EIXO TEMÁTICO: (8) RELAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE RELAÇÕES DE PODER: POLÍTICA PÚBLICA EM DIREITOS HUMANOS POLÍTICA PÚBLICA EM GÊNERO NA EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DOS DIREITOS HUMANOS Walfrido Nunes de Menezes1 Fátima Santos (Orientadora) Pensar sobre a mulher, em relação à educação, à cidadania no contexto de gênero, no Brasil, é pertinente, tendo em vista a discrepância entre o que dizem as leis e teorias e a prática de vida do conjunto das mulheres brasileiras. Elas são mães, donas-de-casa, trabalhadoras e dinâmicas, mas pouco visíveis na sociedade da qual fazem parte, ainda em sua maioria excluídas da plena vivência como cidadãs participantes, atuantes e presentes no encaminhamento de suas ações no e para o mundo. O conceito de papéis de gênero refere-se ao conjunto de expectativas sociais sobre os comportamentos ‘adequados’ e ‘claramente’ distintos que a pessoa deverá manifestar, conforme o sexo a que pertence. Os gêneros ao longo da história da humanidade, sempre foram pautados por relações que implicam uma constante desigualdade e segmentação entre o feminino e o masculino. Embora essas relações tenham passado por mudanças significativas a partir da segunda metade do século XX, com o avanço dos movimentos feministas, estas ainda não contemplam a totalidade do universo feminino. Balizado pelo patriarcado, fortalecido pela religião e pelo Estado, o processo androcêntrico e capitalista perpetuou e continua perpetuando atitudes e posturas sexistas, que restringem tanto as mulheres como os homens. Assim, as meninas e os meninos, desde a mais tenra idade, vão incorporando os procedimentos e realizando as interpretações dos papéis sociais de gênero que cada um deve desempenhar em seu meio – já pré-estabelecidos nos seus contextos de vida e apreendidos e internalizados na educação familiar, bem como ampliados e reforçados no processo de socialização e de educação escolar. Para uma melhor caracterização das políticas públicas educacionais no Brasil torna-se importante contextualizar o processo socioeconômico, político e ideológico em que o país se inscreve, já que a educação faz parte das políticas sociais. Assim, é necessário assinalar que a nação, mais efetivamente a partir da década de 1990, encontra-se inserida no neoliberalismo. Portanto, as ações da sociedade e do Estado voltadas para as políticas 1 Professor/Psicólogo – Doutor e mestre em Serviço Social -UFPE, Gerência de Políticas Educacionais em Direitos Humanos, Diversidade e Cidadania da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco – SEE/PE. [email protected] públicas educacionais de gênero não alcançam a profundidade que deveriam ter, para garantir a integração e participação social das mulheres. Como apontou Freire (2005, p.76) “a educação como prática de dominação [...] mantendo a iniquidade dos educandos, o que pretende no marco ideológico é doutrinalos no sentido de sua acomodação ao mundo da dominação”. Para a realização deste estudo – um recorte de uma Tese de Doutorado -, buscamos a perspectiva sócio histórica, que permeou todo o trabalho, tendo em vista a perspectiva dialética assumida. O processo dialético “considera que o fenômeno ou processo social tem que ser entendido nas suas determinações e transformações dadas pelos sujeitos. Compreende uma relação intrínseca de oposição e complementariedade entre o mundo natural e social, entre o pensamento e a base material.” (MINAYO, 1998, p. 25). Assim, com base nesta visão de se trabalhar a partir da própria realidade em transformação e da interpretação dos contrários, procuramos resgatar, através da pesquisa – com a entrevista –, a tentativa de aproximação da realidade em que se organizam as mulheres em relação à questão da discriminação de gênero no campo educacional, no sentido de viabilizar o processo de cidadania e autonomia, por meio do estudo das representações sociais. Para tanto, o trabalho foi desenvolvido em seis escolas públicas estaduais de Caruaru (2007), sorteadas dentre as 14 existentes, por intermédio dos seguintes instrumentos de pesquisa: um questionário e a associação livre com 114 mulheres; e uma entrevista - a parte do recorte realizado, para o estudo aqui apontado - com 12 mulheres, com idades entre 17 e 33 anos – média de 20,75 anos nas entrevistas –, regularmente matriculadas no 3º ano do Ensino Médio. Assim, foi possível verificar os significados que as mulheres tinham da cidadania, através dos aspectos objetivos e subjetivos da fala e do entendimento no momento real. O estudo das representações sociais possibilitou a leitura e a interpretação dos dados de acordo com a realidade presente das mulheres entrevistadas. Buscamos, então, aprofundar os significados atribuídos por essas mulheres, a partir das entrevistas realizadas. Com base na análise de conteúdo temático (BARDIN, 1977), foi possível identificar quatro grandes temas destacados das falas das mulheres no que se refere à cidadania: percepção sobre ser mulher, ser mulher na escola, liberdade e cidadania e expectativas para o futuro. O tema percepção de ser mulher aparece quando elas são unânimes ao afirmar que ser mulher é algo bom ou ótimo, entretanto, reconhecem a existência de fortes diferenças entre elas e os homens, na medida em que eles seriam menos discriminados e teriam maior participação social, maior participação no mercado de trabalho, enfim, mais direitos que elas na sociedade. O tema ser mulher na escola surge quando as mulheres afirmam que no espaço escolar são menos discriminadas e excluídas pelos colegas, principalmente pelo corpo docente, mas apontam que os livros didáticos ainda reproduzem tais exclusões. Elas dizem que nos livros ainda é frequente as mulheres serem apresentadas em condições inferiores, quando aparecem, uma vez que a predominância é da figura e da linguagem masculina. Nesse sentido, podemos chamar a atenção do apontado por Freire (1992, p.68): “mudar a linguagem faz parte do processo de mudar o mundo. A relação entre linguagempensamento-mundo é uma relação dialética, processual, contraditória. É claro que a superação do discurso machista, como a superação de qualquer discurso autoritário, exige ou coloca a necessidade, concomitantemente como o novo discurso, democrático, antidiscriminatório, nos engajarmos em práticas também democráticas”. No que se refere à questão de liberdade e cidadania, os resultados apontam para um modelo patriarcal, que promove múltiplas exclusões, atuando na ordem da subjetividade e da objetividade. As desigualdades de gênero são reproduzidas tanto na família e na sociedade quanto, em parte, nas escolas, promovendo situações de discriminação e de papéis estereotipados, que afastam as mulheres da plena possibilidade de vivência da cidadania, revelando condições de exclusão de ordem material e também de ordem simbólica. “A opressão, que é um controle esmagador, e necrófila. Nutre-se do amor a morte e não do amor à vida” (FREIRE, 2005, p. 74). Por fim, aparecem as expectativas para o futuro. É importante observar que, embora apontem mudanças e novos processos na escola, ao falar do futuro, as mulheres reconhecem que mesmo estudando não terão melhores condições de trabalho. Em sua grande maioria, assumem que o trabalho doméstico é o futuro que lhes é reservado, uma vez que se consideram ainda discriminadas no mercado de trabalho e no contexto social em geral. Dessa forma, observou-se que, mesmo com maior escolaridade, as mulheres entrevistadas não percebem uma vinculação da educação com um aumento de sua participação na sociedade, isto é, ocorre a ausência de uma educação voltada para a consciência real no sentido de alcançar uma educação como prática para a liberdade, como apontado em Freire (2000). Há, portanto, uma distância entre a representação social da cidadania dessas mulheres e as expectativas que elas têm em relação a si mesmas. Elas conhecem os elementos que constituem a cidadania e a necessidade de possuí-los para uma vida digna. Contudo, ao destacar os estereótipos e discriminações sofridas, mesmo admitindo que não gostem de tal situação, terminam por justificá-la como uma questão de cultura, sem vislumbrar sugestões de mudanças. Nessa visão, fez-se e faz-se necessária a implantação de uma proposta social na área da cidadania e educação, e especificamente na questão de gênero no feminino, para facilitar e ampliar as ideias, propostas e conhecimentos, colocando as mulheres diante do terceiro milênio, como protagonistas. Romper com tais princípios a partir de novas leituras implica em mudanças concretas, objetivas e também subjetivas. Como sugeriu Freire (2005, p.81) a educação como prática de liberdade [...] implica a negação do homem abstrato, isolado, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens” REFERÊNCIAS: BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa / Portugal: Edições 70, 1995. FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ____. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. ____. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, 2005. MINAYO, M. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.