O euro e o fluxo de capitais para o

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O euro e o fluxo de capitais para o
Brasil
MICHAEL PETTIS
Com a introdução do euro em 1º de janeiro, Alemanha, Espanha,
França, Itália e sete outros países da União Européia estão em
meio à maior experiência monetária na história. Porque trata-se de
uma experiência tão nova, é difícil prever quais serão as
conseqüências da moeda comum. É seguro dizer, porém, que,
dado o tamanho imenso das economias européias combinadas
(quase tão grande quanto a economia norte-americana), o euro
terá efeitos importantes e abrangentes na Europa e no restante do
mundo.
No terceiro trimestre de 1998, Robert Mundell, professor de
economia da Universidade Columbia, publicou no "Wall Street
Journal" uma série de artigos perceptivos quanto ao euro. Em um
desses artigos, ele fez uma afirmação, quase que casualmente, que
acredito seja extremamente importante e digna de exploração
posterior. Mundell alegou que um dos efeitos da combinação de
11 mercados de menor porte em uma entidade única será um
aumento imediato na liquidez do mercado. Efetivamente, 11
mercados separados de bônus e ações, denominados em 11
moedas diferentes, com cada mercado dominado por um grupo
separado de corretores, em geral nacionais, darão lugar a um
mercado único, denominado na mesma moeda. As operações,
portanto, se tornarão cada vez mais regionais, à medida que as
barreiras comerciais e os custos friccionais declinam e os 11
mercados sejam tratados cada vez mais como um único mercado
por investidores, corretoras, bancos e autoridades regulatórias.
Isso tem importantes conseqüências para o mercado. Sabe- se
bem, entre os operadores, que a liquidez de uma emissão
específica de bônus ou ações é mais que uma função linear do
tamanho da emissão. Em outras palavras, uma emissão de US$
100 milhões em bônus pode ter um décimo do tamanho de uma
emissão de US$ 1 bilhão, mas a quantidade de operações e o giro
da emissão de US$ 1 bilhão provavelmente serão mais do que 10
vezes maiores. Isso é importante porque, à medida que cresce o
volume de operações, o risco de se fazerem mercados declina e
os operadores conseqüentemente podem oferecer custos
operacionais inferiores e técnicas de hedge mais eficientes (que,
por sua vez, causam aumentos ainda maiores no volume de
operações).
Uma queda no custo das operações torna mais fácil avaliar,
monetizar e usar as emissões de maior parte como caução de alta
qualidade para empréstimos. A capacidade de trocar esses bônus
por dinheiro e reconverter o dinheiro em bônus outra vez fará com
que os investidores nos tratem cada vez mais como equivalentes a
dinheiro, e a criação de um mercado de margens grande e com
alta atividade ampliará o uso desses títulos em empréstimos de
margem. De fato, as emissões maiores serão mais "dinheiro" do
que as menores.
Algo semelhante acontecerá no mercado da Europa como um
todo. Onze mercados menores estão sendo combinados em um
mercado que terá quase dois terços do tamanho do mercado
norte-americano de títulos. À medida que as barreiras comerciais
e os custos operacionais caírem ou forem eliminados, o volume de
operações aumentará significativamente. Atualmente a Europa,
diferentemente dos Estados Unidos, não dispõe de nada parecido
com os bônus do Tesouro ou outros títulos hipotecários que agem
como padrão básico do mercado., Uma das conseqüências do
euro pode ser exatamente a criação de instrumentos de alta
liquidez que sirvam como parâmetros de mercado.
Porque são fáceis de avaliar, fáceis de monetizar e portam custos
de transação baixos, essas emissões-padrão de alto valor
certamente se tornarão mais semelhantes a dinheiro, e com efeito
estimularão significativamente a liquidez dos mercados europeus.
Será como ampliar a base monetária da Europa -ainda que essa
ampliação seja inicialmente dirigida apenas ao mercado de títulos
e não ao mercado de produtos (de modo que ela não será
inflacionária num primeiro estágio). Se isso acontecer, à medida
que aumentar a liquidez do mercado, a quantia de capital passível
de investimento pode aumentar e se expandir aos mercados de
baixa qualidade de todo mundo, incluindo os de ações, "junk
bonds" e bônus de mercados emergentes.
Eu escrevi muitas vezes nesta coluna sobre a importância das
condições de liquidez globais para os fluxos internacionais de
capital. Países de mercado emergente como o Brasil são
extremamente sensíveis às mudanças nesses fluxos internacionais
de capital. De fato, a história econômica da América Latina sugere
que o crescimento econômico em geral ocorre quando está fluindo
capital internacional para a região, o que sugere que esse fator
externo possa ter efeito ainda maior do que o de eventos locais, a
curto prazo, sobre o crescimento e o investimento. O boom dos
mercados emergentes nos 15 anos passados, por exemplo, foi
sustentado em larga medida pela crescente liquidez nos mercados
dos Estados Unidos e pelos fluxos de capital do Japão para os
Estados Unidos, parte dos quais foi redirigida a mercados
externos.
Porque a sustentabilidade desse processo não é infinita, muitos
economistas se preocupam com as conseqüências caso os
Estados Unidos sofram uma grande crise de liquidez que reverta a
expansão dos últimos 15 anos. Há fortes evidências de que as
crises de dívida surgem em larga medida durante períodos de
aguda contração monetária nos principais países credores do
mundo, e a última vez em que vimos uma contração monetária
sustentada nos Estados Unidos foi, evidentemente, em
1980-1982, imediatamente antes das terríveis crises da dívida na
chamada "década perdida".
No entanto, o que quer que aconteça nos Estados Unidos, há uma
boa chance de que ao longo dos próximos três anos a Europa
contribua mais para a expansão de capital do que no passado
recente. O boom dos mercados emergentes, que já dura há tanto
tempo e que recentemente começou a parecer cansado e frágil,
terá então pelo menos um último fôlego. Isso beneficiará o Brasil?
Os principais beneficiários provavelmente serão os mercados
emergentes do Leste Europeu, já que representam um canal mais
natural para os fluxos de investimento e capital da Europa. Os
mercados mundiais estão interconectados, porém, e o volume dos
fluxos de capital terá efeito, por si só, sobre o investimento
estrangeiro na América Latina. A despeito dos riscos de curto
prazo e das contradições nas políticas econômicas brasileiras, e
mesmo que haja outra crise este ano, o efeito do euro pode ser
dar ao Brasil alguns anos a mais de crédito relativamente fácil para
colocar em ordem suas condições monetárias e fiscais.
Tradução de Paulo Migliacci
Quem é MICHAEL PETTIS
norte-americano, 39 anos, mestre em finanças, diretor-executivo do banco
de investimentos Bear Stearns e professor de finanças na Graduate School
of Business da Columbia University (EUA).
E-mail: [email protected]
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