a importância da construção do diálogo numa perspectiva da

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A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO DIÁLOGO
NUMA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO PARA A PAZ
CLARO, Ana Lúcia de Araújo1 - IESM
CITTOLIN, Simone Francescon2 - UTFPR
Grupo de Trabalho : Violência nas Escolas
Agência financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O presente artigo traz uma discussão em torno da questão da construção do diálogo na
perspectiva da educação para a paz, e tem por objetivo analisar dois conceitos inseridos no
tecido das teorizações atuais, enfatizados por Jares (2002) e Freire (1999), Montessori ([s.d.],
p. 48 apud JARES, 2002, p. 34), os quais ressaltam, de forma clara e real, a questão da
educação para a paz no contexto escolar. Inicialmente, aborda o próprio conceito de educação
para a paz em relação ao papel da escola, como espaço de sua implementação. Em seguida,
explora o conceito de diálogo nessa abordagem educativa. Pretende ainda apresentar uma
proposta de intervenção para a construção da educação para a paz. Tais discussões serão
ancoradas nos estudos de Andrade (2005), Alarcão (2005), Arroyo (2009), Freire (2008),
Dewey (1978) e dentre outros, que explicitam maiores informações acerca desses conceitos.
A partir das discussões propostas com base nos autores em estudo, foi possível vislumbrar
que, para efetivar, ou seja, construir esse diálogo numa perspectiva da educação para paz, é
necessário, inicialmente, ver os aspectos conceituais para a compreensão do verdadeiro
significado do tema em discurso, construir uma proposta de diálogo entre a escola e a
comunidade, além de rever a prática pedagógica dos professores. Os estudos nos revelaram
de forma consensual que é preciso que os professores se desprendam de algumas posturas
tradicionais, dando espaço para uma relação mais humana, ética e democrática, tendo em vista
esses serem considerados como agentes de transformação social e têm a responsabilidade de
reescrever, através do diálogo uma nova história na vida dos educandos.
Palavras-chave: Educação. Educação para a Paz. Diálogo. Prática Docente.
1
Graduada em pedagogia pela Universidade Estadual do Piauí-UESPI, especialista em Supervisão/Coordenação
pedagógica pela Pontifícia Universidade Católica de Belo Horizonte – MG - PUC. Mestranda em Educação pela
Universidade Tuiuti do Paraná.
2
Professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Toledo e Aluna do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná
27998
Introdução
As transformações ocorridas na sociedade, nos campos econômico, político, religioso
e cultural, refletem-se dentro da escola, pois esta é um veículo de transmissão de valores, de
conceitos e de crenças, entre outros aspectos, que são produzidos e que se projetam para
dentro das relações intersubjetivas construídas entre os sujeitos que participam do processo
educativo. Assim, o ambiente escolar deve proporcionar a busca por uma educação mais
humana, ética, solidária, que olhe criticamente para o que está ocorrendo no mundo, para os
discursos, as ideologias e as tendências que se apresentam tanto no cenário nacional quanto
internacional, e encontrar uma perspectiva que seja capaz de oferecer direção formativa
sensata e posição crítica. É nesse sentido que, neste trabalho, desejamos explorar a
perspectiva da educação para a paz, como via de diálogo e de formação, capaz de possibilitar
nova leitura de mundo e de promover ações para modificá-lo.
Discutiremos o papel fundamental do diálogo nesse processo educativo, partindo do
princípio de que o diálogo é o elemento essencial para estabelecer uma convivência mais
humana, ética e respeitosa no ambiente escolar. Nesse contexto, faz-se necessário investigar:
quais os entraves existentes para efetivar uma educação para a paz, pautadas no diálogo, no
respeito e na singularidade de cada educando? Tal questionamento conduzirá as nossas
discussões sobre a educação para a paz.
Então, falar de paz, de uma educação para paz, faz-nos refletir sobre o sentido da paz
e o significado que tem essa palavra numa sociedade contemporânea, que embora considerada
como solidária, humana, fraterna, o que vislumbramos, ainda, é uma sociedade excludente,
como diz Barreto (1994, p.54), “excluem da escola os que não sabem ler e escrever; excluem
do mercado de trabalho os que não têm competência técnica para o trabalho”.
E, ao refletirmos sobre esse poema de Barreto, vêm-nos vários questionamentos
como: Que caminhos devemos percorrer na construção da educação para a paz? Que educação
para a paz almejamos para o mundo? Seria uma educação capaz de propiciar um diálogo ético
pautado no respeito, na diversidade cultural e na singularidade de cada ser humano? Como
construir uma educação para a paz pautada na ética, no respeito na tolerância em um mundo
tão competitivo e capitalista? Uma vez que as pessoas são reconhecidas pelo que têm e não
pelo que são, há uma crise de valores ou valores em crise? Para onde foram os valores morais,
éticos que sustentam e dão sentido à existência do ser humano? Diante desses
questionamentos é importante recorrermos aos pensamentos de alguns educadores que dão
27999
sustentação a essa discussão e que contribuem para uma reflexão, emancipadora, crítica na
difusão da Educação para a Paz.
Conceito de educação para a paz
O conceito de educação para a paz assume novos significados. Não se pensa no
conceito de paz apenas na perspectiva de ausência de guerra. Novos olhares surgem sobre a
construção desse conceito entre os povos e para compreender essa evolução se faz necessário
conhecer os processos históricos dessa educação. Pois, segundo Rabbani (2003, p. 63-64),
é preciso saber por onde andar, como ensinar no âmbito do sistema educacional para
construirmos em nossa sociedade uma Cultura de Paz. A paz só pode ser
concretizada a partir de um programa de educação sistemático e universal. E que
permitam às pessoas descobrirem as estruturas violentas e as prepara para ação
transformadora.
O pensamento de Rabbani (2003) vem de encontro ao propósito de Montessori
([s.d.], p. 48 apud JARES, 2002, p. 34) no que se refere à educação como uma via para a
transformação da sociedade, pois, as autoras enfatizam, de forma bem profunda, clara, o
sentido de uma educação sistematizada e universal. Assim, a paz para Montessori, passou a
ser vista numa perspectiva de “reforma social construtiva” (p.35), contrária à guerra. A autora
defendia a educação como arma para a paz e via na educação uma importância ilimitada. E
embora fosse visto como um idealismo ingênuo falar de paz em uma sociedade ameaçada pela
guerra, pelas lutas de poderes entre as nações, acredita “que a preparação da paz por meio da
educação é a obra mais eficazmente construtiva contra a guerra” (MONTESSORI, [s.d.], p. 48
apud JARES, 2002, p. 34). E comungar esse pensamento montessoriano é pensar também
sobre a perspectiva de paz à luz do pensamento de Freire (2006), no qual a autora também faz
referência à importância da educação para a emancipação dos povos, sendo que irá contribuir
para a construção da justiça social. Assim enfatiza Freire (2006, p. 392),
a paz tem sua grande possibilidade de concretização através do diálogo freireano. O
diálogo que busca o saber fazer a Paz na relação entre subjetividade entre si e como
o mundo e a objetividade do mundo, isto é, entre os cidadãos e a possibilidade da
consciência pacífica, é a que autentica este inédito-viável. A educação pelo diálogo
que forma homens e mulheres na e voltada para a cultura da Paz, da solidariedade,
da fraternidade, e da libertação humana.
28000
A paz, para a autora, está a serviço de todos os seres, independente de classe social,
etnia, religião, deve estar a serviço da justiça social. Justiça essa que para Freire (1999) é
sinônimo de generosidade, amorosidade e tolerância.
Na perspectiva de Dewey (1952, p. 30 apud JARES, 2002, p. 44), “a paz está
vinculada ao caminhar cotidiano para uma sociedade democrática avançada”, na qual todos os
indivíduos possam ser livres de uma educação dogmática e assim possam usufruir dos
mesmos direitos sociais.
Já a paz, para Jares (2002), é vista numa perspectiva humana, por ser um processo
que nos afeta a todos em algo tão essencial, imediato e tangível como a vida. Neste contexto
acreditamos que a educação para a paz seja uma alternativa nesta busca de compreensão sobre
os benefícios que cada ser humano terá com a efetivação dessa prática social, dessa
construção pela cultura de paz.
Na concepção de Freire (2006), a paz exige diálogo, transformações das injustiças e
das desigualdades social, econômica e política que afetam as relações internacionais e
nacionais. A escola, nessa proposta, assume como uma via para efetivação da educação para a
paz, uma vez que, para Freire, a Paz:
Se cria, se constrói na e pela superação de realidades sociais perversas. A paz se
cria, se constrói na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em
nenhum esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de desvelar o
mundo das injustiças o torna opaco e tenta miopizar as suas vitimas. (FREIRE,
2006, p. 388).
Construir essa paz, na perspectiva de Freire (2009), implica ter respeito pelas
diferenças étnicas, religiosas, políticas de um povo, de uma nação, significa também cuidar do
outro, se importar com o outro, ouvir, e isso só é possível quando nessa construção estiver
presente uma educação baseada no diálogo, numa relação horizontal, pautada no respeito e na
singularidade dos sujeitos envolvidos nesse processo educativo.
Daí a importância da construção do diálogo, o saber dialogar, de abordar as pessoas
para ouvir e compreender o que se diz. O diálogo não foi feito apenas para transmitir algo a
alguém, mas para fazer com que algumas pessoas consigam entender de fato uma direção, a
qual só é feita se houver a compreensão. É preciso que se entenda o que se ouviu, saber se
direcionar e ainda respeitar a forma com quem está dialogando, desse modo, podemos dizer
que já se inicia daí o primeiro passo para a construção para paz: o saber ouvir e dar atenção
ao que se ouve.
28001
A educação para a paz é vista como necessária. Há um consenso, entre os autores
citados, sobre algo comum e vital que é a vida, e preservá-la, representa consequentemente,
preservar o planeta, ou seja, a mãe-natureza, é pensar no presente que estamos construindo,
sobretudo quando se coloca em foco a questão do diálogo como elemento indispensável para
a efetivação das relações sociais.
O papel da escola na construção do diálogo para a paz
Algumas pesquisas afirmam que a escola tem um papel importantíssimo: o de saber
ensinar e educar. Considera-se, então, um desafio, sobre o qual a escola vem, ao logo de sua
trajetória, realizando, o que não se torna tarefa tão fácil quanto se pensa. A maior dificuldade
de executar essas ações de ensinar e de educar é saber dialogar, fazer alguém entender que a
discussão entre duas pessoas ou a troca de impressões com vistas a chegar a um
entendimento, requer certo preparo, saber conduzir o processo, preparar, nesse caso, no que
diz respeito ao tema sobre a questão da construção para a paz, abordar a conversa de forma a
fazer com que a pessoa que vai ouvir tenha interesse no que vai ser dito. Uma ação que requer
dinamismo e habilidade.
A escola, como instituição social que influencia e sofre influência da sociedade, é um
espaço oportuno para a construção da educação para a paz e embora haja críticas que ela não
consegue desempenhar sua função precípua de alfabetizar os alunos, desenvolverem neles a
leitura e a escrita, para ler e compreender o mundo à sua volta, e apropriar-se dos
conhecimentos e utilizar na prática social. Por outro lado, há quem acredite que a escola
pública, apesar de todas as mazelas que vem enfrentando, é ainda um espaço democrático que
se articula com a sociedade, assumindo diversos papéis na transmissão dos conhecimentos e
dos valores históricos, sociais e culturais.
Nesse contexto, a escola é compreendida, também por Andrade (2005, p. 5), como
sendo “esse espaço em que se pode tomar consciência dos próprios valores, em que valores
universais podem ser ensinados; em que os próprios métodos de ensino podem servir de meio
para a aprendizagem de valores específicos, se forem dialogais e participativos”. Andrade
reforça a idéia que essa construção para educação para a paz se faz na mediação do diálogo e
da participação.
Para Dewey (1930b, apud, JARES, 2002, p.45) o papel da escola não se restringe “a
ensinar os horrores da guerra e evitar tudo o que estimula a desconfiança e inimizade
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internacional. A ênfase deve ser colocada em tudo o que une as pessoas, em empreendimentos
e resultados cooperativos”. Ainda segundo o autor, a escola deve ser um local de
confraternização entre os grupos sociais.
Assim, a escola assume essa responsabilidade de difundir a educação para a paz,
realizando um diálogo coeso e que não fuja da realidade e nem tampouco da linguagem de
quem vai ouvir. Não adianta conversa sem compreensão, é preciso entender o que está sendo
dito, principalmente entre pais, alunos, professores, gestores, enfim entre toda a comunidade
escolar. Contudo, a escola precisa de um forte aliado nessa construção da educação para a
paz, que é o professor, aquele que fará essa mediação, através de uma educação dialógica.
Porém, o professor irá encontrar muitos desafios. Segundo Alarcão (2005, p. 32),
é que nesta relação de diálogo é preciso ajudar desenvolver nos alunos, futuros
cidadãos, a capacidade de trabalho autônomo e colaborativo, mas também o espírito
crítico que não se desenvolve através de monólogos expositivos. O desenvolvimento
do espírito crítico faz-se no diálogo, no confronto de idéias e da prática, na
capacidade de se ouvir o outro, mas também de ouvir a si próprio e de autocriticar. E
tudo isto só é possível num ambiente humano de compreensiva aceitação. O que não
equivale, não pode equivaler, a permissiva perda de autoridade do professor e da
escola.
E desenvolver nos alunos esse diálogo, torna-se um desafio, porque nós, como
professores, fomos educados de forma monológica, absorvemos uma educação rígida que
impedia o exercício do diálogo. Nesse sentido, precisamos reaprender a dialogar e essa
aprendizagem não é tão fácil, pois demanda disposição para romper como a postura que
desenvolvemos durante o processo educativo como os nossos educandos, pois estar aberto ao
diálogo não implica, necessariamente, perder a autoridade. Assim, a escola precisaria,
segundo Garcia (2006), instaurar outro diálogo, ou reinventar o que entende por diálogo.
Nesse contexto, a escola precisa levar em conta como as relações intersubjetivas
estão sendo constituídas no ambiente escolar. Pois, de acordo com nossas observações,
percebemos que algumas relações acontecem de forma rígida, distante e autoritária. E a escola
ao assumir tal postura, estará dificultando todo o processo de desenvolvimento dos alunos,
tendo em vista que eles não serão ouvidos e nem vistos como sujeitos dessa construção.
Ao enfatizar sobre o papel social da escola, Arroyo (2009) diz que ela precisa levar
em conta como as relações sociais são construídas no ambiente escolar. Na visão do autor,
essa relação se constitui de forma fria, distante, burocratizada, dificultando, assim, o
desenvolvimento dos educandos. E ainda reforça que embora aprendam “nossas matérias”,
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existe uma considerada por eles como vital, que a escola não tem conseguido ensinar, que é
“aprender a se tornarem humanos” (p. 64). E aprender a se tornarem humanos implica serem
partícipes desse processo de transformação social.
Todavia, é necessário compreender a escola como um espaço social que sofre
influências antagônicas e por isso necessita tornar-se um espaço de congraçamento, pois,
segundo Dewey (1978), a escola deveria ser esse espaço onde pudesse ocorrer essa
confraternização de etnias, de religiões, evitando, assim, o isolamento entre os grupos, que em
vez de dividir, pudesse unir os membros da família social. Então, é importante destacar que a
escola, nessa perspectiva idealizada por Dewey (1978), só será possível num ambiente em que
ocorra o diálogo, a escuta dos educandos e respeito pela diversidade cultural.
Importância do diálogo para a construção da educação para a paz
O diálogo, para Freire (1999), é uma relação horizontal, em que os sujeitos aprendem
juntos, pois nenhum tem poder maior sobre o outro, esse sujeitos se ligam através da escuta,
da esperança, da fé, do amor, fazem-se críticos na procura de algo e se reproduzem numa
relação de empatia.
Já para Andrade (2005, p. 9-14), “o diálogo é o sinal, o distintivo que deve marcar a
produção do conhecimento na escola. Sendo que o exercício do diálogo transformador
começa pela habilidade de escutar o educando”. E, nesse exercício democrático, da escuta do
educando, o professor, segundo Andrade (2005, p. 14), deve assumir “o diálogo como
princípio orientador de sua prática” no qual o mesmo contribuirá para uma relação dialógica.
Assim, construir uma educação pautada no diálogo, no respeito e na aceitação do
outro é um dos primeiros passos para a construção e a efetivação da cultura de paz. E isso
implica que o professor deve desprender da arrogância, da prepotência e deixar de trabalhar
uma educação monológica, que segundo Rabbani (2003, p. 80),
é um pacote de informação que pretende “preencher” um desigual com elementos
necessários para ser reconhecido no futuro como um ser humano de valor. A
educação monológica forma indivíduos que atuarão na sociedade de acordo com os
mandatos da cada comunidade de conhecimento. Essa pessoa se adapta facilmente a
uma sociedade violenta e opressora.
Que seja trabalhada e construída uma educação dialógica como autorrealização
coletiva, capaz, segundo Freire (2009, p. 64), de “compreender os educandos e respeitar sua
dignidade, sua autonomia e sua identidade em processo levando em considerações as
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condições em que eles vêm existindo [...]”. Para isso, é necessário que haja um diálogo
horizontal entre educando e educador, numa perspectiva da pedagogia de comunicação que
segundo Freire (1999) “deve vencer o desamor acrítico do antidiálogo”, pois é:
No diálogo que nos opomos ao antidiálogo [...]. O antidiálogo que implica uma
relação de A sobre B, é o oposto a tudo isso. E desamoroso. Não é humilde. Não é
esperançoso, arrogante, auto-suficiente. Quebra-se aquela relação de empatia entre
os pólos, que caracteriza o diálogo. A educação é um ato de amor por isso, um ato
de coragem. Como aprender a discutir e a debater como uma educação que se
impõe? Ditamos idéias. Não trocamos idéias. Discursamos aulas. Não debatemos ou
discutimos. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhos com ele. (FREIRE, 2001,
p. 69).
De acordo com Freire (2001), quebramos a relação de diálogo quando negamos a
escuta dos nossos educandos, quando ignoramos a sua essencialidade, desprezando sua
história de vida e, em meio a tantas contradições, ainda desejamos que eles se tornem pessoas
críticas, participativas, autônomos. Mas, como idealizar tudo isso diante de uma relação
autoritária, fria, que se desenvolve através de um monólogo?
Acreditamos que uma das saídas seria rever a prática pedagógica que Freire (2009)
anuncia: que o educador precisa se dispor a aprender, pois no processo educativo há sujeitos
e não objetos. Segundo Veiga (2009), o professor precisa ter ética na relação pedagógica,
comprometer-se de forma política. E ter esse comprometimento ético implica zelar pela
aprendizagem dos educandos, respeitando as diferenças sociais, seu jeito de ser, de se situar
no mundo, de compreender o que está à sua volta, e posicionar-se de forma crítica.
Proposta de como construir, na escola, uma forma de diálogo.
Acreditamos que existem vários caminhos para a efetivação desse diálogo. Um deles
seria uma reflexão em conjunto sobre a prática desenvolvida no ambiente escolar, que deve
ser construída em conhecimentos sólidos, críticos, humanos, éticos, sobre um olhar, como diz
Freire (2008, p. 31), “de observação, reflexão, crítica e intervenção”. Baseando nessa visão
sobre a prática docente, é importante ressaltar que os saberes da docência devem ser
construídos nesse espaço coletivo de discussão, de debate e de reflexão.
Sendo assim, refletir sobre nossa prática docente pode ser um caminho que requer
pensar sobre os ensinamentos que Freire (2009) enfatiza tão bem em sua obra Pedagogia da
Autonomia: saberes necessários à prática educativa. E, então, surge uma pergunta
28005
desafiadora: talvez não seja isso que esteja necessitando fazermos, efetivarmos os saberes na
nossa ação docente na prática em sala de aula?
Então, em torno desse questionamento, poderíamos pensar no título do 1º capítulo do
livro de Freire (2009, p.23), que diz: Não há docência sem discência, no qual defende que
“[...] as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam não se reduzem
à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender”.Freire ainda diz que “ensinar exige pesquisa, criticidade, respeito aos saberes do
educando”.E ter esse respeito pelos saberes dos educandos implica ter humildade em acolher
esses saberes.
Para Freire (2009), o professor não é o único sujeito desse processo educativo, o
aluno é também sujeito, pois ato de ensinar e de aprender se dá nessa relação de busca, de
inquietação, de construção e de reconstrução do conhecimento.
No segundo capítulo, Freire (2009, p. 47) afirma que ensinar não é transferir
conhecimento, “mas criar as possibilidades para sua construção”. E criar essa possibilidades
requer que o professor dê condições para que o educando possa desenvolver sua autonomia
que só será possível acontecer quando nessa construção, existir humildade para ensinar e para
aprender e respeito à autonomia do ser do educando.
No terceiro capítulo, Freire (2009, p. 92) diz que ensinar é uma especificidade
humana, fala-nos que ensinar exige segurança, competência profissional, generosidade,
comprometimento, saber escutar, disponibilidade para o diálogo e querer bem aos seus
educandos. Quando Freire nos diz que ensinar é uma especificidade humana, que dizer que
somente o ser humano é capaz de sentir, de expressar, de raciocinar, de intervir no mundo.
Contudo, precisa desempenhar seu papel na sociedade de forma competente tanto no âmbito
pessoal, profissional e, sobretudo, humano comprometendo-se com o bem-estar dos
educandos.
Refletindo em torno desses saberes, poderíamos, a partir deles, refletirmos com
Freire (2008, p. 31), “que propõe os elementos metodológicos que alicercem esse processo de
apropriação e autoria”. Sendo a observação o primeiro elemento sugerido pela a autora. A
pergunta é: como vemos nossos alunos em sala de aula? Para a autora, observar significa
olhar o outro, acompanhar o ritmo buscando a sintonia do desejo de aprender. E talvez seja
esse sentido do ensinar, que é desafiador porque requer despertar no educando o desejo de
28006
aprender e que esse desejo também se articula no desejo de ensinar, que deve ser traduzido
nessa relação de diálogo.
Nesse sentido o professor deve se comprometer nessa mediação na condução do
diálogo, pois a forma como ele estabelece, ou seja, constrói as relações pedagógicas podem
contribuir para despertar no aluno esse desejo em aprender, por isso o professor deve ser essa
referencia para aluno onde a mesma se traduzirá em suas ações didáticas pelo compromisso
ético e o cuidado pela aprendizagem dos seus alunos.
Outro elemento proposto é a reflexão, que nos leva a mais um questionamento: na
sala de aula tenho proporcionado momentos de busca, de indagações de curiosidade em torno
do desconhecido? Refletir sobre o que se faz é imprescindível para o educador, porque
possibilita que ele faça uma análise do que foi construído hoje.
Outro ponto que merece destaque são as ações em sala de aula: como é minha
postura diante dessa busca, dessa curiosidade, tenho escutado meus alunos? Respeito os
saberes dos meus educandos? E o último elemento é a intervenção, saber que a educação é
uma forma de intervenção no mundo, e se dá através do diálogo. Segundo a autora, as
intervenções do perguntar, do questionar, do confronto com as ideais levarão o aluno à
aprendizagem significativa.
Nessa proposta educativa, existe outro elemento importante para a construção do
diálogo, que é o clima desenvolvido no ambiente escolar. A escola deve estar comprometida
em proporcionar um clima humano, ético, solidário, que irá contribuir para a efetivação de
uma relação mais harmoniosa e respeitosa, pois os alunos devem se sentir acolhidos,
sentirem-se membros da comunidade escolar.
Outro ponto a ser observado, é que se fizesse presente a participação dos alunos na
implementação de uma proposta de intervenção para efetivação desse diálogo em sala de aula,
em que os alunos pudessem sugerir fazer parte desse processo de forma democrática, sentir-se
responsáveis, ou seja, delegar responsabilidades perante as atividades pedagógicas,e que
fossem dialogadas as normas, as regras, não de forma fria, mas dando sentido para elas,
enfatizando que se fazem necessárias e presentes em qualquer relação social. A questão é
como conduzi-la de forma ética e humana.
Outro aspecto importante é o envolvimento da gestão escolar com a aprendizagem
dos alunos, que deve estar comprometida com a promoção humana do aluno. Para isso,
precisa criar, estimular um clima de respeito e de interesse pelo trabalho do professor, pois
28007
como sujeito desse processo, necessita ser ouvido, ser reconhecido nesse espaço de
construção do conhecimento. É importante ressaltar que o gestor precisa também expressar
interesse pela vida dos alunos, ou seja, deve dialogar sobre suas vidas, sonhos, aspirações.
Tais atitudes irão estreitar as relações e demonstrarão respeito e afeto pelo educando.
Considerações finais
Através desse estudo, foi possível perceber que a construção da educação para a paz
se faz necessária, sobretudo no ambiente escolar, por ser uma instituição social que agrega
valores, sonhos, desafios, vidas que se entrecruzam nessas relações intersubjetivas, e que o
diálogo não poderá deixar de ser exercido em hipótese alguma. Ele torna-se a essência de
saber conduzir todo o processo socioeducativo, o qual direciona uma ação que se espera
significativa, nesse caso, a construção da educação para a paz.
Nessa perspectiva, a busca por uma educação para a paz pautada no diálogo passa
por mudança de mentalidade; de um olhar crítico sobre o que está acontecendo no mundo,
sobre os discursos, as ideologias construídas no ambiente escolar, sobretudo no cotidiano da
sala de aula. Assim, a escola, considerada como espaço de implementação para a construção
do diálogo deve possibilitar mecanismos que favoreçam essa integração entre a comunidade,
os professores e os alunos e deve se constituir como um espaço democrático, favorecendo ao
acolhimento, à escuta, à aceitação das diversidades culturais.
Nesse sentido, é importante ressaltar que o compromisso dessa construção do diálogo
não deve ser responsabilidade exclusiva do professor, é papel também do gestor se envolver
nesse projeto, dando importância para o clima estabelecido no ambiente escolar. Uma vez que
o clima pode ser visto como termômetro para analisar como se encontra a escola tanto no
aspecto administrativo como no pedagógico.
Finalizando nossas discussões, outro ponto a ser destacado é a importância da
construção do diálogo como elemento indispensável no processo educativo, uma vez que,
para ser vivenciado pelos seus pares, necessita de que o professor se desprenda dos “ranços
autoritários” absolvidos durante a sua educação. Porém, tais ranços podem ser desconstruídos,
desde que os professores revejam sua prática pedagógica desenvolvida no ambiente escolar,
pois os nossos discursos precisam estar ancorados em nossa prática e isso é um grande desafio
a ser perseguido por cada um dos educadores que idealiza uma educação mais ética e
solidária, menos excludente e que seja capaz de tornar as pessoas melhores e mais humanas.
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