PARACOCCIDIOIDOMICOSE – RELATO DE CASO

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PARACOCCIDIOIDOMICOSE BRASILIENSIS – RELATO DE CASO
ParacoccidiodomIcosis Brasiliensis – a case report
RIBEIRO, T V ; ALVAREZ, D B; IGREJA, F F e RIBEIRO, N R
RESUMO
Os autores relatam um caso da manifestação clínica de uma micose
sistêmica e endêmica mais importante nos países da América Latina, desenvolvida
em um indivíduo do gênero masculino, sexta década de vida, tabagista e etilista, onde
a sua queixa principal era de uma área ulcerada localizada em gengiva inserida entre
os dentes 34 e 35 com mobilidades. Por intermédio dos dados clínicos, exames de
imagem, laboratoriais e a correlação dos aspectos histopatológicos. O diagnóstico
definitivo foi de Paracoccidioidomicose brasiliensis. Desta forma, concluímos á
importância da divulgação desta infecção fúngica, diagnosticada a partir de
manifestações bucais, que deve ser incluída nas hipóteses de lesões ulceradas
crônicas.
DESCRITORES: Paracoccidioidomicose / diagnóstico; Micoses; Lesões bucais.
ABSTRACT
The authors report a case of clinical manifestation of a systemic mycosis endemic
and most important countries of Latin America, developed in an individual male, the sixth
decade of life, smoking and alcohol consumption, where his chief complaint was of an ulcerated
area located in gingiva between teeth 34 and 35 with mobility. Through the clinical data,
imaging,
laboratory
and
histopathological
correlation.
The
final
diagnosis
was
Paracoccidioidomycosis brasiliensis. Thus, we conclude the importance of dissemination of this
fungal infection diagnosed from oral manifestations, which must be included in cases of chronic
ulcerated lesions.
KEYWORDS: Paracoccidioidomycosis / diagnosis; Mycoses; Oral lesions.
INTRODUÇÃO
A Paracoccidioidomicose (PCM) é uma infecção micótica sistêmica endêmica de
grande interesse para os países da América Latina.
Quando não diagnosticada e tratada
oportunamente, pode levar a formas disseminadas graves e letais, com rápido e progressivo
envolvimento dos pulmões, tegumento, gânglios, baço, fígado e órgãos linfóides do tubo
digestivo. Em muitos casos, apresenta sinais e sintomas na cavidade bucal, que levam o
paciente á consultar um cirurgião-dentista. (MALUF MLF, PEREIRA SRC, TAKAHACHI G, et
5
al ,2003).
A infecção é prioritariamente adquirida nas duas primeiras décadas de vida, com um pico
de incidência entre a primeira e a segunda. A apresentação das manifestações clínicas ou a
evolução para a doença é incomum neste grupo, ocorrendo usualmente na fase mais produtiva
da vida, freqüentemente em adultos entre a terceira e quinta décadas de vida, como reativação
de foco endógeno latente. Embora haja grandes variações entre as regiões, na média estimase que cerca de 10% dos casos ocorram até os 20 anos de idade e, os demais em uma idade
mais avançada. A razão do acometimento da PCM em adultos varia entre 10 a 15 homens para
1 mulher, o que não ocorre na infância, onde a infecção e a doença distribuem-se
uniformemente entre ambos os gêneros, com ligeiro predomínio do masculino em adultos
8
jovens. (PONTES FSC, PONTES HAR, MOREIRA CR, et al ,2000).
O agente etiológico é um fungo dimórfico termal denominado
Paracoccidioides brasiliensis que, em sua forma saprófita, vive livre na natureza,
.
provavelmente nas plantas, no solo e na água (BLOTTA MHSL, MAMONI RL, OLIVEIRA SJ,
3
et al ,1999).
O grande fator de risco para aquisição da infecção são as profissões ou atividades
relacionadas ao manejo do solo contaminado com o fungo, como por exemplo, atividades
agrícolas, terraplenagem, preparo de solo, práticas de jardinagens, transporte de produtos
2
vegetais, entre outros. (BICALHO RN, ESPÍRITO SANTO MF, AGUIAR MCF, et al , 2001).
Autores afirmaram, ser a mucosa bucal a localização primária do fungo, mas outros
sustentam a tese de que a localização primária ocorre no pulmão e que a contaminação
ocorreria por inalação. A contaminação por meio de ferimentos cutâneos e, nas mucosas é
4
extremamente rara. (CERRI et al , 1986).
O hábito entre trabalhadores agrícolas e, às vezes, até urbanos de mascarem vegetais e
usar talos e gravetos para “palitar os dentes”, condiciona a inoculação do fungo nos tecidos da
1
cavidade bucal.(ARAÚJO MS, SOUZA SCO ,2002)
A freqüência com que a lesão inicial localiza-se nesta região ocorre pela acentuada
presença de uma precária higiene bucal, gengivite e periodontite, associada aos hábitos
6
regionais destes pacientes. (MARTINEZ R , 2004)
Não há nenhum caso descrito na literatura de transmissão de uma pessoa para outra
.
pessoa e, pela via congênita ainda não foi comprovada (BICALHO RN, ESPÍRITO SANTO MF,
2
AGUIAR MCF, et al , 2001).
O tratamento da Paracoccidioidomicose consiste em duas fases:
ataque e manutenção. O tratamento de ataque corresponde ao controle imediato dos sinais e
sintomas da doença, como também à redução da carga parasitária para a recuperação da
imunidade celular do hospedeiro, passo fundamental para o êxito do tratamento. (NEVILLE et al
7
, 1998).
A terapêutica de manutenção é realizada por tempo prolongado, até
que se obtenham critérios de cura, buscando reduzir o risco de recorrência da doença. A
terapia depende do antifúngico utilizado, do grau de disseminação das lesões e da capacidade
imunológica do paciente. A regressão das alterações clínicas é observada entre um e seis
meses após o início do tratamento. Entretanto, a erradicação do fungo nos tecidos é demorada,
e os doentes devem ser periodicamente examinados por meio de exames clínicos e
complementares, para avaliar se ocorreu ou não a regressão dos sintomas e desaparecimento
3
das lesões ativas. (BLOTTA MHSL, MAMONI RL, OLIVEIRA SJ, et al ,1999)
O objetivo neste relato clínico, é de auxiliar os cirurgiões-dentistas e, de divulgar á
relevância médico-odontológica desta infecção fúngica, á procederem de uma maneira correta
para que o diagnóstico da Paracoccidioidomicodes brasiliensis, seja obtido da forma mais
rápida e precisa, com o encaminhamento para o devido tratamento e acompanhamento
multidisciplinar.
RELATO DE CASO
Indivíduo do gênero masculino, leucoderma, 66 anos, tabagista há 50 anos e etilista, foi
encaminhado pelo seu cirurgião-dentista ao Ambulatório de Cirurgia e Traumatologia
Bucomaxilofaciais do Hospital SEPACO – SP, com relato da presença de uma lesão em
cavidade bucal há cerca de 15 dias e que, não cedia á qualquer forma de tratamento
medicamentoso.
Ao exame físico, observou-se na região entre os dentes 34 e 35, lesão ulcerada,
endofítica, moriforme, bordas elevadas, conteúdo necrótico, dentes com mobilidade, ausência
de aparelhos protéticos e assintomático (Figura 1).
Figura 1- Aspecto intrabucal entre os dentes 34 e 35
No exame imaginológico panorâmico não apresentou alterações
ósseas significativas. Desta forma, realizou-se uma biópsia excisional com margens de
segurança para o esclarecimento do diagnóstico e as exodontias dos dentes 34 e 35. Uma das
hipóteses iniciais foi de carcinoma espinocelular (CEC). O resultado do anátomo-patológico foi
compatível de Paracoccidioidomicose (Figura 2).
Figura 2 – Resultado do anátomo-patológico para o diagnóstico final da lesão.
Após uma semana pós - operatória, a ferida cirúrgica encontrava-se com boa cicatrização
e foram removidas as suturas.
A terapêutica iniciou-se com a solicitação de uma radiografia póstero-anterior da região
torácica (Figura 3), para verificação do comprometimento pulmonar e também, medicação
antifúngica com substância ativa á base de itraconazol oral de 200 mg/dia dose única, por duas
semanas.
Figura 3- Incidência radiográfica póstero-anterior do tórax, onde observa-se o
comprometimento primário pulmonar.
Estando com o acompanhamento multidisciplinar com a equipe de pneumologia e
infectologia, após 15 dias, a dosagem de antifúngico foi alterada para 400 mg/dia durante seis
meses.
No 4º mês pós-operatório apresentou a cicatrização completa da região (Figura 4).
Figura 4 – Pós-operatório de 120 dias da realização do tratamento de
exérese da lesão com margens de segurança e exodontias do 34 e 35
DISCUSSÃO
A infecção pelo Paracoccidioides brasiliensis é adquirida nas duas primeiras décadas de
vida, com o pico de incidência entre 10 e 20 anos de idade. A evolução para doença é
incomum nessas décadas, ocorrendo mais em adultos entre 30 e 50 anos, como reativação de
foco endógeno latente e depende de fatores relacionados tanto ao agente infeccioso quanto ao
hospedeiro. A maioria dos casos de Paracoccidioidomicose ocorre em indivíduos do sexo
masculino, fumantes e etilistas crônicos, cujas condições de higiene, nutricionais e
socioeconômicas são precárias. Esses indivíduos costumam ser trabalhadores rurais que, por
sua atividade, permanecem com mais freqüência diretamente em contato com a terra e
4
8
vegetais. (CERRI et al , 1986;PONTES FSC, PONTES HAR, MOREIRA CR, et al ,2000).
Várias portas de entrada já foram sugeridas para o fungo, incluindo pele e mucosa do
trato gastrointestinal. Acreditava-se, no passado, que a implantação traumática do fungo na
mucosa oral, por meio de fragmentos de vegetais comumente usados para limpeza dentária no
meio rural, fosse a via de entrada desse agente infeccioso em razão de muitos pacientes
apresentarem ulcerações na boca. As lesões em mucosa bucal são geralmente precedidas ou
4
acompanhadas por lesões pulmonares. (CERRI et al , 1986).
A infecção geralmente ocorre na infância ou na adolescência. Após longo período de
latência do fungo em um nódulo fibrótico no pulmão, um desequilíbrio na relação entre
hospedeiro e parasita pode ocorrer, e o paciente, então, evolui para os sinais e sintomas da
doença. Sendo assim, apesar de o contato inicial do homem com o fungo e a infecção
ocorrerem, muitas vezes, na infância, as manifestações clínicas da paracoccidioidomicose, em
6
geral, são vistas em pacientes adultos.(MARTINEZ R , 2004; MALUF MLF, PEREIRA SRC,
5
TAKAHACHI G, et al ,2003).
A doença manifesta-se mais freqüentemente a partir dos 30 anos de idade sob as
formas aguda e crônica unifocal ou multifocal. A forma aguda afeta pacientes jovens de ambos
os sexos, enquanto a crônica é mais prevalente em adultos masculinos, com envolvimento
pulmonar e cutâneo. É mais freqüente em homens expostos ao habitat do fungo pelo trabalho
2
4
agrícola.(BICALHO RN, ESPÍRITO SANTO MF, AGUIAR MCF, et al , 2001; CERRI et al ,
1986).
O paciente com Paracoccidioidomicose pode queixar-se de insônia,
debilidade, inapetência, disfagia, dispnéia, tosse, hemoptise, febre, perda de peso, prurido e
ardor. Ao exame extrabucal, podem-se observar macroqueilia, palidez facial, edema e
linfadenopatia cervical. As lesões bucais são freqüentes, ocorrem simultaneamente em vários
sítios anatômicos e têm o aspecto granular, eritematoso e ulcerada com um fino pontilhado
hemorrágico, geralmente denominadas estomatite moriforme. Os sítios mais acometidos são
lábios, bochechas, soalho de boca, língua e faringe. O periodonto também pode estar
comprometido, o que resulta em mobilidade dentária. As estruturas das cartilagens nasais e
cordas vocais também podem ser afetadas; em geral, os sintomas pulmonares são
inespecíficos, como a tosse e expectoração. A radiografia de tórax mostra imagens de infiltrado
nodular ou intersticial com fibrose dos lobos pulmonares médio e inferior. (BLOTTA MHSL,
3
MAMONI RL, OLIVEIRA SJ, et al ,1999)
Doenças com características clínicas semelhantes devem ser
consideradas no diagnóstico diferencial da Paracoccidioidomicose tais como as manifestações
estomatológicas de Carcinoma Espinocelular, Histoplasmose, Coccidioidomicose, Sífilis,
4
Tuberculose, Granulomatose de Wegener, Leishmaniose e Sarcoidose.(CERRI et al , 1986;
1
ARAÚJO MS, SOUZA SCO ,2002)
O itraconazol, na maioria dos casos relatados na literatura, é
considerado uma excelente opção no tratamento da Paracoccidioidomicose, devido a sua
eficácia e tolerabilidade, demonstradas nos diversos estudos e ensaios clínicos e sua grande
7
atividade antifúngica contra o Paracoccidioides brasiliensis. (NEVILLE et al , 1998).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A PCM brasiliensis é uma doença sistêmica e endêmica cujas
manifestações clínicas incluem lesões orais. Embora constitua uma enfermidade inflamatória
que responde satisfatoriamente à terapêutica antifúngica, pode apresentar seqüelas graves ou
evoluir ao óbito caso o diagnóstico seja retardado ou o tratamento mal conduzido. É importante
que o cirurgião-dentista esteja atento a manifestações bucais crônicas e seja, capaz de
estabelecer o diagnóstico das inúmeras enfermidades.
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