A importância do citoesqueleto e da matriz para células neoplásicas e metástases. Matriz, células neoplásicas e as metástases. Os tecidos animais e vegetais não são constituídos apenas por células, mas também por um espaço extracelular preenchido por um complexo de componentes fibrosos e protéicos denominados de matriz extracelular (MEC). A matriz extracelular é uma estrutura constituída por várias proteínas e polissacarídeos distribuída de forma diferente entre os vários tecidos do organismo. Este meio ambiente oferece condições adequadas para o crescimento e diferenciação das células, favorecendo desta forma a sobrevivência dos tecidos. As células se aderem entre si e à matriz extracelular através de proteínas de superfície celular chamadas moléculas de adesão celular. Podendo ser moléculas de adesão célula-célula ou moléculas de adesão matriz extracelular-célula. Certos componentes da matriz extracelular (MEC), incluindo fibronectina, laminina e colágeno, têm capacidade para enlaçar-se a receptores celulares. A degradação da MEC se constitui em um evento essencial em muitos processos fisiológicos como durante o desenvolvimento embrionário, crescimento e reparo dos tecidos. Porém, este mecanismo também está diretamente relacionado ao processo de invasão e metástase tumoral, o qual se constitui no principal fator prognóstico dos pacientes portadores de câncer. Já que as interações entre células neoplásicas e constituintes da matriz extracelular (MEC) interferem fortemente no desenvolvimento tumoral, pois influenciam a proliferação e sobrevivência celular, bem como a sua capacidade de migrar do sítio primário para outros tecidos e formar metástases. O câncer inicia-se a partir da transformação de um clone de células normais como resultado da ação de vários agentes mutagênicos que acarretam a perda do equilíbrio homeostático celular e, conseqüentemente, uma proliferação descontrolada. Contudo, um nódulo de células neoplásicas só se tornará realmente fora de controle orgânico quando adquirir a capacidade de degradar a matriz extracelular, sob o efeito da produção de enzimas proteolíticas, e de liberar fatores angiogênicos. Os fatores angiogênicos promoverão a vascularização da massa tumoral suprindo-a de oxigênio e nutrientes, indispensáveis a seu posterior crescimento. Os vasos sangüíneos e linfáticos, em contato com o tumor, também poderão favorecer o processo de metástase. A metástase tumoral se refere à transferência de células tumorais desde um órgão ou parte dele para outro não diretamente relacionado por contigüidade, constituindo a mais grave complicação e principal causa de morte em pacientes com câncer (90% das mortes ocorrem em função dos tumores secundários). O processo de metástase inicia com a ruptura da interação local célulacélula, alterando a membrana basal, invadindo e infiltrando o tecido circunvizinho, atingindo e penetrando o interior dos vasos sanguíneos ou linfáticos (intravasamento), com a conseqüente transportação destas células neoplásicas pela corrente sanguínea. O processo metastático continua com uma sobrevivência na circulação, a detenção em terminações capilares de órgãos distantes e o escape destes vasos (extravasamento), para o estabelecimento e posterior desenvolvimento de tumores secundários. A união celular é mais que somente o fato de duas células se encontrem estreitamente juntas, sendo um mecanismo de união complexo, com a participação de moléculas de adesão próprias das células, considerando a interação com a matriz extracelular, o citoesqueleto e seu estado metabólico. O crescimento tumoral resulta de um desequilíbrio entre proliferação celular e apoptose e é influenciado pela angiogênese, enquanto o potencial metastático é influenciado por alterações na interação célula-célula e célula-matriz. O papel da matriz extracelular no microambiente tumoral não está limitado somente a atuar como barreira física à neoplasia, mas funciona como um reservatório para proteínas ligantes e fatores de crescimento que influenciam o comportamento do mesmo. A capacidade das células malignas destruírem a membrana basal e os demais componentes da MEC tem sido relacionada ao potencial invasivo destas neoplasias.Durante o processo de invasão tumoral, as células neoplásicas atravessam dois tipos de matriz (membrana basal e estroma intersticial) e reações bioquímicas entre células normais e a MEC influenciam no processo de invasão tumoral na neoplasia. Os constituintes da MEC contribuem diretamente ou indiretamente no processo de tumorigênese, pelo fato dessa estrutura conter componentes potencialmente antiadesivos, moduladores de adesão, proliferação e migração celular. A constituição básica da matriz é de proteínas fibrosas como o colágeno e elastina, e de glicoproteínas alongadas como a fibronectina e laminina, que têm uma função de proporcionar adesão célula-matriz, além de glicosaminoglicanas e proteoglicanas que formam um leito constituído por um gel, onde se encontram imersos todos os constituintes da matriz. A MEC pode regular o comportamento celular por vários mecanismos: primeiro através da composição de suas proteínas em um determinado tecido e segundo por interações sinérgicas entre fatores de crescimento e moléculas de adesão ou por receptores celulares que medeiam a adesão de seus componentes. Os colágenos representam uma família de proteínas características com mais de 20 tipos conhecidos, presente em todos os animais multicelulares, sendo o componente de maior quantidade em todas as matrizes extracelulares. Pesquisas tem demonstrado descontinuidade dos diversos tipos de colágeno durante o processo de invasão tecidual por células neoplásicas. A laminina é uma outra proteína associada à membrana basal que funciona como adesina, ligando as células basais do epitélio ao colágeno IV. Tem sido relacionada diretamente a estágios avançados de diferenciação celular, sendo pré-requisito para diferenciação terminal e execução de funções especializadas, por interagir com as integrinas e outros componentes da superfície celular assim como controlar a migração celular, polarização, proliferação e apoptose. Foi evidenciada nas pesquisas de Tosios uma tendência para descontinuidade linear tanto da laminina como do colágeno IV durante o aumento gradativo da displasia, e em áreas de invasão tumoral profunda mais do que em regiões centrais ou superficiais dos tumores. No tocante à fibronectina, uma glicoproteína adesiva da MEC, tem sido sugerido que sua perda durante a carcinogênese pode permitir a livre migração das células neoplásicas. Sua expressão vem sendo relacionada a pobre prognóstico em tumores de cabeça e pescoço, fato este, comprovado nos estudos desenvolvidos por Kannan em mucosa oral normal e carcinomas epidermóides e por Zidar que detectaram aumento gradativo da fibronectina nas membranas basais dos carcinomas epidermóides de laringe estudados, tendo sido detectado também que esta expressão era inversamente proporcional à densidade do infiltrado inflamatório associado e ao grau de diferenciação tumoral. Segundo alguns autores, há indícios de que também as células tumorais, e não somente as estromais, possuem capacidade de sintetizar a fibronectina, depositando-a em membrana basal e matriz peritumoral, visando provavelmente, facilitar sua aderência e posterior migração através do estroma tumoral. A tenascina é uma glicoproteína adesiva da MEC expressa em interações epitélio-mesenquimais durante a embriogênese e tumorigênese. Esta proteína possui vários domínios de ligação, mediando assim a adesão célula-célula, migração celular, bem como adesão celular à própria matriz através das ligações da fibronectina a proteoglicanos.Quando esta proteína é produzida por células neoplásicas malignas, parece ocorrer um aumento na proliferação e migração, provavelmente pelo fato de ter propriedades antiadesivas, por bloquear a ligação da fibronectina às células. Pesquisas descreveram um modelo no qual a tenascina prejudica a função adesiva da fibronectina através da sua ligação ao FNH13, inibindo dessa forma a função do co-receptor sidecan-4 na sinalização para as integrinas induzida pela fibronectina. Miranda analisou a correlação do padrão de expressão de várias proteínas da MEC, como laminina, colágenos I e IV, fibronectina e tenascina em carcinomas epidermóides de lábio inferior e de língua com gradações histológicas variadas, e observou que o colágeno IV e a laminina estavam ausentes na membrana basal dos ninhos celulares neoplásicos na maioria dos casos estudados e quando presentes a marcação era fraca. A fibronectina esteve imunomarcada em todos os casos estudados e a tenascina expressou-se de forma intensa em membrana basal epitelial, na maioria dos casos estudados, estando presente também no estroma peritumoral, predominando fraca intensidade no lábio e de moderada a forte na língua. Para o colágeno I, foi observada expressão focal em ambos grupos de carcinomas, com fraca intensidade de reação e padrão predominantemente fibrilar e desorganizado. O autor sugeriu então que os carcinomas epidermóides de língua possuem maior potencial de invasividade e comportamento mais agressivo quando comparados com os de lábio inferior. A degradação da matriz consiste em um evento chave na invasão e metástase dos tumores. Esta degradação se dá por ação de enzimas proteolíticas, denominadas de metaloproteinases (MMPs), que atuam desorganizando a matriz, através de processos que alteram as interações célula-célula e célula-matriz. Existem, atualmente, no mínimo, 20 tipos de MMPs humanas, as quais são agrupadas de acordo com a estrutura e substrato específico em: colagenases (MMP-1, 8 e 13), estromelisisnas, gelatinases (MMP-2, -9) e metaloproteinases ligadas à membrana plasmática. Essas enzimas podem ser produzidas tanto pelo estroma tumoral como pelas próprias células neoplásicas, as quais também segundo Yves e Derderck também podem interferir no processo de adesão célula-célula pela degradação da E-caderina. Segundo Murray e Nabeshima, a superexpressão das MMPs tem sido evidenciada e relacionada ao prognóstico em diversos tipos de carcinomas. Assim, verifica-se que a MEC e as MMPs, por influenciarem várias funções celulares durante a carcinogênese e por estar diretamente relacionadas ao comportamento dos carcinomas, devem merecer atenção especial quando do estudo dessas entidades, já que a MEC e sua degradação representam os elementos chaves na compreensão dos mecanismos envolvidos com a invasão tumoral. Alterações na composição da matriz extracelular através da superexpressão da tenascina, ou descontinuidade na estrutura do colágeno, fibronectina e laminina, além da presença das MMPs, influenciam o comportamento das células neoplásicas, agindo sobre o crescimento tumoral, adesão tecidual, invasão e metástases, os quais representam os principais fatores indicadores de prognóstico e sobrevida dos pacientes portadores desses carcinomas. Citoesqueleto, células neoplásicas e as metástases. O citoesqueleto é uma das estruturas celulares, que possui uma variedade de funções como: contração muscular, transporte intracelular de vesículas, segregação dos cromossomos nos eventos de mitose é responsável também pela variedade de formas e da execução de movimentos coordenados e direcionados permitindo o tráfego intracelular de organelas. As mais notáveis alterações morfológicas que ocorrem no citoplasma de uma célula cancerosa envolvem o citoesqueleto. Enquanto uma célula normal contém organizada rede de microtúbulos, microfilamentos, e filamentos intermediários, o citoesqueleto da célula cancerosa é desorganizado e com redução de conteúdos dessas organelas. Pesquisas vêm revelando que ele é importante na invasibilidade de células malignas, incluisive na habilidade e capacidade em migrar para outros órgãos e tecidos. Este processo requer uma maquinaria intracelular propícia para motilidade e dinâmica de adesão ao substrato que o citoesqueleto confere. O câncer é causado principalmente por mutações dos genes das células somáticas, sendo necessários vários anos para o acúmulo dessas mutações. Assim, observa-se que o câncer está relacionado ao processo de envelhecimento celular. Existem relatos de que as mudanças nas funções dos elementos do citoesqueleto têm papel fundamental no processo de envelhecimento (RAO e COHEN, 1991). Nota-se então que existe uma relação entre as mudanças do citoesqueleto com o desenvolvimento do câncer. Rao e Cohen (1991) observaram que alterações na estrutura da actina componente do citoesqueleto estão associadas à proliferação celular e neoplasia. Alterações da organização e função da actina são possíveis mecanismos envolvidos na formação de tumores malignos (BEM-ZEEV,1985; HOLME, 1990). Vários promotores de tumores, por exemplo, são conhecidos por induzirem a reorganização da actina em diversos tipos celulares (RAO,1985; SASTRODIHARDJO e col., 1987; SOBUE e col.,1988; KELLER e col., 1989; BIRREL e col., 1990) e mudanças na organização da actina foram observadas em diversas linhagens transformadas (POLLAK e col., 1975; WANG e GOLDBERG,1976; KOFFER e col., 1985; BEMZEEV, 1986). Infecções virais também podem ser causadoras do câncer e afetam profundamente a arquitetura da actina do citoesqueleto (JACSON e BELLET,1989). O tecido tumoral periférico é rico em actina, e alguns estudos sugerem que a mesma esteja envolvida na capacidade de invasão das células cancerígenas (GABBIANI e KOCHER,1983). Realmente, células de melanoma B16, uma linhagem com capacidade metastática elevada, parecem ter mais actina-f (actina filamentosa) quando comparada a outros tumores menos invasivos (HOLME e col. 1987). Existem ainda relatos de que um aumento na síntese da actina parece estar envolvido na transformação benigna de tumores e no potencial metastático (RAZ e GEIGER, 1982; FRIEDMAN e col., 1984).