Temor de risco afeta os mercados emergentes

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Pou, Pedro. “Temor de risco afeta os mercados emergentes”. São Paulo: Folha de São Paulo, 11 de
novembro de 2000.
Temor de risco afeta os mercados emergentes
PEDRO POU
Até a metade do ano passado, um dos maiores riscos para a economia mundial era a possibilidade de um
pouso de emergência dos Estados Unidos. Mais recentemente, os efeitos da política monetária sobre o
nível de crescimento, a inflação e o valor das ações geraram uma impressão de que esse risco passou.
Se isso é verdade para as economias industrializadas, não é o caso para os países emergentes, já que o
esfriamento da economia dos Estados Unidos foi acompanhado de um temor maior por mercados de risco.
Isso é mostrado claramente na margem entre títulos de países subdesenvolvidos e os AAA do Tesouro dos
EUA. A margem aumentou de cerca de 140 pontos-base (o equivalente a 1,4 ponto percentual), antes da
crise russa de 1998, para cerca de 300 pontos-base durante a crise. Saltou novamente em maio deste ano
com a queda da Nasdaq e recentemente atingiu seu nível mais alto, de 364 pontos-base.
Esse grande aumento implica um aumento da aversão ao risco, porque o mesmo instrumento com o
mesmo risco hoje exige um prêmio maior que o dos bônus mais cotados.
Ao mesmo tempo, a liquidez desses instrumentos está secando. As emissões totais de bônus corporativos
BB no mercado americano caíram de um nível mensal de US$ 7,5 bilhões, em 1999, para US$ 2,5 bilhões,
no mês passado.
Os mercados emergentes sofreram consideravelmente com esse aumento na aversão ao risco, por um lado,
e pela falta de liquidez, do outro. A falta de liquidez nos mercados representa uma maior instabilidade que
consequentemente um risco ainda maior. Os investidores exigiram, portanto, retornos ainda mais altos.
A Argentina, assim como vários outros países de mercado emergente, sofreu em consequência disso. Três
outros fatores externos também afetaram sua economia: a mudança adversa em termos de comércio
devido à queda dos preços de commodities (exceto o petróleo), que começou depois da crise asiática; a
queda significativa nas moedas dos dois principais parceiros comerciais do país, o Brasil e a União
Européia; e a contração da política monetária americana.
Pelo menos dois problemas domésticos também influíram.
Primeiro, o mercado de trabalho carece de flexibilidade. A maior parte do ajuste a esses choques resultou
em mais desemprego, ao lado dos custos sociais e políticos que isso acarreta.
O segundo problema é mais político. A Argentina tem um governo de coalizão, e existe um leque de
opiniões. Recentemente, o vice-presidente Carlos "Chacho" Alvarez, do segundo partido da coalizão,
renunciou, trazendo à luz as diferenças.
No entanto a Argentina realizou profundas reformas estruturais. Estas incluem o sistema monetário, que
alcançou a estabilidade de preços e da taxa de câmbio; a abertura da economia ao comércio, tanto em bens
e serviços como em capital; a liberalização por meio da privatização e desregulamentação; uma reforma
completa do setor financeiro; a mudança do sistema de seguridade social; e instituições fiscais reforçadas
para garantir a manutenção de uma política macroeconômica coerente.
Essas mudanças permitiram que a Argentina enfrentasse de maneira razoável vários choques sérios. No
entanto a economia continua vulnerável aos choques financeiros. O governo adotou a estratégia de
emprestar dinheiro no exterior, e não no país, de modo a não forçar o investimento doméstico privado, o
que provocou o aumento da dívida externa.
Por isso o recente aumento nas margens teve tal impacto. Em termos gerais, as margens das dívidas dos
mercados emergentes são maiores que suas similares nos bônus corporativos americanos, porque
obedecem a um esquema jurídico diferente.
Mesmo assim, é notável ver como essas margens se moveram. Em 1993 a Argentina tinha uma margem de
300 pontos-base sobre o Tesouro americano e aproximadamente 150 pontos-base sobre os bônus
corporativos BB americanos. Hoje, com a mesma margem sobre os BBs, a Argentina poderia esperar
apenas uma margem de 550 a 600 pontos-base sobre o Tesouro americano. A diferença, numa dívida
pública total equivalente a cerca de 45% do Produto Interno Bruto, é de aproximadamente 1,5% do PIB.
Isso é quase igual ao déficit fiscal projetado de 1,8% do PIB para este ano e mais que o déficit de 1,4% do
PIB esperado para o próximo ano.
Essa situação coloca dois desafios principais para as instituições financeiras internacionais, como o Fundo
Monetário Internacional. O primeiro é compreender o que causou esse forte aumento na aversão ao risco e
a queda na liquidez de mercado. O segundo é fornecer medidas que possam aliviar essas tendências,
especialmente nos países que enfrentam problema de liquidez, mais que de insolvência. Isso talvez exija
um pensamento inovador.
Uma abordagem possível seria ampliar o conceito da linha de crédito contingente do FMI para incluir o
contágio de um choque geral -como se discutiu aqui -, em vez de apenas de uma crise de um determinado
país. A vantagem é que isso teria uma natureza fortemente preventiva para problemas de liquidez.
Pedro Pou é presidente do Banco Central da Argentina
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