manifestar-se de diversas formas, inclusive através de práticas criminosas. 2.2.3. Teorias Psicossociológicas Nessa linha teórica, se sobressaíram a interpretação adotada pela “containment theory”, criada por Walter Reckless, e a teoria do vinculo social de Travis Hirschi. Essas teorias levantaram a hipótese na qual o questionamento que deve ser feito diante do problema do delito, é “por que não delinquimos” ao invés de “por que delinquimos?” 18. A inversão trazida pela criminologia com enfoque psicossociológico, se baseia em um retorno aos ensinamentos de Plauto, mais tarde reproduzidos por Hobbes quanto à maldade natural do homem (homo homini lupus). A proposta é compreender o que leva o homem a abandonar sua característica naturalmente delitiva e cumprir as normas sociais. Nessa perspectiva, quem deve ser estudado é o não criminoso, pois ele é o ser que foge a normalidade de sua espécie para se adaptar a uma forma de vida social. Reckeless se propõe a estudar quais os fatores que levariam o individuo a refrear seu instinto delitivo através da containment theory, uma teoria que busca uma explicação alternativa às conclusões etiológicas, através de uma nova 17 DAVIDOFF, Linda L. Introdução à Psicologia. Tradução: Lenke Perez. 3º Edição. Editora Makron Books, 2001. São Paulo. p. 505-510 18 DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade criminógena. Editora Coimbra, 1997. Coimbra. p. 217 9 postura cientifica que vai deixar de lado tanto o estudo da individualidade do criminoso, como a influência dos modos de vida grupais sobre a formação deste. Estes fatores não serão mais encarados como causas do crime, mas como variantes que podem influenciar o individuo a não cometê-lo19. Travis Hirschi em sua obra “Causas da Delinquência” cria o conceito de social bond, ou seja, uma contenção social, que, se rompida, favorece ao indivíduo o cometimento de crimes. Já a teoria do vínculo social criada por Hirschi, trará como forte base o conceito de anomia, anteriormente trazido por Durkheim, defendendo que uma sociedade doente cria indivíduos doentes20. Através dos elementos de apego, empenho, envolvimento e crença. Hirschi explica o papel da anomia na criminalização das classes desfavorecidas. Ainda, o estudo da criminologia com enfoque nas características psicossociológicas do delito trouxe consigo as teorias da frustração-agressão, criado por Freud na qual o crime se apresenta como uma resposta a uma determinada frustração; a teoria do crime por sentimento de injustiça, que traz o crime como uma reação do criminoso a uma situação desfavorável à qual ele responde aplicando o próprio código moral; e as técnicas de neutralização de Skyes e Matza, que explica que o criminoso, compreende e interioriza muito bem as normas às quais descumpre, e só pode fazêlo após um processo de neutralização, conforme explica José de Figueiredo Dias, em seu livro “Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena” 21. 2.3 CRIMINOLOGIA MODERNA (OU ECLÉTICA) Conhecida como Terceira Escola, a Criminologia Moderna trouxe consigo a busca de uma nova forma de perceber o crime, passando a negar o consenso social, conceito fundamentador das teorias criminológicas anteriores. Aqui o foco passa a ser investigar porque determinadas pessoas são apontadas como criminosas. Surgiu como uma manifestação crítica às teorias anteriores que buscavam o problema do crime no criminoso, na sua formação biológica e psicológica, enquanto ignoravam a possibilidade de que o criminoso pudesse, de 19 DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade criminógena. Editora Coimbra, 1997. Coimbra. p. 218-219 20 Ibid. p. 222-223 21 Ibid. p. 224-228 10 alguma forma ser fruto do meio, partindo da premissa de que teria havido inicialmente um contrato social, respeitado por todos, e ao qual o criminoso, por algum motivo particular, não conseguira se adaptar22. Dessa forma, a criminologia moderna voltou-se para os processos de criminalização, através do estudo das relações de desigualdade típicas de uma sociedade baseada em um sistema econômico capitalista, procurando formular, pela primeira vez dentro da criminologia, uma crítica às desigualdades de direito decorrentes das desigualdades sociais. A pluralidade de grupos e subgrupos sociais e a inexistência de acesso de um grupo a outro, gerou uma tendência a uma criação de novos valores, ou seja, a mudança de uma classe social desfavorecida para a classe social dominante tornou-se praticamente impossível, o que fez com que os desfavorecidos deixassem de almejar ascensão social e passassem a criar um código moral novo que desse a sua classe uma forma de identificação. Até mesmo as escolas foram alvo de critica, como iniciadoras do processo de segregação, através do sistema meritocrático, que teria a intenção apenas de manter inferiores aqueles que por possuir dificuldades sociais, apresentasse também dificuldades escolares. Dessa forma, os “bons alunos” são beneficiados e incentivados enquanto os “maus alunos” são mantidos marginalizados, passando a sofrer discriminação pelos próprios colegas, incitados por um sistema educacional exclusivo23. Assim, essa escola passou a definir o crime e o ato delitivo como produto de uma definição dada por uma classe social, questionando a legitimidade que uma legislação parcial teria para reger os atos de indivíduos que não foram considerados no momento da elaboração da lei. Nesse contexto, os juízes seriam os segregadores, pois seriam os responsáveis por determinar que um criminoso o é, e estigmatizá-lo com uma sentença condenatória, o que se efetiva através da incapacidade do magistrado em compreender o universo do criminoso quando esse pertencesse a uma camada social desfavorecida. No entanto, quando o criminoso pertencesse a uma camada privilegiada, o juiz sentiria uma espécie de empatia, tendendo a esperar dele uma maior possibilidade de agir conforme a lei. Alessandro Baratta ensina: 22 23 BARATTA, op. cit., cap. XV BARATTA, op. cit., p. 171-175 11 “A distância linguística que separa julgadores e julgados, a menor possibilidade de desenvolver um papel ativo no processo e de servirse do trabalho de advogados prestigiosos, desfavorece os indivíduos socialmente mais débeis” 24 . Com base em toda essa ideologia, a escola moderna passou a defender uma nova forma de pena, que evitasse a estigmatização do criminoso causada pelo sistema carcerário. O uso de sanções pecuniárias e outras formas de benefícios seriam aplicados como regra e a prisão seria a exceção a ser aplicada a casos gravíssimos. 2.3.1 Escola Sociológica Apesar de terem surgido os primeiros estudos criminológicos com enfoque sociológico ainda durante a predominância da Escola Antropológica de Lombroso, é durante o III Congresso Internacional de Antropologia Criminal, ocorrido em Bruxelas, no ano de 1892, que começam a surgir os primeiros defensores das teorias sociológicas, tendo no século seguinte assumido a maioria entre os novos criminólogos. Durkheim teve importante papel na construção do pensamento sociológico dentro da criminologia devido às suas teorias que se orientavam pela relação contraditória entre o consenso supostamente assumido para a vida em sociedade, e o conflito resultante desta, através do conceito de anomia, que seria a ausência de normas sociais, o que teria uma relação direta com os índices delitivos. Tarde25 foi responsável pelas leis da imitação, segundo as quais, dentro de uma divisão hierárquica, o menor tende a imitar aquele que lhe é imediatamente superior. Ainda, colocou a miséria como fator menos importante para a frequência delitiva do que a discrepância entre os desejos dos indivíduos e os recursos disponíveis na sociedade. 2.3.2 Teorias Ecológicas ou da Desorganização Social O acelerado processo de industrialização das cidades trouxe inúmeros problemas que não tardaram a chamar a atenção dos estudiosos da época. 24 25 BARATTA, op. cit., p. 177 DIAS e ANDRADE, 1997. loc. Cit. 12 Percebeu-se que a enorme diversidade cultural que se aglomerava nos centros urbanos trazia consigo um sem número de códigos de conduta que podiam dar a todas aquelas pessoas opções entre agir dentro da lei, ou transgredí-la das mais diversas maneiras possíveis. Nesse contexto social, Disraeli, celebrizou a máxima: “O cristianismo proclama o mandamento do amor ao próximo; (...) mas na sociedade moderna não existe qualquer próximo”. Fica demonstrada a situação da sociedade urbana da época, onde família, vizinhança, religião e escola haviam perdido suas funções de controle, deixando cada um a mercê de suas próprias escolhas26. Os imigrantes foram os principais objetos de estudo, através da observação de sua adaptação ao novo ambiente, assimilação de condutas criminosas e conflito de culturas com os moradores locais. O conceito de desorganização social, surgido dentro da escola ecológica, foi formulado por William Thomas, e significava a ausência de valores a serem exigidos da sociedade em geral. A sociedade estava tão diversificada que se tornava impossível exigir um modelo de comportamento padrão de indivíduos tão diversos. Haveria, no entanto, uma mudança cíclica que alternaria a situação de desorganização com a de organização social – assim que os indivíduos se integrassem como uma sociedade só – para depois novamente tornar-se desorganizada com a inserção de novos indivíduos alheios àquele ambiente. A desorganização social teria por consequência a ausência de controle sobre a sociedade, que diante da grande diversidade cultural, conhecida como slum, impedia a adoção de códigos morais padronizados e a manutenção da solidariedade entre os indivíduos. A partir dai era muito fácil que os indivíduos, principalmente jovens, buscassem no ato delitivo e na chamada tradição delinquente, a solução para a presente falta de referência social27. Nesse contexto, surgem as gangs: grupos de jovens que buscavam entre si referências delinquentes que pudessem lhes servir de modelo. A mudança do pensamento determinista do foco psicológico para o foco social foi a grande contribuição da escola de Chicago, além da importância, 26 Ibid, p. 269. DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade criminógena. Editora Coimbra, 1997. Coimbra. p. 277. 27 13 antes ignorada, de um modelo de conduta social para a manutenção de uma organização social razoável. 2.3.2 Teorias da Subcultura Delinquente A principal característica desta escola foi a inexistência de uma única teoria norteadora, havendo várias linhas de estudos, que divergem nos mais diversos pontos entre a gênese e as consequências da subcultura delinquente. De forma geral, o conceito de subcultura, conforme Jorge de Figueiredo Dias, demonstra algo como uma cultura dentro da outra, respeitadas as peculiaridades e divergências do conceito de cultura, enquanto modelo de identificação coletiva28. A subcultura delitiva surgiria então a partir do momento em que, ausente os modelos morais na sociedade externa, os indivíduos passassem a realizar uma interiorização com seus iguais onde poderiam acabar por desenvolver um código de conduta onde o crime seria imperativo. O ato delitivo seria, portanto, nesses casos, apenas uma forma de se sentir socialmente incluído em algum grupo social, enquanto o indivíduo tenta corresponder às expectativas do restante do grupo, e obter status e respeito do mesmo. Uma curiosidade percebida pelos estudiosos das teorias das subculturas delinquentes é que a busca de novos valores não é completa, permanecendo entre os marginalizados, alguns valores inerentes às classes médias e dominantes, como por exemplo, a busca por sucesso econômico e reconhecimento social. De alguma forma, os delinquentes mantinham valores em comum com os privilegiados. No entanto, essa integração de valores serviria apenas para intensificar os sentimentos de fracasso social, assim que os desprivilegiados percebessem que não poderiam lutar por sucesso e dinheiro em pé de igualdade com a classe dominante. E era no seu grupo social delinquente que o indivíduo fracassado iria buscar a solução para seu sentimento de frustração. 28 DIAS e ANDRADE, op. cit., 278-279. 14 Assim, os jovens que não conseguem jogar o jogo de poder conforme as regras estabelecidas pelas classes dominantes, buscam outro grupo social que estabeleça regras alcançáveis dentro de suas possibilidades e limitações sociais. Houve ainda a manifestação de uma espécie de grupo delinquente formado por jovens de classe média. Esse grupo veio como forma de escape contra problemas que os jovens começavam a enfrentar devido às mudanças sociais que vinham ocorrendo, que culminavam basicamente na perda da função que os jovens exerciam em sociedade, uma vez que as novas legislações afastavam os jovens do mercado de trabalho, canalizavam-nos para meios urbanos, e instituiam a educação obrigatória. Dessa forma, desorientada, a juventude passa a procurar satisfação em um estilo de vida conhecido como “fun and games”, que caracterizava o descomprometimento desses indivíduos com as questões sociais. A verdadeira crise de identidade enfrentada pelos jovens de classes sociais privilegiadas acabou resultando na mesma busca de auto identidade enfrentada pelos jovens de classes sociais débeis, e é na subcultura que esses indivíduos vão encontrar os valores próprios a defender e as condutas comuns a adotar29. O problema dos jovens delinquentes de classe média, no entanto, não foi recebido com o mesmo repúdio pela sociedade, pois estes contavam com a proteção dos pais e de seus pares sociais, o que impediu que as condutas delitivas adotadas atribuíssem a esses jovens a mesma imagem delinquente experimentada pelos jovens de classe inferior. Eles gozavam de verdadeira imunidade para praticar os crimes que achassem necessários em busca de sua identificação social perdida. 2.3.3 Teorias da Anomia ou da Estrutura da Oportunidade O conceito de anomia, do ponto de vista macrossociológico adotado por esta escola, não representa simplesmente um estado de espírito do indivíduo em crise de identificação com a sociedade em que vive, mas a ruptura dos padrões sociais coercitivos que acaba por acarretar uma ausência de coesão social. Em resumo: todos ficam abandonados à própria sorte e à própria vontade. 29 DIAS e ANDRADE, op. cit., p. 305. 15 As teorias etiológico-explicativas do crime tiveram seu ponto de chegada marcado pela teoria da anomia e sua descoberta das tensões sociais que levavam os indivíduos ao cometimento de delitos, como forma de solução a essas tensões. A principal descoberta se deve à defesa da teoria de que a sociedade cria seus próprios criminosos, e que longe de ser uma aberração social, o crime seria o resultado normal do funcionamento da vida coletiva humana. A exclusão do conceito de anomalia dada ao crime vem pautada pelos valores de ambição implantados nos indivíduos da sociedade. A sociedade influencia seus integrantes a serem ambiciosos e buscarem o máximo possível de bens, e, no entanto, fornece uma quantidade limitadíssima. O grande problema da ambição fomentada no meio social e da ausência de bens suficientes para todos os indivíduos, é que a luta pelos bens e valores é desigual. Indivíduos socialmente inferiores competirão com as classes privilegiadas e já entram na disputa, portanto, fadados à derrota. E quando se fala em bens, não significa apenas bens físicos, mas status, respeito, reconhecimento social, entre outros de grande estima em uma sociedade capitalista. Esse determinismo sociológico que orientou os estudos de Durkheim foi a principal característica da teoria da anomia, que faria com que uma sociedade fosse incapaz de lidar com o conflito de interesses entre os indivíduos, e é isso que tornaria a atividade delitiva uma resposta natural. Ironicamente, o consenso social que, nas outras teorias, seria a unidade ofendida pelo crime, aqui é a unidade causadora do problema delitivo. Dessa forma, ao invés de reeducar o criminoso, a sociedade é quem deve ser reeducada para cessar a produção de criminosos. A sociedade poderia, portanto, pautar-se por dois aspectos estruturais, sendo um cultural, onde cada subsociedade desenvolve seus objetivos e os métodos legítimos de atingi-los; e um social, que conta com um conjunto organizado de normas segundo as quais todos podem competir de maneira igualitária, através dos mesmos modos legítimos, pelos mesmos objetivos. Dois tipos de sociedade podem surgir da relação meios e fins estabelecida: uma sociedade que se preocupe apenas com os fins, negligenciando as normas que definirão os meios de alcançar os objetivos; e uma sociedade que supervaloriza os meios, tornando-os fins em si mesmos. A primeira sociedade sofrerá de uma carência moral grave, enquanto a segunda será retrógrada e, 16 conforme define Jorge Figueiredo Dias, será neofóbica. Uma vez que as normas estejam defasadas e impossibilitem a chegada ao objetivo social, os indivíduos tenderão a romper o código moral, descumprir as normas, em busca de uma via facilitada de corresponder aos resultados que a sociedade espera dele. 2.4 NOVA CRIMINOLOGIA OU CRÍTICA O surgimento de uma visão crítica da criminologia se deve a duas etapas principais, conforme Alessandro Baratta. A primeira delas foi a mudança do enfoque do estudo criminológico que vinha ocorrendo ao longo dos séculos, dando lugar para as condições objetivas, estruturais e funcionais como origem dos comportamentos desviantes30. A outra etapa seria o início do reconhecimento da responsabilidade social sobre os comportamentos criminosos, através de todos os mecanismos que favorecem o processo de criminalização. Houve, portanto, uma mudança do enfoque biopsicológico, para o enfoque macrossociológico. De acordo com a criminologia crítica, a criminalidade não passa de um status atribuído a determinados indivíduos, através da elaboração da lei através de conceitos que tornam criminosas atividades das classes que se deseja segregar, e da escolha, dentre todos os indivíduos da sociedade, daqueles que serão alvo da aplicação dessas normas. Dessa forma, a criminalidade só existe enquanto bem negativo distribuído àqueles que se deseja etiquetar como criminosos31. O direito penal faz uma seleção que direciona os indivíduos das classes subalternas com mais facilidade para a criminalização, condenando facilmente práticas delitivas comuns desses indivíduos, enquanto as atividades delitivas das classes dominantes são privilegiadas. Essa proteção do sistema de classes evidencia-se na gama de bens definidos como muito importantes e que devem ser absolutamente protegidos: serão de maneira geral os bens mais frequentemente atingidos pelas práticas delitivas das camadas sociais inferiores. Além disso, as classes sociais desprivilegiadas ainda convivem com o fato de que realmente estão mais propensas a cometer delitos, face às condições de 30 31 BARATTA, op. cit., p. 160. Ibid., p. 161. 17 subempregos ou subocupações, dessocialização familiar e deficiência escolar a que estão submetidos. As normas penais são seletivas, refletindo a condição desigual da sociedade e, mais que isso, procurando manter essas desigualdades. A permanência do status quo garante a manutenção das classes dominantes no poder e impede a ascensão social das classes inferiores. Como ensina Alessandro Baratta, o direito penal pune as classes inferiores por condutas delitivas típicas de sua posição social e, ao mesmo tempo, garante que, a punição desses atos delitivos sirva para que os demais indivíduos de classes inferiores se sintam desencorajados a desafiar o sistema de normas imposto. O status quo resta, portanto, estrutural e ideologicamente protegido. 2.4.1 Labeling approach A teoria do etiquetamento, ou labeling approach, surgida na década de 60, considera o estudo do sistema penal, como parte fundamental, que servirá de base para o estudo do crime, tendo em vista que o conceito de criminalidade surgirá a partir daquilo que as instâncias oficiais de controle definem como tal32. O crime, não é, para esta teoria, uma qualidade ontológica da ação, mas efeito da atividade estigmatizante dos órgãos de controle social – polícia, juízes – que escolhe dentre os indivíduos de uma sociedade aqueles que devem e aqueles que não devem ser tratados como criminosos pelo restante da sociedade. O crime e o criminoso são aquilo que as classes dominantes dizem que será. De acordo com Lemert – também baseado nos estudos de Becker sobre os viciados em maconha dos Estados Unidos – a punição de um primeiro comportamento desviante (delinquência primária), gera uma rotulação que vai contribuir fortemente para a mudança da identidade social do sujeito, que passa a ser, efetivamente, considerado como criminoso, e a partir daí tenderá a agir de acordo com o novo status social, caracterizando a delinquência secundária, ou seja, a permanência e aceitação da nova condição atribuída pela punição estigmatizante da conduta inicial33. 32 33 DIAS e ANDRADE, op. cit., p. 42-43. BARATTA, op.cit., p. 89-90 18 As pesquisas dos estudiosos do labeling approach demonstram, portanto, que, antes de servir como intervenção reeducativa, a pena detentiva serve como determinante para inserir o indivíduo de vez no contexto e na identidade desviante, iniciando, assim, sua carreira criminosa. O paradigma do controle, que orientou os estudos da teoria do etiquetamento, trouxe a discussão a respeito da legitimidade dos juízos sobre a atividade desviante, que se dividiu em dois aspectos: qual o nível de intersubjetividade presente na determinação do que significa uma atividade delitiva; e por que motivo essas definições são definitivas e inquestionáveis. O labeling approach teve importante papel na defesa do princípio da igualdade, pois criticou o fato de que comportamentos delitivos são observados na maioria dos indivíduos de uma sociedade, mas, muito embora isso ocorra, apenas uma pequena parte deles cai nas garras do sistema penal, ficando o restante oculto pela cifra negra da criminalidade. 2.4.2 Criminologia Radical ou Marxista Durante a década de 70, começou a firmar-se a criminologia radical, representando o sentido interacionista oposto ao dado pela etnometodologia, adotando, fundamentalmente, a ideologia desenvolvida por Karl Marx, motivo pelo qual também ficou conhecida como criminologia marxista. De acordo com a criminologia radical, todas as teorias anteriores tem apenas um intuito: manter o status quo das sociedades baseadas em modelo econômico capitalista. Enquanto a abordagem positivista seria meio de conservação da realidade capitalista por que aceitava o sistema imposto sem formular críticas, a abordagem interacionista e a etnometodologia o seriam por não promover a reflexão teórica sobre essa questão. A criminologia radical procurou evitar o papel de teoria que estuda formas de combater o crime e manter a ordem vigente. Primeiramente porque, deseja justamente, alterar a ordem social por achar que o problema do crime não terá solução enquanto o sistema econômico for o capitalismo. Em segundo lugar, porque pretendia defender o homem contra sociedade capitalista, e não o contrário. 19 A ressocialização do delinquente seria, no mínimo, desnecessária, face ao fato de que é a sociedade que deve ser reformulada, de forma que não haja mais mecanismos exclusivos de controle que definam o que é crime e o que não é, e quem seriam os criminosos. Como forma de viabilizar a reforma social que permitiria a aplicação do sistema marxista em substituição ao sistema capitalista de economia, os criminólogos radicais defendem que a criminalidade das classes subalternas, que se apresenta em manifestações individuais, demonstrando ausência de consciência de classe, deve ser canalizada e atuar como força revolucionária. 2.5 CRIMINOLOGIA: ARTE Como alternativa à apresentação dogmática e formal do direito surgiu uma nova forma de enxergá-lo e percebê-lo de maneira mais aberta através das discussões sobre os limites entre direito e arte. Salo de Carvalho é um dos principais representantes desta nova vertente criminológica que busca conciliar direito e arte através do estudo do crime. Embora Hans Kelsen tenha tentado dar ao direito uma definição mais científica por meio de sua obra “Teoria Pura do Direito”, duas características básicas do direito, conforme Kirchmann, explicitam seu alto grau de instabilidade e sua matriz não-científica, quais sejam: a mutabilidade das leis e a sua eficácia34. A criminologia fará, portanto, parte do que foi chamado de ciências criminais integradas, um conjunto de disciplinas que passam a estudar a criminalidade através de uma perspectiva interdisciplinar, utilizando-se de diversas disciplinas para explicar o fenômeno criminal35. A desconstrução do modelo criminológico vigente que compreende o crime como ente natural fruto da atividade de um individuo criminoso por natureza e que deve ser regenerado através da pena, e a quebra das fronteiras chamadas por Salo de Carvalho de narcísicas que o direito se auto determinou a fim de permanecer dogmático, foram os principais objetivos da integração entre arte e criminologia. 34 CARVALHO, Salo. Antimanual de Criminologia. Lumen Juris, 2ª edição, 2008. Rio de Janeiro. p. 39. 35 CARVALHO, loc. cit. 20 No entanto, a partir da caracterização do direito como técnica, a criminologia foi reduzida ao papel de auxiliar do estudo do direito penal tendo sua atuação restringida à definição do tratamento penal do delinquente, instrumento utilizado pelo direito penal para fundamentar seus discursos. A corrente positiva da criminologia já havia sido superada e seus estudos sobre atavismo legados à medicina e à psiquiatria; a corrente sociológica, uma vez superada, deixou seus estudos ao encargo da sociologia; por fim, a corrente critica transmutou-se em politica criminal alternativa. Dessa forma, era necessária a recuperação do objeto de estudo da criminologia. E a solução pareceu ser integrar todas essas ciências distintas. O objetivo principal dessa visão da criminologia enquanto arte era desvincular a criminologia do seu papel de outrora que consistia em definir o criminoso. Nietzsche abordou em seu ensaio “Sobre a Verdade e a Mentira no Sentido Extra moral” o problema do processo de conceituação: Todo conceito surge da postulação da identidade do nãoidêntico. Assim como é evidente que uma folha não é nunca completamente idêntica à outra, é também bastante evidente que o conceito de folha foi formado a partir do abandono arbitrário destas características particulares e do esquecimento daquilo que diferencia um objeto de outro. O conceito faz nascer a ideia de que haveria na natureza, independentemente das folhas particulares, algo como a “a folha”, algo como uma forma primordial, segundo a qual todas as folhas teriam sido tecidas, desenhadas, cortadas, coloridas, pregueadas, pintadas, mas por mãos tão inábeis que nenhum exemplar teria saído tão adequado ou fiel, de modo a ser uma cópia em 36 conformidade com o original . Portanto, a consideração do todo, em detrimento da visão compartimentada era o primeiro objetivo da nova criminologia, assim como a quebra do vinculo com os conceitos de homem bom e homem delinquente, que serviriam apenas para alimentar a maquina penal e diferenciar os indivíduos a partir de critérios arbitrários. As verdades nunca são eternas37, a cada época a cultura do um determinado grupo de pessoas se reflete sobre os objetos científicos. Dessa forma, 36 NIETZSCHE, Friedrich. Sobre a Verdade e a Mentira no Sentido Extramoral, 1873. PORCHER JR., Roberto. Direito e Transdisciplinaridade. In Encontros Entre Direito e Literatura: Pensar a Arte. SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa e PANDOLFO, Alexandre Costi (org.). EDIPUCRS, 2008. Porto Alegre. p. 137. 37 21 o direito e a arte trazem grandes semelhanças na sua forma de pensamento. Em vários momentos de revolução social tanto a arte quanto o direito manifestavam sua irresignação com o problema a ser combatido. Direito e arte tratam sobre a relação entre dois horizontes: enquanto o direito aborda a relação da lei com o caso concreto, a arte se preocupa com a relação entre a obra e o público. As lacunas do direito, a serem sempre preenchidas pelos métodos hermenêuticos, muito se relacionam com as lacunas artísticas que permitem ao seu publico preenchê-las de acordo com sua interpretação. A crise do conceito de verdade absoluta, através do reconhecimento trágico inaugurado por Nietzsche, abriu as portas para a inserção da arte na criminologia a fim de trazer para as ciências criminais a dicotomia entre o belo e o catastrófico. O caráter dogmático do direito tentava demonstrar uma realidade inexistente, na qual haveria uma serie de conceitos através dos quais os indivíduos deveriam ser segmentados, e a arte incorporou-se à criminologia para dar-lhe um caráter mais próximo da realidade, considerando também o imperfeito. 3 DIREITO E LITERATURA: UMA NOVA REALIDADE 3.1 A CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE A ciência moderna guiou-se predominantemente por um modelo de racionalidade constituído a partir da revolução científica ocorrida no início do século XVI e desenvolvida nos séculos seguintes, tendo sido estendida às então emergentes ciências sociais apenas no século XIX. Essa nova forma de racionalidade científica trouxe para as ciências um hermetismo nunca antes presenciado, afastando drasticamente o estudo chamado científico do senso comum e do estudo não científico, entendido como os estudos humanísticos, dentre os quais se encontram os da área jurídica. O conhecimento é sempre obtido pelo método criado por René Descartes, em “Discurso do Método”, qual seja: compartimentar o objeto complexo de estudo em várias partes mais simples e mais fáceis de estudar, para, depois de entender cada parte, unir novamente o todo, que agora seria completamente conhecido. O objeto de estudo, originalmente seria caótico e incompreensível, sendo necessário 22 transformar as suas condições através das chamadas “leis naturais”, que permitem determiná-lo com rigor38. O conhecimento científico dividiu-se em duas formas de disciplina: as formais, comuns aos estudos da matemática e as empíricas, que representou o espaço dado pela ciência moderna para os estudos sociais. Assim, as ciências sociais seriam uma espécie em separado, que, não podendo participar do rol hermético das ciências propriamente ditas, ocupava seu lugar de estudo empírico. Percebe-se com isso, que o paradigma científico enquadrou em sua fôrma até mesmo os estudos que, a priori, de acordo com seus conceitos, não seriam ciências. Por ser de difícil adaptação aos métodos das ciências naturais, as ciências sociais foram consideradas, como inferiores e atrasadas, devendo ser transformadas de acordo com os moldes das ciências naturais. A partir daí, uma nova vertente científica passou a buscar uma forma de fazer com que a ciência social fosse mais respeitada através da criação e adoção de um método de estudo próprio das ações humanas subjetivas. A ideia era compreender a aceitar que ciências naturais e sociais são diferentes e possuem objetos diversos e, portanto, não faria sentido tentar orientar ambas pelo mesmo método. A busca por uma forma de conhecimento subjetiva, em substituição aos conhecimentos objetivos e herméticos impostos pelo método das ciências naturais deu origem ao que Boaventura de Sousa Santos chamou de crise do paradigma dominante39, como decorrente de condições sociais e teóricas que permitiram perceber a fragilidade do sistema científico naturalista estabelecido. O conhecimento científico foi objeto de uma reflexão protagonizada pelos próprios cientistas, que até então não se interessavam por problematizar a prática científica, e houve uma busca cada vez mais abrangente de conhecimento, conhecendo um objeto e logo após buscando, em outros objetos, uma forma de conhecer melhor ainda o objeto principal, que passou a ter fronteiras cada vez menos nítidas e começaram um processo de entrelaçamento como outras áreas de 38 SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso Sobre as Ciências. 7ª Edição. Editora Cortez, 2010. São Paulo. passim. 39 SANTOS, op. cit., p. 40 23 conhecimento e pesquisa, como definiu Boaventura de Sousa Santos, “(...) os objetos em si são menos reais que as relações entre eles” 40. Nesse novo contexto as ciências aplicadas sofrem uma alteração na forma de pensar e estudar seu objeto, e coube ao direito procurar na filosofia, na sociologia e, mais atualmente, na literatura a abertura científica que lhe faltava e a ampliação dos meios de estudo do objeto jurídico, antes condenado à estrita relação com a dogmática jurídica. Essa interação entre as ciências e pluralidade de métodos de estudo foi definida como transgressão metodológica (SANTOS, 2010, p.78). 3.2 A TRANSDISCIPLINARIDADE NO ESTUDO DO DIREITO Diante das mudanças científicas ocorridas no intuito de buscar conhecimento no todo e na relação entre as partes que formam esse todo, eclodiu o pensamento transdisciplinar, que defendia não apenas a ciência inteira que investigasse seu objeto de maneira completa, mas aquela que possibilitasse uma abertura na busca de influências entre o objeto e outras áreas possíveis de conhecimento. A urgência em adotar nos meios científicos uma “procura verdadeiramente transdisciplinar, (...) dinâmica entre as ciências „exatas‟, as ciências „humanas, a arte e a tradição”, e promover uma “abertura dos saberes” refletiu-se mesmo no direito, ciência reconhecidamente dogmática e, portanto, conservadora 41. No entanto, Salo de Carvalho42, lança o questionamento a respeito da real qualificação do direito enquanto ciência dogmática, pois se por um lado, fundamenta-se em códigos de conduta predeterminados, por outro lado, o direito jamais teve seu objeto de estudo sob controle e dirige seus estudos à prática jurídica, o que lhe daria caráter técnico. Dessa forma, os cientistas jurídicos, dispostos a enriquecer o conhecimento de seu objeto através da interação com outras ciências, buscaram relacionar este objeto com outras ciências compatíveis, como a filosofia, a sociologia e a literatura. O direito, enquanto estudo de fenômenos sociais, poderia encontrar 40 SANTOS, op. cit., p. 56. CARVALHO, Salo. Criminologia e Transdisciplinaridade. Revista Brasileira de Ciências Criminais (56). Revista dos Tribunais, 2005. Gauer, A Interdisciplinaridade e o Mundo da Inovação. São Paulo. p. 312. 42 Ibid., p. 311 41 24 nessas áreas de conhecimento tanto diversidade de material para enriquecimento do seu estudo e entendimento mais amplo do objeto, quanto elementos refletidos pelo direito na estrutura dessas ciências, a partir de uma perspectiva abrangente e social. Sendo assim, a criminologia mostrou-se propícia ao desenvolvimento de uma perspectiva transdisciplinar voltada a combater o método científico cartesiano, reaproximando ciência e arte e dissolvendo as fronteiras rígidas postas entre as ciências durante o desenvolvimento do paradigma científico mecanicista. A partir da adoção de um ponto de vista menos dualístico da criminologia em relação ao direito penal, tornou-se, conforme Salo de Carvalho43, fundamental dissociar a criminologia do rótulo de ciência, tendo em vista que não se propunha a buscar verdades definitivas e absolutas sobre seu objeto de estudo: o crime, mas sim, construir um saber a respeito dos mecanismos de controle social, suas causas e conseqüências. A superação do que Nietzsche chamou de homem socrático 44, pode, de acordo com Salo de Carvalho, ser posta em prática através da forma intrínseca, a partir de uma mudança interna nas ciências através da adoção da transdisciplinaridade; e da forma extrínseca, através da abertura das ciências ao profano. 3.3 DIREITO E LITERATURA Vera Karam de Chueiri define “Direito e Literatura” como um “novo espaço interdisciplinar para refletir acerca de questões não tão novas como o que é o Direito, quem deve obedecê-lo e por que ou, ainda, o que é a justiça...”, responsável por unir ao redor do mesmo movimento, representantes de diversos departamentos acadêmicos45. A partir de então, o direito e a literatura puderam contar um com o outro para a construção de uma visão mais crítica a respeito das fronteiras disciplinares, e para o direito a literatura foi de grande utilidade na aproximação de uma ciência que 43 CARVALHO, 2005, loc. cit. MACHADO, Roberto. Nietzsche e a Polêmica sobre o Nascimento da Tragédia. Editora Jorge Zahar, 2005. Rio de Janeiro. p. 10. 45 CHUEIRI, loc. cit. 44 25 se pretendia técnica e dogmática, das realidades e significados dos elementos da vida social, que, a propósito, é o objeto principal do direito. A visão interpretativa da literatura pode ser comparada à hermenêutica jurídica, e mais que isso, pode ser utilizada nesse processo. Ainda, a literatura é a melhor forma de exercício da linguagem e do questionamento, dois elementos de grande importância no estudo jurídico. Ambas as disciplinas tem em seu espírito a busca pela essência da verdade; não a verdade apolínea descrita por Nietzsche, em o Nascimento da Tragédia46, mas uma verdade que não termina em si mesma, não busca a perfeição e a explicação completa, ao invés disso, propõe uma interpretação como fim em si mesma. O objeto do Direito e Literatura é a interpretação do social, eis que tanto um quanto outro mantém suas origens em suspenso, o que Jacques Derrida chamou de “aporia”47. Alexandre Pandolfo48 defende que a nova forma de enxergar o direito, através da literatura é a maneira de romper com o que Nietzsche nomeou de vontade de verdade, que significa a redução do conhecimento científico a um nível unitário que pretensamente pudesse representar o todo, dispensando assim o estudo completo do objeto. A ideia de integrar direito e literatura tem o condão de implantar uma consciência da heterogeneidade do conhecimento e das possibilidades que se abrem para o exercício da atividade jurídica ao permitir que dela façam parte outras ciências que ajudem a compreender o fenômeno jurídico. Direito e literatura se relacionam um vez que compartilham o mesmo objeto – o homem –, e se distinguem apenas quanto ao fato de que enquanto no texto jurídico há coercitividade, a mesma não será encontrada no texto literário. Mas ambos trazem em si a representação de uma realidade social, existente ou idealizada. O homem jurídico é sempre criado a partir do homem social, que também servirá como inspiração para o homem literário. Ainda, a arte, como se pode observar nas obras de Dosteiévski, tem um caráter antecipatório em relação à 46 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O Nascimento da Tragédia. passim. CHUEIRI, Vera Karam de. Direito e Literatura. In. Barreto, Vicente de Paulo (Org.). Dicionário de Filosofia do Direito. Editora Renovar. Rio de Janeiro. p. 234. 48 PANDOLFO, Alexandre Costi. Encontros entre Direito e Literatura II: ética, estética e política. EDIPUCRS, 2010. Porto Alegre. 47 26 ciência, pois tem à sua disposição ferramentas mais eficientes para alcançar a racionalidade que orienta as condutas humanas, devido a essa característica, as obras literárias trazem em si a discussão do fenômeno social. Jorge Antônio Torres Machado traz em seu “Uma Reflexão sobre Arte e Ciência”49 o conflito humano que originou as primeiras manifestações dogmáticas das ciências. O homem sente-se enfraquecido com o reconhecimento de que não pode isolar as ciências, pois essa impossibilidade afasta o homem do seu ideal de aproximação a Deus, ou seja, o homem quer ser deus: absoluto, determinado, onipotente, mas não vê formas de ser assim se reconhecer que seu conhecimento deve estar sempre em construção, buscando em diversas fontes formas de aprimorar o estudo do objeto. O homem deve reconhecer duplamente sua incompletude: a) enquanto estudioso, que não pode alcançar o conhecimento completo e acabado; b) enquanto objeto, não podendo ser delimitado e definido com precisão. Esse reconhecimento implica em negar toda a proposta do método científico pós revolução, o que acaba criando uma dificuldade na abertura do direito para uma integração com outras áreas do conhecimento. O Direito pode ser facilmente relacionado à arte literária, muito embora por muito tempo os juristas tenham se preocupado tanto em manter seu hermetismo científico, tendo em vista que, assim como a arte, o Direito diversifica – ou pelo menos deveria diversificar – seu ponto de vista levando em conta as transformações sociais. Roberto Porcher Júnior explica: Em cada época histórica pode ser observada uma forte relação entre as ciências e as culturas. Quando uma grande quantidade de pessoas reconhece um novo modo de pensamento, a tendência é que, aos poucos, todos os campos do conhecimento absorvam algumas características homogêneas. As formas de pensar o Direito durante os séculos guardam, sob esse prisma, grande simetria com as formas de análise da Arte. (grifo nosso) 49 50 MACHADO, Jorge Antônio Torres, Uma Reflexão sobra Arte e Ciência. In Encontros entre Direito e Literatura: pensar a arte. SOHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; PANDOLFO, Alexandre Costi (org). EDIPUCRS, 2008. Porto Alegre. p. 61 50 PORCHER JR., Roberto. Direito e Transdisciplinaridade. In Encontros Entre Direito e Literatura: Pensar a Arte. SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa e PANDOLFO, Alexandre Costi (org.). EDIPUCRS, 2008. Porto Alegre. p. 137. 27 Por esse motivo, trazer para dentro da interpretação jurídica, o conhecimento literário provoca uma reflexão sobre as possibilidades de constituição moral do homem e como esses fatores podem influenciar nos comportamentos polidos ou bárbaros, e com essa renovação remover do direito a atitude comodista de tratar a sociedade com o que Nietzsche chamou de moral de escravos, que constitui em criar um conjunto de valores e pretender que toda a sociedade reconheça e se comporte de acordo com ele. 4 AS TRAGÉDIAS GREGAS A tragédia é um gênero literário surgido na Grécia Antiga, e fortalecido, durante os séculos VI e V a.C., pelas festas de adoração ao deus Dionísio (Baco na cultura romana). Os protagonistas são sempre pessoas que diante do conflito entre o moral e o amoral, sofrem uma forte pressão para agir de maneira amoral, o que provoca no leitor um sentimento de piedade, ou seja, por mais que a personagem principal cometa erros, ele é tão impulsionado para aquela atitude, sem chances de escolha, que é visto mais como vítima das circunstâncias do que como mau ou culpado. Desde sua origem, a tragédia sofreu diversas transformações em sua forma de apresentação e foi representada por autores como Ésquilo, Eurípedes e Sófocles. A importância da tragédia está no fato de representar o homem diante dos deuses, demonstrando a pequenez daquele diante das arbitrariedades do destino, representado pela entidade divina. Na tragédia não há o herói perfeito e incorruptível. O protagonista da tragédia comete erros por motivos diversos e está sujeito a sofrer as conseqüências desses erros por mais gravosas que sejam. O conflito da tragédia consiste em uma resistência contra o código de valores apresentado pela personagem principal, ou seja, o protagonista tem uma noção de certo e errado e guia-se pelo certo, mas a noção de certo é relativizada face a diversas formas de oposição da qual não pode se desvencilhar. No entanto, mais que a forma de encenação da tragédia, a proximidade que o homem trágico tem do homem comum foi a principal fonte de identificação do espectador com o drama vivido pelo protagonista. O homem trágico se assemelha a qualquer outro homem, sujeito a erros (hamartia) e acertos, e às conseqüências 28 disso, o que faz com que o homem espectador sinta o terror de pensar que o que está sendo apresentado poderia ter acontecido a ele. Friedrich Nietzsche, em “O Nascimento da Tragédia”51 reconhece que o grego demonstrou grande sensibilidade para com os conflitos humanos ao criar o gênero trágico e apresentá-lo da forma como o fez. No entanto, essa sensibilidade não tem caráter ameno, muito pelo contrário, a crueza da tragédia em demonstrar claramente a impotência do homem diante das circunstâncias é que vai torná-la tão terrivelmente verdadeira. Em contraposição às manifestações dionisíacas, surge o que Nietzsche chamou de apolíneo, que recebeu esse nome em referência a Apolo, deus do Sol, da beleza e da luz. Se pensar na vida como sucessão de desgraças das quais não se tem o menor controle e, mesmo assim, sofre-se as conseqüências seria difícil demais para a natureza humana, aliar essa verdade crua ao fantasioso mundo apolíneo poderia amenizar a existência. Apolo protege o mundo do lado sombrio da vida através de aparências artísticas de perfeição. Essa proteção foi chamada de individuação, que se contrapunha a ideia de reconciliação com a natureza e com a hybris (excesso) representados por Dionísio que vai abolir a subjetividade em prol da adoção do eu cru, entusiasmado pelo feitiço do deus da possessão. A tragédia é, portanto, a comunhão entre o mundo do dionisíaco e o mundo do apolíneo, uma vez que representa essa união entre o artístico e aparente, e a essência e realidade humanas, dando acesso às questões essenciais da existência humana. O herói trágico está preso entre a herança familiar e a vontade dos deuses, o que faz com que deixe de ser um modelo de cidadão e passe a ser ele mesmo o problema da polis. O destino do herói trágico é incerto, pois não temos como saber qual o resultado da batalha interna deste homem. No fim da tragédia, não há a solução do problema, apenas o recaimento da conseqüência sobre o protagonista de acordo com a posição que resolveu adotar em relação ao conflito 51 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O Nascimento da Tragédia. Editora Escala, Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 73, 2007. São Paulo. passim. 29 proposto, afinal o homem trágico é sempre responsável por seus atos, e se orgulha disso, por mais que ele não tenha tido escolha. Os gregos introduziram na tragédia a noção atávica que determinava que uma vez existente uma mácula na moral de uma determinada linhagem, todas as gerações viriam estigmatizadas e fadadas à desventura. O estigma também vem caracterizado através do tratamento dado ao herói trágico, que uma vez tendo cometido o ato, é repelido pela polis, tratado com desprezo, abandonado à própria sorte. As tragédias gregas trazem estreita relação com o direito tendo em vista os enredos de suas histórias e a utilização dos mitos para explicar ou justificar a existência de entes que permanecessem até hoje permeando ordenamentos jurídicos no Brasil e no mundo, como, por exemplo, “Prometeu Acorrentado” e “Orestéia”, ambos de Ésquilo. Em “Prometeu Acorrentado”52, vemos a relativização da obediência às normas divinas, uma vez que o protagonista, Prometeu, rouba o fogo dos deuses e o entrega aos homens, não para cometer o crime de roubar dos deuses, mas para o ato nobre de presentear os homens com algo que lhes será útil, sendo o fogo representação não só da luz no sentido literal, mas da luz significando sabedoria. Prometeu não se sente criminoso, se sente mártir da raça humana, responsável por uma evolução pela qual valeu a pena ter sido castigado. Além disso, a obra de Ésquilo, traz a questão da pena perpétua ligada à perpetuidade dos efeitos do delito, ou seja, o ato de Prometeu não poderá ser desfeito, para sempre os humanos vão contar com a sabedoria proporcionada por esse ato delitivo, e é por isso que Prometeu deve sofrer para sempre. Ao igualar os homens aos deuses, dando-lhes uma forma de buscar conhecimento e discernimento, Prometeu assina sua sentença perpétua. Em “Orestéia” 53 , Orestes, impelido pela irmã Electra, assassina a própria mãe, Clitemnestra, por ter sido esta a responsável pela morte do marido e pai de seus filhos. A obra é dividida em três partes: Agamemnom, que relata a morte do pai 52 ÉSQUILO, Prometeu Acorrentado. Tradução:Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves. Editora Universidade Estadual Paulista, 1977. São Paulo. 53 ÉSQUILO, Oresteia: Agamémnom, Coéforas e Eumênides. Tradução: Manuel de Oliveira Pulquério. Editora Edições 70, 1992. Rio de Janeiro. 30 de Orestes e Electra, Coéforas e Eumênides, onde Orestes é Absolvido do homicídio da mãe e é criado o tribunal do júri. A Orestéia também origina o voto de Minerva, uma vez que ao empatar os votos dos jurados, Atenas (também conhecida como Minerva na mitologia romana) vota por absolver o réu, e aplaca a fúria das acusadoras transformando-as em Eumênides, marcando uma nova forma de punição dos crimes, extinguindo as Erínias que eram responsáveis por perseguir os autores dos crimes de sangue independentemente das circunstâncias do crime, e colocando em seu lugar novas criaturas responsáveis por zelar pela justiça na polis. Através da narrativa do mito, ou seja, conforme Mircea Elíade 54, de histórias que fornecem modelos para a conduta humana, a tragédia ensinou o homem a transpor a barreira de individuação, e a perceber o estudo do direito, principalmente da criminologia, de uma maneira ampla e transdisciplinar, de acordo com uma nova proposta científica. Além das tragédias citadas, outras deixaram lições aproveitáveis para o estudo da ciência jurídica como “Édipo Rei” e “Antígona” de Sófocles, e “Medéia” de Eurípedes. 3.1 “ÉDIPO REI” DE SÓFOCLES Na tragédia de Sófocles, a cidade de Tebas está sofrendo uma peste que está dizimando a população. Nessas circunstâncias um sacerdote recorre a Édipo, o rei, para saber o que pode ser feito para salvar a cidade, tendo em vista que o mesmo, antes de ser o rei de Tebas, já havia salvado a cidade quando decifrou o enigma da esfinge que estava destruindo a cidade. A população supõe que Édipo tem algo de divino, e recorrer a ele pode resolver o problema da polis. Édipo representa o modelo de homem bom, é um ótimo rei, no qual os cidadãos tebanos confiam. Ele determina que Creonte vá até Delfos consultar o oráculo, no templo do deus Apolo para perguntar que providências deveriam ser 54 ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. Perspectiva, 6ª edição, 2006. São Paulo. p. 8 31 tomadas para aplacar a ira divina e salvar a cidade da peste. Desde então, Édipo se compromete em cumprir a recomendação de Apolo trazida por Creonte. Creonte retorna com a orientação de Apolo: há em Tebas, alguém que é responsável pela morte do antigo rei Laio, e ele não pode permanecer na cidade, pois sua permanência está maculando a cidade perante os deuses. O criminoso deve ser afastado das pessoas de bem. A partir de então, Édipo se compromete em encontrar o assassino e convoca toda Tebas a ajudá-lo, mandando buscar Tirésias, o profeta cego, para tentar obter alguma informação que ajude a solucionar o caso o mais rápido possível. Após receber em seu palácio o profeta Tirésias e o servo encarregado de abandonar no campo o filho de Laio e Jocasta, Édipo percebe que o filho de Pólibo e o filho de Laio são a mesma pessoa: ele mesmo, e que ao tentar fugir de seu destino, na verdade correu em direção a ele, pois enquanto fugia de Corinto encontrou em seu caminho a comitiva de Laio e por um desentendimento tolo acabou por matar os viajantes, inclusive o rei, seu pai. O fato de não haver, para Édipo, forma de fugir de seu destino, traz um característica marcante da tragédia: uma espécie de fatalismo que determina um destino do qual o herói trágico não pode escapar. Laio tinha que ser assassinado pelo filho. Jocasta tinha que se relacionar com o próprio filho. E Édipo deveria ser homicida do pai e esposo da mãe. Todos os planos que eles armaram pensando que estavam burlando o oráculo, estava na verdade conduzindo-os diretamente para o destino reservado a eles. Neste cenário visualiza-se uma anomia, pois não há mais aplicador legítimo da lei: Laio, o rei original, está morto; Jocasta, a rainha, está impura, não podendo aplicar a vontade imaculada dos deuses. Resta ao próprio Édipo aplicar a punição sobre si mesmo. Com a mesma legitimidade, Édipo resolve também punir os cidadãos. Jocasta suicida-se e Édipo, impelido pelas mãos vingadoras de Apolo, cega-se. Assim como é importante para Édipo se castigar, afinal prometeu castigo ao assassino de Laio, fosse quem fosse, também é importante punir a cidade que testemunhou a tentativa de homicídio de um bebê e nada fez em prol da segurança da reino e da cidade e mais tarde, ainda se acharam no direito de condenar o rei, 32 criminoso por ignorância. Assim ele faz questão de exibir-se cego para os tebanos, para que estes permaneçam com a culpa por todas as desgraças que se sucederam. O fato de Édipo não se matar, mas apenas cegar-se remete à necessidade já abordada em “Prometeu Acorrentado” de sofrimento eterno. 3.2 “ANTÍGONA” DE SÓFOCLES A tragédia grega “Antígona” de Sófocles, traz em si uma grande discussão em torno do conflito entre a moral interna de um indivíduo e a lei estabelecida pelo ordenamento ao qual esse indivíduo está subordinado. Ainda remete à uma noção diferenciada de justiça e igualdade, onde as personagens não podem ser caracterizadas apenas pela aparência delitiva de seus atos. A lei do rei Creonte é segregadora e diferencia dois irmãos Etéocles e Polinice. à ponto deste receber uma pena depois de morto e aquele ser honrado. Enquanto Etéocles pôde ser enterrado, Polinice deve ser deixado para ser devorado pelas aves, e quem contrariar esta ordem e ousar sepultar Polinice será severamente punido. Antígona resolve orientar-se não pela determinação do rei, mas pela moral divina, e sepulta Polinice. O rei Creonte julga que está sendo justo, pois honra o justo e castiga o injusto. No seu entendimento não estaria certo tratar como iguais o bom e o criminoso. Ele acredita em um sistema meritocrático, no qual o bom merece ter seus direitos reconhecidos e o mau não tem essa prerrogativa. Afinal, se todos foram tratados iguais, quais as vantagens em ser bom? Se Polinice receber as mesmas honras de sepultamento, que benefício Etéocles levou em servir ao seu rei? Antígona, na visão de Creonte deveria agir como os demais e não burlar a lei do rei, e, já que não fez isso, deveria se envergonhar. Aqui é visível a pressão social, onde as pessoas não temem exatamente desagradar o rei, mas temem ficarem sozinhas contra o rei. A desgraça da casa de Creonte provém da casa de Édipo, que, por sua vez, se origina na casa de Laio. Não se pode esperar bons frutos de uma linhagem maculada pela desgraça como é a de Antígona. Édipo, criminoso, concebeu filhos loucos e criminosos. Só a loucura pode levar alguém a acreditar que há alguma vantagem no ilícito, assim como Antígona acredita. 33 Hemom, filho de Creonte e noivo de Antígona tenta tomar partido de sua noiva, tentando salvá-la e ao pai. Os deuses estão com ela e contra isso Hemom sabe que Creonte não deve lutar. Ao assumir o papel de advogado da noiva, Hemom, corrobora a ideia de Antígona de que as pessoas concordam com o sepultamento de Polinice, mas se calam por medo da reação do rei. Creonte fica então mais convicto de que deve punir Antígona, uma vez que o ato dela fez inclusive seu filho se levantar contra sua autoridade. Antígona deve ser sepultada viva, trancada em uma caverna. Ao ser chamada pelo Corifeu de “senhora de tua própria lei” 55 fica evidenciado que Antígona inovou e não contrariou Creonte por vontade de delinquir, mas porque no conflito entre a lei em que acredita e a que Creonte impõe, ela prefere obedecer aos seus princípios. O sentimento de solidão de Antígona é comum aos que são submetidos ao sistema penal, assim como o fato de ela não estar “nem viva, nem morta”56. Antígona está em um limbo social e espiritual, algum lugar entre existir e não existir como qualquer um que sofra a incidência da máquina penal. Tirésias, o vidente, adverte Creonte da má sorte que o aguarda pelo que fez a Polinice e Antígona. Creonte fez Polinice cumprir pena depois de morto e manteve ele preso no mundo dos vivos privando-o do ritual de sepultamento e tudo isso ofendeu gravemente aos deuses, o que se reflete na natureza em volta de Tebas. A partir deste momento de arrependimento, Creonte enterra Polinice, mas ao tentar salvar Antígona chega muito tarde e, na caverna em que ela foi trancada estão ela, enforcada e Hemom chorando sua morte. Com a chegada do pai, Hemom se suicida castigando o pai pelo que fez a Antígona. O dogmatismo de Creonte trouxe a desgraça sobre si. Ele ao ser inflexível acabou sendo injusto e atraiu a ira divina sobre a sua casa. O trecho “mostrou assim que para os homens a falta de conselho é o maior de todos os males” 57 demonstra que o mal de Creonte foi não dar ouvidos ao povo que se identificava com a moral de Antígona, e achar-se tão legislador quanto os deuses. Mais uma vez, a tragédia 55 56 57 SÓFOCLES. Antígona. Tradução: Donald Schüler. Editora L&PM Pocket, 2010. Porto Alegre. p. 63 Ibid., p. 65 SÓFOCLES, Antígona. p. 90 34 não termina em morte com o intuito de torturar a personagem com a pena do sofrimento perpétuo. 3.3 “MEDÉIA” DE EURÍPEDES Medéia era uma mulher que conhecia os segredos das artes mágicas. Ela apaixonou-se por Jasão por intermédio de Hera que queria ajudar Jasão a recuperar o velocino de ouro e reaver o trono usurpado por seu primo Pelias. Hera, simpatizando com Jasão resolve ajudá-lo fazendo com que Medéia descubra os segredos da bruxaria e se apaixone por Jasão, ajudando-o recuperar o velocino de ouro. Para obter a ajuda de Medéia, Jasão jura-lhe amor eterno. A partir de então Medéia começa a cometer crimes em defesa de Jasão. Primeiramente, ela mata Absirdes, o próprio irmão, que os perseguia quando fugiam da Cólquida, esquarteja-o e espalha os pedaços pelo caminha para confundir o pai que vem logo atrás, e depois mata Pelias pra que Jasão assuma o trono, o que acaba não ocorrendo após a descoberta do crime pelos cidadãos de Iolcos. No entanto, Jasão ambiciona um trono para si e seus filhos, e, já que está impossibilitado de assumir o trono de sua cidade natal, começa a cortejar Glauce, filha de Creonte, rei de Corinto. Medéia se vê como uma pobre bárbara, afastada de casa, e abandonada pelo homem que ama e por quem foi capaz de deixar sua terra e sua família e cometer diversos crimes. Sentindo-se anti-social, indesejada como estrangeira na terra de Corinto, prestes a ser expulsa e perder seu referencial familiar, Medéia envia à Glauce um vestido e um diadema envenenados como presentes, matando a princesa e seu pai. Logo após, para concluir o ato de vingança, Medéia apunhala os próprios filhos. O castigo de Medéia acontece, mas ela mesma que se infringiu ao matar os próprios filhos. Ela se preocupa com a reprovação social, mas sabe que esta atitude dos cidadãos de Corinto para com ela não tem origem apenas nos crimes que cometeu, mas no fato de que era uma estrangeira, bruxa, bárbara, que representava óbice à felicidade da princesa. A passagem final da tragédia, em que Medéia foge no carro do sol, não representa exatamente um final feliz, afinal, ela não tem mais ninguém no mundo com quem possa contar. A fuga representa uma redenção, uma libertação dos 35 sentimentos de ódio e vingança. Nesta tragédia Eurípedes insere a mesma característica presente nas demais: a pena perpétua. Nem Medéia, nem Jasão morrem. Eles devem viver para sofrer as culpas por seus crimes. CONCLUSÃO Desconstruir conceitos dogmáticos adotados durante o advento da Revolução Científica faz-se cada vez mais necessário, a fim de que o direito caminhe em direção à justiça. Diante da premente necessidade de uma abordagem transdisciplinar do estudo do crime, há uma gama de disciplinas que podem se relacionar ao direito e não apenas auxiliar como integrar o desenvolvimento desse estudo. De todas essas disciplinas, a literatura, em especial, guarda forte relação com o direito e através dela pode-se conhecer a origem de determinados institutos, como por exemplo o Tribunal do Júri, ou se deparar com conflitos comuns ao homem, como os vastamente abordados pelas tragédias gregas. As tragédias gregas, tendo em sua origem a ânsia do homem de encontrar explicação para os eventos que presenciava a sua volta, são ricas em histórias que tentam fazer com que compreendamos as causas e consequências de determinados acontecimentos. Essa relação de causa e consequência é que interessa fortemente ao direito e vai permitir que fatos que antes eram vistos apenas como um fenômeno jurídico possam ser encarados sob outros pontos de vista, relativizando conceitos tidos anteriormente como herméticos e imutáveis. Mesmo durante o período de força da teoria bioantropológicas do crime, pode-se observar que já era dada uma relevante importância às aberturas do direito para que se relacionasse com outras áreas do conhecimento, como Ferri assume com seu “Os Criminosos no Direito e na Literatura”, e como se observa compulsando os estudos de Garófalo e Lombroso que tentam integrar o direito com medicina e psiquiatria. Vencer as fronteiras do direito em direção a uma desconstrução do estudo do crime focado na pessoa do criminoso é uma forma de tornar o direito mais legítimo diante de todos os indivíduos, pois afastar o direito e trancá-lo em sua pretensão dogmática afasta-o daqueles que estão sujeitos a sofrer suas sanções e que deveriam ser os principais considerados na elaboração das leis penais. 36 Compreender o homem, como no caso deste trabalho, através das tragédias gregas, e visualizar seus conflitos e as variações pessoais e sociais que inclinam o homem ao delito, são a promessa de um direito penal mais eficiente, e de uma criminologia que vença o papel acessório que ainda lhe é atribuído. REFERÊNCIAS ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. Tradução: Sérgio Bath. Martins Fontes, 2008. São Paulo. BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Tradução: Juarez Cirino dos Santos – 2ª edição. Editora Freitas Bastos: Instituto Carioca de Criminologia, 1999. 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